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Estelionato educacional

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EDITORIAL:  JFSP  –  O editorial "Estelionato educacional" foi publicado hoje (28) no jornal Folha de S.Paulo:

"O Ministério da Educação (MEC) ameaça punir 89 (17,5%) dos 510 cursos de direito avaliados pela instituição. Estão com a corda no pescoço as faculdades que obtiveram notas 1 e 2 (numa escala que vai até 5) no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que avalia o conhecimento de universitários, e no IDD, que indica quanto conhecimento as escolas conseguiram transmitir.

Os cursos que foram para o índex terão de passar por um processo de supervisão. Têm prazo de dez dias para traçar um diagnóstico de seus problemas e propor providências. Se o MEC as considerar insuficientes, poderá dar início a um processo administrativo com previsão de sanções que vão da redução das vagas até o fechamento da escola.

Já não era sem tempo de o ministério tomar uma atitude mais incisiva. Há anos proliferam no mercado educacional brasileiro verdadeiras arapucas, incapazes de fazer seus alunos aprenderem, mas muito eficientes na hora de cobrar mensalidades.

No passado, o MEC já tentou -sem muito sucesso- enquadrar as escolas com renitente história de fracasso. Espera-se que, desta feita, tenha êxito.

Cursos perigosamente ruins devem ser extintos por duas razões. Representam violação aos direitos do consumidor de seus alunos, que estão comprando gato por lebre, e constituem, em princípio, uma ameaça à ordem pública, ao despejar no mercado profissionais incompetentes.

No caso específico do direito, tal efeito até que é mitigado pela exigência de exame de habilitação imposto pela Ordem dos Advogados do Brasil. Se não forem aprovados no teste da OAB, os bacharéis não poderão advogar.

Só que o mesmo filtro não existe para outras carreiras, como medicina -próximo alvo do MEC-, nas quais as conseqüências do despreparo podem ser ainda mais devastadoras."

 


FONTE:  OAB-DF, 28 de setembro de 2007

STJ nega homologação de sentença que previa apenas juízo estrangeiro em caso de litígios

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DECISÃO:  STJ   – A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso de G.L., cidadão canadense, contra a decisão do Tribunal que rejeitou pedido de homologação de sentença estrangeira. A homologação foi negada pelo STJ porque previa a renúncia das partes à jurisdição brasileira em caso de ações futuras sobre a guarda dos filhos do casal que se separou. O processo foi relatado pelo presidente do STJ, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, e a decisão da Corte foi unânime.

No recurso, G.L. reiterou seus argumentos favoráveis à homologação da sentença porque seria resultado de acordo firmado entre as partes – ele e a ex-esposa R.M., cidadã brasileira. O acordo, segundo G.L., estaria definindo o regime de guarda compartilhada dos filhos do casal e a visitação aos menores. A sentença estrangeira também teria considerado o domicílio dos menores à época, que, como os pais, residem no Canadá.

Para o ministro Barros Monteiro, relator do processo, ao contrário do alegado pelo recorrente (G.L.) – no sentido de que a decisão estrangeira sujeita à homologação se refere, basicamente, à cláusula que definiu a guarda compartilhada dos menores –, “o acordo homologado pela Corte Canadense elegeu o Tribunal Superior de Quebec, Comarca Judiciária de Montreal, como foro competente para decidir as questões que, por acaso, surjam a respeito da guarda dos filhos”.

Segundo o ministro, “a própria sentença faz referência ao ‘Acordo sobre a jurisdição do Tribunal’”. Diante disso, para o relator, “a renúncia à jurisdição brasileira para apreciar litígios futuros relativos à guarda mostra-se, portanto, inequívoca; bem como flagrante a ofensa à soberania nacional e à ordem pública”. O voto do relator foi acompanhado por todos os membros da Corte.

O presidente do STJ citou trechos da decisão contestada por G.L. com destaque ao parecer do Ministério Público, desfavorável ao pedido de homologação da sentença por entender inadmissível a renúncia à competência da Justiça brasileira. “Como bem ressaltou o representante do Parquet (MP), ‘o caso é de competência concorrente e não absoluta, o que não impede, se for o caso, de a justiça brasileira, se provocada, manifestar-se sobre a questão, principalmente quando envolve menor”, salientou o Ministério Público.


FONTE:  STJ, 28 de setembro de 2007.

A Participação Popular na Gestão Pública como razão constituinte do Estado Democrático de Direito

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*Bruno José Ricci Boaventura

I.  Introdução

O Poder é uno e indivisível, e o exercício de todas as suas funções, inclusive as precípuas, devidamente distribuídas, obedecem ao interesse público, pois é esta a norma fundamental da Administração Pública como reflexo da norma constitucional fundamental da sistematicidade jurídica: todo poder emana do povo[1].

A clareza da linguagem do Poder é quando podemos com clareza afirmar aquilo que está do que não está de acordo com o direito, como bem elucidou Luhmann[2]

Conjugando a detenção do poder do povo com a necessidade de clareza do poder, temos, indubitavelmente, a base da formação do Estado Democrático de Direito, que conforme Lênio Luiz Streck, será concretizada com a participação popular:

“Já a forma/modelo de Estado Democrático de Direito está assentado nos dispositivos que estabelecem os mecanismos de realização da democracia – nas suas diversas formas – e dos direitos fundamentais. Não esquecemos que o Estado Democrático de Direito constitui uma terceira forma de Estado de Direito exatamente porque agrega um plus às formas anteriores (Liberal e Social), representado por esses dois pilares: democracia e direitos fundamentais. Assim, o art. 1º estabelece que o Brasil é uma República que se constitui em Estado Democrático de Direito. A soberania popular, prevista no parágrafo único do art. 1º, é o sustentáculo do Estado Democrático, podendo ser exercida sob diversas formas, inclusive diretamente, tudo ancorado no pressuposto do pluralismo político garantido pela Lei Fundamental.”[3](Grifo nosso)

A previsão de participação popular em todos os atos decisivos no exercício do poder é justamente a diferença entre o mero Estado de Direito, e um concreto Estado Democrático de Direito, conforme leciona Carlos Ari Sunfeld[4].

Assim o fluxo de diretrizes do Estado, deixou de ser meramente burocrática, para atingir o nível democrático, no qual as ordens partem de baixo para cima e não de cima para baixo, como bem já descreveu José de Albuquerque Rocha[5].

Assim ao estabelecer os critérios para caracterização de todo e qualquer processo democrático Robert Dahl coloca como indispensável a possibilidade do controle do programa de planejamento governamental pela comunidade: “Os membros devem ter a oportunidade exclusiva para decidir como e, se preferirem, quais as questões que devem ser colocadas no planejamento.”[6]

A evolução atual do Estado, com a inserção do modo democrático organizativo, aprimorou os mecanismos de fiscalização pela sociedade, caracterizando como de importância fundamental. Para a concretização do controle social, como sucedâneo da participação popular, é imperioso que exista a transparência dos atos governamentais. É inadmissível no Estado Democrático de Direito que o governo fique enclausurado, hermético, sem dar satisfação de seus atos, estes são os ensinamentos de Hélio Saul Mileski[7].

O controle social emerge como imperativo de estatura constitucional, mas não pode receber contornos apenas teóricos, mas sim uma expansiva vinculação ético-jurídica entre a atuação do controlador social e a daqueles que exercem poderes-deveres no seio do aparato estatal, como já bem ressaltou Juarez Freitas[8].

A cidade como a nação vive o descalabro da miséria em algumas localidades, e a riqueza em outras poucas, portanto para que possamos melhor distribuir a riqueza com o equacionamento da divisão do bolo arrecadado necessitamos basearmos em indicadores objetivos, como o próprio Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.

Assim o Estado Democrático de Direito Social, última versão filosófica da tentativa do homem dar ao homem aquilo que minimamente o homem precisa (princípio da dignidade humana), incluiu em seu bojo mecanismos de transparência, participação popular e controle social. 

II. A Participação popular na gestão pública

A participação popular deve estar inserida na gestão da cidade, somente com esta inclusão de forma efetiva dos cidadãos nas tomadas das decisões poderemos ter um comprometimento social com o próprio desenvolvimento, conforme coloca Janaína Rigo Santin.[9]

O princípio da participação popular, com o advento da Constituição Federal de 1.998, norteia toda a organização da Administração Pública, tem como características ser implícito, derivado e estruturante, como bem leciona Evandro Martins Guerra e Manuella Lemos Ribeiro[10]. 

Gilmar Ferreira Mendes destaca, de muitos, dois efeitos positivos da participação popular quanto a elaboração dos instrumentos de responsabilidade fiscal: o primeiro deles é a maior legitimidade que adquirirão tais instrumentos, uma vez que sua confecção foi feita com respaldo da sociedade; o segundo tem a ver com o fato de que os esboços de tais instrumentos podem ser maximizados em sua qualidade com a interação entre sociedade e Poder Público, tanto porque, diversas vezes, este não possui a devida acuidade para perceber as carências sociais, tanto porque, tecnicamente, eles podem ser aprimorados com a colaboração dos diversos entes sociais.[11] 

A Constituição Estadual de Mato Grosso, por exemplo, evidencia-a no inciso VI do artigo 3º, e no inciso V e do artigo 5º como objetivo prioritário do Estado, acredito que entendido como de uma forma a integrar o próprio Município, a participação social nas decisões como forma efetiva de aperfeiçoamento democrático das instituições[12]. 

A Lei Federal no 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, estabelece, para efeitos de analogia, na alínea f) do inciso III do artigo 4º a gestão orçamentária participativa. Já nos incisos II e IV do artigo 43 que a gestão democrática da cidade realiza-se através de debates e consultas públicas, inclusive com a iniciativa popular de planos de desenvolvimento[13].

A participação efetiva das comunidades na elaboração dos planos já é realidade em muitas cidades do Brasil, e principalmente nos países ditos desenvolvidos, mas como ressalta a obra coordenada por Flávio da Cruz, para que se torne prática seria necessário incentivar, e uma Lei específica é um importante meio para tal fim[14].

Ruy Samuel Espíndola esclarece a existência do princípio da legitimidade da despesa pública como um dos setoriais da administração pública:

“O Princípio da Legitimidade está previsto no artigo 70, caput, da Constituição Federal. Por ele, nosso Direito positivou, de forma mais peremptória, um olhar mais substancialista, material, não meramente formal por sobre os atos administrativos e sua fiscalização. Nele se fundamenta a necessidade de o Administrador consultar a aspiração geral, a vontade dos cidadãos, auscultar suas carências e desejos vertidos em interesse público. Atos, despesas e receitas legítimas são aquelas que atendem aos anseios populares, anseios estes, em uma federação, medidos em cada unidade federativa, em cada povo nela existente. (…) Também esse princípio é paramétrico no controle de constitucionalidade, servindo de invalidação às leis que lhe contrariem o significado.”[15] (grifo nosso).

Assim a participação popular na definição da priorização dos investimentos estará legitimando diretamente a despesa pública como gasto de interesse público.

III. O Controle social como efeito da participação popular

A razão de existir do controle social é bem explicada por José de Ribamar Caldas Furtado como uma questão de direito natural, pois todo aquele que administra coisa alheia fica naturalmente obrigado a prestar contas ao verdadeiro proprietário[16].

A res sendo pública é natural que todos aqueles que a administram prestem contas ao restante da sociedade. È direito de todos os administrados por deterem a legitimidade de escolha dos administradores controlarem a administração, exigindo que o bem público seja finalisticamente usado somente para atendimento do interesse público.

O controle social está inserido no texto magno, entre outros, no inciso XXXIII, do artigo 5º[17]. A Lei Orgânica do Município de Cuiabá traz em seu bojo as diretrizes básicas para a orientação do planejamento municipal, e no inciso I do artigo 94 está a necessidade de democracia e transparência na elaboração, já no inciso II o interesse social como questão a ser considerada[18]. A Constituição Estadual também prevê que a sociedade terá função corregedora sobre o exercício das funções públicas[19].

Um dado que exemplifica a tomada desta consciência é a Carta dos Procuradores Municipais Brasileiros que em 2001 na cidade de Foz do Iguaçu declararam que o controle social do orçamento público é indispensável para dar cumprimento à Constituição e à Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo ser assegurado pelos agentes públicos, adotando-se uma gestão plenamente democrática e participativa.

IV. A transparência fiscal como objetivo da participação popular

A transparência fiscal como aprofundamento evolutivo setorial do princípio da publicidade é própria do regime democrático. Em uma democracia a disponibilização da informação para a livre discussão é um componente jurídico prévio necessário para tomada da decisão que afeta a coletividade e é imprescindível para sua legitimação, como pondera Têmis Limberger[20]. O sigilo torna-se uma exceção de caráter estrito, somente possível quando o próprio interesse público, diante da divulgação da informação corre um grave risco, como nos casos de segurança nacional.

A transparência fiscal como efeito especifico no orçamento do princípio constitucional da publicidade, pode ser detalhadamente consubstanciada no parágrafo 2º do artigo 16 da Constituição Estadual[21]. A Lei Orgânica Municipal também descreve com especificidade que o Município organizará toda a sua contabilidade de forma transparente[22].

A Lei Complementar n.º 101/2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, no parágrafo único do artigo 48 estabelece que a transparência será assegurada mediante incentivo à participação popular durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos[23].

O artigo 74 da Constituição Federal traz os conceitos de eficiência e eficácia inseridos no sistema de controle interno, mas não determina especificadamente tal abrangência[24]. Os princípios basilares do presente projeto, da efetividade, eficiência e eficácia, são conceitos já difundidos pelo Tribunal de Contas da União no auxílio da ação fiscalizadora junto ao Poder Executivo.

Os fins pretendidos com a transparência fiscal são exatamente a efetividade da gestão pública, a eficiência administrativa e a eficácia dos gastos públicos. Estes conceitos apesar de não serem determinados em outras normas, estão implicitamente ou explicitamente previstos, como no inciso II do artigo 94 da Lei Orgânica Municipal de Cuiabá[25].

A avaliação da efetividade refere-se ao exame da relação entre a implementação de um determinado programa e seus impactos e/ou resultados, isto é, seu sucesso ou fracasso em termos de uma efetiva mudança nas condições sociais prévias da vida das populações atingidas pelo programa sob avaliação, como bem ensina Ieda Frasson[26], trazendo este conceito para a elaboração do orçamento temos a efetividade da gestão pública como a capacidade de atendimento das reais prioridades sociais.

A eficiência administrativa seria a capacidade de promover os resultados pretendidos com o dispêndio mínimo de recursos, por isso, determina-se que um projeto torna-se mais eficiente quanto menor for a relação custo/benefício para o atingimento dos objetivos estabelecidos no projeto, como coloca Frasson.

Já na avaliação de eficácia, analisa-se até quais pontos estão sendo alcançados os resultados, representando assim a “medida do grau em que o programa atinge os seus objetivos e metas”, e por esta razão que o presente projeto tem a  eficácia dos gastos públicos como a capacidade de promover os resultados pretendidos com o alcance máximo da meta traçada.

V. O Combate a corrupção como causa da Participação Popular

A Associação Amigos de Ribeirão Bonito – AMARRIBO, entidade destacada nacionalmente pela difusão do combate a corrupção, ao elaborar uma Cartilha colocou que um dos sinais de acontecimento de corrupção na Administração Municipal é o alheamento da comunidade quanto ao processo orçamentário[27]. Ao inversamente considerarmos tal assertiva temos que quanto mais o processo de elaboração do orçamento for transparente, com a participação e sucessivo controle social teremos um maior combate a corrupção.

Este modo preventivo de combate a corrupção pelo controle social já é defendido pela Organização das Nações Unidas – ONU, através da Convenção contra a corrupção, assinada em 11 de dezembro de 2.003 na cidade mexicana de Mérida[28].

No artigo 5º da convenção, sobre políticas e práticas de prevenção da corrupção, há a obrigação dos Estados signatários de formular políticas que promovam a participação da sociedade na gestão dos assuntos e bens públicos.

Já no artigo que trata sobre a informação pública, o artigo 10º, temos que o Estado Parte adotará medidas que sejam necessárias para aumentar a transparência em sua administração pública, inclusive no relativo a organização e funcionamento dos processos de decisões. Neste dispositivo existem algumas medidas que poderiam ser tomadas como: a instauração de procedimentos ou regulamentações que permitam ao público em geral obter, quando proceder, informação sobre a organização, o funcionamento e os processos de adoção de decisões de sua administração pública, com o devido respeito à proteção da intimidade e dos documentos pessoais, sobre as decisões e atos jurídicos que incumbam ao público.

VI. Apontamentos Conclusivos

O alcance prático da participação popular deve estar inserido em todos os meandros do poder público, salvo aquele em que o próprio interesse público corre risco como nos caso de segurança nacional. Seria de todo modo ilógico em um Estado Democrático de Direito faz qualquer tipo de indiferença a participação popular na gestão da coisa pública. 

Além das possibilidades jurídicas concretas de participação popular temos que conquistar a consciência de todos gestores do poder público de que o fim último do Estado é alcançar a justiça social.

 


 

NOTAS

[1] Hely Lopes Meirelles retrata tal realidade: “Referimo-nos à função precípua de cada Poder de Estado porque, embora o ideal fosse a privatividade de cada função para cada Poder, na realidade isso não ocorre, uma vez que todos os Poderes têm necessidade de praticar atos administrativos, ainda que restritos à sua organização e ao seu funcionamento, e, em caráter excepcional admitido pela Constituição, desempenham funções e praticam atos que, a rigor, seriam de outro Poder. O que há, portanto, não é separação de poderes com divisão absoluta de funções, mas, sim, distribuição das três funções estatais precípuas entre órgãos independentes, mas harmônicos e coordenados no seu funcionamento, mesmo porque o poder estatal é uno e indivisível”. In: Direito Administrativo Brasileiro. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 55-56. 

[2] “O poder é, «por natureza», difuso e flutuante. Só com o recurso à distinção entre o poder de acordo com o direito ou em oposição a ele é que se pode ter uma alternativa clara.” In: O Poder, trad. Martine Creusot Martins, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992. p.29.

[3] Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2ª ed. RJ: Forense, 2004 . p.86.

[4] “O mero Estado de Direito decerto controla o poder, e com isso protege os direitos individuais, mas não garante a participação dos destinatários no seu exercício.” In: Fundamentos do Direito Público. 4ª ed. SP:Malheiros. 2003. p.49 

[5] “Nesse sentido vamos fazer uma corte na realidade, isto é, vamos reduzir os inúmeros tipos de organização de poder existentes na realidade, para trabalharmos com apenas dois tipos de organizar o exercício do poder: o burocrático e o democrático. Portanto, para nossos fins, as organizações, do ponto de vista do exercício do poder, ou são burocráticas ou democráticas. As burocracias se caracterizam pelo fato de o poder ser hierarquizado, significando que o exercício do poder está condicionado ao lugar que a pessoa ocupa na organização. Portanto, o poder de mando nas organizações burocráticas decorre do posto que se ocupa nela, de uma relação superior-inferior. Em síntese, a burocracia é o modo de exercício do poder em que este desce dos governantes para os governados, de cima para baixo. As organizações democráticas, ao contrário, se caracterizam pelo fato de o poder derivar da participação política dos interessados na formação dos órgãos de poder, de modo que nem governa o faz em nome de todos, ou da maioria. Em síntese, a democracia é modo de exercício do poder em que este sobe dos governados para os governantes, de baixo para cima (Bobbio)” In: Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 40.

[6] In: Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: UNB. 2001. p.49.

[7] “Com a evolução do Estado, não foram traçados somente novos parâmetros no relacionamento com a sociedade, posto que, em decorrência desses inovadores fatores de ação do Estado, também foram propiciados avanços para os sistemas de controle, com aprimoramento dos mecanismos de fiscalização e surgimento de novos meios de controle, no sentido de ser dada a transparência necessária aos atos governamentais, de onde defluem o surgimento e o fortalecimento do controle social. Portanto, modernamente, no novo tipo de Estado, um Estado democrático de direito e, sobretudo, policrático, o controle social passou a ter importância fundamental para o sistema de fiscalização, que deve ser exercido sobre uma administração imbuída de caráter gerencial. Nesse contexto inovador, o controle social assume aspecto relevante, na medida em que possibilita obtenção de uma maior amplitude ao controle que deve ser exercido sobre a Administração Pública, funcionando como um aliado do Controle Oficial. (…) Transparência, participação popular e controle social estão intimamente interligados e decorrem de um mesmo fator, o Estado moderno, um Estado policrático, que resultou no Estado Democrático de Direito. (…) Nesse contexto, para que haja participação popular, imperiosamente impõe-se a existência de transparência dos atos governamentais.” In: Controle Social: um aliado do controle oficial. Revista Interesse Publico n. 36. Porto Alegre: Notadez. 2066, p. 86.

[8] “Logo, o controle social emerge como imperativo de estatura constitucional, decorrente do princípio maior da democracia, mas nem sempre daí têm decorrido as várias implicações práticas.  (…) Ora bem, o controle social, para fazer jus ao conceito esposado, não pode ser de fachada ou simples ornamentação de estruturas avessas à cidadania protagonista, sendo incompatível com meras discussões ou audiências públicas concebidas, de antemão, para a esterilidade. Essencial, pois, a conquista de autêntica verticalização inclusiva, isto é, de uma expansiva vinculação ético-jurídica entre a atuação do controlador social e a daqueles que exercem poderes-deveres no seio do aparato estatal.” In: O princípio da democracia e o controle do orçamento público brasileiro. Revista Interesse Público Especial. Porto Alegre: Notadez, 2002. p.12.

[9] “Enfim, o processo de gestão democrática na cidade somente será possível através da articulação entre Poder Público e cidadãos, através de mecanismos que devem ser implantados gradativamente e de forma organizada. É preciso possibilitar que a tomada de decisões seja feita por todos, com iguais oportunidades, o que ocasionará a racionalização de recursos e a redescoberta da cidadania em cada um, levando a um maior comprometimento com o social. Só assim ter-se-á uma gestão democrática participativa, de todos e para todos, construindo uma cidade mais humana e mais digna de se viver.” In: O estatuto da cidade e a gestão democrática municipal. Revista Interesse Público n.º 21. Porto Alegre: Notadez, 2003. p.221.

[10] “Como corolário, o nosso ordenamento jurídico, em especial a CR/88, consagrou um novo princípio de organização da Administração, a participação popular. Esse princípio pode ser caracterizado como: implícito, pois não se encontra arrolado no caput do art. 37 ou em qualquer norma constitucional de forma expressa, mas é desvendado a partir da combinação de diversas normas constitucionais (art. 37, § 3º, art. 10, art. 29, X etc.); Além disso é também derivado (subprincípio), pois conectado a outros princípios constitucionais (…), e estruturante da atividade da Administração Pública em diversos graus, pois conduz à formação de processos de decisão e de divisão de funções.” In: O orçamento participativo como instrumento de gestão democrática do município. Revista do Administrador Público: Governet. Publicado no Boletim de Orçamento e Finanças de julho de 2007. p. 612

[11] In: Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. (orgs.). SP:Saraiva, 2001. p.339.

[12]Art. 3º – São princípios fundamentais e constituem objetivos prioritários do Estado: (…)  VI – a efetivação da participação popular na elaboração das diretrizes governamentais e no funcionamento dos Poderes; (…) Art. 5º – A soberania popular será exercida: (…) V – pela participação nas decisões do Estado e no aperfeiçoamento democrático de suas instituições;

[13] “Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: (…) III – planejamento municipal, em especial: f) gestão orçamentária participativa; (…) Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: II – debates, audiências e consultas públicas; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;”

[14] In: Lei de responsabilidade fiscal comentada. Flávio da Cruz (coord.). 2ª ed. SP: Atlas, 2001. P.142 e 144.

[15] Revista Interesse Púbico nº 21. Porto Alegre: Notadez, 2003. p.79.

[16] “Essa relação jurídica deriva do direito natural; é obrigação universal, vale para todos e em toda parte; é incumbência imutável, não se podendo nem cogitar da sua dispensa; é dever que é, pela própria natureza; decorre da racionalidade humana, da ordem regular das coisas; é preceito bom, a priori, não por vontade da lei; não por ser útil, mas por determinação da própria natureza do ato de administrar coisa alheia; é imposição da própria consciência e não da vontade do legislador. É essa força que impulsiona o síndico do condomínio de um edifício a prestar constas de sua gestão, e até mesmo uma criança a informar ao tio o preço do sorvete, justificando o valor do troco devolvido. Quem movimenta recursos alheios tem não apenas a obrigação, como também o direito de prestar contas. Não existe responsabilidade por administração de recurso alheio sem o respectivo dever de prestar contas; assim como não há o dever de prestar contas sem a correlativa responsabilidade por gerência de recurso alheio. Como são institutos jurídicos absolutamente dependentes um do outro, indissociáveis, correlatos, é fácil concluir que o agente que gerencia interesses de terceiros – o responsável – será sempre o mesmo que estará obrigado a prestar contas, ou seja, o titular da prestação de contas. São aspectos distintos, porém resultantes do mesmo fato gerador, qual seja, a gerência de bens de terceiros. De um modo geral, pode-se dizer que a prestação de contas, que deve ser instruída com os documentos justificativos, consiste na discriminação da universalidade das receitas e despesas, concernentes a uma administração de bens, valores ou interesses de outrem, em um determinado período, efetivada por força de lei ou contrato. É obrigação que emana do princípio universal de que todos aqueles que administram bens alheios, ou os têm sob a sua guarda, têm o dever de acertar o resultado de sua gestão; é decorrência natural do ato de gerir o que não é seu.” In: Os regimes de contas públicas: contas de governo e contas de gestão. Revista Interesse Público n.º 42. Porto Alegre: Notadez, 2007. p.344.

[17] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes(…) XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

[18]Art. 94 O Planejamento Municipal deverá orientar-se pelos seguintes princípios básicos: I – democracia e transparência na sua elaboração e no acesso às informações disponíveis; IV – viabilidade técnica e econômica das proposições, avaliada a partir do interesse social da solução e dos benefícios públicos;

[19]Art. 5º – A soberania popular será exercida: (…) VI – pela ação corregedora sobre as funções públicas e as sociais de relevância pública.

[20] “Assim, o que distingue o poder democrático do poder autocrático é que apenas o primeiro, por meio da livre crítica, pode desenvolver em si mesmo os anticorpos e permitir formas de desocultamento. A democracia como poder visível, que permite ao cidadão o controle por parte de que quem detém o poder. A informação possui uma nota distinta no Estado Democrático de Direito se comparado ao modelo liberal. Para este último, é uma conseqüência política do exercício de certas liberdades individuais. Nos Estados democráticos, a livre discussão é um componente jurídico prévio à tomada de decisão que afeta a coletividade e é imprescindível para sua legitimação. (…) O ordenamento jurídico no Estado democrático se assenta no princípio geral da publicidade, devendo o sigilo ser excepcional e justificado. Esse preceito é extraído com base no princípio da publicidade e do direito a ser informado do cidadão.” In: Transparência administrativa e novas tecnologias:  o dever de publicidade, o direito a ser informado e o princípio democrático. Revista Interesse Público n.º 39. Porto Alegre: Notadez, 2006. p.73.

[21]Art. 16 – Todos têm direito a receber informações objetivas de interesse particular, coletivo ou geral, acerca dos atos e projetos do Estado e dos Municípios, antes de sua aprovação ou na fase de sua implementação § 2º – Os documentos que relatam as ações do Poder Público do Estado e dos Municípios serão vazados em linguagem simples e acessível à população.”

[22]Art. 107 O Município organizará a sua contabilidade de modo a evidenciar, com transparência, os fatos ligados à administração financeira, orçamentária, patrimonial e industrial.”

[23] “Art. 48. (…) Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.”

[24] “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: (…) II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado”

[25]Art. 94 O Planejamento Municipal deverá orientar-se pelos seguintes princípios básicos:(…) II – eficiência e eficácia na utilização dos recursos financeiros, técnicos e humanos disponíveis;”

[26] In: Critérios de eficiência, eficácia e efetividade adotados pelos avaliadores de instituições não-governamentais financiadoras de projetos sociais. Disponível em: http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/4951.pdf. Acessado em: 12 de setembro de 2.007.

[27] In: O Combate à Corrupção nas prefeituras do Brasil. Disponível em: http://www.amarribo.org.br/mambo/images/stories/organizar/ocacnpdb3ed.pdf. Acessado em 10 de setembro de 2.007.

[28] Disponível em: http://www.unodc.org/pdf/brazil/ConvONUcorrup_port.pdf. Acessado em 10 de setembro de 2.007.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Bruno José Ricci BoaventuraProfissão e qualificações; advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso.

 

 

 

A multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC

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* Moacir Leopoldo Haeser

       A execução da sentença condenatória sempre gerou grandes reclamações, especialmente das partes, pessoas leigas, que não compreendiam como era possível que, tendo o Poder Judiciário reconhecido seu direito e condenado o réu ao cumprimento da obrigação, necessitassem ingressar com novo processo, com todos os seus percalços, para alcançar a efetividade de seu direito, já reconhecido.

          Parecia que a lei privilegiava o devedor recalcitrante em detrimento do direito do credor, pois permitia-lhe postergar o pagamento através da prática de atos processuais que, embora lícitos, acabavam por fazer arrastar-se a execução (nomeação de bens à penhora,embargos, impugnação da avaliação, formalidades da arrematação etc.). Além disso, o leilão acabava desmoralizado e esvaziado pela possibilidade, sempre presente, de invocação de nulidades, embargos de terceiro e remição dos bens, o que afastava possíveis interessados.

          A reforma processual, portanto, caminhou no sentido de agilizar, simplificar e dar efetividade à sentença, ou seja, transformar aquela peça processual, que reconhece um direito e condena um devedor, em efetiva entrega do bem da vida que, através do processo, buscava o prejudicado, seja dinheiro ou outro bem/direito.

          A simplificação do procedimento e as alternativas da forma de alienação dos bens penhorados, a antecipação da possibilidade de adjudicação e remição, são apenas algumas delas. Outra, fundamental, é o sincretismo de procedimento, seguindo-se ao processo de conhecimento a fase executória da sentença, estabelecendo a exigência de espontaneidade de cumprimento da sentença judicial condenatória.

          O intérprete das novas normas deve fazê-lo tendo em vista essa ótica: a simplificação e eficiência do processo, como fim instrumental de alcançar ao titular do direito, de forma efetiva, o bem da vida buscado. O autor não busca a prestação jurisdicional para emoldurar a bela sentença que reconhece seu direito, mas para obter o resultado prático e concreto que dela resulta.

          O art.475-J do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n° 11.232, prevê MULTA para o caso do devedor, condenado ao pagamento de valor já definido, não o efetuar no prazo de 15 dias. Trata-se de incentivo ao cumprimento espontâneo da condenação, evitando-se a sobrecarga do Poder Judiciário e a postergação do direito do credor, punição pela recalcitrância e efeito da sentença condenatória, ope legis:

          Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação

          O termo da contagem do prazo tem gerado alguma controvérsia na doutrina, porém aos poucos vai se assentando o melhor entendimento de que o prazo decorre automaticamente do trânsito em julgado.

          Alguns têm defendido que corre da sentença ou do acórdão (Apelação Cível Nº 70017661646, 17ª Câmara Cível, TJRS) – o réu pode recorrer ou cumprir o julgado – se assumiu o risco de recorrer e o recurso foi improvido, incorre na multa – solução que não me parece a mais adequada.

          Outros, que a multa exigiria o retorno dos autos ao Juízo de origem e a intimação pessoal do devedor (art. 557, CPC), não só do seu advogado (Agravo Interno Nº 70018256347, Décima Segunda Câmara Cível, TJRS), invocando-se as dificuldades práticas de emissão da guia de pagamento, a impossibilidade de impor-se ao procurador o ônus de cientificar o outorgante e a finalidade coercitiva da multa.

          Com a devida vênia aos que pensam de forma diversa, não tenho dúvidas de que o legislador deu efetividade à sentença, exigindo jurisdicionalmente o pagamento tão logo cesse a possibilidade de modificação do julgado, pelo trânsito em julgado ou estabelecido o valor a ser pago, se necessária liquidação. O cumprimento da condenação não é um interesse meramente privado do credor, mas uma exigência da jurisdição, uma decorrência da prestação jurisdicional, onde se incluem os princípios da dignidade, seriedade e efetividade da Jurisdição prestada, estas reafirmadas na possibilidade de advertência do Juiz ao devedor (arts. 599, 600 e 601, do CPC) [01].

          Assim, a multa de 10% sobre o valor do débito, estabelecida no art.475-J do Código de Processo Civil, incide automaticamente se o débito não for pago no prazo de quinze dias do trânsito em julgado da condenação, se líquida, dependente apenas de cálculo aritmético [02], ou fixada em liquidação. Tal tese foi sufragada pelo STJ no Resp n° 954859, primeira manifestação do Tribunal sobre a questão, no qual foi dito:

          "O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação. Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa. Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual (Resp 954859, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS).

          A multa incide sobre o total do débito ou do saldo, quando houver pagamento parcial, e decorre do inadimplemento. Não tem cunho de direito material, mas legal. Sua incidência é ope legis e não depende de ato ou da vontade do juiz. Incide "de forma automática caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei", como manifesta o ex-Ministro Athos Gusmão Carneiro, em artigo na REVISTA AJURIS Nº 102, p.63, junho/2006.

          "O descumprimento da obrigação reconhecida na sentença condenatória enseja, independente de pedido da parte credora, a incidência da penalidade prevista em lei. A medida não tem sua aplicação sujeita ao arbítrio do juiz, visto que a norma é taxativa ao impor a incidência da multa no caso de não pagamento, não sendo faculdade do magistrado aplicá-la, ou mesmo deliberar acerca do percentual a ser imposto", como já afirmou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Agravo nº 70016938706).

          Não há que aguardar o retorno dos autos, a intimação do advogado de que os autos retornaram ou a intimação pessoal do devedor para efetuar o pagamento, pois se exige deste que, espontaneamente, cumpra a condenação imposta pela Jurisdição à qual deve submeter-se.

          A intimação do devedor, caso não tenha ocorrido o pagamento, ocorrerá, já com a multa, da penhora e avaliação, efetuada por indicação do credor, na pessoa de seu advogado, ou pessoalmente, quando poderá impugnar o valor executado, seguindo-se a alienação.

          Os problemas práticos de implantação de um novo sistema são normais e as dificuldades de pagamento devem ser solucionadas administrativamente, não devendo servir para desvirtuar a efetividade que o legislador buscou implantar.

          Nesse sentido já agiu prontamente a Corregedoria-Geral da Justiça, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que baixou o Provimento n° 20/2006 disciplinando a questão e instruindo sobre a forma de realização do depósito.

          Considerando o advento da lei federal nº 11.232/05, que acrescentou o artigo 475-J ao Código de Processo Civil, impondo multa de dez por cento àquele que, condenado ao pagamento de quantia certa ou já estabelecida em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias;

          Considerando a possibilidade de interpretação no sentido de que a fluência desse prazo se dê a partir do trânsito em julgado e quando os autos ainda se encontrem no Tribunal;

          Considerando a competência do juízo de 1º grau para os atos de cumprimento da sentença, salvo quando o processo se origine no Tribunal,

          Considerando, por fim, que a falta de regulamentação pode acarretar o direcionamento de petições ao 2º grau, gerando atos desnecessários e que possam retardar a celeridade processual pretendida a partir da alteração legislativa, artigo 475-P, incisos I e II, DO Código de Processo Civil

          Resolve prover:

          Art. 1º – a parte que pretenda promover, por sua conta e risco, depósito em conta judicial, para não responder pela multa a que alude o artigo 475-J, caput, do código de processo civil, deverá fazê-lo no juízo de 1º grau, ainda que os autos se encontrem no Tribunal, salvo nas hipóteses em que o processo seja da competência originária do Tribunal de Justiça, caso em que o depósito será feito diretamente no 2º Grau.

          Parágrafo único – a expedição de guia para depósito pela serventia judicial será feita à vista dos elementos de cálculo fornecidos pelo devedor.

          Art. 2º – A realização do depósito será imediatamente comunicada, por petição, ao juízo de 1º grau ou ao relator do processo, conforme se trate das hipóteses do caput do artigo anterior.

          Parágrafo único – Realizado o depósito e recebida a petição instruída da guia, após intimação do credor proceder-se-á à autuação destes documentos, como expediente avulso com o mesmo número do processo de conhecimento (numeradas as folhas no canto inferior direito), procedendo-se a respectiva anotação no sistema informatizado (até liberação do sistema Themis informar no campo ‘observações’ e ‘local dos autos’ que o processo de conhecimento está em 2º grau). Havendo pedido de liberação do valor depositado pelo credor, será este juntado ao expediente e submetido à apreciação judicial. Cópia do alvará expedido também deverá permanecer entranhada ao expediente até retorno do processo de conhecimento, quando serão, as peças, a este juntadas e numeradas da forma usual, descartando-se a capa.

          Art. 3º – A pretensão liberatória e a ordem de levantamento em favor do credor sujeitam-se a exclusivo critério jurisdicional, inclusive quanto à apresentação de cópias para tanto necessárias, quando feito o depósito origem e os autos do processo não estiverem na serventia."

          (Provimento Nº 20/06-CGJ DESEMBARGADOR JORGE LUÍS DALL’AGNOL CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA – publicado no dj nº 3.399, fl. 02, de 24-07-2006.

          Dessa forma, não deve servir de empeço ao pagamento espontâneo o fato de encontrarem-se os autos ainda no Tribunal, como se tem defendido alhures, nem se exige a intimação pessoal do devedor para fluência do prazo, uma vez que a efetividade jurisdicional, como efeito da sentença, impõe o cumprimento da obrigação tão-logo se torne certo o valor da condenação.

          Apesar da natural resistência ao novo, a efetividade da jurisdição exige que o intérprete olhe com novos olhos as inovações das reformas processuais, que tem permeado, em várias disposições processuais, regras de sobredireito – que aparentemente quebram o sistema, mas que, na verdade, alcançam ao juiz infinitas possibilidades de, no caso concreto, fazer justiça efetiva -, sob pena de manter-se o cartorialismo formalista que tanto tem atrapalhado a efetiva prestação jurisdicional, em detrimento da realização da verdadeira justiça buscada pelo cidadão, muitas vezes perdida em filigranas processuais que eternizam o procedimento.

          A lei é um mero instrumento com a qual o artífice do direito deve construir a obra da justiça. O processo não é um fim em si mesmo, mas mero instrumento de sua realização. Muitas vezes os mais belos processos guardam as maiores injustiças. Justiça que tarda é uma grande injustiça.


Notas

          01 Art. 599. O juiz pode, em qualquer momento do processo: I – ordenar o comparecimento das partes; II – advertir ao devedor que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça.

          Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: I – frauda a execução; II – se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III – resiste injustificadamente às ordens judiciais; IV – intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.

          Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução. Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios.

          02 Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Moacir Leopoldo Haeser: desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, advogado em Santa Cruz do Sul (RS)

 


Principais pontos do Simples Nacional

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* Irapuã Beltrão

Em dezembro de 2006 o ordenamento jurídico foi profundamente inovado com a publicação da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro, autodenominado Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. Afirmamos a profundidade da referida norma pela diversidade de matérias ali contida, sendo que a maioria dos seus efeitos sequer chegou a ser bem compreendida em todo o seu alcance. Da referida lei, muito tem sido dito sobre a inovação da parte tributária com a instituição do Simples Nacional, sendo negligenciada a visão ampla da Lei Complementar e das demais matérias ali plasmadas. Com o intuito de oferecer este olhar panorâmico e após testemunhar vários momentos de sua já inobservância, sugerirmos a atenção de todos para alguns pontos.

Em primeiro lugar, cumpre observar que trata-se de norma geral, editada, portanto, no âmbito da competência concorrente dos entes federativos, não pretendendo ou podendo esgotar todas as matérias. Ainda que tenha disciplinado inúmeros aspectos – alguns com riqueza de detalhamentos, é verdade – não está afastada a possibilidade de edição de normas estaduais suplementares, em consonância com os preceitos do art. 24 da Constituição.

Ademais, apesar de ter sido bastante celebrada quanto aos aspectos tributários, a L. C. n° 123, de 2006, cuida de três aspectos predominantes relativos à Microempresa (ME) e Empresa de Pequeno Porte (EPP):

·        regime único de arrecadação dos impostos e contribuições de todas as unidades federativas;

·        cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias;

·        ao acesso a crédito e ao mercado.

Exemplifica-se a diversidade de tratamento pela própria cláusula final de vigência. Como sabido, muitos destaques têm sido dado ao início de sua incidência em 1° de julho de 2007, sem observar que tal data aplicar-se-á apenas para o regime da tributação, enquanto as demais questões passaram a viger no momento da publicação da lei.

Desta forma, exige a mencionada lei maior atenção jurídica interdisciplinar já que estaria abordando temática não só tributária, mas também trabalhista, previdenciária, administrativa, empresarial, etc., estes já em plena vigência. Apesar da autonomia de cada matéria, transborda da lei, contudo, alguns princípios comuns, tais como a simplificação das obrigações acessórias e o tratamento diferenciado em favor das ME. e EPP.

Para atingir a tais objetivos, principia a norma definindo como microempresas o empresário ou a pessoa jurídica com receita bruta anual não superior a R$ 240.000,00 e como empresas de pequeno porte aqueles cuja receita ultrapasse a tal montante mas não exceda a R$ 2.400.000,00 também no exercício financeiro. Definidos tais patamares, estabelece ainda a norma como regramento comum a todos os campos atingidos a orientação para a unicidade do processo de registro e de legalização dos empresários perante as pessoas jurídicas nos 3 (três) âmbitos do governo, inclusive com entrada única dos dados cadastrais e de documentos procurando inaugurar um novo modelo de atuação em nosso burocrático federalismo.

Cuidou também o legislador em nacionalizar o sucesso do antigo sistema de arrecadação unificado do governo federal, transformando o antigo “Simples” numa instituição nacional. No detalhamento necessário, define os impostos e contribuições que poderão ser recolhidos mensalmente mediante documento único – com o destaque para a possibilidade quanto ao ICMS e ISS – da mesma forma que didaticamente afirma quais exações deverão permanecer através do pagamento direto.

Do ponto de vista dos particulares fixa ainda a lei as vedações de ingresso e alguns critérios para a realização da adesão dos empresários e pessoas jurídicas a tal sistema, sem deixar de delegar ao ali criado Comitê Gestor de Tributação a possibilidade estabelecer a forma da opção e a competência para tratar dos assuntos fiscais, especialmente quanto a regulamentação do recolhimento e do repasse do produto arrecadado para o INSS, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Todavia, como afirmado, não se cuida de lei específica em matéria tributária, envolvendo outros temas relacionados às ME e EPP, tanto assim que, além do citado Comitê Gestor da Tributação com representantes dos entes políticos, é criado o Fórum Permanente das ME e EPP com participação dos órgãos federais e entidades vinculadas ao setor, para tratar dos demais aspectos.

De toda sorte, determina a Lei Complementar o privilégio de acesso ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão. Neste ponto, o procedimento de licitação passa também a ser influenciado pelas suas disposições, com regras para a habilitação jurídica, bem como com a necessária previsão, como critério de desempate, de preferência de contratação para ME e EPP.

De forma bastante detalhada, interfere a LC n° 123 na anterior disciplina legal para os certames de contratação, exigindo que os novos editais repensem seus modelos já consolidados pelo tempo e que os comentaristas do Direito Administrativo destaquem a novel estrutura prevista, o que aqui se ilustra, com conceitos de empate e novos procedimentos de habilitação, propostas, empenhos, entre outros.

Ainda no campo das inovações, trouxe para tais empresários e pessoas jurídicas significativas simplificações das relações de trabalho, com a dispensa de diversos deveres acessórios do empregador, merecendo o cuidado específico da interpretação de sua aplicação sobre o campo do direito material e processual do trabalho.

De modo a assegurar a efetividade destes três pilares da lei (questão tributária; favorecimento nas aquisições públicas; simplificação trabalhista), determina também a norma princípios para uma fiscalização orientadora, para o associativismo, para o estímulo ao crédito e à capitalização e à inovação e para o apoio e representação das ME e EPP através de políticas públicas.

E, como não poderia deixar de tangenciar, para os fins da aplicação do Código Civil quanto ao conceito de pequeno empresário, restou definido o patamar máximo de renda anual bruta de R$ 36.000,00, afastando destes as formalidades e rigores quanto a realização de reuniões e assembléias, além de definir a necessidade de utilização do adjetivo legal no nome empresarial e de regras específicas para o protesto de títulos.

Por fim, de forma a completar a gigantesca amplitude deste novo estatuto ainda consagra, processualmente, a capacidade das microempresas e empresas de pequeno porte às pessoas de ingressarem como autoras perante os Juizados Especiais, sem prejuízo do estímulo a utilização dos institutos da conciliação prévia, mediação e arbitragem para a solução dos seus conflitos.

Por tudo, parece claro não se pode diminuir a importância e alcance das disposições deste novo Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, sendo evidente que impõe-se aos estudantes, advogados, agentes públicos e interessados dissecar todos os institutos e ferramentas previstas.

 

Irapuã BeltrãoProcurador Federal, Professor Universitário, de Cursos Preparatórios e de Extensão, Especialista em Direito Econômico pela FGV; Master of Law pela University of Connecticut, Autor de Resumo de Direito Tributário pela Ed. Impetus

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Hospital Sarah e Pioneiras Sociais são condenados a pagar R$ 350 mil em dano moral por erro médico

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DECISÃO:  TJ-DF  –  Paciente procurou hospital porque estava ficando corcunda e, por causa de diagnóstico errado, acabou ficando paraplégica

A Associação das Pioneiras Sociais e o Hospital Sarah foram condenados a pagar indenização no valor de R$ 350 mil a uma paciente que ficou paraplégica por causa de um diagnóstico equivocado. De acordo com os Desembargadores da 2ª Turma Cível a ocorrência de erro médico é “incontroversa”. A paciente buscou o Hospital Sarah porque estava ficando corcunda. Um diagnóstico errado e duas cirurgias depois, ela estava paraplégica. O julgamento unânime ocorreu nesta 4ª feira, 28/9.

A paciente tinha apenas 11 anos de idade quando procurou o Sarah Kubitscheck pela primeira vez. Era 1978. A queixa da garota era uma diferença entre o ombro esquerdo e o direito, que a deixava com aspecto de corcunda. Os médicos diagnosticaram uma escoliose congênita e marcaram cirurgia para corrigir o problema.

Após uma revisão na bateria de exames, constatou-se que a menina estava acometida por uma tuberculose na coluna vertebral, conhecida como Mal de Pott. Diante do novo diagnóstico foi realizada uma outra intervenção cirúrgica, só que dessa vez a conseqüência foi desastrosa e irreversível. A paciente perdeu totalmente os movimentos dos membros inferiores, ficando paraplégica.

Os fatos narrados foram comprovados por meio de documentos juntados no processo. O próprio Hospital Sarah reconheceu o erro de diagnóstico, embora tenha afirmado que casos como esse são “raríssimos”. As provas e o reconhecimento expresso levaram a Turma a condenar as instituições a indenizar o dano moral sofrido pela paciente e sua família.

Na análise dos Desembargadores, o dano sofrido é considerado “gravíssimo”, em face das seqüelas resultantes. “Segundo as palavras da própria ré, em contestação, o erro de diagnóstico dos médicos ensejou um trágico resultado… O certo é que uma criança, ao procurar atendimento em um hospital de referência da medicina do aparelho locomotor no país, Hospital Sarah de Brasília, por erro médico, ficou paraplégica”, afirmaram.  Nº do processo:20030110878119


FONTE:

  TJ-DF, 26 de setembro de 2007.

Diarista que trabalha três dias na semana não obtém vínculo empregatício

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DECISÃO:  TST  – Trabalhar como diarista três vezes na semana na mesma residência, por si só, não caracteriza vínculo de emprego. É necessário que estejam presentes outros requisitos, como subordinação, não eventualidade e pessoalidade para que a diarista seja considerada empregada doméstica e, portanto, goze das garantias da relação empregatícia. Mesmo considerando a divergência existente quanto ao assunto na justiça trabalhista, a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, negou provimento a apelo de trabalhadora no recurso de revista julgado ontem (26).

A trabalhadora informou que iniciou a prestação de serviços na residência de uma dona de casa de Curitiba em novembro de 1993. Sua última remuneração foi de R$45,00 por semana, equivalente a R$180,00 por mês. Entre suas atividades constavam a limpeza das dependências domésticas, lavar e passar roupa, cozinhar e cuidar dos dois filhos da empregadora. Durante quase todo o período, trabalhava às terças-feiras, quintas-feiras e sábados. Nos demais dias, disse na audiência de conciliação e instrução, trabalhava para outras pessoas do mesmo condomínio.

Dispensada em janeiro de 2001, a diarista ajuizou reclamatória trabalhista em setembro do mesmo ano, pleiteando vínculo empregatício, anotação na carteira de trabalho, décimos terceiros salários, férias mais um terço, vale-transporte e verbas rescisórias. A sentença acolheu parcialmente o pedido e considerou haver pessoalidade, continuidade e subordinação, presumida na prestação de trabalho. Para a juíza da 6ª Vara do Trabalho de Curitiba, o trabalho em residência familiar não pode ser considerado eventual.

A dona de casa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região e sustentou que a prestação de serviços era descontínua e não ultrapassava duas vezes por semana, conforme prova testemunhal. A decisão do TRT de Curitiba aceitou a argumentação, considerou a informação de que a diarista trabalhava para outras pessoas e afastou o vínculo de emprego. A diarista apelou para o TST, que manteve o entendimento do tribunal regional.

O relator do recurso, ministro Horácio Senna Pires, esclareceu que “o diarista presta serviço e recebe no mesmo dia a remuneração do seu labor, geralmente superior àquilo que faria jus se trabalhasse continuamente para o mesmo empregador, pois nele restam englobados e pagos diretamente ao trabalhador os encargos sociais que seriam recolhidos a terceiros”. (RR-17.179/2001-006-09-00.2)


FONTE:

  TST, 27 de setembro de 2007.

No Rio Grande do Sul, Juiz de Direito recebe pena de quatro meses por abuso de autoridade

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DECISÃO:  TJRS – O  Órgão Especial do TJRS´,   formado por 25 desembargadores,  julgou no dia 24/09/07, o juiz Jairo Cardoso Soares,  condenando-o por 22 X 3 votos,  a uma pena de quatro meses de prisão, pela prática de crime de abuso de autoridade, convertida em prestação pecuniária no valor equivalente a 50 salários mínimos, correspondendo nesta data a R$ 19.000,00.

A Ação Penal que teve origem na denúncia, formalizada pelo então procurador-geral da Justiça Roberto Bandeira Pereira, narra que “no dia 02 de julho de 2005, pelas 17h40min, na agência do Banco do Brasil da cidade de Lavras do Sul, o denunciado, com abuso de autoridade, executou medida privativa de liberdade e atentou contra a liberdade de locomoção de Seno Luiz Klock, gerente daquela agência, ao prender-lhe em flagrante delito".

Segundo a  acusação,  Jairo "na condição de magistrado, acompanhado de dois oficiais de justiça, do delegado de Polícia Alcindo Romeu Dutra Martins e de outro policial civil, ambos da Delegacia de Policia de Lavras do Sul, bem como de quatro policiais militares, adentrou nas dependências do banco, tendo, aos gritos, acusado a vítima de estelionato e determinado a sua condução, com algemas, à Delegacia de Polícia local, mediante os seguintes termos: ´Leva agora. A explicação é na Delegacia. E é sem fiança!!!´, onde veio a ser lavrado o respectivo auto”.

Segundo consta no voto do relator Desembargador Vladimir Giacomuzzi, o juiz Jairo Cardoso Soares mantinha pendências financeiras superiores a pouco mais de R$ 30 mil com o Banco do Brasil e com administradoras de cartões de crédito.

No dia 1º de julho de 2005, o magistrado informou à instituição financeira que tendo recebido um dinheiro, fizera um depósito suficiente para a liquidação de suas pendências. Na hora de zerar as contas, porém, teriam faltado R$ 700. Com a realização do depósito complementar, a situação – prometeu o banco – estaria regularizada em 48 horas.

Porém, já no dia seguinte, por volta das 16 h. – sabendo que ainda se encontrava cadastrado na Serasa – "impaciente e exaltado, Jairo telefonou para a agência dizendo que lá iria  a fim de prender o gerente, o que de fato ocorreu pouco mais tarde, configurando-se injustificável arbitrariedade no ato consumado" – segundo revelam os autos processuais.

O gerente Seno Luiz Klock (preso), o juiz, policiais e testemunhas foram todos para a delegacia, realizando-se demorados procedimentos. Por volta das 22 h, o delegado Alcindo Romeu Dutra Martins proferiu o seguinte despacho nos autos do inquérito: "constata-se que o autuado efetivamente infringiu o art. 171 do Código Penal e por ter curso superior (bacharel em Direito) e ser crime inafiançável será recolhido ao Pelotão da Brigada Militar, ficando à disposição da Justiça".

O flagrante foi homologado pela Juíza Alessandra Couto de Oliveira, de uma comarca vizinha, pois em Lavras do Sul, local dos fatos,  a pretensa vítima era o único  Magistrado da cidade, tendo sido concedido o benefício da liberdade provisória ao acusado.

Posteriormente, em 21 de julho de 2005, o Banco do Brasil formalizou  representação na Corregedoria-Geral da Justiça contra o juiz Jairo Cardoso Soares, através de  petição assinada pelo  advogado Ademar Pedro Scheffler.  Segundo a representação,  "Jairo agiu não como cidadão comum, mas na condição de magistrado, movimentando um aparato policial nunca visto na cidade: duas viaturas e nove acompanhantes , dentre oficiais de justiça, policiais e PMs".

Instaurado processo administrativo, o juiz – "por procedimento incompatível à condição de magistrado" –  sofreu (em 14 de novembro de 2005) a imposição da pena disciplinar de remoção compulsória, sendo transferido de Lavras do Sul para a comarca de Três de Maio.

A seguir, o  presidente do TJ gaúcho, à época, Osvaldo Stefanello, oficiou ao procurador-geral da Justiça, enviando farta prova documental "para as devidas providências", decorrendo daí, o oferecimento da  denúncia criminal pela prática do crime de abuso de autoridade, que resultou na condenação do Juiz de Direito, que tem  quase vinte anos de exercício na magistratura gaúcha.  (Proc.  nº  70015391626).

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Eis a íntegra do voto do relator, Desembargador   Vladimir Giacomuzzi:

PENAL.  PROCESSO PENAL. CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA.

Pratica o crime de abuso de autoridade previsto no art. 4º, letra “a”, da Lei 4.898/65, o Juiz de Direito que, a pretexto de haver a instituição financeira – da qual era gerente o ofendido – se apropriado ilegalmente de dinheiro que o Magistrado mantinha naquele estabelecimento bancário, dá-lhe voz de prisão, determinando ao Delegado de Polícia que, convocado, o acompanhava na diligência, conduzisse o preso à repartição para a lavratura do ato, numa tentativa inútil de mascarar a arbitrariedade praticada.

Preliminares de nulidade do processo rejeitadas.

Ação penal originária julgada procedente.

Processo-Crime – Órgão Especial

Nº 70015391626 – Comarca de Porto Alegre

MINISTERIO PUBLICO – AUTOR

JAIRO CARDOSO SOARES – DENUNCIADO

SENO LUIZ KLOCK – ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO

BANCO DO BRASIL SA – INTERESSADO

RELATÓRIO
Des. Vladimir Giacomuzzi (RELATOR)

Na sessão do dia 04-09-2006 este Órgão Especial recebeu a denúncia apresentada pelo Procurador-Geral de Justiça contra o Juiz de Direito Jairo Cardoso Soares por entender que o acusado teria praticado o crime de abuso de autoridade previsto  no art. 4º, alínea “a” da Lei 4.898/1965, que pune referida infração penal com multa, detenção por dez dias a seis meses e, ou, com a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer função pública pelo prazo de até três anos.

A inicial acusatória foi assim redigida:

"No dia 02 de julho de 2005, pelas 17h40min, na agência do Banco do Brasil da cidade de Lavras do Sul, o denunciado, com abuso de autoridade, executou medida privativa de liberdade e atentou contra a liberdade de locomoção  Seno Luiz Klock, gerente daquela agência, ao prender-lhe em flagrante delito.

Na ocasião, o acusado, na condição de magistrado, acompanhado de dois Oficiais de Justiça, um deles nominado José Humberto Rosa da Mota, do Delegado de Polícia Alcindo Romeu Dutra Martins e de outro policial civil, ambos da Delegacia de Polícia de Lavras do Sul, bem como de quatro policiais militares, dentre eles Sérgio dos Santos Leivas, adentrou nas dependências do banco, tendo, aos gritos, acusado a vítima de estelionato e determinado a sua condução, com algemas, à Delegacia de Polícia local (mediante os seguintes termos: "Leva agora. A explicação é na Delegacia. E é sem fiança!!!), onde veio a ser lavrado o  respectivo auto. O denunciado agiu com abuso de autoridade, realizando prisão manifestamente ilegal, sujeitando o gerente Seno a situação vexatória, tanto face à comunidade local como perante seus funcionários, fato que precipitou o seu afastamento daquela cidade. A vítima só não foi algemada porque acompanhou os policiais sem oferecer resistência.

Motivou o delito divergência entre o acusado e o Banco do Brasil, agência Lavras do Sul. No dia 01/07/2005, o Magistrado teria informado à instituição financeira a realização de depósito suficiente para a liquidação de suas pendências. Porém, teriam faltado 700 reais. Realizado depósito complementar, a situação estaria regularizada em 48 horas. Porém, no dia seguinte, pelas 16h, o Magistrado, impaciente e exaltado, telefonou para a agência dizendo que lá iria  a fim de prender o gerente, o que de fato ocorreu pouco mais tarde, configurando-se injustificável arbitrariedade no ato consumado."

A decisão de recebimento da denúncia foi precedida de audiência especial dia 28-06-2006,  presidida pelo relator do feito, visando possibilitar  às partes a composição civil dos danos e a efetivação de transação penal, ao feitio do preconizado nos artigos 69 a 76 da Lei 9.0099/95.

A tentativa de composição mostrou-se inexitosa porque o ofendido declarou não alimentar interesse na composição dos danos, naquele momento. O denunciante, de sua vez, declarou que não proporia  transação penal por entender que os motivos e circunstâncias  determinantes da prática do fato atribuído ao imputado demandavam a deflagração de processo criminal tradicional, em busca da sanção cominada na lei especial, de vez que, no seu entendimento, a medida alternativa permitida pela transação, neste caso, não se mostrava bastante e suficiente para os fins de prevenção e reprovação da infração penal praticada. Na mesma oportunidade adiantou que, pelos mesmos fundamentos, não haveria de propor a suspensão condicional do processo (fls. 220 a 222).

Seguiu-se ao ato processual de recebimento da denúncia l a resposta escrita do acusado limitada ao exame de questões processuais relacionadas com a alegada  nulidade da audiência realizada, por entender a defesa   mostrar-se  insuficiente  a motivação do denunciante em   recusar-se a propor a transação penal e a posterior suspensão condicional do processo, argumentando com direito do acusado à transação e, superada esta fase, com  direito  ao “sursis” processual (fls. 233 a 243).

Esta matéria acabou sendo apreciada, como preliminar, por este Órgão Especial, na sessão de 04-09-2006 que, após rejeitá-la, recebeu a denúncia, como já referido, tendo o acórdão, nesta parte, recebido a seguinte ementa:

Penal e processual penal. crime de abUso de autoridade. magistrado. TRANSAÇÃO PENAL E SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RECEBIMENTO DA DENUNCIA.

A transação penal, bem como a suspensão condicional do processo, pressupõe acordo entre as partes, cuja iniciativa de proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público, como desdobramento da prerrogativa prevista no art. 129, I da Constituição Federal.

Inocorre qualquer irregularidade, de parte do Ministério Público, ao oferecer denúncia formal ao invés de transação penal ou suspensão condicional do processo, ao Magistrado acusado da prática de abuso de autoridade quando, como no caso, fundamenta sua decisão no entendimento de que os motivos e as circunstâncias do fato indicavam que aquelas medidas não se mostravam necessárias e suficientes à repressão e à prevenção da infração perpetrada.

Nulidade Repelida.

A defesa do réu ofereceu embargos de declaração contra o acórdão. Os embargos foram no entanto  desacolhidos (fls. 530 a 540), seguindo-se a apresentação de habeas corpus junto ao egrégio STJ objetivando reformar a decisão de recebimento da denúncia, pelas razões antes resumidas.

 A liminar requerida pelos ilustres impetrantes na aludida ação constitucional não foi deferida pelo Senhor Ministro Presidente daquela Corte Superior, estando os autos conclusos a sua excelência o Senhor Ministro Relator, já com parecer do Ministério Público, para julgamento desde 13/04/2007, sem previsão de sua inclusão em pauta, conforme informação prestada pelo servidor que, de ordem,  respondeu ao ofício encaminhado (HC 73379/RS – Rel. Ministro Nilson Naves  – fls. 863).

O ofendido Seno Luiz Klock foi admitido no feito como assistente à acusação.
Seguiu-se o interrogatório do acusado (fls. 371 a 391), a defesa prévia (fls. 485-486) e depois a tomada de depoimento das testemunhas da acusação e da defesa (fls. 410 a 482; 619 a 620;  752 a 762; 788 a 791).

Na fase do art. 10 da Lei 8.038/90 o Ministério Público viu deferido pedido de diligência, devidamente cumprida (fls. 798 e 804 e 812 a 818), nada tendo requerido a defesa. Vieram as alegações escritas da acusação, assistência e defesa.

Em diligência determinada pelo relator, foi regularizada a tomada de depoimento deprecado de uma testemunha que havia sido arrolada pelo Ministério Público (fls. 960 a 967), reabrindo-se o prazo para alegações escritas das partes.

O Ministério Público, depois de examinar toda prova produzida, pede a procedência da ação penal, com a condenação do acusado (fls. 879 a 882vº).

A assistência à acusação, realçando a informação do SERASA adentrada ao processo que esclarece existir registro naquele órgão de pendência bancária do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, incluído em 15-06-2005 e 16-07-2005 e excluído em 14-07-2005 e 05-08-2005, respectivamente, e registro de cheque sem fundo emitido contra o Unibanco, com registro de inclusão em 21-06-2005, 28-05-2005, 1º-06-2005 e 17-05-2005 e exclusão em 12-07, 1º-06,07-06 e 28-05, no ano de 2005, entendendo demonstrada a prática do crime atribuído ao acusado, pleiteou sua condenação (fls. 824 a 825).

A defesa do réu, inicialmente, reiterou a reclamação contra a decisão de não suspender a tramitação do processo por ausência de promoção ministerial neste sentido, argumentando que “a circunstância de ter sido denunciado por fato definido como crime de abuso de autoridade não pode ser discricionariamente invocado como fator impeditivo ao deferimento do pedido, haja vista a grande quantidade de decisões neste sentido em processos por crimes definidos na Lei 4.898/65, como é público e notório”. Prossegue a defesa do réu  sustentando que o acusado não pode vir a ser condenado porque agiu como  previsto no art. 5º, LXI da CF/88 e no art. 301 do CPP, isto é,  no exercício regular de direito, como cidadão que teria sido ilegalmente expropriado de seu direito pela instituição financeira gerenciada pelo ofendido. Sublinha serem distintas e independentes as esferas administrativa e jurisdicional, daí porque não pode o tribunal, no julgamento deste processo, deixar-se influenciar pela decisão administrativa que removeu o acusado da comarca de Lavras do Sul por conveniência do serviço (fls.830 a 846).

É o relatório.

VOTOS
Des. Vladimir Giacomuzzi (RELATOR)

Este processo dá conta de um incidente que iniciou com o fato de um cliente de uma instituição financeira registrar débito em sua conta corrente na agência do banco com o qual mantinha contrato padrão de financiamento de empréstimo CDC e cheque especial, que  evoluiu com a  reclamação do financiado pela  má prestação  de serviço bancário e culminou, lamentavelmente,  com  um caso típico de abuso de poder, no meu entendimento.

Com efeito, revelam os autos que o acusado Jairo Cardoso Soares, Juiz de Direito de Lavras do Sul, era cliente do Banco do Brasil, agencia local, registrando em junho de 2005 a contabilidade daquela instituição um débito do correntista superior a R$30.000,00 proveniente de empréstimo CDC, cheque especial e cartões de crédito, prontificando-se, no entanto, o devedor a liquidar a pendência, tendo, com este propósito, tratado pessoalmente mais de uma vez  com o sub-gerente Roberto Vivian.

A 29-06-2005 o acusado fez remessa de numerário em montante suficiente para cobrir todo o débito pendente, de acordo com os valores que lhe tinham sido apresentados. Aconteceu, no entanto, que o gerente Seno Klock teria comandado eletronicamente  importância a maior de crédito  em favor do  cartão Visa, deixando em aberto a dívida para com o cartão Mastercard. Esta ultima instituição, diante do não pagamento do débito, procedeu às comunicações de praxe nestas situações (SPC, SERASA, etc). Sentindo-se prejudicado com o acontecido, o cliente foi a agencia bancária e tratou com o sub-gerente Vivian, tendo ficado esclarecido que procedido o conserto do equívoco, ainda faltaria o aporte de cerca de R$ 700,00 (setecentos reais) o que foi providenciado pelo acusado, sem correspondência, porém, de idêntico procedimento por parte da instituição financeira na escrituração da conta corrente e junto aos credores externos (Credicard). Nova reclamação do cliente foi providenciada.

O sub-gerente Vivian teria prometido tudo regularizar no prazo de 48 horas.

Antes do prazo, porém, segundo a versão de Vivian em seu longo depoimento de fls. 960 a 967, a 14/07/2005, sem conseguir falar pelo telefone com o gerente Seno, o acusado “perdeu o equilíbrio”, e numa operação para a qual foram convocados o Oficial de Justiça e policiais militares lotados no grupamento local, além da autoridade policial, dirigiu-se ao estabelecimento bancário depois do expediente externo da instituição e ali sendo comandou pessoalmente a prisão do gerente Seno Luiz Klock, dando-lhe voz de prisão. Ato contínuo, por determinação do imputado o preso foi conduzido à Delegacia de Polícia para lavratura do ato visando materializar a prova da suposta prática de crime de estelionato.

A prova dos autos, quanto ao fato da prisão e de suas razões determinantes, é incontroversa.
Transcrevo as declarações do acusado por ocasião do interrogatório a que se submeteu neste processo, na sua parte essencial:

“… o depósito foi em 29 de junho e a prisão ocorreu no dia 14 de julho, ou seja, 15 dias  após.  … Nunca agira assim na minha vida, me tenho por uma pessoa equilibrada…; … reconheço que perdi o equilíbrio, admito isso, mais de 15 dias e nada solucionado. Foi aí que fui lá e fiz o que fiz, ou seja, dei voz de prisão….; …só dei voz de prisão e me retirei da agência bancária.         Em nenhum momento mandei algemar o gerente…..; …durante 15 dias eu tentei contacto telefônico e no dia da prisão eu entendi como uma certa afronta, porque telefonei várias vezes e na última vez ele não me atendeu o telefone, sendo que a funcionária que atendeu o telefone disse: o senhor gerente está ocupado numa outra ligação. Ela deixou o telefone aberto e eu ouvindo ele conversar com a cliente. E tanto é assim que eu avisei: diga a ele que eu vou prendê-lo. Pô, pensei: o cara vai ligar . Duas horas se passaram e nada de ele me ligar. Aí fui lá e efetuei o que fiz.  ….chamei a autoridade policial para ir lá efetuar a prisão, porque eu não ia prendê-lo, pegá-lo. Quem faz a prisão é a autoridade policial e não eu. Eu apenas dei voz de prisão e me retirei da agência. …ele queria me explicar naquele momento eu disse:  agora não quero explicação. Estou esperando a 15 dias  e nada de se resolver a situação.  … o senhor está preso. Delegado,  cumpra com sua função (fls. 379)”.

 “ …Volto a dizer: reconheço que perdi o equilíbrio…. hoje eu agiria diferente porque na área cível eu estava cheio de razão, eu era a vítima. Só que por um ato desses eu de vítima passei a réu. Tudo bem. O que está feito está feito ….” (fls. 373 a 375).

A funcionária do Banco do Brasil que no dia 14 de julho de 2005 (a denúncia, nesta parte, se equivoca quanto à data) recebeu o telefonema do acusado, desde a cidade de Santa Maria onde o mesmo  se encontrava, depondo em juízo, esclareceu:

“….Eu atendi o telefone e disse … o Seno está numa outra ligação, é só com ele, eu posso ajudar ? ele disse assim: “então avisa para ele que eu estou saindo daqui de Santa Maria para prendê-lo”. Foi assim sucinto. Taxativo …” (fls. 691).

O vigilante do Banco do Brasil que presenciou o acontecido na agência declarou  ter visto o acusado entrar no estabelecimento e prender o gerente porque ele teria praticado estelionato, sublinhando o depoente  que  “o Dr. Jairo deu voz de prisão a Seno e ordenou ao Delegado que o levasse preso à delegacia algemado” (fls. 707 a 710).

O Delegado de Polícia, Alcindo Martins, o Oficial de Justiça José Humberto da Mota e o Soldado da Brigada Militar Sérgio dos Santos Leivas, todos convocados por telefonema provindo do Fórum local e que participaram da diligência chefiada pelo acusado que culminou com a prisão do ofendido, confirmaram em juízo tal circunstância, de terem sido chamados para dar respaldo ao Juiz de Direito, Dr. Jairo, na operação destinada a executar a prisão do gerente Seno porque ele teria praticado estelionato (fls. 634, 675 e 713).

Não é diverso o longo depoimento do ofendido Seno Klock (fls. 653 a 673).

Assim é que o fato da prisão e a motivação que a determinou restaram comprovados nos autos de forma inquestionável, segundo entendo. Tecnicamente estamos, portanto, diante da prova da autoria e da materialidade de um fato que a lei define como infração penal.
É preciso a partir daqui examinar se, pelo que fez, o acusado merece censura penal.
Sustenta a defesa do réu, em preliminar, que o tribunal pode e deve deliberar sobre pedido que reitera de suspensão condicional do processo, independentemente de proposição neste sentido da acusação.

A questão suscitada pela defesa é recorrente.

Por três vezes este egrégio Órgão Especial, neste mesmo processo, desatendeu o pedido defensivo de suspender o processo, mediante condições a serem cumpridas pelo réu.
Sustentando ter sido ilegal aquela  decisão, porque atentatória ao direito à ampla defesa, o acusado bateu às portas do egrégio STJ, como referido no relatório, sem proveito, no entanto, até o momento, porque a liminar suplicada de trancamento da ação penal não foi deferida e o julgamento final  do pedido embutido na aludida ação  está protraído para não se sabe quando.

Renova a defesa o pedido antes desacolhido e o eminente Desembargador Nereu propõe que este tribunal aguarde o julgamento do habeas corpus pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça como se estivéssemos diante de questão prejudicial.

Não me parece que se deva aguardar o julgamento do habeas corpus. Não estamos diante de questão prejudicial e a matéria não foi reputada relevante por aquela Corte Superior. Caso assim tivesse entendido, teria evidentemente suspenso o andamento do feito, como expressamente requerido.

 Quanto à renovação do julgamento da matéria que agora retorna, sublinhando que muito embora respeitável o entendimento da defesa, permito-me relembrar que a posição deste tribunal, no particular, está escudada na jurisprudência predominante do colendo STF como dito no enunciado 696 de suas Súmulas e que pode assim ser resumida:

“A suspensão condicional do processo pressupõe acordo entre as partes, cuja iniciativa de proposta, na ação penal pública, é privativa do Ministério Público.”

Por ocasião dos julgamentos precedentes tive ensejo e oportunidade de ponderar que o instituto da suspensão condicional do processo, assim como da transação penal strictu sensu, é matéria pertinente à justiça consensual, soando como agressão à noção de acordo que o juiz possa impô-lo às partes litigantes.

Na oportunidade invoquei dois precedentes do Pretório Excelso decorrentes de decisões posteriores ao enunciado 696 da Súmula: o HC  84.342/RJ – Rel. Min. Carlos de Britto – julgado pela 1ª Turma em 12/04/2005 e o RExt. 438161-GO – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado pela 1ª Turma em 31/03/2006).

Sem invocar aplicação ao instituto da coisa julgada, não vejo razão ou fundamento para se  decidir diferentemente esta mesma questão já enfrentada por este órgão julgador neste mesmo processo.

Concernentemente ao mérito da pretensão punitiva, o acusado, pessoalmente e bem assim seus ilustres defensores, externaram o entendimento de que Jairo Cardoso Soares não cometeu nenhum crime porque o denunciado, prendendo o gerente do Banco do Brasil, não teria agido na condição de autoridade, mas como cidadão que, ilegalmente desapossado de seu direito, como sujeito passivo de uma infração penal de cunho permanente, teria agido no exercício regular de um direito. Teria o acusado reagido, como lhe faculta a lei, prendendo  em flagrante o infrator.

Declarou o acusado, por ocasião do interrogatório:

 “…agi como cidadão, no termos do Código de Processo Penal: qualquer pessoa pode dar voz de prisão, desde que esteja acontecendo o delito e o delito estava acontecendo há 15 dias…” (fls. 374).

No meu entendimento, porém, a conduta do acusado não tem justificativa ou amparo legal algum.

 Isto porque mesmo que a instituição financeira tivesse procedido ilegalmente, apropriando-se de valores do cliente – o que absolutamente não aconteceu – a reação do acusado, como cliente comum, isto é, como cidadão, não poderia ser aquela que adotou.

Porque o Banco do Brasil não é e nem pode ser sujeito ativo da prática da infração penal que lhe foi atribuída pelo acusado.

 Nem o gerente poderia ter sido preso, porque nenhuma infração penal praticou ao longo do episódio em que se viu envolvido.

A falha do banco tão veementemente reclamada pelo acusado,  ainda que procedente, não ultrapassava os umbrais de um ilícito civil ou comercial a ensejar no máximo uma demanda da mesma natureza que o acusado reputou “muito complicada” pelas razões que aduziu em seu interrogatório (fls. 386).

O denunciado tem consciência disso, segundo penso.

Na verdade o acusado, tendo se considerado “afrontado”, pelo tratamento recebido dos servidores da instituição financeira, particularmente do gerente Seno Klock de quem se considerava amigo e na casa de quem havia inclusive jantado, reagiu com uma arbitrariedade flagrante.

Não tivesse o denunciado agido como  autoridade, não tivesse ele  se utilizado do cargo que ocupava para fazer o que fez, como agora  sustenta,  teria então  praticado o crime descrito no art. 345 do CP.

Porque esta é a infração penal que pratica todo cidadão comum que resolve desprezar o estado de direito e fazer justiça pelas próprias mãos.

 Assim, por qualquer ângulo que se queira examinar os fatos, não vejo como deixar de reconhecer que o Juiz de Direito Jairo Cardoso Soares não podia ter feito o que fez.

A tese defensiva que objetiva convencer este órgão julgador de que o réu se houve no episódio por ele provocado no exercício regular de um direito, ou, alternativamente, sem vontade livre de ofender, não tem o menor fomento jurídico, data venia.

Tenho assim como demonstrado que o acusado se utilizou, consciente, abusiva e ilegalmente do cargo que ocupava, para fazer o que fez, praticando desta maneira o crime previsto no art. 4º, letra “a”, da Lei 4.898/65, posto que pratica crime de abuso de autoridade o Juiz de Direito que, a pretexto de haver a instituição financeira da qual era gerente o ofendido se apropriado ilegalmente de dinheiro que o Magistrado mantinha naquele estabelecimento, dá-lhe voz de prisão, determinando ao Delegado de Polícia que convocado o acompanhava na diligência conduzisse o preso à repartição para lavratura do ato, numa tentativa inútil de mascarar a arbitrariedade.

Permito-me lembrar que a Lei 4.898/65 visou, primeiramente, conferir proteção penal aos principais direitos individuais reconhecidos na Carta Magna, como a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de crença e de consciência, o livre exercício do culto religioso, a liberdade de associação, o direito à reunião sem armas em locais abertos ao público e independente de autorização e a incolumidade física e moral do preso.

Num segundo momento a lei visa proteger um interesse social, qual o do regular funcionamento da Administração Pública em sentido amplo, objetivando assegurar o exercício das funções públicas sem abuso de poder por parte dos seus agentes.

Estas duas objetividades jurídicas devem se fazer presente quando do julgamento de uma causa em que se acusa  o agente público de haver atentado contra a liberdade de locomoção de determinada pessoa, como no caso dos autos.

O crime, aliás, já estava previsto no art. 350, caput, do Código Penal, nesta parte derrogado pela lei nova, menos severa do que a prevista na parte especial da Lei Penal Fundamental.
Sustenta igualmente a defesa que o fato de o réu ter sido removido, compulsoriamente, da comarca de Lavras do Sul em razão do episódio objeto deste processo, por motivo de interesse público (CF/88 art. 95, II) não pode se refletir no julgamento desta causa penal. Isto porque são distintas e independentes as esferas administrativa e jurisdicional.

Inegável que as esferas administrativa e jurisdicional são separadas e independentes. Convém, no entanto, lembrar que o órgão que decidiu administrativamente a causa que lhe foi apresentada – coincidentemente este mesmo Órgão Especial do Tribunal de Justiça – relativamente à legalidade da conduta do agente na prática do mesmo fato, o fez com apoio nas mesmas regras e nos mesmos princípios jurídicos que devem informar a decisão jurisdicional que deve ser editada neste processo.

Como não poderia deixar de ser, nenhuma sanção jurídica pode ser irrogada, na esfera administrativa ou jurisdicional, quando o envolvido tiver agido ao abrigo do direito, como alega o acusado nesta instância e como já o fez, sem sucesso, na instância administrativa.

Como o acusado, na esfera administrativa, viu sua conduta desaprovada e punida, porque ilegal e abusiva, não se espera que alimente fundada esperança de que este mesmo Órgão Especial, examinando a questão sob a ótica criminal, venha a decidir o contrário, isto é, que atuou  no exercício regular de um direito que lhe assistia como cidadão comum, desvestido do cargo que então titulava. Muito embora, é certo, sob o aspecto teórico, possa fazê-lo, ainda que isso possa parecer paradoxal, uma vez que a decisão administrativa não vincula a jurisdicional.

No meu entendimento, porém, a partir do exame e da valoração jurídica do que nestes autos se contém, a uma única conclusão pode-se chegar: a  integral procedência desta ação penal, como pretendo ter justificado.

Procedente a ação penal, impõe-se estabelecer a pena necessária e suficiente para reprovar e para reprimir o crime praticado pelo denunciado.

Na escolha da pena aplicável ao caso concreto, dentre as cominadas na Lei 4.898/65, bem assim sua quantidade, observados os limites mínimo e máximo na lei estabelecidos, determina a Lei Penal Fundamental, no art. 59, que o juiz considere a culpabilidade do agente.
Esta expressão aí está não no sentido  de capacidade de culpa (imputabilidade consciência da ilicitude do fato e inexigibilidade de conduta diversa).

Estas exigências, todas elas, se fazem presente na pessoa do acusado, até mesmo por presunção, eis que Magistrado no pleno exercício da judicatura e nada foi oposto no sentido contrário quer pela defesa e menos ainda pela acusação. A expressão culpabilidade aparece no art. 59 do CP no sentido de reprovação social que o crime e o autor da infração penal devem suportar. No sentido de censurabilidade da conduta executada pelo agente.  A culpabilidade que se busca definir neste momento é a integrada pelo conjunto de fatores indicados no aludido tipo legal, por um lado, e, por outro, a repercussão social determinada pelo ilícito perpetrado, tendo-se em atenção os bens jurídicos danificados pelo ilícito praticado.

Sob este aspecto, tenho que a censurabilidade da conduta realizada pelo acusado fica situada muito acima daquela que, nas mesmas condições de ilegalidade objetiva, teria sido perpetrada por outro servidor público que não titulasse o cargo de Juiz de Direito da comarca a quem o ordenamento jurídico confere o grave encargo de velar pelo estado de  direito, devendo servir como paradigma do ideal de justiça, reprimindo a prática de toda e qualquer infração penal. A reprovabilidade da conduta realizada pelo acusado é, no caso, também elevada porque, para sua execução, o réu valeu-se do concurso material de subordinados seus e de outros servidores da área para-jurídica os quais, constrangidos, viram-se posicionados na condição de testemunhas de uma arbitrariedade manifesta.

A culpa do acusado é igualmente elevada porque o ofendido resultou humilhado em seu local de trabalho, na presença dos colegas de serviço, tendo que padecer, como desdobramento do ilícito de que foi vítima, uma transferência compulsória, com prejuízo inequívoco para sua carreira funcional.

Também a circunstância decorrente do afastamento compulsório do réu do cargo, incompatibilizado para o exercício da jurisdição no  Município  em razão da grave falta praticada, com as dificuldades de toda ordem que a ausência de titular na comarca acarreta, é outro dado  concorrente no somatório de itens integrantes das conseqüências danosas do crime  que elevam a censurabilidade da conduta incriminada.

Estes fatores prejudiciais na determinação da escolha da espécie de pena e do seu dimensionamento, se sobrepõem aos que poderiam ser arrolados como favoráveis ao acusado, como os antecedentes, que não registram qualquer anotação; à conduta social, que aparece como abonada pelo depoimento das autoridades representativas da comunidade  que compareceram a juízo para depor neste sentido  e bem assim dos advogados militantes na comarca ouvidos na instrução, com destaque para o longo tempo dedicado à Magistratura, com  participação do acusado nas lides associativas da classe, aparecendo   sem maior expressão o registro das pendências junto às instituições financeiras e ao murmúrio de que o réu teria sido visto embriagado na cidade, no  cotejo com os dados precedentes agora examinados neste item ; quanto à personalidade, dado de difícil apreensão e avaliação, a do réu aparece nos autos como favorável, porque  apresenta a silhueta de  pessoa afável,  compreensiva e bondosa, tratando a todos, no exercício de suas atividades jurisdicionais, com reconhecida atenção e interesse, mostrando-se a agressividade exteriorizada por ocasião  do episódio objeto deste processo como  desbordante de sua maneira de ser  e como fato  isolado; quanto aos motivos que levaram o imputado a proceder da forma como o fez,  foram eles  já realçados, tendo para tanto concorrido, ainda que  não de forma inevitável, o comportamento do ofendido, ou da instituição financeira à qual estava o ofendido vinculado.

De posse de tais dados, penso que a pena privativa de liberdade, no caso, é a que  melhor haverá de cumprir com os objetivos da sanção criminal. Não a pena de multa e nem a perda do cargo. A primeira porque muito aquém da finalidade repressiva que toda sanção criminal deve cumprir, particularmente neste processo e a última porque deve ser reservada aos autores de crimes funcionais punidos na forma do art. 92, inciso I do CP.

Assim é que, com amparo no art. 4º, letra “a”, c/c o art. 6º, § 3º, letra “b” da Lei 4.898/65, sujeito o réu Jairo Cardoso Soares a quatro meses de detenção a serem cumpridos sob regime inicial aberto (CP art. 33, § 2º, letra “a”, c/c o art. 33, § 1º, letra “c”).

O condenado pagará as custas deste processo e verá lançado seu nome no Livro dos Culpados. A Secretaria, oportunamente, procederá às comunicações de estilo decorrente da condenação criminal.

Presentes as exigências legais (CP art. 44, § 2º), a pena privativa de liberdade imposta é substituída  por prestação pecuniária (CP art. 43, I) consistente no pagamento em dinheiro da quantia de cinqüenta (50) salários mínimos nacionais em vigor no dia 14/07/2005 em proveito de entidade com destinação social do Município de Lavras do Sul (CP art. 45, § 1º) a ser identificada na fase da execução.  É como voto.


 

 

 

Dano ambiental deve ser evitado

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DECISÃO:  TJ-MG – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (…) impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Citando o artigo 225 da Constituição Federal, o juiz Geraldo Senra Delgado, da 24ª Vara Cível de Belo Horizonte, deferiu uma tutela determinando que uma empresa e um posto iniciem o trabalho de monitoramento e remediação de um local, sob pena de multa diária de R$5 mil para cada um, até o limite de R$500mil.

De acordo com apuração do Ministério Público, o posto exercia atividades de comércio de produtos derivados do petróleo e encerrou suas atividades sem observar as normas pertinentes para a sua desativação. Por causa disso, há perigo de contaminação dos recursos hídricos na sua área de influência, o que pode se perpetuar, já que não houve qualquer medida de investigação e, consequentemente, prevenção de danos potenciais provenientes da atividade do posto de combustível.

Ainda segundo o representante do Ministério Público, a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente prevê expressamente a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para operação e apresentação de plano de encerramento das operações.

O Ministério Público ainda informou que as bombas de abastecimento e tanques foram removidas e novos equipamentos foram instalados pela empresa petrolífera para que o estabelecimento voltasse a operar sob nova denominação. A nova empresa não possui licença ambiental e alvará de localização e funcionamento, sendo certo que as edificações erguidas são clandestinas.

Segundo informação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento Urbano não houve comunicação oficial da desativação do posto. Para a aprovação do plano de encerramento ela adota as medidas da NBR, que exige a retirada do lastro de combustível, a desgaseificação, a inertização, a retirada dos tanques de combustível, o transporte e a destinação dos tanques..

O Ministério Público requereu a apresentação do plano de encerramento da atividade, pois este implica a investigação ambiental que determinará a existência de eventual contaminação e conseqüente remediação e recuperação do meio ambiente, caso haja necessidade de descontaminação.

O juiz verificou que há provas nos autos de que as águas subterrâneas se encontravam com concentrações de elementos poluentes acima dos limites aceitáveis.

Essa decisão está sujeita a recurso.


FONTE:  TJ-MG, 25 de setembro de 2007.

Voz do Brasil pode ser transmitida em qualquer horário por rádios gaúchas

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DECISÃO:  STJ – Os ouvintes de emissoras de rádio que operam no Rio Grande do Sul podem receber uma programação distinta da do restante do país no horário das 19h às 20h, de segunda a sexta-feira, tempo tradicionalmente reservado para a transmissão em cadeia do programa Voz do Brasil. Julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu a recurso da União e acabou mantendo a decisão de segunda instância que permitiu a flexibilização do horário de retransmissão do programa oficial

O caso foi apreciado pela Segunda Turma. O relator, ministro Castro Meira, entendeu não haver, no recurso especial, os pressupostos que autorizam a análise do pedido e, por isso, não conheceu do pedido. Ademais, o ministro encontrou fundamento constitucional na decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que autorizou, no ano passado, a retransmissão em horário alternativo, o que já vem sendo feito. O ministro destacou que não cabe ao STJ analisar questionamento de violação da Constituição.

A decisão foi unânime, mas a questão ainda pode ser revista. Simultaneamente com o recurso especial, a União ingressou com um recurso extraordinário, que deverá ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tão logo seja admitido pela presidência do STJ.

A ação

A contestação contra a obrigatoriedade da transmissão da Voz do Brasil no horário pré-determinado chegou aos tribunais por uma ação declaratória de inexigibilidade de transmissão movida pela Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert). Inicialmente, a entidade obteve uma liminar, que acabou suspensa pelo STF a pedido da União. No julgamento do mérito, a Agert não teve sucesso, mas reverteu o quadro ao apelar ao TRF-4.

Os juízes de TRF, por maioria, entenderam que “a flexibilização no horário de transmissão da Voz do Brasil tem amparo na jurisprudência da Corte e permite às emissoras de rádio que exerçam seu direito à liberdade, nos termos da Constituição, ao mesmo tempo que garante a veiculação diária do programa oficial em todas as rádios do País”. A União tentou mudar a decisão por meio de um recurso chamado embargos infringentes, mas não foi atendida.

No STJ, a União alegou que a posição do TRF-4 violou dispositivo do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações que faz referência à transmissão da Voz do Brasil. O procurador federal Lourenço Paiva Gabina sustentou que a radiodifusão é uma concessão e que a lei estabelece requisitos para essa concessão, entre eles, a paralisação da programação para a transmissão da Voz do Brasil. De acordo com o procurador, as emissoras não estariam sofrendo censura. Para a União, o pedido da Agert teria intuito econômico em função do valor publicitário do horário em que o programa oficial é transmitido.

Por outro lado, o advogado Flávio Milman, representante da Agert, sustentou que a flexibilização da retransmissão não é uma tentativa de lucro fácil, mas a concretização da prestação de serviço que só um veículo como o rádio é capaz de prestar em um horário de grande demanda social. A defesa da entidade ainda argumentou que pesquisas indicam que a maioria da população desliga o aparelho de rádio quando tem início a Voz do Brasil, sendo que, ao seu término, os aparelhos não são religados, pois a audiência migrou para outros veículos de comunicação. Isso, para Milman, seria um tratamento desigual entre as mídias, já que somente as rádios têm de suportar o encargo do programa oficial.


FONTE:  STJ, 25 de setembro de 2007.