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OBRIGAÇÃO ALIMENTAR: Maioridade não é o bastante para por fim ao pagamento de pensão para filho

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DECISÃO:  TJ-DF  –  Segundo Desembargadores, alimentos são devidos não só pela menoridade, mas por dever de solidariedade entre os pais

O simples fato de o filho completar 18 anos não é suficiente para livrar o pai ou a mãe do pagamento da pensão alimentícia. A conclusão foi da 4ª Turma Cível do TJDFT que, em decisão unânime, negou pedido formulado pelo genitor para ser exonerado da obrigação de alimentar. A Turma levou em conta a atual situação da filha, que acabou de ingressar numa faculdade particular para fazer curso superior.

De acordo com a 4ª Turma, o artigo 1699 do Código Civil prevê expressamente a possibilidade de modificação na obrigação alimentar, mas isso não pode ocorrer automaticamente. A mudança, segundo os Desembargadores, requer prova “irrefutável e convincente” de que houve alteração na situação de pai e filho.

Para pedir a exoneração, o pai alegou nos autos ter sofrido queda em sua renda mensal desde que a pensão foi fixada em dois salários mínimos e meio. O autor argumentou, mas não comprovou suas alegações. Por outro lado, há informações nos autos de movimentação bancária de grande vulto e em diversas instituições financeiras. O histórico, para a Turma, revela capacidade para continuar contribuindo.

Durante a discussão da matéria, os Desembargadores chegaram à conclusão de que os alimentos são devidos não só pela menoridade, mas por dever de solidariedade. Por essa razão, não deve ficar restrito só ao pai ou mãe que mora junto com o filho. “O auxílio do par parental deve ser equânime, por critério de justiça. Não se justifica que somente o genitor com que vive o alimentando permaneça com o pesado ônus de sua formação universitária, somando-se às demais despesas, como alimentação, vestuário e moradia”, esclareceram. Nº do processo:20050111206139


FONTE:  TJ-DF, 11 de outubro de 2007.

O “Crime da Cantareira”: quem são os culpados?

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PENSANDO ALTO:   *Clovis Brasil Pereira

O  crime em breve histórico

Um dos crimes  que mais chocaram a população de São Paulo, e causaram indignação à toda sociedade brasileira, foi sem dúvida, o chamado “crime  da cantareira”,  que ocorreu  no mês de setembro de 2007.

A morte de dois adolescentes,  e outros  ataques perpetrados pelo acusado, podem contabilizar, segundo a polícia, 21 (vinte e uma) vítimas de abuso sexual, das quais 11 (onze) já foram identificadas. Os  atos de violência, com  sinais de barbárie, por certo, chocam o senso comum, a sensibilidade humana, principalmente porque se tratava de crianças indefesas, que por certo  não tinham como opor qualquer resistência à sanha assassina.

O crime ocorreu numa mata próxima à Serra da Cantareira, na Zona Norte de São Paulo, e os corpos das vítimas fatais, os irmãos Francisco, de 14 anos, e Josenildo, de 13 anos, foram encontrados no dia 25/09, sendo que o principal suspeito, que veio a confessar o crime, Ademir Oliveira do Rosário, foi preso no dia seguinte.

A polícia, segundo noticiário, suspeita  que o criminoso era ajudado por uma ou mais pessoas, tendo efetuado a prisão de um suspeito, que se encontra preso, enquanto perduram as investigações.

A história do assassino confesso

Obviamente, que a dor da família das vítimas, é indescritível, e como pai, sinto que  é inimaginável formas ou receitas para aplacar a dor, a indignação e a revolta que, principalmente os familiares e amigos mais próximos, estão sentindo e vivenciando com o triste acontecimento.

Chamou-nos a atenção todavia, o histórico de crimes do acusado, e as condições em que tal indivíduo saiu do cárcere,  e  foi colocado em regime de “desinternação progressiva”, programa disponibilizado para prisioneiros com problemas psiquiátricos.

Por esse programa, o suspeito dos crimes teve  a oportunidade de ganhar a liberdade de sábado a segunda feira, com retorno ao Hospital Psiquiátrico de Franco da Rocha, onde permanecia de segunda à sexta feira.  Isso, segundo consta no noticiário, já vinha ocorrendo desde 19 de setembro de 2006, portanto há mais de um ano.

Sua ficha de crimes é extensa.  Em 1999 foi condenado a um total de 18 anos de prisão por homicídio, roubo, atentado violente ao pudor e porte ilegal de arma. Cumpriu parte da pena na Casa de Custódia de Taubaté, interior de São Paulo, e  finalmente transferido para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo.

A "quase falência" dos meios de controle do Estado

A sociedade como um todo, tem, através do Estado, aqui representado  por  seus agentes estatais,  sejam da União, Estados ou Municípios,  os órgãos responsáveis pelo controle dos indivíduos, suas ações,  omissões, o direito à liberdade,  o dever de repressão aos delinqüentes, a assistência aos necessitados, enfim,  criar as condições básicas e necessária para que a convivência social seja  harmoniosa.

Nesse passo,  tenho plena convicção de  que tais controles  têm se mostrado ineficientes, precários, e em muitos casos,  em plena falência.

E porque afirmamos  isso?   Constatamos  com absoluto espanto,  que o Hospital onde o criminoso estava internado, para recuperação de distúrbios psiquiátricos, não reúne as mínimas condições de oferecer qualquer programa de recuperação. Faltam  médicos, enfermeiros, os equipamentos mínimos necessários  são precários. Enfim, o local não oferece as mínimas condições para  prestar assistência  aos doentes lá internados.

Segundo declarou o Presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), referido Hospital não tem condições ao menos de ser chamado de “Hospital”, e não deveria nem  estar funcionando.

Foi noticiado também, que a transferência do condenado para o programa de  internação progressiva, foi determinado pelo Poder Judiciário, com base em dois laudos constantes do processo. Dois desses laudos  afirmavam que o condenado  tinha problemas psiquiátricos, e outros dois, que afirmavam o contrário, ou seja, tinha capacidade mental plena.

Por outro lado, o programa permitia a liberdade paulatina do preso, e  oferecia a liberdade  ao suspeito dos assassinatos, no fins de semana, já por mais de um ano,   e os agentes responsáveis pela sua execução,  não detinham  nenhum mecanismo de controle da conduta do prisioneiro, quando fora do local de  internação. 

Pelo que se vê, o crime por ingerência direta de  uma sucessão de erros e omissões, que denotam, no mínimo, a falência dos meios de controle da sociedade.

Afinal, quem são os culpados?

Essa é uma reflexão da qual não podemos fugir.  Colocar a culpa e a responsabilidade, por tão nefasto crime,  somente sobre os ombros de Ademir Oliveira do Rosário, o criminoso confesso, parece fácil, cômodo, porém se mostra muito ingênuo e pueril.

O  pretenso criminoso estava em liberdade, por ato do Estado, que através de seus agentes, atestaram, de forma equivocada, precária, inconsistente, que tal indivíduo podia conviver em sociedade.

Ele não pulou muros, rompeu cadeados, quebrou paredes, serrou grades, empreendeu  fuga, para se colocar do lado de fora da prisão.  Foi condenado em 1999, a uma pena de 18 anos, apresentava sinais de problemas psiquiátricos, e com sete anos, recebeu autorização do Poder Judiciário, para  viver em liberdade parcial.

O resultado dessa sucessão de erros e omissões, deu no que deu. Tivesse o Estado oferecido meios, como lhe competia, através de um equipe de psiquiatras, peritos, médicos, enfermeiros, enfim, profissionais comprometidos com a responsabilidade da função  recebida, por certo, Ademir Oliveira do Rosário não estaria nas ruas, por mais de um ano,  sem nenhuma vigilância, acompanhamento ou monitoramento externos.  Aliás, possivelmente não estaria ao menos autorizado à desinternação progressiva.

O Poder Judiciário, por sua vez, teria tido condições de melhor avaliar o pedido do prisioneiro, que obviamente ansiava pela liberdade, mas que, de forma   realista, agora se sabe, não estava apto para recebê-la.

Tenho  plena convicção, que esta é mais uma anúncio, um aviso,  de que a sociedade precisa reagir, se posicionar, exigir melhor  instrumentalização dos meios de controle da vida em sociedade, pois caso contrário, chegaremos ao fundo do poço, muito em breve.

É triste dizer, mas  a culpa pelo bárbaro “crime da cantareira”, não pode ser creditada apenas ao acusado Ademir Oliveira do Rosário. A culpa e a responsabilidade pela morte de mais dois inocentes,  deve ser compartilhada com o Poder Estatal, seja a União, o Estado ou  Municípios, cada um no limite de suas atribuições constitucionais, e que têm, indistintamente,  se mostrado  inoperantes, impotentes,  negligentes, para gerir os destinos da sociedade.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

 

CLOVIS BRASIL PEREIRA:   é Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito,  Professor Universitário;  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor do site jurídico www.prolegis.com.br 

Contatoprof.clovis@terra.com.br

   

Lei Maria da Penha, afirmação da igualdade

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  * Maria Berenice Dia

             A liberdade é  antes de tudo   o direito à desigualdade.    N. A. Berdiaef   

O princípio da igualdade é consagrado enfática e repetidamente na Constituição Federal. Está no seu preâmbulo como compromisso de assegurar a igualdade e a justiça. A igualdade é o primeiro dos direitos e garantias fundamentais (CF, art. 5º): todos são iguais perante a lei. Repete o seu primeiro parágrafo: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Mas há mais, é proibida qualquer discriminação fundada em motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (CF, art. 7º, XXX).

Exatamente para garantir a igualdade é que a própria Constituição concede tratamento diferenciado a homens e mulheres. Outorga proteção ao mercado de trabalho feminino, mediante incentivos específicos (CF, art. 7º, XX) e aposentadoria aos 60 anos, enquanto para os homens a idade limite é de 65 (CF, art. 202).

A aparente incompatibilidade dessas normas solve-se ao se constatar que a igualdade formal – igualdade de todos perante a lei – não conflita com o princípio da igualdade material, que é o direito à equiparação mediante a redução das diferenças sociais. Trata-se da consagração da máxima aristotélica de que o princípio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.

Marcar a diferença é o caminho para eliminá-la. Daí a necessidade das leis de cotas, quer para assegurar a participação das mulheres na política, quer para garantir o ingresso de negros no ensino superior. Nada mais do que mecanismos para dar efetividade à determinação constitucional da igualdade. Também não é outro motivo que leva à instituição de microssistemas protetivos ao consumidor, ao idoso, à criança e ao adolescente.

Portanto, nem a obediência estrita ao preceito isonômico constitucional permite questionar a indispensabilidade da Lei n. 11.340/06, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica. A Lei Maria da Penha veio atender compromissos assumidos pelo Brasil ao subscrever tratados internacionais que impõem a edição de leis visando assegurar proteção à mulher. A violência doméstica é a chaga maior da nossa sociedade e berço de toda a violência que toma conta da nossa sociedade. Os filhos reproduzem as posturas que vivenciam no interior de seus lares. 

Assim demagógico, para não dizer cruel, é o questionamento que vem sendo feito sobre a constitucionalidade de uma lei afirmativa que tenta amenizar o desequilíbrio que ainda, e infelizmente, existe nas relações familiares, em decorrência de questões de ordem cultural. De todo descabido imaginar que, com a inserção constitucional do princípio isonômico, houve uma transformação mágica. É ingênuo acreditar que basta proclamar a igualdade para acabar com o desequilíbrio nas relações de gênero. Inconcebível pretender eliminar as diferenças tomando o modelo masculino como paradigma.

Não ver que a Lei Maria da Penha consagra o princípio da igualdade é rasgar a Constituição Federal, é não conhecer os números da violência doméstica, é revelar indisfarçável discriminação contra a mulher, que não mais tem cabimento nos dias de hoje.

Ninguém mais do que a Justiça tem compromisso com a igualdade e esta passa pela responsabilidade de ver a diferença, e tentar minimizá-la, não torná-la invisível.



REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

MARIA BERENICE DIAS, Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, www.mariaberenice.com.br

 

Bens da família são penhoráveis em execução movida por empregado doméstico

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DECISÃO:  TRT-MG  –  De acordo com o artigo 1º da lei dos empregados domésticos (Lei 5.859/72), a relação jurídica de doméstica não se faz na pessoa daquele que assinou a CTPS da empregada, mas em razão da família. Portanto, em se tratando de processo de execução, os bens da unidade familiar devem responder pela dívida e podem ser penhorados. Com base neste fundamento, a 6ª Turma do TRT-MG negou provimento a agravo de petição de duas menores que tiveram seus bens penhorados para pagamento de dívidas trabalhistas da reclamante, que trabalhou como empregada doméstica em sua residência.

A alegação das agravantes era de que os bens penhorados em sua casa lhes pertenciam e que o real devedor era o pai, que assinou a CTPS da reclamante, mas não morava mais na residência da família, pois o casal já havia se separado judicialmente.

Mas o desembargador Antônio Fernando Guimarães, relator do recurso, ressaltou que os serviços domésticos são prestados à família, de acordo com o artigo 1º, da Lei 5.859/72 e que a atual empregadora era a mãe das menores. “Como a execução decorre de relação jurídica de doméstica, não obstante constar como empregadora a mãe das agravantes, menores impúberes, os bens da unidade familiar, todos eles, devem responder pela dívida” – esclareceu.

Portanto, ainda que os filhos da empregadora doméstica sejam proprietários dos bens, eles respondem pela dívida, já que a relação de emprego da doméstica não se faz apenas com quem contrata, mas com toda a família beneficiária dos serviços. (AP nº 00346-2007-106-03-00-2)


FONTE:  TJ-MG, 10 de outubro de 2007.

Exame de Ordem e Cidadania

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* Cezar Britto

“O Senado Federal examinará nos próximos dias proposta de extinção do Exame de Ordem, prova de conhecimentos básicos a que se submete por lei o bacharel em direito no Brasil para credenciar-se ao exercício profissional da advocacia. Como se sabe, é expressivo o número de reprovações nesse exame no país, o que indica má qualidade de expressiva parcela dos cursos jurídicos. É indispensável, porém, separar o joio do trigo para entender o que se passa e buscar soluções.

Os bons cursos aprovam a quase totalidade dos alunos. Já com os maus cursos dá-se o oposto. Por quê? Simples: em sua imensa maioria, são patrocinados por empresários picaretas, inescrupulosos, sem compromisso com a causa da educação, movidos apenas pela avidez mercantilista. Em vez de bani-los do mercado, ou submetê-los a padrões mínimos de eficiência e compostura acadêmica, há quem sugira o inverso: que se elimine o instrumento que denuncia a anomalia — o Exame de Ordem. É como quebrar o termômetro para baixar a febre do paciente. Lamentavelmente, essa visão distorcida fez que chegasse ao Senado projeto de lei nesse sentido.

A solução evidentemente não pode ser essa. É preciso ir às raízes do problema — e não há dúvida de que a proliferação de instituições de ensino caça-níqueis está na base dessa anomalia. Trata-se de desserviço ao país, ao direito e, sobretudo, aos milhares de jovens que, iludidos na boa-fé, se submetem a essas instituições em busca de ascensão social pelo saber.

Levantamento da OAB, atualizado até 30 de maio deste ano, constata que a oferta de cursos jurídicos no país continua bem acima da capacidade de absorção do mercado — e bem acima da capacidade do Estado de sobre eles exercer algum controle de qualidade. Temos o levantamento estado por estado. Mas fiquemos na soma total: há nada menos que 1.046 cursos jurídicos em funcionamento no país, oferecendo 194 mil e 689 vagas.

Esse é o número de bacharéis que serão postos no mercado de trabalho ao final deste ano — número espantoso, bem acima da demanda. Pior: a maioria despreparada para os mais elementares rudimentos da profissão. Prova disso é o colossal índice de reprovações no Exame de Ordem. Há hoje aproximadamente 600 mil advogados inscritos na OAB. A média de criação de cursos jurídicos no país entre 1994 e 1997 era de 20 anuais. De 1998 a 2003, saltou para 71.

Este ano, no espaço inferior a um mês — entre junho e julho —, o governo federal autorizou o funcionamento de nada menos que 20 instituições e reconheceu quatro outras. Do total de autorizações e reconhecimentos avalizados pelo MEC, a Comissão Nacional de Ensino Jurídico da OAB havia emitido parecer favorável a apenas um curso: a Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo. As demais não passaram por nosso crivo.

Da proliferação de cursos inabilitados surge outro dado preocupante: o espantoso aumento do número de bacharéis prestando o exame. Entre 1996 e 2004, o aumento é de 2.533%. Se a OAB fosse uma instituição de índole exclusivamente corporativa, não teria por que se insurgir contra esse quadro. Seria beneficiária dele. Sem o exame, teríamos hoje no Brasil algo em torno de 4 milhões de advogados — o que é mais que a soma de todos os advogados do planeta. Transformaríamos a OAB na mais poderosa e multimilionária entidade de classe. Mas estaríamos condenando a prestação jurisdicional à morte.

O Brasil, mesmo com o filtro da Ordem, é o segundo colégio de advogados do Ocidente — perde apenas para os Estados Unidos. Seria ótimo, se houvesse mercado para todos, se isso se refletisse na qualidade do serviço prestado. Não é, porém, assim. O ensino jurídico sem qualidade atinge todo o espectro da Justiça, pois compromete a formação de todos os que participam de sua administração — e, em última análise, atinge o próprio conceito de cidadania e de democracia.

Por essa razão, OAB e MEC firmaram parceria para sanear o ambiente. Já a partir deste mês, vão supervisionar cerca de 100 estabelecimentos reprovados tanto pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) como pelo Exame de Ordem. Para isso, criaram grupo de trabalho com membros da consultoria jurídica de ambas as instituições para estudar medidas jurídicas contra as chamadas faculdades caça-níqueis. As sanções podem ir de redução das vagas oferecidas à suspensão do vestibular.

O objetivo é garantir qualificação técnica ao bacharel, permitindo que triunfe profissionalmente num mercado disputadíssimo e contribua para a melhoria da qualidade da prestação jurisdicional. Justiça é insumo básico da cidadania — e, não obstante, o Brasil não a fornece à imensa maioria da população. Extinguir o Exame de Ordem é agravar ainda mais o quadro. É crime de lesa-pátria — nada menos.”.

 


FONTE:  OAB-DF, 10 de outubro de 2007

O artigo “Exame de Ordem e Cidadania” é de autoria do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto,  , e foi publicado na edição de 10/10/2007  do jornal Correio Braziliense

 

 

 

Cidadania e Justiça Social

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* Sergio Francisco Furquim 

A democracia é essencial, indispensável para o estabelecimento de uma nação civilizada, mas é apenas o ponto de partida para a construção dessa sociedade. A democracia só se estabiliza numa sociedade fundada na justiça social.

Cidadania é conquista e se realiza a partir da conscientização dos cidadãos. De seus deveres e direito. Uma sociedade desinformada a respeito dessas duas coisas não se emancipa. Que adianta restabelecer eleições diretas em todos os níveis se o eleitorado não se informa a respeito dos candidatos e de suas plataformas, se não aprende a separar o joio do trigo e a defender de trapaceiros e aventureiros.

É preciso estabelecer padrões razoáveis de serviços públicos e privados. A Ordem dos Advogados do Brasil tem sido, ao longo de sua historia, instituição presente em todas as manifestações efetivas da cidadania em nosso país. Foi uma das instituições mais atuantes na luta contra a ditadura e na defesa dos direitos humanos. Sendo a entidade representativa dos profissionais da lei, não poderia atuar de outro modo.

Cidadania e lei são conceitos também indissociáveis.

A sociedade brasileira é injusta e disforme. Cidadania é privilégio reservado a bem poucos. A imensa maioria continua excluída dos mais elementares direitos e jamais ouviu falar em deveres. É preciso mobilizar a sociedade, de suas elites dirigentes até a base da pirâmide social, na luta por melhor qualidade de vida. E essa luta chama Cidadania.

Restaurada a democracia, impõe-se o seu resgate do plano formal, estéril, para implantá-la materialmente como fator de transformação positiva da qualidade de vida do cidadão.

É preciso um choque de Cidadania no país, já o disseram ilustres e renomados juristas. E esse choque começa com investimentos maciços em educação. Mas a crise de justiça, ou, mais apropriamente, a crise do poder judiciário não pode esperar pelos efeitos das medidas de médio e longo prazo.

Investimentos em educação são fundamentais e insubstituíveis, mas terão reflexo prático apenas nas gerações seguintes. E é preciso fazer algo que atenue de imediato a situação dos nossos contemporâneos, cuja a expressiva maioria é irremediavelmente dependente das classes mais favorecidas e, entre estas, se destaca a advocacia.

A justiça brasileira, por razões múltiplas de ordem estrutural e por desvios culturais antigos, está distante do povo. Há má distribuição de verbas, escassez de juizes, sobrecargas de ações, irracionalismo no campo processual e inexiste vontade política para reverter esse quadro.

É preciso unificar os diversos segmentos da Justiça num órgão nacional que, via centralização administrativa, estabeleça uma política de distribuição de recursos, sem prejuízo da autonomia do poder.

A nós advogados, cabe papel crítico e operacional. O papel critico exercemos com maior desenvoltura. O operacional, no entanto, não pode ser negligenciado.

É fundamental que seja intensificada a comunicação intraquadros da OAB. É a partir desse fortalecimento interno que poderemos reciclá-la e volta-la para uma ação externa mais eficaz.

É preciso aproximar o Conselho Federal das bases da categoria, torna-lo mais sensível às suas demanda. Somos 640 mil advogados em todo o país e essa massa de profissionais, mais próxima das demandas da sociedade, não pode estar alheia ao trabalho de 81 membros do Conselho Federal. Precisamos construir um sistema de comunicação que mantenha informados todos os nossos filiados e não apenas os que habitam os grandes centros.

Só assim os advogados podem ter atuação efetiva como interlocutores da sociedade. Quando menor e mais distante o município, maior influencia do advogado diante do poder político.

A OAB é o grande instrumento com que contam os advogados para enfrentar os numerosos desafios desta etapa da vida brasileira. E é preciso fortalecê-la, para que continue sendo não apenas um órgão de representação classista, mas, sobretudo, o que tem sido desde sua fundação: um instrumento a serviço do estado de Direito e da Cidadania.

Cidadania, hoje, para o grosso da população, é apenas uma palavra, desprovida de sentido. Nosso desafio é fazer com que o Brasil comece a dar conteúdo a essas duas palavras vitais para preservação da dignidade humana Justiça e Cidadania. Isso só será possível mediante a união de nossas lideranças e a mobilização da sociedade.

Por essa razão, Ordem dos Advogados do Brasil que exerce historicamente o papel de interlocutora da cidadania brasileira deve empenhar-se em conscientizar a sociedade de seus deveres e direitos, na busca incessante da concretização dos primados democráticos consagrados pela Constituição Federal.

Cidadania, hoje, para o grosso da população, é apenas uma palavra, desprovida de sentido. Precisamos resgatá-la e torna-la efetiva no sofrido cotidiano do povo brasileiro.

A proposta é: lutar pelo exercício efetivo da Cidadania, auxiliando o cidadão a identificar o seu direito, esclarecendo-o a respeito de seus deveres inclusive, lembrando que é o cumprimento do dever que gera o direito e induzindo elite econômica e Estado a serem mais zelosos de suas obrigações.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Sergio Francisco Furquim:  Advogado em Itapeva (MG).

O problema da desvalorização do ensino jurídico

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* Atahualpa Fernandez  

Em tema de educação e ensino jurídico parece que vivemos diante de um paradoxo: por um lado, o preceito da Carta Magna que estabelece, em linhas gerais,  que a educação  há de ter por objeto o pleno desenvolvimento da personalidade humana no respeito aos princípios democráticos de convivência e aos direitos e liberdades fundamentais; por outro lado, a indissimulada situação de quebra e falta de credibilidade do ensino jurídico universitário, contrastável  sem mais que ver a quase patológica busca pelos epidêmicos  cursinhos preparatórios extra-universitários por parte dos bacharéis.

Em realidade, qualquer parecido com o que caberia chamar uma boa educação universitária brilha, hoje,  de maneira clamorosa por sua ausência. Vivemos em um contexto educacional em que a obtenção do grau universitário já não se configura por ser uma conquista do talento, um prêmio pelas noites passadas em claro e pelas pesquisas realizadas, senão como um instrumento a mais para conseguir, sem demora, um emprego ou cargo qualquer. Não é necessária muita perspicácia para constatar o que vai da teoria -uma teoria que se refere nada menos que à formação  de  cidadãos responsáveis –  até a prática, medida por sua vez em termos de obtenção de um “bom trabalho” que assegure, antes de tudo, um bom salário.

Em termos comparativos, essas duas situações parecem indicar que, por mais que os redatores da “lei das leis” tenham imposto grande empenho retórico em sua redação, o que conta é o que pode ganhar cada um. E poucos seriam os que, postos na tessitura de ter que montar uma “vida digna” (em termos estritamente materiais), o colocariam em dúvida. Mas, de ser assim, por que tanta preocupação e discussão sobre o ensino jurídico para a ética e a cidadania, e ainda mais sobre o baixo índice de aprovação em concursos públicos e nos exames de ordem por parte egressos das facultades de direito ?

Se as instituições de ensino insistissem em um modelo de educação e formação  que  tratasse de impedir um perfil de discente  proclive ao automatismo, à memorização e  ao  isolamento teórico – origem, diga-se de passo , de profissionais deficientes  e, em determinadas ocasiões, carentes de um mínimo sentido de ponderada razoabilidade acerca dos valores, princípios e normas que ao Direito importam –, seguramente não se diria que o ensino jurídico está desvalorizado senão que sobe inteiro na bolsa dos valores sociais. Uns profissionais bem formados, por miserável e egoísta que fosse seu comportamento, dariam indício de que nossas nossas instituições de ensino são excelentes. Ou não?

O maior fracasso de nossas universidades, a meu entender, parece residir no fato de que  deixaram de dar a máxima importância à prioritária tarefa que lhes cabe de  tornar efetiva a  plena formação dos estudantes universitários, seu preparo para o exercício da cidadania e sua (real) qualificação para um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo. Mas não somente isso. Ao contemplar alguns professores que se comportam como ilustrados en miniatura, que em sua maioria reivindicam sabedoria, mas que, na mesma medida,  depreciam  -ou talvez invejem- o esforço e a excelência, e  até mesmo ao ver como se comportam alguns deles, pode estranhar-nos? Talvez por aí haveria que começar a educação: por examinar aos que examinam – aos que não passam de “gestores da ignorância” e/ou aos que se mantêm indiferentes ao tsunami anual de bacharéis que não aprenderam o suficiente para situar-se (adequadamente) na vida profissional.

Me explico: diante do panorama atual, estou convencido de que o melhor seria partir da premissa de  que qualquer discussão ou proposta honrada acerca do ensino jurídico – e que pretenda propugnar de verdade sua causa (que dizer, honrada também na ação) – somente pode ser empreendida enquanto prática coletiva e solidária que implique o comprometimento e a colaboração dos agentes diretamente envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Não  parece razoável pensar em uma mudança do atual modelo jurídico-educativo sem que os professores, diante de um sistema esclerosado ,  proponham-se a fazer uso de uma docência integral, interdisciplinar e significativa de conhecimentos, bem como formativa em relação  à capacidade intelectual e crítica com respeito aos valores e atitudes dos estudantes frente ao Direito. Isto é, sem que os professores  assumam o compromisso ético de procurar capacitar o aluno  não somente a tarefa de “saber” e “conhecer” razoavelmente o ordenamento jurídico senão também, e muito particularmente,  de reflexionar sobre essa ciência, dotando-o das qualidades necessárias e suficientes para fazer valer e projetar no ordenamento jurídico os valores fundamentais do Direito e da Justiça.

Depois, para além do exercício de uma renovada prática docente , os estudantes têm o direito de desfrutar de uma visão do Direito muito mais flexível e integrada da que tem sido normal nos cursos jurídicos. Têm o direito  – e os professores  o dever-  de chegar ao convencimento de que podem e devem influir , em um sentido ou outro, nas numerosas manifestações do sistema jurídico, tanto sobre a base de razões formais e positivas, como materiais, éticas e de política jurídica. E o fator determinante para inculcar uma ou outra prática frente ao Direito e ao sistema jurídico será a atitude que adotará o professor de, exercendo a liberdade que lhe assegura a Constituição da República, fazer conhecer aos seus alunos  essas  realidades que o fenômeno jurídico implica de forma iniludível.

Se  através de suas exposições e leituras recomendadas ( ou de qualquer outro método que lhe pareça mais acessível)  o docente trata de pôr de manifesto os valores jurídicos que presidem – e devem conformar – as diferentes facetas da realidade social e, ademais disto, incite  seus alunos a adotar uma atitude crítica e reflexiva dirigida a tornar efetivos os valores substantivos que dirigem o Direito, com toda segurança  alcançará facilmente o objetivo da docência jurídica  e fará com que o ( também) exercício da liberdade de aprender, de investigar e o pluralismo de idéias  não se petrifiquem em uma norma  (constitucional, insisto) incapaz de ter alguma eficácia fora dos limites físicos do papel em que está impressa.

Isso importa, por  certo , que o docente assuma a responsabilidade de estar comprometido com o processo ensino-aprendizagem e sua qualidade, dotando-o de uma visão pluralista da sociedade e preocupando-se com uma abordagem multidimensional do sistema jurídico  e  interdisciplinar no que se refere às outras áreas de conhecimento , tudo  com o objetivo de formar juristas capazes de pensar séria , global  e criticamente o Direito.

Não obstante, o alcance dessa excelência sempre estará limitado e justificado  pelo objetivo principal do docente de potenciar o desenvolvimento das capacidades e habilidades intelectuais necessárias para realizar essa atividade e, em particular, para utilizar prudencialmente as diferentes técnicas de realização do Direito; quero dizer, de formar juristas que saibam “pensar e fazer” e não somente que saibam “fazer”, exigindo do aluno o hábito de refletir filosófica  e juridicamente, argumentando e contra-argumentando, procurando seu próprio caminho com  uma razoável  postura crítico-teórica e um adequado sentido ético, a fim de que possam, a partir daí , assumir a tarefa que lhes cabe como (potenciais) agentes de câmbios histórico-sociais.

Da mesma forma,  parece que o exercício dessa liberdade ( que implica necessariamente uma redefinição da postura filosófico-metodológica até agora adotada ) postula a prevalência de um método de ensino dialogado, participativo e centrado no aluno, em oposição ao secular método magistral, monologado, passivo e acrítico, centrado no professor. Afinal, concebido o Direito como prática social de tipo interpretativo e argumentativo,   somos nós  os que produzimos  a  realidade do fenômeno jurídico  e a edificamos enunciando o que este mesmo é. Há Direito onde sujeitos diferentes discutem e desenvolvem , submergindo-se na práxis,  proposições  e enunciados  normativos pertencentes a essa prática  interpretativa que , sobre a base  de sua unidade de sentido , chamamos de fenômeno jurídico.

Por outro lado, e nessa mesma linha de raciocínio , não parece demasiado recordar que essa prática docente deve ser plena, no sentido de que permita aos estudantes desfrutar de uma educação que lhes proporcione  a base necessária para compreender como e por quê se relacionam os novos conhecimentos com os que eles já sabem , a transmitir-lhes a segurança afetiva de que são capazes de utilizar estes novos conhecimentos em contextos sócio-culturais diferentes,  de desenvolver o interesse e o compromisso ético pelos movimentos sociais, políticos e filosóficos que configuram a base do Direito e, talvez o mais importante, a ensinar-lhes a  desaprender o acúmulo incalculável  de teorias infundadas e de versões sem sentido do que “é” ou “deve ser” o Direito.

Estou convencido de que esta é uma das principais diretrizes que deve balizar e justificar a busca de uma  excelência de ensino e de preparação profissional, necessária para a formação de um operador do direito apto a  exercer sua  função (social) em um mundo em permanente câmbio e plenamente capacitado à tarefa não somente de explicar as garantias meramente formais da democracia ou a simples observância dos princípios, valores e normas  do sistema positivo, mas, principalmente, para buscar a efetiva garantia da justiça intrínseca no Direito e a conformidade deste com a dignidade da pessoa humana.

De um profissional que incentive e priorize a implicação do Direito com uma postura republicana e democrática do Estado e, portanto, que se distancie da paroquiana concepção de sacerdote da dogmática, travestido do manto da infalibilidade  jurídica e autoinvestido da pusilânime e/ou da suposta virtude que  faz dos operadores do direito  les  bouches  qui  prononcent les  paroles  de  la  loi, des  êtres   imanimés  qui  n´em peuvent  modérer  ni  la  force  ni  la  rigueur”(Montesquieu).

Assim , e somente  assim , será  possível  remediar a perversa prática docente segundo a qual, na grande maioria salas de aula , os “conhecimentos saem das fichas dos professores para as notas dos alunos, sem passar pela cabeça de nenhum deles” (Mark Twain). O ato de educar (e aprender) não é apenas uma questão instrumental, mas acima de tudo reflexo do imperativo moral ( e constitucional) de que capacitar o ser humano para o exercício virtuoso de uma atividade profissional: não somente do bacharel como expressão da capacidade para aprender por qualquer meio que seja, mas de um ser humano com plena aptidão para sentir, reagir, amar, eleger, cooperar, dialogar e de ser, em última instância, capaz de autodeterminar-se livremente no âmbito de sua formação pessoal e profissional.

Por certo que , a despeito de todo o sugerido, não deixará de ser escassa a influência de um professor no futuro a longo prazo de seus alunos; mas no que seguramente temos é uma grande influência no presente de cada um deles, e podemos fazê-los tremendamente desmotivados para as coisas que efetivamente importam.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ATAHUALPA FERNANDEZ: Pós-doutor  em Teoría Social, Ética y Economia /Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política / Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California,Santa Barbara; Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha; Especialista em Direito Público /UFPa.; Professor Titular da  Unama/PA;Professor Colaborador (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana/ Laboratório de Sistemática Humana); Membro do MPU (aposentado); Advogado.

Breves comentários sobre o cabimento da ação declaratória incidental

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  Rodrigo Klippel[1] 

            Um tema pujante de teoria geral do processo é a “ação declaratória incidental”. Quando nela se fala, quer-se referir a um tipo especial de procedimento criado pelo legislador para a tutela de determinadas crises de certeza que se enquadram na hipótese de cabimento prescrita na lei processual. 

            Para comentar sobre a ação declaratória incidental – melhor seria dizer sobre a demanda declaratória incidental – o principal trabalho que se deve ter é o de identificar qual é a hipótese que permite o seu emprego. 

            Partindo-se dessa premissa, tem-se que a ação declaratória incidental[2] representa a demanda apta a tutelar questões prejudiciais, sendo essa definição o elemento essencial para entender o instituto. 

            Questões prejudiciais, que podem ser objeto de ação declaratória incidental, são “as concernentes a relações jurídicas distintas da deduzida em juízo pelo autor, mas de cuja existência ou inexistência dependa logicamente o teor do pronunciamento sobre o pedido – v.g., a relação de parentesco na ação de alimentos, a dívida principal na ação em que se cobram os juros, a servidão naquele em que se pleiteiam perdas e danos pelo suposto descumprimento do ônus”[3]. 

            Pode-se dizer que a questão prejudicial representa a dúvida sobre a existência ou não de uma relação jurídica que é o pressuposto para a caracterização de outro direito material ou de outra situação jurídica, esta sim objeto do processo. 

            Volta-se ao exemplo já dado por Barbosa Moreira da relação de paternidade na demanda de alimentos. O vínculo entre pai e filho representa uma relação jurídica diferente daquela que garante o direito aos alimentos. São dois liames jurídicos distintos e cada um deles pode, individualmente, ser objeto de um processo. Embora distintos, ambos se relacionam, visto que o direito a alimentos depende da paternidade. 

            Toda vez que, num processo, se verificar que o fundamento de um direito que se quer tutelar é outro direito, cuja existência se questiona, pode-se chamar esse último de questão prejudicial. 

            A questão prejudicial poderia ser o mérito do processo, ou seja, poderia representar o conflito que se quer dirimir, mas se apresenta, num primeiro momento, somente como fundamento de outro direito, esse sim o cerne da demanda. 

            Explicado o que é a questão prejudicial, resta fazer a sua ligação com a ação declaratória incidental. 

            A ação declaratória incidental é aquela que se ajuíza, no curso do procedimento, para fazer com que a questão prejudicial, que, portanto, é só o fundamento da demanda em trâmite, passe a ser objeto de um pedido, sendo, portanto, julgada de forma principal, garantindo-se, assim, a maior vantagem que se oferece à tutela de um conflito cuja solução as partes requerem ao juiz: a coisa julgada. Para que se entenda o conceito, com mais clareza, segue um exemplo. 

            Betânia ajuíza uma demanda em face de Carolina, pleiteando o ressarcimento dos danos que alega ter sofrido por conta do desrespeito de uma servidão de passagem atrelada a um imóvel de Carol. 

            Pela descrição feita, observa-se que o objeto do processo, ou seja, a sua discussão principal, o mérito, é o direito à indenização. Entretanto, para se decidir por esse direito, existe um outro que é seu pressuposto, mas que na configuração inicial da demanda se enquadra tão somente como fundamento (causa de pedir), que é a existência da servidão. 

            Qual a conseqüência prática de se discutir se existe ou não a servidão somente como fundamento do pedido de ressarcimento pelo seu descumprimento? A conseqüência é a de que qualquer decisão tomada pelo juiz sobre a questão prejudicial de existência da servidão não é imutabilizada pela coisa julgada, o que significa dizer que, em outros processos poderá ser novamente discutido o ponto, inclusive com resultado diverso daquele que aqui será obtido. 

            Percebe-se, portanto, que existe um certo desperdício de atividade processual, visto que se discutirá sobre se existe ou não a servidão e o resultado dessa disputa não se tornará imutável por uma simples circunstância: o fato de a declaração de existência desse direito não ter sido objeto de um pedido. 

            Como corrigir isso, fazendo com que também a existência da servidão seja objeto de pedido e possa, após elucidada, se tornar uma questão indiscutível (coisa julgada)? Ajuizando uma ação declaratória incidental. 

            O que vem a ser, portanto, uma ação declaratória incidental? É a demanda, conexa à primeira ajuizada, que contém em seu pedido a relação jurídica que na ação original é somente questão prejudicial. Sua utilidade é fazer com que aquilo que seria julgado tão somente como prejudicial e não faria coisa julgada, ou seja, não seria imutabilizado, possa sê-lo. 

            Onde havia uma demanda passam a existir duas, conexas, e que deverão ser processadas e julgadas simultaneamente.  


NOTAS:

[1] Assessor Jurídico-ES; Mestre em Garantias Constitucionais pela FDV; Professor de Graduação e Pós-Graduação na FDV; Professor da Escola de Magistratura do Espírito Santo (EMES); Professor Convidado da Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB-ES); Autor da obra “Teoria Geral do Processo Civil”, pela Editora Impetus.

[2] Embora se devesse falar, por questão de técnica processual, em demanda declaratória incidental, visto que o direito de ação é um só e abstrato, seguir-se-á o emprego da locução “ação declaratória incidental” devido à sua enorme aceitação e identificação na prática forense.

[3] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Os limites objetivos da coisa julgada no sistema do novo Código de Processo Civil. In: Temas de direito processual civil, 1ª série. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 90.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

RODRIGO KLIPPEL:  Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo;  Mestre em Garantias Constitucionais Fundamentais pela FDV;   Professor de Graduação e Pós-Graduação em Direito Processual Civil na FDV;   Professor da Escola de Magistratura do Espírito Santos (EMES); . Professor convidado da Escola Superior de Advocacia do Espírito Santos (ESA / OAB);   Palestrante em Simpósios e Congressos Jurídicos;  Assessor Jurídico no Espírito Santo;  Autor de diversos artigos publicados em revistas jurídicas.   Autor da obra: Teoria Geral do Processo Civil – Editora Impetus.

Voto parlamentar aberto

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OPINIÃO:  * João Baptista Herkenhoff  – O voto parlamentar secreto consagra a irresponsabilidade, a fraude e a covardia.

É voto irresponsável porque à sombra do sigilo o parlamentar não tem de dar conta de sua conduta a quem quer que seja.

É voto fraudulento porque permite que o parlamentar traia inteiramente o mandato que lhe foi conferido e, através dessa traição, fraude a vontade do eleitorado. Debaixo do manto do voto secreto toda uma casa legislativa pode divorciar-se inteiramente da opinião pública tomando, em face dela, uma decisão não apenas minoritária, mas fragorosamente minoritária.

O voto parlamentar secreto é covarde porque, no refúgio do biombo, o representante do povo está dispensado do seu compromisso de retidão e moralidade.

O parlamentar que precisa de voto secreto para expressar-se não merece confiança. Não seria prudente que o dono de uma banca que vende bananas confiasse a ele a guarda da banca enquanto o quitandeiro tivesse de se afastar para fazer uma coisa qualquer.

Não me pronuncio contra o “voto parlamentar secreto”, em face deste momento político. Sustento esta posição há muitos anos, inclusive em livros que publiquei.

Norberto Bobbio coloca, com justeza, que o Parlamento é um lugar onde o poder é representado, ou seja, é o lugar onde se reúnem os representantes e onde, ao mesmo tempo, ocorre uma verdadeira encenação. Ora, enquanto encenação deve ser desempenhada em público.

Na mesma linha de Bobbio, corre o pensamento de Carl Schmitt. Esse autor afirma que um parlamento tem caráter representativo enquanto acreditar que sua verdadeira e própria atividade tem lugar em público.

Diferente do voto parlamentar secreto é o voto secreto do cidadão comum. O cidadão não tem de dar conta do seu voto a ninguém, senão a sua própria consciência. O voto secreto que se assegura ao eleitor é uma garantia de liberdade, é uma conquista democrática. Foi instituído em nosso país pela Constituição de 1934, graças à iniciativa de um capixaba – José de Mello Carvalho Muniz Freire, que hoje tem seu nome ligado a um município do Espírito Santo.

Diga-se, de passagem, que a Constituição de 1934, fruto tardio do sangue dos que tombaram na Revolução Paulista (1932), teria assinalado a rota do Brasil no sentido da Democracia, não fosse o retrocesso do Estado Novo (1937).

Como o grito de “Diretas Já” representou a reconquista do espaço democrático que fora surrupiado do povo em 1964 e totalmente banido em 1968, agora o grito de “Voto aberto já” pode devolver ao Parlamento brasileiro a dignidade que lhe é indispensável e que está sendo perdida por comportamentos absolutamente antiéticos de maiorias parlamentares que se escondem no anonimato coletivo por falta de hombridade para mostrar a própria face.

Também merecem repúdio os julgamentos e decisões secretas na Justiça, salvo em questões íntimas como, por exemplo, as causas que envolvem família. Mas isto é assunto para outro artigo.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

 

 

 

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.joaobaptista.com

Variações sobre a inveja e o poder

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OPINIÃO:  * Ives Gandra da Silva Martins  –  O poder é, em grande parte, alimentado pela inveja. Inveja é o vício pelo qual a pessoa que o tem –e quase todos os seres humanos o ostentam- sente-se infeliz com a felicidade alheia.

Se se perguntar a alguém, se é invejoso, sua primeira reação é afirmar que não é, mas a medida em que se auto-analisa, com sinceridade, verificará que, muitas vezes, sentiu-se infeliz por ver a felicidade alheia, que não conseguiu para si.

Entre os guerreiros árabes, na luta que travavam pelo poder, costumava-se dizer que a grande felicidade era morrer depois do inimigo.

Carl Schmitt, ao escrever que a política é a ciência que opõe o amigo ao inimigo, desventrou a realidade do poder, em que servir ao próximo é menos importante do que se servir dele e a vitória do inimigo dói mais, pelo êxito não ter sido seu.

Não apenas na política – a inveja, que leva a buscar sempre defeitos nos adversários para desmoralizá-los – mas em qualquer manifestação cultural, científica ou esportiva em que o poder esteja envolvido, esse vício é o senhor da festa.

Nos meios acadêmicos e universitários, a feira das vaidades leva sempre aquele que se considera superior a sofrer com a vitória de pessoas que não admira – ou que entende devesse ser sua – e tentar desvalorizá-la a todo custo. Conta-se que, certa vez, numa reunião de intelectuais, um deles fez a seguinte pergunta: “Quantos sábios estão nesta sala?”, tendo recebido a resposta de um deles: “Certamente, há um a menos do que você pensa!”.

No futebol – e também em outros esportes coletivos – quantas vezes se torce menos pela vitória do próprio time ou do melhor em campo, e mais pela derrota daquele que é o adversário mais constante do time do coração, qualquer que seja ele, mesmo que seja de outro país.

A maledicêndia é um dos frutos preferidos, principalmente na política. Quem  busca o poder, lança suas sementes para conseguir a desmoralização do adversário que esteja nele investido no momento, ou que pretenda obtê-lo. Tudo é válido, inclusive a calúnia e outros procedimentos menos éticos, para que se consiga alijar o inimigo do posto que se deseja.

Não sem razão, em todos os períodos históricos e espaços geográficos, a luta política é mal cheirosa, regada abundantemente pela inveja. Esse vício não permite que se elogie o que o adversário faz de bom, pois isso enfraqueceria a possibilidade de se suplantá-lo na disputa. A inveja, por fim, leva o aspirante do poder político, universitário, acadêmico, esportista ou de qualquer outra natureza, a viver uma permanente insatisfação, seja quando o obtém, porque passa a ter que defendê-lo contra quem o almeja, seja quando vê frustrada sua ambição de consegui-lo, pela infelicidade de assistir ao êxito dos que estão usufruindo daquilo que poderia ser seu.

Na verdade, entre os sete vícios capitais, que atormentam o ser humano, a inveja é a raiz de muitos deles.

Lutar contra ela no foro íntimo, não é fácil, pois todos nós, em algumas circunstâncias, podemos também render-nos a seu império. É, porém, fundamental, visto que só se pode enfrentar a vida com serenidade, vivendo as vitórias e as decepções. É importante ter presente que, no curso de uma existência, nada valemos. O interregno de uma vida só valerá, se conseguirmos semear nossa passagem, por mais humilde que seja, auxiliando o próximo, alegrando-nos com suas vitórias, entristecendo-nos com suas derrotas.

É insensato nos darmos muito valor, neste imenso universo em que nada somos.

 


 REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS:  Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU.