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CRIMES DE RACISMO: STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo ao reconhecer omissão legislativa

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O Plenário concluiu nesta quinta-feira (13) o julgamento das ações que tratam da matéria e decidiu que, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram na tipificação da Lei do Racismo.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injunção (MI) 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin, foi concluído na tarde desta quinta-feira (13).

Por maioria, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT. Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria. Nesse ponto, ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, por entenderem que a conduta só pode ser punida mediante lei aprovada pelo Legislativo. O ministro Marco Aurélio não reconhecia a mora.

Ministra Cármen Lúcia

Primeira a votar na sessão de hoje, a ministra Cármen Lúcia acompanhou os relatores pela procedência dos pedidos. Ela avaliou que, após tantas mortes, ódio e incitação contra homossexuais, não há como desconhecer a inércia do legislador brasileiro e afirmou que tal omissão é inconstitucional. “A reiteração de atentados decorrentes da homotransfobia revela situação de verdadeira barbárie. Quer-se eliminar o que se parece diferente física, psíquica e sexualmente”, disse.

Para a ministra, a singularidade de cada ser humano não é pretexto para a desigualdade de dignidades e direitos, e a discriminação contra uma pessoa atinge igualmente toda a sociedade. “A tutela dos direitos fundamentais há de ser plena, para que a Constituição não se torne mera folha de papel”, finalizou.

Ricardo Lewandowski

Em seguida, o ministro Ricardo Lewandowski reconheceu a mora legislativa e a necessidade de dar ciência dela ao Congresso Nacional a fim de que seja produzida lei sobre o tema. No entanto, não enquadra a homofobia e a transfobia na Lei do Racismo. Para Lewandowski, é indispensável a existência de lei para que seja viável a punição penal de determinada conduta.

“A extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela norma incriminadora parece-me atentar contra o princípio da reserva legal, que constitui uma garantia fundamental dos cidadãos que promove a segurança jurídica de todos”, afirmou o ministro, citando jurisprudência da Corte nesse sentido. Segundo ele, a Constituição Federal somente admite a lei como fonte formal e direta de regras de direito penal.

Ministro Gilmar Mendes

O ministro Gilmar Mendes acompanhou a maioria dos votos pela procedência das ações. Além de identificar a inércia do Congresso Nacional, ele entendeu que a interpretação apresentada pelos relatores de que a Lei do Racismo também pode alcançar os integrantes da comunidade LGBT é compatível com a Constituição Federal.

Em seu voto, Mendes lembrou que a criminalização da homofobia é necessária em razão dos diversos atos discriminatórios – homicídios, agressões, ameaças – praticados contra homossexuais e que a matéria envolve a proteção constitucional dos direitos fundamentais, das minorias e de liberdades.

Ministro Aurélio Aurélio

Ao votar, o ministro Marco Aurélio não admitiu o mandado de injunção, por considerar inadequada o uso deste instrumento processual na hipótese. Por outro lado, admitiu em parte a ADO, mas não reconheceu a omissão legislativa quanto à criminalização específica da homofobia e da transfobia.

Para o ministro, a Lei do Racismo não pode ser ampliada em razão da taxatividade dos delitos expressamente nela previstos. Ele considerou que a sinalização do STF para a necessária proteção das minorias e dos grupos socialmente vulneráveis, por si só, contribui para uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminação, preservados os limites da separação dos Poderes e da reserva legal em termos penais.

Presidente

Último a votar, o ministro Dias Toffoli acompanhou o ministro Ricardo Lewandowski pela procedência parcial dos pedidos. O presidente da Corte ressaltou que, apesar da divergência na conclusão, todos os votos proferidos repudiam a discriminação, o ódio, o preconceito e a violência por razões de orientação sexual e identidade de gênero. De acordo com Toffoli, com o julgamento, a Corte dá efetividade ao artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal, segundo o qual é objetivo da República promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Conclusão

Por maioria, o Plenário aprovou a tese proposta pelo relator da ADO, ministro Celso de Mello, formulada em três pontos. O primeiro prevê que, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na Lei 7.716/2018 e, no caso de homicídio doloso, constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe. No segundo ponto, a tese prevê que a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio. Finalmente, a tese estabelece que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio.

FONTE:  STF, 13 de junho de 2019

Parecer Jurídico – Julgamento REsp nº 1.340.553/RS e a prescrição intercorrente *Clovis Brasil Pereira

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P  A  R  E  C  E  R        J  U  R  Í  D  I  C  O 

Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO – PRESCRIÇÃO ORDINÁRIA – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – REsp  nº  1.340.553/RS – ARGUIÇÃO  –  NOVAS TESES – INSTRUMENTOS PROCESSUAIS CABÍVEIS

 CONSULTA

Recebemos do CONSULENTE pedido de parecer sobre as seguintes questões, em face da aplicabilidade das teses definidas no julgamento do REsp nº 1.340.553/RS a respeito da prescrição intercorrente dos créditos tributários, com os seguintes questionamentos:

  1. Qual é o regramento contido no CTN a respeito da prescrição;
  2. A respeito da aplicação do Acórdão mencionado aos créditos já ajuizados, em que o devedor não foi ainda citado;
  3. Idem aos créditos ajuizados, em que o devedor foi citado, porém não foram localizados bens penhoráveis;
  4. Quais são os instrumentos processuais cabíveis para o reconhecimento da PRESCRIÇÃO;
  5. Outras observações pertinentes.

RELATÓRIO

O presente PARECER JURÍDICO tem como finalidade esclarecer pontos importantes a respeito da PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE dos créditos tributários, em face do recente julgamento proferido pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.340.553/RS),  que teve como relator o Ministro  Mauro Campbell,  pelo qual foram fixadas novas teses para abordagem do tema, de grande relevância para os contribuintes em geral, que ficam à mercê da morosidade da justiça e da inércia das Fazendas Públicas (Municipal, Estadual ou Federal), que promovem as ações fiscais em massa, e não dão o atendimento necessário para a regular movimentação do processo, ficando milhares de ações dormindo nas prateleiras das Varas Fiscais do Poder Judiciário.

Por outro lado, não pode o jurisdicionado ficar refém dessa inércia, sofrendo as conseqüências da morosidade da justiça e dos efeitos colaterais provocados, tais como restrições cadastrais referendadas pela negativação  do nome do pretenso devedor tributário junto aos bancos de dados (SERASA e SPC), por exemplo que os ajuizamentos provocam.

FUNDAMENTAÇÃO

A prescrição intercorrente é a perda do direito a cobrança do tributo durante o curso do processo devido à inércia continuada e ininterrupta no curso do processo por um período superior àquele em que se verifica a prescrição. Está prevista no artigo 40º, da Lei nº 6.830/80:

Art. 40- O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

  • 1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
  • 2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
  • 3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
  • 4oSe da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
  • 5o A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4odeste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 174,  prevê que a prescrição nas ações de cobrança de crédito tributário ocorre após 5 (cinco) anos, contados da sua constituição definitiva.

O parágrafo único do referido artigo prevê as hipóteses de interrupção da prescrição, in verbis:

I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;

II – pelo protesto judicial;

III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

O recente julgamento do Recurso Repetitivo realizado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.340.553/RS), firmou novos entendimentos acerca da prescrição intercorrente nas execuções fiscais, no  sentido de que:

  • I) O prazo de 1 (um) ano de suspensão previsto no artigo 40, §§ 1º 2º, da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) terá início automaticamente no momento em a Fazenda Pública toma ciência da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis.
  • II) Em execução fiscal de cobrança de dívida ativa de natureza tributária, em que o despacho de citação tenha sido proferido antes do início da vigência da Lei Complementar nº 118/2005, após a citação válida (mesmo que por edital), logo após a primeira tentativa infrutífera de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará a suspensão da execução.
  • III) Em execução fiscal de cobrança dívida ativa de natureza tributária, em que o despacho de citação tenha sido proferido antes do início da vigência da Lei Complementar nº 118/2005 e de qualquer dívida ativa de natureza não tributária, logo após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará a suspensão da execução.
  • IV) Independente de petição da Fazenda Pública e do pronunciamento do juiz, nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão, inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deve ser arquivado sem baixa na distribuição, na forma do artigo 40, §§ 2º, 3º e 4º, da Lei nº 6.830/80, findo o qual o juiz, após ouvir a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
  • V) A efetiva constrição patrimonial e citação (mesmo que por edital) são aptas a causar a interrupção do curso da prescrição intercorrente. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (devendo observar a natureza do crédito) deverão ser processado, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois encontrados os bens e penhorados a qualquer tempo, mesmo depois de escoados os referidos prazos, considera-se suspensa a prescrição intercorrente retroativamente na data do protocolo da petição que requereu a providência infrutífera.
  • VI) A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/1973, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar a nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da Lei nº 6.830/80, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu, exceto quando se tratar da nulidade do termo inicial, em que o prejuízo é presumido.
  • VII) E, por fim, o Magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais utilizados na contagem do prazo, inclusive ao período em que a execução ficou suspensa.

CONCLUSÃO

O julgamento recente do STJ, do Recurso Especial  (RS) nº 1.340.553, cujo Acórdão não ainda publicado (10/10/2018), tem com base a Súmula 314, do STJ que diz: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.

O julgamento referido tende a pacificar o entendimento quando à PRESCRIÇÃO dos créditos tributários, uma vez que tendo sido julgado como RECURSO REPETITIVO,  como tal, será aplicado em todos os casos análogos quer tratem do tema.

A previsão é de que mais de 27.000.000 de processos em andamento, serão extintos com o reconhecimento da PRESCRIÇÃO, o que representa cerca de 20% dos processos judiciais em andamento no pais.

Por fim, a prescrição poderá ser argüida através de dois instrumentos processuais, a saber

a) A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE  é uma forma de defesa que não necessita a apresentação de garantia em Juízo, ou seja, a penhora prévia de bens. É utilizada nas hipóteses em que a nulidade do título possa ser verificada de plano, bem como questões de ordem pública, pertinentes aos pressupostos e às condições da ação, desde que desnecessária a dilação probatória, g. quando o título executivo não é mais exigível (fenômeno da prescrição) e, portanto, não preenche o requisito exigibilidade.

b) OS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL são cabíveis quando já houve a garantia em Juízo, pressuposto essencial para sua interposição, no prazo de 30 dias, contados do depósito, da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia, ou da intimação da penhora. É importante destacar que o Executado, ora Embargante poderá alegar qualquer material útil a sua defesa.

É o parecer sobre o tema tão palpitante, que submetemos ao CONSULENTE,  s. m. j.

Guarulhos (SP), 10  de outubro de 2018.

CLOVIS BRASIL PEREIRA                                      LUCAS DA LUZ PEREIRA

       ADVOGADO                                                               ESTAGIÁRIO

    OAB/SP nº 61.654                                                  OAB/SP  Nº 219.597-E

 

 

A separação de poderes 

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Certamente a teoria da separação dos pdoeres tem desempenhado um primordial papel na configuração do chamado Estado Constitucional. Não obstante, ser separação, sabe-se em verdade que o poder é exercido por vários órgãos, que possuem funções distintas. 

Naturalmente, em razão dessa teoria, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são poderes políticos.  A separação de poderes, em derradeiro passo, visa manter a paz na sociedade e assegurar o gozo da liberdade, evitando a arbitrariedade e autoritarismo, pode estar, nos dias contemporâneos, em cheque, caso não se esclareçam, com melhor precisão as legítimas esferas de atuação de cada poder. 

Originalmente, foi com Aristóteles1, filósofo grego que se tornou célebre por suas obras como a Metafísica, a Física, a Ética a Nicômaco, a Política, Da alma, Da geração e da Corrupção e a Poética. 

 A obra “Constituições” de Aristóteles teve como objeto um estudo histórico e político de todas as formas de governo e de poder existentes na época. Tal observação tomou por a base para Aristóteles elaborar a sua obra mais completa, “A Política”. 

Foi na obra ´”Ética a Nicômaco”, Aristóteles definiu a política como sendo aquela que estrutura as ações e as produções humanas e ensina que a ciência política utiliza as ciências restantes e, mais ainda, legisla sobre o que devemos fazer sobre aquilo de que devemos abster-nos. 

Percebe-se que a ética e a política se encontram intimamente unidas na obra de Aristóteles em que a ética resta subordinada à política, ciência prática arquitetônica que tem por objetivo o bem propriamente humano. 

Aristóteles iniciou seu estudo definindo o homem como animal cívico2, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos.  O homem civilizado é o melhor de todos os animais, porém, aquele que não conhece nem justiça, nem leis é o pior de todos.  

Esse homem se reúne para formar uma sociedade, pois de outro modo não poderia satisfazer suas necessidades físicas e intelectuais. O respeito ao direito forma a base da vida em sociedade e os juízes são seus primeiros órgãos. 

Para Aristóteles, as Constituições possíveis são justas e injustas, sendo as primeiras as que servem ao bem-comum do povo e não só aos governantes e as segundas as que servem ao bem dos governantes e não ao bem-comum. Nesse segundo caso, está-se tratando do perecimento do Estado e da corrupção do regime político.  

As Constituições justas são as divididas em: monarquia, que é o governo deum só que cuida do bem de todos; aristocracia, que é o governo dos virtuosos que cuidam do bem de todos, sem atribuir-se privilégios; república, que é o governo popular que cuida do bem de toda a cidade.  

E as Constituições injustas dividem-se em tirania, que consiste no governo de um só que procura o interesse próprio; oligarquia, definida como o governo dos ricos que procuram unicamente o bem econômico próprio; e democracia que consiste no comando da massa popular em diminuir toda a diferença social. 

Segundo Aristóteles o governo é o exercício do poder supremo do Estado tendo todo governo três Poderes. Definiu quais são os Poderes, a sua estrutura e as suas funções, cabendo ao legislador prudente acomodá-los, da forma mais conveniente, e quando essas três partes estiverem acomodadas é que o governo será bem-sucedido.  

O cidadão será o homem adulto livre e nascido no território da cidade ou do Estado e, também, aquele que participar e votar diretamente nos assuntos políticos dos três poderes3. Ser cidadão é ter Poder Legislativo, Executivo e Judiciário. 

Para Aristóteles, o primeiro Poder é o deliberativo, isto é, aquele que delibera sobre os negócios do Estado. Esse Poder corresponde ao Legislativo, e a Assembleia tem a competência sobre a praz e a guerra, realizar alianças ou rompê-las, fazer as leis e suprimi-las, decretar a pena de morte, de banimento e de confisco, assim como prestar contas aos magistrados. 

O segundo Poder compreende “todas as magistraturas ou poderes constituídos, isto é, aqueles de que o Estado precisa para agir, suas atribuições e a maneira de satisfazê-las” (Aristóteles, 1991). Este Poder corresponde ao Poder Executivo, e é exercido por magistrados governamentais, mas somente os que participassem do poder público é que deveriam assim ser chamados. 

Ensinou que as magistraturas devem ser criadas para se formar um Estado. Quais são absolutamente necessárias para que um Estado possa existir? Quais as que foram criadas para a “boa ordem e para o bem-estar, sem as quais a vida civil não seria muito agradável?” (Aristóteles, 1991). 

Afirmou que a diversidade das formas de governo acarreta alguma diferença entre as funções das magistraturas. Aponta as três questões principais para escolha dos magistrados:  A quem cabe nomear os magistrados? De onde devem ser tirados? E como proceder?  

Respondeu às indagações ensinando que as nomeações serão realizadas por todos cidadãos ou apenas alguns entre eles; a elegibilidade é de todos ou apenas aqueles pertencentes a uma classe determinada, quer pela renda, quer pelo nascimento, quer pelo mérito, quer por alguma outra razão e a designação se dará ou por eleição ou por sorteio.  

O tempo de duração do exercício destas também é discutido e declara que “alguns o pretendem semestral, outros, mais curtos, outros, anual, outros, mais longo.  

Resta também saber se deve haver exercícios perpétuos ou mesmo de longa duração, ou, nem um nem outro; se é preferível, ou que não assumam duas vezes o cargo, mas apenas uma. Quanto à escolha dos magistrados, convém considerar a sua origem, por quem e como devem ser escolhidos, de quantas maneiras isto pode ser feito e qual a que mais convém a cada forma de governo.” 

O terceiro Poder abrange os cargos de jurisdição e, há oito espécies de tribunais e de juízes, quais sejam: os tribunais para apresentação das contas e exame da conduta dos magistrados; as malversações financeiras, os crimes de Estado ou atentados contra a Constituição, as multas contra as pessoas, quer públicas, quer privadas, os contratos de alguma importância entre particulares, os assassínios ou tribunal criminal; os negócios dos estrangeiros e os juízes para os casos mínimos. 

A forma de nomeação pode ser por eleição ou por sorteio. Pra Aristóteles o julgamento acertado ocorre quando uma pessoa julga segundo a verdade. Esse conceito é tratado em termos de julgamento pessoal, mas poderá ser inserido no contexto de quem julga, pois o próprio Aristóteles definiu que “cada homem julga corretamente os assuntos que conhece, e é um bom juiz de tais assuntos. 

Assim, o homem instruído a respeito de um assunto é um bom juiz em relação ao mesmo e, o homem que recebeu uma instrução global é um bom juiz em geral. 

Assim, para o filósofo, é nas Constituições que estão distribuídos ou ordenados os Poderes que existem num Estado, ou seja, a maneira com são divididos, a sede da soberania e o fim a que se propõe a sociedade civil. 

Aristóteles afirmou que o maior bem é o fim da política pois que supera todos os outros. O bem político é a justiça, da qual é inseparável o interesse comum. A Justiça segundo a ética aristotélica é como espécie de igualdade. 

John Locke4, um filósofo inglês do século XVII teve como principais obras são o Primeiro Tratado sobre Governo Civil, o Segundo Tratado sobre Governo Civil, Ensaio sobre o intelecto humano e Cartas sobre a tolerância religiosa. E, a política fora estudada nos seus dois tratados. O primeiro, sobre o governo civil, atacou aquilo que apontou como “falsos princípios5“, sob o fundamento de que o direito divino da monarquia absoluta era baseado na descendência hereditária de Adão e dos patriarcas. 

No Segundo Tratado, sobre o governo civil e outros escritos, o filósofo definiu o estado de natureza como uma condição em que os homens são livres e iguais, uma condição natural dos homens, ou seja, um Estado em que eles sejam absolutamente livres para decidir suas ações, dispor de seus bens e de suas pessoas como bem entendessem, dentro dos limites do direito natural, sem pedir autorização de nenhum outro homem nem depender de sua vontade 

Frise-se que Locke não defendia a permissividade, pois o aludido estado de natureza é regido por um direito natural que se impõe a todos e, com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais, e independentes, ninguém deve lesar o outro em vida, em sua liberdade, ou seus bens.  

Todos os homens são obras de um único Criador todo-poderoso e infinitamente sábio, todos servindo a único senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço. São, portanto sua propriedade, daquele que os fez e que os destinou a durar segundo sua vontade e de mais ninguém. 

Assegura que, no estado de natureza, cada um tem “o poder executivo da lei da natureza” e cada homem é juiz em causa própria. Isso produz confusão e desordem, e a solução para esse impasse é o governo civil (Locke). 

Já no Segundo Tratado, Locke dividiu o poder do Estado em Poder Executivo, Legislativo e Judiciário e garante que tais poderes se convertem em dois. 

A separação de poderes em Locke é uma divisão do poder político soberania6 em duas funções, uma titularizada pela sociedade civil (o legislativo) e outra pela monarquia constitucional (o executivo, conjugado a este o poder federativo, o de prerrogativa e o judicial). Não havia a ideia de limitação do poder pelo poder, e por isso o legislativo figurava como órgão supremo. Não obstante, a relação desses poderes era de harmonia, interdependência e coordenação. 

O Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Federativo. E, a competência desse último Poder é a de administrar a segurança e o interesse público externo e a competência do Poder Executivo é a execução das leis internas. 

E, afirmou que esses dois poderes estão sempre unidos, apesar de serem distintos em si e dificilmente devem ser separados e colocados ao mesmo tempo nas mãos de pessoas distintas, pois submeter a força pública a comandos diferentes resultaria em desordem e ruína. (Locke). 

Para Locke, o Poder Legislativo era o poder supremo em toda comunidade civil, sendo a primeira atribuição a sociedade política criá-lo. Tem como a sua primeira lei natural a própria preservação a sociedade, e na medida em que assim o autorize o poder público de todas as pessoas que nela se encontram. 

“O poder absoluto arbitrário, ou governo sem leis estabelecidas e permanentes, é absolutamente incompatível com as finalidades da sociedade e do governo, aos quais os homens não se submeteriam à custa da liberdade do estado de natureza, senão para preservar suas vidas, liberdades e bens…” 

De acordo com Locke, os limites que se impõem ao Poder Legislativo são quatro, quais sejam: 

1º) as leis devem ser estabelecidas para todos igualmente, e não devem ser modificadas em benefício próprio; 

2º) as leis “só devem ter uma finalidade: o bem do povo”; 

3º) não deve haver imposição “de impostos sobre a propriedade do povo sem que este expresse seu consentimento, individualmente ou através de seus representantes”; 

4º) a competência para legislar não pode ser transferida para outras mãos que não aquelas a quem o povo confiou. 

Locke, in litteris: “Não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis, pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram, e adequar à lei à sua vontade, tanto no momento de fazê-la quanto no ato de sua execução, e ela teria interesses distintos daqueles do resto da comunidade, contrários à finalidade da sociedade e do governo.”  

Locke não tratou o Poder Judiciário7 como “poder genuíno citou Bobbio (1897) e apontou algumas situações de litígio, mas não assinalou o Poder Judiciário como apaziguador dessas situações, por exemplo, quando trata da hipótese de o Poder Executivo estar sendo usado de forma ilegítima e questiona: quem julgará este governante? 

Locke assegurou em sua resposta o direito fundamental da revolução do povo. “Entre um Poder Executivo constituído, detentor desta prerrogativa, e um Legislativo que depende da vontade daquele para se reunir, não pode haver juiz na terra… 

Como não pode existir ninguém entre o Legislativo e o povo, quando o Executivo ou o Legislativo, que têm o poder em suas mãos, planejam ou começam a escravizá-lo ou a destruí-lo. 

Nesse caso, assim como em todos os outros casos em que não houver juiz na terra, o povo não teria outro remédio senão apelar para os céus; assim, quando os governantes exercem um poder que o povo jamais lhes confiou, pois nunca pensou em consentir que alguém pudesse governá-lo visando o seu mal, agem sem direito.” 

Contrariamente à Thomas Hobbes, que entendeu que o afastamento da autoridade soberana provocaria a destruição do Estado e o retorno ao caos do estado de natureza, Locke distingue entre a dissolução da sociedade e a dissolução do governo, pois um governo pode ser dissolvido internamente, e um novo governo ser estabelecido. 

E quando houver litígio entre o governante e um particular, referente as questões não previstas em lei ou de interpretação duvidosa, a solução deve advir de um árbitro do povo, caso contrário, a solução se dará, também pelo direito fundamental de revolta desse mesmo povo. 

Destaque-se que Locke, não existe uma diferença essencial entre o Legislativo e o Judiciário, portanto, este último está incluído no primeiro, isso porque a função do juiz imparcial é exercia pela sociedade política, eminentemente pelos que fazem as leis, porque um juiz só pode ser imparcial se existem leis genéricas, formuladas de modo constante e uniforme para todos. (Bobbio). 

Segundo Bobbio (1897) a teoria de John Locke nada tem a ver com a teoria da separação e do equilíbrio entre os poderes, mas sim, de separação e de subordinação.  

É o que se depreende da afirmação de que o Poder Executivo deve estar subordinado ao Poder Legislativo e de que as ofensas sofridas por algum membro dessa sociedade política serão julgadas por magistrado designado pelo Poder Legislativo ou pelo próprio Poder Legislativo. 

O Barão de La Brède e de Montesquieu8 foi magistrado por doze anos, no período de 1714 a 1726. E, em 24.01.1728, entrou para a Academia Francesa e, entre suas obras estão as Lettres persanes, Le Temple de Gnide, Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência e o Espírito das Leis, esta última de 1748. 

 Trata-se de um manual de política e de Direito Constitucional em que é estudado o governo e a política de forma científica.  

O governo foi classificado em: governo republicano, em que o poder soberano é de todo o povo (democracia) ou somente de uma parcela do povo (aristocracia); governo monárquico, em que somente um governa, por leis fixas e estabelecidas (leis fundamentais); e governo despótico em que somente um governa, mas sem lei e sem regra, satisfazendo a sua vontade e seus caprichos. 

O princípio do agir no governo republicano (democrático e aristocrático) será a virtude, pois “aquele que faz executar as leis sente que está a elas submetido e que suportará o seu peso” (Montesquieu9, 2000); no governo monárquico, será a honra, que pode levar ao objetivo do governo e “o preconceito de cada pessoa e de cada condição toma o lugar da virtude política” (Montesquieu, 2000); e, no governo despótico,  o temor, que acaba “com todas as coragens e apaga o menor sentimento de ambição” (Montesquieu, 2000). 

Cogita-se muito sobre a separação dos poderes ensinada por Montesquieu, em “O Espírito das Leis”, mas foram esquecidos ou perdidos pelo tempo o real conceito e a forma como a separação de poderes se configuravam. O Poder é único e indivisível e para seu exercício era conveniente estabelecer uma divisão de competências entre os três órgãos diferentes do Estado. Montesquieu acentuou mais o equilíbrio do que a separação dos poderes10

Segundo Montesquieu, o Estado é subdividido em três poderes: Legislativo, Executivo e o Poder Executivo dependente do direito civil, que é o poder de julgar. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem ter suas atribuições divididas, para que cada poder limite e impeça o abuso uns dos outros. 

Montesquieu in litteris:” tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado dos Poderes Legislativo e Executivo. Se estivesse unido ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.” 

O Poder Legislativo é o autêntico representante do povo e para tanto firma a dualidade das câmaras: uma confiadas aos nobres e, a segunda confiada aos escolhidos para representar o povo. 

O Poder Executivo deve estar nas mãos de um monarca, porque esta parte do governo, que precisa quase sempre de uma ação mais instantânea, é mais bem administrada por um do que por vários. 

Destacou Vasconcelos que o Poder Judiciário deve ser nulo e invisível, o que nos leva a negativa da tripartição dos poderes. Pois o poder de julgar tão terrível entre os homens, como não está ligado nem a certo estado, nem a certa profissão, torna-se, invisível e nulo. 

Afinal, teme-se a magistratura e não os magistrados. Assevera, realmente, que dos três poderes, o de julgar é, de alguma forma, nulo. Só sobram dois, e, como precisam de um poder regulador para moderá-los, a parte do corpo legislativo que é composto por nobres é muito adequada para produzir esse efeito (Montesquieu, 1794). 

Percebe-se que Montesquieu diferencia os tribunais dos julgamentos, sendo que os primeiros não deverão ser permanentes, enquanto que os segundos devem sê-lo, pois são o “texto preciso da lei”, devendo-se rodear o poder de julgar das maiores cautelas, uma vez que “os juízes da nação são (…) seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor” (Montesquieu, 1797). 

Os poderes políticos, para o pensador francês, são o Poder Executivo e o Poder Legislativo.  Estes vivem em uma balança, procurando o equilíbrio, por meio de duas faculdades: a de impedir, que define como o direito de tornar nula ou anular uma resolução tomada por quem quer que seja; e a de estatuir, que atribui a um órgão constitucional controlar, limitar ou contrabalançar o poder de outro órgão (Piçarra, 198911). 

A separação dos poderes foi associada, por Montesquieu, ao conceito de liberdade e de direitos fundamentais12 e acolhida, pelos revolucionários franceses, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 16: “toda sociedade, onde a garantia dos direitos não esteja assegurada nem a separação dos poderes determinada, não possui Constituição” (Bonavides, 1999)13.  

A separação dos poderes, como limitadora do poder público, pretende favorecer a abstenção do Estado, garantindo o gozo efetivo dos direitos de liberdade perante o Estado. 

Surgida, originalmente, para impor a liberdade e a segurança individuais, a redução do Estado pelo Direito conduziu a que a tripartição se convertesse numa teoria das funções estatais e que cada poder corresponderia a uma função estadual materialmente definida.  

A função legislativa traduzida pela forma como o Estado cria e modifica o ordenamento jurídico, mediante a edição de normas gerais, abstratas e inovadoras; a função jurisdicional se destina à conservação e à tutela do ordenamento jurídico proferindo decisões individuais e concretas, dedutíveis das normas gerais; e a função executiva concretiza-se quando o Estado realiza os seus objetivos, nos limites impostos pelas normas jurídicas (PIÇARRA, 1989). 

A referida classificação se baseia na condição de que o Estado e o Direito se identificam. De fato, Kelsen refutou a essa classificação, definindo que o conceito de separação de poderes e designa princípio de organização política14. Kelsen pressupôs que os chamados três poderes podem ser determinados como três funções distintas e coordenadas do Estado, sendo possível definir as fronteiras de cada uma dessas funções.  

Adiante, constatou-se que não são três, mas apenas duas funções básicas do Estado, a saber: a criação e a aplicação do Direito e que é impossível atribuir a criação do Direito a um órgão e a sua aplicação (execução) a outro, de modo tão exclusivo que nenhum órgão venha a cumprir simultaneamente ambas as funções. (Kelsen, 1972).   

É impossível distinguir material ou intrinsecamente em termos absolutos uma função estatal da outra. E, assim, Kelsen15 desestabilizou a teoria da separação dos poderes, como teoria da diferenciação material das funções do Estado 

A noção de controle, fiscalização e de coordenação recíprocos tornou-se o foco na separação dos poderes. Os controles jurisdicionais da legalidade, da administração e da constitucionalidade da legislação evidenciam o avanço da atuação do Poder Judiciário contrariando os estudos de Montesquieu que lecionava que deveria ser um poder nulo, o da jurisdição. 

O controle jurisdicional constituiu o núcleo central da separação dos poderes no Estado constitucional contemporâneo. Exemplos dessa situação está nas democracias brasileira, estadunidense, alemã e italiana, em que toda lei aprovada pode ser cassada por um órgão do Poder Judiciário.  

Não obstante, na terra natal de Montesquieu, o exame da constitucionalidade somente se dá antes da entrada em vigor da lei, ainda na esfera dos seus projetos, por um Conselho Constitucional de natureza política. 

O pensamento de Montesquieu a respeito dos juízes implementou-se na Constituição Francesa de 1791, que fixou a eletividade e a temporariedade dos juízes, no entanto, a Constituição de 1814 estabeleceu serem os juízes nomeados pelo rei.  

Com o sistema republicano de 1848, foi mantida a designação dos juízes por nomeação, com a indicação feita pelo Presidente da República, tendo garantido aos juízes de primeira instância e dos tribunais a vitaliciedade. A atual Constituição Francesa trata de “autoridade judiciária” e não de “Poder Judiciário. 

De fato, a separação dos poderes foi prevista pela Constituição Federal brasileira de 1988 sob uma cláusula pétrea, conforme consta no artigo 60, §4º, III. Indaga-se o teor que abrange o conceito da separação de poderes.  

Nesses últimos tempos, desde a publicação de o Espírito das Leis, onde a doutrina16 fora afirmada, muitas e diversas concepções vieram à luz e foram até consagradas pelo nosso direito constitucional positivo. 

Reconhece-se que as constituições evoluíram e ainda evoluem, e, em alguns pontos, deu-se autêntica mutação no período de 1988 a 2014.  

Numa formulação clássica17 das separações dos poderes, depois sua concretização dentro do direito constitucional brasileiro, particularmente, pelo texto constitucional de 1988, e ainda, sua essencial significância, numa visão contemporânea, em face do adotado modelo democrático consagrado no Brasil atual. 

A separação de poderes no Brasil foi adotada e aplicada historicamente de forma estanque, sob o enfoque de uma divisão orgânica quanto de uma divisão funcional. Antes de 1988, o período foi marcado pelo forte papel delegado ao Chefe do Poder Executivo Federal. Apesar de haver instrumentos institucionais como as eleições censitárias, indiretas, diretas e, etc.  

E, o papel do Presidente da República que sempre fora destacado, mostrando que o Executivo devorava os demais poderes, salvo exceções como o breve período de parlamentarismo da década de sessenta, onde a divisão de funções foi mais aparente do que propriamente real. 

Existe uma controvérsia sobre a origem da separação dos poderes alguns doutrinadores ainda na Antiguidade, e outros estudiosos somente a enxergam na modernidade, porém, entre os adeptos de uma ou outra tese doutrinária, em geral, se digladiam. 

Há estudiosos que afirmam que a separação dos poderes já existia a obra de Aristóteles, enquanto existem outros que a entendem como arranjo empírico que o filósofo sistematizou. 

Numerosos juristas apontam que surgiu na obra de John Locke, a que se opõem os que adotam a noção de ter sido formulada pela primeira vez por Montesquieu, no Espírito das Leis. Já em Aristóteles, na Política, existe a plena distinção de três funções exercidas na polis, ou no Estado lato sensu. São uma função deliberativa, uma função executiva e uma função judicial.  

In casu, ele se inspira na organização da república ateniense, em que, grosso modo, a Assembleia dos  

cidadãos deliberava sobre as grandes questões, como paz e guerra; magistrados desempenhavam as tarefas concretas que são inerentes a uma unidade política; e os tribunais julgavam os litígios e puniam os criminosos.  

A função deliberativa, contudo, não se limitava a estabelecer “leis”, embora o pudesse fazer, sempre respeitando o Direito – este visto como supremo e imutável. Era evidentemente mais ampla.  

Ademais, em nenhum momento o pensador recomenda a separação no exercício das três funções que identifica.  Em verdade, a ideia de dividir o exercício do Poder em prol da boa governança parece provir da república romana, com o seu sistema de contraposição de poderes – o do Senado, o dos cônsules, o do povo nos comitia.   

Na obra de John Locke, intitulada “Segundo Tratado do Governo Civil”, no fim do século XVII que fora inspirada nas instituições inglesas, onde também se distingue três funções, a saber: a legislativa, a executiva e a federativa. Na primeira, inclui ele não apenas a obra do legislador, mas igualmente a do juiz. Isto corresponde à criação do statute law por aquele, do common law por este.  

A respeito da função federativa que tem por objetivo as relações internacionais, que normalmente se entabulam por meio de alianças – aliança, em latim foedus, foederis.  

E se ele recomenda a separação entre exercício da função legislativa e o das duas outras funções, entende que estas últimas devem ser confiadas ao mesmo órgão, pois ambas importam na força armada e a divisão desta é perigosa fonte de conflitos. Muito ele contribuiu para a formulação da doutrina da separação dos poderes, mas lhe cabe a honra de haver estabelecido a doutrina clássica.  

Inclusive, é a ele devida a ênfase na indelegabilidade das funções. Foi com a lavra de Montesquieu e sua obra que efetivamente nasceu a doutrina da separação dos poderes, marcada pela divisão funcional do poder em face da liberdade e segurança individuais. 

A propósito, no capítulo VI, Da Constituição da Inglaterra, do Livro XI da referida obra, intitulada Das Leis que formam a liberdade política em sua relação com a constituição, claramente, expôs as três funções que tanto identificam o Estado, a de estabelecer as leis, ou seja, a função legislativa; a de executar, que depende do direito das gentes, ou função executiva e, a de julgar e executar o que depende do direito, a função judiciária.  

E, tais funções cujo exercício deve caber aos Poderes diferentes, como condição da liberdade e da segurança da pessoa humana. 

De fato, essa separação produziria um sistema de freios e contrapesos, um sistema de equilíbrio, em que o Poder deteria o (outro) Poder, impedindo o abuso. Mais, pelo “movimento natural das coisas”, obrigá-los-ia a atuar de acordo – “aller de concert”. Indubitavelmente, aí está o cerne da doutrina da separação dos poderes.  

Essa formulação, Montesquieu encontra na Inglaterra. Ela, porém, não é coetânea do livro (1748), mas, sim, do início do século XVIII, depois que o Act of Settlement de 1701 assegurou a independência dos juízes, tendo sido a do Parlamento consagrada pelo Bill of Rights de 168918.  

Isto sugere que ele, conforme autorizados intérpretes (entre os quais Jean-Jacques Chevallier19) entendem, põe o que veio a ser conhecido por separação dos poderes como uma receita de arte política, tendo em vista a transformação política desejável para a França. 

No Espírito das Leis, é uma visão política que é dada à ideia de separação dos poderes.  Isto, com efeito, transparece da necessidade de entendimento, de conciliação, entre os Poderes, o que evidentemente exclui a prevalência de qualquer destes sobre os demais.  

Ele aponta que os Poderes teriam de caminhar “de concerto”, pois do contrário ocorreria um “repouso ou inação” que se chocaria com “o movimento necessário das coisas.” 

 Ora, essa paralisia não ocorreria numa concepção jurídica em que a legislação tem primazia e determina a ação dos demais Poderes.  

Na verdade, pode-se salientar, com Mauro Barberis20, que três ideias são inerentes à concepção da separação dos poderes tal qual a exprime Montesquieu.  São estas: 1) no Estado, três funções são essenciais:  a de dar a lei, a exercer a governança dentro da lei, mormente executando a lei, e a de julgar a conduta dos indivíduos e os litígios em geral, segundo a lei e de modo objetivo e imparcial.  

Ou seja, a legiferação, a administração e a jurisdição – distinção de funções;  

2) estas funções não devem estar nas mãos de um só órgão ou poder, mas devem estar distribuídas entre ao menos três Poderes diferentes – divisão de funções;  

3) Estes Poderes devem estar em condições de independência (e relativo) equilíbrio, para que cada Poder possa deter, se preciso for, outro ou outros Poderes – são os freios e contrapesos21 – a “balance of Power” dos doutrinadores anglófonos. 

Ademais, que, ao contrário do que muitos pretendem, inclusive para criticar a doutrina, Montesquieu não supõe que as três funções sejam cientificamente distintas – elas não o são, como tantos já o demonstraram – nem que cada Poder tenha a exclusividade no exercício de uma delas.  

Ao contrário, está evidente na obra que podem colaborar numa função, do que é exemplo a elaboração da lei, em que ele distingue a faculté de statuer da faculté d’empêcher. Aquela é reservada ao Poder Legislativo, esta cabe ao Executivo, contudo não haverá lei sem com o estatuído não estiver de acordo este derradeiro Poder. 

A finalidade da separação dos poderes é o estabelecimento de governo limitado, moderado e respeitoso aos direitos fundamentais e apto à realização do interesse geral. Conforme está no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, é estar inerente à verdadeira Constituição, portanto, imprescindível ao constitucionalismo. 

A aplicação da separação dos poderes não foi, na França pós-1789, a do concerto, do entendimento, mas do conflito entre o Executivo, então o monarca, e o Legislativo, com a preponderância da representação popular.  

Em vista disso, é que Benjamin Constant22, pouco mais tarde, entendeu preciso acrescentar aos Poderes previstos por Montesquieu, um quarto, o Poder Neutro23, que iria marcar a Constituição brasileira de 1824, nela designado de Poder Moderador.  

Este um árbitro de conflitos entre Poderes, um guia para mantê-los na direção do bem comum. Sempre, portanto, uma visão política da separação dos poderes. 

Ao longo do século XIX, a concepção jurisdicista de separação de poderes adveio e, prevaleceu. Fora desenvolvida pelo positivismo jurídico24, para o qual todo o direito se resumiria ao direito positivo. Isto é, que todo o direito proviria da lei, sendo esta criada pelo Legislativo. 

Trata-se de uma interpretação estreita e limitada do direito em geral e da doutrina a lei, adotada por tal corrente. E, seu êxito, deu-se por ajustar a preeminência do único poder de origem popular, que foi, nos primeiros momentos do constitucionalismo, o Legislativo. 

A consequência de tal doutrina é a conclusão de existir diferença substantiva entre as três funções, legislação, administração e jurisdição. 

Em razão desta diferença, gerações de juristas desenvolveram sutilezas autênticas e merecedoras da escolástica. Afinal, a doutrina positivista da separação sobrevive até os presentes dias e, ainda, é a principal marca do Estado de Direito que é presidido pelo princípio da legalidade.  

Pelo mundo afora, tal princípio não mais corresponde a simples prevalência da lei formal, porém, admite em lugar desta, os atos com força de lei, isto é, os atos normativos primários provenientes do Executivo. 

Mais tarde, com a transformação neoconstitucionalista25 do Estado de Direito, veio a se enfatizar a prevalência do Direito, visto como moral sobre os instrumentos formais de sua expressão. 

Onde o que é justo deve determinar para todos, as ações e proibições O que reflete o papel criador do Judiciário, criando a partir dos princípios para os casos concretos que vem a apreciar.  

Há inequívoco entendimento, seja para a democracia, seja para o Estado de Direito, que exprime nas ideias de Constituição aberta e da preeminência dos princípios sobre as regras, contemporaneamente destacados por doutrina substancialista e que pretende ser pós-positivista e pós-moderna. 

Em verdade a ideia de prevalência do justo (jus quia justum) sobre o direito legislado (jus quia jussum) profundas raízes que se manifestam desde a Antiguidade e estão presentes quando do nascimento do constitucionalismo.  

Não invoca este a qualidade de direitos naturais àqueles que incumbe ao Estado garantir? A separação dos poderes no direito constitucional brasileiro. Cabe relembrar o perfil da separação de poderes nas Constituições brasileiras anteriores à ora vigente, e que vem iluminar diversos aspectos da vigente institucionalização. 

Se a separação dos poderes está presente em todas as Constituições brasileiras, nem sempre foi ela posta em termos ortodoxos. Ou seja, com os três Poderes clássicos, independente e harmônicos, vedada de modo absoluto a delegação de atribuições. 

Tal versão ortodoxa não prevaleceu senão na vigência da Constituição de 1891 e sob a Carta Magna de 1946. Quando o artigo 15 previa que serem órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário independentes e harmônicos entre si.  

Adiante, no artigo 36, caput, da segunda repetia esse texto, mas acrescentava em parágrafos, por um lado, que o cidadão investido num deles não poderia exercer função noutro, por outro, ser vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.  

Ressalve-se, porém, que,  no período que vai da Emenda Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 1961, à de nº 6,  de 23 de janeiro de 1963, ou seja, no período parlamentarista, a separação dos poderes  deixou de lado a ortodoxia, já pela índole do regime, já por haver previsto a delegação  do poder de legislar ao Executivo sob as duas Constituições, todavia, houve a prevalência  do Presidente da República, portanto do Executivo, mais atenuada ao tempo da segunda,  mais intensa ao tempo da primeira. 

Então, observou-se que todas as Constituições brasileiras adotaram as fórmulas heterodoxas de separação dos poderes, exceto a Carta de 193726, a Polaca que adotou o seu oposto.  

E, a Constituição Imperial de 1824 seguiu a lição deixada por Constant e ainda previa além dos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), um quarto poder, o Poder Moderador (artigo 10). Afirma-se ser esta a chave de toda organização política, sendo delegado privativamente ao Imperador. E, a este também cabia o Poder Executivo que o exerceria acompanhado por seus ministros (artigo 102). 

No Primeiro Império, o Imperador reinou e governou. No Segundo Império, a partir de 1840, instaurou-se um parlamentarismo27, em que, todavia, o poder moderador é que determinava a alternância dos gabinetes.  

A Constituição de 1934, logo no art. 3º, consagrou a separação dos poderes, em termos muito próximos do que fizera a de 1891. Entretanto, sob essa aparência ortodoxa, previa um papel heterodoxo para o Senado Federal. Este, além de colaborar com a Câmara dos Deputados (art. 22), seria um órgão de coordenação entre os Poderes.  

Com efeito, segundo o art. 88, caber-lhe-ia “promover a coordenação dos poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura de leis” …  

Assim, era-lhe destinado um papel, atenuado embora, de Poder moderador.  Foi, de fato, breve em demasia a vigência dessa Constituição para que se possa avaliar seus méritos ou deméritos.  Certamente, porém, não eliminou a prevalência do Executivo sobre os outros Poderes. Tal preponderância, aliás, se acentuou depois das Emendas de 1935 que conferiram extraordinários, “poderes de guerra” ao chefe do Governo.  

A Constituição de 1967 e sua revisão pela Emenda nº 1/1969 adotou a separação dos poderes, mas abandonou a indelegabilidade do poder de legislar (art. 6º). Com efeito, admitiu-se nelas a lei delegada, bem como o decreto-lei, inspirando-se nitidamente na Constituição italiana (art. 46). 

Tais textos constitucionais recobriram o denominado período militar, onde havia a habitual prevalência do Presidente da República que gozava de poderes excepcionais, tais como ser o Chefe da Revolução. Que propriamente se iniciou esmo antes da edição a Constituição de 24 de janeiro, com o Ato Institucional de 9 de abril de 1964. 

Tal situação anômala cessou brevemente, no período de 15 de março de 1967 a 13 de dezembro de 1968 quando pelo Ato Institucional 528, voltou e até com maior pujança depois deste. Somente se alterou o quadro com a revogação dos Atos Institucionais pela Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978, entrada em vigor em 1º de janeiro de 1979, mas de fato perdurou até a posse do Pres. Sarney, em 15 de março de 1985.  

Estipulou-se com esta o período de transição, que levaria à Constituição Federal em vigor, obra do Congresso constituinte, operante em 1987/1988.  

A Carta outorgada de 1937 não teve efetividade, nem tendo ocorrido o “plebiscito” ratificatório que previa, embora fosse declarada em vigor desde sua promulgação (art. 187), nem havendo sido constituído o Parlamento nacional que previa.  

Foi, na terminologia de Loewenstein, uma Constituição “semântica”29, servindo de mera capa para um poder pessoal.  O seu exame, porém, merece atenção por adotar exatamente a posição oposta à da separação. 

Se o texto constitucional distinguia o Legislativo e Judiciário, não cogitava de Executivo, e, positivamente, do Presidente da República tido como autoridade suprema do Estado, tendo as tarefas de coordenar a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, de dirigir, a política interna e externa, de promover ou orientar a política legislativa de interesse nacional e de superintender a administração do país (artigo 73). 

Quanto a legisferação, gozava também do poder de iniciativa geral, o que os membros do Parlamento só teriam condição de fazê-lo em ato coletivo, subscrito por um terço dos integrantes de uma de suas câmaras.  

Tal iniciativa seria exclusiva no tocante a leis que importassem em despesa pública ou normas tributárias. E, ainda possuía o veto, superável embora por dois terços dos membros de cada uma das casas do Parlamento. Gozava do poder de editar decretos-leis, desde que autorizado pelo Parlamento (art. 12), bem como de regulamentar as leis.  

É preciso, todavia, apontar que o art. 11 prescrevia que a lei, “quando de iniciativa do Parlamento”, disporia apenas sobre sua matéria, substância e princípios, devendo ser complementada pelo regulamento a ela relativo.  

E, mais, poderia, em caso de declaração de inconstitucionalidade pelo Judiciário, solicitar a reapreciação da lei pelo Parlamento que pela maioria absoluta de votos de cada câmara, caso em que a declaração ficaria sem efeito (art. 96, parágrafo único). Decorre claramente deste exame que a “constituição” concentrava nas mãos do Presidente da República o cerne do poder.  

Na realidade política, o Presidente da República possuía, durante o Estado Novo que essa Carta pretendia institucionalizar, um poder absoluto. Não tendo sido realizado o plebiscito, não tendo sido eleito o Parlamento, o Presidente da República, com base no art. 180, dispunha do poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias de competência legislativa da União.  

Era ele o Executivo, o Legislativo e podia suplantar declarações judiciais de inconstitucionalidade por meio de ato seu, dada a inexistência de fato do Legislativo. Destarte, era também senhor da Constituição. Seguramente, era um ditador, na acepção moderna e plena do termo. 

Há dois ângulos de interpretação da separação dos poderes no texto constitucional vigente. Um ângulo é a exegese de seu texto no que interessa à separação dos poderes. Já, para outro ângulo, refere-se apontar a realidade, isto é, em face da ordem jurídica vigente que se efetiva nos dias que correm.  

Eis que nos assombra a preocupação de que as Constituições se modificaram com o passar do tempo, em razão da jurisprudência, de leis infraconstitucionais, da doutrina jurídica, das ideologias políticas e da cultura. 

Em verdade, a Constituição vigente no que se refere à separação dos poderes em pouco difere das anteriores. Porém, se destacou além das demais, na medida em que inclui a separação dos poderes entre matérias, cuja abolição não pode sequer ser objeto de deliberação, mesmo em sede de Emenda Constitucional, vide o artigo 60, §3º. 

A real significância e alcance de tal proibição podem provocar polêmica doutrinária. Pois é imprecisa a delimitação do que seja a separação dos poderes na Constituição em vigor. 

Aliás, é o que se depreende dos textos constitucionais brasileiros anteriores, a delegação de legislar sobre matéria determinada pelo Legislativo em favor do Executivo, ou seja,  a lei delegada – o que foi admitido mesmo na vigência da Constituição de 1946, pela Emenda  parlamentarista, a Emenda nº 4/1961 – ou atribuição de poder normativo com força de lei,  como já estava na Constituição de 1967 e na sua reformulação pela Emenda nº 1/1969, ou seja,  o decreto-lei30, não eram tidos como contrários a esse princípio.  

Assim, desde logo é forçoso admitir que a separação dos poderes, na Constituição em vigor, que prevê lei delegada e, em substituição, sobretudo, de designação, a medida provisória, não é a da doutrina clássica.  

É certamente um arranjo em que, em princípio, cabe ao Legislativo gerar atos normativos com força de lei, ao Executivo, administrar, e ao Judiciário, julgar, salvo prescrição constitucional  que não deve ser presumida  em contrário.  

Ademais, importa, em nome da tradição republicana, que haja certos controles por parte do Legislativo sobre o Executivo relativamente a atos de importância política primordial – do nível de instauração do estado de guerra ou da suspensão de garantias individuais.  

Mas isto é impreciso e variável, como ocorre com todos os princípios que são, na doutrina de Robert Alexy31 e outros, mandados de otimização. Referindo ainda opinião deste, deve-se apontar que um princípio não é ferido, enquanto seu núcleo essencial é preservado (o que supõe ser possível com relação a princípios frequentemente compreendidos de modo muito diferente conforme a cultura do povo, e as diversas ideologias).  

É deste ângulo de visão que o Supremo Tribunal Federal entendeu, pela voz do Ministro Sepúlveda Pertence, que a inamovibilidade prevista no art. 60, § 3º, admite a mudança dos preceitos que se desenvolvem a partir das cláusulas “pétreas”, mesmo quando constitucionalizados. 

Ainda em análise da Constituição em vigor, o art. 2º já enuncia o perfil da separação de poderes, tal qual ela é usualmente entendida: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.  

É exatamente a redação do art. 36 da Lei Magna e quase igual à de 1967 e 1969, art. 6º. Não se repete a proibição de delegação de atribuições, o que é coerente, em face da lei delegada, mas estava expresso nas Leis Magnas anteriores, mesmo quando admitiam tal espécie de lei como a de 1946, enquanto vigente a Emenda nº 4/1961 – a de 1967 e o texto de 1969.  

Nem se reproduz a de que o integrante de um dos Poderes se invista em função de outro, o que estava nos diplomas de 1946 (art. 36, § 1º), 1967 (art. 6º, parágrafo único), 1969 (idem).  

Trata-se de lógica, porque o deputado ou senador pode ser investido da função de Ministro e outras (obviamente integrantes do Executivo) – sem perder o mandato (art. 56, I), o que, aliás, já era autorizado pelos textos anteriores. 

Eis que se consagra uma separação de poderes heterodoxa e, no que tange à distribuição de competências, o legislativo tem em mãos, em geral, a função legislativa, a este são atribuídas muitas outras que, por sua natureza preponderante, seria a seara administrativa, tais como autorizações a aprovações conforme os artigos 48 e 49 CF/1988.  

Igualmente, possui este a competência para, por meio do Senado Federal, processar e julgar crimes, no caso os de responsabilidade. Ademais, ele exerce a função administrativa, relativamente à sua organização interna e seus serviços.  

É também cediço observar que o Executivo, conquanto exerça as tarefas inerentes à função de administrar, não a abrange por inteiro, eis que o Legislativo administra e o Judiciário também o faz quanto a seus serviços.  

Ele legifera, ao menos quando autorizado pelo Legislativo, caso da lei delegada, afora a hipótese de organizar a administração e regular-lhe o funcionamento, inclusive extinguindo cargos públicos vagos por decretos autônomos (art. 84, VI, “a” e “b”).  

Igualmente, edita medidas provisórias com força de lei (art. 62). Certamente ele só não julga, na medida em que o contencioso administrativo, no quadro brasileiro, como o fazendário, não decide definitivamente os litígios.  

O Judiciário, a seu turno, possui como já se indicou, competências administrativas. Vale, analisando sumariamente o texto sobre o processo legislativo, sublinhar alguns pontos. 

Concernente à iniciativa que é, de modo geral, partilhada entre Executivo, o Presidente da República e, os membros do Congresso Nacional, ou suas comissões. Também as possuem, porém, no âmbito de sua estruturação interna e a de seus serviços, o Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e os Tribunais de Justiça (artigo 96, II) e o Ministério Público quanto à sua organização, atribuições e estatuto (art. 128, § 5º). Também é admitida a iniciativa popular (art. 61, § 2º).  

O que de se sublinhar não esse fenômeno que é antigo e bem conhecido, mas a peculiaridade de que o Executivo tem competência em matérias a ele privativas, o que, portanto, exclui iniciativa dos membros do Legislativo (art. 61, § 1º).  

Note-se, ainda, que a Constituição dá ao Presidente da República a iniciativa de Emendas constitucionais, o que só veio a ser permitido no direito brasileiro pelos Atos Institucionais e, depois, pela Constituição do período militar. Quanto à deliberação, esta cabe exclusivamente ao Congresso Nacional, titular do Poder Legislativo.  

Nela, todavia, pode influir o Executivo, por meio da solicitação de urgência para projetos de sua iniciativa (art. 64, § 1º e seguintes). Isto adstringe as Câmaras a se manifestarem em prazo limitado, na deliberação geral em quarenta e cinco dias.  

Caso contrário, ficarão sobrestadas todas as deliberações legislativas da Casas, salvo as que tiverem prazo constitucional prefixado, até que sejam votadas.  

Ademais, cabe ao Presidente da República o poder de vetar, no todo ou em parte, os projetos aprovados pelo Congresso Nacional, com fundamento em inconstitucionalidade ou inconveniência (contrariedade ao interesse público). Esse veto, porém, é superável em nova deliberação das Casas de Congresso Nacional, desde que tal rejeição conte com o voto da maioria absoluta dos membros e cada uma delas (art. 64). 

Cumpre destacar as Medidas Provisórias que foram adotadas em nítida substituição ao Decreto-Lei da Constituição brasileira anterior, como um odo entulhos autoritários e, quanto à estas, porém, é necessário registrar que o texto constitucional primitivo e o texto mais recente, decorrente da Emenda Constitucional 32 de 2001. 

Em ambos os textos, a medida provisória é um ato normativo editado pelo Presidente da República, que tem de ser submetido a uma conversão em lei pelo Congresso Nacional. Pode-se afirmar que seu perfil seria o de um projeto de lei de eficácia antecipada.  

Em ambos, de fato, tem esta eficácia imediata, prevendo-se a perda desta, de modo retroativo desde sua edição (desfazimento ex tunc), se não for convertida em lei em prazo determinado.  

Era este, na redação primeira, de trinta dias, na atualmente vigente de sessenta dias, prorrogáveis uma única vez. Acrescente-se que, nas duas redações, a sua edição é sujeita à condição de “relevância e urgência. Enfim, o texto de 1988 não enumerava matérias a esta proibidas, enquanto o texto em vigor as veda em relação a vários temas.  

O texto promulgado em 1988 não previa a hipótese de sua reedição, caso não aprovada a medida no prazo de trinta dias. Foi aceita, todavia, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a prática dessa reiteração sem limite de oportunidades, o que as tornava como que permanentes, às vezes com pequenas modificações, outras vezes com modificações profundas, a dano da segurança jurídica. 

 Outrossim, de modo geral, a jurisprudência não examinava a ocorrência da urgência e da relevância, considerando-as de avaliação política e discricionária do chefe do Governo. 

 A prática das medidas provisórias, editadas sobre as mais variadas matérias, reiteradas uma infinidade de vezes, ferindo, no plano jurídico, a segurança, no plano político, a função legislativa do Congresso Nacional, provou fortes críticas, bem como inúmeras tentativas de restringir o seu uso. Isto é que levou à Emenda Constitucional nº 32/200132.  

Esta, além das diferenças já apontadas e outras de menor importância, proibiu a renovação da medida após o decurso do prazo de prorrogação, na mesma sessão legislativa.  

Em contrapartida, determinou fossem sobrestadas as deliberações legislativas até sua apreciação na Casa em que estiver tramitando. Certamente, tudo isto veio a restringir o alcance deste instrumento normativo, não seu peso político, a que adiante se voltará. 

Em nossa pobre realidade brasileira, a separação dos poderes praticada é caracterizada pela preponderância do Executivo, ou seja, do Presidente da República, isto é, do Executivo.  Aliás, a preeminência do Executivo é fenômeno presente na contemporaneidade e em todo mundo.  

Mas, em verdade, tal proeminência do Executivo é incorporada pelo Presidente da República, advinda por sua legitimidade democrática, encarecida pela eleição direta em dois turnos, o que traduz que fora escolhido pela maioria absoluta do povo brasileiro. 

Por outro viés, o da cultura política nacional, pois para essa maioria, em preponderam os carentes, é se revela em ser milagroso, senão o demiurgo que poderá, enfim, trazer o bem-estar a todos. 

Essa visão cultural tem sua razão de ser, quando se examinam os papéis que, na realidade, são confiados ao Presidente da República, pelo direito brasileiro.  

Não será de bom gosto a comparação, mas é forçoso apontar que a Carta de 1937 bem caracterizou o Presidente como agente político. Esta, no art. 73, o previa “autoridade suprema do Estado”, e este o é hoje em diante, para todos os efeitos práticos.  

Caber-lhe-ia dirigir “a política interna e externa” do país, e ele o faz; promover ou orientar a “política legislativa de interesse nacional”, ele o tem feito, como autor da esmagadora maioria das leis que vem sendo promulgadas; teria a tarefa de superintender “a administração do país”, e a Constituição a ele a confere.  

E, a Carta do Estado Novo33, na sua letra, lhe atribuía o poder de editar decretos-leis, desde que autorizado pelo Parlamento (art. 12), o que hoje se dá pela chamada lei delegada, e, sem autorização, pela medida provisória.  

O que então não se mencionava, nem se imaginava, é que fosse também o Presidente da República o comandante da economia nacional.   

Sim, porque ele o é, na medida em que a política financeira é capitaneada pelo Banco Central que ele rege ainda que indiretamente; que a política econômica depende da política financeira quanto aos juros, de estímulos, que vêm ou não de sua boa vontade, e dependem de financiamentos que procedem muitas vezes do BNDES ou do Banco do Brasil, que são “seus”.  

Acrescente-se, ainda, a este último ponto o peso que têm a Petrobrás e as usinas de energia nuclear, ou hidráulica que controla.  Certamente, a desestatização, com a privatização da Vale do Rio Doce, da Siderúrgica Nacional, reduziu um pouco, mas pouco, a sua esfera de atuação econômica.  

Ademais, mencione-se que é ele o provedor dos mais pobres. Tem nas mãos o sistema previdenciário, o sistema unificado de saúde, programas assistenciais, como a bolsa-família, etc. E é, em última análise, o “patrão” de todos os que emprega a imensa máquina estatal e paraestatal.  Lembremos que os seus salários dependem dele…   

A esta indisfarçável preponderância soma-se o aporte das medidas provisórias, que tende a operar uma concentração em suas mãos de dois Poderes, o Legislativo, além do Executivo. 

Ao editar a Medida Provisória, o Presidente da República altera, segundo sua discrição, a ordem jurídica.  Com isto, ele a amolda segundo melhor lhe parece com vistas aos objetivos e políticas que pretende instaurar.  Somente depois de produzir efeitos, e de estar produzindo efeitos, é que o Legislativo a examina, para convertê-la ou não em lei.  

Ora, este controle a posteriori depara com fatos consumados que pesam decisivamente em favor de sua aprovação. Trata assim o Legislativo, não de um projeto, uma lei in fieri, mas uma lei facta.  

A Emenda nº 31/2001 certamente aprimorou o controle que caía anteriormente no vazio, dada a possibilidade de reiteração ilimitada da Medida. Inverte-se em resumo o modelo de processo legislativo desenhado por Montesquieu.  

Em vez de faculté de statuer, ou seja, ter a faculdade de estatuir, estabelecer o conteúdo normativo da lei, o Legislativo fica com uma faculté d’empêcher, um veto bem menos eficaz, porque a posteriori, do que o que cabia e cabe ao Executivo.  

Este, embora superável, ao menos afasta a vigência e eficácia do conteúdo normativo. Ademais, os trabalhos legislativos do Poder Legislativo ficam na dependência das Medidas Provisórias e no ritmo destas. Têm essas, com efeito, prazos obrigatórios de tramitação, sob pena do sobrestamento de outras “deliberações legislativas”. 

Isto significa uma prioridade para as Medidas Provisórias em relação aos projetos de lei que, estes, podem ser de iniciativa parlamentar. E como as Medidas Provisórias são muitas, pouco resta para o exame destes projetos.  

Pode-se afirmar que o Legislativo, enquanto poder de legislar, fenece. Seu papel, no campo que foi sua razão de ser, torna-se apagado, reduzido a um controle às vezes inviável pela consumação dos efeitos da Medida Provisória. 

Os parlamentares atuais bem o sentem, de modo que procuraram outra atividade que não a de legisladores, a fim de terem sobrevida política. Esta é a de inquérito, com a instituição das CPIs34, as Comissões Parlamentares de Inquérito.  

Estas não visam mais, como está nos livros, a colher subsídios para a atuação do Parlamento, em suas tarefas próprias, sendo a essencial evidentemente a de legislar; voltam-se para a apuração de atos ilícitos, assumindo um papel policialesco. Nisto, não raro invade o terreno atribuído ao Judiciário.  

Mas este papel, que idealmente configura controle, dá notícia, é acompanhado pelos meios de comunicação de massa e, por intermédio destes, salienta este ou aquele deputado, este ou aquele senador. Fica destarte muito claro que o Legislativo brasileiro se tornou essencialmente um poder de controle do Executivo. Se o Legislativo fenece, o Judiciário se expande.  

Sem dúvida, em tempo algum de nossa história, se deu tanta atenção a este Poder que deve ser o mais discreto de todos. No desempenho de suas tarefas tradicionais, dirimir litígios surgidos nas relações sociais, essencialmente entre particulares, punir delitos, esse Poder, todavia, não brilha.  

É banalidade reconhecer a lentidão dos processos pois justiça tardia não é justiça, com a consequência da (relativa) impunidade para os criminosos e a demorada reparação das eventuais lesões patrimoniais sofridas pelos indivíduos.  

Disto, aliás, o Estado muito se beneficia pelo verdadeiro “calote” no não pagamento dos precatórios, inclusive de alimentos, ou de modo mais leniente, pela demora interminável no seu pagamento.  

O destaque contemporâneo do Judiciário vem das funções políticas que vem assumindo. Isto certamente é ensejado por instrumentos previstos na Constituição e pelos particulares desta, entretanto, já foi muito além do que os constituintes ou os exegetas do texto de 1988 imaginaram. Ocorre uma “judicialização da política”35 que leva a uma “politização”, em mais de um sentido, do próprio Poder Judiciário. 

Analise-se este ponto. O Judiciário, em todas as suas instâncias, tem-se substituído ao Executivo na determinação de políticas públicas, ou na orientação destas. Sob o acicate principalmente do Ministério Público, tornado plenamente autônomo pela Constituição em vigor, em resposta a ações civis públicas, às vezes em mandados de segurança coletivos, etc., vem ele obrigando o Executivo a desencadear políticas públicas.  

Isto é, globalmente falando, positivo, mas é preciso observar que o magistrado, habituado ao julgamento singelo – tem direito, não tem direito – defere pedidos, sem levar em conta o possível, sem avaliar oportunidade e conveniência, que levam à definição de prioridades, sem estar preso a limitações orçamentárias, ou sujeito à lei de responsabilidade fiscal… 

Igualmente, pode-se ratificar sem maior dúvida que o Judiciário também está substituindo o Legislativo na formulação de normas que deveriam ser objeto de lei.  A Constituição vigente, preocupada, sem dúvida, com a omissão legislativa, no tocante à regulamentação de preceitos constitucionais, previu a ação de inconstitucionalidade por omissão.  

Esta, porém, revelou-se inócua, eis que apenas permite seja dada ciência ao Legislativo da omissão, em qualquer consequência efetiva. Entretanto, por meio do mandado de injunção36, o Supremo Tribunal Federal tem corrigido essa inércia em muitos casos, com ainda fez em 2007, a propósito da regulamentação do direito de greve do servidor público. Suprir omissões é ponto positivo, contudo significa o Judiciário assumir a legiferação.  

Acrescente-se que o mesmo se pode afirmar do Tribunal Superior Eleitoral. Este, em 2007, ao responder a consultas, fixou, numa interpretação constitucional ousada, o relacionamento entre eleito e o partido que o elegeu. Entendeu o eleito preso a esse partido por uma sorte de fidelidade partidária.  

Corroborada essa interpretação, que como tal não saía do âmbito natural de um tribunal no sistema difuso, pelo Supremo Tribunal Federal, deu um passo adiante. Editou uma resolução disciplinando a matéria, resolução que tudo tem de lei salvo o nome.  

Também no que toca ao desdobramento de normas constitucionais, num terreno de transição entre o infraconstitucional e o propriamente constitucional, o Supremo Tribunal Federal, com base no art. 103-A da Constituição, passou a legiferar por meio das súmulas vinculantes. Estas, como a resolução acima mencionada, são leis, e leis com força (quase) de normas formalmente constitucionais.  

De fato, elas prescrevem, com força vinculante, para o Estado brasileiro em todas as esferas federativas, uma interpretação cogente para os preceitos formalmente constitucionais, o que não seria inovação.  

O instituto é apresentado como consolidação de jurisprudência. Entretanto, a prática recente mostra que o Supremo Tribunal Federal vem usando o instituto para desdobrar ou complementar a Constituição, certamente indo além da mera exegese do texto de 1988. E, ao fazê-lo, não se preocupa com a existência de reiteradas decisões sobre a matéria e toma decisões de apreciação política, de aferição de conveniência.  

Transcendente a tudo, veio o Supremo Tribunal Federal recebeu da Lei nº 9.868/1999 poder de constituinte de revisão.  O art. 27 de tal lei (repetido pelo art. 11 da Lei nº 9.882 do mesmo ano) confere a esse Egrégio Tribunal a atribuição de “modular” os efeitos da declaração de inconstitucionalidade.  

Para a doutrina tradicional, com Rui Barbosa37 à frente e para a própria jurisprudência desse Tribunal, o ato inconstitucional sempre foi um ato nulo e írrito, cujos efeitos devem ser desfeitos retroativamente, ex tunc.  

Atualmente, porém, embora, em princípio, isso não mude, o Supremo Tribunal Federal pode, ao declarar a inconstitucionalidade, “restringir os efeitos” da declaração “ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.  

Ora, restringir os efeitos da declaração só tem sentido se se entender que se mantém em vigor o que contraria Constituição.  

Tal decisão muda a Constituição no ponto específico. E o mesmo se dá, conquanto numa modificação transitória, se a desconstituição do ato for fixada para qualquer outro momento que não o de sua entrada para o mundo do direito positivo.  

Trata-se de uma apreciação política, pois depende da concordância de dois terços do Tribunal, nem se repita que basta a maioria absoluta para a decretação da inconstitucionalidade.  

Além disso, é fundada ou “em razões de segurança jurídica” que, como tais, estão no plano do direito, ou por “excepcional interesse social”. Este último conceito abrange, na verdade, tudo aquilo sobre o qual se debruça o Estado e é excepcional o que a maioria qualificada entender sê-lo.  

A realidade é que, na atualidade, o ato inconstitucional é, como decorre das lições de Kelsen38, um ato anulável, conforme o grau de intensidade da infração da Constituição, conforme a ponderação da maioria qualificada dos membros do Supremo Tribunal Federal. E, tome-se, o depoimento.  

Ao apreciar o Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de lei do Estado de Tocantins, não houve qualquer debate sobre a temática jurídica (que era pacífica) mas se discutiu se a inconstitucionalidade, que afetava o status de numerosos servidores do Estado, deveria ter efeito ex tunc ou não39.  

Decidiu então o Tribunal que deveria ter efeito ex tunc*, para fim pedagógico, servir de exemplo. Não está nisto crítica.  É um exemplo de “excepcional interesse social”. 

É imaginável que a judicialização da política40 importe num risco de politização do Judiciário. Chamado a apreciar questões políticas, o magistrado tende a deixar manifestarem-se as suas convicções e seu senso moral.  

Aquelas podem desviar-se para o desiderato de favorecer uma ideologia, ou até um partido, este pode levá-lo a um papel de vingador do bem contra o mal.  

Esse fenômeno, que se teme para o futuro, sem referências ao presente, é, ademais, incitado pelos meios de comunicação de massa, particularmente pela televisão.  

A mídia tem seus critérios de julgamento que não são os do direito, tende a ver no suspeito, que não raro é ela que apontou, um delinquente comprovado, quer a punição do crime de imediato, sem as necessárias delongas de um processo.  

Enxerga-se, então, um ardiloso meio pelo qual os advogados bem remunerados conseguem a impunidade de seus clientes ricos, por meio de uma Justiça formalista.  

E, por isso, aplaude todas as ações, sem forma nem figura de direito, que pareçam corrigir o que pensam errado. Com isto, premiam com a imagem santificada os que a atendem, vilipendia e aponta à execração pública os que seguem a lei. 

Em face dos posicionamentos assumidos ao longo desse texto, cabe esboçar uma síntese da significação do essencial sobre a separação dos poderes.  

O primeiro ponto a salientar é o da relatividade da separação dos poderes. Isto quer do ângulo doutrinário, quer do ângulo da concretização do princípio nas Constituições do passado e, sobretudo, do presente.  

Realmente, no plano doutrinário, esta foi proposta por Montesquieu como uma “receita” de arte política. Seu objetivo não foi o de estabelecer uma doutrina científica da organização do Estado mesmo porque isto não se coaduna com a ciência – mas, sim, instituir um sistema de freios e contrapesos, no qual cada Poder pode atuar a fim de impedir o abuso dos outros.  

Para isto, ele entendeu, sem dúvida inspirado em Locke e no direito constitucional inglês, convir a separação (relativa) dos órgãos superiores de governança, segundo as três funções primordiais que exerce o Estado. Funções estas que não pretende de natureza diversa, como está na própria letra do capítulo VI do livro XI do Espírito das Leis.  

Foi o positivismo jurídico41 que radicalizou a separação, resumindo à lei formal estabelecida pelo Legislativo o direito e fazendo estritamente subordinados a esta o Executivo e o Judiciário, como meros aplicadores da lei.  

Essa tese prosperou, não só pela adesão da comunidade jurídica a essa escola, mas também porque ela convinha, nos primeiros tempos do constitucionalismo, a enfatizar a representação popular e, por intermédio desta, a favorecer a democracia. 

No fundo, o direito constitucional brasileiro, como o estrangeiro, cada qual na sua medida, nunca separou de modo absoluto as três funções primordiais. (grifo meu) 

Sempre, por exemplo, confiou ao Legislativo a aprovação ou a autorização para o Executivo tomar decisões políticas capitais. Essa relatividade permitiu que o relacionamento entre os dois Poderes propriamente políticos (Legislativo e Executivo) se adaptassem a novos tempos, em razão de fatores como a extensão do sufrágio, a democratização, o intervencionismo econômico e social.  

Ensejou, assim, o desenvolvimento do parlamentarismo, em lugar de se aferrar a uma separação mais rígida, como a da monarquia constitucional, ou do presidencialismo. 

 Igualmente, conciliou-se com a delegação do poder de legislar, e mesmo o poder autônomo de legislar, para o Executivo, o que se tomou comum nos últimos sessenta anos, pelo menos. A separação dos poderes sobrevive no mundo contemporâneo em razão das provas que deu e dá de dificultar o abuso, protegendo a liberdade individual.  

Um outro ponto a salientar exprime que, no direito brasileiro, a separação dos poderes foi concebida pela doutrina em paralelo ao ensinamento pelo mundo afora. Quando prevalecia o positivismo, prevaleceu aqui a versão positivista; hoje, quando este perdeu força, uma nova concepção pós-positivista tende a prevalecer.  

Identifica-se isto na ênfase nos princípios em detrimento das regras (e da segurança jurídica). Eis que se reflete na Constituição de 1988, uma Constituição “aberta” que multiplica os princípios explicitados e com isto flexibiliza o primeiro dos princípios do Estado de Direito, o princípio de legalidade.  

Abre, ademais, o campo para o desenvolvimento em prol do Judiciário um papel político, porque, em última análise, é este quem concretiza tais princípios. 

No plano fático, a institucionalização da separação dos poderes sempre deu preeminência, se não preponderância ao Executivo. E, isso num grau muito superior ao das experiências estrangeiras, salvo as latino-americanas. Isto, sem dúvida, mais se deve aos nossos costumes políticos do que propriamente  à letra das leis e da Constituição Federal. 

 É preciso considerar na mensuração concreta não apenas os poderes jurídicos com que ele conta, como o de administrar e de “legislar” direta ou indiretamente, mas outros aspectos como ser ele o Poder que garante a segurança interna e externa, o gestor da economia, o protetor dos carentes, etc.  

No quadro atual, essa prevalência continua acentuada e, em contrapartida, se amesquinha o papel do Legislativo, cuja função essencial – a legiferação – foi absorvida pelo Executivo.  

O Judiciário, entretanto, aparece fortalecido, no que tange a um papel político. Ele muitas vezes determina e amolda políticas públicas, legifera, inclusive em matéria constitucional, pode modular a inconstitucionalidade, no fundo mudando a Constituição Federal brasileira.  

Não o faz por usurpação, mas motivado por instrumentos previstos na Lei Maior e, não raro, em razão da omissão dos outros Poderes, mormente do Legislativo. Tal judicialização da política não é, todavia, fenômeno exclusivamente brasileiro.  

Noutros países, ele se registra. Talvez esteja, aqui e agora, mais exacerbado do que além fronteiras. Quanto à politização da Justiça (ainda incipiente) é preciso prevenir que se desenvolva entre nós, dado os males que acarreta.  

Uma opção a discutir relativamente a isto seria a institucionalização de uma Justiça Constitucional, nos moldes seguidos em geral na Europa, com a especialização da função, a estipulação de mandato de tempo certo, a participação nas indicações dos três Poderes e não só do Executivo, bem como da sociedade civil. 

No limite jurídico, a separação dos poderes significa Poderes autônomos os com atribuições próprias – definidas na Constituição Federal+ ou decorrentes desta que não podem ser usurpadas por um deles, nem disfarçadamente.  

No limite político, exige não apenas a independência dos Poderes na sua composição e no exercício de suas funções – estas relativa e ponderadamente especializadas – numa equação de forças que enseje um sistema de freios e contrapesos. 

O princípio da separação de poderes tentou colocar cada poder dentro de um escopo teórico fechado, delimitado e incomunicável conforme o seguinte axioma: ou é função executiva, ou é função judiciária ou é função legislativa.  

Além das constituições contemporâneas atribuem funções precípuas típicas e atípicas aos poderes constituídos, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que têm agregado às suas competências originais outros atributos cada vez mais amplos. 

Destaca-se também, crescente intervenção do Poder Executivo no processo legislativo, o que é denominado de ativismo dos órgãos do Poder Executivo. De fato, se reconhece que a doutrina da separação dos poderes se apresenta de novo modo com a existência da jurisdição constitucional a qual é atribuída funções de controle abstrato de normas e competência para dirimir conflitos de competência entre órgãos e resolver impugnações contra leis ou decisões judiciais. 

É indispensável, em um sistema equilibrado de partilha de competências institucionais, que o Poder Judiciário42 possa concluir acerca da racionalidade e da razoabilidade43 sempre que for questionada lesão ou ameaça de lesão a direito individual ou coletivo, sob pena de permitir-se, pelo menos em tese, o arbítrio do legislador. 

O princípio da separação dos poderes admitia mesmo na doutrina clássica o exercício de funções compartilhadas. E, o direito constitucional contemporâneo francamente admite a doutrina de separação de poderes que deve ser encarada de novo modo com a existência de uma jurisdição constitucional, que além de deter as típicas competências que lhes são reservadas, concorrentemente, a missão impostergável de efetivar os direitos fundamentais.  

Com a passagem do Estado Liberal para o Estado Social o que representou uma evolução das funções de governo, expressas pela administração: bem como das funções de garantia, expressas pela jurisdição, sempre a partir de uma defesa da abstenção rumo ao estímulo de intervenção com fins garantistas. Na transição do Estado Liberal para o Estado Social representou a valorização da igualdade material em relação à liberdade individual. 

Por isso, ao Estado não mais coube proteger os direitos individuais, porque como resultado dessa transição, a ele caberá também promover os direitos sociais44, por meio de ações governamentais. Nese contexto, o Poder Judiciário assumiu papel político e passou a desempenhar um intervencionismo judicial. Espera-se do Executivo e do Legislativo que promovam a realização dos direitos sociais. 

E, com a judicialização da política, transformou o julgador num partícipe da sociedade além de defensor da democracia pois a prestação jurisdicional também provoca transformações políticas, sociais e econômicas. 

No direito alienígena, principalmente, dos EUA45, Alemanha, Espanha, Itália e França a judicialização da política corresponde a um papel pró-ativo do juiz que assume a responsabilidade pelo respeito à integridade da função dos poderes constituídos, ao mesmo tempo que se torna ator protagonista para a concretização dos valores democráticos e dos direitos fundamentais46

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Apontamentos sobre a Reclamação Constitucional no ordenamento jurídico brasileiro 

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Resumo: 

O tormentoso tema da reclamação constitucional traz o enfoque da doutrina e da jurisprudência e quanto seu processamento bem como aborda sua natureza jurídica. Não se pode deixar de frisar a utilidade do referido instituto que funciona como meio de autêntica garantia da efetividade da tutela jurisdicional, coibindo o descumprimento ou inobservância das decisões dos Tribunais, atuando na defesa, não só dos Tribunais, mas do particular lesado por autoridade administrativa ou judiciária. 

Palavras-chave: Reclamação Constitucional. Natureza Jurídica. Cabimento. Procedimento. Teoria dos Poderes Implícitos. 

Abstract: 

The tormenting topic of the constitutional complaint focuses on doctrine and jurisprudence and its processing as well as its legal nature. We must  emphasize the usefulness of the aforementioned institute, which functions as a means of authentically guaranteeing the effectiveness of judicial protection, preventing non-compliance or non-compliance with the decisions of the Courts, acting in defense, not only of the Courts, but of the individual injured by administrative or judiciary authority. 

Keywords: Constitutional Complaint. Legal Nature. Fit. Procedure. Implicit Powers Theory. 

Os antecedentes históricos da reclamação constitucional padecem de falta de uniformidade pela doutrina. E, segundo José da Silva Pacheco afirma-se que os institutos como a suplicatio do Direito Romano, o agravo de ordenação não guardada das Ordenações Filipinas e, o agravo por dano irreparável, do Brasil Imperial e que influenciaram na consagração da reclamação. 

Já Marcelo Navarro Ribeiro Dantas entende que nem esses institutos retromencionados, nem o aparecimento do mandado de segurança, tiveram importância ou influência para a criação da reclamação que fora fruto exclusivo de construção jurisprudencial do STF com amparo na teoria dos poderes implícitos. 

Para o doutrinador José da Silva Pacheco com habitualidade sistematiza a evolução histórica da reclamação constitucional dentro do sistema jurídico brasileiro em quatro etapas ou fases diferentes. 

A primeira fase ou fase da formulação corresponde ao período desde a criação do STF até a consagração do instituto no Regimento Interno da Corte, em 1957, é caracterizada primordialmente pela falta de previsão da reclamação no âmbito do direito positivo. 

Nessa época, não existia qualquer menção em dispositivos constitucionais ou legais à medida, o que não impediu a consagração do instituto por construção jurisprudencial do STF, com fito de solucionar diversos problemas concretos. 

Assim, o entendimento da Corte se assentava na ideia de que não obstante a falta de texto legal permissivo, seria ínsito à sua própria competência constitucional assegurar a efetividade das suas decisões e garantir a sua competência, principalmente, em face da posição hierárquica que aquele Tribunal ocupa no ordenamento jurídico pátrio, usando a reclamação como intuito precípuo para essa finalidade. 

O referido posicionamento encontra amparo na doutrina de poderes implícitos ou implied powers1, teoria de caráter muito hermenêutico, elaborada pela jurisprudência da Suprema Corte dos EUA a partir de decisões em casos de grande repercussão que tem origem na escola clássica do constitucionalismo norte-americano. 

O princípio dos poderes implícitos que foi embrionário da atual teoria da máxima eficácia constitucional, rezava que devem ser entendidos como implícito, os meios necessários para o exercício de uma competência constitucional prevista, ainda que não expressamente proibidos.   

Nesse sentido, a doutrina destaca relevante lição de Madison, no federalista, n. XLIV: “Desde que um fim é reconhecido necessário, os meios são permitidos, todas as vezes que é atribuída uma competência geral para fazer alguma coisa, nela estão compreendidos todos os particulares poderes necessários para realizá-la”. 

Ineditamente, o Chief Justice John Marshall foi conclusivo ao afirmar que se o fim é legítimo e está de acordo com objetivos da Constituição, todos os meios apropriados e plenamente adaptáveis a ele, não proibidos, mas dentro da letra e do espírito da Constituição são constitucionais. 

E, analisando a influência do constitucionalismo norte-americano no direito pátrio, inclusive nas decisões do STF. 

Observa-se a influência da pena de Marshall no clássico e inesquecível voto do Ministro Rocha Lopes, relator da Reclamação 141, julgada em 25 de janeiro de 1952, revelando a adoção do princípio dos implied powers pelo STF. 

In verbis:  “A competência não expressa dos tribunais federais pode ser ampliada por construção constitucional. Vão seria o poder, outorgado ao STF de julgar em recurso extraordinário as causas decididas por outros tribunais, se lhe não fora possível fazer prevalecer os seus próprios pronunciamentos, acaso desatendidos pelas justiças locais. A criação dum remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel das suas sentenças, está na vocação do STF e na amplitude constitucional e natural de seus poderes. Necessária e legítima é assim a admissão do processo de Reclamação, como a justiça local deixa de atender a decisão do STF”. 

Registre-se, ainda que, além do princípio hermenêutico, contribuíram para a criação pretoriana do instituto o surgimento da figura típica do mandado de segurança e a previsão do direito fundamental de petição pela Lei Maior, bem como a liberdade trazida pela Constituição de 1946 ao STF, pondo fim ao regime constitucional estabelecido preteritamente pelo Estado Novo. 

Em resumo, segundo José da Silva Pacheco apontou as influências essenciais da chamada fase de formulação: “Foi marcada, principalmente, pela influência:  

a) do princípio dos poderes implícitos, proclamado e reconhecido pela Corte norte-americana;  

b) do Direito Romano, em que se admitia a suplicatio, a partir da cognitio extra ordine; do nosso Direito antigo em que se contemplava o agrava de ordenação não guarda de conforme Ordenações Filipinas, Livro III, Título XX, §46º e Livro I, Título V, §4º e do agravo por dano irreparável do Regulamento 737, de 25.11.1850;  

c) do direito de organização judiciária dos Estados, que incluía a correição parcial, principalmente, pela do antigo Distrito Federal;  

d) do mandado de segurança contra atos de autoridade judicial, a partir de 1934;  

e) do atentado contra ato judiciário. In: PACHECO, José da Silva. A reclamação no STF e STJ de acordo com a nova Constituição. Revista dos Tribunais. Sã Paulo: RT, 1989. 

Registre-se, ainda que, além do princípio hermenêutico, contribuíram para a criação pretoriana do instituto o surgimento da figura típica do mandado de segurança e a previsão do direito fundamental de petição pela Lei Magna, bem como a liberdade trazida pela Constituição brasileira de 1946 ao STF, pondo fim ao regime constitucional estabelecido preteritamente pelo Estado Novo. 

A relevância da reclamação para o STF, já em priscas eras, era indiscutível, uma vez que, diferentemente dos tribunais ordinários que realizavam o controle de efetividade de suas decisões e dos atos dos magistrados a eles subordinados através dos recursos previstos na legislação processual, o STF enquanto instância extraordinária, ficaria limitado a fazê-lo por falta de expressa previsão legal. 

No que tange à jurisprudência do STF, cabe apontar que a reclamação apesar de consagrada pela tese vencedora, não era unanimidade nessa fase inicial. 

Alguns ministros daquela Corte como Hahnemann Guimarães, Mário Guimarães e Abner de Vasconcellos, partidários da tese minoritária, contrapunham-se à utilização da medida. 

Para o Ministro Hahnemann Guimarães a reclamação era inadmissível, por ausência de expressão legal e por se tratar de instituo diverso da correição parcial, esta última aceita pelo STF e com caráter essencialmente administrativo. 

Some-se ainda que a jurisprudência da Suprema corte ainda não distinguia nitidamente a reclamação da correição parcial ou mesmo reclamação correcional, não obstante os votos do Ministro H. Guimarães. 

Quanto à possibilidade da reclamação em âmbito estadual, o STF entendia como sendo inconstitucional a previsão do instituto por leis estaduais de organização judiciária, por não ser possível a ampliação da lei processual por legislação estadual2

Em 1948, no julgamento do Recurso Extraordinário 11.543, o STF declarou a inconstitucionalidade de dispositivo que criava, no âmbito do Judiciário Baiano, a figura da reclamação em nível estadual3

Uma vez feitas tais considerações, é de se observar que a consagração jurisprudencial da reclamação gradativamente conduziria à sua positivação, como simples reflexo da evolução histórica e do amadurecimento na medida em que evolui a prática forense, o que, por sua vez, colocaria termo à fase inicial do seu histórico progresso. 

O advento da trigésima sessão do Tribunal Pleno do STF, em 2 de outubro de 1957, marca o começo da segunda fase ou fase de discussão da reclamação no ordenamento jurídico nacional. 

Naquela sessão fora deliberada e aprovada, a proposta de emenda ao Regimento Interno da Suprema Corte (RISTF) apresentada pelo ministro Ribeiro da Costa, que previa a inserção da reclamação com a criação do capítulo V-A, denominado “Da Reclamação”, no título III, do RISTF. 

Nesse passo, em parte, justifica-se a inserção do instituto RISTF, dada pelo proponente, Ministro Ribeiro da Costa: “A medida processual de caráter acentuadamente disciplinar e correcional denominada reclamação, embora não prevista, de modo expresso, no artigo 101, n.º I a IV, da Constituição Federal, tem sido admitida pelo STF, em várias oportunidades, exercendo-se, nesses casos, sua função corregedora, a fim de salvaguardar a extensão e os efeitos de seus jugados, em cumprimento dos quais se avocou legítima e oportuna intervenção.” 

Nesse sentido, o STF, atuando no âmbito da competência que lhe fora atribuída pelo artigo 97, II da Constituição brasileira de 1946, foi responsável por positivar, ainda pela via regimental, o instituto da reclamação pela primeira vez na história do direito brasileiro, ampliando, de certa forma, a competência expressa ex vi do artigo 101, I a IV da Constituição Federal de 1946. 

Destaque-se que o RISTF previa rito mais célere para reclamação do que o atualmente estipulado. Isso porque o prazo para o reclamado prestar informações era de apenas quarenta e oito horas (art.3, §1º), e a reclamação, após a devolução dos autos pelo relator, deveria ser incluída na pauta da primeira sessão do Tribunal (artigo 4º). 

Quanto à jurisprudência, relevante destacar decisão exarada na Rcl. 371, julgada e 1959, na qual restou consignada a impossibilidade de ampliação de certa decisão aos casos semelhantes pela via da reclamação. 

Observa Marcelo Navarro Ribeiro Dantas que ainda não havia sido introduzida a ação direta de inconstitucionalidade, e, por conseguinte o efeito erga omnes das decisões, no ordenamento jurídico brasileiro. 

A terceira fase histórica teve início com a promulgação da Carta Constitucional de 1967 que deu novos contornos ao regimento interno do STF, vez que o seu artigo 115, parágrafo único dispunha que o RISTF estabelecia o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recurso. 

Mais tarde, a previsão constitucional seria mantida, apesar de reformas impostas à Lei Maior pela Emenda Constitucional 1, de 1969, e pela EC 7, de 1977, ficando prevista respectivamente no artigo 115, parágrafo único c, e no artigo 119, § 3º, c. 

A EC 7 inseria, no texto constitucional, a controvertida figura da avocatória, que conferia ao STF a competência para avoar as causas processadas perante qualquer juízo, quando deferisse pedido Procurador Geral da República (artigo 119, I, o). 

Em face da questão avocatória, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, divergindo da sistemática clássica sugerida por José da Silva Pacheco e, pontualmente, adotada por outros doutrinadores, vislumbra duas fases, e não apenas uma, no período compreendido entre a promulgação da Constituição brasileira de 1967 até advento da Constituição de 1988. 

E, o período compreendido entre a Carta de 1967 e a EC 7, na visão de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, seria a chamada fase de consolidação, enquanto que o período subsequente, cujo termo se dá com a promulgação da Constituição de 1988, seria chamada de fase de definição do instituto. 

Segundo o aludido doutrinador, essa discussão é válida em face da relevância da avocatória, na seara de estudo da reclamação, vez que se adotada para fins de preservação da competência da Corte, esvaziaria parcialmente a reclamatória, ainda que somente quatro avocatórias tenham sido concedidos pelo STF. 

A principal discussão jurisprudencial dessa fase restringia-se à exclusividade ou não do Supremo Tribunal para previsão regimental do instituto. Ada Pellegrini Grinover destacou que o STF, na Representação 1.092-DF, concluiu pela inconstitucionalidade de dispositivo regimental do extinto Tribunal Federal de Recursos que previa o instituto da reclamação. 

Nessa referia representação que foi julgada em 1986, a OAB/DF questionava a constitucionalidade dos artigos 194 a 201 do Regimento Interno do TFR, que previam e disciplinavam a competência originária daquele tribunal para conhecimento e julgamento de reclamação. 

A tese vencedora, no sentido da procedência a representação, fundou-se na premissa de que somente o STF foi constitucionalmente atribuída a competência para estabelece, no âmbito regimental, o instituo não previsto na legislação processual, tratando-se, portanto, de poder reservado exclusivamente à Corte Suprema. 

A quarta e contemporânea fase da reclamação constitucional é caracterizado com o advento da Constituição Federal brasileira de 1988. O sistema constitucional vigente consagrou o instituto da reclamação, prevendo-o expressamente os seus arts 102, I, e artigo 105, I, f. 

De fato, inovou igualmente o texto constitucional de 1988 ao prever a competência originária do STF e do STJ para o julgamento do instituto. Dessa forma, viabilizou-se, positivamente, o uso da reclamação por outro órgão jurisdicional diverso da Suprema Corte. 

Grinover lecionou que restaram superadas discussões anteriormente levantadas sobre a exclusividade do STF relativamente à reclamação, considerando sua estatura constitucional atribuída ao instituto, a extensão da competência para julgamento do remédio, ora instituído dentre as atribuições do STJ e, a preocupação atual de garantir, não só os direitos fundamentais, mas a ampla efetivação da proteção a esses direitos. 

Outrossim, a vigente Constituição brasileira tornou sem efeito as discussões sobre a constitucionalidade do instituto, ante a ausência da previsão em legislação processual. 

A Lei 8.038/1990 instituiu, em seus artigos 13 a 18, normas procedimentais na seara da reclamação, estipulando o prazo de dez dias para a apresentação de informações pela autoridade reclamada, bem coo possibilitando ao relator a suspensão liminar do ato impugnado, quando houver perigo de dano irreparável (artigo 14, II). 

No que se refere à jurisprudência contemporânea, importante debates que existem à procura de definição quanto à natureza jurídica4 do instituto e suas implicações, no que divergem STF e STJ5

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que a reclamação não tem cabimento como sucedâneo recursal,  Se seguindo entendimento da Corte Superior de que tal ação é destinada a preservar a competência do STJ ou garantir a autoridade  de suas decisões, não sendo adequada à preservação de sua jurisprudência, mas, sim, à autoridade de decisão tomada em caso concreto e envolvendo as partes postas no litígio do qual ela é originada, não há que se dar seguimento à reclamação. Neste sentido: (AgInt na Rcl n. 39.321/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 16/6/2020, DJe 23/6/2020 e AgInt na Rcl n.  40.177/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 29/9/2020, DJe 2/10/2020). 

Na busca da natureza jurídica, opera-se o seguinte questionamento: a reclamação é medida administrativa ou jurisdicional? 

A doutrina minoritária sustenta a natureza não-jurisdicional da reclamação. Já modernamente, Ada Pellegrini Grinover fundamenta a sua posição no entendimento de que o fim da reclamação seria garantir a eficácia de uma prestação jurisdicional já obtida, afastando expressamente o exercício da jurisdição, que já teria ocorrido preteritamente. 

Com efeito, a opinio da eminente doutrinadora e professora é congruente com a sua conclusão, de que a natureza da reclamação residiria no campo do direito de petição. 

Ainda nas primeiras fases históricas do instituto, essa tese era frequentemente verificada na jurisprudência do STF, mas sob fundamento completamente diferente do atualmente defendido pela eminente jurista, uma vez que, naquela época ainda havia certa confusão entre correição parcial e reclamação. 

De outra feita, corrente doutrinária majoritária milita pela natureza jurisdicional do instituto, trazendo à baila diversos fundamentos para justificar sua posição. 

Realmente, alega-se a fim de justificar a posição, que aso tivesse a reclamação natureza administrativa, prescindiria o instituto de previsão constitucional expressa na competência originária do STF e do STJ, já que as medidas de natureza administrativa podem ser tratadas exclusivamente pelos regimentos internos dessas Cortes, ante o seu poder e auto-organização. 

Importa concluir que, considerando-se a função judicante como a atividade típica dos órgãos jurisdicionais, a competência manifesta-se exatamente como uma parcela da jurisdição a ser exercida por um ou mais órgãos do Poder Judiciário. 

A jurisprudência, já consolidada mediante vários precedentes6 do Pretório Excelsa, tem exigido capacidade postulatória, ou seja, tem-se obrigatória pela representação da parte ou interessado por um advogado(a) ou defensor.  De outro viés, não se exige não se exige capacidade postulatória, no âmbito administrativo. 

A propósito, a Lei 8.038/1990 em seu artigo 13, II possibilita, em sede da reclamação, a concessão de liminar cautelar, que é modalidade de tutela jurisdicional. Admite-se o cabimento de recursos judiciais, in casu, embargos de declaração, agravo interno (ou regimental), recurso especial e recurso extraordinário das decisões proferidas em reclamação. 

Desta forma, resta afastada a natureza administrativa do instituto, pois das decisões administrativas são cabíveis recursos administrativos e, não recursos tipicamente jurisdicionais. 

Corroborando com a teoria, o fato de que a reclamação somente é processada mediante provocação do órgão jurisdicional competente pelos legitimados, vide artigo 13 da Lei 8.038/90. 

Verifica-se que opera uma falha da jurisdição, que é a inércia. Diversamente, os atos administrativos podem ser revistos ex officio (ou ainda mediante requerimento), posto que fosse a reclamação uma medida administrativa, poderiam os tribunais, por si só, instaurá-las com base em poder hierárquico ou disciplinar. 

Corroborando com a teoria, o fato de que a reclamação somente é processada mediante provocação do órgão jurisdicional competente pelos legitimados, vide artigo 13 da Lei 8.038/1990. 

Analisando paralelamente a reclamação e a correição parcial, que tem caráter muito administrativo aduziu Marcelo Navarro Ribeiro Dantas:  “A correição parcial, em princípio, é requerida, provocada. Mas, dentro do poder correcional geral, é claro que as corregedorias e os órgãos da administração judiciária não só podem como devem fazer correições, tanto gerais como parciais, sempre que entenderem necessário reprimir abusos e equívocos dos órgãos judiciários sob sua supervisão. E o fazem. Sequer é necessário consultar as leis de organização judiciária ou os regimentos internos dos Tribunais, nem sendo preciso falar nos regulamentos e normas internas de menor hierarquia, para comprovar essa asserção.” 

Vale trazer à baila outro argumento, no sentido de que a reclamação admitida sua natureza administrativa, só poderia atingir atos emanados por órgãos do Poder Judiciário, sob pena de inconstitucionalidade, sendo discutível, ainda, se os tribunais federais poderiam, através da reclamação, atingir atos de órgãos jurisdicionais estaduais, ante a autonomia federativa. 

Ademais, o ato de cassar uma decisão judicial conforme ocorre quando da procedência de reclamação de reclamação fundada na hipótese de descumprimento de decisão do tribunal7 ou de violação de enunciado de súmula vinculante, seria atividade exclusivamente jurisdicional, senão estar-se-ia admitindo a sujeição de ato jurisdicional a ato administrativo o que seria inconstitucional. 

Verifica-se a relevância dessa arguição preliminar, uma vez que adotada a corrente majoritária, no sentido do caráter jurisdicional da reclamação, só se poderia concluir pela inclusão do instituto em três tipos jurídicos: a ação, recurso (ou sucedâneo recursal) ou incidente processual. 

Caso seja adotada a teoria que sustenta o caráter judicial da reclamação urge analisar nova controvérsia, a saber: a reclamação é de jurisdição contenciosa ou voluntária? 

A doutrina majoritária tem militado pela hipótese, sob o entendimento de que existe lide na reclamação, bem como há a instauração de contraditório entre as partes, o que teria sido evidenciado a partir da edição da Lei 8.030/1990. 

Por outro viés, o Ministro Romildo Bueno da Silva já havia se manifestado, embora, implicitamente defendendo a natureza de jurisdição voluntária do instituto.  

Em verdade, a reclamação não constitui processo. Nesta, não há autor nem réu: nela não há perdido, consequentemente, não há litígio, embora possa haver controvérsia. São, contudo, coisas absolutamente diversas. Trata-se de mero e singelo procedimento. 

Tal procedimento, aliás, é destinado a possibilitar ao tribunal, pelo conhecimento de ato atentatório de sua competência, defender e manter suas decisões. 

Assim, deve-se observar, ainda, que, acerca da jurisdição voluntária, existem basicamente duas teorias, cujas lições resultaram em efeitos práticos, caso seja interpretada a reclamação como típica jurisdição voluntária. 

Vislumbrando-se, sem embargo, a reclamação como jurisdição voluntária a partir da conceituação fornecida pela teoria clássica ou administrativista da jurisdição, isso importará necessariamente na sua definição como medida administrativa. 

Explica-se: a teoria administrativista não vislumbra, na jurisdição voluntária, a existência de um processo, mas de um procedimento, por considerar, basicamente, que nessa espécie de jurisdição não se busca a composição de uma lide; por não ser voltada a discussão de direitos anteriores, mas de situações jurídicas novas e, por não ser substitutiva, isto é, porque a atuação jurisdicional não estaria substituindo a atividade das partes. 

Em síntese, para a teoria clássica, a jurisdição voluntária tem natureza administrativa, afastando-se a feição jurisdicional que lhe impõe a teoria revisionista, resultado de uma concepção que não admite processo sem litígio. 

Por outro viés, para os adeptos e seguidores da teoria revisionista, a jurisdição voluntária corresponderia ao exercício da atividade jurisdicional típica, uma vez que o que tanto caracteriza o processo seria a pretensão, como resultado da inércia e não do litígio. 

Sob essa ótica doutrinária, seria possível classificar a reclamação como processo propriamente dito de jurisdição voluntária, sem lhe negar, então, o seu caráter judicial. 

O direito de petição8 é um instrumento de controle administrativo, consagrado constitucionalmente como um direito de postulação do indivíduo junto aos órgãos públicos, em prol da defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. 

Realmente, suas raízes histórias residem na Inglaterra medieval com o advento do Bill of Rights de 1689 que consagrou expressamente o right of petition, instrumento que concedia ao povo o acesso ao monarca através de petição, posteriormente, contemplado pela Declaração de Direitos da Pensilvânia de 1776 e, pela Constituição Francesa de 1791. 

No direito pátrio moderno, o direito de petição resta positivado no artigo 5, XXXIV, a na Constituição brasileira de 1988, caracterizando-se, na dicção de Alexandre de Moraes como instrumento de participação político-fiscalizatória dos negócios do Estado que tem por finalidade a defesa da legalidade constitucional e do interesse público geral, assegurado a qualquer pessoa. 

Portanto, o direito de petição caracteriza-se como instrumento legal que possibilita ao cidadão comum alerta formalmente ao Poder Público a ocorrência de uma arbitrariedade. 

O Ministro Nelson Hungria no julgamento da Reclamação 141 rejeitou a natureza recursal do instituto, definindo-o como uma representação ao STF contra o abuso ocorrido. Cumpre frisar que o vigente texto constitucional adotou a nomenclatura de “direito de petição” abarcando o antigo conceito de “direito de representação” contemplado pelas Constituições brasileiras anteriores. 

Grinover explicou que nem sempre ao recorrer ao Poder Judiciário necessariamente o postulante esteja exercitando o direito de ação, pois que, em certas situações, pode se tratar de uma garantia mais ampla, tal como o direito de petição: 

      “É o que ocorre claramente quando se cuida da reclamação aos tribunais com o objetivo de assegurar a autoridade de suas decisões: não se trata de ação, uma vez que não se vai rediscutir a causa de suas decisões; não se trata de ação, uma vez que não se vai rediscutir a causa com um terceiro: não se trata de recurso, pois a relação processual já está encerrada, nem se pretende reformar a decisão, mas antes garanti-la; não se trata de incidente processual, porquanto o processo já se uma decisão o seu exato e integral cumprimento.” 

Foi desse ilustre doutrinador que foi extraído o atual posicionamento do STF, que também põe a reclamação como corolário da garantia constitucional de petição. É também militante dessa corrente Pedro Lenza. 

Porém, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha criticam a inclusão da reclamação nesse âmbito, por entender que o exercício do direito de petição implicaria em uma atividade administrativa, o que não coadunaria com a essência do instituto”. 

Nota-se que esse ponto crucial atinge as diversas críticas realizadas à posição defendida pela processualista Grinover que entendeu que o direito de petição é instrumento legal de significativa complexidade, do qual, inclusive, se extrairia o direito de ação, enquanto que Didier Jr, entende que o direito de petição pode ser exercido também atividade administrativa, o que diferenciaria da reclamação que só pode exercida na seara jurisdicional. 

Por essa razão, Ribeiro Dantas diz que o conceito incide em vagueza, uma vez que esse instituto abrange não só o direito de se dirigir administrativamente a qualquer órgão público, como o direito de ação. (In: DANTAS, Marcelo N. Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000, p.432). 

O ilustre doutrinador Cândido Rangel Dinamarco, rejeitando a inclusão da reclamação no âmbito do direito de petição, ressalta que, sendo a cassação da decisão o efeito principal da decisão de procedência da reclamação que tem natureza tipicamente jurisdicional, as medidas administrativas não teriam o condão de tornar ineficazes atos jurisdicionais. Além disso, destacou que se a reclamação fosse realmente dotada de natureza administrativa, não haveria a necessidade de provocação da parte interessada ou do Ministério Público para a sua instauração, podendo o tribunal atuar ex officio. 

Com o advento da ADI 2.212/CE, quando STF decidiu pela constitucionalidade de previsão da reclamação no âmbito dos tribunais estaduais, houve uma guinada no posicionamento adotado anteriormente pela Corte no julgamento da Representação 1.-92/DF, ao firmar entendimento no sentido da exclusividade do STF para julgar reclamações. 

Na referida ação direta de inconstitucionalidade estava em discussão a constitucionalidade do artigo 108, VII, i da Constituição do Estado do Ceará e do artigo 21, VI, j do Regimento Interno do Tribunal de Justiça daquele Estado, que previam a competência originária daquele Tribunal de Justiça para processamento e julgamento de reclamação. 

Com efeito, o centro da questão está em considerar a reclamação como tendo natureza de processo, o que acarretaria a inconstitucionalidade dos dispositivos legais impugnados em face da competência privativa da União, prevista no artigo 22, I CF/1988, ou não tendo natureza processual conforme alegou, em seu voto, o Ministro Marco Aurélio de Melo que lhe atribuía o status de mero procedimento, ex vi artigo 24, XI da CF vigente. 

Sob a relatoria de então Ministro Octavio Gallotti, foi parcialmente deferida medida cautelar para então sustar os efeitos dos dispositivos, tendo sido acolhido o antigo posicionamento do STF. 

In litteris:  “Criação por norma de Constituição estadual ou do Regimento do Tribunal e Justiça, de reclamação destinada à preservação da competência deste, ou à garantia de suas decisões. Relevância jurídica da arguição, que se lhe opõe, de invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual”. (Constituição, artigo 22, I) STF. ADI 2212. MC Rel. Min. Octavio Gallotti. Tribunal Pleno, julgado em 25.05.2000, DJ 30.3.2001. 

Pode-se afirmar que conforme a jurisprudência atual do STF, a reclamação estaria juridicamente comportada na área do direito de petição, prevista no artigo 5º, XXXIV, a da Constituição Federal. 

Existe uma corrente doutrinária que classifica a reclamação como um incidente processual, isto é, um simples desdobramento do processo originário Egas Dirceu Moniz de Aragão ao defender a tese, explicara que o remédio não objetivaria a composição de um conflito de interesses, o que seria típico da ação, concluindo por enquadrá-la nos limites de um incidente processual, não podendo considerá-la medida administrativa ou recurso. 

Já Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha defendem a não-inclusão a reclamação do grupo dos incidentes processuais, in litteris

          “Muito embora não haja uma noção precisa e bem delimitada do que seja um incidente processual, é possível estabelecer os seus pressupostos, quais sejam: a) uma situação nova; b) que cai sobre algo que preexiste. O incidente somente existe, se houver, anteriormente um processo judicial em curso. Surgindo um incidente processual, altera-se o curso do procedimento, podendo haver seu encerramento prematuro, com a extinção do processo, ou um retardamento com um desvio de rota: o procedimento se suspende ou se altera em razão do incidente.  

A reclamação constitucional não preenche tais pressupostos, não se enquadrando, portanto, como um incidente processual. Para que haja o incidente, é preciso, como visto, que preexista um processo judicial. 

Pode haver reclamação constitucional sem que sequer haja processo anterior, mas simples inquérito policial e, ainda assim a competência do tribunal superior pode estar sendo usurpada, por se tratar de inquérito que poderia redundar em denúncia contra pessoa que possuía foro privilegiado naquela corte, de modo que a própria atividade inquisitorial havia de ser ali conduzida”. 

Apesar de a doutrina ter procurado distinguir incidente processual de processo incidente, assentando que, embora a reclamação, por vezes, esteja relacionada um processo, não seria obrigatoriamente um incidente processual. É o que aconteceria, por exemplo, com a ação rescisória e as ações cautelares. 

Lembrando que a definição de incidente processual pode não ser suficiente para abarcar todas as situações de cabimento9 do referido instituto. Isso porque pode haver reclamação sem relação a qualquer processo, como é caso em que é aberto inquérito por autoridade administrativa em casos em que a apuração de fatos ocorridos é de competência do Tribunal Superior. 

Segundo a posição jurisprudencial do STJ adota a tese de que a reclamação é incidente processual, distinguindo-se da posição do STF que a insere no campo do direito de petição. 

Já a corrente doutrinária prevalente por ser majoritária é balizada e confere a natureza jurídica de ação, embora não seja essa tese, a que predomine na jurisprudência dos Tribunais Superiores. 

Pontes de Miranda, à frene de seu tempo, já tratara do assunto, sustentando que a reclamação não é recurso; é ação contra ato do juiz suscetível de exame fora da via recursal. 

O célebre doutrinador e tratadista José da Silva Pacheco, o primeiro a dar enforque ao estudo da reclamação, aduziu: “Trata-se, na realidade, de ação, fundada no direito de que a resolução seja pronuncia pela autoridade judicial competente; de que a decisão já prestada por quem tinha competência para fazê-lo tenha plena eficácia, sem óbices indevidos; e de que se eliminem ou se elidam os estorvos que se antepõem, se põem ou se pospõem à plena eficácia das decisões ou à competência para decidir.” 

Portanto, assegura-se que a reclamação é ação, por se adequar somente a este tipo jurídico, resultado de atividade de exclusão das demais classificações existentes. 

Para Marcelo Ribeiro Navarro Dantas que adota classificação trinária as tutelas processuais, a reclamação é uma ação de conhecimento, vez que se busca a tutela cognitiva, submetida à cognição exauriente, embora reconheça que, usada a classificação quinária das sentenças, tratar-se-ia de ação mandamental. 

Segundo Pontes de Miranda, a ação da reclamação poderá ser constitutiva negativa ou mandamental, dependendo da hipótese em que seu cabimento esteja fundamentado. Há quem defenda que a reclamação não significaria o exercício da jurisdição, pois a prestação jurisdicional já teria sido conseguida anteriormente, cuidando-se, em âmbito reclamacional, apenas da efetivação da tutela jurisdicional preteritamente obtida. 

Portanto, como o direito de ação implicaria no exercício da jurisdição, afastar-se-ia a natureza da ação. 

Há vozes doutrinárias que negam também a natureza jurídica de ação, alega-se que a reclamação não instauraria nova relação jurídico-processual, mas estaria adstrita a uma relação jurídica principal. 

Convém recordar o clássico conceito de recurso de autoria de José Carlos Barbosa Moreira que assim definiu: “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”. 

Já, José Frederico Marques, embora inicialmente a tenha definido simplesmente como medida de Direito Constitucional, elaborou parecer opinando pela natureza recursal da reclamação. 

Já Alcides de Mendonça Lima enxergava a reclamação como um sucedâneo recursal10 que é um instrumento processual que, ainda que formalmente não seja exatamente um recurso, comporta-se como se assim o fosse, em razão de sua finalidade. 

Em verdade, essa vertente doutrinária, ainda que em outro momento lecionada por grandes processualistas, deve ser afetada, em razão da própria jurisprudência, que não admite o uso da reclamação como substitutivo de recurso. 

Ademais, abalizada doutrina tem formulado inúmeras críticas à tese, especialmente, no que concerne aos princípios informativos da teoria geral dos recursos. A crítica mais costumeira surgiu da interpretação gramatical da Carta Política, é a de que a reclamação, por ser um instituto de competência originária dos tribunais, não pode ter natureza recursal, vez que, em sua competência originária, estes só julgam ações ou incidentes processuais, nunca recursos. 

Não existe previsão explícita em lei, incluindo a reclamação no rol taxativo de recursos, conforme bem exige o princípio da taxatividade. E, com esse princípio, todo recurso deverá ser previsto em lei, sendo vedada a sua criação por analogia, interpretação extensiva, norma estadual ou regimental. 

Noutro prisma, a reclamação igualmente se distinguiria dos recursos por não estar vinculada à sucumbência, ou seja, não deverá existir um revés ao qual se pretenda reverter. Aliás, o reclamante, em geral, visa garantir uma decisão ou aplicação da súmula vinculante que lhe seja favorável, ou ainda, preservar a competência do tribunal. 

Na visão de Gisele Santos Fernandes Góes a reclamação não pode ser recurso por não objetivar primordialmente reforma (efeito substitutivo) ou invalidação (efeito rescindente), mas o cumprimento de uma decisão anterior ou a salvaguarda da competência do Tribunal, não possuindo também efeito devolutivo, característico dos instrumentos recursais. 

Sintetizou Dinamarco: “Não se trata de cassar o ato e substituí-lo por outro, em virtude de algum error in judicando, ou de cassá-la simplesmente para que outro seja proferido pelo órgão inferior, o que ordinariamente acontece quando o ato contém algum vício de ordem processual. A referência ao binômio cassação-substituição, que é moeda corrente na teoria dos recursos, apoia-se sempre no pressupostos de que estes se voltam contra atos portadores de algum erro substancial ou processual, mas sempre atos suscetíveis de serem realizados pelo juiz prolator, ou por outro, ao contrário dos atos sujeitos à reclamação, que não poderiam ter sido realizados (a) poque a matéria já estava superiormente decidida pelo tribunal; b) porque a competência para o ato era deste e não do órgão que o proferiu, nem de outro de seu mesmo grau ou mesmo de grau superior no âmbito da mesma Justiça, ou ainda, de outra Justiça. ” 

O famoso Orozimbo Nonato há muito tempo conceituou a reclamação como remédio incomum, excepcional, mas admissível naqueles casos agudos que, pela sua importância, exigem que o tribunal exerça com império ato imediato de função corregedora indispensável. 

Além das competências definidas nos artigos 102 e 105 da CF/1988 possui inúmeros dispositivos legais isolados cuja observância pode ensejar a formulação de reclamação por usurpação da competência do STF ou do STJ. É o caso, por exemplo, dos artigos 53, §1º, 86 e 96 da Carta Magna. 

Sem embargo, a usurpação da competência do tribunal pode acontecer de diversos modos, revelando a amplitude do dispositivo, o que explica a riqueza de julgados em que o tribunal receber reclamações tendo como objeto exatamente a defesa da competência da Corte. 

Assim, admite-se a reclamação contra ato de Presidente de Tribunal que deixa de remeter, nos Tribunais Superiores, agravo de instrumento interposto em face de decisão denegatória dos recursos de estrito direito (RE ou REsp), na forma do artigo 544 do CPC, ou ainda, quando havia demora injustificada no juízo de admissibilidade desses recursos. 

Ressalve-se que, em virtude da nova sistemática trazida pela Lei 11.672/2008 poderá a reclamação ser cabível na hipótese em que o Tribunal a quo não observar o artigo 543-C, §8º do CPC. 

Com efeito, o STF tem admitido o cabimento11 de reclamação a fim de destrancar recurso especial ou extraordinário retido, na forma do artigo 542, §3º do CPC. Contudo, o STJ nesse caso é a favor do recebimento da reclamação como simples petição ou pela interposição de agravo de instrumento ou requerimento de medida cautelar, por não vislumbrar usurpação de competência da Corte Federal. 

Por derradeiro, frise-se que o cabimento de reclamação contra ato de magistrado singular que usurpando a competência do tribunal, suspende a execução de processo objeto de ação rescisória, sem que haja qualquer decisão do tribunal competente para julgamento da rescisória nesse sentido. 

Enfim, admite-se reclamação a fim de preservar a competência do tribunal, mesmo quando o ato usurpador for cometido por autoridade administrativa. Deve ser observado que para a configuração da usurpação da competência do tribunal não se exige a perpetração de um ato específico para tanto, podendo ocorrer a invasão da competência por mera omissão. Restou inequívoco que o ato usurpador não se restringe aos atos de autoridade judiciária. 

A segunda hipótese de cabimento12 da reclamação instituída pela CF de 1988 tem como fim a garantia da autoridade das decisões do tribunal (artigo 102, I, l e o artigo 105, I, f). Sublinhe-se quando a Carta Política cogita em garantir a autoridade do decisum, nada mais é do que dar efetividade à tutela jurisdicional coibindo o descumprimento ou inobservância de decisões dos Tribunais, atuando não apenas na defesa dos Tribunais, mas do particular lesado por autoridade administrativa ou judiciária. 

A segunda hipótese de cabimente tem como objetivo a garantia da autoridade das decisões do tribunal, mas é imprescindível que haja correlação entre o desrespeito alegado e a decisão específica do tribunal, com o fim de justificar a reclamatória. 

No seio doutrinário, alguns juristas, dentro os quais Fredie Didier Jr. e Alexandre Moreira Tavares dos Santos, sustentam que a reclamação não a impugnar ato da Administração Pública desobediente de decisão judicial prolatada em processo subjetivo, posto que a medida adequada, nesse caso, seria a apresentação de simples petição ao juízo de primeira instância a quem compete executar as decisões proferidas pelo Tribunal. 

A jurisprudência do STF não tem ajudado a solucionar a questão, vez que se nota dos julgados em ambas direções, razão pela qual, não se pode alegar que haja, no Pretório Excelso, um posicionamento prevalente sobre a temática. 

A jurisprudência do STJ tem encarado de forma diferente a questão e pacificamente admitia a reclamação contra ato de autoridade administrativa que violasse decisão proferida em processo subjetivo, sob o argumento de que a Constituição federal brasileira e a Lei 8.038/1990 não restringiam o cabimento do instituto. 

Todavia, em recentes julgados, o STJ tem decidido, reiteradamente, pelo não-cabimento de reclamação contra ato de autoridade administrativa que descumpre a decisão judicial, em precedentes que demonstram a inclinação da Corte em modificar o seu entendimento pretérito, o que, de certa forma, resta mais coerente, tendo em vista o que esse tribunal tem decidido sobre a natureza jurídica do instituto. 

Assim, nesse contexto, encontram-se diversos julgados nos quais se concluiu não cabe reclamação para combater eventual descumprimento de ordem judicial por autoridade administrativa, exceto nos casos expressamente previstos em lei, vide artigo 28, parágrafo único da Lei 9.868/1999 e artigo 10, §3º da Lei 9.882/1999 ou na Constituição no artigo 103-A, §3ºda EC 45/200413

Verifica-se uma interessante divergência no campo da reclamação, desta vez por causado cabimento do instituto em face de ato de autoridade administrativa que descumpra decisão judicial, especificamente em processo subjetivo. 

As decisões proferidas pelo STF, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, sejam elas definidas ou em caráter liminar, geram, em regra, os efeitos erga omnes, vinculando todos os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública, consoante os artigos 27 e 28, parágrafo único, da Lei 9.868/1999;  

Assinale-se que tais decisões possuem natureza dúplice, já que declarada pelo STF, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado, a sua conclusão qualquer que seja, produzira o efeito vinculante supramencionado. 

Essas decisões são dotadas de eficácia erga omnes quando ofendidas justificam o cabimento de reclamação ao STF para a garantia da autoridade de sua decisão, independentemente de a violação ocorrer por parte de órgão do Poder Judiciário ou pela Administração Pública, em qualquer âmbito federativo. 

Porém, não é cabível a formulação de reclamação a fim de impedir o Poder Legislativo de elaborar norma contrária à decisão proferida pelo STF com efeitos erga omnes, vez que diante da Separação de Poderes14, a eficácia vinculante dessas decisões não tem o poder de atingir o legislador no exercício de sua atividade típica. 

Quanto a teoria da transcendência dos motivos determinantes15 e, a atual composição do STF tem dada nova interpretação a diversos dispositivos constitucionais, concretizando autêntica mutação constitucional, por vez sob a liderança do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. 

De fato, a teoria dos motivos determinantes permite ao STF ampliar o efeito vinculante de suas decisões em controle concentrado de constitucionalidade16 para atingir não apenas a parte dispositiva do acórdão, mas também, a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos que levaram àquela determinada conclusão, representando, assim, uma exceção à dicção do artigo 469, I do CPC. 

Daí, o debate sobre a relativização do artigo 52, X da CF/1988 para que se autorize, ao STF, a concessão de efeitos erga omnes às decisões proferidas em sede de controle difuso de constitucionalidade (abstrativização do controle difuso17), sem a necessidade de resolução específica do Senado Federal, aplicando-se, ademais, a teoria da transcendência dos motivos determinantes18 também na via incidental. 

Essa questão foi resolvida pela Rcl. 4.335/AC cujo relator era o próprio Presidente da Excelsa Corte. O STF tem admitido reclamações fundadas em decisões que deixam de observar os motivos determinantes que transcenderam dispositivo de decisão em controle abstrato de constitucionalidade, desde que não sejam manejadas para atingir ato normativo do Poder Legislativo. 

No julgamento pelo Plenário do Egrégio Tribunal da Rcl. 2.363/PA, sob a relatoria do Ministro Gilmar F. Mendes, concluiu-se pelo cabimento de reclamação fundada na teoria dos motivos determinantes19, vencidos os Ministros Marco Aurélio de Melo e Carlos Ayres Britto. 

Apesar de pareça ser a tendência da Corte, não se pode cogitar em consolidação do entendimento jurisprudencial, vez que consta registros de julgados sobre não admitiram reclamações sobre a mesma premissa. 

Outro cabimento corresponde ao escorreito cumprimento de súmula vinculante20, e que com advento da Reforma do Judiciário21 (EC 45/2004) consagrou-se nova modalidade de cabimento da reclamação22 conforme o artigo 103-A, §3º da CF/1988. 

A súmula vinculante terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia das normas. Em relação à validade, o Supremo Tribunal Federal dirá se uma norma está ou não está formal ou materialmente conforme a Constituição Federal brasileira. 

A seu turno, a Lei 11.417/2006 que regulamentou o dispositivo também trata da reclamação, conforme seu artigo 7º. 

A súmula vinculante tem efeito erga omnes23 em razão aos órgãos do Judiciário e da Administração Pública, razão pela qual a reclamação, que tenha como escopo de defender o enunciado da súmula vinculante, é cabível contra ato de autoridade judicial ou administrativa. 

A reclamação é cabível quando o ato ou omissão, administrativo ou judicial contrariar, negar vigência ou aplicar indevidamente súmula vinculante. A expressão “negar vigência” corresponde a deixar de aplicar a súmula vinculante quando esta deveria ter sido observada. Já aplicar indevidamente é aplicar a súmula vinculante para hipótese diversa daquela trazida pelo verbete sumular. 

Note-se que “contrariar a súmula” é expressão mais genérica, sendo capaz de abarcar maior número de situações sociais, no sentido em que a reclamação será cabível sempre que o ato impugnado ofender, de qualquer modo, o teor de enunciado vinculante. 

Uma vez julgada procedente a reclamação, o STF24 anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial, determinando a utilização ou não da súmula vinculante no decisum a ser proferido. 

Mas, não cabe reclamação por violação à súmula tradicional do STF ou do STJ, sem eficácia vinculante, ante a ausência de normatividade do verbete, que somente indica a jurisprudência dominante no Tribunal, sem, contundo, vincular os órgãos jurisdicionais hierarquicamente inferiores.  

Repise-se que não cabe reclamação fundamentada em jurisprudência dominante do Tribunal Superior, não se admite a formulação da medida com base em súmula desprovida de caráter vinculante. 

Ressalte-se que a Lei 11.417/2006 exige o esgotamento das vias administrativas como requisito de admissibilidade de reclamação contra ato ou omissão de autoridade administrativa que descumpra enunciado de súmula vinculante. 

Ainda em sede de reclamação, caberá interposição de embargos de declaração, agravo regimental ou interno de decisões do relator, na forma do artigo 161, parágrafo único do RISTF, e recurso especial ou extraordinário, quando a reclamação for julgada por tribunais que não o STF e STJ. 

Ainda que, quando a reclamação for julgada pelo STJ, caberá se presentes os pressupostos do artigo 102, III CF/1988, recurso extraordinário para o STF. 

 Deu-se a evolução do instituto que, de mera construção jurisprudencial que passou a ser instrumento de controle das decisões do STF em sede controle concentrado de constitucionalidade e de proteção à súmula vinculante. 

Inerentemente da tese defendida deve haver coerência, por parte dos Tribunais, quanto aos seus efeitos da definição da natureza jurídica a medida. Não se pode admitir as atuais discrepâncias, conforme se observou que não condizem com alto padrão dos julgados do STF e STJ. 

Trata-se de uma ação com o objetivo de preservar a competência de certo tribunal e, ainda, garantir a autoridade de decisão proferida por tribunal, ou de Súmula Vinculante que tenha sido editada pelo Supremo Tribunal Federal. 

Prevista no artigo 102 CF, in litteris: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: 

I – Processar e julgar, originariamente: […] 

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; 

Art. 105, CF. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: 

I – Processar e julgar, originariamente: […] 

f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões 

A reclamação decorre do direito de petição previsto no art. 5º da CF/88: 

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: 

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; 

Importante é que a decisão desrespeitada não pode ter transitado em julgado, ou seja, não podem ter se esgotado todos os recursos da decisão da qual se quer reclamar. 

Citando literalmente a legislação: Art. 988, CPC. […] 

§5º É inadmissível a reclamação: 

I –proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; 

Súmula 734, STF. Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal.25 

Quanto as hipóteses de cabimento que estão elencadas no CPC no artigo 988: Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: 

I – preservar a competência do tribunal; 

II – garantir a autoridade das decisões do tribunal; 

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle  concentrado de constitucionalidade; 

IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas  ou de incidente de assunção de competência;   

No caso do inciso I, caberá reclamação no caso de juiz ou tribunal julgar ação ou recurso que seja de competência do STF ou STJ, cuja competência se quer preservar (ex: STJ julga processo de partes União versus Paraguai, contrariando a competência do STF disposta no art. 102, II da CF/1988).  

Assim, caso alguma autoridade judicial ou administrativa venha a interferir na competência do STF ou  do STJ, caberá o remédio da reclamação. 

O inciso II será aplicado quando as decisões colegiadas ou monocráticas do STF ou STJ forem desrespeitadas por autoridade judiciária ou administrativa, podendo este desrespeito consistir em desobediência a decisões destas Cortes, em cometimento  de atos contraditórios ou conflitantes com o estabelecido por elas, ou simplesmente em interpretações diferentes das feitas  por elas (ex: STF concede decisão impondo à autoridade administrativa o dever de revelar certa informação.  

Não cumprida a ordem judicial, cabe reclamação. 

O inciso III trata do desrespeito a decisão proferida pelo STF com efeito vinculante e eficácia erga omnes, assim como do desrespeito a súmula vinculante que tenha sido editada anteriormente ao ato ou decisão impugnada.  

Assim, caberá reclamação constitucional contra decisão que contrariar, negar vigência ou aplicar inadequadamente decisão vinculante ou súmula vinculante. 

Nesse sentido, ainda sobre o inciso III., importante assinalar uma observação quanto ao contencioso administrativo atenuado ou curso forçado: no caso de omissão de ato administrativo, só se admite reclamação após esgotadas, previamente, as  vias administrativas para correção do ato impugnado. 

Por fim, a hipótese do inciso IV é bem evidente, buscando garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.  

Essa hipótese é nova e diz mais respeito ao  processo civil em si, estando mais atrelada aos tribunais de forma geral e não tanto ao STF. Dessa forma, não estudaremos com  profundidade essa hipótese, porque não diz respeito ao direito constitucional. 

A legitimidade ativa para essa ação é de toda e qualquer pessoa atingida pela decisão que está sendo reclamada e do Ministério Público, nos termos do art. 988 do Código de Processo Civil. 

No entanto, caso seja descumprida decisão do STJ ou STF proferida em controle difuso e incidental de constitucionalidade, somente serão legitimados a propor reclamação os que compuseram a relação processual do julgado. 

Por outro lado, a legitimidade passiva será do órgão ou autoridade pública que proferiu a decisão judicial ou editou o ato administrativo impugnado, e do beneficiário da decisão impugnada (art. 989, III, CPC). 

Nos termos do art. 988, §1º do CPC, a reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir, inclusive para garantir decisão proferida em controle de constitucionalidade concentrado estadual.  

Todavia, os principais casos a serem lembrados acerca da competência estão relacionados na Constituição Federal vigente: 

STF – art. 102, I, “l”: para preservar sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; 

STF – art. 103-A, §3º: contra ato ou decisão que contraria súmula vinculante; 

STJ – art. 105, I, “f”: para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões; 

TST – art. 111-A, §3º: para preservar sua competência e garantia de autoridade de suas decisões. 

A medida cautelar é plenamente possível em sede de reclamação constitucional. Os requisitos para sua concessão são os clássicos, quais sejam: fumus bonis juris (verossimilhança das alegações e do direito) e periculum in mora (perigo de dano irreparável na demora). A fundamentação legal para a medida cautelar está no art. 989, II do Código de Processo Civil: 

Art. 989.  Ao despachar a reclamação, o relator: […] 

II – se necessário, ordenará a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável; 

Quanto ao procedimento segue os requisitos gerais de petição inicial previstos no art. 319 do Código de Processo Civil. 

 Adicionalmente, nos termos do art. 988, §2º, CPC, a reclamação deverá ser instruída já com prova documental e dirigida ao Presidente do Tribuna26l. Em seguida, o relator, ao receber a ação, tomará as devidas providências conforme o caso, nos termos do art. 989, CPC/2015: 

Art. 989.  Ao despachar a reclamação, o relator: 

I – Requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias; 

II – Se necessário, ordenará a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável; 

III – determinará a citação do beneficiário da decisão impugnada, que terá prazo de 15 (quinze) dias para apresentar a sua contestação. 

Cabe ressaltar que o inciso III do supramencionado art. deve ser colocado no pedido da reclamação constitucional, ou seja, o autor da ação deve requisitar a citação do beneficiário da decisão impugnada. 

Por fim, nos termos do art. 991 do Código de Processo Civil, nas reclamações não iniciadas pelo Ministério Público, ele terá vista do processo por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo, para informações e para o oferecimento da contestação pelo beneficiário do ato impugnado. 

Os pedidos pertinentes na reclamação constitucional são notavelmente numerosos: 

Concessão da tutela de urgência ou medida liminar para suspender o ato ou decisão impugnada, nos termos do art. 989, II, CPC; 

Notificação da autoridade reclamada, nos termos do art. 989, I, CPC; 

Citação do beneficiário da decisão impugnada, nos termos do art. 989, III, CPC; 

Dê-se vistas ao Ministério Público (art. 991, CPC); 

Deferimento do pedido, confirmando a liminar e cassando a decisão ou ato impugnado (art. 992, CPC); 

Requisição da juntada dos documentos para a comprovação do alegado. 

A Constituição brasileira de 1988 foi a primeira a prever expressamente a figura da reclamação constitucional. Os artigos 102, I, “l”; 105, I, “f”; e 111-A, §3º, dispõem que cabe reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões perante o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho27, respectivamente.  

Com a instituição das súmulas vinculantes no Brasil pela Emenda Constitucional 45/2004, o artigo 103-A, §3°, passou a prever igualmente o cabimento de reclamação ao STF contra ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar. 

Essa disciplina constitucional é regulamentada por normas complementares, definidas no Código de Processo Civil (CPC) de 2015 (Lei 13.105/2015), nos regimentos internos dos tribunais ou até em Constituição estadual, que pode prever, em razão do princípio da simetria, o cabimento de reclamação perante os tribunais de Justiça de seus territórios. 

Ocorre que, historicamente, a reclamação constitucional no âmbito do STF tem sido desenvolvida pela jurisprudência da própria corte, que, inicialmente, visualizava esse instituto processual como corolário do direito de petição e justificava o seu cabimento na teoria dos poderes implícitos. Em outros termos, o cabimento da reclamação precede a sua previsão em lei. 

A propósito, a doutrina indica que o estudo sobre a reclamação constitucional no STF pode ser feito em quatro fases:  

1) a primeira seria a criação pelo tribunal;  

2) a segunda coincide com a inserção da reclamação no regimento interno da corte;  

3) a terceira diz respeito à competência do STF, conferida pela Constituição de 1967, para estabelecer a disciplina processual, com força de lei federal e por meio do regimento interno, nos feitos sob sua competência;  

e 4) a quarta está relacionada à promulgação da Constituição de 1988, que elevou a reclamação ao status constitucional. 

Com a entrada em vigor do CPC de 2015, o instituto da reclamação constitucional passou a prever, no procedimento, a necessidade de citação do beneficiário do ato reclamado (artigo 989, III), de modo que estabeleceu verdadeiro contraditório em sede reclamatória, algo até então inexistente.  

Nesse contexto, considera-se que o CPC vigente28 instituiu nova fase do instituto da reclamação constitucional, consolidando a sua natureza jurídica de ação constitucional autônoma. 

Na gênese, a reclamação constitucional foi desenvolvida pela jurisprudência do STF com fundamento na teoria dos implied powers29 do constitucionalismo estadunidense.  

Ao julgar a Reclamação 141-1°, a corte advertiu que “vão seria o poder outorgado ao Supremo Tribunal Federal de julgar em recurso extraordinário as causas decididas por outros tribunais, se lhe não fora possível fazer prevalecer os seus próprios pronunciamentos”.  

Portanto, “a criação de um remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel de suas sentenças está na vocação do Supremo Tribunal Federal e na amplitude constitucional e natural de seus poderes”. 

Essa digressão é relevante para justificar como o STF tem admitido o manejo de reclamação constitucional em algumas hipóteses em que não há previsão legal expressa de cabimento dessa ação.  

Há, ao menos, dois exemplos curiosos na jurisprudência recente da corte: 1) as reclamações a que o STF tem atribuído efeito integrativo do conteúdo de sua decisão paradigmática; e 2) a utilização da reclamação como instrumento de superação de precedente judicial. 

É conveniente recordar que a reclamação constitucional é ação que, nos termos da jurisprudência do STF30, exige a existência de correlação entre o ato reclamado e a decisão judicial indicada como violada (decisão-paradigma). É por isso que a corte tem negado seguimento a feitos quando não vislumbra aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo do ato paradigma. 

 Não obstante essa orientação sedimentada, a corte tem admitido, excepcionalmente, algumas reclamações para esclarecer a extensão do conteúdo da decisão paradigma, hipóteses em que instrumento reclamatório exerce função integrativa. 

Como exemplo a decisão proferida no julgamento da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.395, em que o STF consignou a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar causas em que são partes Estado e servidores vinculados ao poder público por relação jurídico-estatutária.  

Após essa decisão, a corte foi instada a se manifestar sobre a sua extensão relativamente aos servidores ocupantes de cargos em comissão e aos contratados temporariamente, tendo decidido, em sede de reclamação, que a referida decisão é aplicável aos servidores ocupantes desses cargos, uma vez que é irrelevante o argumento da precariedade da investidura. 

Outro exemplo de utilização da reclamação constitucional em hipótese extralegal, isto é, em caso não previsto expressamente nem pela Constituição, nem por normas infraconstitucionais, refere-se à utilização da reclamação constitucional como instrumento de superação de precedente judicial. Sobre esse tema, o caso Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) é bastante notório31

Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232, o STF reconheceu, inicialmente, a constitucionalidade do critério de pobreza fixado na Lei 8.742/199332 para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada.  

Ocorre que, em reclamação posteriormente ajuizada para garantir a autoridade desse julgado, o tribunal reconheceu a inconstitucionalização da referida norma, superando seu entendimento originário.  

O STF conferiu à reclamação, excepcionalmente, a função de revisar julgados do controle concentrado, incumbência bastante distinta das clássicas atribuições do instrumento reclamatório como garantidor da autoridade das decisões do STF e preservador de sua competência. 

Essas decisões são tributárias de que a reclamação é instrumento do processo constitucional, o qual está em constante transformação, impulsionado pela jurisprudência, que lida com novos problemas no contencioso constitucional contemporâneo.  

Assim, as hipóteses legalmente previstas de cabimento da reclamação constitucional no âmbito do STF estão sendo ampliadas por orientação da corte, com base na teoria dos poderes implícitos que justifica origem33 do próprio instituto da reclamação. 

Trata-se, tradicionalmente, de instituto que fortalece a jurisdição, uma vez que possibilita ao órgão prolator de decisão judicial que determine a fiel observância de seus julgados, em caso de recalcitrância. 

Mas a reclamação também tem sido utilizada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como instrumento excepcional de esclarecimento/aperfeiçoamento e até de superação do conteúdo de suas decisões judiciais, a despeito de previsão legal expressa do cabimento da reclamação nessas hipóteses. 

Além de estar consagrada pelo Texto Maior, a reclamação também se encontra prevista na Lei nº 8.038/90 e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Em ambos os casos, utiliza-se o termo genérico “reclamação”.  

No entanto, por ser ajuizada diretamente perante a corte constitucional brasileira, a doutrina acabou por denominá-la de “reclamação constitucional”. 

A natureza jurídica da reclamação é objeto de controvérsia jurisprudencial e doutrinária.  

O Min. Celso de Mello expôs com clareza essa discussão, quando do julgamento da Reclamação n. 336: A reclamação, qualquer que seja a qualificação que se lhe dê – Ação (Pontes de Miranda, “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides de Mendonca Lima, “O Poder Judiciário e a Nova Constituição”, p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (Orosimbo Nonato, “apud” Cordeiro de Mello, “O processo no Supremo Tribunal Federal”, vol. 1/280), incidente processual (Moniz de Aragão, “A Correição Parcial”, p. 110, 1969), medida de Direito Processual Constitucional (Jose Frederico Marques, ” Manual de Direito Processual Civil”, vol. 3., 2. parte, p. 199, item n. 653, 9. ed., 1987, Saraiva) ou medida processual de caráter excepcional (Min. Djaci Falcao, RTJ 112/518-522) – configura, modernamente, instrumento de extração constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, “l”) e do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, “f”). (Rcl. 336, Relator(a):  Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/1990, DJ 15/03/1991).  

Salienta o Ministro e doutrinador Gilmar Ferreira Mendes: “No tocante à natureza jurídica, a posição dominante parece ser aquela que atribui à reclamação natureza de ação propriamente dita, a despeito de outras vozes autorizadas da doutrina identificarem natureza diversa para o instituto, como já referido, seja como remédio processual, incidente processual ou recurso”.  

Em sentido contrário, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 2212, que contestava a criação de reclamação para preservar a competência e garantir a autoridade das decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, assim se manifestou sobre a natureza jurídica do instituto em comento:  

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA J DO REGIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. PREVISÃO, NO ÂMBITO ESTADUAL, DO INSTITUTO DA RECLAMAÇÃO. INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL, SITUADO NO ÂMBITO DO DIREITO DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I DA CARTA. 1. A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual.  

Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF/1988). […] (ADI 2212, Relator(a):  Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 02/10/2003, DJ 14/11/2003).  

A despeito do dissídio da doutrina e jurisprudência quanto à natureza jurídica da reclamação constitucional, fato é que “tramitam aproximadamente três mil Reclamações no STF, número que tem crescido nos últimos anos”. 

Diante da sua importância, cabe analisar a forma pela qual a reclamação constitucional contribui para com o acesso à justiça, do ponto de vista da legitimação para ajuizá-la e garantia da efetividade das decisões e súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.   

Para Cassio Scarpinella Bueno a “legitimidade das partes – também legitimidade para a causa, legitimatio ad causam ou legitimidade para agir – relaciona-se à identidade daquele que pode pretender ser o titular do bem da vida deduzido em juízo”. 

 No que tange às ações constitucionais de competência originária do Supremo Tribunal Federal, é possível verificar que, em regra, a Constituição Federal, bem como as leis infraconstitucionais, prevê um rol taxativo de legitimados ativos.  

É o caso, verbi gratia, da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade (art. 103, CF/1988 e art. 2º, Lei 9.868/1999), bem como da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 12-A, Lei 9.868/1999) e arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 2º, inciso I, Lei 9.882/99). 

No caso da reclamação constitucional, a matéria está regulada pela Lei nº 8.038/1990, que assim dispõe: Art. 13 Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.  

No mesmo sentido, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF): Art. 156 – Caberá reclamação do Procurador-Geral da República, ou do interessado na causa, para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões. Como se observa, as normas sobreditas não definem o que entendem por “parte interessada” e “interessado na causa”.  

Apesar disso, o Supremo Tribunal Federal, já se manifestou no sentido de conferir legitimidade ativa ad causam a todos aqueles que comprovem prejuízo da decisão judicial ou administrativa combatida, in litteris:  

QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DE MÉRITO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 28 DA LEI 9868/99: CONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA VINCULANTE DA DECISÃO. REFLEXOS. RECLAMAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA.  

4. Reclamação. Reconhecimento de legitimidade ativa ad causam de todos que comprovem prejuízo oriundo de decisões dos órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública de todos os níveis, contrárias ao julgado do Tribunal. Ampliação do conceito de parte interessada (Lei 8038/90, artigo 13).  

Reflexos processuais da eficácia vinculante do acórdão a ser preservado. 5. Apreciado o mérito da ADI 1662-SP (DJ de 30.08.01), está o Município legitimado para propor reclamação. Agravo regimental provido. (STF, Rcl 1880 AgR, Relator(a):  Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 01/11/2002, DJ 19/03/2004 – Grifou-se)  

Gilmar Ferreira Mendes ensina que a partir da Reclamação nº 1880 restou assente o cabimento da reclamação para todos aqueles que comprovarem prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do STF, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado. 

Nesse contexto, a reclamação constitucional se caracteriza por possibilitar ao cidadão o acesso à justiça em sua plenitude, na medida em que garante o cumprimento das decisões do STF e das súmulas vinculantes por ele editadas.  

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal34 prevê as consequências nos casos de procedência da reclamação constitucional: 

 Art. 161. Julgando procedente a reclamação, o Plenário ou a Turma poderá: I – avocar o conhecimento do processo em que se verifique usurpação de sua competência; II – ordenar que lhe sejam remetidos, com urgência, os autos do recurso interposto; III – cassar a decisão exorbitante de seu julgado, ou determinar medida adequada à observância de sua jurisdição.  

Igual eficácia tem a procedência da reclamação cujo objeto é decisão ou ato que contrarie verbete de súmula vinculante, in verbis: RECLAMAÇÃO. AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DO ART. 127 DA LEP POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL ESTADUAL. VIOLAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE 9. PROCEDÊNCIA.  

No caso em tela, o Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Franco da Rocha/SP, reconhecendo a ocorrência de falta grave na conduta do sentenciado, declarou perdidos os dias remidos, nos termos do art. 127 da LEP (Lei de Execução Penal)35.   

Ao julgar o agravo em execução interposto pela defesa do reeducando, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 11 de março de 2009, deu provimento ao recurso, para restabelecer os dias remidos. 

O julgamento do agravo ocorreu em data posterior à edição da Súmula Vinculante 09, como inclusive foi expressamente reconhecido pela Corte local. 

 O fundamento consoante o qual o enunciado da referida Súmula não seria vinculante36 em razão da data da falta grave ter sido anterior à sua publicação não se mostra correto.     

Com efeito, a tese de que o julgamento dos recursos interpostos contra decisões proferidas antes da edição da súmula não deve obrigatoriamente observar o enunciado sumular (após sua publicação na imprensa oficial), data venia, não se mostra em consonância com o disposto no art. 103-A, caput, da Constituição Federal, que impõe o efeito vinculante a todos os órgãos do Poder Judiciário, a partir da publicação da súmula na imprensa oficial.  

Desse modo, o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em 11 de março de 2008, ao não considerar recepcionada a regra do art. 127, da LEP, afrontou a Súmula Vinculante 09. 

 Ante o exposto, julgo procedente a presente reclamação para cassar o acórdão da 12ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que restabeleceu os dias remidos do reeducando. (Rcl. 8321, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2011, DJe 01/06/2011 – grifo meu)  

Destaca-se que ao despachar a reclamação o relator poderá, caso necessário, ordenar a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável. 

 Também é possível ao Presidente do Tribunal ou da Turma determinar, após o julgamento da reclamação, o imediato cumprimento da decisão com a lavratura posterior do acórdão.  

Tais medidas reforçam a ideia segundo a qual a reclamação constitucional é um importante instrumento de efetividade das decisões do STF, uma vez que sua conformação legal e regimental permite sejam atendidas situações de urgência em que o direito tutelado ou ameaçado necessita de guarida célere e eficaz da Corte.  

permitiu constatar que o Supremo Tribunal Federal tem interpretado extensivamente o rol de legitimados ativos para ajuizar reclamação constitucional, de modo a admitir qualquer cidadão que comprove prejuízo de decisão judicial37 ou ato administrativo contrário a súmula vinculante ou posicionamento da Corte firmado em ações de eficácia erga omnes e efeito vinculante.  

Conclui-se que a reclamação constitucional consiste em um importante mecanismo de acesso à justiça38 em sua plenitude.  O STJ e o STF possuem entendimentos completamente divergentes sobre o cabimento da reclamação para fins de preservação da autoridade de acórdãos proferidos em recursos especiais repetitivos e repercussões gerais. 

Referências 

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Mantida multa de R$ 11,28 mi contra banco por práticas abusivas

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A 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de instituição bancária que pretendia anular de auto de infração e cancelamento da multa de R$ 11 milhões imposta pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/SP). De acordo com os autos, o banco acionou a Justiça após ser multado pela prática de seis infrações ao Código de Defesa do Consumidor, entre elas a imposição de compra de seguro residencial para análise de solicitação de empréstimo.

O relator do recurso, desembargador Paulo Barcellos Gatti, ressaltou em seu voto que a prática de comercializar seguro juntamente com empréstimo consignado viola o disposto no CDC. O magistrado também apontou que “em mais de uma oportunidade, as informações fornecidas pelo banco aos consumidores foram insuficientes”.

Sobre a multa, o magistrado escreveu que o  Procon, como órgão de fiscalização, tem competência administrativa para aplicar sanções àquele que violar normas vigentes, sendo que o seu poder de polícia decorre de normas federal e estadual. Sobre o valor aplicado, destacou que a instituição bancária teve oportunidade de exercício das garantias constitucionais à ampla defesa e ao contraditório no curso do processo administrativo instaurado pela fundação. “Com base nos critérios previamente estabelecidos que, consoante mencionado, tão somente pormenorizou aqueles já descritos no artigo 57, caput, do CDC, o órgão administrativo aplicou, fundamentadamente, a correspondente sanção administrativa, conforme se verifica do ‘demonstrativo de cálculo da multa’, inexistindo qualquer desproporcionalidade ou irrazoabilidade no procedimento”, afirmou.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Ana Liarte e Maurício Fiorito. A decisão foi unânime.  Apelação nº 1036048-10.2022.8.26.0053

 FONTE:  TJSP, 20 de setembro de 2023.

Revertida condenação com base em reconhecimento fotográfico

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Em julgamento de revisão criminal, o 7º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu, por unanimidade, homem que havia sido condenado por latrocínio com base em reconhecimento fotográfico.

De acordo com os autos, três homens foram denunciados e um dos acusados, em confissão extrajudicial, detalhou o envolvimento de um quarto homem, conhecido por “Magrão” ou “Mimizão”, que teria efetuado os disparos. Com base nessa confissão, a polícia apresentou fotografias do autor a duas testemunhas, em depoimento extrajudicial, que teriam reconhecido o homem. Já em audiência, uma delas se retratou e a outra não foi ouvida.

“O reconhecimento fotográfico presente nestes autos não seguiu os parâmetros mínimos de confiabilidade necessários, haja vista que a autoridade policial tão somente mostrou a fotografia do peticionário às testemunhas presenciais do crime. E, para além da precariedade do reconhecimento, o procedimento não foi confirmado em juízo”, afirmou o relator do recurso, desembargador Marcelo Semer. Para o magistrado, as provas elencadas pouco esclarecem sobre a participação do apelante, “de forma que a condenação está contrária à evidência dos autos, razão pela qual é o caso de deferimento da revisão criminal”.

O julgamento contou com a participação dos desembargadores Xisto Albarelli Rangel Neto, Augusto de Siqueira, Hermann Herschander, Walter da Silva, Marco de Lorenzi, Moreira da Silva, Miguel Marques e Silva e Marcelo Gordo.  Revisão criminal nº 0021180-43.2021.8.26.0000

FONTE:  TJSP, 21 de setembro de 2023.

TJPI autoriza processos extrajudiciais de divórcio, dissolução de união estável e inventários envolvendo filhos menores ou incapazes

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Regra foi adotada após pedido do IBDFAM-PI em conjunto com a OAB-PI

O Tribunal de Justiça do Piauí – TJPI autorizou a realização extrajudicial de procedimentos de divórcio, dissolução de união estável e inventários, mesmo quando há filhos menores de idade ou incapazes envolvidos.

A norma está contemplada no novo Código de Normas de Serviços Notariais e Registrais e é fruto do pedido do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Piauí – IBDFAM-PI, e da Comissão de Direito das Famílias e Subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Piauí – OAB-PI.

As advogadas Ana Letícia Arraes, Isabella Paranaguá e Cláudia Paranaguá, membros da diretoria do IBDFAM-PI, explicam que para a realização desses procedimentos é fundamental apresentar ao tabelião a comprovação prévia da resolução das questões relacionadas à guarda, pensão alimentícia e convivência.

“Para os inventários extrajudiciais com filhos menores ou incapazes, é necessário que haja a adjudicação de único herdeiro ou que cada bem seja partilhado aos herdeiros e ao cônjuge de acordo com o quinhão ideal. Caso a partilha não obedeça a este critério, requer-se prévia autorização judicial, conforme o artigo 725, VII, do Código de Processo Civil. Nesse caso, o juízo competente, após a oitiva do Ministério Público, avaliará se não há prejuízo ao incapaz e permitirá a partilha de forma extrajudicial”, afirmam.

As advogadas ressaltam que a presença de filhos menores e incapazes nos procedimentos de inventário, divórcio e dissolução de união estável reflete em uma preocupação com a preservação e defesa dos direitos das crianças e dos incapazes.

“É necessário comprovar que esses indivíduos não serão prejudicados com essa nova possibilidade de procedimento extrajudicial”, elas observam.

Ainda assim, as advogadas analisam que a nova regra representa um avanço em relação à desjudicialização das demandas familiares, além de impactar na celeridade judicial.

“Isso estimula a conciliação entre as partes, visto que os processos extrajudiciais são mais rápidos e contribuem para que as Varas de Família e Sucessões possam oferecer à sociedade um serviço judicial mais eficaz e ágil, posto que a extrajudicialização resulta na redução do acervo dessas jurisdições”, avaliam.

Pedido de providências

Em março passado, o IBDFAM enviou ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ pedido de providências para autorizar a realização extrajudicial da dissolução conjugal e de inventários, mesmo quando houver filhos menores e incapazes, desde que consensual, e ainda que haja testamento.

O Instituto já havia protocolado pedido para quando houvesse testamento. Na época, porém, o CNJ não admitiu a possibilidade. O novo pedido tem como base recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que garantiu a possibilidade.

No documento, o IBDFAM sugere a adequação da hipertrofia da extrajudicialização em uma nova intelecção do artigo 610 do Código de Processo Civil – CPC para que seja autorizada de forma expressa uma normativa federal pelo CNJ do inventário extrajudicial com filhos menores ou incapazes, desde que a partilha seja ideal, ou seja, que todos recebam, inclusive, os incapazes, o que está previsto em lei, sem nenhum tipo de prejuízo.

O Instituto também sugere que seja autorizado o divórcio consensual de forma extrajudicial, ainda que com filhos menores e incapazes, ressalvadas as questões relativas à convivência familiar e alimentos entre filhos menores, que, obrigatoriamente, devem seguir para via judicial. Outra sugestão é para que seja autorizado o inventário extrajudicial ainda que exista testamento.

Atualmente, seis Estados brasileiros admitem a possibilidade: Rio de Janeiro, Santa Catarina, Mato Grosso, Acre, Maranhão e, agora, Piauí.

FONTE:  IBDFAM, 21 de setembro de 2023.

MP pode propor ação civil pública para defender interesses individuais de vítima de violência doméstica

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Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério Público (MP) tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais de vítima de violência doméstica. De acordo com o relator, desembargador convocado Jesuíno Rissato, a ação civil pública pode ser utilizada não apenas para tutelar conflitos de massa, que envolvem direitos transindividuais, mas também para defender direitos e interesses indisponíveis ou que detenham “suficiente repercussão social”, servindo a toda a coletividade.

Após ter sido agredida pelo irmão, uma mulher procurou o Ministério Público de São Paulo, que requereu medidas protetivas de urgência, as quais foram deferidas pelo juízo de primeiro grau. Quatro meses depois, o MP ajuizou a ação civil pública com pedidos para que o réu se afastasse da casa onde morava com a irmã e fosse proibido de se aproximar ou ter contato com ela.

Por considerar que o MP não possuía legitimidade ativa para propor tal tipo de ação, o juízo indeferiu a petição inicial. Na mesma linha, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento à apelação, sob o entendimento de que a ação ajuizada com o nome de ação civil pública tinha, na verdade, natureza de ação civil privada, que não compete ao MP propor.

Legitimidade da atuação do MP se vincula à indisponibilidade dos direitos individuais

Em seu voto, o relator do recurso no STJ destacou que, conforme o artigo 25 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), o MP tem legitimidade para atuar nas causas cíveis e criminais decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Jesuíno Rissato lembrou que, no julgamento do Tema 766 dos recursos repetitivos, a Primeira Seção do STJ definiu que o limite para a legitimidade da atuação judicial do Ministério Público se vincula à disponibilidade, ou não, dos direitos individuais a serem defendidos.

“Tratando-se de direitos individuais disponíveis, e não havendo uma lei específica autorizando, de forma excepcional, a atuação dessa instituição permanente – como no caso da Lei 8.560/1992, que trata da investigação de paternidade –, não se pode falar em legitimidade de sua atuação. Contudo, se se tratar de direitos ou interesses indisponíveis, a legitimidade ministerial decorre do artigo 1º da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)”, explicou.

Medida protetiva de urgência requerida tem natureza indisponível

O magistrado ponderou que a medida protetiva de urgência requerida para resguardar interesse individual de uma vítima de violência doméstica e familiar tem natureza indisponível, visto que a Lei Maria da Penha surgiu para assegurar o cumprimento de tratados internacionais de direitos humanos nos quais o Brasil assumiu o compromisso de resguardar a dignidade da mulher (a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres).

“O objeto da ação civil pública proposta no presente caso é, sim, direito individual indisponível que, nos termos do artigo 1º da Lei 8.625/1993, deve ser defendido pelo Ministério Público, que, no âmbito do combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, deve atuar tanto na esfera jurídica penal quanto na cível, conforme o artigo 25 da Lei 11.340/2006”, concluiu Rissato ao dar provimento ao recurso especial e reconhecer a legitimidade ativa do MP para representar a vítima na ação civil pública.  REsp 1.828.546.

FONTE:  STJ, 21 de setembro de 2023.

Princípio da insignificância pode ser aplicado a contrabando de até mil maços de cigarro, define Terceira Seção

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Em julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.143), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a tese de que o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar mil maços, seja pela baixa reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão do contrabando de grande vulto.

No entanto, segundo o colegiado, o princípio da insignificância poderá ser afastado nas apreensões abaixo de mil maços se houver reiteração da conduta criminosa, pois tal circunstância indica maior reprovação e periculosidade social.

Ao fixar o precedente qualificado por maioria de votos, o colegiado modulou os efeitos da decisão para definir que a tese deve ser aplicada apenas aos processos ainda em trâmite na data do julgamento (13 de setembro) – sendo inaplicável, portanto, às ações penais já transitadas em julgado. Não havia determinação de suspensão de processos em razão da afetação do tema.

Aplicação pontual do princípio da insignificância já é adotada pelo MP

No voto que prevaleceu na seção, o ministro Sebastião Reis Junior explicou que a conduta de introduzir cladestinamente cigarro pela fronteira brasileira constitui crime de contrabando, tanto no caso de cigarro produzido no Brasil para exportação quanto nas hipóteses em que a importação do produto é expressamente proibida (artigo 18 do Decreto-Lei 1.593/1977).

O ministro ainda lembrou que o Brasil é signatário da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, cujo artigo 15 determina a repressão do comércio ilícito de produtos de tabaco, inclusive o contrabando.

Sob essa perspectiva, e como forma de proteção à saúde pública, Sebastião Reis Junior afirmou que, em regra, deve prevalecer o entendimento de que o contrabando de cigarros não comporta a aplicação do princípio da insignificância.

“Por outro lado, entendo que a posição adotada pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, no sentido da aplicação do princípio da insignificância para a hipótese de contrabando de cigarros em quantidade que não ultrapassa mil maços, não só é razoável do ponto de vista jurídico como ostenta uma base estatística sólida para sua adoção”, afirmou.

Apreensões de até mil maços são poucas em relação ao volume total

Para embasar esse posicionamento, o ministro apontou que as apreensões de até mil maços, embora correspondam à maioria das autuações, representam muito pouco em relação ao volume total de cigarros apreendidos. De acordo com as informações estatísticas do ano passado, a maior quantidade se verifica em autuações superiores a dez mil maços, com a concentração mais expressiva (73,41%) nas apreensões entre cem mil e um milhão de maços.

Dessa forma, para o ministro, impedir a aplicação do princípio da insignificância nas apreensões de até mil maços de cigarro seria ineficaz para a proteção da saúde pública, além de sobrecarregar indevidamente os entes estatais encarregados da persecução penal, “sobretudo na região de fronteira, com inúmeros inquéritos policiais e outros feitos criminais derivados de apreensões inexpressivas, drenando o tempo e os recursos indispensáveis para reprimir e punir o crime de vulto”.  REsp 1.971.993.

FONTE:  STJ,  20 de setembro de 2023.

Penhora contra empresa do mesmo grupo da executada exige prévia desconsideração da personalidade jurídica

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A busca judicial por patrimônio de empresa que não integrou a ação na fase de conhecimento e não figura na execução, ainda que ela integre o mesmo grupo econômico da sociedade executada, depende da instauração prévia do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não sendo suficiente o simples redirecionamento do cumprimento de sentença.

O entendimento foi estabelecido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a recurso especial e julgar procedentes os embargos de terceiros opostos por uma empresa que teve mais de R$ 500 mil penhorados em razão de dívida de outra empresa do mesmo grupo, decorrente de ação ajuizada por consumidor. A penhora não foi precedida de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada.

Ao manter a penhora determinada em primeiro grau, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que o artigo 28, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a responsabilidade subsidiária das pessoas jurídicas integrantes do mesmo grupo societário da devedora principal, o que tornaria possível penhorar ativos de outras empresas do grupo caso não se encontrassem bens da sociedade devedora.

Incidente de desconsideração é norma processual de observância obrigatória

Relator do recurso especial, o ministro Antonio Carlos Ferreira explicou que a responsabilidade civil subsidiária, prevista expressamente no CDC, não exclui a necessidade de observância das normas processuais destinadas a garantir o contraditório e a ampla defesa – entre elas, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Segundo o ministro, a interpretação do CDC deve levar em conta que a previsão de responsabilidade subsidiária das sociedades integrantes de um grupo econômico está inserida na mesma seção que disciplina o instituto da desconsideração. Ainda de acordo com Antonio Carlos Ferreira, a norma processual de instauração do incidente é de observância obrigatória e busca garantir o devido processo legal.

“Portanto, o tribunal de origem, ao entender ser suficiente o mero redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não participou da fase de conhecimento, penhorando o crédito da recorrente sem prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, violou o disposto nos artigos 28, parágrafo 2º, do CDC e 133 a 137 do Código de Processo Civil“, concluiu o ministro. REsp 1864620

FONTE:   STJ, 19 de setembro de 2023.

Proibição de bebida no regime aberto deve considerar crime e situação pessoal do condenado

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​Para a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a proibição genérica do consumo de álcool, imposta pelo juízo da execução penal como condição especial para o cumprimento da pena em regime aberto, deve levar em consideração as circunstâncias específicas do crime e a situação individual do reeducando, não sendo suficiente o argumento de que a medida busca preservar sua saúde ou prevenir futuros delitos.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao dar parcial provimento a uma reclamação e, nos termos de decisão anterior proferida pelo STJ em habeas corpus (HC 751.948), ordenar que o juízo da execução revise a determinação – fundamentando-a ou eliminando-a – de proibir a ingestão de bebida alcoólica, estabelecida a um condenado por roubo como condição para o cumprimento da pena em regime aberto.

Em decisão aplicável a todas as pessoas que cumprissem pena em regime aberto na comarca de Guaxupé (MG), o juízo da execução, entre outras medidas, havia proibido o consumo de qualquer tipo de bebida alcóolica.

Após a decisão do STJ no HC 751.948, determinando ao juízo que fundamentasse de forma individualizada eventuais condições especiais de cumprimento da pena, a vara de execuções penais manteve a proibição de ingestão de álcool, citando razões como o comportamento do reeducando no curso da execução penal e problemas de saúde enfrentados por ele.

Não há impedimento para consumo moderado de álcool na folga ou em casa

O relator da reclamação, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ponderou que, de fato, o apenado não deve ingerir álcool durante o horário de trabalho ou antes de dirigir – conduta que, inclusive, é tipificada como crime pelo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

“No entanto, não parece, a princípio, irrazoável que o executado, estando dentro de sua residência, no período noturno ou em dias de folga, venha a ingerir algum tipo de bebida alcóolica (uma cerveja, por exemplo), cujo consumo não é vedado no ordenamento jurídico brasileiro, aconselhando-se, por óbvio, a moderação, tendo em conta os conhecidos efeitos deletérios do excesso de consumo de álcool para a saúde”, concluiu o ministro ao determinar que o juízo revise a condição especial de cumprimento da pena, devendo observar a situação individual do apenado.

Leia o acórdão na Rcl 45.054.

FONTE  19 de setembro de 2023.