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Da função das penas: do suplício do corpo ao suplício da imagem

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* Roger Moko Yabiku –

No decorrer da história, o uso do poder sempre foi legitimado, seja por razões de ordem religiosa ou simplesmente pelas convenções dos homens. Em ambos os casos, havia a legitimação jurídica do poder de punir diante da violação de uma norma imposta às pessoas, diferentemente consideradas. O poder de punir e os interesses de quem estava no comando do Estado eram praticamente a mesma coisa. No passado, a pena recaía no próprio corpo do condenado exibido e humilhado perante o público. Hoje, porém, a pena – aplicada pelo Estado – apenas lhe restringe a liberdade. O suplício não recai mais sobre o corpo – que, em tese, deve ser resguardado pelo próprio Estado que pune o infrator –, mas sobre a sua imagem. A função de expiar o "crime" não é mais exclusiva da autoridade, que mediava a participação popular na execução das penas; é compartilhada com a mídia, que formula sua própria tipificação para as condutas, consideradas benéficas ou maléficas, melhor lhe aprouver.

Os Estados contemporâneos são caracterizados pelo monopólio do uso da força. Ou melhor, como diz o libertariano (neoliberal) Robert Nozick, detêm o monopólio de dizer quem fará uso da força. As cenas de violência que permeiam o cotidiano fazem as pessoas questionarem, freqüentemente, se não seria mais adequado tomarem – por elas mesmas – os critérios de decisão de conflitos nas suas próprias mãos e, assim, executarem as penas, saciando um primitivo instinto de vingança.

Assim eram as primeiras formas de reação penal na Antigüidade: uma vingança privada, ilimitada e desproporcional, marcada pela irracionalidade. Ainda no mesmo período histórico, a vingança passou a ser pública. Esboçava-se uma certa racionalização das penas, que eram, de certa forma, uma maneira de os homens retribuírem às divindades o mal feito pelo infrator.

Durante muito tempo, os conceitos de crime e pecado eram praticamente unos, por influência do Direito Canônico. As figuras do acusador e a do defensor público foram inovações trazidas pelo Tribunal do Santo Ofício, que, não raro, invadiam a competência dos Estados. Sua competência originária era apurar e julgar a heresia. Mas o que se pode definir como heresia? Quase tudo o que bem entendesse o inquisidor.

O processo penal era secreto, tendo somente a execução da pena o caráter público. A pena incidia diretamente no corpo do condenado – que era, ao mesmo tempo, o objeto em que se personificava o processo penal, que até dado momento permanecera sigiloso – numa execução pública.

Posteriormente, com a mescla de conceitos do Direito Romano, do Direito Germânico, do Direito Canônico e dos Direitos Penais dos locais onde se formavam os Estados Absolutista., a pena era uma afirmação do poder do soberano, que encontrava sustentáculo nas obras, principalmente, de pensadores como o inglês Thomas Hobbes. Aliás, no contrato social hobbesiano, pelo medo da guerra de todos contra todos, os homens se desfaziam da liberdade natural pela servidão civil ao Leviathan, o corpo soberano (uma assembléia ou um monarca), em troca da segurança que este lhes proveria.

O monarca, segundo Hobbes, tinha a tarefa de assegurar a co-existência entre os seus súditos e o próprio Estado, pela punição exemplar daqueles que colocassem em risco essa relação. Assim, cometer qualquer ofensa, por menor que fosse, era um crime direto ao soberano, detentor do poder de punir, que era delegado aos carrascos.

O filósofo francês Michel Foucault, no livro "Vigiar e Punir", dissertou com detalhes a execução dos condenados. O mal do delito cometido pelo condenado deveria ser reproduzido em seu corpo, como uma forma de afirmação do poder do soberano.A tortura e o suplício do corpo do condenado tornavam pública a aplicação da pena – mais um espetáculo para as massas e reafirmação do poder real que utilidade social de prevenção e repressão à delinqüência.

A noção de princípio da dignidade humana surgiu apenas posteriormente, com Samuel Puffendorf. Essa noção, aliada aos ideais iluministas, veio combater o princípio da autoridade, fosse da Igreja Católica ou do monarca absolutista. Houve a cisão histórica entre crime e pecado, afirmando o indivíduo: um grito contra a arbitrariedade que violava direitos intrínsecos a cada ser humano, que, de acordo com Jean-Jacques Rousseau, era corrompido pela sociedade civil. Voltaire, por exemplo, criticava o rigor excessivo das penas, a arbitrariedade daqueles encarregados da instrução e execução criminal e os erros judiciais.

O barão de Montesquieu, por sua vez, tinha na Lei Positiva uma segurança contra o abuso do poder. Haveria de se ter formalidades procedimentais e ampla defesa para, só assim, o juiz chegar a uma decisão justa. A Lei seria um freio ao bel prazer das autoridades.

Os iluministas e a elite econômica – a burguesia que ansiava o poder político –, cada qual por seus motivos, pregavam uma reforma nas estruturas do Estado. Para Rousseau, o homem, que era bom por natureza, foi ludibriado a celebrar um contrato social, saindo de um estado de natureza no qual era livre para ser servo explorado na sociedade civil, que favorecia apenas alguns. Era necessário um novo contrato social que desse um basta nisso, tirando-o da sociedade civil degenerada para entrar num Estado Moral, a República.

O contratualismo rousseauniano influenciou toda uma época, surtindo efeitos, inclusive, num intelectual que despontava na Toscana: Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria. Na sua principal obra "Dos delitos e das penas", Beccaria tece críticas severas e contundentes ao sistema penal vigente, completando o ciclo de laicização do Direito Penal. O contrato social celebrado entre os homens era o fundamento do Estado e do direito de punir, devidamente regulado por Lei (princípio da reserva legal), elaborada por legisladores eleitos. Assim, só as Leis poderiam prescrever delitos e penas, tal como a proporcionalidade entre ambos.

A repressão pungente "às pequenas ações", em vez de crimes, no seu entender, estimulava ainda mais a prática criminosa. Beccaria também repudiou a pena de morte, pois na sua concepção, não servia para prevenir ou reprimir crimes, sendo apenas mais uma causa de comoção popular.

Por outro lado, o contrato social de Rousseau foi subvertido para justificar teorias reacionárias como a do "Direito Penal do Inimigo", de Günther Jakobs. Rousseau considerava que os criminosos estavam à margem do contrato social. Este argumento de defesa do corpo social e legitimação do poder punitivo, foi utilizado por Jakobs para defender que há outros tipos de criminosos que devem ser combatidos de forma diferente, mesmo que implicasse na violação de certos direitos.

Contemporaneamente, o corpo humano é protegido contra os suplícios patrocinados pelo Estado. No Brasil, inclusive, há a Lei n.º 9.445/97, que define os crimes de tortura, que antes era instrumento legítimo de instrução processual penal. As penas não visam mais o suplício dos condenados, além da privação da sua liberdade, que teria a função de reeducá-los, para devolvê-los à sociedade, devidamente "emendados".

A matéria-prima dos suplícios de outrora, o corpo, deve ser preservada. O suplício – primordial para oferecer outro espetáculo para as massas no intuito de legitimar a ação dos aparelhos repressivos do Estado – se transfere do corpo para a imagem dos condenados.

O Leviathan contemporâneo é o povo que exerce seus poderes por meio de representantes eleitos pelos seus cidadãos. A função de repressão e de prevenção é realizada pelas autoridades administrativas e judiciais, por meio do processo penal público, salvo se decretado segredo de Justiça, de modo a não mais necessitar do suplício do corpo para lhe dar publicidade.

Além da publicidade formal, inerente ao processo penal, para satisfazer o titular do Leviathan contemporâneo, o povo, há de se propiciar uma publicidade que ultrapasse os meandros técnico-jurídicos para lhe aplacar o apetite por vingança.

O suplício da imagem não é feito pelo aparato estatal, via processo penal. É conduzido pelo processo jornalístico, que tem nos seus agentes os novos inquisidores. Nesse novo tipo de processo inquisitorial, não se respeitam os princípios do Direito Penal historicamente consolidados, como o da legalidade, o da reserva legal, o do contraditório e da ampla defesa e o do devido processo legal, entre outros.

No fórum da opinião pública, os novos inquisidores bradam por moralidade, legalidade e respeito à coisa pública; mas para os outros. Em sua persecução noticiosa, não se atentam sequer a um formalismo procedimental que lhes aproxime, sequer, das garantias proporcionadas pelo processo judicial. Daí, ofendem a moralidade, a legalidade e o respeito à coisa pública que, para o público, dizem proteger.

Os novos inquisidores assumem a truculência dos aparelhos repressivos do Estado para o suplício da imagem e criam tipos, a parte dos definidos juridicamente, que lhes justifiquem as atividades persecutórias. Além de vigiar e punir pela dilaceração moral perante o público, são ideólogos do novo contrato social baseado na fragmentação e na superficialidade dos debates. Ao mesmo tempo, são inquisidores, juízes e carrascos do Leviathan contemporâneo. A defesa é meramente formal, já que o contraditório e a ampla defesa se resumem a meramente ouvir a outra parte, sem que se lhe dê oportunidade de defender-se de modo proporcional ao que lhe é imputado. Tudo deve ser simplista para ser facilmente digerido pelas massas e facilmente aplicado pelos algozes.

O processo de edição do noticiário, ou mesmo o de apuração das informações, já se encarrega de direcionar os juízos da opinião pública para a condenação, mesmo que nem haja, antes, um processo jurídico. Para os novos inquisidores, a condenação judicial não é o bastante, é preciso expurgar os males pela expiação da imagem do condenado na imprensa.

Não importa que perante as autoridades judiciárias o acusado seja inocente. Diante do tribunal da opinião pública, já foi condenado antes mesmo de lhe ser oferecida oportunidade de defesa, numa amostra de aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo à sociedade da comunicação de massas.

O inimigo pode ser qualquer um. Qualquer um corre o risco de ser tratado como um "inimigo especial", pois os "tipos criminais" criados pelos novos inquisidores são tipos abertos, que podem ser ampliados conforme suas conveniências políticas e ideológicas. Aliás, não sabem, nem concebem, a individualização da responsabilidade penal. Imputam ofensas cometidas por uma pessoa a todo um grupo, sem distinguir nitidamente quem fez o quê.

Nesse processo cerceado de dúvidas, não se usa o in dubio pro reo, muito menos o in dubio pro societatem. Os novos inquisidores falaciosamente discursam in dubio pro societatem na persecução e execução da imagem dos previamente condenados. O discurso do interesse público é utilizado como subterfúgio para mobilizar a massa a determinados fins, aparentemente públicos, mas que, com certeza, legitimariam o suplício da imagem dos condenados. Nesse espectro, qualquer um já está condenado. É só escolher alguém para a execução da pena em público.

É a liberdade de imprensa que, em caso de abuso, atenta contra a liberdade de acesso à informação e à dignidade humana, perfazendo um verdadeiro tribunal de exceção. Quis o constituinte que o indivíduo tivesse tutelado seu direito à informação correta, diga-se de passagem. E não o contrário. Com o fim de se instalar um Estado Moral, parece que quaisquer meios são justificáveis para a caça às bruxas.

Vigiar os comuns e punir a imagem dos escolhidos como condenados. O importante é oferecer uma ilusão de justiça à massa, uma ilusão de mudança. Uma mudança para uma aparente segurança. Mas nestes termos, segurança não existe. Segurança é uma ilusão. Cuidado, caro leitor, você já foi condenado. Está somente à espera da execução da sua pena, o suplício da sua imagem.

 

Referência  Biográfica

Roger Moko Yabiku  –  Bacharel em Jornalismo pela PUC/Campinas, bacharel em Direitio pela Fadi/Sorocaba, pós-graduado em Comércio Exterior pela FGV, mestre em Filosofia Ética pela PUC/Campinas, pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Unimep


Considerações sobre a sucessão do cônjuge e da companheira

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* Giseli Leite –

Os direitos hereditários dos companheiros foram estabelecidos a princípio e, não com exclusividade. O direito de recolher a totalidade da herança parece que se dá apenas sobre os bens adquiridos onerosamente e durante a união estável. Se existirem bens de outra natureza, poder-se-ia imaginar que deveriam estes, serem destinados ao Estado.

Deve o dispositivo do inc. IV do art. 1.790 do C. C.ser interpretado em consonância com o art. 1.844 do C. C., que estabelece que a herança será devolvida ao Estado apenas no caso de não sobreviver o cônjuge, companheiro ou parente sucessível.

Ressalte-se que o art. 1.790 do C. C. confunde meação com direito hereditário. A sistemática de concorrência na herança pela companheira produz crassa injustiça e difere do que foi feito com relação ao cônjuge. Constituindo flagrante retrocesso, tendo em vista, a legislação anterior.

O direito sucessório do cônjuge, quando existem outros herdeiros necessários (ascendentes do falecido), é concorrente mas, não o é, quando existem apenas herdeiros legítimos não-necessários ou facultativos, como por exemplo, os apenas colaterais. Neste caso, o cônjuge tem direito exclusivo recolhendo integralmente a herança.

O companheiro tem direito concorrente sempre mesmo que dispute a herança com os ascendentes ou com colaterais e, sua quota é sempre um terço da herança.

Um terço de bens adquiridos na união estável a título oneroso, portanto, uma cota restrita de bens.

Não havendo parentes sucessíveis (aqueles listados na ordem vocacional hereditária prevista no art. 1.829 do C. C.) mas, não há obrigatoriedade do recolhimento da herança pela companheira, pois o mesmo não foi elevado à categoria de herdeiro necessário, pode este ser excluído da sucessão.

É possível concorrer na mesma herança cônjuge e companheira?

Sim, pelos arts. 1.830 e 1.723, §1º combinado com o art. 1.790 do C. C.

Separado de fato há mais de dois anos sem culpa sua, o cônjuge sobrevivente tem direito hereditário (art. 1.830 do C. C.). mas havendo entidade familiar, permitida pelo art. 1.723, §1º do C. C., o companheiro sobrevivo goza de direito hereditário. Assim, será possível coexistir ambos direitos hereditários incidentes sobre o mesmo acervo hereditário,se concorrerem apenas o cônjuge e o companheiro, este deve recolher apenas um terço dos bens conseguidos durante a sociedade familiar da qual participou.

Se na concorrência com quem recebe em quarto lugar na ordem vocacional hereditária, embora cônjuge não seja parente, recolherá a totalidade da herança.

A vigência do C. C. de 2002 implicou ainda na revogação tácita do art. 2º, III da Lei 8.971/94 e do parágrafo único da Lei 9.278/96.Por fim, o legislador negou ao companheiro a qualidade de herdeiro necessário.

Até a CFRB/ de 1988 não havia dúvidas de que o companheiro ou companheira não eram herdeiros. Mesmo com o reconhecimento constitucional da união estável, ou seja, do concubinato puro, tal proteção não lhe atribuiu direito sucessório a companheiro ou companheiro.

O que a Súmula 380 do STF garantia era a divisão do patrimônio comum dos bens adquiridos por esforço comum dos conviventes, hoje, companheiros. Ainda sob o esteio de se reconhecer a sociedade de fato e resolvendo a lide como uma apuração de haveres.

De qualquer modo, essa divisão podia interferir na partilha de bens hereditários quando, por exemplo, tivesse havido o chamado concubinato impuro ou adulterino e o autor da herança falecesse no estado de casado, com eventual separação de fato. Toda essa matéria se resolve no campo processual mediante prova.

Quando os tribunais brasileiros não previam a meação concediam indenização à concubina a título de serviços prestados (domésticos, mas que certamente incumbiriam os sexuais), quase um premium carne. E nessa hipótese, ocorreria sensível diminuição do acervo hereditário, pois parte era concedida ao companheiro.

Tal status foi alterado com os diplomas legais pela Lei 8.971/94 no que tange a sucessão, pois inseriu o companheiro na ordem vocacional hereditária, desde que fosse companheira de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo e, sob o lapso de 5 (cinco) anos de convivência.

A mesma lei atribuiu direito aos alimentos. Com essa lei a meação e a colaboração não se presumiam e deveriam ser provadas em cada caso.

Atualmente, por força da Lei 9.278/96, o companheiro sobrevivente, independentemente do prazo de duração da união estável ou de existência de prole, tem seus direitos garantidos.

Consagra que o companheiro é meeiro em relação aos bens adquiridos onerosamente na respectiva convivência. É nítida a diferença entre a união estável e o casamento, principalmente em matéria sucessória. E nem se estabelece regras claras quanto a sucessão dos companheiros.

Ademais, a lei apenas protegeu o concubinato puro, ou seja, aquele que não coexiste com o casamento.

Agora a maior dificuldade reside no fato de se evidenciar se esses diplomas legais de 1994 e 1996 estariam revogados pelo vigente Código Civil (2002), tendo em vista, que não foi expresso nesse sentido.

Aliás, nos diplomas legais referidos havias a previsão do usufruto vidual para o cônjuge viúvo e quanto a esse direito, houve uma equiparação significativa dos direitos dos companheiros aos direitos dos cônjuges. Quando houver meação e usufruto, não existe superposição de direitos, porque o usufruto incide sobre a herança e, meação não é herança. É receptível quando da dissolução da sociedade conjugal ou da sociedade concubinária. Assim, se no momento do falecimento, já extinta a união estável, não haverá direito hereditário para o companheiro. E, nesse caso, competirá a meação que cabe sobre o patrimônio do de cujus.

É óbvio que por decorrência constitucional sobre a família e a união estável ou o concubinato, ab initio, este nunca poderá gozar de direitos mais amplos do que o casamento. Tanto assim, que a lei facilitará a conversão da união estável em casamento.

Desse modo, o testamento poderá contemplar terceiros, excluído o cônjuge ou o companheiro da ordem vocacional hereditária, assim como os colaterais (art. 1.850 do C. C.).

Como herdeiro então, o companheiro fica sujeito à pena de exclusão por indignidade na forma do art. 1.814 e seguintes do C. C., mediante pelos herdeiros necessários.

A Lei 9.278/96 acrescentou o direito real de habitação como direito sucessório, à órbita da união estável. O mesmo não foi acolhido pelo Código Civil de 2002.

O direito real de habitação do cônjuge já estava contemplado pelo art. 1.611, §2 do C. C. de 1916, contemplado para o casamento, o que fora repetido no Código Cível vigente no art. 1.831.

O referido direito real de habitação no casamento está atrelado ao regime de comunhão universal e se referir ao imóvel destinado à residência da família sendo este único bem a inventariar. Todavia, o direito real de habitação para os conviventes não está adstrito a tais parâmetros. O vigente Código Civil não mais prevê o direito real de habitação para o convivente. Como também eliminou o usufruto vidual sobre parte da herança para o cônjuge.

Se entendermos que restam revogados as leis que em 1994 e 1996 que disciplinaram a união estável, essa está colocada em posição de extrema inferioridade em relação ao casamento e, as conquistas jurídicas anteriormente alcançadas. Consistindo-se uma ofensa aos direitos adquiridos já amealhados pelos companheiros.

Quando o autor da herança morre, no estado de casado, poderá coexistir o direito de habitação do convivente com o direito do usufruto vidual do cônjuge (isto na égide do C. C. de 1916).

As questões sucessórias dos companheiros não se esgotam tão facilmente, quanto ao inventário, se o companheiro sobrevivente estiver na posse e administração dos bens do espólio, caberá ao companheiro requerer a abertura do inventário na forma do art. 987 do C. P. C.. Podendo fazê-lo se for herdeiro, bem como ser nomeado inventariante.

Caso sua legitimação sucessória venha a ser contestada e depender de provas, a questão deve ser dirimida fora do inventario, pelas vias ordinárias (art. 984 do C. P. C.).

O direito à meação pela morte do de cujus que fôra disciplinado no art. 3º da Lei 8.971/94 e, com a divisão da meação, põe-se termo ao estado de indivisão do patrimônio pro indiviso enquanto durar a união estável.

Observa Cláudia Greco Tabosa Pessoa, “a colaboração de somenos importância não daria ao companheiro sobrevivente o direito à meação e à habilitação no inventário”.

Todavia, os conviventes podem dispor regime de bens de forma diversa, conforme estatui a Lei 9.278-96. E, no silencio dos companheiros, presumem-se que os bens foram adquiridos por esforço comum durante a união estável.

De qualquer maneira, para fins de partilha de bens comuns na união estável, são irrelevantes os motivos do desfazimento da união de fato, e, então, há direito à meação não só pela morte do companheiro mas, também, por ocasião do desenlace da vida em comum dos companheiros.

Traça o Código Civil de 2002 sobre o direito sucessório num único dispositivo, art. 1.790, em local absolutamente exótico e mui distante da ordem vocacional hereditária, e da a entender que companheiro como herdeiro é mero participante.

É de se lembrar que o art. 1.725 do C. C. prevê que os companheiros possam regular suas relações patrimoniais por contrato escrito (contrato de conveniência). Na ausência desse, aplicar-se-á, o regime de comunhão parcial de bens, também, conhecido como regime legal (desde da Lei do Divórcio).

Uma coerente e pertinente indagação versa sobre o fato de ser escolhido outro regime de bens, se haverá repercussão no direito sucessório, face o silêncio do legislador, com a omissão, a resposta deverá ser negativa.

O mesmo já não ocorre como cônjuge tendo em vista os ditames restritivos dos arts. 1.829, I e 1.830 do C. C. de 2002.

Não se pode entender que o contrato de convivência tenha o mesmo valor jurídico de pacto antenupcial.

Ademais, conforme os termos peremptórios do caput do art. 1.790, o companheiro somente poderá ser aquinhoado com patrimônio mais amplo por meio de testamento, ou seja, por vontade expressa do testador.

Ora, o art. 1.790 do C. C. disciplina a forma pela qual se estabelece o direito hereditário do companheiro ou de companheira e a forma prevista pela Lei 8.971/94 está revogada.

Observa-se que existe um retrocesso vexatório na amplitude de direitos hereditários dos companheiros do C. C. de 2002, pois, se não houver herdeiros descendentes ou ascendentes do convivente morto o companheiro recolheria toda a herança.

Se houver colaterais sucessíveis o convivente terá direito apenas a um terço de herança (na forma do inciso III do art. 1.790), só fará jus a totalidade da herança do de cujus se não houver parentes sucessíveis.

Quanto ao direito real de habitação previsto na Lei 9.278/96 (em seu art. 7º), opina Venosa por ser defensável sua manutenção na sistemática do novo codex, devido a previsão do dever de assistência material recíproca entre os conviventes. Tal direito encontra seu paralelo análogo no art. 1.831 do C. C..

Se houver apenas netos comuns, o companheiro herdará em concorrência com esses, que herdarão por cabeça (aplica-se pois, o art. 1.790, I do C. C.).

O inciso II, art. 1.790 do C. C., menciona a concorrência entre parentes sucessíveis, não havendo direito de representação e recebendo os netos por cabeça e, não por estirpe, aplicar-se-á o terço da herança ao sobrevivo e dois terços aos netos. Neste caso, o legislador quebraria a tradição hereditária e, se os netos, fossem apenas do autor da herança, o companheiro sobrevivente receberia só a metade do cabente aos netos, se não fosse aplicado o inciso III do art. 1.790 do C. C. de 2002.

Já se o convivente que concorre com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um deles.

No inciso III, se convivente sobrevivente concorrer com outros parentes sucessíveis, isto é, ascendentes e colaterais até o 4º grau, terá direito a um terço da herança, conforme observação que já fizemos, de evidente iniqüidade.

Mesmo que o companheiro concorra com apenas um colateral, este recebrá dois terços da herança e o sobrevivente apenas um terço.

È possível, também, a colocação de os netos serem colocados nesse inciso.

Em princípio, o companheiro ou companheira que recebe a herança do companheiro exclui o direito do cônjuge.

No entanto, com a previsão do concubinato impuro, do cônjuge e, ainda, do companheiro pode ocorrer situações em que se atribuirão duas meações ao cônjuge e ao companheiro ou concubina. Mas, não há como se divisar a herança concomitante para o cônjuge e companheiro em face dos expressos termos do art. 1.830 do C. C., entende nesse sentido Venosa.

Mª Helena Diniz, em seu C. C. Anotado admite a concorrência do companheiro sobrevivente com outros descendentes comuns, e não apenas com filho comum e cita o Enunciado nº 266 do Conselho da Justiça Federal aprovado na III Jornada de Direito Civil.

Salienta Washington de Barros der Monteiro, que o cônjuge sobrevivente, deixa de herdar em concorrência com os descendentes quando:

a) Se judicialmente separado do de cujus;
b) Se separado de fato há mais de dois anos, não provar que a convivência se tornou insuportável sem culpa sua;
c) Se casado no regime de comunhão universal de bens;
d) Se casado pelo regime da separação obrigatória de bens;
e) Se casado no regime de comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Confessa Washington de Barros Monteiro, obra atualizada por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto, ex vi a 35ª edição, de 2003, Editora Saraiva, que o C. C. de 2002 modificou substancialmente a herança do companheiro sobrevivente. Sem dúvida reconhece a união estável entre os desimpedidos para casar, devendo ser uma relação pública, notória, contínua entre pessoas de sexo diferentes, não importando o tempo e nem a existência de filhos comuns.

Também consignam o art. 1.724 do C. C. o dever de lealdade que engloba (conforme Regina Beatriz Tavares da SIlva) o dever de fidelidade existente no casamento. E, adiante o art. 1.725 do referido novo codex dispõe o regime de comunhão parcial de bens, salvo convenção escrita em contrário.

O companheiro embora não incluído na ordem vocacional hereditária, nem possuindo o atributo do herdeiro necesário, como ocorre com o cônjuge sobrevivente tem direito à participação na herança, tal como preisto no art. 1.790 do C. C..

Entende o ilustre doutrinador que não havendo parentes sucessíveis, recolherá a totalidade da herança, qualquer que seja a origem dos bens.

Caio Mário da Silva Pereira esclarece que a priori ao concubino no terreno da sucessão legítima e na testamentária, não se reconhece legitimação para suceder do testador casado (art. 1.801, III do C. C.).

Todavia, tratando-se de testador desimpedido para casar (solteiro, divorciado ou viúvo) poderá a concubina ser instituída como herdeira ou legatária por manifestação de útima vontade (art. 1.802 do C. C.).

Observe-se, porém, que os impedidos de casar podem em certas circunstâncias, constituir união estável (art. 1.723, §1º, parte final do C. C.) e, nesse caso, na condição de companheiros, possuem vocação hereditária.

Caio Mário entendia que não se incluía o companheiro entre os herdeiros necessários, sendo lícito ao testador excluí-los de sua herança mediante testamento no qual dispusesse de todo seu patromônio (Resp. 191/393-SP, Revista de Direito Renovar, 22/249).

Bem sublinhou Guilherme Calmon Nogueira da Gama que o companheiro não poderia ter deixado de configurar na lista dos herdeiros legítimos constante do art. 1.829 do C. C..

Passou por outro lado, o novo codex conferiu ao companheiro a propriedade sobre os bens transmitidos e não apenas direitos reais limitados (usufruto e habitação) que lhes eram reconhecidos pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96.

Mas o C. C.de 2002 situou o companheiro em posição pior na ordem vocacional hereditária, onde o companheiro passou a ser chamado em concorrência com outros parentes sucessíveis e não mais na qualidade de herdeiro único (Lei 8.971/94, art. 2º, III).

Identificado o flagrante retrocesso, se insere o Projeto de Lei 6.960 de 2002, que procura corrigir recolocando o companheiro na situação de único herdeiro, quando não houvesse descendente ou ascendente sucessível. Infelizmente o referido projeto não foi adiante por questões puramente regimentares.

Outra limitação cinge-se a vocação hereditária do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.

Esse dispositivo não cuidava de sucessão, apenas reconhecia a meação se resultante da colaboração comum para formação patrimonial.

Os bens hereditariamente transmissíveis, quer aqueles correspondentes à meação da herança no patrimônio comum, quer os de sua propriedade exclusiva, devolviam-se aos herdeiros, segundo a ordem vocacional hereditária.

Faltando descendentes e ascendentes sucessíveis, o companheiro poderia ser chamado a suceder o de cujus em bens não integrantes da anterior comunhão, desfeita pelo óbito. É o mesmo quando se conferia o usufruto vidual ou direito real de habitação, incidia sobre patrimônio não circunscrito a ecpressao de “bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.”.

Na hipótese dos companheiros não tiverem formado patrimônio comum (à luz do caput o art. 1.790 do C. C.) seriam reciprocamente excluídos da sucessão.

Frustra-se o fim de amparar a meação ou à herança.

A aparente incongruência havida entre o caput e os dois últimos incisos do art. 1.790 do C. C. ser resolveria pelo entendimento de que, nas hipóteses de concorrência com descendentes comuns ou não, a participação do companheiro na herança do de cujus está efetivamente restrita aos bens previstos e mencionados no capus do art. 1.790 do C. C..

Ao passo que, quando deva concorrer com outros parentes sucessíveis, a fração seria calculada sobre a totalidade da herança.

A opinião da Professora Tânia da Silva Pereira , para ela, a hipótese do inciso III do art. 1.790, a base de cálculo da fração atribuída ao companheiro corresponde aos “bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável”, enquanto no inciso IV, a todo patrimônio.

Mª Helena Diniz endossa tal entendimento, pois vislumbra a herança do Estado como irregular, admissível apenas quando o autor da herança falece sem deixar herdeiros. Justificando-se então que na herança vacante não há quem se configure como herdeiro, daí, o companheiro ter direito à totalidade da herança (art. 1.844 do C. C.) sob pena de instalar uma lacuna axiológica. Roga a aplicação do art. 5º da LICC para prover solução mais justa para o companheiro.

Carlos Roberto Barbosa Moreira, na qualidade de atualizador da obra de Caio Mário da Silva Pereira, entende que é incoerente das sentidos diversos à expressão “herança” presente em dois incisos de um único artigo.

Então, in litteris, uma de duas:

a) Ou se interpreta a expressão subordinando-a ao caput (caso em que em qualquer hipótese, se o direito sucessório do companheiro incidiria sempre e apenas sobre os bens ali mencionados com a indesejável conseqüência antes apontada;
b) Ou se entende que a limitaão do caput se aplica apenas aos casos de concorrência com descendentes comuns (I) ou não comuns (II), mas não aos demais onde o vocábulo “herança” deve ser tomada em seu sentido próprio. As razões alinhadas nos parágrafos procedentes parecem suficientes para a adoção da 2ª exagese.

A vocação hereditária do companheiro(a) está condicionada que a união estável seja atual e perdurado até a abertura da sucessão.

Sendo irrelevante que estejam separados por motivos alheios as suas vontades, como no caso de parentes do de cujus que o tenham removido de sua residência habitual, valendo-se da moléstia grave ou coisa que o valha, com firme propósito de descaracterizar a união estável.

Se não houver parentes sucessíveis, o companheiro terá direito à totalidade de herança, a referida totalidade deve ser entendido a porção não testado. Havendo testamento o que nele nao estiver compreendido tocará ao companheiro.

Em qual das hipóteses em que deva concorrer com parentes do falecido, o companheiro fará jus ao direito de acrescer (art. 1.810 do C. C.), se qualquer deles renunciar.

Não há como deixar de reconhecer as classes no art. 1.790, compostas nos dois primeiros incisos, por ascendentes e companheiro e, no terceiro, pelos demais parentes.

Respondendo a questão: “Companheiro é herdeiro necessário?” Se nos socorrermos da formal dicção do art. 1845 do C. C., a norma excluiria literalmente quaisquer outro seleto grupo de herdeiros legitimários.

Além de ser norma que cerceia a liberdade de testar sua interpretação deveria ser restritiva.

Com a equívoca redação do art. 1.790 do C. C., o direito hereditário do companheiro não incide sobre a totalidade da herança, senão sobre os bens já indicados no caput, que é uma parcela variável, pode equivaler ao todo (se o falecido não tinha bens particulares), a uma fração dele (insuscetível de ser definida aprioristicamente) ou a nada (se não havia bens comuns). Isso quer dizer que, separada a eventual meação do companheiro, o patrimônio transmitido aos herdeiros poderá compor-se:

a) Apenas de bens, durante a união estável, eram comuns;
b) De bens comuns ao tempo da união estável, e de outros, integrantes do patrimônio particular do de cujus;
c) Apenas de bens particulares.

Nos dois primeiros casos a lei civil claramente concede ao companheiro uma participação na herança que escapa à disponibilidade em testamento (art. 1.789 do C. C.);

Se o testado nomear sucessor (es) testamentário (s), atribuindo-lhe(s) toda parte disponível a leberdade de testar se terá exaurido e sobre o remanescente incidirão de maneira inevitável, as regras relativas à sucessão intentada (art. 1.788 do C. C.) como a lei chama simultaneamente e companheiro, ao ultimo caberá forçosamente uma participação na legítima (art. 1.846).

Se a herança não coincidir com os bens comuns, testada a metade disponível a fração incidirá somente sobre bens indicados no caput do art. 1.790 do C. C..

Não haverá como o testador,m em qualquer das duas hipóteses, suprimir, por ato de ultima vontade, a vocação do companheiro, não se podendo, por isso, deixar de ali reconhecer herança necessária.

Quando o companheiro concorrer com outros parentes sucessíveis (no inciso III do art. 1.790) expande-se a base de cálculo de sua fração, a qual passa a incidir sobre a herança e não apenas sobre o patrimônio comum aos que viviam em união estável.

Resta crer que o companheiro que tem direito a totalidade da herança, trata-se de não reconhecer a condição de herdeiro necessário, poderá ele ser excluído da herança.

Bastará o testador dispor irrestritivamente de seus bens, sem comtemplá-lo.

Tendo em vista que, toda a proteção da lei sucessesoria sobre a legítima reflete-se por ser uma preocupação com a família, podemos, por outro lado, o art. 1.790, IV do C. C. seria caso a herança necessária em razão pela qual se deva reconhecer, em favor do companheiro, a legítima, quando não haja quaisquer parentes sucessíveis com quem concorra.

Ate porque a união estável no direito brasileiro (art. 226, §3º da CRFB/88) constitui uma modalidade de família sobre a qual se estende a proteção do Estado.

Acrescente-se, como reforço de argumentação, que não faria sentido reconhecer a participação do companheiro na legítima quando em concorrência com outros sucessores e negá-la no caso de ser ele chamado na condição de herdeiro único.

A hipótese do inciso IV é de maior favorecimento do companheiro sobrevivente, logo se para as demais classes hereditárias há uma quota garantida com maior razão se deve admiti-la na hipótese conclusiva.

Esclarece Arnoldo Wald a sucessão ab intestato caberá ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente, se por ocasião da morte do outro não estava dissolvida, respectivamente, a sociedade conjugal.

Aliás, o companheiro só herdará a totalidade da herança se não houver descendentes ou ascendentes do de cujus.

Historicamente, desde as Ordenações do Reino, o cônjuge só herdava ab intestato após os colaterais, tendo sido um dos importantes benefícios que trouxe a Lei Feliciano Pena (Lei 1.839//1907), a modificação da ordem sucessória para preferi-lo aos colaterais.

A tendência do direito civil contemporâneo tem sido no sentido de melhorar a posição do cônjuge , na ordem vocacional hereditário. Eis o porquê o cônjuge passa a ter o status de herdeiro necessário no novo Código Civil (art. 1.845). daí, dizer-se que o cônjuge supérstite é meeiro mas, não necessariamente herdeiro, dependerá do regime matrimonial de bens.

De fato, a qualidade sucessória do cônjuge sempre esteve vinculado aos regimes de bens, que deve ser verificado na ocasião da abertura da sucessão.

No caso de separação obrigatória cogita-se se deveria ser separação absoluta de todos os bens, ou aplicável à espécie do art. 259 do C. C., seria possível considerá-lo de separação parcial.

A jurisprudência firmou-se no sentido de considerar a separação obrigatória legal em caso de separação parcial, abrangendo tão-somente os bens anteriores à celebração do casamento (Súmula 377, STF).

A Lei 6.515/77, a Lei de Divorcio de fato não pretendeu modificar a situação sucessória do cônjuge, embora tivesse alterado o regime legal, que era o de comunhão universal de bens e, passou a ser de comunhão parcial de bens.

É sabido que deve haver uma interpretação entre as normas do direito das sucessões e as que no direito de família que estabelecem as relações patrimoniais entre marido e mulher.

O direito comparado contemporâneo se orienta no sentido de vincular a introdução e o desenvolvimento do divorcio à exclusão da comunhão universal

De outro lado, com a igualdade ou paridade entre os cônjuges e a relevância crescente do trabalho feminino, justifica a adoção dos regimes separatistas ou de simples comunhão de aqüestros.

Ainda assim, há uma dificuldade de isolar completamente as massas de bens pertencentes a cada um dos cônjuges e a existência, entre ambos de uma sociedade de fato, cuja existência a jurisprudência tem admitido ate no caso de união estável, obrigam o legislador e o magistrado a reconhecerem que existe uma progressiva compenetração dos regimes com efeitos não só no direito de família, mas também no direito sucessório. Essa é a tese defendida pelos professores Julliot de La Morandiere e André Roaust.

A medida que se afasta o regime comunitário de bens torna-se necessário fortalecer a posição sucessória do cônjuge, a fim de evitar em verdadeiro enriquecimento sem causa por parte de terceiros.

No direito anglo-saxão nos quais o regime legal é o da separação de bens, o cônjuge é compensado pelo direito sucessório atribuído ao cônjuge.

Todavia, nossa descendência histórica-jurídica vem do Código Napoleônico que influenciou as legislações portuguesas e, quiçá, a brasileira.

O projeto do Código Civil tanto de Orlando Gomes como do grupo de juristas capitaneado por Miguel Reale ao aceitarem o regime de comunhão parcial como regime legal supletivo, asseguram ao cônjuge direitos sucessórios mais amplos.

Admitiu que o cônjuge se torna-se herdeiro necessário (art. 1.829, I e 1.830 do C. C.) quando não fossem seus os filhos deixados pelo de cujus ou quando este só tivesse ascendentes vivos, então é herdeiro necessário e concorrente com descendentes e ascendeste vivos.

Em ambos casos, a lei atribui o peso mínimo hereditário ao cônjuge de ¼ da propriedade dos bens do de cujus.

Na hipótese de concorrência com os descendentes, caberá ao cônjuge herdeiro quinhão igual aos que sucederem por cabeça, não podendo sua quota ser inferior a quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer (art. 1.832 do C. C.).

Arnoldo Wald, esclarece que:

“Havendo concorrência do cônjuge com ascendentes, esta ocorrerá independentemente do regime de bens, (art, 1.829, II do C. C.), e lhe tocará um terço da herança, e lhe tocará a metade se só houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.”

Desta forma, é patente que o Código Civil de 2002 dá maior proteção ao cônjuge sobrevivente do que o Código Civil de 1916.

Já quanto a sucessão do companheiro no que tange as relações patrimoniais do concubinato o STF editou a Súmula 380 que dispunha que é cabível a meação quando da dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

Não comprovado o esforço na formação patrimonial dos companheiros, ano teriam direitos patrimoniais assegurados.

Ainda hoje, a referida súmula é aplicável, continuando o concubinato impuro com todas antigas restrições de sempre, não possuindo capacidade passiva hereditária e nem testamentária.

O companheiro passou a figurar no rol sucessório conforme os termos da Lei 8.971/94, sob formas diversas, conforme haja ou não ascendentes ou descendentes do de cujus.

Figurando assim em terceiro lugar na vocação hereditária, ocupando ao lado do cônjuge a posição lhe reservada pelo art. 1.603, III e art. 1.611 do Código Civil /1916.

Na falta de parentes em linha reta, vivos e na ausência do testamento do falecido, a lei civil atribuiu a herança ao cônjuge cuja sociedade conjugal não estiver dissolvida no momento da morte do outro o companheiro(a) se substitui ao cônjuge, assumindo a sua posição.

O companheiro recebe em usufruto a quarta parte dos bens do de cujus quando concorre com descendentes, concorrer com ascendentes do falecido.

Atualmente o companheiro sobrevivente, independentemente do lapso temporal da união estável, comprovadas a durabilidade estabilidade, é meeiro dos bens adquiridos onerosamente na sua vigência, exerce direito real de habitação sobre o imóvel residencial ex vi a Lei 9.278/96 e, recebe, em usufruto, parte patrimonial, se concorrente com descendentes ou ascendentes do de cujus, ou a totalidade da herança se não houver parentes na linha reta do falecido, conforme a dicção de Lei 8.971/94.

Não restou esclarecido se as disposições legais de 1994, se todas ou apenas algumas, são de ordem pública. Embora que por sua redação se dê a todas a mesma densidade obrigatória.

Parece para Arnoldo Wald que as normas atinentes ao usufruto parecem ser de ordem pública ou imperativas, enquanto a atribuição da totalidade da herança a companheira na falta de parentes sucessíveis do de cujus, se afigura como regra supletiva, que somente deve prevalecer na falta de testamento.

Ademais, o usufruto do cônjuge sobrevivente ficou restrito ao patrimônio líquido durante a vigência da união estável.

Mas, restou alterada a ordem vocacional hereditária assim na ausência total de parentes sucessíveis e de testamento, a herança seja atribuída ao companheiro.

Caso contrário, o companheiro receberá apenas a meação relativa ao período de coabitação.

Com o novo codex civil de 2002, não é mais o companheiro possuidor do direito real de habitação, além de passar a concorrer com os demais parentes sucessíveis, ou seja, colaterais até 4º grau.

Curiais foram as ponderações de Arnaldo Rizzardo in Direito das Sucessões, 2ª edição, 2006, Editoa Forense, ao consignar que:

O atual Código Civil brasileiro vigente seguiu à semelhança do Código Civil português onde se deu originalmente a inclusão do cônjuge como herdeiro concorrente com os descendentes e ascendentes, rompendo-se com a tradição secular, e, refletindo uma tendência que vinha se fazendo sentir a partir da adoção do regime de comunhão parcial de bens como regime oficial ou legal.

Concorrendo com os descendentes, normalmente os filhos, decorre apenas regra especial no fato de haver mais de quatro. Respeitando-se, outrossim, o peso mínimo hereditário de ¼.

A partir dói quarto filho acontece mudança da regra, procedendo-se novamente a divisão por quatro, para se destacar a porção que toca ao cônjuge sobrevivente. O que sobrar, partilha-se entre os filhos em porções iguais.

Todavia, o supérstite cônjuge não for ascendente dos filhos do de cujus, far-se-á a divisão por cabeça incluindo o cônjuge.

Ou seja, não figurando como ascendente – pai ou mãe ou avos, opera-se a divisão pelo número de herdeiros com acréscimo do cônjuge.

Cogita Rizzardo do caso em que se constatarem descendentes filhos ou netos do autor da herança e do cônjuge, e filhos ou netos de outra pessoa? A vexata situação, o Código Civil de 2002 não disciplinou. Mas, não se afasta a prerrogativa de prevalecer o mínimo legal (1/4) desde que haja herdeiro descendente. Com o fito de garantir uma certa porção do cônjuge que teve filhos com o de cujus.

Pontua com pertinência Rizzardo que nem sempre figura o cônjuge como herdeiro. Tanto assim que o inciso I do art. 1.829 C. C. dita os precisos contornos e, justificam-se as exceções posto que primeiro inciso o cônjuge já é amparado com a meação que envolve a totalidade do patrimônio e no segundo, desnaturaria o próprio regime se viesse a receber parcela da herança extensível assim também à separação convencional.

Quem em vida não desejava o compartilhamento de bens, mesmo que nutridos pelo esforço comum. Naturalmente, não desejaria que o cônjuge sobrevivente viesse com a morte do de cujus ser contemplado com quota hereditária.

Ademais, se desejar contrariar a presunção cingida pela escolha do regime matrimonial de bens, poderá fazê-lo através de testamento, preenchendo todos requisitos e formalidades da mais solene das declarações em direito civil.

Saliente Rizzardo que corrente doutrinária mais justa defende que só há direito sucessório do cônjuge se o de cujus deixou bens particulares, sob pena de acarretar sensível enfraquecimento patrimonial dos descendentes.

Concorrente o cônjuge com ascendente de primeiro grau (seu sogro e / ou sogra), ou seja, pais do de cujus ao cônjuge caberá 1/3 (um terço) da herança e, lhe caberá a metade se só houver um dos ascendentes, ou se maior for aquele grau (art. 1.837 C.C.)

Assim, ficará 2/3 para os ascendentes do de cujus e 1/3 da herança para o cônjuge supérstite.

Já havendo apenas ascendente (de 1º grau) ou de qualquer grau, a partilha far-se-á em porção igual, isto é, dividi-se a herança em metade para cônjuge e na outra metade para ascendente em 1º grau ou em grau superior.

Outrossim, não prevalecem aqui na concorrência com os ascendentes as exceções previstas no inciso I do art. 1.829 C. C., isto é, não deixa de herdar se seu casamento com o de cujus, se deu no regime de comunhão universal, ou pelo regime de separação obrigatória, ou de regime de comunhão parcial de bens se, não houver bens particulares do falecido. Essas exceções restringem-se nas hipóteses de concorrência com herdeiros com o cônjuge supérstite.

A rigor, nenhuma distinção existe em face do ECA (art. 41) e, ainda, pelo art. 227, §6} CRFB/1988, entre a sucessão na filiação biológica e na adotiva.

Quanto aos pais biológicos por determinar a adoção o rompimento de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo para impedimentos matrimoniais, são totalmente aleijados da herança, mesmo que não tenha o adotado qualquer parente com as qualidades previstas no art. 1.829 do C. C.

Mesmo aos folhos adotados, não mais se reconhece o direito de suceder por morte dos pais biológicos. Assim, o filho adotivo não pode herdar de pai sanguíneo, e, nem este herdará do filho adotado.

Na partilha, inexistindo descendentes e nem ascendentes, não importando o regime matrimonial de bens, e, mesmo que não exista meação, caberá ao cônjuge a totalidade da herança.

Nem sempre foi assim como bem recorda Washington de Barros Monteiro, pois no direito civil pré-codificado, os colaterais até o décimo grau tinham primazia sobre o cônjuge sobrevivente.

Não haverá, também, direito sucessório ao cônjuge quando da abertura da sucessão já se encontrava separado há mais de dois anos de fato, com a ressalva de que salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

Melhor solução é afastar a participação sucessória do cônjuge quando a separação de fato se dera também na época da aquisição do patrimônio.

Novamente, aponta Rizzardo perguntas que não querem calar, a saber: Como s fará se a separação for inferior a dois anos e decorrer de medida liminar, como de separação de corpos?

Passará a herdar o cônjuge pelo simples fato de adquirir os outros bens nesse lapso temporal?

A solução que se figura está em considerar esta separação como judicial.

A princípio, o companheiro não pode de imediato habilitar-se no inventário, isto sem ser antes declarada e reconhecida a união estável.

Houve substancial mutação legislativa sobre o status sucessório da companheira e, não propriamente no tocante à meação.

Surgiram os diplomas legais 8.971/1994 e a Lei 9.278/1996 regulando os diretos dos companheiros e a sucessão e, ainda, quanto a conversão da união estável em casamento.

Tangente à meação a lei vigente veio apenas disciplinar o que tanto a doutrina como a jurisprudência já desde longo tempo haviam entendido e, passou a ter a égide constitucional (art. 226, §3º) de 1988.

A maior novidade do C. C de 2002 é quanto o direito a herança dos companheiros que passou a ser regulado pelo art. 1.790. Já no caput do referido artigo se subtrai que o direito hereditário dos companheiros restringe-se aos bens adquiridos onerosamente durante a sociedade concubinária.

Não havendo parentes sucessíveis o companheiro sobrevivente receberá a totalidade da herança do de cujus, mas restritivamente quanto aos bens surgidos de forma onerosa durante a união estável.

È incompreensível a diferença referentemente ao casamento, onde o cônjuge receberá o total da herança em face da total ausência de parente sucessível.

Já não na união estável, têm prioridade os parentes de ordem inferior, significando descriminação frente ao casamento, à toda evidência mais prestigiado.

Bem destaca Maria Aracy Menezes da Costa as diferenças entre casamento e união estável no campo sucessório, a saber:

1º – Os cônjuges continuam preferindo aos colaterais herdando a totalidade da herança na falta de descendentes e ascendentes.
2º – Ao passo que companheiro sobrevivente mesmo sem ascendentes, nem descendentes não fica com ao totalidade da herança, mas divide com os colaterais;
3º – Somente ficará o companheiro sobrevivente com a totalidade da herança do de cujus, se não houver parentes sucessíveis do falecido; e
4º – O caput do art. 1.790 do C. C. é explícito quando dispõe que somente com relação ao patrimônio adquirido onerosamente e na vigência da união estável.

Então, se não há colaterais e os bens forem anteriores à união estável, herdará o ente público, quer seja, o Município, Distrito Federal ou a União.

Ademais, há doutrinadores que entendem que a expressão entidade familiar como gênero, e casamento e união estável como espécies, a distinção se mostra, justa e justificável.

Já quem faz leitura constitucional como sendo iguais todas as entidades familiares, a distinção evidenciada no C. C. de 2002 é tida como absurda e inaceitável.

Até porque, mereceu reconhecimento e tutela legal apenas a união estável enquanto concubinato puro, ou seja, composta de pessoas com diferentes sexos e, desimpedidas para casar.

Ao cônjuge reconhece-se ireito real de habitação sobre o imóvel, e mesmo, o cônjuge indigno não tem afetado esse direito. O mesmo acontece ao cônjuge culpado que, não tendo parentes para prover-lhe o sustento, poderá pleitear e, efetivamente, receber pensão alimentícia do cônjuge inocente.

Assim, por indignidade pode ser o cônjuge afastado da herança do de cujus, mas não afastado de ter sua dignidade humana respeitada.

Tal direito real de habitação sobre o bem que lhe serve de moradia, é garantido ao cônjuge, e não está ressalvado aos companheiros, enquanto vivesse ou não constituísse nova união ou casamento.

Saber com exatidão a legítima e a porção disponível é extremamente relevante para quem pretende testar.

A legítima é exatamente uma qualidade de bens reservada pela lei aos herdeiros chamados necessários. Assim com herdeiros dotados de parentesco muito próximo, é obrigatória a destinação de metade dos bens a estes.

A rigor, a legítima diz respeito aos descendentes, ascendentes e cônjuge sobrevivente, aos quais é reservada a metade do patrimônio do de cujus. Não pode o testador preteri-los, prejudicá-los, salvo no caso de deserdação, indicando um dos motivos elencados pela lei (art. 1481 e 1962 do Código Civil ).

Denominam-se herdeiros necessários pois não podem ser afastados e, não se confundindo com os legítimos, cujo termo é mais amplo, abrangendo aqueles e mais outros como os colaterais até o quarto grau.

Pode-se afirmar que os herdeiros necessários obrigatoriamente são legítimos, mas nem todos os herdeiros legítimos são necessários. Os colaterais são herdeiros legítimos, mas, no entanto, são facultativos.

Traçando claramente o rol de herdeiros necessários vem o artigo 1845 do Código Civil, ao passo que o rol dos herdeiros legítimos está presente no rol do artigo 1929 do Código Civil.

E, adiante o art. 1846 do Código Civil pontifica ser dos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. O que é corroborado pelo art. 1789 do Código Civil de 2002 que resume, afirmando: “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”.

Para o cálculo da porção disponível usa-se como base o total dos bens do testador existentes quando de seu falecimento. Separa-se a metade dos bens que tiver e, metade dos adquiridos na constância da vida matrimonial.

Com efeito, ajuda muito recorrer ao art. 1847 do Código Civil, a totalidade de bens do testador abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos à colação.

Assim, denomina-se herança o patrimônio líquido e, ao procedendo-se à divisão em duas porções.

Os legados são retirados da meação disponível, mesmo aquele sob gravame como incomunicabilidade ou inalienabilidade. O testador não é autorizado a abranger nas liberalidades o patrimônio que integra a herança indisponível.

Esclarece com vigor Carvalho Santos, o testador não pode impor nenhum ônus ou condição, nem outra restritiva a legítima, porque em qualquer dessas hipóteses haveria necessariamente, um ato de disposição, quanto ao ônus, posto que diminua o valor ou a quantidade de bens, e quanto à condição, porquanto torna incerta a obtenção da porção legítima, que ainda falhar.

O herdeiro necessário não perde o direito à legítima mesmo quando contemplado com deixa testamentária ou legado.

O quinhão dado em testamento não influi na divisão da herança, não compromete o direito de herdar na sucessão legítima.

Giselda Maria Fernanda N. Hironaka esclarece bem que a meação não é objeto de sucessão, pois pertencente ao cônjuge por direito próprio em razão do casamento ou da união estável. A herança, objeto do inventário será destinada aos sucessores (legais ou instituídos) sempre preservada a eventual meação, dela não integrante. Mesmo que o viúvo não tenha direito à meação, poderá ser convocado a receber a herança do cônjuge falecido.

Orlando Gomes, atualmente atualizado por Mario Roberto de Carvalho Faria, em seu capítulo 7, in sucessões, 12ª edição, 2004, Editora Forense, bem posiciona o cônjuge sobrevivente no terceiro lugar na ordem da vocação hereditária, concorrendo com descendentes na primeira classe e, com os ascendentes na segunda classe.

Por conta do Código Civil de 2002 fora o cônjuge promovido a categoria de herdeiro privilegiado pois além de ser herdeiro necessário fora contemplado com direito real de habitação sobre o imóvel onde assenta sua moradia.

Destaca, o ilustre doutrinador baiano que o direito sucessório do cônjuge pressupõe:

a) casamento válido;
b) não estarem judicialmente separados no momento da abertura da sucessão;
c) não estarem separados de fato há mais de dois anos e
d) ocorrendo a separação de fato, que a culpa da separação não seja do cônjuge sobrevivente.

Obliterou-se a questão do regime de bens que parece ser relevante conforme o art. 1829, I e art. 1830 do Código Civil.

O casamento putativo, contraído de boa fé perfaz o direito à sucessão do outro cônjuge.

A proposta de Clóvis Bevilácqua de inclusão do cônjuge entre os herdeiros reservatórios ou necessários finalmente vingou.

Adquire o cônjuge a herança, como proprietário dos bens na sua totalidade quando chamado em falta de descendentes e ascendentes, seja qual for o regime matrimonial de bens.

A participação sucessória do companheiro só é cabível após apurada meação a que faz jus o convivente, eis que na ausência de contrato reger-se-á pelo art. 1725 do Código Civil (comunhão parcial de bens).

O inciso II do art. 1790 do Código Civil de 2002 prevê a hipótese, em que, não havendo herdeiros sucessíveis, tem direito o companheiro à totalidade da herança.

Apesar do inciso, aludir ao caput do art. 1790, que se refere apenas aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.

Porém, essa interpretação não se coaduna com o art. 1844 do Código Civil que estatui que a herança somente è devolvida ao Estado, se não houver cônjuge, companheiro e nem parente algum sucessível.

Apesar de o companheiro não ter sido erigido à categoria de herdeiro necessário, poderá o testados excluí-lo da sucessão, se desejar por disposição de última vontade (art. 1845 Código Civil).

Curial que o companheiro para fazer jus ao direito hereditário, é imprescindível que faça prova da união estável, através da ação própria no juízo competente, porém, não havendo contestação pelos demais herdeiros, e sendo evidente a sua qualidade de companheiro, somente nesses casos o reconhecimento pode ser feito dentro dos próprios autos do inventário.

A sucessão do Estado está prevista no art. 1844 Código Civil, mas também ocorre quando não obstante a existência de parente sucessível, este deixa de comparecer e transcorrem cinco anos da abertura da sucessão, sem se habilitar, passando os bens arrecadados, nesse caso, ao domínio da pessoa jurídica de direito público a qual cabe recolher a herança (art. 1822 Código Civil).

O ente público não é beneficiado com o droit de saisine, só se imitindo na posse da herança após a sentença que declare vagos os bens. A declaração de vacância não é suficiente para transferir o domínio dos bens, após prazo fixado em lei, é que se efetiva.

O Estado que fora excluído da ordem vocacional hereditária que era prevista no Código Civil de 1916, é sucessor que não temo poder de renunciar, pois a herança lhe é devolvida por determinação legal.

Podendo o Estado excepcionalmente repudiar a herança quando beneficiado por disposição testamentária, principalmente quando houver encargos ou condições que contrariem o interesse público.

A natureza do direito sucessório do Estado é controvertida. Chegando alguns doutrinadores negar-lhe a qualidade de direito sucessório, enquanto outros afirmam. Eu, mesma, só o vejo como arrecadador de bens vagos. Todavia, outros juristas entendem que o Estado faz seus os bens vacantes com fundamento no jus imperii. Adquire-os mediante ocupação.

A doutrina moderna atribui ao Estado a qualidade de sucessor a título universal, por título privado e, não de adquirente originário, em razão de sua soberania territorial.

O fundamento do direito sucessório do Estado não é direito publico, mas de direito privado, até porque um bem imóvel não pode ser res nullius, e, portanto, adquirível mediante ocupação, quando é objeto de um direito de apropriação reservado a determinado sujeito.

A ratio política desse direito sucessório está no jus imperii, mas o meio técnico de aquisição é fornecido pelo direito privado, apesar de atender interesse patrimonial público.

Só em um caso dá-se a aquisição originária da herança pelo Estado, quando todos os herdeiros chamados a suceder, renunciarem à herança. Devendo a herança ser desde logo, declarada vacante (art. 1823 do Código Civil).

A herança vacante é propriedade resolúvel posto que não impede que o herdeiro sucessível peça a herança, a menos que seja colateral, e não tenha se habilitado até a declaração de vacância.

Somente se torna definitiva a aquisição da herança vacante pelo Estado depois de decorrido o qüinqüênio da abertura da sucessão, e que se efetiva, quando do trânsito em julgado da sentença declaratória de vacância.

O prazo para reclamação dos bens é estabelecido para incorporação definitiva dos bens à Fazenda Pública, e não o de dez anos.

Concluindo nossas considerações

Não é qualquer cônjuge que se alça na qualidade de herdeiro necessário, Devendo-se preencher todos os requisitos constantes dos arts. 1829, I e 1830 do Código Civil.

E se o cônjuge era casado sob o regime de separação convencional, se o autor da herança o deseja contemplar após sua morte, deverá deixar devidamente consignado em testamento.

Pois, o gênero separação de bens abriga a separação convencional e a obrigatória que se aplica aos cônjuges por força do art. 1641 do Código Civil de 2002 que só veio a positivar a súmula 377 do STF.

É pertinente a pontuação de Nelson Nery Junior quando in verbis consigna em Código Civil Comentado: “De fato, a solução do art. 1829, I Código Civil não se coaduna com a finalidade institucional da separação de bens no casamento.”

Com isso, salienta o doutrinador em sua crítica de lege ferenda, não concorreria com o herdeiro descendente do morto casado sob o regime de bens, em qualquer de suas modalidades (seja separação obrigatória, seja separação convencional). Nesse, mesmo sentido, se encaminha o entendimento do ilustre Silvio Venosa.

Com relação ao companheiro face o grosseiro retrocesso, aguardaremos a douta jurisprudência para melhor integrar a norma jurídica à realidade social.

Referência  Biográfica

Gisele Leite  –  Formada em Direito pela UFRJ, em Pedagogia pela UERJ, Mestre em Direito, em Filosofia, professora universitária da Universidade Veiga de Almeida e outras do Rio de Janeiro. Articulista dos sites: www.estudando.com; www.jusvi.com; www.direito.com.br; e, www.mundojuridico.adv.br.

A penhora on line: a utilização do sistema BacenJud para constrição judicial de contas bancárias e sua legalidade

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* Demócrito Reinaldo Filho –

Sumário: 1- O que é o sistema Bacen-Jud. 2- A versão 2.0 do sistema Bacen-Jud. 3- A legalidade da utilização do sistema Bacen Jud para penhora de contas bancárias. 4- Ordem legal da penhora – preferência do dinheiro a qualquer outro bem. 5- A utilização do Bacen-Jud não afeta o princípio da "menor onerosidade" (art. 620 do CPC). 6- Momento para a realização da "penhora on line". 6.1 Medida cautelar pelo sistema do Bacen-Jud. 6.1.1 Medida cautelar no bojo do processo de execução. 7. Conclusões.


1- O que é o sistema Bacen-Jud

            Também conhecido como "penhora on line", trata-se de sistema informático desenvolvido pelo Banco Central que permite aos juízes solicitar informações sobre movimentação dos clientes das instituições financeiras e determinar o bloqueio de contas-correntes ou qualquer conta de investimento. O sistema está disponível a todos os ramos do Poder Judiciário, mediante convênio assinado entre o Banco Central e os tribunais superiores, ao qual aderiram os tribunais regionais e estaduais.

            O sistema Bacen-Jud elimina a necessidade de o Juiz enviar documentos (ofícios e requisições) na forma de papel para o Banco Central, toda vez que necessita quebrar sigilo bancário ou ordenar bloqueio de contas-correntes de devedores em processo de execução. As requisições são feitas através de site próprio na Internet, onde o Juiz tem acesso por meio de senha que lhe é previamente fornecida. Em espaço próprio do site, o Juiz solicitante preenche uma minuta de documento eletrônico, onde coloca informações que identificam o devedor e o valor a ser bloqueado. A requisição eletrônica é enviada diretamente para os bancos, que cumprem a ordem e retornam informações ao Juiz. Ou seja, o sistema apenas permite que um ofício que antes era encaminhado em papel seja enviado eletronicamente, através da Internet, racionalizando os serviços e conferindo mais agilidade no cumprimento de ordens judiciais no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.

            A realização de ordens de bloqueio pela via do sistema Bacen-Jud não somente elimina o uso de papel e do correio tradicional, gerando economia de tempo e racionalização dos serviços de comunicação entre o Judiciário e as entidades integrantes do sistema Financeiro Nacional. Ele confere mais eficácia às ordens judiciais de bloqueio de contas bancárias, na medida em que fica mais difícil de o devedor prever quando terá sua conta bloqueada. Pelo sistema de envio das requisições via correio, a ordem (o ofício) circula por várias repartições, desde a saída do cartório, passando por departamentos do Banco Central, até a chegada nas mãos do gerente da agência bancária. Antes de o ofício cumprir todo esse caminho, o devedor quase sempre era informado sobre a diligência, sobrando-lhe tempo para providenciar a retirada do numerário. O sistema eletrônico de cumprimento de ordens judiciais dificulta essa ação preventiva do devedor, porque nem o gerente do banco toma conhecimento de que a conta será bloqueada. Tudo é feito eletronicamente e diretamente pelo Juiz. É claro que o devedor de má-fé poderá sempre levantar o dinheiro da conta assim que toma conhecimento da execução (quando citado), mas não tem, como antes, conhecimento exato do momento em que poderá ocorrer a constrição judicial.


2- A versão 2.0 do sistema Bacen-Jud

            No final de 2005, entrou em funcionamento uma nova versão do sistema Bacen-Jud. A versão 1.0 do sistema [01] apesar de ter proporcionado imensos avanços para a efetividade do processo de execução judicial, na medida em que pôs à disposição do Judiciário recursos da informática para a realização da penhora de dinheiro, apresentou ainda algumas deficiências. Por exemplo, a versão original não contemplava a possibilidade de o Juiz ter o controle das respostas dos bancos no próprio sistema. O Juiz somente ficava sabendo que uma ordem tinha sido cumprida ao receber, via ofício em papel, a resposta de um determinado banco. Na versão atual, o Juiz no dia seguinte à efetivação da ordem, pode acessar o site e verificar se sua requisição de bloqueio já foi efetivada. Além disso, a versão antiga do sistema também não permitia ao magistrado efetuar a transferência de valores eventualmente bloqueados para outra conta, à disposição do juízo e com correção monetária. A transferência de valores bloqueados tinha que ser determinada por meio de ofício em papel endereçado à agência bancária onde se verificara o bloqueio de contas, com toda a demora que isso representava. O valor bloqueado ficava tempo largo sem correção monetária, até ser transferido para a conta judicial. Com as alterações promovidas no Bacen-Jud, o Juiz eletronicamente faz a transferência de valores, à semelhança da ordem de bloqueio [02].

            A nova versão (2.0) Bacen Jud [03], portanto, foi desenvolvida em razão da necessidade de se implementar novas funcionalidades, visando ao aperfeiçoamento do sistema. O Juiz continua a emitir ordens judiciais de bloqueio, desbloqueio, solicitar informações bancárias, saldos, extratos e endereços de pessoas físicas e jurídicas clientes do Sistema Financeiro Nacional, tudo como antes (de forma instantânea), mas o sistema agora conta com as seguintes melhorias:

            a)as respostas das instituições financeiras são incluídas automaticamente no sistema, para consulta pelo Juiz;

            b)o Juiz pode realizar, no próprio site do Bacen-Jud, a transferência de valores bloqueados para contas judiciais;

            c)o sistema permite maior agilidade para o desbloqueio (total ou parcial) de contas, o que ameniza os efeitos de um eventual bloqueio a maior do que o valor da dívida executada;

            d)o sistema agora conta com um cadastro atualizados de todos as Varas e Juízos cadastrados.

            Com essas melhorias, espera-se que os Juízes passem a utilizar cada vez mais o sistema Bacen-Jud, reduzindo o número de ofícios e requisições judiciais em forma de papel. O sistema, totalmente remodelado, oferece ao Judiciário mais segurança, rapidez e controle das ordens judiciais.

            A nova versão do Bacen-Jud não elimina, no entanto, a possibilidade de o bloqueio acabar atingindo várias contas, superando o valor da dívida executada. A ordem do bloqueio é repassada automaticamente a todas as instituições bancárias integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Assim, se por ocasião do seu cumprimento o devedor tiver mais de uma conta, em bancos diferentes, com saldo disponível, o bloqueio pode se concretizar em valor superior ao requisitado. A apreensão do numerário, em cada banco, é feita até o montante do valor requisitado, isso porque eles não têm informações sobre a situação do correntista em outras instituições bancárias. A garantia do sigilo bancário conferida ao cliente impede que os bancos troquem informações entre si, daí se explica a possibilidade da ocorrência dos excessos no cumprimento de ordens judiciais de bloqueio.

            Se a versão 2.0 do sistema não elimina a possibilidade de excessos em penhora de contas bancárias, torna o procedimento de desbloqueio muito mais rápido. A penhora de valores em contas acima do efetivamente devido pelo devedor e o tempo gasto para o desbloqueio dos excessos foram as principais críticas feitas à primeira versão do sistema Bacen-Jud. A nova versão diminui drasticamente o tempo necessário para o desbloqueio da conta penhorada, em razão da total integração dos sistemas de informática dos bancos com o do Banco Central. Na versão anterior, não havia essa completa integração, e alguns bancos cumpriam e respondiam a ordens de bloqueio ainda de forma manual, por meio da utilização de correspondências enviadas pelo sistema tradicional dos correios. Com a nova versão do Bacen-Jud calcula-se que uma ordem de desbloqueio não leve mais que 48 horas entre sua emissão pelo Juiz e seu definitivo cumprimento pelos bancos.

            É de se concluir, portanto, que a possibilidade de ocorrência de excesso de penhora de conta corrente, quando efetivada eletronicamente, não deve servir de causa para justificar a não utilização do sistema Bacen-Jud. A nova versão do sistema reduz drasticamente o tempo necessário para a liberação da conta bloqueada. Se o procedimento de desbloqueio é muito mais rápido, houve um avanço significativo nesse ponto. Nunca é demais lembrar que a penhora de contas bancárias sempre foi feita pelo Judiciário, para garantir o processo de execução; apenas era realizada por meio da emissão de mandado e cumprimento da ordem pelo Oficial de Justiça. Mesmo nessa forma tradicional havia possibilidade de penhora excessiva e uma contra-ordem de desbloqueio demorava para ser cumprida.

            Ainda assim, o programa que permite o bloqueio de contas bancárias por meio eletrônico continua em constante processo de aperfeiçoamento. Segundo informações divulgadas pelo Banco Central [04], seus técnicos estariam desenvolvendo um software que permitirá que o sistema eletrônico do Banco Central realize o bloqueio do valor exato da condenação, depois que receber a determinação do juiz. O próprio sistema do Bacen comunicará o bloqueio à agência onde o devedor tem conta. Se a penhora for feita em mais de uma conta e em valor que exceda ao da condenação, a correção será feita no prazo de um dia.


3- A legalidade da utilização do sistema Bacen Jud para penhora de contas bancárias

            A chamada "penhora on line", como antes explicado, nada mais é do que a utilização, pelo Judiciário, de um sistema que permite efetuar a penhora em dinheiro de forma eletrônica, mediante envio das ordens judiciais aos bancos pela rede Internet. Através de uma solicitação em forma de documento eletrônico repassado a todas as instituições integrantes do sistema Financeiro Nacional, as ordens judiciais são cumpridas instantaneamente (em havendo saldo em alguma conta do executado).

            Pois bem, se a "penhora on line" se resume a isso, a apenas um meio de instrumentalizar (por via eletrônica) ordens judiciais de bloqueio de contas e depósitos bancários, trata-se de procedimento que não interfere com as regras do Processo de Execução (Livro II do CPC). O convênio assinado pelo Banco Central com os tribunais não criou ou alterou nenhuma norma processual – nem poderia fazê-lo, pois somente o Congresso Nacional pode editar leis sobre direito processual (art. 22, I, da CF).

            O bloqueio de créditos disponíveis em contas bancárias tem evidente amparo nas normas processuais vigentes, tanto que sempre foi realizado, embora pelo método tradicional envolvesse expedientes de pouca praticidade, consistentes na expedição de ofícios (na forma impressa em papel) ao Banco Central para identificação de contas bancárias de devedores, seguindo-se a diligência de constrição através de oficial de Justiça. Quando a conta se situava em localidade diversa da área de competência territorial do magistrado emissor da ordem, fazia-se necessária a expedição de carta precatória para que outro juízo (deprecado) implementasse a constrição. Toda a demora inerente a esse procedimento tradicional no mais das vezes acabava por permitir que o devedor frustrasse a penhora, efetuando o saque de seus depósitos.

            Na atualidade, o que muda é que o Juiz, por conta do convênio entre o Poder Judiciário e o Banco Central, tem a faculdade de utilizar recursos informáticos para dinamizar o procedimento de constrição de contas bancárias, que sempre teve permissão na legislação. Com efeito, a moldura da execução tal qual está disciplinada no CPC induz a que a penhora deva recair sobre dinheiro, com precedência a qualquer outro bem de propriedade do devedor. O dinheiro tem preferência sobre todos os outros bens na ordem de nomeação à penhora (art. 655, I, CPC). Essa ordem legal de preferência tem de ser obedecida (salvo convindo ao credor), sob pena de se tornar ineficaz (art. 656, I, CPC).

            A jurisprudência dos tribunais que se firmou, em torno da interpretação desses dispositivos, é que a penhora pode recair em dinheiro depositado em conta-corrente ou depósito existente em instituições bancárias. Acórdãos reiterados, inclusive do STJ, onde os julgadores realizaram interpretação sistemática dos arts. 620 e 655 do Código de Processo Civil, confirmam a possibilidade de o ato constritivo incidir sobre dinheiro depositado em conta bancária do executado (só para exemplificar, os acórdãos nos REsp nº 528.227/RJ e REsp nº 390.116/SP).


4- Ordem legal da penhora – preferência do dinheiro a qualquer outro bem

            Embora a gradação legal de bens que podem ser indicados à penhora (art. 655 do CPC) não tenha um caráter absoluto e o Juiz possa, observando as circunstâncias de um caso concreto, decidir pela constrição de outro bem, ele deve ser bastante restritivo quando tiver de assim optar. A opção por outro bem que não o dinheiro, para garantir a execução, implica em assumir uma série de dificuldades práticas que terminam inelutavelmente por levar o processo a não atingir o seu fim (de satisfação do direito de crédito do credor).

            Todos os outros bens elencados no art. 655 têm uma maior ou menor dificuldade de conversão para dinheiro, mas quase sempre essa conversão implica em um procedimento longo e penoso (avaliação, publicação de editais, praça ou leilão), com o surgimento de inúmeros incidentes processuais nesse caminho, tornando, na prática, o processo de execução – por essa única razão, de ter de expropriar e converter bens do executado em dinheiro – de pouca (ou quase nenhuma efetividade).

            A existência do Bacen-Jud, portanto, tornando ainda mais fácil o bloqueio de contas e depósitos bancários, deve ser levada em consideração para, ainda com mais razão, o Juiz se inclinar cada vez mais em rejeitar a opção por outro bem, quando o devedor dispõe de dinheiro depositado em instituição bancária. Como rotina regular, o Juiz deve investigar se o executado possui dinheiro depositado em conta bancária para, em caso negativo, promover a penhora sobre outro bem (indicado previamente ou não pelo executado). Trata-se, tão somente, de aplicar a regra do art. 656, I, do CPC, que prevê a ineficácia da nomeação à penhora que não obedece à ordem legal. Tendo o devedor dinheiro em conta bancária, a sua não colocação à disposição do credor para fins de penhora, implica em tornar ineficaz essa nomeação, porque não obedece a ordem legal do art. 655, que prevê o dinheiro como primeiro bem para satisfação do direito de crédito. O dispositivo cria uma incumbência legal a cargo do devedor, de observar a ordem legal de preferência pelo dinheiro (inc. I), salvo quando não dispõe desse tipo de bem.

            A jurisprudência mais acertada sempre proclamou a invalidade do oferecimento de bens, feito pelo devedor, quando este dispõe de dinheiro para fazer satisfazer a dívida. Se o devedor tem disponibilidade em dinheiro, pode o Juiz recusar a nomeação de outros bens (JTA 103/171). Acórdão do STJ bastante recente é bem ilustrativo dessa preferência que o dinheiro tem em relação a outros bens passíveis de penhora, podendo o Juiz da execução recusar a nomeação feita pelo devedor:

            PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. NOMEAÇÃO DE IMÓVEL DE DIFÍCIL VENDA. GRADAÇÃO LEGAL. PENHORA DE NUMERÁRIO À DISPOSIÇÃO DA EXECUTADA. ADMISSIBILIDADE.

            Indicado bem imóvel pelo devedor, mas detectada a existência de numerário em conta-corrente, preferencial na ordem legal de gradação, é possível ao juízo, nas peculiaridades da espécie, penhorar a importância em dinheiro, nos termos dos arts. 656, I, e 657 do CPC.

            (4a. Turma, REsp 537667/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 20.11.03, DJ 09.02.04).

            No sentido de que o Juiz pode recusar penhora de bens móveis quando exista dinheiro suficiente em contas bancárias para garantia do débito: STJ-4a. Turma, REsp 703033 / MA, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 19.04.05, DJ 09.05.05).

            Como se disse, possuindo o devedor mais de uma espécie de bens, dentre estes dinheiro em conta-corrente, deve o Juiz o máximo que possível atender a gradação do art. 655 do CPC, isto é, determinar que a constrição recaia sobre dinheiro, preferencialmente utilizando-se do sistema Bacen-Jud, dada a agilidade e praticidade que esse sistema oferece para o bloqueio de valores depositados em instituições financeiras.

            É certo que a gradação prevista no art. 655 tem caráter relativo, mas, como não se pode olvidar que o objetivo primordial da penhora é o de reservar bens para garantir a satisfação da dívida, não há sentido em não se preferir antecipadamente o próprio dinheiro. Soa como um contra-senso deixar de garantir a execução, prematuramente, com quantias em dinheiro. Tendo o executado mais de uma espécie de bens passíveis de penhora (dinheiro e outros bens), porque não se preferir o próprio dinheiro? Somente situações excepcionais pode justificar a decisão do Juiz de optar, em um primeiro momento, por outro bem que não o dinheiro quando este integra o conjunto de bens do patrimônio do devedor. A gradação estabelecida para a efetivação da penhora (art. 656, I) tem caráter relativo, podendo ser alterada por força das circunstâncias e tendo em vista as peculiaridades de cada caso concreto. Mas o objetivo da sua instituição foi o de propiciar o pagamento de modo mais rápido e célere, daí porque o Juiz não deve se afastar, sem motivo sério e baseado nas circunstâncias do caso, da regra que dá preferência ao dinheiro para efeito de penhora.

            O princípio da economicidade não pode superar o princípio maior da utilidade da execução para o credor, propiciando que se realize por meios ultrapassados e ineficientes à solução do crédito exeqüendo. A "constrição em dinheiro, a primeira na ordem dos bens penhoráveis é a que conspira em favor dos objetivos precípuos da execução por quantia certa contra devedor solvente" [05]. Nesse sentido, deve haver uma preferência pela penhora de dinheiro, através do sistema eletrônico de requisições judiciárias, método idôneo e suficiente para alcançar o resultado pretendido com o processo de execução.


5- A utilização do Bacen-Jud não afeta o princípio da "menor onerosidade" (art. 620 do CPC)

            Alguns profissionais do Direito têm sustentado que a penhora de dinheiro depositado em conta-corrente, sobretudo quando realizada pela forma "on line", contraria o princípio da menor onerosidade previsto no art. 620 do CPC. O fundamento é que a utilização do Bacen-Jud possibilita um bloqueio indiscriminado e amplo de contas bancárias, acarretando ônus excessivo ao devedor. Argumenta-se, também, que o bloqueio eletrônico pode alcançar contas e depósitos destinados a pagamentos de obrigações do devedor ou até mesmo sobre verbas de natureza impenhorável, como aquelas de natureza alimentar ou que representem exclusivamente ganhos salariais.

            Esses argumentos, todavia, não procedem, não servindo como base para desestimular de forma apriorística a utilização de um sistema informático que se mostra eficiente e adequado aos fins do moderno processo de execução. Primeiro, porque é de se ter em vista que o princípio da "menor onerosidade" não se sobrepõe a outros que também informam o processo de execução, especificamente aquele inserido no art. 612, que consagra o princípio da maior utilidade da execução para o credor e impede que seja realizada por meios ineficientes à solução do crédito exeqüendo. É preciso, portanto, uma compatibilização entre esses princípios, tendo-se sempre em mente que a necessidade de se imprimir à execução uma real efetividade não pode prescindir de um sistema que desburocratiza atos processuais.

            É preciso, a propósito, lembrar que a jurisprudência já afastava qualquer lesão ao princípio da menor onerosidade pela simples razão de a penhora atingir dinheiro depositado em conta bancária. As ementas abaixo transcritas são elucidativas desse entendimento:

            "Processual civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Execução. Nomeação de bens à penhora. Interpretação do art. 620 em harmonia com o art. 655, ambos do CPC. Súmula 83/STJ. Verificação dos motivos que justificaram a rejeição dos bens oferecidos à

            penhora. Súmula 7/STJ

            – O art. 620 do CPC há de ser interpretado em consonância com o art. 655 do CPC, e não de forma isolada, levando-se em consideração a harmonia entre o objetivo de satisfação do crédito e a forma menos onerosa para o devedor.

            – A jurisprudência dominante do STJ é no sentido de que, desobedecida pelo devedor a ordem de nomeação de bens à penhora prevista no art. 655 do CPC, pode a constrição recair sobre dinheiro, sem que isso implique em afronta ao princípio da menor onerosidade da execução previsto no art. 620 do Código de Processo Civil" (STJ-3a. Turma, AgRg no Ag 633357/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 28.06.05, DJ 01.08.05).

            Mais específico, no sentido de que a penhora possa recair em dinheiro depositado em conta-bancária, sem que isso implique ofensa ao art. 620:

            "Este Tribunal de Uniformização, realizando interpretação sistemática dos arts. 620 e 655 da Lei Processual Civil, já se manifestou pela possibilidade do ato constritivo incidir sobre dinheiro depositado em conta bancária de titularidade de pessoa jurídica, sem que haja afronta ao princípio da menor onerosidade da execução disposto no art. 620 da Norma Processual (cf. REsp nº 528.227/RJ, REsp nº 390.116/SP)" (STJ-4a. Turma, AgRg no Ag 612382/RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 15.0905, DJ 17.10.05).

            O princípio da economicidade, realmente, não pode superar o princípio maior da utilidade da execução para o credor, propiciando que a execução se realize por meios ultrapassados e ineficientes à solução do crédito exeqüendo. Por essa razão, deve haver uma preferência pela penhora de dinheiro, através do sistema eletrônico de requisições judiciárias, método idôneo e suficiente para alcançar o resultado pretendido com o processo de execução. "A execução visa a recolocar o credor no estágio de satisfatividade que se encontrava antes do inadimplemento. Assim, realiza-se a execução em prol dos interesses do credor (artigos 612 e 646 do CPC). Em conseqüência, o princípio da Economicidade não pode superar o princípio maior da Utilidade da execução para o credor, propiciando que a execução se realize por meios ineficientes à solução do crédito exeqüendo, maxime tratando-se de execução de sentença trânsita, cujo direito do credor restou soberanamente reconhecido" [06].

            A penhora de valores depositados em conta bancária, sobretudo na sua modalidade eletrônica, representa, isso sim, uma economia para o próprio devedor, que não tem que arcar com custos com registro da penhora, publicação de editais, honorários de avaliador e leiloeiro e outras despesas que sempre arca ao final do procedimento praça e leilão para conversão de outros bens em dinheiro. Isso revela que penhora de outros bens, para sua posterior conversão em dinheiro pelo procedimento da praça ou leilão, é também prejudicial ao próprio devedor, que tem que arcar com todos os custos adicionais do procedimento da conversão.

            Por outro lado, o Juiz tem sempre a possibilidade de determinar o desbloqueio (total ou parcial) de contas, quando a constrição se revela excessiva ou recai sobre valores que possuam natureza de impenhorabilidade (art. 649 do CPC). O Juiz pode sempre avaliar a necessidade de eventual desbloqueio, se verificar algumas das situações que contrariam dispositivos legais (constrição de salários, proventos de aposentadoria, pensões e outras verbas de caráter alimentar) ou que demonstrem que a penhora deva ser feita de uma maneira menos excessiva ou menos gravosa. Mas, em todo caso, ele sempre poderá exigir do devedor outras garantias, antes de efetuar o desbloqueio. Nessa situação, de o devedor já se encontrar com recursos de suas contas bancárias retidos, é muito mais fácil que ele aceite em oferecer outros bens ou indicar uma das contas bancárias em que possa ser mantido o bloqueio. O sistema Bacen-Jud na nova versão (2.0) possibilita que esse desbloqueio seja realizado num prazo máximo de 48h, o que evita qualquer prejuízo ou transtorno ao devedor.

            A possibilidade de a constrição alcançar valores de natureza alimentar ou acima do valor da execução sempre existiu, mesmo quando era feita na forma tradicional, por meio de ofício (impresso em papel) remetido pelo correio e mandado cumprido por Oficial de Justiça. Ocorrendo essa situação, eventual desbloqueio poderia demorar prazo muito mais largo do que se exige para efetuá-lo via Bacen-Jud.

            Sempre é bom lembrar que o sistema Bacen-Jud não criou uma nova modalidade de execução; apenas permite que a penhora de numerário existente em contas e aplicações bancárias do devedor seja feita de forma eletrônica. No sistema antigo, quando o Juiz a determinava através de ofício (em papel) também havia a possibilidade de o bloqueio recair sobre depósitos e recursos de origem salarial, contas destinadas ao depósito de pensões etc. Só que a possibilidade de prejuízo era muito maior, porque as respostas dos bancos só chegavam tardiamente ao conhecimento do Juiz, o qual, para ordenar o desbloqueio, também não tinha meios mais velozes, somente podendo ordená-lo por meio de novo ofício, que levava tempo bastante largo para ser enviado à instituição bancária. O processamento de uma ordem de desbloqueio, por meio da utilização do sistema Bacen-Jud, é feito de forma muito mais rápida e simples, o que concorre em favor da utilização desse sistema.

            A penhora realizada sobre qualquer outro bem (que não dinheiro) também pode se mostrar excessiva. Mesmo um bem imóvel ou veículo encontrado para penhora pode ultrapassar o valor da dívida executada. Daí a legislação prever que, após a avaliação, o Juiz pode reduzir a penhora a bens suficientes ou mesmo transferi-la a outros, se o penhorado for consideravelmente superior a o crédito exeqüendo (art. 685).

            O argumento de que a penhora de dinheiro, quando feita de forma eletrônica, pode eventualmente ultrapassar o valor da execução, atingindo mais de uma conta, não é razão suficiente, como se vê, para invalidar a utilização do sistema Bacen-Jud. Trata-se de sistema informático que, na verdade, suaviza os efeitos de eventual penhora excessiva, se comparado com os métodos tradicionais de requisição de penhora em dinheiro, na medida em que possui funcionalidade para desbloqueio de forma rápida e eficiente.


6- Momento para a realização da "penhora on line"

            O magistrado deve se utilizar do sistema Bacen-Jud observando a legislação processual já existente, como assinalamos. A criação do sistema de "penhora on line" e sua disponibilização, via convênio com o Banco Central, ao conjunto dos magistrados brasileiros não importou na alteração das regras processuais preexistentes. Os juízes agora têm à disposição um meio rápido e eficaz de comunicação, para o envio de ordens judiciais, às entidades integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Nada mais que isso. A utilização do sistema, portanto, deve ser feita de maneira a se subsumir integralmente às normas previstas no Código para o processo de execução. O magistrado não pode se valer do sistema Bacen-Jud para atropelar as fases processuais e, em ocorrendo tal situação, a parte prejudicada pode ofertar os recursos cabíveis, demonstrando o prejuízo sofrido e requerendo a nulidade do ato judicial.

            Por essa necessidade que a penhora eletrônica de dinheiro (depositado em conta bancária) tem de obedecer às normas processuais, é importante que o Juiz observe o momento adequado para utilizar o sistema do Bacen-Jud. Em regra, salvo situações que justifiquem a concessão de medidas cautelares, o Juiz não deve utilizar o sistema de requisições on line antes da citação do réu. De acordo com as normas atinentes à execução por quantia certa (art. 646 e seguintes do CPC), o devedor deve ser "citado para, no prazo de 24 horas, pagar ou nomear bens à penhora" (art. 652). O devedor, portanto, tem o direito processual de indicar bens à penhora, depois de citado. Então, o Juiz não deve utilizar o Bacen-Jud antes de oferecer a oportunidade para que o réu indique bens à penhora, através de sua citação.

            Além disso, o próprio credor pode preferir outro bem que não o dinheiro, hipótese em que a nomeação que não segue a ordem legal (656, I). Não se opondo o exeqüente, a nomeação feita pelo devedor prevalece [07]. Claro que isso, na prática, dificilmente vai ocorrer, pois nenhum credor prefere dinheiro a outro bem, mas se deve respeitar essa possibilidade assegurada legalmente. De qualquer maneira, o Juiz deve como regra citar o executado e ouvir o exeqüente sobre a nomeação, decidindo-se em seguida pela rejeição dos bens oferecidos à penhora (quando for o caso) e investigando a existência de outros (dinheiro em conta bancária) por via do Bacen-Jud.

            6.1 Medida cautelar pelo sistema do Bacen-Jud

            Se é possível o bloqueio de conta-corrente, para penhora de dinheiro nela depositado, esse tipo de apreensão pode se fazer como medida cautelar, para garantir a eficácia do processo de execução.

            A medida cautelar pode ser preparatória ou incidental ao processo de execução (art. 796 do CPC) [08]. O Juiz pode conceder uma medida cautelar específica, desde que patentes os requisitos específicos, ou uma medida cautelar inominada, quando outras situações (e não aquelas elencadas expressamente para um dos procedimentos cautelares específicos [09]) se fizerem presentes [10], demonstrativas do "periculum in mora" e do "fumos boni juris" do requerente. Nesse sentido, o Juiz pode, observando que o devedor tenta ausentar-se, alienar seus bens, transferi-los para nome de terceiros ou comete outro artifício fraudulento com a intenção de frustrar a execução e lesar o credor, conceder uma medida cautelar específica de arresto (art. 813), determinando o bloqueio de dinheiro em conta bancária do devedor [11] pelo sistema do Bacen-Jud. O Juiz processante da execução também pode conferir ao credor uma medida cautelar inominada, valendo-se do seu poder geral de cautela (art. 798), quando outras situações, que não as discriminadas nos incisos do art. 813 se mostrem presentes. Por exemplo, quando o credor comprova que o devedor tem outros processos de execução em andamento, onde as dívidas não foram satisfeitas, ou que tem um passado de mau pagador, com nome em bancos de dados de proteção ao crédito. Essas são situações que podem perfeitamente autorizar a concessão de medidas cautelares pelo Juiz, para preservar a eficácia do processo de execução.

            Atualmente, certos devedores, para escaparem da constrição eletrônica, retiram os valores das contas assim que têm conhecimento do processo de execução (e às vezes antes disso). Como os devedores (e seus advogados) já têm conhecimento do potencial de utilização do sistema Bacen-Jud pelos juízes, sacam os valores de suas contas para escapar da "penhora on line". Se o requerente consegue demonstrar indícios de que tal manobra está a ocorrer e que, sem o bloqueio de contas, dificilmente sobrarão bens para garantir a execução (ou que os bens restantes são de difícil conversão em dinheiro), o Juiz pode conceder a medida liminarmente, concretizando a ordem via sistema Bacen-Jud.

            Essa nova realidade induz a que os Juízes se mostrem sensíveis à possibilidade de utilização do Bacen-Jud de forma cautelar, para evitar o cometimento de prejuízo ao direito de crédito do credor, pela retirada antecipada do numerário existente em contas bancárias de titularidade do devedor. A constatação de que a maioria dos devedores sacam valores de contas bancárias quando pressentem a iminência de um processo de execução, deve conduzir a uma utilização cada vez maior do sistema Bacen-Jud para a implementação de medidas cautelares de bloqueio de contas. Em todo e qualquer caso, o Juiz tem sempre que fundamentar a concessão da medida, indicando a presença dos requisitos que a autorizam.

            O Juiz, ao conceder uma medida cautelar para bloqueio de conta bancária sem ouvida da parte contrária (o devedor), precisa no entanto estar atento para a possibilidade do cálculo de atualização da dívida (feito pelo credor) exceder demasiadamente o valor da dívida. Como se sabe, cumpre ao credor, ao requerer a execução, instruir a petição inicial com o demonstrativo de débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa (art. 614, II, CPC) [12]. Eventualmente, o cálculo feito pelo devedor pode conter erro que o faça ultrapassar em muito a atualização da dívida real. Por essa razão, o Juiz deve sempre observar se o cálculo do credor, pelo menos aparentemente, não ultrapassa os limites do título exeqüendo [13], de modo a evitar uma constrição de valor excessivo, antes de conceder uma medida cautelar de bloqueio de contas.

            6.1.1 Medida cautelar no bojo do processo de execução

            Antes da citação do devedor, a lei processual prevê, no capítulo que trata do processo de execução por quantia certa [14], a figura do arresto provisório, ou seja, a possibilidade de constrição de bens (para futura conversão em penhora) do devedor não encontrado pelo Oficial de Justiça. Tal faculdade está prevista no art. 653 do CPC, que estabelece: "O oficial de justiça, não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução". Nada impede que, verificada a situação fática (devedor não encontrado para citação pelo oficial de justiça), que o arresto provisório seja realizado por meio de bloqueio de conta bancária [15], através da utilização, pelo Juiz, do sistema Bacen-Jud. Ciente da certidão do oficial de justiça de que não conseguiu encontrar o devedor, o Juiz pode ordenar, no próprio âmbito do processo de execução, a medida do arresto provisório [16].

            Além dessa situação específica, o Juiz está autorizado a determinar medidas cautelares de bloqueio de contas bancárias do devedor (via Bacen-Jud) no próprio processo de execução, sem necessidade de o credor ajuizar um processo cautelar autônomo. No processo de execução, diferentemente do processo de conhecimento, sempre existiu a possibilidade de o autor cumular ao pedido principal requerimento para que o Juiz adote providências cautelares. Essa autorização legal consta do inc. III do art. 615 do CPC, que estabelece que ao credor, ao requerer a execução, cumpre também, em sendo o caso, "requerer medidas acautelatórias urgentes". Esse dispositivo, portanto, já assegurava ao exeqüente a possibilidade de requerer medidas cautelares no bojo do próprio processo de execução.

            Mas, mesmo diante dessa regra de evidente facilitação da prestação jurisdicional em benefício do credor, sempre houve quem sustentasse a necessidade do manuseio de um processo cautelar autônomo, como forma de obter uma medida cautelar. Argumentava-se que o inc. III do art. 615 não dispensava a necessidade de o credor promover o processo cautelar em paralelo à execução.

            Uma alteração no Código de Processo Civil veio reforçar, no entanto, a idéia de que as medidas cautelares podem ser, sim, deferidas no bojo do próprio processo de execução. Trata-se do acréscimo do parágrafo 7o. ao art. 273 do CPC, incluído pela Lei 10.442/02, o qual estabelece que o Juiz pode adotar medidas cautelares na esfera do próprio processo principal, "quando presentes os respectivos pressupostos". Diz o citado dispositivo que: "Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado". Ao prever a fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar, o parágrafo 7o. do art. 273 acabou autorizando a possibilidade de o Juiz conceder medida cautelar incidental em qualquer tipo de processo e procedimento.

            Antes da edição da Lei 10.444, de 07.05.02, não havia previsão no sistema jurídico pátrio para uma concessão de liminar de natureza assecuratória no processo principal (de conhecimento). Sobrava a regra do art. 292, inc. III, do CPC, que exige como requisito da admissibilidade da cumulação "que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento". Interpretando essa regra, a jurisprudência repelia a cumulação de um pedido cautelar com o principal [17], determinando inclusive que o autor promovesse o desmembramento dos processos [18]. Assim, por exemplo, um devedor não podia, nos próprios autos de uma ação ordinária declaratória de inexigibilidade do débito, formular um pedido cautelar de sustação do protesto. Não se admitia a sustação liminar na própria ação principal, havendo sempre a necessidade de o interessado promover um processo cautelar autônomo.

            Agora, por força da norma do par. 7o. do art. 273, o autor de um processo de conhecimento pode requerer uma liminar cautelar, na forma de providência incidente ao processo ajuizado [19]. Antes não se admitia a cumulação do pedido cautelar com o principal, ou a concessão liminar de medida cautelar na ação principal, em razão da falta de previsão expressa em lei. A nova regra veio preencher esse vácuo legal, autorizando a concessão de liminar de natureza cautelar "em caráter incidental ao processo ajuizado" e proporcionando elevada simplificação processual.

            O art. 273 (e seu par. 7o.) refere-se ao processo de conhecimento, mas à execução aplicam-se subsidiariamente as disposições que regem o processo de conhecimento (art. 598 do CPC). Essa aplicação subsidiária das normas do processo de conhecimento à execução só tem limitação quando existe norma específica no segundo [20]. O entendimento é de que as normas do processo de conhecimento aplicam-se de forma subsidiária em tudo quanto não forem incompatíveis com o processo de execução [21]. Esse entendimento confirma a viabilidade de medida cautelar incidental nos próprios autos do processo de execução, sem necessidade de um processo autônomo cautelar.

            Se é possível cautelar incidental (nos próprios autos) do processo de conhecimento, o mesmo se aplica ao processo de execução, ainda com mais razão em face da regra do art. 615, III.

            Se o Juiz, pela nova sistemática processual, está autorizado a deferir uma medida cautelar de bloqueio de conta (ou outra providência liminar) no bojo do processo de execução, a facilidade da comunicação eletrônica recomenda que a implemente por meio do sistema Bacen-Jud.


7. Conclusões:

            1a. A "penhora on line", assim entendida a determinação judicial para o bloqueio de contas bancárias via sistema Bacen-Jud, não interfere com as regras do Processo de Execução (Livro II do CPC) e a ele deve se subsumir integralmente.

            2a. O princípio da economicidade não pode superar o princípio maior da utilidade da execução para o credor, propiciando que se realize por meios ultrapassados e ineficientes à solução do crédito exeqüendo. Por essa razão, deve haver uma preferência pela penhora de dinheiro, através do sistema eletrônico de requisições judiciárias (sistema Bacen-Jud), método idôneo e suficiente para alcançar o resultado pretendido com o processo de execução.

            3a. Possuindo o devedor mais de uma espécie de bens, dentre estes dinheiro em conta-corrente, deve o Juiz, o máximo que possível, atender a ordem de preferência do art. 655 do CPC, isto é, determinar que a constrição recaia sobre dinheiro, utilizando-se do sistema Bacen-Jud, dada a agilidade e praticidade que esse sistema oferece para o bloqueio de valores depositados em instituições financeiras.

            4a. Não se pode afirmar que as conseqüências geradas pela utilização do sistema de "penhora on line" sejam mais gravosas do que a utilização de outro meio. As adaptações realizadas no sistema Bacen-Jud deram maior agilidade ao processo de desbloqueio de contas bancárias, em caso de penhora excessiva, evitando a possibilidade de prejuízos. Utilizando o sistema do Bacen-Jud o Juiz sempre tem a faculdade de, da mesma forma como determina o bloqueio, ordenar o desbloqueio, em caso de verificar que a penhora atingiu conta onde estão depositados valores (bens) de natureza impenhorável ou quantias acima do valor da dívida executada. A nova versão do Bacen Jud (2.0) corrigiu algumas falhas no sistema antigo, principalmente em relação à falta de agilidade para desbloquear recursos penhorados em excesso.

            5a. Em regra, salvo situações que justifiquem a concessão de medidas cautelares, o Juiz não deve utilizar o sistema requisições on line antes da citação do réu.

            6a.O Juiz pode, observando a presença de situações de periculum in mora para a satisfação do crédito do exeqüente, conceder medida cautelar de bloqueio de dinheiro em conta bancária do devedor pelo sistema do Bacen-Jud.

            7a. O Juiz está autorizado a determinar medidas cautelares de bloqueio de contas bancárias do devedor (via Bacen-Jud) no próprio processo de execução, sem necessidade de o credor ajuizar um processo cautelar autônomo, em face da regra do do inc. III do art. 615 do CPC, reforçada com o advento da norma do parágrafo 7o. do art. 273 do CPC, incluído pela Lei 10.442/02, desde que "presentes os respectivos pressupostos".

            8a. É recomendável que o Juiz, tendo em vista que a memória de cálculo de atualização da dívida é feita pelo próprio credor (art. 614, II), verifique cuidadosamente sua adequação aos índices legais de correção, valendo-se de contador se necessário, antes de promover um bloqueio cautelar (sem ouvida do devedor) via Bacen-Jud, para evitar a possibilidade de constrição excessiva.

            9a. A criação do sistema de penhora eletrônica do Banco Central trouxe maior efetividade ao processo de execução do que qualquer reforma da legislação processual.


Notas

        

            02 Sugerimos uma visita à página de apresentação do Bacen-Jud 2.0, no site do Banco Central, onde podem ser encontradas todas as informações sobre as alterações produzidas no sistema:

             http://www.bcb.gov.br/fis/pedjud/ftp/BACEN%20JUD%202.0%20-%20Apresentacao.doc

            03 O endereço do site é: http://www.bcb.gov.br/?BACENJUD2

            04 Em seu site na Internet – http://www.bacen.gov.br/

            05 STJ-1a. Turma, REsp 419151/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 05.11.02, DJ 10.03.03.

            06 STJ-1a. Turma, REsp 419151/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 05.11.02, DJ 10.03.03.

            07 "Também se entende que, violada a ordem preferencial contida no art. 655 mas não se opondo o exeqüente, a nomeação feita pelo réu deve prevalecer" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol. IV. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 516).

            08 Quando a lei fala (no art. 796) em "processo principal", não exclui o processo de execução como sendo o principal do qual depende o procedimento cautelar.

            09 As medidas cautelares específicas (p. ex., arresto e seqüestro) estão previstas a partir do Capítulo II do Título Único do Livro III (Do Processo Cautelar), do CPC.

            10 A medida cautelar específica não pode ser concedida senão nos casos expressos em lei, não podendo ser ampliada como medida cautelar inominada (RT 600/165). Daí que "não se deve deferir cautela inominada na hipótese de prever o ordenamento jurídico providência específica para atender à necessidade cautelar" (RTFR 162/173).

            11 A jurisprudência admite medida cautelar de arresto com a finalidade de bloquear conta bancária, quando pleiteada "diante do justo receio da parte de não receber o valor da dívida contraída, inclusive pela ausência de outros bens que pudessem garantir a execução" TJPE, AGTR nº 71658-1, 3ª Câmara Cível, rel. Des. Silvio de Arruda Beltrão, ac. un., j. 17/03/2005, DJ 13/04/2005).

            12 Essa redação do inc. II do art. 614 vem desde a Lei 8.953, de 13.12.94.

            13 A Lei 10.444, de 07.05.02, incluiu o par. 2o. ao art. 604, permitindo ao Juiz valer-se do contador do juízo para adequar cálculo apresentado pelo credor, aparentemente excedente dos limites da decisão exeqüenda. A recente Lei 11.232/05 revogou esse dispositivo, mas incluiu regra semelhante no par. 3o. do art. 475-B, que trata da liquidação de sentença.

            14 Capítulo IV do Título I, do Livro do Processo de Execução.

            15 A jurisprudência admite o arresto de bens na forma de bloqueio de depósitos em conta bancária: "O arresto de bens é medida prevista legalmente, quando não encontrado o devedor. Sendo o dinheiro, o primeiro na ordem de penhora, possível o bloqueio de valores encontrados na conta do executado, ainda que não tenha havido a citação (TJRS, AGTR nº 70009242900, Vigésima Segunda Câmara Cível, rel. Des. Leila Vani Pandolfo Machado, Julgado em 01/09/2004).

            16 Pode parecer, pela redação do art. 653, que o arresto no caso de devedor não encontrado pelo Oficial de Justiça, é feito de forma automática por este, sem interferência ou prévia ciência do fato ao Juiz. Mas, pelo menos na prática, a coisa não funciona assim, até porque antes de promover o arresto, o Oficial de Justiça tem que "certificar cumpridamente que não localizou o devedor (par. 2o. do art. 652). Essa certidão que ele lavra é justamente para ser objeto de análise do Juiz, que, em vista dela, pode determinar o arresto. A decisão do Juiz que determina o arresto provisório (que se converte depois em penhora, art. 654, parte final) é inclusive agravável (RP 3/326).

            17 RTFR 152/29, RT 498/92, JTA 47/44, RJTJERGS 153/285 e RSTJ 68/381).

            18 Sob pena do indeferimento da inicial do processo principal (TFR-4a. Turma, Ag. 58.154-PE, rel. Min. Ilmar Galvão,. 9.11.88, DJU 20.2.89.

            19 Posição que destoa da sustentada por Theotônio Negrão, que defende o processamento da cautelar em autos apartados (CPC e Legislação Processual em Vigor, 35a. ed., nota 30 ao art. 273).

            20 RSTJ 6/419.

            21 Nota de Theotonio Negrão ao art. 598 do CPC.

Referência  Biográfica

Demócrito Reinaldo Filho  –  Juiz de Direito em Pernambuco, diretor do Instituto Brasileiro de Direito e Política da Informática (IBDI)

       

Mulheres no banco dos réus, sob o olhar de um juiz.

0

OPINIÃO –

  *João Baptista Herkenhoff –

 (Para divulgação ou meditação, a propósito do Dia das Mães).

        Libertação de uma empregada doméstica, que estava presa porque furtara do seu patrão o dinheiro necessário para comprar uma passagem de trem, de Vitória à vizinha cidade mineira de Governador Valadares.  

         Despacho do Juiz João Baptista Herkenhoff (Vitória, ES).  

         “Considerando o pequeno valor do furto;

         considerando o minúsculo prejuízo sofrido pela vítima que, a rigor, se o Cristo não tivesse passado inutilmente por esta Terra, em vez de procurar a Polícia por causa de 150 cruzeiros, teria facilitado a ida da acusada para Governador Valadares, ainda mais que a acusada havia revelado sua inadaptação a esta capital;

         considerando que a acusada é quase uma menor, pois mal transpôs o limite cronológico da irresponsabilidade penal;

         considerando que o Estado processa uma empregada doméstica que lesa seu patrão em 150 cruzeiros, mas não processa os patrões que lesam seus empregados, que lhes negam salário, que lhes furtam os mais sagrados direitos;

         considerando que o cárcere é fator criminogênico e que não se pode tolerar que autores de pequenos delitos sejam encarcerados para, nessa universidade do crime, adquirir, aí sim, intensa periculosidade social;

         RELAXO a prisão de Neuza F., determinando que saia deste Palácio da Justiça em liberdade.

         Lamento que a Justiça não esteja equipada para que o caso fosse entregue a uma assistente social que acompanhasse esta moça e a ajudasse a retomar o curso de sua jovem vida. Se assistente social não tenho, tenho o verbo e acredito no poder do verbo porque o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Invoco o poder deste verbo, dirijo a Deus este verbo e peço ao Cristo, que está presente nesta sala, por Neuza F. Que sua lágrima, derramada nesta audiência, como a lágrima de Madalena, seja recolhida pelo Nazareno.”  

Despacho dado em audiência, no dia 25 de março de 1976, no processo n. 3.721, da 3a. Vara Criminal de Vitória. Publicado pelo jornal “A Gazeta”, de Vitória, na edição de 26 de março de 1976.


Decisão libertando Edna, a que ia ser Mãe

 

                     João Baptista Herkenhoff (Juiz de Direito, ES)

 

          “A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.

          É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.

         Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar  ao Mundo que os seres têm direito à vida,  que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.

         Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

         Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.

         Expeça-se incontinenti o alvará de soltura.”

 

(Decisão proferida, na 1ª Vara Criminal de Vila Velha, ES).

   João Baptista Herkenhoff (Juiz de Direito, ES)

Quem paga Zona Azul tem direito à segurança do carro

2

JURIPRUDÊNCIA –

"Optando o Poder Público pela cobrança de remuneração de estacionamentos em vias públicas de uso comum do povo, tem o dever de vigiá-los, com responsabilidade pelos danos ali ocorridos". Assim, a empresa Soil Serviços Técnicos e Consultoria de Santa Catarina, foi condenada a pagar indenização no valor de R$ 8,5 mil ao motorista Acácio Irineu Klemke, que teve o carro furtado quando ocupava uma das vagas do sistema de Zona Azul da cidade de Joinville, serviço explorado pela empresa. A decisão é da 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina confirmando sentença da comarca de Joinville.

A empresa apelou da sentença ao TJ, sob argumento de que na condição de permissionária do município de Joinville presta serviços de parqueamento das vias públicas, mantendo e operacionalizando o sistema de estacionamento rotativo sem dever de vigilância ou guarda dos automóveis. Segundo sua defesa, "o preço cobrado pelo tíquete da Zona Azul remunera tão somente a permissão de uso do bem público, isto é, a viabilização da rotatividade dos estacionamentos de uso público".

De acordo com o relator da matéria, desembargador Orli Rodrigues, a Soil é responsável pelos danos causados a terceiros nos estacionamentos sob seu controle. Disse ainda que embora a empresa admita que a cobrança se preste a garantir a rotatividade dos veículos nos estacionamentos públicos, tal fato restringe direito fundamental de ir, vir e permanecer previsto na Constituição ao impor ao cidadão a obrigação de arcar com determinado preço para ter a permissão de estacionar em via pública.

“E como cada obrigação deve corresponder um direito, o Poder Público (ou aquele que lhe faz as vezes), porque aufere vantagem econômica, deve suportar um ônus correspondente”, afirma.

Ação 2003019568-8

Leia a íntegra do acórdão

Apelação cível n. 03.019568-8, de Joinville.

Relator Originário: Dionízio Jenczac.

Relator Designado: Des. Orli Rodrigues

RESPONSABILIDADE CIVIL – FURTO DE VEÍCULO EM VIA PÚBLICA – ZONA AZUL – ADMINISTRAÇÃO FEITA POR EMPRESA PERMISSIONÁRIA – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – REMUNERAÇÃO FEITA POR MEIO DE TARIFAS – PERMISSÃO BILATERAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PRESCINDIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE CULPA – DANO E NEXO CAUSAL CONFIGURADOS – DEVER DE RESSARCIR

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 03.019568-8, da Comarca de Joinville (2a. Vara Cível), em que é apelante Soil Serviços Técnicos e Consultoria S/C Ltda., sendo apelado Acácio Irineu Klemke:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação majoritária, negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

I – RELATÓRIO:

Trata-se de apelação cível interposta por Soil Serviços Técnicos e Consultoria S/C Ltda. objetivando a reforma da sentença que, nos autos da ação de responsabilidade civil por furto de veículo nº 038.99.023522-7, a condenou ao ressarcimento de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais) ao autor/apelado Acácio Irineu Klemke, em razão do furto do veículo deste em estacionamento controlado por aquela.

Em seu arrazoado, a apelante aduz ser permissionária do município de Joinville para prestar serviços de parqueamento das vias públicas (implantação, manutenção, e operacionalização do sistema de estacionamento rotativo Zona Azul), sendo que o Termo de Permissão não abrange qualquer sorte de dever de vigilância ou guarda dos veículos. Esclarece que o preço cobrado pelo tíquete de Zona Azul remunera tão somente a permissão de uso do bem público, isto é, a viabilização da rotatividade dos estacionamentos de uso comum.

Argumenta que a sua imputação no dever de guarda e vigilância dos veículos representa desvio de atribuição de atividade, até mesmo pelo preço cobrado, cuja quantia serve apenas à concretização daquelas atividades já mencionadas.

Finaliza alegando a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso – uma vez que não há, na hipótese, prestação de qualquer serviço – e pugnando pela reforma do decisum de primeiro grau.

Resposta às fls. 116/127.

Conclusos, os autos ascenderam a esta Egrégia Corte.

É o relatório.

II – VOTO:

Não prospera do recurso interposto. Como bem consignado na respeitável sentença de primeiro grau, que se adota como razão de decidir, a apelante é, sim, responsável pelos danos causados a terceiros nos estacionamentos sob seu controle. Fundamenta-se.

Primeiramente, cumpre esclarecer que, optando o Poder Público pela cobrança de remuneração de estacionamentos em vias públicas de uso comum do povo, tem o dever (ou o tem quem lhe faça as vezes) de vigiá-los, com responsabilidade por danos ali ocorridos.

Isto porque tal cobrança, embora se preste a garantir a rotatividade de veículos nestes locais, restringe o direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pelo artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal, ao impor aos cidadãos a obrigação de arcar com determinado preço para terem a permissão de estacionar seus automóveis nas vias públicas.

E como a cada obrigação deve corresponder um direito, o Poder Público, ou aquele que lhe faz as vezes, porque aufere vantagem econômica, deve suportar um ônus correspondente.

É o que destaca o eminente Juiz de Direito de São Paulo, Dr. Leonel Carlos da Costa, em artigo sobre o tema, publicado na Revista de Direito Administrativo Aplicado, nº 19 (outubro/novembro de 1998):

“No caso das vias e logradouros públicos, convém lembrar que tais são bens públicos de uso comum do povo (art. 66, I, do CC) e, portanto, sujeitos à proteção pela guarda municipal.

“Não é justo, pois, que o particular pague pelo estacionamento em ‘zona azul’, na via pública, sob pena de multa pela fiscalização (constantemente mantida), pague as contribuições de melhoria municipais, e, ainda, quando tem seu veículo furtado, ou danificado no referido estacionamento, fique sem ressarcimento, quando o Município não vigiou a guarda do veículo.

“É máxima jurídica que a todo direito corresponde uma obrigação e quem aufere vantagem deve suportar o ônus de sua atividade. Configura-se situação de injusta vantagem do Poder Público, contrariando a tendência já incorporada em nosso sistema (como acima foi mostrado), a exploração de estacionamento remunerado, com isenção de qualquer responsabilidade por prejuízos que os usuários ou seus veículos venham a sofrer, principalmente pela culpa in vigilando. Possui o município, como é caso de São Paulo, uma Guarda Municipal e existindo a fiscalização da CET, empresa municipal exploradora da ‘zona azul’, não há escusa para se deixar de ressarcir, quando estes se fazem presentes para multar e engordar as burras do Estado, mas ausentes para garantir a fruição da utilidade disponível a título oneroso.” (COSTA, Leonel Carlos. Da responsabilidade do Município por danos em veículos em estacionamentos ‘zona azul’. Genesis: Revista de Direito Administrativo Aplicado. Nº 19, outubro/dezembro 1998).

Não se venha, doutro lado, dizer que a vantagem auferida pelo Estado, ou no caso, pela permissionária, é transferida à sociedade de outras formas indiretas porque não se trata de tributo, mas sim de preço público conforme pacíficas doutrina e jurisprudência. Como tal, deve trazer uma contrapartida direta e correspondente.

Feito este esclarecimento inicial, tem-se que a apelante — na condição de empresa permissionária de serviço público — faz as vezes do Estado, tendo transferida para si toda a responsabilidade inicialmente atribuída àquele. Isto é o que se dessome da leitura do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal e da cláusula nona do Termo de Permissão de fls. 45/49, que assim dispõe:

“Cláusula nona: O Município exercerá ampla fiscalização dos serviços permissionados, o que em nenhuma hipótese eximirá a Permissionária das responsabilidades fixadas pelo Código Civil e Penal.”

Ademais, analisando-se o Termo supra mencionado, infere-se que se trata de permissão da modalidade bilateral (art. 175, CF), seja porque trata de serviço púbico stricto sensu, seja porque tem prazo determinado, seja porque delegada mediante licitação.

Desta forma, porque tem como objeto a prestação de serviço público, a responsabilidade da empresa permissionária, diferentemente do que ocorre com as permissões em geral, é aquela prevista no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, ou seja, a objetiva.

Neste sentido, leciona Luiz Antônio Rolim em obra recentemente publicada:

“O art. 175, in fine, da CF determina que o objeto da permissão bilateral é a prestação de serviço público, e não de atividade de interesse público. Assim sendo, a responsabilização civil dos permissionários de serviço público pelos danos causados a terceiros será a consubstanciada no § 6º do art. 37 da Lei Magna, ou seja, a responsabilidade objetiva ou responsabilidade sem culpa, na modalidade risco administrativo. Dessa forma, esses permissionários respondem direta e objetivamente pelos danos que seus agentes ou prepostos, nessa qualidade, vierem a causar a terceiros. Nesses casos, a vítima não precisará provar a culpa ou dolo de quem quer seja, bastando somente fazer prova da ocorrência do dano e do nexo causal entre ele e a autoria do evento lesivo.” (Rolim, Luiz Antônio. A administração indireta, as concessonárias e permissionárias em juízo. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2004).

Afigura-se, em conclusão, que os elementos capazes de ensejar a responsabilidade civil da apelante acham-se presentes: o dano evidenciou-se pelo furto do veículo; o nexo causal pelo fato de referido bem estar estacionado em área sujeita a seu controle. Configurados, assim, o dano e o nexo causal, impositivo responsabilizar a apelante.

A jurisprudência orienta-se neste mesmo sentido:

“INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO QUE EXERCE SERVIÇO PÚBLICO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. INCIDÊNCIA DE PRECEITOS CONCERNENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUANTO AO DEVER DE INDENIZAR.

“Tratando-se a CASAN de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos, aplicável a teoria da responsabilidade objetiva, pela qual o direito à indenização independe da demonstração de culpa.” (ACV nº 2002.015164-0, da Capital, rel. Jorge Schaefer Martins)

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – INEXISTÊNCIA DE CULPA E SINALIZAÇÃO EM CONFORMIDADE COM O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – IRRELEVÂNCIA – NEXO CAUSAL EVIDENCIADO – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – INTELIGÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CF

“A responsabilidade civil da empresa concessionária de serviço público é objetiva, eis que fulcrada na teoria do risco administrativo, consubstanciada no art. 37, § 6º, da CF e corroborada pela doutrina e jurisprudência, independentemente de culpa, bastando para caracterizá-la o nexo causal entre a atividade desempenhada pela empresa e o dano causado ao particular.” (ACV nº 02.026942-0, de Blumenau, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento)

De outro norte, ainda que se adotasse posicionamento diverso – como faz parcela da jurisprudência – e se entendesse necessária a comprovação de culpa, esta resta plenamente configurada.

É que sendo inerente ao serviço público de estacionamento rotativo a vigilância dos veículos que ali se encontram, a prova de que a fiscalização não foi feita a contento decorre do simples fato de haver ocorrido o furto. Portanto, ausente a fiscalização que cumpria à apelante realizar, resta configurada – diante de sua omissão culposa – a culpa in vigilando.

Finalmente, no que toca à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, esta restou muito bem fundamentada na sentença hostilizada, que a colocou nos seguintes termos:

“De início, para a análise da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, se faz necessária a configuração da relação de consumo entre a empresa permissionária e o usuário dos serviços por ela prestados.

“Para fins de caracterizar a relação de consumo, o artigo 3º do Diploma Legal em comento, conceitua serviço como: ‘a atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração’. A empresa Soil Park passou a oferecer à comunidade Joinvillense, a partir do termo de permissão obtido junto ao Município, após o procedimento licitatório, um serviço público, mediante pagamento, consoante atesta sua peça contestatória. Tal circunstância, por si só, a enquadra no citado artigo, exigindo a aplicabilidade do CDC ao caso vertente.

“Ademais, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, a remuneração das empresas permissionárias ocorre mediante o pagamento de tarifa, circunstância que corrobora com a aplicabilidade da Lei 8.078/90 (CDC), com todos os seus consectários.

“Tarifa, ou simplesmente preço, outra coisa não é senão a contraprestação paga pelos serviços efetivamente prestados e fruídos pelo particular que o contratou, em razão de um ato de vontade. Não se confunde com o conceito de taxa, que somente alberga as hipóteses constitucionalmente previstas, possuindo natureza tributária e, não admitindo, por conseguinte, a aplicação do CDC.

“O serviço público prestado pela empresa permissionária possibilita a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, posto que a contraprestação para a cobrança dos valores referentes ao tarifado pelo estacionamento consiste na fiscalização dos veículos deixados sob sua guarda, nada obstante as alegações de que a responsabilidade da permissionária consiste apenas no controle do tempo de parqueamento.

“(…)

“Ressalta-se que a partir do disposto no Código de Defesa do Consumidor, tanto os estacionamentos privados quanto os controlados por empresas permissionárias, ensejam o dever de indenizar uma vez verificado o dano e o nexo de causalidade.” (fls. 87/90)

Posto isto, satisfeitos os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, seja sob o prisma objetivo, seja sob o subjetivo, nega-se provimento ao recurso.

III – DECISÃO:

Nos termos do voto relator, a Câmara, após debates, decidiu, por maioria de votos, negar provimento ao recurso, vencido o Desembargador Dionízio Jenczak.

Do julgamento presidido pelo Relator designado, participaram, a Exma. Sra. Desembargadora Salete Silva Sommariva e o Exmo. Sr. Desembargador Dionízio Jenczak.

Florianópolis, 23 de novembro de 2004.

Des. Orli Rodrigues

PRESIDENTE E RELATOR DESIGNADO

Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Dionizio Jenczak:

Ousei divergir da douta maioria pelos seguintes fundamentos:

Trata-se de ação de indenização por furto de veículo ocorrido no centro da cidade de Joinville, em área de estacionamento controlada pela empresa Soil Serviços e Consultoria S/C Ltda., na conhecida ‘Área Azul’.

Insurge-se a ora apelante, por entender descabida a condenação imposta em razão de não haver comprovação do liame etiológico, bem como ausência do dever legal ou contratual de indenizar o furto ocorrido.

A bem-lançada sentença não está a merecer qualquer reparo, porquanto rechaçou fundamentadamente todas as teses expendidas pela ré.

“2.1 – Do contrato de permissão

As alegações da empresa requerida no tocante à isenção da responsabilidade não merecem acolhida, vejamos.

A partir do disposto no art. 37, §6º, da CF foi instituída a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público. Com o advento da teoria objetiva atribui a Constituição Federal a responsabilização daqueles que, no exercício de atividade pública, causarem danos a terceiros, independentemente de dolo ou culpa.

Verifica-se, por conseguinte, a responsabilidade das empresas permissionárias indenizarem por danos causados, em decorrência de ato comissivo ou omissivo, praticado por seus agentes quando do exercício da função pública.

Devidamente caracterizada a existência da responsabilidade civil das empresas permissionárias, vejamos ainda a doutrina de Celso Antonio Bandeira Melo (in Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 13 ed. 2000): ‘O Estado, em princípio, valer-se-ia da permissão justamente quando não desejasse constituir o particular em direitos contra ele, mas em face de terceiros’.

Desta feita, o contrato de permissão não transfere a titularidade do serviço público à empresa permissionária, transferindo a esta tão somente a prestação dos serviços que lhe foram atribuídos pelo Estado, mediante o pagamento de uma tarifa pelo particular quando de sua utilização.

Aduz a ré ser responsável pela implementação, manutenção e operacionalização da rotatividade do estacionamento público localizado nas áreas centrais da região de Joinville. Dita atividade, entretanto, não se esgota a partir da venda do cartão, em razão de não ser um serviço prestado com fins lucrativos, albergando, assim, a atividade fiscalizatória, dentre os serviços colocados à disposição do cidadão.

Não se pode esquecer que seus funcionários, na qualidade de ‘fiscais’ e vendedores dos cartões de controle de horários, circulam permanentemente em zonas previamente estabelecidas pela permissionária, seja para efetuar o controle, como também para aplicar a ‘multa’ devida, caso algum usuário ultrapasse o tempo permitido ou estacione na ‘zona azul’ sem o devido cartão adquirido e corretamente preenchido.

Ora, seria ingênuo, e até mesmo jocoso, imaginarmos que esses prepostos limitam-se apenas a essas poucas atividades cotidianas, descomprometidas, portanto, de qualquer dever de guarda ou vigilância.

Sem dúvida, o usuário-consumidor ao adquirir um cartão de estacionamento ‘zona azul’ e ao parquejar o seu veículo nos termos contratados, assim o faz com a certeza de que seu automóvel está sendo cabalmente fiscalizado pelos prepostos da permissionária do serviço público, ou, em outras palavras, que este veículo durante o período compreendido na cartela, estará sob a vigilância dos prepostos da requerida.

2.2 – Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor

De início, para a análise da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, se faz necessária a configuração da relação de consumo entre a empresa permissionária e o usuário dos serviços por ela prestados.

Para fins de caracterizar a relação de consumo, o artigo 3º do Diploma Legal em comento, conceitua serviço como: ‘a atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração’. A empresa Soil Park passou a oferecer à comunidade Joinvillense, a partir do termo de permissão obtido junto ao Município, após procedimento licitatório, um serviço público, mediante pagamento, consoante atesta a sua peça contestatória. Tal circunstância, por si só, a enquadra no disposto no citado artigo, exigindo a aplicabilidade do CDC ao caso vertente.

Ademais, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, a remuneração das empresas permissionárias ocorre mediante o pagamento de tarifa, circunstância que corrobora a aplicabilidade da Lei 8.078/90 (CDC), com todos os seus consectários.

Tarifa ou simplesmente preço, outra coisa não é senão a contraprestação paga pelos serviços efetivamente prestados e fruídos pelo particular que o contratou, em razão de um ato de vontade. Não se confunde com o conceito de taxa, que somente alberga as hipóteses constitucionalmente previstas, possuindo natureza tributária e, não admitindo, por conseguinte, a aplicação do CDC.

O serviço público prestado pela empresa permissionária possibilita a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, posto que a contraprestação para a cobrança dos valores referentes ao tarifado pelo estacionamento consiste na fiscalização dos veículos deixados sob sua guarda, nada obstante as alegações de que a responsabilidade da permissionária consiste apenas no controle do tempo de parqueamento.

Nos termos do artigo 22 da Lei 8.078/90, as pessoas jurídicas de direito público, e as de direito privado prestadoras de serviço público, podem figurar tanto no pólo ativo quanto no pólo passivo da relação de consumo, da seguinte forma:

‘Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionária, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.’

Parágrafo único: ‘Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados.’

Nesse sentido colhem-se os seguintes julgados:

A remuneração do serviço de parqueamento, sob regime de preço público, é de responsabilidade da empresa permissionária, com aplicação da responsabilidade objetiva, que se distancia de simples falha de segurança pública, respondendo pela ocorrência de furto de automotor em estacionamento destinado a esse fim. O serviço de estacionamento prestado por empresa permissionária não se esgota na venda do talão, mas se estende à garantia de rotatividade e à fiscalização do sistema. A cláusula de ‘não-indenizar’, constante dos cartões de estacionamento, é tida como ineficaz, e, por conseguinte, nula de pleno direito, ante a legislação de proteção ao consumidor. A comprovação de furto de veículo se faz por registro policial e pelo controle de rotatividade mantido pela empresa permissionária, não se exigindo prova escorreita de dúvida, o que levaria a impossibilitar tal indenização’. (TAMG, AC 254.187-7, 3ª C.Civ. Rel. Juiz Dorival G. Pereira, DJMG de 23.09.1998).’

‘A operadora de área de parqueamento concedida pelo município tem a obrigação de reparar o dano decorrente de furto de veículo ali estacionado, dever que advém do descumprimento do contrato independentemente da indagação de culpa (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor). Se o veículo é recuperado em mau estado, em razão de avarias, impõe-se sua completa recuperação, independentemente de seu valor de mercado, pois o lesado não está obrigado a aceitar sua substituição por outro. Recursos desprovidos (TJRJ – AC 1.689/99, Rel. Des. Carlos Raymundo, 5ª C.Civ. j. em 16/03/99).

Considerando-se ainda a aplicabilidade do disposto no CDC à prestação de serviço público por empresa permissionária, a Súmula 130 do STJ, dispõe que: ‘A empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo ocorrido em seu estabelecimento.’

Ao estacionar seu veículo em local pago, o consumidor busca, além da qualidade no préstimo dos serviços, uma contraprestação correspondente à que dispõe nos estacionamentos particulares, qual seja, a segurança contra quaisquer incovenientes.

Ressalta-se que a partir do disposto no Código de Defesa do Consumidor, tanto os estacionamentos privados quanto os controlados por empresas permissionárias, ensejam o dever de indenizar uma vez verificado o dano e o nexo de causalidade.

[…]

2.4 – Do nexo de causalidade

Demonstra o autor a existência do nexo de causalidade entre a atitude omissiva da requerida e o furto do veículo, através do Boletim de Ocorrência às fls. 10.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes entendimentos jurisprudenciais:

‘O boletim de ocorrência de acidente de trânsito, elaborado por agentes da administração pública, goza de presunção juris tantum de veracidade e só pode ser abalado por melhor prova em sentido contrário’ (AC 98.010409-2, de Blumenau, Rel. Des. Nilton Macedo Machado).

É de se salientar que o consumidor não recebe qualquer comprovante dos serviços que lhe foram prestados, o que, por si só, dificulta a prova de encontrar-se o veículo no local do sinistro no momento do furto. Entretanto, a empresa permissionária dispõe de todos os controles referentes ao desenvolvimento de suas atividades. Ademais, estamos diante de responsabilidade civil objetiva, cujo ônus da prova da inexistência da culpa recai exclusivamente sobre o requerido.

Seguradora deve interpelar o segurado antes de suspender contrato

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JURISPRUDÊNCIA –

O simples atraso não basta para desconstituir a relação contratual entre segurado e seguradora de automóveis. A conclusão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo entendimento é o de que, para que se caracterize atraso (mora) no pagamento de prestações relativas ao prêmio, é necessária a interpelação do segurado.

O proprietário do veículo – um caminhão Scania T112 HW 4×2, ano 1990 – fez um contrato com a Companhia Paulista de Seguros, com pagamento do prêmio em sete vezes, mas deixou de pagar as duas últimas prestações, vencidas em 30 de novembro e 31 de dezembro de 1997. Em 13 de janeiro de 1998, ele sofreu um acidente na altura do Km 676 da BR 70, próximo à cidade de Cáceres (MT). Ocorrido o sinistro, o segurado procurou a seguradora. Diante da recusa em ressarcir os danos, ele entrou na Justiça com ação de cobrança, alegando que pagara mais de 70% do prêmio e não recebera nenhuma comunicação judicial de que o contrato de seguro estivesse cancelado devido à falta de pagamento.

Em primeiro grau, a ação foi julgada procedente, mas a decisão foi revista pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual entendeu que a falta de pagamento de parcelas vencidas acarreta a suspensão da cobertura, que só pode ser restabelecida para prevenir eventos futuros, pelo restante do prazo contratual, se pago o valor em atraso.

O entendimento do TJ é que seria "justo e razoável" que, se pagas algumas parcelas ou apenas uma delas com atraso, a seguradora não possa se eximir de cumprir a obrigação contratual. Nesse caso, contudo, o segurado deixou de pagar as duas últimas prestações sem sequer alegar que isso se deu por algum motivo relevante.

Essa decisão levou o proprietário do veículo a recorrer ao STJ, onde o caso foi distribuído ao ministro Humberto Gomes de Barros. Ao apreciar a questão, o relator ressaltou que a Segunda Seção – que reúne a Terceira e a Quarta Turma, responsáveis pelos julgamentos das questões referentes a Direito Privado, já uniformizou a jurisprudência do STJ sobre o tema. Até então a Quarta Turma julgava que a extinção do contrato por inadimplência devia ser requerida em juízo, enquanto a Terceira entendia não ser devida a indenização decorrente de contrato de seguro durante o período de mora, no qual o seguro existe, mas não opera efeitos. Assim, a indenização só seria devida se o pagamento do prêmio fosse efetuado antes da ocorrência do sinistro.

Decisão da autoria do ministro Aldir Passarinho Junior, atual presidente da Seção, uniformizou o entendimento sobre o tema nas duas Turmas de Direito Privado e chegou a uma posição mais flexível. Para ele, já que a via judicial é extremamente onerosa, obrigar a seguradora a, todas as vezes em que houver atraso em uma parcela do prêmio, ingressar com ação para buscar a extinção do contrato é, na prática, o mesmo que lhe impedir o direito de defesa.

"Na compreensão da seguradora, a suspensão se dá automaticamente. Tenho, entretanto, como necessária, porém suficiente, a interpelação feita ao segurado, advertindo-o sobre a mora e a suspensão dos efeitos do contrato até o pagamento, para impedir procedimento lesivo do contratante, sob pena de se estimular o ilegítimo hábito de não pagar, até a eventualidade do acidente e, então, pedir a cobertura com o concomitante recolhimento da parcela inadimplida", afirmou o ministro Aldir Passarinho Junior à época.

Em suma, o ministro, na ocasião, conclui pela dispensa do ajuizamento da ação judicial pela seguradora, admitindo, no entanto, a suspensão do contrato após a interpelação promovida pela contratada ao segurado, colocando-o em mora.

Como, no caso em análise dessa vez pela Terceira Turma , não ocorreu nem a interpelação do segurado para a constituição em mora nem o ajuizamento da ação para rescindir o contrato de seguro, a sentença foi restabelecida para julgar procedente a ação, ficando a seguradora obrigada a ressarcir os danos sofridos com o acidente. Conforme destacado pelo relator em seu voto, a comunicação sobre o cancelamento do contrato só se efetuou após a solicitação da indenização, quando ocorrido o sinistro.

Assim, o ministro Humberto Gomes de Barros seguiu o entendimento da Segunda Seção, segundo o qual "o mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro não importa em desfazimento automático do contrato, para o que se exige, ao menos, a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mediante interpelação".

O “Dossiê da desesperança”

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OPINIÃO –

*Clovis Brasil Pereira

Ao longo da história da humanidade, desde seus primórdios, os homens sempre disseram buscar uma sociedade fraterna, harmônica, sem desigualdades sociais e econômicas, sem preconceitos de raça, língua, religião, etc. 

Paradoxalmente, o tempo foi  passando, e contrapondo-se  aos altos índices de desenvolvimento tecnológico em todas as áreas da atividade humana, vemos estarrecidos, acontecimentos do cotidiano, que mostram uma sociedade doente, fragmentada, dominada pelo medo, afrontada pela pobreza, acuada pela violência. 

Esse é o quadro que lamentavelmente, se apresenta  no Brasil e no mundo, de forma generalizada.   

Entre nós, a cada momento, o que denominamos “dossiê da desesperança” vai se avolumando, colocando em risco a estabilidade da sociedade, atormentando e envergonhando todos os cidadãos  que aspiram o mínimo de equilíbrio e justiça social.  

Os exemplos se multiplicam dia a dia, e os encontramos em todos os segmentos e  matizes sociais. 

Afinal, que país é esse? 

Aonde no Poder Judiciário, a quem cabe a solução dos conflitos e assegurar a paz social, temos juizes  presos por desvios de verbas públicas, por venda de sentenças judiciais à grupos criminosos, ou por assassinato de próprio colega, como revide pela investigação de atividade criminosa que praticava, dentre outros desvios deploráveis. 

Aonde no Ministério Público, a quem cabe fiscalizar o cumprimento da lei  e zelar pelos interesses da sociedade, encontramos integrantes condenados pelo assassinato a sangue frio da própria mulher e seu filho, pequenino ser, que ainda se recolhia no ventre materno, ou ainda, outro que matou um jovem, pela desinteligência em cenas de ciúme, dentre outros casos deploráveis. 

Aonde, entre os advogados, incumbidos da nobre missão de pugnar pelo respeito à liberdade e à vida das pessoas, na sua amplitude maior, encontramos vários exemplos de profissionais que se bandearam para  o lado dos criminosos, envolvendo-se com o narcotráfico, com o roubo, contrabando, corrupção, dentre outros delitos repugnáveis. 

Aonde, no seio das instituições policiais, seja militar, civil ou federal, cujos membros têm por missão manter a ordem pública e garantir a segurança dos cidadãos, vemos grande número de  integrantes envolvidos com quadrilhas especializadas no tráfico de drogas, no roubo de cargas, no contrabando, com grupos de extermínio, seqüestros, enfim, todo o gênero de atividade à margem da lei. Aliás, recentemente a temida Policia Federal apreendeu  2 milhões de dólares, em mais uma operação cinematográfica, onde  desbaratou uma quadrilha que comercializava “boi recheado de cocaína”, e foi literalmente “roubada”, sem que a sociedade tenha recebido uma satisfação convincente do que realmente aconteceu. 

Aonde, entre os políticos, a quem cabe a árdua função de gerir os destinos dos poderes institucionais, democraticamente  constituídos, cujos mandatos foram outorgados pelo povo,   encontramos vários maus exemplos, ora de roubarem literalmente os cofres públicos, fraudarem licitações, receberem favorecimentos,  ora de patrocinarem  o “mensalão”, ora o “mensalinho”. 

Aonde o Banco Central do Brasil, com todo seu poderio, e a quem cabe a organização e fiscalização do sistema financeiro, não consegue guardar em seus cofres R$ 150 milhões de reais, e foi  saqueado em pleno centro de Fortaleza. 

Afinal, que país é esse? 

Aonde a sociedade assiste atônita a desagregação da base familiar. 

Aonde os casais se separam muitas vezes, por banalidades.  

Aonde pais abandonam seus filhos, e onde filhos as vezes matam os próprios pais. 

Aonde, ao lado de escolas que não ensinam, convivem professores que não educam. 

Aonde médicos, baluartes da vida humana, são acusados e presos por pedofilia, abusos sexuais, abortos, erros médicos que cotidianamente se multiplicam. 

Afinal, que país é esse? 

Aonde a infância continua  sem assistência,  sem moradia, sem educação, com fome, submetida ao trabalho escravo em algumas regiões, e jogada à prostituição e à deriva do vício, em tantas outras.  

Aonde  religiosos, encarregados de transmitir a paz espiritual às pessoas, se vêm envolvidos em crimes sexuais, abuso de menores, crimes passionais, ou ainda, explorando e enganando seres humanos, na maioria das vezes fragilizados, e que acabam sendo ludibriadas  em sua boa-fé. 

Aonde temos uma imprensa, que muitas vezes, denuncia sem certeza, faz um sumário de culpa sem provas, julga à revelia os pretensos culpados, e enlameia o nome de pessoas inocentes. 

Ande os criminosos, dentro dos presídios, organizam rebeliões, dão ordens às autoridades constituídas, organizam e comandam seqüestros. 

Aonde os criminosos, fora dos presídios, se multiplicam pelas “Máfias” que todo o dia pipocam pelos mais longínquos recantos do Brasil. Os exemplos são a máfia “do sangue”, máfia da “merenda escolar”, máfia “do INSS”; a máfia “dos tributos”, máfia “dos seguros”,  máfia “dos concursos”; a  máfia “dos combustíveis”, máfia “do mogno”, máfia “do orçamento”; a  máfia “do narcotráfico”, máfia “do lixo”, máfia “do crime organizado”;  a máfia “da venda de órgãos”, máfia “do dendê”, máfia “da  prostituição infantil”; máfia “dos fiscais”, máfia “da adoção de crianças”, máfia “da prostituição internacional”. Desculpem os  mafiosos se esqueci algum “segmento mafioso”, mas se ocorreu, foi involuntário. Agora, mais recentemente, ainda surge a “máfia do apito”, para desassossegar uma das poucas modalidades de lazer, quase uma unanimidade entre os brasileiros, que é o futebol. 

Afinal, que país é esse?  

É triste constatar que seres humanos, tão inteligentes, tendo ao seu alcance, todos os meios para promover o bem da sociedade, sejam protagonistas de um dossiê tão degradante, que denominados “o Dossiê da Desesperança”. 

Afinal,  o que falta à sociedade para  encontrar o melhor caminho? 

Leis, como afirmam alguns, certamente não é.  

Aonde temos uma Constituição Federal que tem como fundamento, a dignidade da pessoa humana (§ 3º, art. 1º). 

Aonde os  direitos individuais são elencados  à exaustão,  no artigo 5º, em seus incisos  I a LXXVII.   

Aonde os direitos sociais, consistentes na educação,  saúde,  trabalho,  moradia,  lazer,  segurança,  previdência social,  proteção à maternidade e à infância,  assistência aos desamparados, são assegurados no artigo 6º,  certamente não precisa de mais leis, mas simplesmente, de cumprir  aquilo que está prescrito como fundamento na Lei Maior. 

É preciso sim,  que o homem, mergulhe no passado, e relembre a lição de Aristóteles, o grande filósofo grego,  para quem o homem é um animal político, e por isso mesmo nasceu para viver em sociedade. 

Urge que a sociedade desperte, e através de seus agentes mais influentes e significativos,  se reorganize, e sem falsas lições de retórica,  se paute pelo caminho da ética,  do amor ao próximo, da fraternidade, do respeito mútuo,  Caso contrario, esse animal político lembrado pelo filósofo grego, não fará jus ao direito de viver em sociedade, e  continuará, isto sim, a engrossar cada vez mais, o “Dossiê da  Desesperança”.

 

Referência  Biográfica

* Clovis Brasil Pereira  –  O autor é advogado, especialista em direito processual civil, mestre em direito,   professor universitário, ministra cursos da ESA – Escola Superior da Advocacia   e  cursos de atualização profissional. É coordenador e editor do site jurídico  www.prolegis.com.br.

E-mail: prof.clovis@terra.com.br

 


Educação: Base Do Bem-Estar Familiar E Social

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OPINIÃO –

*Adriana Agruiar Brotti

A Constituição Federal – lei suprema de nosso país – em seu artigo 227, dispõe que “ é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade , o direito à vida, à saúde , à alimentação , à educação , ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O referido dispositivo deve ser interpretado como um chamamento para a quota de responsabilidade que cada uma dessas instituições tem na formação e desenvolvimento físico, moral, emocional, espiritual e social do ser humano. Estamos diante de uma “parceria educativa” formada pela família, pela sociedade e pelo Estado.

De imediato devemos concentrar todos os nossos esforços no sentido de resgatar a função essencial do núcleo familiar porque é por meio dele que a criança ou adolescente recebem as primeiras lições de suas vidas, o que conseqüentemente irá amoldar sua personalidade e seu comportamento social.

Sabemos que justamente por sua dependência, todo ser humano em desenvolvimento ( criança / adolescente) registra todas as impressões que vivencia em seu ambiente familiar e, ao longo de sua existência, passa a reproduzi-las.

Se foram vivenciadas boas experiências certamente serão reproduzidos comportamentos saudáveis, permitindo o surgimento de novas famílias bem estruturadas, realizadas e felizes. Por outro lado, a experiência inversa pode trazer uma geração de famílias problemáticas, cuja deficiência em sua formação basilar comprometerá seriamente a sociedade como um todo.

Ainda que uma família esteja bem alicerçada quanto aos aspectos morais, intelectuais, emocionais dentre outros, poderá sofrer as conseqüências daquela família que não teve o mesmo histórico. A primeira escola da vida é indiscutivelmente o núcleo familiar e os primeiros professores são os pais.

Tal assertiva deve ser compreendida com muita responsabilidade para que os pais não imaginem que as instituições de ensino devam assumir todo o ônus de ensinar a seus filhos as regras da vida em sociedade.

Como dissemos, dentro da chamada “parceria educativa” cada um deve assumir sua quota de responsabilidade e, no caso das instituições de ensino, tal encargo consiste na boa formação intelectual e cultural de crianças e adolescentes e, por conseqüência, consagra todo o contexto de valores (morais, sociais, religiosos) trazidos de cada lar, de cada núcleo familiar.

Da mesma forma, também o Estado deve promover todas as ações possíveis no sentido de propiciar uma vida mais digna para cada cidadão. Não podemos perder o foco de que os valiosos ensinamentos de solidariedade, de igualdade e respeito às diferenças, da valorização da pessoa e do afeto encontram na família e na sociedade muito mais força que no próprio Estado para sua divulgação e perpetuação.

Se não estamos experimentando aquela sensação de bem-estar diante do panorama atual da sociedade é porque o próprio homem deixou-se envolver pela dinâmica alucinante da vida moderna, rompendo a comunicação com sua própria essência, deixando de reconhecer suas próprias necessidades, fazendo surgir a chamada inversão de valores, trocando-se o “ser” pelo “ter” a qualquer custo.

Considerando que a família é a base da sociedade, na qual hoje prevalece a violência, a falta de ética, de cidadania e o interesse pelos mais diferentes tipos de drogas é sinal que a “família” precisa se transformar. O psiquiatra Içami Tiba, especialista em processos educacionais baseados na Teoria da Integração Relacional (de sua autoria), nos ensina que estar integrado consigo mesmo significa ter saúde física, sentir-se psicologicamente e eticamente bem, capacitar-se para atingir seus objetivos como pai / mãe e ficar receptivo a tudo que possa melhorá-lo ainda mais nessa função.

É indispensável também que se conheça o ecossistema (conhecer todo o contexto que direta ou indiretamente poderá afetar sua família) e, por fim, conhecer bem o próprio filho, o que somente poderá ocorrer por meio da convivência familiar. A educação capaz de promover o bem-estar familiar e social é portanto aquela que nos faz compreender por meio do nosso intelecto e de nossas emoções o verdadeiro significado da dignidade, da liberdade, da igualdade e da justiça.

Para adquirimos essa educação devemos nos conscientizar que estamos vivenciando um momento em que precisamos acreditar no bem, desenvolver bons pensamentos e sermos éticos. Pensar, sentir e agir com ética deve ser o objetivo de cada pessoa para conquistarmos o bem comum: harmonia nos lares e na sociedade. Somos todos educadores em potencial, sempre haverá alguém que se espelha em nossas palavras, em nossas ações, o que deve funcionar como um estímulo para que ofereçamos aos outros sempre o nosso melhor.

Façamos um pacto do bem viver, invocando a proteção de Deus para que possamos acolher e oferecer amor fraternal ao próximo, a começar por aquele que vive conosco sob o mesmo teto. Qualquer ato nosso que cause influência na vida do outro, infalivelmente nos trará alguma conseqüência no futuro.

É tempo de resgatarmos a essência de nossas vidas: dar e receber amor. Sempre.

 


 

Referência Biográfica

ADRIANA AGUIAR BROTTI – Advogada; Presidente da Comissão de Direito de Família da 57ª Subsecção da OAB – Guarulhos e Editora Assistente do Prolegis Site Jurídico.

Neto não tem direito a pensão do avô se pais estão ativos

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JURISPRUDÊNCIA – STF – O Supremo Tribunal Federal não aceitou, por maioria, Mandado de Segurança impetrado contra decisão do Tribunal de Contas da União que determinou à Universidade Federal do Ceará a suspensão do pagamento de pensão de um neto de um servidor. Consta na ação que, por sentença judicial proferida no divórcio dos pais, a guarda do filho foi cedida aos avós paternos. O menor foi registrado pelo avô como dependente legal no quadro de pessoal da universidade. Com a morte do avô, em 1997, o neto pediu o benefício, que foi aceito pela UFC. A quota deveria ser entregue para a avó que manteve guarda. Com a morte dela, em março de 2004, o menor passou a ser o único beneficiário da pensão.

Ao realizar uma auditoria, o TCU, que considerou a capacidade laboral dos pais do menor, afastou o requisito da dependência econômica. Em 2005, cautelar determinou a suspensão dos pagamentos. Os advogados alegavam, no MS, que o ato do TCU violaria os princípios da segurança jurídica, do contraditório e de ampla defesa. Afirmam ainda que o ato dava interpretação subjetiva a requisito objetivo previsto em lei. Por fim, eles afirmaram que, ao suspender o pagamento de verba alimentícia, o TCU teria ignorado situação constituída pela administração pública há mais de sete anos, ofendendo artigo previsto no Estatuto do Servidor Público. preliminar Inicialmente, o ministro Sepúlveda Pertence apresentou petição do presidente do TCU, suscitando preliminar de prejuízo do MS por perda de objeto.

O neto já completou 21 anos de idade. O ministro rejeitou a preliminar, por considerar ser indiferente, para a continuidade ao processo, “a perda do benefício pelo fato do impetrante ter atingido a idade limite”. O mandado discute a legalidade da medida liminar que suspendeu o pagamento da pensão. “Fosse o ato da concessão da pensão considerado legal pelo TCU, no exame do mérito da questão, aí sim, este mandado de segurança perderia o seu objeto”, concluiu o ministro Pertence. A preliminar foi rejeitada por unanimidade pelo Plenário.

Mérito

O relator afirmou então que o ato de concessão da pensão, de competência da autoridade administrativa, ainda não havia sido submetido ao julgamento de legalidade do TCU. Não cabe neste caso a aplicação do prazo de decadência. Para o ministro, também não se pode falar em violação da ampla defesa e do contraditório, “seja por não se tratar de revisão de decisão anterior, seja por ter sido realizada em sede cautelar, quando se admite sua concessão inaudita altera pars”. Mesmo que se alegasse que o neto sofreria dano irreparável com a supressão do pagamento, Pertence afirmou que essa característica não impossibilita a proibição do recebimento, até que seja apurada a legalidade do benefício, principalmente “quando sua retirada não significar o desamparo do pretenso titular”.

O fundamento do TCU para suspender o pagamento está na plena capacidade econômica dos pais, confirmou o relator. “O fato de dar a guarda da criança a outrem não exime os pais do dever de atender às necessidades sentimentais, educacionais e econômicas dos filhos”, continuou Sepúlveda Pertence. Por isso, “considerando que não se pode inferir que a dependência econômica tenha sido a única causa para a concessão da guarda do impetrante aos avós, entendo plausível, na tese, que exige a sua comprovação para o recebimento da pensão temporária”, ressaltou o ministro.

Ao indeferir o MS, Pertence concluiu seu voto afirmando não se comprometer com a orientação do TCU, “tenho-a apenas como suficiente para a adoção da medida cautelar”. Divergência O ministro Marco Aurélio levantou a questão de que o neto está sob guarda do servidor falecido. “Essa circunstância, considerada a legislação de regência, gera a dependência quanto aquele detentor da guarda”. Para o ministro, a Lei 8.112/90, quando trata sobre a guarda, não contém exceção quanto ao direito à pensão temporária, considerado o fato de os genitores, se a guarda é do avô, terem base econômica financeira para manutenção do próprio filho.

Segundo os autos, essa guarda já acontecia antes do divórcio de seus pais. Marco Aurélio foi acompanhado na divergência pelo ministro Cezar Peluso. Os demais ministros votaram com Pertence.

MS 25.409