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PROVA TESTEMUNHAL VALIDADA: Relacionamento em Facebook não caracteriza amizade íntima capaz de invalidar depoimento de testemunha

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DECISÃO: TRT-MG* – O relacionamento em redes sociais, como o Facebook, não caracteriza a amizade íntima capaz de invalidar o depoimento de uma testemunha na Justiça do Trabalho. Com esse entendimento, a Turma Recursal de Juiz de Fora julgou desfavoravelmente o pedido de um comércio de roupas para que fosse declarada a nulidade da sentença, ao argumento de que a decisão teria se baseado em testemunhas que omitiram relação de amizade íntima com a reclamante, ex-empregada da ré.

No recurso, a reclamada alegou que uma testemunha é cunhada da reclamante e que a outra teve relacionamento com a mãe dela. O relacionamento íntimo estaria demonstrado em páginas do site de relacionamento denominado “Facebook”, por meio de fotos, mensagens e palavras carinhosas lá publicadas. Segundo a ré, os dados não deixariam a menor dúvida do grau de intimidade entre essas pessoas. A ré justificou o fato de não ter contraditado as testemunhas durante a audiência com a alegação de que só depois disso teria ficado sabendo da amizade existente entre elas.

No entanto, o desembargador relator, Heriberto de Castro, não acatou os argumentos. “O fato de a reclamante figurar no Facebook das testemunhas e vice-versa, por si só, não significa amizade íntima, pois é de conhecimento geral que as pessoas se “adicionam” nos contatos das redes sociais, sem, necessária e efetivamente, terem convivência íntima. Com efeito, tal circunstância, isoladamente, não sugere que as testemunhas tenham interesse em beneficiar a reclamante”, registrou no voto.

Para o magistrado, seriam necessárias mais provas da existência de laços de amizade íntima entre a reclamante e testemunhas. Como exemplo, ele explicou que a reclamada poderia ter demonstrado que elas frequentam os mesmos lugares juntas, visitam uma a casa da outra ou têm relacionamento de amizade fora do ambiente de trabalho, com convívio em festas de aniversário, restaurantes, dentre outros. Ele destacou que o TRT da 3ª Região já decidiu nesse mesmo sentido em outras oportunidades.

O relator pontuou que era obrigação da ré contraditar as testemunhas na audiência, o que não fez. E ainda que contraditadas, as testemunhas poderiam ser ouvidas na condição de informantes. Ou seja, as declarações teriam sido prestadas sem o compromisso legal de dizer a verdade, devendo ser avaliadas pelo juiz.

“Não há motivos para a declaração de nulidade das provas testemunhais relacionadas neste momento recursal”, concluiu o relator, entendendo não ser o caso de invalidação prévia da prova oral e de determinação de realização de nova audiência de instrução. Por fim, ele lembrou que, de todo modo, as declarações prestadas deverão ser confrontadas com os demais elementos de prova do processo. Se for constatado que as informações não são fidedignas, estas serão desconsideradas. “A questão envolvendo a valoração das informações prestadas e dos fatos relatados pelas testemunhas é matéria concernente ao mérito da demanda e ao princípio do livre convencimento motivado (art. 131 do CPC)”, esclareceu, mantendo, em princípio, a validade dos depoimentos das testemunhas.

*Publicada originalmente em 19/09/2014 – RO nº 0001180-57.2013.5.03.0076
FONTE: TRT-MG, 13 de janeiro de 2015.

INDENIZAÇÃO MORAL E MATERIAL: Noivos são indenizados por falta de luz em festa

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DECISÃO: TJMG* – Um casal de Belo Horizonte será indenizado pela Cemig em R$ 24 mil, por danos morais, e em R$ 5,7 mil por danos materiais. Em 2011, L. e R. tiveram problemas com o fornecimento de energia elétrica durante a realização de uma festa de casamento, no bairro Jaqueline, em Belo Horizonte. Os noivos ajuizaram um processo requerendo as indenizações e, em Primeira Instância, tiveram decisão favorável. Porém, recorreram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) por discordar do valor estabelecido na sentença. A Cemig, empresa responsável pelo fornecimento de energia, também recorreu, requerendo uma condenação menor. O recurso foi julgado pelos desembargadores da 8ª Câmara Cível, que mantiveram os valores das indenizações e modificaram a sentença apenas no que diz respeito às custas processuais e aos honorários devidos aos advogados que atuaram na causa.

Segundo os dados do processo, L. e R. realizaram uma recepção para 300 pessoas para comemorar seu casamento. Ao chegar ao salão de festas, noivos e convidados foram surpreendidos com a falta de luz. O grupo foi informado de que a energia elétrica foi interrompida no salão e em suas imediações, por volta das 18h30, por razões desconhecidas. Apesar de entrar em contato com a Cemig por diversas vezes, o fornecimento só foi restabelecido por volta das 23h, quando os convidados já haviam se dispersado e a maioria das bebidas e comidas já não tinha condições de ser consumida.

Recurso

No recurso, a Cemig argumenta que a decisão deve ser modificada no que diz respeito à indenização por danos materiais, já que os serviços do buffet e do salão de festas foram utilizados. A empresa também requereu a redução do valor estabelecido pelos danos morais. A defesa solicitou ainda que os pedidos do casal fossem considerados improcedentes ou que o valor das indenizações fosse reduzido.

O casal, por sua vez, não concordou com os valores fixados em Primeira Instância e requereu o seu aumento para R$ 200 mil. L. e R. pediram ainda que os honorários advocatícios fossem aumentados e que fossem pagos pela Cemig.

Em seu voto, o relator do processo, desembargador Rogério Coutinho, afirmou que não há dúvidas de que a interrupção no fornecimento de energia prejudicou a realização do evento. Assim, para o magistrado, ficou claro que os serviços do buffet e do salão de festas não foram utilizados da forma como pretendiam os noivos, por isso o casal deveria ser indenizado. O desembargador entendeu ainda que o valor fixado para a indenização por danos morais – R$ 12 mil para cada um dos noivos – estava adequado ao caso.

A sentença foi modificada apenas no trecho relativo aos honorários e às custas processuais. O relator determinou que o pagamento fosse feito pela Cemig e que os honorários fossem aumentados para 10% sobre o valor da condenação.

Votaram de acordo com o relator os desembargadores Paulo Balbino e Edgard Penna Amorim.

FONTE:  TJMG, 15 de janeiro de 2015.

SEGURO DPVAT DEVIDO: Gestante receberá seguro por morte do nascituro, em acidente de trânsito

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DECISÃO: TJSC – A 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça julgou procedente apelação de um casal para condenar a empresa Líder ao pagamento do seguro DPVAT em seu favor, por óbito fetal registrado em acidente de trânsito, quando o nascituro contava 37 semanas de idade gestacional. O desembargador Sérgio Izidoro Heil, relator do recurso, lembrou em seu voto a existência de pelo menos três teorias sobre a matéria: natalista, intermediária e concepcionista (à qual se filia).

Porém, ainda que sem adentrar no mérito de cada uma delas, foi peremptório: “Mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais”. Neste sentido, o desembargador posicionou-se favorável ao pedido de indenização referente ao seguro DPVAT, com base no que dispõe o artigo 3º da Lei n. 6.194/1974.

“Se o preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo, haja vista que outra coisa não ocorreu senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina”, finalizou. O casal receberá o valor de R$ 13,5 mil, fixado pelo DPVAT para casos de morte, com juros de mora desde a citação e correção monetária desde a época dos fatos, em novembro de 2012. A decisão foi unânime (Apelação Cível n. 2014.032466-6).

FONTE: TJSC, 26 de janeiro de 2015.

VINCULO EMPREGATÍCIO: Apresentadora consegue reconhecimento de vínculo de emprego com a Record

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DECISÃO: TST – Uma ex-apresentadora de telejornal obrigada a constituir empresa para exercer a função de jornalista teve reconhecido vínculo de emprego com a Rádio e Televisão Capital Ltda. (TV Record Brasília). A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho votou com o relator, ministro Alberto Bresciani, que rejeitou agravo pelo qual a TV pretendia reformar decisão que a condenou ao pagamento de diversas verbas trabalhistas.

Na ação, a jornalista pretendia o reconhecimento de vínculo com a Rádio e TV Capital de fevereiro de 2006 até março de 2013, alegando ter havido fraude no contrato e simulação de pessoa jurídica. Segundo ela, para ser contratada a emissora impôs a condição de que se constituísse como pessoa jurídica, com a qual celebrou contrato, renovado desde então.

O contrato estipulava que a jornalista faria parte do “cast” da emissora na apresentação e produção do telejornal “DF Record” e atuaria como comentarista e entrevistadora, dentre outras. Em sua avaliação, o contrato objetivou ocultar a relação de emprego e burlar a legislação trabalhista. Além do reconhecimento do vínculo, pediu o pagamento de adicional por acúmulo de funções, por também ter atuado como produtora de jornalismo e de moda, editora de texto e repórter.

A emissora sustentou que a jornalista era autônoma e que a relação era regida por contrato de prestação de serviços, estipulando-se que a microempresa constituída por ela prestaria serviços de cunho jornalístico.

O juízo de primeiro grau afastou a hipótese de trabalho autônomo, explicando que este só se configura quando há inteira liberdade de ação e o trabalhador atua como patrão de si próprio, com poderes jurídicos de organização própria, desenvolvendo a atividade por sua conta e iniciativa. Segundo as testemunhas, a jornalista recebia ordens, era fiscalizada e não podia faltar sem justificativa, aspectos que comprovaram requisitos da relação de trabalho como subordinação, não eventualidade e onerosidade.

O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) manteve a sentença e negou seguimento ao recurso da empresa, que interpôs então o agravo de instrumento examinado pela Turma.

O relator, ministro Alberto Bresciani, manteve os fundamentos do TRT para negar provimento ao agravo. O principal deles é o fato de que a discussão sobre a impossibilidade de reconhecimento da relação de emprego, como proposta pela Record, exigiria o reexame de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST.

Processo: AIRR-637-42.2013.5.10.0017

FONTE: TST, 26 de janeiro de 2015.

DIREITO ADMINISTRATIVO – Direito das Minorias

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Inteligência do art. 58, § 3°, da Constituição Federal – Direito das Minorias – Vereadores Municipais – Soberania – Comissão Especial de Inquérito – Estudo de caso

Resumo

O presente trabalho busca analisar,do ponto de vista constitucional e administrativo, decisão em mandado de segurança que concedeu a um grupo de vereadores da cidade de Guarulhos, SP,o direito de instaurar uma Comissão Especial de Inquérito[2] para “averiguar denúncias relatadas pelo Secretário de Educação durante Audiência Pública de Orçamento” realizada no âmbito da Câmara Municipal, mesmo ante a desistência expressa de parte dos signatários ao requerimento inicial, sob o entendimento de que a não realização acarretaria lesão ao direito das minorias.

A análise ao caso concreto tem por base a norma, a doutrina e a jurisprudência, aplicados os métodos de interpretação e hermenêutica balizados na visão de Celso Ribeiro Bastos, para quem se deve em primeiro lugar compreender o sentido da norma, para a seguir aplicá-la ao caso concreto[3], sendo esse um dos elementos essenciais requeridos pela situação posta.

  1. O Requerimento

É cediço, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que as Comissões Parlamentares de Inquérito constituem importante instrumento constitucional de proteção das minorias, que por meio delas terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das Casas Legislativas, ordenamento de aplicabilidade interna corporis que rege os trabalhos dos parlamentares no trato do exame político de matérias legislativas em apreciação, ou ainda sua conduta do ponto de vista ético e político. As CPIs são criadas mediante requerimentode  um  terço  dos membros das Casas Legislativas,  para  a  apuração  de  fato determinado  e  por  prazo  certo,  sendo  suas  conclusões,  se  for  o  caso, encaminhadas  ao  Ministério  Público, para  que  promova  a  responsabilidade civil ou criminal dos infratores (CF, art. 58, § 3°).

  1. O Exercício da Soberania da Constituição

Ao proteger e reafirmar os valores políticos dos cidadãos do Estado Brasileiro, incluídos aí por correção os seus representantes políticos,a Constituição Federal de 1988 visa a cravar a igualdade de manifestação popular de forma clara e cristalina, como base de sustento da própria democracia.Por isso, fortaleceu a ideia de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, tais a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade justa, fraterna, pluralista e sem preconceitos.

O conceito de Estado Democrático de Direito é fundamentado na noção de cidadania, na dignidade da pessoa humana e no pluralismo político, tendo como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a promoção de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e essa concepção se consagra no momento em que ocorre

o Estado limitado pelo direito e o poder político estatal legitimado pelo povo. O direito é o direito interno do Estado; o poder democrático é o poder do povo que reside no território do Estado ou pertence ao Estado.[4]

Os valores acima enunciados recebem, todavia reforços dos princípios constitucionais da prevalência dos direitos humanos e repúdio ao racismo e às questões de gênero, os quais são formulados no contexto da Carta de Direitos Constitucionais, sob o título “Direitos e Garantias”, para todos os cidadãos de forma igualitária.   Dentro desse conceito, o pluralismo é valor básico que fundamenta a democracia  moderna. Há muito está superada a concepção política de que a maioria é o único parâmetro de condução do poder.  Há que respeitar e compatibilizar ao  máximo  os  interesses  de  todos  os grupos que compõem o corpo social, inclusive dos núcleos minoritários. Em verdade, os anseios da minoria cederão parcialmente (excepcionalmente deforma  total)  apenas quando os seus interesses são colidentes com os da maioria. Em razão disso, construíram-se diversos instrumentos modernos de proteção das minorias (tais como as Ações Afirmativas) e de todos os grupamentos (como é o caso das novas audiências públicas desenvolvidas no âmbito do Poder Legislativo).

  1. A legitimação das minorias

A decisão judicial de primeiro grau sub comendum versa justamente sobre o direito das minorias, e é acertado do ponto de vista formal o posicionamento do MM Juiz prolator, mas algo equivocada, permissa venia, do ponto de vista do exame das circunstâncias em que se deram os fatos: tanto a fase inicial (requerimento), quanto as fases seguintes (retirada das assinaturas e encerramento) e sobre tais fatos permitimo-nos ora comentar os limites da garantia constitucional concedida às minorias parlamentares de  ver instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, os quais se assentam em requisitos básicos postos pela própria Constituição.

Essa legitimação de atuação deve ser observada à luz do direito constitucional e das limitações impostas pela Constituição às ações do Estado, tendo em vista que a representatividade política ou judicial deve sempre levar em consideração a vontade do povo. Uma coisa é a posição dos grupos, outra coisa é a mudança de direção dessa posição, que pode desagradar parte do grupo, mas tornar-se legítima, uma vez que foi tomada justamente por integrantes direitos desse grupo, ainda que minoritário.

Por limitar o exercício de um direito, a lei pode distinguir entre classes de pessoas as suas respectivas condutas sociais e nem por isso a lei deve ser considerada constitucional, mas quando se trata de regulação estatal do exercício de um direito fundamental que implique sua limitação prática, a presunção deve militar em favor do cidadão e não do governo. No Brasil, parte-se de uma concepção de claro viés dualista, que considera que as decisões tomadas pelos constituintes (aí os parlamentares de forma geral) devem ser protegidas, visto que envolvem um verdadeiro momento constitucional, muito embora a atividade política do dia-a-dia não receba a mesma proteção judicial.[5]

3.1.            Do requerimento para instauração da CEI, no âmbito da Câmara Municipal de Guarulhos

É o teor do requerimento de n° 1.058/2011, apresentado em 08 de novembro de 2011 e firmado por 13 parlamentares:

REQUEIRO, à Douta Mesa, a constituição de uma Comissão Especial de Inquérito, nos termos dos arts. 90[6] e 102[7] do Regimento Interno, para averiguar as denúncias relatadas pelo Secretário de Educação durante Audiência Pública de Orçamento, no dia 03 de novembro de 2011, referente a convênios realizados com Entidades junto à Secretaria de Educação. (seguem-se 13 assinaturas)

O artigo 58, §3º, da Constituição Federal de 1988, estabelece que as “Comissões Parlamentares de Inquérito (…) serão criadas (…) mediante requerimento de um terço de seus membros (…)”. Assim, uma vez apresentado requerimento de instauração que atenda aos requisitos constitucionais, a Mesa da Casa tem o dever de  prolatar  o  ato criador. Argumentando, o requisito constitucional atrela-se ao requerimento, não podendo o mesmo ser revisto em Plenário. A teor disto, na ADI 055.218.0/02,o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a inconstitucionalidade da expressão “aprovados por maioria absoluta”, constante do art. 33 da Lei Orgânica do Município de São Paulo:

“As Comissões Parlamentares de Inquérito (…) serão criadas pela Câmara, mediante requerimento de 1/3 (um terço) de  seus  membros,  aprovados  por  maioria absoluta (…)”.

Depreende-se que basta, portanto, o requerimento de 1/3 (um terço) dos membros da Câmara Legislativa para a instalação do procedimento investigativo. Respeita-se: assim observa-se o direito das minorias. Nesse sentido e tendo em vista a relevância do assunto, o Supremo Tribunal Federal julgou no ano de 2007 o Mandado de Segurança de n° 26441, impetrado contra ato da Mesa e do presidente da Câmara dos Deputados que – após a aprovação e a criação do inquérito parlamentar para investigar as causas, consequências e  responsáveis  pela  crise  ocorrida  no  setor  aéreo  brasileiro,  a CPI  do “apagão aéreo” – deferiu recurso contra a sua instalação.

            No conhecido caso do “apagão aéreo”, a base jurídica em que se assentou a decisão foi a votação em Plenário pela instalação da CPI e, nesse  pleito,  não lograram os parlamentares atingir o  mínimo  de  1/3  (um  terço)  exigido (a pressão da maioria certamente deve ter constrangido a minoria que a tinha solicitado). Destarte, de reafirmar que levar ao plenário a apreciação desse tipo de requerimento não encontra fundamento na Constituição.Não houve ratificação, em plenário, pela minoria, das 211 assinaturas do requerimento de criação da CPI, uma vez que somente141parlamentares manifestaram-se favoráveis à mesma, quando,para a Mesa, no mínimo seriam necessários 170 votos (1/3 da Casa).

A Relatoria da ação coube ao Ministro Celso de Mello, em cujo relatório constou que a Constituição exige, como requisito, o requerimento da instalação e não a atos posteriores. Celso de Mello afirmou que a exigência está na gênese do requerimento. Ele mesmo indaga se pode ou não a maioria,sustentando-se no§ 3º, do artigo 58da Constituição, levantar questão de ordem e, por recurso, obstar a criação da CPI. Celso mesmo responde negativamente à indagação, desta forma:

“a prerrogativa de investigar da minoria, já deferida, não poderia ser comprometida pelo bloco majoritário. Não se pode deslocar para o Plenário a decisão final da instalação da CPI, já que é poder constitucional  das minorias  o  de  fiscalizar, investigar e responsabilizar, a quem quer que seja, por atos administrativos”.

3.2.  Do procedimento para instauração da CEI, de acordo com o Regimento Interno da Câmara Municipal de Guarulhos

Observado o direito das minorias, o que há de diferente no caso em testilha é que na realidade o pedido de instalação da CEI por meio do Requerimento de n° 1.058/2012 foi rejeitado pela própria minoria que requereu a sua instalação, no momento em que quatro parlamentares retiraram suas assinaturas do requerimento inicial antes mesmo do início dos trabalhos e,segundo a previsão estatuída no Regimento Interno da Câmara Municipal de Guarulhos, no art. 178, § 1º: “Apresentada à consideração da Câmara, uma proposição poderá ser retirada pelo seu autor a qualquer momento, independendo de aprovação plenária.” (Não há destaques no original)

E assim foi feito. O requerimento de retirada, da autoria de quatro vereadores,está fundamentado corretamente no dispositivo acima e deriva de sua soberania no Parlamento, ao refletir a falta de interesse na instalação do procedimento pelos próprios vereadores que assinaram a proposição, que não hão de ser considerados maioria, eis que integraram o núcleo minoritário que apresentou o requerimento. Não há que falar, portanto, em ofensa ao direito da minoria.  Esses parlamentares são efetivamente os que requereram a instauração da CEI, motivo pelo qual nada mais justo que o ato de revogação tenha partido deles, autoridades que a cometeram, o que encontra assento na mais pura e básica teoria do direito constitucional e administrativo. Não houve, nem sequer foi cogitada nos procedimentos pós-protocolares, a manifestação do Plenário da Casa para intervir na vontade dos parlamentares que ensejaram a criação da CEI, o que aí, sim ofenderia, contrario sensu do que dispõe o art. 27 da Lei Orgânica deste Munícipio, o ditame da Constituição Federal insculpido em seu art. 58, § 3º.

Como a Comissão não chegou a surtir seus efeitos, ainda que nas preliminares, não havia se consubstanciado o ato jurídico perfeito, mesmo porque as próprias autoridades requerentes do ato, sem qualquer interveniência por mais simples que fosse de terceiros, declinaram da necessidade de instalação do procedimento, usando de sua soberania não como intervenientes, mas como titulares do próprio direito de minoria que os levou à busca dessa forma de exercício da representação pública. Segundo o magistrado prolator da decisão no Mandado de Segurança n° 224.01.2011.077842-8, impetrado contra decisão do I. Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos que determinou o arquivamento do pleito de instalação da CEI em questão, a retirada das assinaturas e o consequente encerramento do procedimento ofenderam o ato jurídico perfeito, tese da qual ousamos discordar, tendo em vista que o ato não havia alcançado ainda a sua plenitude e foi revogado pelas próprias autoridades que o cometerem, fazendo legítima tal atitude. Não há que falar em ato jurídico perfeito sem analisar as suas condições de existência.

Ademais disto, os vereadores que requereram a retirada de suas assinaturas do requerimento da CEI manifestaram, além de seu exercício de soberania, a vontade parlamentar, eis que o já citado Regimento Interno da Câmara Municipal de Guarulhos, que foi aprovado justamente para conduzir todos os procedimentos internos em que haja atuação parlamentar especialmente, em seu art. 178, § 1º, dispõe, verbis:

“Art. 178. Todas as proposições serão autuadas e processadas em separado, iniciando-se a numeração pela capa sobreposta à peça principal, à exceção dos substitutivos, emendas, sub-emendas,  documentos  e  informações  sobre  a proposta, que serão juntados ao processo principal.

  • 1º – Apresentada à consideração da Câmara, uma proposição poderá ser retirada pelo seu autor a qualquer momento, independendo de aprovação plenária.” (grifamos)

            In casu, ou seja, ao retirar suas assinaturas, os vereadores seguiram orientação de seu próprio Regimento Interno e, repita-se, exercendo a sua soberania, retiraram suas assinaturas do requerimento da CEI, por motivos que lhes vieram às consciências e nelas repousam, agindo estritamente em cumprimento às regras impostas ao seu comportamento mandamental. Ao protocolar o requerimento, o ato inicial ficou meramente acabado, mas não juridicamente perfeito. Rasgue-se o Regimento, caso não tenha aplicabilidade ou efetividade.    O intérprete da lei há que compreender a extensão da regra, para após aplicá-la ao caso concreto, nos bons caminhos que se deve trilhar na busca da aplicação do processo hermenêutico-interpretativo.

  1. O ato jurídico perfeito

A figura do ato jurídico perfeito não pode, nem deve ser confundida com a do ato acabado meramente. Celso Ribeiro Bastos afirmou que o ato consumado significa que o direito já foi gerado e exercido e que não há mais direito a ser feito valer no futuro, eis que do ato já se havia extraído tudo o que poderia ele dar em termos de efeitos jurídicos. Para Celso Bastos:

“O ato jurídico perfeito é aquele que, se bem que acabado quanto aos elementos de sua formação, aguarda um instante ainda, ao menos virtual ou potencial, de vir a produzir efeitos no futuro.”[8]

Nesse sentido, André Ramos Tavares afirma que o ato jurídico perfeito é aquela relação reconhecida pelo Direito que já se completou em sua inteireza.[9]

  1. Da apuração de fato determinado

As CEIs, no âmbito da Câmara Municipal de Guarulhos, que se encarregarão de apurar fatos tidos como irregulares na esfera municipal deverão ser requeridas ante o protocolo de requerimento subscrito por pelo menos 1/3 dos membros da Casa e conter a especificação dos fatos a serem apurados[10]. Tais comissões terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no regimento para a apuração de fato determinado e  por prazo  certo,  sendo  suas  conclusões,  se  for  o  caso,encaminhadas  ao  Ministério  Público,  para  que  promova  a  responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Importante frisar, que a simples menção a fatos que em tese teriam ocorrido e relatados por quem quer que seja não motiva a criação do procedimento investigativo, eis que para sua instauração é necessário o cumprimento de um fundamental requisito:

  1. a) que o fato seja determinado (CF, art. 58, § 3°).

A simples menção a “denúncia (…) referente a convênios realizados com entidades junto à Secretaria de Educação” não enseja a instauração de um procedimento tão importante quanto a CEI, eis que faltam alguns elementos de especificidade, a saber:

  1. a)    a) Que tipo de irregularidade?
  2. b)   b)  Quais as entidades a serem investigadas?
  3. c) c) Quais as naturezas dos convênios (repasse de fundos do FUNDEB; repasse de alimentos; transporte escolar; cooperação técnica; cooperação científica; etc)

O termo empregado pela Constituição Federal “fato determinado” justamente barra as arapongagens aleatórias, segundo as quais a Administração Pública deveria parar tudo o que tem de fazer e disponibilizar todas as suas centenas de convênios, contratos e documentos para disponibilizá-los às oposições de plantão, sem que haja claro motivo do por que ou sobre o quê, quando e onde. Fato determinado é o acontecimento segundo o qual há clara definição sobre o seu acontecimento. Não basta elucubrar, há que demonstrar a existência do fato que se pretende investigar, pena de cair no vazio e despender recursos públicos, além de tempo,com meras conjecturas políticas.

Aduza-se, que a finalidade da investigação deve sempre ser a apuração  de  fato  determinado, e que o tempo de duração da sindicância também deve ser específico, ante a natureza temporária das comissões de inquérito. É cediço que não se apresentam limitações da matéria a ser alvo das investigações no âmbito das CPIs, salvo o de investigar crime de responsabilidade do Presidente da República, pois há previsão constitucional  de  processo  especial  para tanto – o processo de impeachment (CF, arts. 85 e 86).  Boa parte da doutrina, no entanto, reconhece que a investigação parlamentar pode atingir qualquer fato que tenha repercussão no interesse público.  No entanto, parece-nos lógico que os fatos investigáveis devem guardar relação com a sua especificidade.

Há necessidade de que os fatos sejam delimitados, eis que sem essa condição o exercício do direito de defesa poderá ser restringido e por isso os fatos concretos devem ser o amparo fundamental da instauração, para que os investigados possam elaborar e apresentar suas defesas, exercendo sem restrições o seu direito ao contraditório, entendimento esse que é desposado pelo Supremo Tribunal Federal, como no julgamento colacionado abaixo, verbis:

Cumpre salientar quea  Constituição,  ao  determinar  que  a  CPI  tenha  por objeto fato determinado, tem por escopo garantir a eficiência dos trabalhos da própria  comissão  e  a  preservação  dos  direitos  fundamentaisFicam impedidas,  dessa  forma,  devassas  generalizadas.  Se  fossem  admitidas investigações livres e indefinidas, haveria  o risco  de  se produzir  um quadro de  insegurança  e  de  perigo  para  as  liberdades  fundamentais.  Somente a delimitação  do  objeto  a  ser  investigado  pode  garantir  o  exercício,  pelo eventual  investigado,  do  direito  à  ampla  defesa  e  ao  contraditório.

Acusações vagas  e  imprecisas,  que  impossibilitam  ou  dificultam  o  exercício desses direitos,  são proscritas pela  ordem constitucional.  No caso, a CPI foi instalada com a finalidade de apurar ‘os fatos relativos ao não-recolhimento ou ao recolhimento incorreto, pelas instituições bancárias, do Imposto sobre Serviços (ISS)’. Em juízo de mera delibação, próprio dos incidentes de contracautela, é razoável entender que o ato instituidor da mencionada CPI veicula apenas enunciados genéricos, não apontando sequer  um  fato concreto  e  individualizado  que  possa  dar  ensejo  ao  exercício,  pelo  Poder Legislativo municipal,  de  sua  função  fiscalizadora. Por fim, não é ocioso reafirmar  a  natureza  excepcional  das  medidas  de  contracautela,  cujo deferimento  se condiciona  à  efetiva  demonstração  de  ofensa  à  ordem, saúde,  segurança  e  economia  públicas.  A aferição da ocorrência desses pressupostos não se faz, contudo, de forma totalmente apartada da análise das questões  jurídicas  suscitadas  na  ação  principal,  pois  somente  a  partir dessa análise, ainda que superficial, pode-se, de fato, constatar a ocorrência de  lesão  a  um  dos  interesses  públicos  protegidos.  (SS3.591-AgR,  Rel.  Min.  Presidente,  decisão monocrática,  julgamento  em 14-8-08, DJE de 20-8-08) (Grifos nossos)

Ainda que haja crime a ser apurado, não há impeditivo em nosso sistema da concomitância de processo judicial ou investigação policial e a CEI, pois atingem finalidades investigativas diversas, consoante a melhor expressão de nosso Tribunal Constitucional:

“Autonomia da investigação parlamentar. O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI,  qualifica-se  como  procedimento jurídico-constitucional revestido de  autonomia  e  dotado  de  finalidade  própria,  circunstância  esta que  permite  à  Comissão  legislativa —  sempre  respeitados  os  limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados  que  ditaram  a  sua  constituição —  promover  a  pertinente investigação,  ainda  que  os  atos  investigatórios  possam  incidir,eventualmente,  sobre  aspectos  referentes  a  acontecimentos  sujeitos a inquéritos  policiais ou  a  processos  judiciais  que  guardem  conexão  com  o evento  principal  objeto  da  apuração  congressual.  (MS  23.652,  Rel.  Min. Celso de Mello, DJ 16/02/01) (destacamos)

Mesmo que ambas desposem o intuito de apuração de responsabilidades, os trabalhos das comissões parlamentares não se devem confundir com aqueles realizados durante no âmbito policial ou judicial, pois seu fim é outro, político. O mister desenvolvido constitucionalmente pelo tribunais tem o condão de determinar a responsabilidade jurídica (civil, penal ou administrativa), sendo que às CPIs limitam-se a apurar a responsabilidade política, adotando ao final medidas que julgarem adequadas (legislativas, políticas, de fiscalização etc.), ou simplesmente realizar uma tarefa de informação para o parlamento[11].

Logicamente não poderão investigar se o seu propósito não for tão-somente o de averiguar se houve ou não irregularidade.  O Requerimento de n° 1.058/2011, além de não especificar com clareza o(s) objeto(s)da investigação pretendida, sequer trouxe o documento no qual afirmam os seus autores que em tese haveria relatos do então Secretário de Educação sobre convênios realizados com entidades junto à Secretaria de Educação. Pelo requerimento apresentado, não se consegue definir o que pretenderia a CEI: a) quais os convênios; b) a sua natureza; c) a quantidade; d) os números dos procedimentos administrativos; e) os fatos ensejadores; f) os períodos de incidência; e g) as entidades beneficiadas.

A falta de determinação ou de definição do objeto da pretendida CEI torna incipientes os motivos que, em tese, teriam motivado os nobres vereadores a apresentar o requerimento em apreço, em acintosa ofensa ao que está disposto no § 3°, do art. 58, da Constituição da República, motivo pelo qual inócua seria sua instituição, bem como todos os atos dela derivados. Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendeset alli:

“Como imperativo de eficiência e a bem da preservação de direitos fundamentais, a Constituição determina que a CPI tenha por objeto um fato determinado. Ficam impedidas devassas generalizadas. Se fossem admissíveis investigações livres e indefinidas haveria o risco de se produzir um quadro de insegurança e de perigo para as liberdades fundamentais.”[12]

  1. Prazo Certo

As CEIs, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no regimento da Casa Legislativa Guarulhense, serão criadas por iniciativa de determinado número de vereadores, consoante já consignado, mais precisamente mediante requerimento de um terço de seus membros,  para  a  apuração  de  fato determinado  e por  prazo  certo,  sendo  suas  conclusões,  se  for  o  caso,encaminhadas  ao  Ministério  Público,  para que  promova  a  responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

Mais peculiar é o procedimento, quando os fatos se dão em um ano eleitoral e vale menção a fato que merece apreço. Há um limite intransponível para a realização de procedimento investigativo no âmbito do Legislativo, qual seja, além de não poder ter seus trabalhos desenvolvidos indefinidamente, não pode ele ultrapassar a legislatura, o que também tem sido alvo de preocupação do Supremo Tribunal Federal, que já decidiu:

“A duração do inquérito parlamentar -com o poder coercitivo  sobre particulares,  inerentes  à  sua  atividade  instrutória  e  a  exposição da  honra  e da imagem das pessoas a desconfianças e conjecturas injuriosas – é um dos pontos de tensão dialética entre a CPI e os direitos individuais, cuja solução,pela limitação  temporal  do  funcionamento  do  órgão,  antes  se  deve entender  matéria  apropriada  à  lei  do  que  aos  regimentos:  donde,  a recepção  do  art. 5º,  §  2º,  da  Lei  1.579/52,  que  situa,  no  termo  final  de legislatura  em  que  constituída,  o  limite  intransponível  de  duração,  ao  qual,com ou sem prorrogação do prazo inicialmente fixado, se há de restringir a atividade  de  qualquer  comissão  parlamentar  de  inquérito.”  (HC  71193/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23-03-2001)

A indicação de prazo certo e o respeito ao mesmo é o que se almeja constitucionalmente, eis que no procedimento das comissões de inquérito, que tem viés investigativo, haverá vezes em que poderão ocorrer restrições a direitos fundamentais, por isso a exigência de prazo certo é medida constitucional de ponderação que tem por escopo a proteção desses direitos. Tal pode significar que se pode admitir eventual limitação a direito fundamental, mas de forma claramente provisória, sendo esse o desejo da nossa Carta Política. Há que haver data para começar e para acabar. O regime desposado pelo Supremo Tribunal Federal é de que o limite máximo seja o final da legislatura, o que nos damos a discordar, com a devida venia. É o posicionamento do STF:

“O Supremo Tribunal Federal, julgando o HC nº71.193-SP,decidiu  que  a locução  “prazo  certo”,  inscrita  no  §  3º  do  artigo  58  da  Constituição,  não impede  prorrogações  sucessivas  dentro  da  legislatura,  nos  termos  da  Lei 1.579/52.” (HC 71231/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 31-10-1996).

O importante é que, no momento em que esteja devidamente instaurada, a CEI tenha definidos os seus prazos de abertura e encerramento, pena de ocorrência de investigações além daqueles que foram inicialmente elencados como fatos determinados, para que se cumpra na íntegra a vontade constitucional insculpida no § 3º, do art. 58, da Carta Brasileira.

  1. CONCLUSÕES

Ao observara natureza de qualquer decisão judicial, há que ver que a interpretação judicial deve ser considerada uma forma de expressão do juiz e que tal expressão retrata não de uma simples descrição do fenômeno jurídico, a partir de uma análise sensorial das normas, mas antes uma reação emocional a partir de sua experiência e tradição e que o expressionismo judicial se constitui em uma das formas mais sinceras de relacionamento humano, porque transfere ao interlocutor o resultado de um processo de livre associação feita pelo juiz[13].

Ainda assim e, em que pese a larga argumentação posta pelo MM Juiz prolator da sentença de mérito no Mandado de Segurança que se discutiu em tela,permissa máxima claro está que deixou ele de observar importantes elementos intrínsecos do processo de formação da Comissão Especial de Inquérito, quais sejam: a) o direito das minorias em momento algum deixou de ser observado, consoante narrado pelo MM Magistrado em sua decisão, eis que não houve, ou sequer foi encaminhado o requerimento a exame do Plenário da Egrégia Casa Legislativa, muito pelo contrário, a retirada de assinaturas se deu pelos mesmos agentes políticos minoritários que cometeram o ato administrativo, portanto, legitimados a fazê-lo; b) esses mesmos agentes políticos seguiram, em sua atitude de retirada das assinaturas, estritamente a legalidade, eis que agiram em consonância com o que prevê o Regimento Interno da Casa Legislativa em seu art. 178, § 1°; c) o Presidente da Casa agiu dentro da esfera da pura legalidade stricto sensu, ao obedecer ao fundamento antecedentemente mencionado, eis que ao agente público somente é dado a fazer o que a lei determina;d) quanto ao fato determinado este não ocorreu, ou seja, a simples menção a suposta ocorrência de prováveis irregularidades que porventura tenham sido abordadas no pronunciamento do então Secretário de Educação deste Município sem que houvesse especificação dos elementos essenciais que as tornassem fato determinado não autoriza a instauração do procedimento; e) fatos narrados pela autoridade genericamente sobre problemas de ordem administrativa em sua prestação de contas à sociedade não são elementos que autorizem a investigação, justamente por sua generalidade e não ensejam a abertura de processo investigativo, justamente porque em sua fala a autoridade também já apontava todos os procedimentos realizados pela Secretaria de Educação para orientar ou punir os faltosos, não consistindo por isto motivo à abertura de investigação. Tudo o que foi apontado na fala do Secretário são meros e corriqueiros fatos do dia-a-dia da Administração e todos os procedimentos estão à disposição do público, ademais de encaminhados os relatórios ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que detém o poder de verificar e julgar as contas do Executivo; f) por fim, a questão do prazo não foi abordada em conclusões, tendo em vista que o procedimento sequer iniciou os seus trabalhos. Embora haja a necessidade legal de sua fixação, tal poderia ter sido sanado tão logo se iniciassem os trabalhos, o que jamais ocorreu, sendo, portanto inaplicável manifestação nesse sentido.

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NOTAS

[1] Estudo de caso, por Enos Florentino Santos, advogado, Mestre em Direito, professor universitário. Junho de 2014.

[2] Neste artigo serão usadas as seguintes abreviaturas: CEI – Comissão Especial de Investigação; CPI – Comissão Parlamentar de Investigação.

[3] BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3ª Ed. Revista e ampliada. Celso Bastos Editores. São Paulo, 2002, pág. 30

[4] CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Almedina. Portugal. 2002. Pág. 231

[5] ACKERMAN, Bruce, apud APPIO, Eduardo.In, Direito das Minorias. RT, São Paulo, 2008, pág.180

[6]    Art.90.  Aconstituição  de  comissão temporária, salvo exceção prevista em lei ou neste regimento,

poderá  ser  requerida  por  qualquer  Vereador,  que  deverá especificar  com  clareza  qual  comissão  deseja  a  instituição  e seu objetivo.

[7] Art. 102. As Comissões Especiais de Inquérito encarregar-se-ão da apuração de fatos tidos comoirregulares na  esfera  municipal,  devidamente  exposto  através  de requerimento.

  • 1º – O requerimento deconstituiçãoque independe  de  deliberação  plenária, deverá  ser  subscrito  por 1/3  (um  terço) dos  membros  da  Casa  e  conter  a  especificação dos fatos a serem apurados.

[8]BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. Celso Bastos Editores. São Paulo. 2002, págs.377/378

[9]TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2006. Pág. 654

[10] Regimento Interno, art. 102 e § 1°

[11]PERALES, A.Elvira.  Comisionesde  Investigaciónenel  “Bundestag”. UnEstudio  de  Jurisprudencia.  Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 7, nº 19 (1987), p. 267.

[12]MENDES; BRANCO. Gilmar Ferreira; Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. Saraiva, São Paulo, 2013, pág.

[13]APPIO, Eduardo. Direito das Minorias. RT, São Paulo, 2008. Pág. 342

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  1. Referências Bibliográficas

APPIO, Eduardo. Direito das Minorias. RT, São Paulo, 2008

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. Celso Bastos Editores. São Paulo. 2002

……………………………Hermenêutica e Interpretação Constitucional, 3ª ed. Celso Bastos Editores, 2002

CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Almedina. Portugal.

MENDES; BRANCO. Gilmar Ferreira; Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. Saraiva, São Paulo, 2013

PERALES, A. Elvira.  Comisionesde  Investigaciónenel  “Bundestag”. UnEstudio  de  Jurisprudencia.  Revista Española de Derecho Constitucional, Ano 7, nº 19 (1987)

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2006

Regimento Interno da Câmara Municipal de Guarulhos

Site do Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br)

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REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ENOS FLORENTINO SANTOS:  advogado, Mestre em Direito, professor universitário. Junho de 2014.

Dos Crimes contra os bens imóveis e semoventes

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INTRODUÇÃO

DOS CRIMES CONTRA A POSSE E DE BENS IMÓVEIS E SEMOVENTES

Algumas condutas que envolvam a propriedade imóvel ou semovente são classificadas e inseridas como crimes contra o patrimônio, estes previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Normalmente associamos a palavra propriedade com a riqueza, principalmente à propriedade imóvel e de grandes rebanhos, sendo estes importantes e de fácil aquisição para aqueles que estão em melhores condições financeiras do que para a maioria das pessoas, apesar destas também desejarem adquiri-los. Porém, alguns tentam obtê-las de forma ilícita.

Importante fazermos um retrato social sobre propriedade imóvel no Brasil antes de falarmos de crimes, pois a propriedade é freqüentemente associada ao capitalismo e muitas vezes, a falta dela é vista como uma injustiça social, geralmente é resultado da exploração e ambição da minoria.

Existe crime praticado por uma ou mais pessoas, mas também vemos, diariamente, matérias jornalísticas que destacam invasões em propriedades imóveis, sejam nos centros urbanos ou nas áreas rurais, aparentemente todas essas condutas são ilícitas, e, normalmente, elas são lideradas por grupos organizados, exemplo é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra(MST) em áreas rurais e nas áreas urbanas temos o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto(MTST). Esses grupos organizados que praticam os crimes contra a propriedade consideram que esta é uma preocupação social e pensam que nós deveríamos nos interessar mais pelo compartilhar e repartir, pois o principal argumento é que a propriedade deve cumprir sua função social. Hoje é comum a expressão globalização, onde obter riquezas parece ser uma necessidade contínua, por isso vivemos indagando se os indivíduos deveriam ter direito de possuir grandes porções de terra, minas, lagos, florestas, bancos, rebanhos bovinos, suínos etc. Com isso criamos um grande impasse e debate social.

Ao longo da história já tivemos inúmeras situações sobre o direito à propriedade, de um lado aqueles que defendem abolir a propriedade privada, como o comunismo defendido por Karl Marx e Friedrich Engels. Já do outro lado, temos os defensores da propriedade privada, que é maioria na atualidade. No Brasil, temos uma constante discussão sobre o assunto, seja através da reforma agrária ou de outras políticas que facilitam, principalmente, a obtenção da propriedade imóvel.

Debates a parte sobre a história e de abolir ou não a propriedade privada, o importante é estudarmos os mecanismos legais em defesa da propriedade no nosso país, seja ela pública ou privada. A nossa Carta Magna estabelece claramente o direito de propriedade:

Art. 5º (…)   XXII – é garantido o direito de propriedade;

A mesma Constituição Federal também contempla vários direitos que envolvem a função social da propriedade:

Art. 5º (…)   XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)   III – função social da propriedade;

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (…)   § 2º – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei….

Além das mencionadas acima, temos diversas outras normas que estabelecem regras sobre a propriedade e, no momento em que alguém é prejudicado, ou sentindo-se como tal, serão elas que darão amparo legal, exemplo é o Código Penal, utilizado para situações que caracterizam crimes, como veremos nos tópicos seguintes, mas antes vamos entender um pouco os conceitos de posse, propriedade imóvel e semovente.

Breve histórico sobre o direito de posse e propriedade imóvel e semovente. 

1.1   Da posse

O desenvolvimento da ideia de posse no direito romano constitui-se em uma das mais árduas e difíceis investigações históricas dos pesquisadores do Direito ao longo da humanidade. Várias são as teorias imaginadas para explicar a diferenciação entre posse e propriedade do direito romano. A principal corrente acerca do assunto defende que a posse desenvolveu-se em Roma, como uma consequência do Direito de Clientela. Os patrícios faziam concessões de terras aos seus clientes, conferindo-lhes a posse e reservando a propriedade. Os clientes, não podendo defender a terra como proprietário, defendiam-na como se fossem.

Muito se discute acerca do conceito mais adequado a ser dado para a posse, variando de acordo com a exigência ou dispensa de certos elementos caracterizadores. Na apresentação do conceito de posse, define-se posse como sendo o poder físico, material, de fato, sobre uma coisa corpórea, distinto e separado do poder jurídico, propriedade, sobre ela, evidenciando a vinculação da posse ao fato e da propriedade ao direito .

Duas são as principais teorias: a subjetiva e a objetiva. Na teoria subjetiva, só se tem efetivamente a posse quando reunidos o “corpus”, poder corpóreo sobre a coisa, o efetivo domínio material sobre ela e o “animus domini”, um elemento psíquico que, no direito justiniano, é o desejo de ser proprietário ou de se transformar em dono da coisa. Assim, é necessário que o possuidor tenha a vontade de ser proprietário da coisa, onde, sem a qual estaria configurada uma mera detenção. Essa teoria exige, pois, para que o estado de fato da pessoa em relação à coisa se constitua em posse, que ao elemento físico, “corpus”, venha juntar-se a vontade de proceder à coisa como procede ao proprietário, “affectio tenendi”, mais a intenção de tê-la como proprietário, “animus domini”.

A teoria objetiva sustenta que é necessário para a posse apenas o “corpus” e o“animus tenendi, ou seja, a vontade de possuir. Assim, para ser possuidor, prescindível é a caracterização do “animus domini”. Nessa concepção, a distinção entre “corpus” e “animus” é irrelevante, pois a noção de “animus” já se encontra na de “corpus”, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa que é possuídor.

A posse pode ser mantida ou restituída através de ação própria, às atuais ações possessórias.

1.2   Da propriedade

A propriedade pode ser conceituada como sendo o pleno poder sobre a coisa, “plena in res potestas”.

Tal conceito decorre de somente a propriedade poder apresentar todos os direitos sobre a coisa, ou seja, o direito de possuir, “jus possidendi”, o direito de usar, “jus utendi”, o direito de usufruir, “jus fruendi”, e o direito de modificá-la, reformá-la ou vendê-la, “jus abutendi”.

A propriedade é um direito real, absoluto, exclusivo, oponível e irrevogável, salvo nos casos lícitos de limitação, uma vez que recai sobre uma coisa. A propriedade é assim o mais amplo poder que um sujeito pode exercer sobre a coisa, a mais perfeita relação de subordinação de um bem a um particular. Tem, desta forma, ampla proteção jurídica, como o direito de reavê-la de quem injustamente a possua ou detenha. Pode exercer todos os direitos sobre a coisa, dentro de certas limitações.

O direito romano, apesar de defender o caráter absoluto do direito de propriedade já trazia algumas destas limitações, aumentadas com o tempo em função do caráter social que deve ter a propriedade e, entre as primeiras, temos a limitação de altura de edifícios, já nas públicas, podemos falar da tolerância da navegação em seus rios pelos proprietários.

Hoje, nossa carta magna consagra a função social da propriedade como um de seus preceitos básicos, o que legitima, dentre outras possibilidades, a desapropriação de áreas rurais improdutivas para fins de reforma agrária, etc.

Propriedade é uma palavra que as pessoas associam freqüentemente com riqueza, algo que é importante para aqueles que estão em melhores condições do que a maioria. Propriedade é freqüentemente associada ao capitalismo e é vista como um dos frutos amargos da exploração. Muitos perguntam se os indivíduos deveriam ter direito de possuir grandes porções de terra, minas, lagos, florestas e bancos. Muitos formadores de opinião consideram que a propriedade é uma preocupação materialista e pensam que nós deveríamos nos interessar mais pelo doar e pela compaixão.

1.3   Do semovente

Semovente é a definição dada pelo Direito ao animal, normalmente de rebanho como bovino, ovino, suíno, caprino, equino etc., que constituem patrimônio.

O termo significa: “aquele que anda ou se move por si”, mas juridicamente se aplica àqueles animais que são uma propriedade (e não sendo móveis ou imóveis, justificam uma classificação exclusiva) passíveis de serem objeto das transações realizadas como o patrimônio em geral (como, por exemplo, venda ou execução judicial, na medida da possibilidade de seu arrolamento como objeto de penhora).

 

  1. Crimes previstos no Código Penal

No Capítulo III, Título II, o Código Penal volta sua atenção para a posse e a propriedade de imóveis e para a propriedade de semoventes. Busca, principalmente, proteger o patrimônio dos agricultores e pecuaristas, embora possa haver incidência típica também em relação à propriedade imobiliária urbana.

Os crimes definidos são a alteração de limites (art. 161, caput), a usurpação de águas (art. 161, I), o esbulho possessório (art. 161, II) e a supressão ou alteração de marca em animais (art. 162). Detalhemos cada um a seguir:

2.1   Alteração de limites

A definição típica está no caput do art. 161: “suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia”. A pena é detenção, de um a seis meses, e multa.

O bem jurídico protegido é a posse e a propriedade de coisa imóvel. É, portanto, o patrimônio imobiliário.

Sujeito ativo do crime é qualquer pessoa que queira apropriar-se da propriedade alheia, entendendo a doutrina que só pode ser o possuidor ou o proprietário do imóvel vizinho. O promissário comprador pode realizar uma das condutas para ampliar a área que vai adquirir.

Sujeito passivo é o possuidor ou proprietário do imóvel sobre o qual recai a conduta típica.

Duas ações podem caracterizar a conduta: suprimir ou deslocar tapume, marco ou sinal indicativo de linha divisória. Suprimir é destruir, fazer desaparecer, eliminar, podendo o agente utilizar qualquer meio, inclusive o fogo. Deslocar é alterar a posição no espaço, mudar de lugar, transferir, transportar de um lugar para outro. Por tapumes devem-se entender as sebes vivas, as árvores, as plantas que servem de marco divisório, os muros, as cercas, de arame ou de madeira, as valas ou banquetas, como menciona a lei civil (art. 1297, §§ 1º e 2º do Código Civil).

Marco é o objeto de madeira, pedra ou concreto de cimento, fixado no chão para a determinação de pontos da linha divisória entre dois imóveis.

Por sinais indicativos de linha divisória deve-se compreender toda e qualquer coisa que sirva para demarcar a linha de divisa entre duas propriedades ou posses imobiliárias, assim um rio, uma estrada, uma determinada árvore de porte, um acidente natural, um fosso, uma lagoa, uma grota, uma gruta ou um monte de pedra.

Linha divisória é a linha de separação contínua, reta, quebrada ou curva, entre um imóvel e todos os outros que lhe são contíguos, que se materializa, no espaço terrestre, através de tapumes, marcos e outros sinais materiais. Realizada a conduta em qualquer de suas modalidades a linha divisória resta alterada, diminuída a área da propriedade e posse, acrescendo-se, de conseqüência, a quantidade da área contígua.

A propriedade ou posse cuja área fica diminuída deve ser alheia, não pertencendo, nem em parte, ao agente.

Sendo a propriedade uma comunhão, em que vários condôminos têm suas posses perfeitamente individualizadas e delimitadas, pode existir o crime em relação tão somente à posse do condômino vizinho, que é alheia. A propriedade é comum, mas as posses são individualizadas.

Se a propriedade ou posse pertence ao próprio agente o crime será exercício arbitrário das próprias razões (art. 345), ressalvada a hipótese de legítima defesa da posse. O elemento subjetivo é o dolo, pois o agente deve ter consciência também de que a posse ou propriedade não lhe pertence. Quando o agente altera o limite acreditando pertencer-lhe a área a ser acrescida à sua cometerá o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345,CP). Deve agir com o fim de apropriar-se da totalidade ou de parte da posse ou propriedade alheia.

Quando o agente, alterando a linha divisória entre dois imóveis na pendência de um processo judicial, pretende induzir o perito ou o juiz a erro, o crime será o de fraude processual, definido no art. 347 do Código Penal, mais severamente punido.

A consumação acontece quando o agente suprime ou quando desloca o tapume, marco ou sinal indicativo da linha divisória, não sendo necessário que se aproprie da propriedade alheia. Haverá tentativa se houver interrupção do processo executório, por circunstâncias alheias à sua vontade.

Se para realizar a conduta o agente emprega violência contra pessoa, responderá por dois crimes, em concurso material: a alteração de limites e a lesão corporal ou homicídio, tentado ou consumado.

Estabelece o parágrafo 1º do artigo 1.210 do Código Civil:

Art. 1.210  (…)  §1º “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.”

Tem, portanto, o possuidor de imóvel o direito de obstar, por seus próprios meios, o esbulho de sua área. Assim, se alguém invade o imóvel, nele destruindo, deslocando ou fincando marcos ou tapumes ou extremando divisas, pode o possuidor, desde que com presteza e rapidez, ele mesmo, em vez de buscar a proteção possessória jurisdicional, reagir, com suas próprias forças, à invasão, restabelecendo a integridade da área esbulhada. Crime algum cometerá, nem o exercício arbitrário das próprias razões, desde que sua conduta não ultrapasse os limites da necessidade para a autoproteção possessória.

A ação penal é de iniciativa privada no caso de propriedade privada e se não houver violência. Será pública incondicionada se o fato tiver sido praticado com violência contra a pessoa ou se for propriedade pública agredida. Em qualquer hipótese, a competência é do juizado especial criminal, estadual ou federal, se a propriedade é da União. É considerado crime de menor potencial ofensivo, pois a pena máxima não é superior a dois anos, consoante o disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95.

2.2   Usurpação de águas

É típica a conduta de quem “desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias” (art. 161, I, CP). A pena é detenção, de um a seis meses, e multa.

O bem jurídico protegido é o patrimônio, em relação ao direito do proprietário à utilização das águas particulares ou comuns.

Qualquer pessoa pode ser sujeito do crime. Sujeito ativo é quem desvia ou represa as águas, seja vizinho ou não do imóvel por onde elas correm. Sujeito passivo é o titular do direito de uso, gozo ou fruição das águas.

Duas são as condutas típicas: desviar ou represar. Desviar é modificar o curso natural da água, alterando, no espaço terrestre, o leito pelo qual elas correm ou fluem. Executa-se por vários meios, construindo-se canais ou valas por onde elas possam escoar ou com a utilização de tubulações e equipamentos mecânicos, como bombas, para alterar o curso natural, não sendo necessário que o desvio seja da totalidade das águas correntes. Represar é conter as águas em seu próprio leito, impedindo a continuidade de sua fluência natural, mantendo-as armazenadas em barragem, represa ou reservatório.

Águas alheias que estejam naturalmente contidas em lagoas ou lagos estanques não podem ser represadas, porque assim já se encontram, nem desviadas, porque não fluem por um curso que possa ser modificado. Podem, todavia, ser captadas, mas o tipo não emprega expressão equivalente ao verbo captar. Caso sejam apropriadas, por via de mecanismo de sucção movido por energia elétrica, eólica ou até pela força gravitacional, creio que o fato se subsumirá ao tipo de furto, porque nesse caso a conduta é a de subtrair coisa alheia móvel, desde, é óbvio, que não sejam águas de uso comum de todos.

Há elementos normativos que regulam o tema de águas alheias, um é o Código Civil, nos artigos 1.288 ao 1.296, o outro é o Código de Águas, Decreto nº 24.643/34.

As águas são públicas ou particulares. As públicas podem ser de uso comum ou dominicais, e as particulares são as nascentes e todas as águas situadas em terrenos particulares, com exceção das classificadas como de uso comum de todos, as públicas e as comuns. Assim, são alheias as águas que não sejam do agente, nem as águas comuns.

Se o agente emprega violência contra a pessoa, haverá concurso material do crime de usurpação de águas com o crime contra a pessoa, lesão corporal ou homicídio, tentado ou consumado.

O elemento subjetivo é o dolo. O agente deve ter consciência da conduta e também de serem as águas alheias e vontade livre de desviá-las ou represá-las, com o fim de obter proveito para si ou para outra pessoa. Não se exige que haja prejuízo efetivo para a vítima. Se o agente age impelido com o fim de prejudicar a vítima, sem o de obter proveito, causando efetivo prejuízo à propriedade alheia, poderá incidir o tipo do art. 163, CP (Dano – destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia).

Se o agente atua por engano, imaginando, por exemplo, ter direito ao desvio ou represamento da água, haverá erro de tipo, excludente do dolo, mas poderá responder por exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP).

Consuma-se com o desvio ou o represamento das águas alheias, não sendo necessária a obtenção da vantagem pretendida pelo sujeito, para si ou para outra pessoa.

A tentativa é perfeitamente possível quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

A ação penal é de iniciativa privada, se forem águas particulares e não houver violência. Será pública incondicionada se o fato tiver sido praticado com violência contra a pessoa ou se houver desvio ou represamento de águas públicas. Em qualquer hipótese, a competência é do juizado especial criminal, estadual ou federal, se houver interesse da União. É considerado crime de menor potencial ofensivo, pois a pena máxima não é superior a dois anos, consoante o disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95.

2.3   Esbulho possessório

Comete esbulho possessório quem “invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório”. A pena é detenção, de um a seis meses, e multa. O bem jurídico protegido é a posse dos bens imóveis, o patrimônio imobiliário, tutelada, ainda, a integridade corporal, a saúde e a liberdade individual.

Sujeito ativo é qualquer pessoa que invade o terreno ou o edifício alheio.

Sujeito passivo é o possuidor do imóvel.

O núcleo do tipo é o verbo invadir, no sentido de entrar ostensivamente no interior do terreno ou do edifício. É nele penetrar, ingressar. Realiza-se o crime se a invasão se der com o emprego de violência ou grave ameaça contra pessoa ou mediante o concurso de, pelo menos, três pessoas. Há violência quando o agente provoca lesões corporais ou quando pratica vias de fato. A grave ameaça é a violência moral.

Havendo concurso de três ou mais pessoas, o agente e mais três, no mínimo, não é necessário o emprego de violência ou grave ameaça. Não significa dizer que os quatro devem estar presentes na invasão, podendo dois invadirem, permanecendo dois a distância ou um deles sendo apenas o autor intelectual. A norma fala em concurso e não em prática ou execução do procedimento típico. Deve o bem imóvel invadido ser alheio, não podendo pertencer, nem em parte, ao agente. Pode ser o imóvel particular ou público.

Se o imóvel invadido for objeto de financiamento pelo Sistema Financeiro da Habitação, incidirá a norma do artigo 9º da Lei nº 5.741, de 1º de dezembro de 1971, que comina pena de detenção de seis meses a dois anos e multa, também será isento de pena se desocupar o imóvel espontaneamente, conforme estabelece:

Art . 9º   Constitui crime de ação pública, punido com a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos e multa de cinco a vinte salários mínimos, invadir alguém, ou ocupar, com o fim de esbulho possessório, terreno ou unidade residencial, construída ou em construção, objeto de financiamento do Sistema Financeiro da Habitação.

  • 1º Se o agente usa de violência, incorre também nas penas a esta cominada.
  • 2º É isento da pena de esbulho o agente que, espontaneamente, desocupa o imóvel antes de qualquer medida coativa.

Além do dolo, o agente deve agir com o fim de esbulho possessório. Esbulhar a posse é tomar a posse do imóvel. É substituir-se ao antigo possuidor, tornando-se o possuidor. O esbulho pode ser total ou parcial, conforme alcance a integridade ou apenas parte da posse da vítima.

A consumação ocorre com a invasão e não com a perda da posse pela vítima, que será tão somente o exaurimento do crime.

A tentativa é possível se o agente não consegue invadir, ingressar na posse alheia.

Havendo emprego de violência, será reconhecido o concurso material do crime de esbulho possessório e do crime contra a pessoa, lesão corporal ou homicídio, tentado ou consumado.

A ação penal é de iniciativa privada se tratar de propriedade privada e não houver violência. Será pública incondicionada se o fato tiver sido praticado com violência contra a pessoa ou se for pública a propriedade agredida. Em qualquer hipótese, a competência é do juizado especial criminal, estadual ou federal, se a propriedade é da União. É considerado crime de menor potencial ofensivo, pois a pena máxima não é superior a dois anos, consoante o disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95.

2.4   Supressão ou alteração de marca em animais

A descrição típica está no art. 162 do Código Penal: “suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade”. A pena é detenção, de seis meses a três anos, e multa.

A norma protege a propriedade de semoventes, gado ou rebanho, portanto, tutela o patrimônio.

Sujeito ativo do crime é quem realiza a conduta. Sujeito passivo o proprietário do gado ou do rebanho.

Realiza-se o crime com uma das seguintes ações comissivas: suprimir, que significa desfazer, destruir, ou alterar, no sentido de modificar, dar nova feição à marca ou sinal indicativo de propriedade.

É costume e de direito do proprietário marcar os animais, nos próprios corpos, com a utilização de desenhos, letras, geralmente as iniciais do proprietário, números, que são impressos na pelagem, a qual é queimada por ferro em brasa ou através de produtos químicos. Também se marca animal com a fixação de artefatos ou etiquetas, de metal ou outro material, indicando sua propriedade. A marcação de animais é regulada pela Lei nº 4.714/65, todavia não é indispensável que a marca no animal tenha sido feita com observância de seus dispositivos. A marca deve ser reconhecida como sinal indicativo de quem seja o proprietário do animal, podendo tal prova ser feita de toda forma em direito admitido. Qualquer sinal que indique ser o animal de propriedade de alguém pode ser alterado ou suprimido, incidindo a norma penal. O animal deve estar em meio a gado ou rebanho, expressão utilizada que significa o conjunto de animais de grande e de pequeno porte, respectivamente. Assim há gado bovino, gado eqüino, e rebanho caprino, rebanho suíno etc. Basta a supressão de uma marca ou sinal em um dos animais do gado ou do rebanho.

O elemento normativo indevidamente deve ser verificado, não havendo crime quando o agente age autorizado pelo proprietário ou porque adquiriu o animal. Deve ainda o animal estar em gado ou rebanho alheio, ou seja, que não pertença ao agente.

O crime é doloso. O dolo deve abranger não só a conduta e o resultado, mas os dois elementos normativos: a ilicitude da conduta e a condição de ser alheio o animal. Haverá erro de tipo quando o agente supõe-se autorizado a suprimir ou alterar a marca ou ainda quando imagina tratar-se de animal de sua propriedade. Diverge a doutrina acerca da necessidade da presença do fim de lesionar o patrimônio alheio. Basta, penso, o fim de, destruindo ou modificando a marca, estabelecer a dúvida sobre quem seja o verdadeiro proprietário do animal, expondo a perigo o direito de propriedade. O crime pode ser meio para a realização do delito de furto de animais, denominado “abigeato”, ou ser “post factum” impunível de furto ou apropriação indébita anterior, que o absorve.

Consuma-se com a supressão ou alteração da marca, possível a tentativa quando o agente, prestes a realizar a conduta, é interrompido por ação de terceira pessoa ou pela fuga do animal.

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, competente o juizado especial criminal. É possível a suspensão condicional do processo penal, consoante o disposto no art. 89 da Lei nº 9.099/95. Será ação penal pública condicionada à representação do ofendido, quando a vítima for o cônjuge separado, irmão, tio ou sobrinho com quem o agente coabite (art. 182, I a III, CP).

3.   Esbulho possessório na esfera do Direito Civil

                        Já falamos sobre esbulho possessório previsto no inciso II do artigo 161 do Código Penal, agora vamos reforçar o conceito de esbulho possessório e o que prevê o Código Civil.

Esbulho é o ato pelo qual uma pessoa perde a posse de um bem que tem consigo (sendo proprietário ou possuidor) por ato de terceiro que a toma forçadamente, sem ter qualquer direito sobre a coisa que legitime o seu ato. É o caso, por exemplo, de pessoa que entra sem autorização em terreno de outrem, e o ocupa, sem que a posse do terreno lhe tenha sido transmitida por qualquer meio.

Podemos dizer que a invasão de propriedade é um esbulho possessório, mas este não se limita aos casos de invasão de propriedade. Até mesmo porque o esbulho viola a posse e não a propriedade em si. Por exemplo, um imóvel locado que é invadido: neste caso, quem sofre o esbulho é o locatário, que detém a posse do imóvel, e não o proprietário. Se o proprietário viola a posse legitimamente exercida por outrem (como o locatário, ou comodatário do imóvel, quando vigente o contrato) ele próprio pratica esbulho (art. 1197, do Código Civil). Ou seja, o direito violado com o esbulho é o direito do possuidor e não necessariamente do proprietário (porque este pode não estar exercendo a posse direta do bem). Sua previsão legal está no art. 1210, do Código Civil.

Reforcemos o que dispõe o artigo 1.210, parágrafo 1º, do Código Civil:

Art. 1.210  (…)  § O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

 

Ou seja, a pessoa que sofre esbulho pode, se agir de imediato, reaver a posse do bem por ato próprio, desde que não extrapole o necessário. Não pode, por exemplo, violar a integridade física do esbulhador, ou atentar contra sua vida, para reaver a posse do imóvel.

Não reavida a posse dessa forma, poderá o esbulhado obter a restituição da posse, através da ação de reintegração de posse, regulada pelos artigos 920 a 931 do Código de Processo Civil. Deverá estar assistido por advogado, que proporá a ação perante o juízo competente, podendo obter liminar para a reintegração.


CONCLUSÃO

Os crimes contra o patrimônio, em especial contra a propriedade imóvel e semovente, tem tipificação penal, porém, para a propriedade imóvel será preciso conhecer em detalhes as circunstâncias do fato para o perfeito enquadramento. Isto porque somente se configura um crime quando todos os elementos do tipo penal (ou seja, todos os elementos previstos em lei que compõem um determinado crime) estiverem presentes. E, mesmo preenchendo todos os requisitos, muitos prejudicados não se socorrem do Direito Penal, mas sim do Direito Civil, já que muitos casos têm origem privada e necessita da provocação do prejudicado mediante queixa para o procedimento penal, conforme disposto no parágrafo 3º do artigo 161 do Código Penal:

Art. 161 (…) § 3º – Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

Outras questões impedem o procedimento penal, previstos nos artigos 181 e 182, do Código Penal, o primeiro isenta cônjuge, ascendente e descendente de pena, e no segundo, quando envolve certos parentes, há imposição para proceder mediante representação. Ambos os casos direcionam os prejudicados ao amparo do ordenamento civil, reforçando e demonstrando maior eficiência que a proteção penal. Lembrando que o Direito Penal é a “ultima ratio”, o último recurso legal que se deve utilizar. O amparo no Direito Civil está disposto nos termos dos artigos 1210 a 1224 do Código Civil, assim como artigos 920 a 931 do Código de Processo Civil. As ações possessórias instruídas pelo Código de Processo Civil, são instrumentos mais ágeis e de resultado mais efetivo do que o acionamento da perseguição penal.

Diante da complexidade das questões possessórias, não seria errado comentar que a autoridade policial não está formada e legitimada para decidir sobre a solução a ser dada com a sua intervenção, podendo, por exemplo, retirar o real possuidor, deixando no local o real esbulhador, pois os próprios juízes têm uma difícil missão de julgar, mesmo com produção de provas com documentos, testemunhas e laudos periciais. Podemos dizer que nem mesmo a simples apresentação do título de propriedade é o suficiente para provar o domínio e posse, já que um contrato de locação pode dar o direito ao locatário e não ao locador, e este pode ser o esbulhador.

Importante registrar que o conceito penal de esbulho possessório é diverso e mais restrito do que o civil, pois, para que haja esbulho possessório, no campo penal, é necessário que a invasão tenha por fim o esbulho, e seja praticada, em terreno ou imóvel alheio, com violência à pessoa ou grave ameaça, ou, ainda, em concurso de pessoas, entretanto, para a sua configuração, exige-se o elemento subjetivo do injusto, ou o chamado dolo específico, no caso, consistente na vontade de apropriar-se de coisa imóvel alheia. Considerando que, atualmente, a maioria das imputações de esbulho possessório resultam de ocupações coletivas de imóveis rurais, normalmente improdutivos, importante se faz ressaltar a legitimidade constitucional da atuação dos movimentos agrários, visando a implantar a reforma agrária e que não caracteriza crime contra o patrimônio. Tal ensinamento foi registrado no voto do então Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, proferido no julgamento do “habeas corpus” nº 5.574/SP:

 

“a constituição da república dedica o capítulo iii do título vii à política agrícola e fundiária e à reforma agrária. configura, portanto, obrigação do estado. correspondentemente, direito público, subjetivo de exigência de sua concretização. na ampla arca dos direitos de cidadania, situa-se o direito de reivindicar a realização dos princípios e normas constitucionais. a carta política não é mero conjunto de intenções. de um lado, expressa o perfil político da sociedade, de outro, gera direitos. é, pois, direito reclamar a implantação da reforma agrária. legítima a pressão aos órgãos competentes para que aconteça, manifeste-se historicamente. reivindicar, por reivindicar, insista-se, é direito. o estado não pode impedi-lo. o modus faciendi, sem dúvida, também é relevante. urge, contudo, não olvidar o princípio da proporcionalidade – tão ao gosto dos doutrinadores alemães. a postulação da reforma agrária, manifestei em habeas corpus anterior, não pode ser confundida com o esbulho possessório, ou a alteração de limites. não se volta para usurpar a propriedade alheia. a finalidade é outra. ajusta-se ao direito. sabido, dispensa prova, por notório, o estado, há anos, vem remetendo a implantação da reforma agrária. os conflitos resultantes, evidente, precisam ser dimensionados na devida expressão. insistase. não se está diante de crimes contra o patrimônio. indispensável a sensibilidade do magistrado para não colocar, no mesmo diapasão, situações jurídicas distintas (…).” (HC Nº 5.574/SP (97.0010236-0). RELATOR: O EXMO. SR. MINISTRO WILLIAM PETTERSON. RELATOR DESIG: O EXMº SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO. 6ª Turma: 08/04/97) 

Importante será sempre analisar o contexto de cada caso concreto para sabermos se este é enquadrado no Direito Penal. Mas, em regra, quando não há violência, podemos concluir que o melhor caminho é pelo Direito Civil, sendo a escolha mais prudente em defesa da propriedade.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

  •  CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte especial – v.1. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
  •  DELMANTO, Celso. Código penal anotado. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1988
  • MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal – parte especial – Arts. 121 a  234 do CP. São Paulo: Atlas, 2000.
  •  NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral / parte especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
  • PORTAL, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. MTST e Periferia Ativa fazem dois atos simultâneos na capital!.Disponível em: <http://www.mtst.org/>, acesso: 25/08/2013.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

NILTON DE SOUZA VIVAN NUNES, Advogado, professor universitário nas cadeiras de Direito Penal e Prática Jurídica Penal na UNIFIG Guarulhos, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UNIFIG Guarulhos, Pós graduado em Direito Processual Civil na mesma instituição; Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada, Espanha; Doutorando em Direito Penal Internacional pela Universidade Nacional de Lomas de Zamora, Argentina.

Email:  tonnunesadvogado@hotmail.com

A Análise Transacional como recurso eficaz no processo de Mediação 15/07/2014 12:54

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Resumo

O presente artigo traz uma abordagem interdisciplinar entre a Ciência Jurídica e a Psicológica e tem por escopo revisar o conceito dos Estados do Ego sob o prisma da Teoria da Análise Transacional, a fim de disponibilizar tais dados para a aplicação no processo de Mediação. Revisando importantes obras sobre o tema pretende-se apresentar essa teoria psicológica como um recurso complementar no repertório das pessoas que atuam no processo alternativo de tratamento de conflitos, em tela, a mediação, uma vez que ela tem em foco a facilitação do diálogo entre as partes. Para tanto trazemos a elucidação sobre a Base Teórica e Estrutural da Análise Transacional e apresentamos os Estados do Ego por meio dos conceitos, representações gráficas, suas subdivisões, e os comportamentos característicos de cada um. Por fim, buscou-se incentivar o mediador na aquisição de novos conceitos psicológicos para incrementar sua atuação como figura facilitadora dos diálogos no processo de mediação.
Palavras-chaves: Mediação; Análise Transacional; Comunicação; Mediador; Estados do Ego.

Introdução

Os conflitos interpessoais aumentam a cada dia que passa e muitos deles acabam gerando processos que buscam nos fóruns a solução para tais demandas. O aumento vertiginoso dos processos judiciais decorre da compreensão e do aprofundamento do conceito de democracia que ampliou a noção do direito individual e do exercício da cidadania[1].  No Brasil o pensamento dominante é o de que a sentença judicial é a única forma de pôr fim as suas lides[2].

Zulema Wilde[3] diz que “os conflitos são inevitáveis nesta vida e admitir que os métodos habituais de resolução têm sido em geral inadequados, de alto custo e até, muitas vezes, destrutivos, representa já um avanço”.

Na busca de uma sociedade que tenha mecanismos eficientes de reduzir os conflitos por meio de consensos, restaurando a harmonia é que surge a ideia de mediação no sistema judiciário[4], uma vez que “em muitos conflitos, a sentença judicial não é a melhor maneira de resolver controvérsias, notadamente nas causas mais complexas e que envolvam algum tipo de laço emotivo entre os envolvidos” 2.

Nas últimas décadas, presenciamos um contexto paradoxal no tocante à comunicação, campo em que o avanço tecnológico permite a expansão e a multiplicação de contatos, mas experimentamos uma enorme dificuldade na comunicação interpessoal, devido ao afastamento decorrente da ânsia de consumo e da concepção individualista e competitiva. No contexto descrito a mediação torna-se um instrumento indispensável para o resgate do diálogo entre as partes, buscando por meio da comunicação, a valorização do indivíduo e dos vínculos sociais[5].

Pela coleta das informações e das particularidades dos conflitos relatados pelas partes, o mediador incentiva que elas próprias produzam a solução de tais conflitos[6]. A mediação prioriza o diálogo, a colaboração e a solidariedade propiciando a participação e a corresponsabilização das partes quanto ao desfecho do litígio5.

Entre outros métodos, a mediação é fruto de uma tendência liberal mundial sendo que vários países perceberam as dificuldades do formalismo judicial estatal frente às diversas áreas do inter-relacionamento afetivo, profissional ou comercial entre pessoas físicas e jurídicas onde se faz necessária a resolução de conflitos de maneira rápida, eficaz e eficiente. Fica evidente a retirada cada vez maior do Estado dos assuntos de interesse dos particulares, considerando que os cidadãos podem exercer a administração, a transformação e a resolução dos próprios conflitos, uma vez que as fórmulas tradicionais não satisfazem mais as atuais exigências[7].

Um recurso técnico a ser utilizado na mediação, auxiliando o processo de mudança do papel desempenhado pelas partes envolvidas no conflito, é o da Teoria da Análise Transacional por contribuir “de forma significativa para o processo de confrontação ao papel do mediador, uma vez que clareia, facilita o diagnóstico e instrumentaliza, através da atuação efetiva e adequada dos Estados de Ego, Transações e a compreensão dos Jogos Psicológicos” [8].

A interligação da Análise Transacional com o Direito é plenamente possível para Maria Garcia, pois a primeira é:

…uma área do conhecimento humano que pode ser empregada com o Direito na tarefa de interpretação da lei. Destacando que o domínio de um dos instrumentos da AT: os Estados de Ego já proporciona em parte o auto-conhecimento e a identificação dos comportamentos. ‘o interprete terá a noção clara da sua postura diante da norma jurídica e interpretar: se clara ou obscura, se razoável ou não, se justa ou injusta, se ideologicamente dirigida, enfim, diante das circunstancias todas que cercam a norma e o caso, o próprio trabalho a realizar, externas ou interiores ao interprete este, o sujeito da ação, tem em si o início da solução: a partir daí começa a tarefa da interpretação[9].

 

Iniciamos o texto apresentando a base teórica da Análise Transacional, destacando em seguida os Estados do Ego, na intenção de proporcionar ao mediador esse conhecimento.

 

  1. BASE TEÓRICA ESTRUTURAL DA ANÁLISE TRANSACIONAL

Berne destaca que a análise estrutural é aquela que se ocupa da identificação e da análise dos estados do ego.  Ela deve preceder a análise transacional com o objetivo de constatar a predominância do estado do ego que avalia a realidade[10].

Como base teórica da análise estrutural da Análise Transacional, Berne apresenta os três absolutos pragmáticos (condição para a qual não tenha havido nenhuma exceção) e três hipóteses gerais que são as seguintes:

1 – Que todo indivíduo adulto foi criança um dia.

2 – Que todo ser humano, com um funcionamento suficientemente bom do tecido cerebral, é potencialmente capaz de uma adequada avaliação da realidade.

3 – Que todo indivíduo que sobrevive até a idade adulta teve pais ou alguém in loco parentis.

As hipóteses correspondentes são:

1 – Que os vestígios da infância sobrevivem na vida posterior como Estados do Ego completos (relíquias arqueopsíquicas).

2 – Que a avaliação da realidade é função de estados do ego distintos e não de “capacidade” isolada (funcionamento neopsíquico).

3 – Que o comando pode ser assumido por completo estado do ego de um indivíduo exterior, segundo se percebe (funcionamento exteropsíquico)[11].


2. ESTADOS DO EGO

Pai, Adulto e Criança representam pessoas reais que existem agora ou já existiram, e que têm nomes legais e identidades cívicas.

Eric Berne[12]

Estados do Ego são as posições psicológicas tomadas pelo indivíduo fenomenologicamente observáveis[13]. São sistemas coerentes de pensamento e sentimento manifestados por padrões de comportamento correspondente[14], “… se referem a fenômenos baseados em realidades concretas” 12. Berne definiu o Estado do Ego como um sistema de sentimentos acompanhado por um conjunto relacionado de padrões de comportamento[15].

Eric Berne, in “Princípio do tratamento de grupo”, o repertório de Estados do Ego é limitado em três tipos:

  1. Estado do Ego Pai é o que reproduz os sentimentos, as atitudes, o comportamento e as respostas das figuras parentais.
  2. Estado do Ego Adulto é o que avalia as probabilidades como base para a ação por meio da coleta e do processamento autônomo de dados.
  3. Estado do Ego Criança é o locus onde estão as relíquias da infância sendo reproduzidas no estado mental e no comportamento em algum momento ou época específica do desenvolvimento.

O termo “estado do ego” pretende tão-somente designar estados da mente e seus padrões afins de comportamento tal como estes ocorrem na natureza, e evita, num primeiro momento, o uso de conceitos como “instinto”, “cultura”, “superego”, “animus”, e assim por diante[16].

O alicerce da Análise Transacional é formado pelo conceito de Estado do Ego, abrangendo toda a variedade de formas de pensar, agir e sentir dos seres humanos. “Através dos Estados do Ego flui a energia psíquica dentro da pessoa, como também na comunicação interpessoal[17]”.

A manifestação dos Estados do Ego oscila de acordo com o fluxo da catexia (energia psíquica) que passa de um para outro, tendo o poder executivo aquele que estiver catexizado, ficando os outros dois latentes[18].

O desenvolvimento dos Estados do Ego acontece a partir do nascimento quando surge o Estado do Ego Criança, momento em que o recém-nascido está concentrado em torno das próprias necessidades. Em seguida se desenvolve o Estado do Ego Pai, que pode ser observado na brincadeira e imitação que a criancinha faz de seus pais.  O Estado do Ego Adulto se desenvolve nas tentativas de a criança entender o sentido do mundo e perceber que pode manipular os outros[19].

Cada um dos Estados do Ego PAI, ADULTO e CRIANÇA é responsável pela maneira como o indivíduo percebe o mundo, como ele sente o seu relacionamento com as outras pessoas. Essas instâncias são consideradas partes dinâmicas do todo, que é o Eu, as quais se intercambiam, quando do trato consigo ou com o outro[20].

As expressões Pai, Adulto e Criança, escritas com a inicial maiúscula referem-se aos respectivos estados do ego e não pessoas.

Para melhor compreensão faremos a seguir a apresentação da forma como é representada graficamente os Estados do Ego na teoria da Análise Transacional.

2.1 REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS ESTADOS DO EGO

“A ideia de estado do Ego é representada por três circunferências sobrepostas. A circunferência superior caracteriza o estado do Ego Pai; a central o estado do Ego Adulto e a circunferência inferior, o estado do Ego Criança18”.

 

P  –  Pai

A  –  Adulto

C  –  Criança

Tais expressões constituem uma descrição coloquial dos Estados do Ego que se referem a manifestações fenomenológicas dos órgãos psíquicos correspondentes a extereopsique (Pai), neopsique (Adulto) e arqueopsique (Criança)[21], que serão expostas a seguir.

 

2.2 ESTADO DO EGO PAI (extereopsique)

…representa alguém dentro de sua cabeça lhe dizendo o que deve fazer, como se comportar e como ele é bom ou como ele é mau, e como as outras pessoas são piores ou melhores.

Eric Berne[22]

 

Estado do Ego Pai é decorrente da introjeção de um dos próprios pais, ou outras figuras parentais significativas, da maneira como elas eram percebidas pela criança. É emprestado “de figuras parentais, reproduzindo os sentimentos, as atitudes, o comportamento e as respostas daquelas figuras[23]”, “neste estado a pessoa sente, age, fala e reage como um dos seus progenitores fazia quando ela era pequena[24]”.

 

Do ponto de vista estrutural, é um conceito de vida aprendido. “Abrange os valores, as tradições, a moral, a ética, os costumes, julgamentos, preconceitos, aspectos esses que se perpetuam, através dos padrões culturais transmitidos de geração em geração[25]”.

Do ponto de vista funcional há dois aspectos distintos e complementares: Pai Crítico e Pai Protetor. O Pai Crítico é o que emite julgamentos, críticas, preconceitos, acusações, controles, ordens, imposições, censuras, exigências, limites, punições. O Pai Protetor se manifesta expressando apoio, estímulo, proteção, orientação, ajuda, segurança, permissão, conforto, preocupação com o bem-estar do outro. Pode ser afetivo e simpático, assim como um pai de verdade25,[26].

O Pai é o repositório da educação, responsável pela experiência de vida. Este Estado do Ego pode sofrer alterações ao longo da vida, quando a pessoa se depara com problemas mais sofisticados ou quando conhece outras figuras autoritárias que venham a adotar como exemplo de comportamento. Além disto, a pessoa pode descartar os aspectos opressivos do Pai num processo de autoconhecimento19.

O Estado do Ego Pai aparece de duas formas, direta e indireta: como um ativo Estado do Ego, e como uma influência. Quando é diretamente ativo, a pessoa reage como seu pai (ou mãe) realmente reagiria. Quando é uma influência indireta, o indivíduo reage de modo que seus pais desejariam que ele reagisse28.

A função do Pai é fazer críticas, positivas ou negativas, bem como proteger e incentivar, superproteger e refrear o indivíduo19.  Entre as funções, duas se destacam:

1ª. Capacitar o indivíduo a agir eficientemente como pai de seus próprios filhos, promovendo a sobrevivência da raça humana.

2ª. O Estado do Ego Pai torna muitas reações automáticas e relativamente inabaláveis, economizando grande quantidade de tempo e energia, diminuindo a ansiedade, libertando o Adulto da necessidade de tomar inumeráveis decisões banais, de modo que possa se dedicar a tarefas mais importantes, deixando os problemas rotineiros entregues ao Pai. Esse processo é particularmente eficaz se as decisões forem em sintonia com a cultura local[27].

 

2.3 ESTADO DO EGO ADULTO (neopsique)

Representa a voz da razão

Eric Berne26

 

“Estado do Ego Adulto se ocupa da coleta e do processamento autônomo de dados e de avaliar as probabilidades como base para a ação24”.

É autonomamente dirigido para uma avaliação objetiva da realidade no qual a pessoa analisa seu meio ambiente calculando as possibilidades e probabilidades com base em experiências passadas, funcionando como um computador[28] com arquivos auto – programados, destinados a controlar os estímulos ao lidar com o ambiente externo, “… o Adulto é organizado, adaptável, inteligente e vivenciado como uma relação objetiva com o ambiente externo baseada numa evolução autônoma da realidade[29]”.

É o conjunto de sentimentos, atitudes e padrões de comportamento adequados à realidade, onde a pessoa tem consciência e contato com o que esta ocorrendo dentro e fora de seu organismo, avaliando e integrando:

1- o que está ocorrendo momento a momento, internamente e externamente,

2- experiências passadas e seus efeitos resultantes, e

3- as influências psicológicas e identificações com outras pessoas significantes em sua vida23.

No Adulto a pessoa apresenta comportamento motor, desenvolvimento emocional, cognitivo e moral, compatíveis com sua idade, inclusive na habilidade de ser criativo e na capacidade para um engajamento pleno e atuante em relacionamentos significativos.

O Adulto reúne e processa dados, faz previsões, com percepção diagramada, em preto e branco, unidimensional, enfatiza a razão prática e a realidade externa. Manifesta-se nos momentos de ponderação funcional ou utilitária, quando se fazem necessárias a exatidão e a coerência[30].

A previsão e a estimativa de probabilidades são algumas de suas funções, recorrendo à lógica e ao raciocínio prático de forma ética, racional e autônoma. Esse Estado do Ego examina os dados absorvidos pelo Pai e os sentimentos da Criança para dar-lhes validade lógica ou não[31].

“O adulto manifesta-se nos momentos de ponderação funcional ou utilitária, quando se faz necessárias a exatidão e a coerência” 38.

O Estado do Ego Adulto deve ser estimulado durante o processo da mediação, para que as partes envolvidas consigam lidar com as questões que geraram o conflito e encontrarem uma alternativa para as necessidades latentes de modo que tanto o Pai quanto a Criança sejam respeitados e satisfeitos para que o acordo estabelecido seja cumprido.

2.4 ESTADO DO EGO CRIANÇA (arqueopsique)

… indica que todo homem tem um garotinho dentro dele, e cada mulher carrega uma garotinha dentro da cabeça.

Eric Berne[32]

 

Eric Berne define o Estado do Ego Criança como “relíquias da infância do indivíduo, reproduzindo seu comportamento e estado mental em algum momento ou época específica no seu desenvolvimento, no entanto utilizando as facilidades maiores à sua disposição enquanto adulto24”.

A Criança representa resíduos arcaicos, embora ativos, que foram fixados na primeira infância. “O estado do ego Criança é a parte mais valiosa da personalidade e pode contribuir para a vida do indivíduo exatamente como uma criança de verdade pode contribuir para a vida da família: com encanto, prazer e criatividade” [33].

Richard Erskine considera o Estado do Ego Criança como a “inteira personalidade” de uma pessoa num período anterior de seu desenvolvimento, incluindo as necessidades, desejos, urgências e sensações correspondentes à respectiva fase de desenvolvimento, além dos mecanismos de defesa e processo de pensamento, percepções, sentimentos e comportamentos23.

A Criança é a instância da criatividade, do amor, da intuição, da brincadeira e dos sentimentos.

Podemos evidenciar de duas formas de manifestação do Estado do Ego Criança: a Criança Adaptada (CA) e a Criança Livre (CL). A Adaptada é a aquela que modificou sua conduta sob a influência do Pai. A Criança Livre é a expressão espontânea, “responde para si nos momentos em que o indivíduo está criando, intuindo, divertindo-se e responde para o mundo quando está amando, brincando ou, simplesmente gozando o tempo com alguém34”. “É a fonte da espontaneidade, da sexualidade, das mudanças criativas, e é o principal núcleo de alegria[34]”.

De maneira geral podemos afirmar que não existe um Estado do Ego mais importante que o outro, pois cada um tem o seu próprio e importante valor para o organismo humano. A Criança é a fonte da intuição, da criatividade, do impulso espontâneo e do prazer. O Adulto é necessário para a sobrevivência, processando os dados e computando as probabilidades essenciais para enfrentar com eficiência o mundo exterior, além de regular e mediar as atividades do Pai e da Criança32. O Pai garante a perpetuação da espécie, além de se incumbir da realização automática das tarefas diárias.

 

  1. IDENTIFICAÇÃO DO ESTADO DO EGO

Para realizarmos a identificação do Estado do Ego (diagnóstico) contamos com quatro formas de análise: comportamental, social, histórica e fenomenológica. No contexto terapêutico, preconiza-se realizar os quatros tipos a fim de se obter com fidedignidade a identificação do Estado do Ego. A realização do diagnóstico comportamental e social é objetivo, enquanto os diagnósticos histórico e fenomenológico são subjetivos.

Os quatros tipos de diagnóstico serão a seguir descritos segundo os critérios de Rosa Krausz [35]e José Silveira[36]:

  • Diagnóstico Comportamental: é o primeiro a ser feito, ocorre por meio da observação do comportamento exteriorizado consciente ou inconscientemente pelas pessoas tais como: gestos, tom de voz, palavras e expressão facial, ou seja, pela linguagem verbal e não verbal.
  • Diagnóstico Social: é realizado pelo exame do tipo de resposta que um estímulo enviado pelo emissor provoca no receptor. Ocorre por meio da observação dos tipos de transações[37] entre uma pessoa e outra. Por exemplo: se uma pessoa se utiliza predominantemente do Estado do Ego Pai, haverá elevada probabilidade das respostas de seus interlocutores se originarem na Criança Adaptada ou mesmo no Pai. Se as pessoas estiverem no Adulto, provavelmente o interlocutor também estará no Adulto. Esse critério de diagnóstico se aplica sempre que o Estado do Ego em foco esteja inserido numa transação[38], de preferência complementar.
  • Diagnóstico Histórico: realiza-se por meio de uma investigação da história do indivíduo e da comparação com as reações presentes ou percebidas. Ocorre, por exemplo, quando o próprio indivíduo pode identificar a figura parental que serviu de modelo para o seu comportamento.
  • Diagnóstico Fenomenológico: ocorre quando o indivíduo pode reexperienciar o momento ou a época histórica em que assimilou o Estado de Ego parental através dos sentimentos, sensações e emoções.

É preciso levar em conta que os diagnósticos histórico e fenomenológico são realizados nos processos terapêuticos e desta maneira são ilustrados brevemente aqui para mera informação. No contexto da mediação é adequado o uso do diagnóstico comportamental e social.

Dentre os critérios comportamentais que auxiliam na identificação do Estado do Ego, temos que a entonação da voz pode estar associada à voz do Pai, à do Adulto e à da Criança, conforme a dicotomia da entonação. A alteração da voz denuncia a mudança no Estado do Ego.

O vocabulário traz palavras associadas aos Estados do Ego, como as seguintes expressões parentais: bonitinho, filhinho, desobediente, baixo, vulgar, odioso, ridículo e outras.  As expressões Adultas são: destruidor, apto, parcimonioso, desejável. Já as palavras da Criança estão associadas a juramentos, exclamações e apelidos.

 

  1. COMPORTAMENTOS CARACTERÍSTICOS DOS ESTADOS DO EGO

Conforme a Teoria da Análise Transacional, os Estados do Ego apresentam comportamentos característicos que facilitam a identificação de cada um deles.

4.1 COMPORTAMENTOS CARACTERÍSTICOS PAI

O estado de Ego Pai utiliza palavras imperativas ou protetoras, usa termos como: não deve! Não pode! Isto é uma ordem! Dedo em riste, olhar severo, cenho franzido, tom de voz incisivo e postura professoral são características deste estado de Ego, como também o braço sobre o ombro, o gesto de acalentar, o sorriso compreensivo e frases como: Confio em você! Pode contar comigo! Estou orgulhoso de você! Você é capaz! Que bom que você nasceu!46

QUADRO DE COMPORTAMENTOS OBSERVÁVEIS CARACTERÍSTICOS DO

ESTADO DO EGO PAI:[39]

ÁREAS PAI CRÍTICO (PC) PAI PROTETOR (PP)
POSTURA Altiva, queixo alto, mantém distância. Ereta, acolhedora, receptiva.
GESTOS Braços cruzados, dedo em riste, punho cerrado. Mão sobre os ombros, braços abertos.
EXPRESSÃO FACIAL Cenho franzido, severa, crítica, reprovadora. Bondosa, receptiva, amigável, tranquila.
TOM DE VOZ Autoritário, cortante Terno, suave, acolhedor.
PALAVRAS Certo/errado, bom/mau, bonito/feio, precisa, deve, tem que. Não se preocupe, eu compreendo, eu ajudo, eu faço por você.

 

Um dado relevante para a identificação do Estado do Ego está associado tanto ao diagnóstico comportamental quanto ao diagnóstico social, conforme anteriormente apresentado. A comprovação pode ser feita por meio da observação da postura, dos gestos, da expressão facial, do tom de voz e das palavras utilizadas entre os participantes da mediação.

 

4.2 COMPORTAMENTOS CARACTERÍSTICOS ADULTO

Na conduta do Adulto evidencia-se a concentração circunspecta, pelo fato de ser o Estado de Ego voltado para o processamento de dados, a estimativa de probabilidades, a análise, a interpretação, o raciocínio e a decisão, de maneira objetiva e autônoma.

Adulto caracteriza-se pela atitude comedida e ponderada, pelas palavras racionais e objetivas, pela expressão interessada e meditativa. A estátua “O Pensador” de Rodin reflete com precisão a figura do estado de Ego Adulto, que utiliza em seu vocabulário substantivos e termos como: Por que? É adequado! Não é conveniente! Percebo que…!47

 

 

COMPORTAMENTOS OBSERVÁVEIS CARACTERÍSTICOS DO ESTADO DO EGO ADULTO[40]
ÁREAS ADULTO (A)
POSTURA Descontraída, flexível.
GESTOS Explicativos, adequados ao que a pessoa faz ou diz.
EXPRESSÃO FACIAL Alerta, tranquila.
TOM DE VOZ Firme, calmo, compassado.
PALAVRAS O quê, como, por quê observo, concluo, penso.

 

 

4.3 COMPORTAMENTOS CARACTERÍSTICOS CRIANÇA

“A Criança caracteriza-se pelo tom de voz elevado, estridente e descontraído ou pela atitude inibida e chorosa. Usa, com frequência, interjeições e gírias” 47. Um exemplo de conduta da Criança é a

“inclinação da cabeça, significando timidez, ou o sorriso que acompanha essa atitude e a transforma em delicadeza…”, “os sinais de aversão e a fisionomia de mau humor, que o aborrecimento do Pai pode transformar em uma risada relutante e desgostosa” [41].

4.3.1 MANIFESTAÇÃO DOS DIFERENTES ESTADOS DO EGO CRIANÇA

A manifestação do Estado do Ego Criança pode ser a da Criança Adaptada e a da Criança Livre. A Criança Adaptada (CA), que se apresenta por um comportamento sob o domínio da influência Parental, pode apresentar atitudes de condescendência ou retraimento, nas formas de Criança Adaptada Submissa (CAS) ou de Criança Adaptada Rebelde (CAR). Já a Criança Livre (CL) tem formas autônomas de comportamento, como a rebeldia ou autoindulgência. Entre a Criança Livre e a Criança Adaptada temos a manifestação do Pequeno Professor, também conhecido como o Adulto da Criança.

Criança Livre é a expressão autêntica do ser humano, sem a alteração promovida pelo processo educativo. É a fonte das emoções autênticas, da criatividade, curiosidade, espontaneidade e autenticidade, constituindo-se a parte mais gratificante da personalidade47.

O Pequeno Professor (PEQ. PROF.) expressa-se através da intuição, curiosidade, da criatividade, da capacidade de manipulação. Manifesta a consciência intuitiva, com a capacidade de colher dados da realidade através das sensações ou de indicadores sutis da linguagem não verbal.

A Criança Adaptada surge em decorrência das pressões sociais provenientes das figuras parentais externas ou introjetadas no sentido de moldar o seu comportamento. Essa adaptação muitas vezes é decorrente do processo de socialização e de aprendizagem. A criança necessita da aprovação parental, por isto tende a fazer tudo para consegui-la, adaptando as formas de sentir, pensar e agir, a fim de atender ao que ela entende ser a expectativa das figuras parentais47.

A Criança Adaptada Submissa (CAS) procura cumprir os padrões e expectativas parentais gerais e/ou específicas, cumprindo ordens, obedecendo a regras, procurando agradar47.

A Criança Adaptada Rebelde (CAR) caracteriza-se por comportamentos que contrariam os padrões e expectativas parentais gerais e/ou específicos, podendo expressar comportamentos de rebeldia ou procrastinação47.

O quadro a seguir é composto pelos principais comportamentos característicos dos diferentes Estados do Ego Criança.

QUADRO DE COMPORTAMENTOS OBSERVÁVEIS CARACTERÍSTICOS DO

ESTADO DO EGO CRIANÇA[42]

ÁREAS CL PEQ. PROF. CAS CAR
POSTURA Flexível, movimentada, mutante. Estática, cabeça ligeiramente inclinada. Tensa, encolhida, cabisbaixa. Arrogante, desafiadora, provocante.
GESTOS Expansivos, rápidos, descontraídos. Cuidadosos, intencionais, exploradores. Contidos, tímidos, desajeitados. Bruscos, desafiadores, inesperados.
EXPRESSÃO FACIAL Curiosa, indagadora, excitada, de expectativa, impaciente. Observadora, desconfiada, cautelosa. Ansiosa, insegura, procurando aprovação/

aceitação.

De desafio, irônica, de desprezo.
TOM DE VOZ Agudo, barulhento, vibrante. Baixo, suave, envolvente. Baixo, pouco expressivo. Cortante, agudo.
PALAVRAS TÍPICAS Oba,

quero,

não quero,

agora, já.

Se eu fizer,

você …,

quando você …, será que …

Sim, está bem, faço, vou, como achar melhor, você que sabe. Não, discordo, faça/vá você, como/quando eu quiser.
OLHAR Expressivo. Cativante Inexpressivo Ressentido, desafiador

 

  1. A ANÁLISE TRANSACIONAL E A MEDIAÇÃO

A teoria da Análise Transacional é bem-vinda no exercício da mediação pelo fato de apresentar basicamente uma postura “… não-intrusiva e não-diretiva, que respeita o direito da autodeterminação, do acesso às informações, da relação igualitária e de confiança no potencial das pessoas …”[43].

O fato de o mediador poder utilizar os recursos de Análise Transacional facilitaria o estabelecimento de um clima de respeito e proteção, propiciando que as pessoas consigam encarar seus problemas de maneira objetiva com o discernimento necessário para a pacificação do conflito e na elaboração de um acordo que venha a ser cumprido por todos os envolvidos.

Exemplificando a relevância da participação do Estado do Ego Criança na mediação, destacamos o valor da criatividade no processo: “As partes, ao terem o controle da solução em suas próprias mãos (e um pouco de criatividade), podem inventar soluções que as deixam numa situação muito melhor do que num litígio judicial ou arbitral[44]”.

O mediador conhecedor da Análise Transacional tem condições de compreender os acontecimentos presentes durante a comunicação pela identificação dos Estados do Ego atuantes em dado momento.

No processo da mediação, parte-se da crença de que as pessoas são capazes de solucionarem seus conflitos, assumindo a responsabilidade por seus atos e decisões. Deste modo temos que a ideia central da mediação vem ao encontro da ideia central da Análise Transacional que é o de tornar as pessoas autônomas, criativas e espontâneas.

 

  1. CONCLUSÃO

Esse artigo fez uma abordagem interdisciplinar entre a Ciência Jurídica, especificamente a Mediação, e a Psicologia sob o enfoque da Análise Transacional.

A convivência humana é marcada pela presença de conflitos interpessoais e a mediação é uma forma dinâmica e informal de buscar solução. Considerada como um meio alternativo, ela vem sendo empregada com sucesso em vários setores jurídicos.

O mediador dispõe de vários recursos no seu efetivo exercício, um deles é a teoria da Análise Transacional, que é uma maneira autêntica e científica de analisar as relações sociais, “é um corpo de conhecimentos sobre os processos e resultados da comunicação humana[45]”, não sendo considerada como psicoterapia e sim como um dos recursos que podem ser empregados na prática. Seguindo essa linha de raciocínio vemos ampla possibilidade de sua adequação no processo de mediação pelo fato de essa teoria dispor de alguns “conceitos que são muito válidos para ajudar as pessoas a entenderem a si mesmas e os outros64”.

O entendimento tanto pode contribuir quanto pode advir da competência interpessoal, facilitando a gestão construtiva dos relacionamentos pela capacidade de utilizar adequadamente os Estados do Ego. “O contato com a realidade interna e externa nos auxilia a lidar com as dificuldades no processo de Com-/Viver, que nos exige elevada capacidade de comunicação, tolerância, solidariedade, apoio e equilíbrio interno[46]”.

A teoria da Análise Transacional tem muito a contribuir para o aperfeiçoamento dos operadores de Direito, com especial destaque para aqueles que lidam diretamente com as pessoas.

O Direito é uma ciência que atua de maneira multidisciplinar com as demais ciências e os conhecimentos da Psicologia contribuem na busca ideal da função do Direito: “a pacificação dos conflitos”.

Encerramos com o desejo de incentivar a pesquisa e o aperfeiçoamento dos mediadores e operadores do direito, para que se aprofundem no tema ora abordado.

_________________


NOTAS

[1] MEURER, Zuleica Maria. Mediação: uma proposta de solução de conflitos a ser implantada no Brasil. Rio Grande: Âmbito Jurídico, 2008.

[2] CUNHA, Antônio Renato Cardoso da; SOARES, Irineu Carvalho de Oliveira; FREITAS, Maria Alice Ilha Niederauer de; e SCHAPKE Roberto de Oliveira. A dinâmica da mediação. Um estudo sobre a Mediação Cultural, Urbana e Familiar. Ciência Atual, Rio de Janeiro, Volume 2, Nº 1, 2014, p. 02-10.

[3] WILDE, Zulema apud VEZZULA, Juan Carlos. Mediação: teoria e prática – guia para utilizadores e profissionais. São Paulo: Agora, 2001.

[4] TARGA, Maria Inês de Cerqueira César. Mediação em Juízo. São Paulo: LTr, 2004.

[5] SILVA, Linara da & LÂNGARO, Maurício Nedeff. A mediação enquanto mecanismo de pacificação e de (re)construção das relações sociais. XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. VII Mostra de Trabalhos Jurídicos Científicos. 2014.

[6] CUNHA, Antônio Renato Cardoso da; SOARES, Irineu Carvalho de Oliveira; TOMAZ, Geovani de Moraes; VASCONCELOS, Eduardo Biachine; SOARES, Catia Cilene Damasio. Será que a instauração da obrigatoriedade quanto ao procedimento da pré-mediação extrajudicial traria benefícios para uma cultura moderna no que se refere a resolução dos conflitos dos cidadãos brasileiros? Ciência Atual. Rio de Janeiro. Volume 2, Nº 1. 2014, p, 02-11.

[7]SAMPAIO, Lia Regia Castaldi & BRAGA NETO, Adolfo. O que é mediação de conflitos. São Paulo: Brasiliense, 2007.

[8] HELENA JUNIOR, Waldemar. A mediação: um desafio organizacional hoje. São Paulo: Revista Brasileira de Análise Transacional – UNAT-Brasil. 1988, p. 81.

[9]GARCIA, Maria. A AT na interpretação das leis. São Paulo: Revista Brasileira de Análise Transacional. Ano III – nº 1 junho 1992, p. 52.

[10] BERNE, Eric. Análise transacional em psicoterapia. São Paulo: Summus, 1985, p.22.

[11] BERNE, 1985, p.33. Op. cit.

[12] BERNE, 1985, p. 30. Op. cit.

[13] GOULDING, Mary McClure & GOULDING, Robert L. Ajuda-te pela Análise Transacional: a arte de viver bem com a terapia da redecisão. São Paulo: Ibrasa. 1991.

[14] BERNE, Eric. O que você diz depois de dizer olá? A psicologia do destino. São Paulo: Nobel, 1991.

[15] WHATLING, Tony. Conflict matters – Managing conflict and high emotion in mediation. The Indian Arbitrator – View Point, Volume 1 Issue 7. August 2009.

[16] BERNE, 1985, p. 28. Op. cit.

[17]  PINCHERLE, Livio Túlio apud BERNE, 1985, p.7.

[18] BOSCHI, Glauco Bauab. Análise Transacional e interpretação constitucional. São Paulo: Thesis, ano VI, n. 11, p. 24-63, 1° semestre, 2009, p.44.

[19] JAMES, Muriel e JOGEWARD, Dorothy, Análise Transacional com experiências Gestalt. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 36-37.

[20] BOSCHI. 2009, p.39. Op. cit.

[21] ERSKINE, Richard O. Estrutura do ego, função intrapsíquica e mecanismos de defesa: Um comentário sobre os conceitos teóricos originado de Eric Berne.Transactional Analysis Journal Vol. 18, nº 1, Janeiro de 1988.

[22] BERNE, Eric. Sexo e amor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988, p.73.

[23] BERNE, Eric. Princípio do tratamento de grupo. São Paulo: Unat-Brasil. Circulação restrita. s/d, p. 181.

[24] BERNE, 1991, p.25. Op. cit.

[25] KRAUSZ, Rosa R. Trabalhabilidade. São Paulo: Nobel, 1999, p. 28.

[26] BERNE, 1988, p.73. Op. cit.

[27] BERNE, Eric. Os jogos da vida: a psicologia transacional e o relacionamento entre as pessoas. São Paulo: Artenova: 1977.

[28] BERNE,1977 e 1991. Op. cit.

[29] BERNE, 1985, p. 72. Op. cit.

[30] BOSCHI. 2009, p. 42.  Op. cit.

[31] BOSCHI. 2009, p. 43.  Op. cit.

[32] BERNE, 1988, p.75. Op. cit.

[33] BERNE, 1977, p.27. Op. cit.

[34] STEINER, Claude  apud  BOSCHI. 2009, p. 43.  Op. cit.

[35] KRAUSZ, 1999. Op. cit.

[36] PASSOS, José Silveira. Diagnóstico dos Estados de Ego segundo Eric Berne. Portal Brasileiro de Análise Transacional – PortalBrAT. s/d.

[37] Segundo Eric Berne apud José Silveira, as transações podem ser Simples e Ulteriores:

1) Simples – Constituem uma transação simples aquelas em que os fenômenos são observáveis, aparentes, permitindo uma avaliação objetiva dos mesmos. Essas transações podem ser complementares ou cruzadas.

2) Ulteriores – Constitui uma transação ulterior aquela em que os fenômenos não são aparentes, não aparecem na superfície, ocorrem subjacentes, por “debaixo dos panos” em concomitância ao aparente (ao observado). Apresentando, assim, dois níveis de comunicação: um a nível social (aparente), e outro a nível psicológico (subjacente).

[38] “A transação consiste num estímulo de parte de uma pessoa e numa reação de outra, que por sua vez se torna um novo estímulo para a primeira pessoa” HARRIS, Thomas A. Eu Estou OK Você Está OK. Rio de Janeiro: Editora Artenova, 1977.

[39] KRAUSZ, 1999, p.29. Op. cit.

[40] KRAUSZ, 1999, p.30. Op. cit.

[41] BERNE, 1985, p. 68. Op. cit.

[42] KRAUSZ, 1999, p.33. Op. cit.

[43] KRAUSZ, Rosa R. Análise transacional: teoria do comportamento ou filosofia de vida? São Paulo: Revista Brasileira de Análise Transacional. Ano XI, nº 1, junho 2001. Ano XII, nº 2, junho 2002; p. 110.

[44] SIOUF FILHO, Alfred Habibi. Negociação para resolução de controvérsias. In SALLES, Carlos Alberto de, LORECINI, Marco Antônio Garcia Lopes & SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Negociação, mediação e arbitragem – curso básico para programas de graduação em Direito. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012, p. 9.

[45] HOLLOWAY, William H.. No começo – Tema em debate. São Paulo: Revista Brasileira de Análise Transacional – UNAT-Brasil. Ano VII – Nº 1 – Junho 1997; Ano VII – Nº 1 – Junho 1998, p 86.

[46] KRAUSZ, 2001-2002, p. 109. Op. cit.

7.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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HOLLOWAY, William H.. No começo – Tema em debate. São Paulo:  Revista Brasileira de Análise Transacional – UNAT-Brasil. Ano VII – Nº 1 – Junho 1997; Ano VII – Nº 1 – Junho 1998. págs 85 a 98.

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SILVA, Linara da, LÂNGARO, Maurício Nedeff. A mediação enquanto mecanismo de pacificação e de (re)construção das relações sociais. XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea. VII Mostra de Trabalhos Jurídicos Científicos. 2014.

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SIOUF FILHO, Alfred Habibi. Negociação para resolução de controvérsias. In SALLES, Carlos Alberto de, LORECINI, Marco Antônio Garcia Lopes & SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Negociação, mediação e arbitragem – curso básico para programas de gradução em Direito. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012.

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WHATLING, Tony. Conflict matters – Managing conflict and high emotion in mediation. The Indian Arbitrator – View Point, Volume 1 Issue 7. August 2009.

Disponível em: http://www.arbitrationindia.org/pdf/tia_1_10.pdf . Acesso em 05/07/2014.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA  

CECILIA RITA BOZZO GREGORUTTI DOS SANTOS: atua como Professora Universitária no Centro Universitário Metropolitano de São Paulo – FIG-Unimesp e na Faculdade Piaget. Formada em Educação Física (USP), Psicologia (UBC) e Direito (FIG-Unimesp). Especialista em Terapia de Casal e de Família pela Unifesp, e pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa Família e Comunidade (GEPFAC) – Unifesp. Mestre em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas.

E-mail. cecigregorutri@yahoo.com.br

A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova e a perspectiva desua positivação no Novo Código de Processo Civil Brasileiro

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INTRODUÇÃO:   A PROVA E SUA IMPORTÂNCIA

No âmbito do processo de conhecimento como positivado em nosso ordenamento jurídico é essencial o conceito de prova, que é “o material com base em que o juiz formará seu juízo de valor acerca dos fatos da causa”[1].

Em se tratando do chamado direito probatório especial atenção merece a chamada teoria geral da prova, em que se insere o objeto de análise do presente artigo, qual seja, o estudo do ônus da prova e as teorias de sua distribuição estática e dinâmica.

Ordinariamente se afirma serem os fatos, via de regra, o objeto da prova. Há, ainda, aqueles que defendem serem o real objeto da prova as alegações das partes a respeito de tais fatos[2].

Qualquer que seja a conclusão do exegeta, e tendo em vista que as alegações feitas pelas partes em Juízo podem ou não corresponder à verdade, a finalidade da produção probatória se demonstra como sendo o convencimento do magistrado de que uma determinada alegação é verdadeira.

Ocorre que é possível aprofundar a definição ordinária, para distinguir os fatos que devem ser objeto da prova em controversos e incontroversos.

Somente os fatos controvertidos serão objeto de prova, nos exatos termos do que determinam os incisos II e III do art. 334 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual tem-se como mais adequado o conceito defendido por Humberto Theodoro Júnior, ao lecionar que provas são os “meios utilizados para formar o convencimento do Juiz a respeito de fatos controvertidos que tenham relevância para o processo”[3].

Um vez estabelecido o conceito de prova, e verificada a sua essencialidade para a formação da cognição do julgador acerca do mérito de um processo de conhecimento, resta ao operador do direito a verificação de a qual parte o atual sistema processual brasileiro incumbe a produção de prova sobre determinado fato, bem como as consequências que advém do insucesso na comprovação das alegações feitas em Juízo.

O ÔNUS DA PROVA

Tendo em vista que no Processo Civil Brasileiro há a clara predominância do Princípio Dispositivo – “que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte”, segundo a lição de Humberto Theodoro Júnior – a questão pertinente ao ônus da prova assume especial relevância.

Isto pois, em que pese não reste qualquer dúvida acerca dos poderes instrutórios do Juiz (art. 130 do CPC), corolário do interesse estatal de que a lide seja composta de forma justa e segundo as regras do direito, não é impossível e nem raro que ao cabo da fase instrutória este não tenha elementos suficientes para a formação de seu convencimento acerca da veracidade das alegações trazidas aos autos pelas partes.

À parte da perspectiva subjetiva que possui o ônus da prova, que se revela como regra de procedimento voltada às partes em litígio indicando a qual delas compete de determinada afirmação, o presente estudo volta-se à perspectiva objetiva do dessa mesma noção, que assume contornos de regra de julgamento.

Diante da vedação do non liquet, há que se estabelecer uma regra, um critério legal de julgamentopara o juiz, que deve ser aplicado sempre que ao tempo da sentença o magistrado se ver diante de situação na qual a inexistência de elementos probatórios dos autos lhe impede de formar a convicção acerca da veracidade dos fatos alegados. Esse critério legal de julgamento é o ônus da prova.

É imperioso notar que, neste sentido, pouca importância dá-se a qual das partes está produzindo determinada prova – já que em razão do princípio da comunhão das provas uma vez que elas sejam levadas ao processo passam a pertencer a ele e não mais individualmente a uma das partes – sendo as regras acerca do ônus da prova consideradas pelo julgador apenas no momento do de julgar o mérito da demanda, para que possa verificar qual parte sucumbirá em razão da inexistência de prova apta a formar a convicção do magistrado acerca da veracidade de determinada alegação a respeito de um fato.

A aplicação de tais regras de distribuição do ônus da prova só tem qualquer pertinência diante da hipótese de uma investigação probatória negativa, ou seja, quando a dilação probatória que teve lugar no processo não se demonstre suficiente para a formação de uma convicção de veracidade das alegações das partes referentes aos fatos por parte do magistrado, uma regra que “se destina a iluminar o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os fatos se passaram (…) um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida e, assim, definir o mérito”[4].

Caso contrário, sendo o conteúdo probatório dos autos satisfatório aos olhos do juiz para o seu convencimento pouco importará qual das partes foi a responsável pela produção daquela determinada prova, bastando ao magistrado fundamentar sua decisão na conclusão alcançada diante das provas carreadas nos autos, observando o sistema da persuasão racional adotado pelo Digesto Processual Brasileiro.

Atualmente o Código de Processo Civil regulamenta o ônus da prova por meio do disposto no art. 333, repartindo-o entre o autor e o réu conforme a natureza das alegações fáticas carreadas no processo, cuja redação segue abaixo transcrita.

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:

I – recair sobre direito indisponível da parte;

II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”

A DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA DO ÔNUS DA PROVA

De todo o exposto até esse momento, não resta nenhuma dúvida acerca da opção da Lei Processual Brasileira por um sistema de distribuição estática do ônus probatório, no qual diante da ausência de elementos de convicção aptos a fundamentar o juízo de valores do julgador, cada parte arcará com o prejuízo pela insuficiência probante de acordo com uma regra petrificada e estática, sem que se leve em consideração qual das partes tinha melhores condições de produzir determinada prova no caso em concreto.

Essa é a regra insculpida na atual redação do art. 333 do Código de Processo Civil, segundo a qual incumbe ao Autor a prova do fato constitutivo de seu alegado direito, enquanto incumbe ao Réu, além da contraprova do fato constitutivo do direito do Autor, a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse mesmo direito.

Segundo Marinoni e Arenhart[5] essa regra se baseia na lógica de que “o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção”. Trata-se da máxima popular “aquele que alega tem que provar”.

Qualifica-se como um verdadeiro ônus, ao passo que o Código não estabelece para a parte um dever de provar as suas alegações, mas, sim, determina as consequências que ela sofrerá caso não se desincumba de provar as alegações que das quais a verificação dependa para a existência do direito alegado.

Emerge a necessidade de a parte praticar um determinado ato para que possa assumir uma posição de vantagem processual sobre a parte adversa, o ato de provar suas alegações. Caso assim não faça, assume o risco de ver-se em posição de desvantagem processual, sofre o prejuízo advindo de sua inação.

Trata-se de um sistema de distribuição do ônus da prova estático e rígido. O litigante assume o risco de perder a causa caso não obtenha êxito em provar suas alegações (o autor perderá a causa se o julgador não tiver elementos de convicção suficientes para se convencer da veracidade dos fatos constitutivos do direito alegado, enquanto o Réu será vencido caso não vier aos autos prova da existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor).

A princípio, diante da regra exposta de distribuição do onusprobandi, ao Réu não incumbe fazer nenhuma prova – senão nas hipóteses em que optar por alegar novos fatos em contestação em detrimento da posição jurídica sustentada pelo Autor – bastando-lhe negar a veracidade dos fatos alegados pelo Autor para que, caso este último não se desincumba de provar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito o Réu sagre-se vencedor da demanda.

A problemática da distribuição prévia, abstrata e estática do ônus probatório entre as partes baseada unicamente em sua respectiva posição processual e na natureza dos fatos objeto de prova conforme determinação do art. 333 do Código de Processo Civil surge exatamente por desconsiderar eventuais peculiaridades e particularidades do caso em concreto[6].

Imagine-se situação hipotética na qual assiste razão ao pleito do Autor, sendo certo que por algum motivo peculiar ao caso este simplesmente se encontre impedido de produzir a prova necessária à demonstração da veracidade de suas alegações ou, ainda que em tese tenha a possibilidade de se desincumbir do ônus probatório na realidade essa possibilidade se demonstre excessivamente difícil.

Na situação hipotética proposta, ainda que o Réu tenha ciência que a sua resistência à pretensão deduzida pelo Autor não encontra supedâneo no direito, ainda assim bastará que se manifeste negando a veracidade das alegações de fatos construtivos do direito do Autor – sem absolutamente nada provar – para que saia vencedor da demanda.

A conclusão decorre do fato de que eventual dificuldade acentuada ou mesmo impossibilidade de produção de determinada prova pela parte incumbida não são levadas em conta pelo sistema de partição estática do ônus da prova, o que conspira contra os ideais de um processo justo e comprometido com a verdade real ao passo que determina a sucumbência na demanda em decorrência da impossibilidade de produzir a prova necessária à formação de um juízo de valores pelo magistrado.

Ocorre que, como bem destacado por Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira, “isso não significa que o referido litigante não tivesse razão, ou que tenha deixado de produzir a prova por simples desinteresse para com o processo. Muito pelo contrário, é possível que ele fosse efetivamente titular do direito afirmado, mas que estivesse impossibilitado de apresentar a prova”[7].

Verdadeiramente não são poucas as ocasiões quem que o acesso à verdade real pelo magistrado será completamente prejudicado, senão impedido, caso atenha-se à fria aplicação das presunções decorrentes da regra do art. 333 do Código de Processo Civil[8], acarretando um julgamento injusto e que diante da análise do mérito será acobertado pela eficácia da coisa julgada, impedindo o reexame da matéria e cristalizando o obstáculo ao reconhecimento do direito da parte impossibilitada de comprovar satisfatoriamente suas alegações (ainda que de fato o direito estivesse a tutelar sua pretensão).

A fim de solucionar o impasse verificado na hipótese aventada a mais moderna doutrina processual civil, calcada nas lições de doutrinadores argentinos dentre os quais se destaca Jorge W, Peyrano[9], tem defendido a possibilidade de abrandamento do rigor da distribuição do ônus da prova traçado pelo art. 333 do CPC[10], afirmando a possibilidade de uma distribuição dinâmica do ônus da prova[11].

Segundo essa teoria, caberá ao magistrado no caso concreto e verificando que as peculiaridades do caso justificam a medida, atribuir por decisão judicial devidamente fundamentada o ônus da prova à parte que revele ter melhores condições de produzi-la, independentemente da sua posição processual ou da natureza dos fatos objeto de prova.

A TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA

Tendo origem, como dito, no Direito Processual Argentino, a referida teoria defende a possibilidade de abrandamento rigidez da norma legal de distribuição do ônus probatório entre as partes, por decisão fundamentada do magistrado, atribuindo o encargo à parte que revele no caso concreto possuir melhores condições para a produção da prova, independentemente da natureza da alegação – se constitutiva do direito ou modificativa/extintiva/impeditiva.

Assim agindo o magistrado deparamo-nos com a possibilidade de situação na qual reste o encargo probatório de determinado fato controvertido à parte que naturalmente e com base na regra estática do art. 333 não possuiria tal ônus[12].

Em consequência, caso a parte a quem o ônus da prova tenha sido atribuído pela decisão judicial, caso não venha a se desincumbir do encargo causando a manutenção da situação de incerteza do magistrado quanto à veracidade das alegações das partes, sucumbirá diante da pretensão da parte adversa.

A teoria surgiu inicialmente como forma de os juristas argentinos do final do século XX lidarem com questões de dificuldade ou impossibilidade probatória em ações de responsabilidade civil, sobretudo em hipóteses de erro médico[13], e, muito embora alguns doutrinadores brasileiros continuem a defender sua aplicação restrita a esse âmbito[14] a sua aplicação passou a ser ampliada para outras situações em que a mesma dificuldade probatória se revela presente[15].

Importa, entretanto, especular em que situações haveria a possibilidade de aplicação da teoria com vistas ao “abrandamento” da rigidez da regra do ônus da prova, já que conforme afirma-se “não se trata de revogar o sistema do direito positivo, mas de complementá-lo à luz de princípios inspirados no ideal de um processo justo, comprometido sobretudo com a verdade real e com os deveres de boa-fé e lealdade que transformam os litigantes em cooperadores do juiz no aprimoramento da boa prestação jurisdicional”[16].

Humberto Theodoro Júnior, nesse sentido, destaca inicialmente a necessidade de verificação de um “juízo de verossimilhança em torno da versão de uma das partes[17]”, sendo necessário ainda que diante das circunstâncias fáticas do caso a parte contrária tenha melhores condições de produzir a prova do que aquela a quem tal ônus seria atribuído inicialmente[18].

Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira destaca ainda[19], calcada nas lições de Marinoni e Mitidiero, a imperiosa observância de pressupostos de ordem processual para a escorreita aplicação da teoria, citando a fundamentação específica da decisão que distribuir o ônus da prova de forma dinâmica, bem como a observância do contraditório e o oferecimento de oportunidade efetiva para que a parte que recebeu a incumbência probatória possa dela se desvencilhar.

Nada mais justificável, tendo em vista que a própria teoria em estudo baseia-se no ideal de um processo justo que visa o atingimento da verdade real, que a parte que receber a incumbência probatória não só tenha a possibilidade de insurgir-se contra a decisão que dinamizou o ônus da prova como tenha igualmente oferecida uma oportunidade adequada para desincumbir-se da atribuição.

Se a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova se revela como forma excepcional de alcançar uma situação de equilíbrio nas forças da relação processual[20], é preciso que se tenha em mente que a parte que receberá o encargo deve estar apta a dele se desincumbir, sob pena de manter-se a situação de desequilíbrio indesejada invertendo-se unicamente o polo da demanda por ela prejudicado.

A EXPECTATIVA DE POSITIVAÇÃO DA TEORIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O trânsito doutrinário e jurisprudencial da citada teoria é inegável, bastando para demonstrá-lo a previsão de sua positivação pelo novo código de processo civil brasileiro, que a contempla no art. 380 do PL8.046/2010.

Segue a redação mais atual[21] do dispositivo no Projeto de Lei:

“Art. 380. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

  • 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
  • 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
  • 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I – recair sobre direito indisponível da parte;

II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

  • 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.”

Como se pode depreender da simples leitura do dispositivo do projeto, há a manutenção do atual sistema de distribuição do ônus da prova entre as partes, conforme previsto no caput do artigo transcrito, que corresponde à exata transcrição do que hoje vigente por força do art. 333 do CPC.

A grata novidade fica por conta da previsão pelo §1º da possibilidade de o magistrado, diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de alguma das partes cumprir o encargo nos termos da regra, distribuir diversamente tal ônus.

Igualmente restaram contempladas nos §§ 1º e 2º do art. 380 os requisitos comumente mencionados pela melhor doutrina para a viabilidade da aplicação da teoria, quais sejam, (i) a necessidade de fundamentação da decisão judicial que distribuir o ônus probatório de forma diversa da regra geral, (ii) a impossibilidade de a decisão gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte contrária seja impossível ou excessivamente difícil em (iii) a necessidade de que o o juiz dê à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

CONCLUSÃO

A aplicação contemporânea da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, e a expectativa de sua definitiva positivação pelo Novo Código de Processo Civil Brasileiro, deve ser amplamente comemorada e prestigiada, já que representa instrumento hábil para a consecução dos ideais de um processo civil crescentemente mais justo e efetivo, decorrendo atualmente da aplicação do princípio da isonomia[22] e permitindo o real acesso à justiça[23] pelos litigantes.

______________

NOTAS

A TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA E A PERSPECTIVA DE SUA POSITIVAÇÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

INTRODUÇÃO – A PROVA E SUA IMPORTÂNCIA

No âmbito do processo de conhecimento como positivado em nosso ordenamento jurídico é essencial o conceito de prova, que é “o material com base em que o juiz formará seu juízo de valor acerca dos fatos da causa”[1].

Em se tratando do chamado direito probatório especial atenção merece a chamada teoria geral da prova, em que se insere o objeto de análise do presente artigo, qual seja, o estudo do ônus da prova e as teorias de sua distribuição estática e dinâmica.

Ordinariamente se afirma serem os fatos, via de regra, o objeto da prova. Há, ainda, aqueles que defendem serem o real objeto da prova as alegações das partes a respeito de tais fatos[2].

Qualquer que seja a conclusão do exegeta, e tendo em vista que as alegações feitas pelas partes em Juízo podem ou não corresponder à verdade, a finalidade da produção probatória se demonstra como sendo o convencimento do magistrado de que uma determinada alegação é verdadeira.

Ocorre que é possível aprofundar a definição ordinária, para distinguir os fatos que devem ser objeto da prova em controversos e incontroversos.

Somente os fatos controvertidos serão objeto de prova, nos exatos termos do que determinam os incisos II e III do art. 334 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual tem-se como mais adequado o conceito defendido por Humberto Theodoro Júnior, ao lecionar que provas são os “meios utilizados para formar o convencimento do Juiz a respeito de fatos controvertidos que tenham relevância para o processo”[3].

Um vez estabelecido o conceito de prova, e verificada a sua essencialidade para a formação da cognição do julgador acerca do mérito de um processo de conhecimento, resta ao operador do direito a verificação de a qual parte o atual sistema processual brasileiro incumbe a produção de prova sobre determinado fato, bem como as consequências que advém do insucesso na comprovação das alegações feitas em Juízo.

O ÔNUS DA PROVA

Tendo em vista que no Processo Civil Brasileiro há a clara predominância do Princípio Dispositivo – “que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte”, segundo a lição de Humberto Theodoro Júnior – a questão pertinente ao ônus da prova assume especial relevância.

Isto pois, em que pese não reste qualquer dúvida acerca dos poderes instrutórios do Juiz (art. 130 do CPC), corolário do interesse estatal de que a lide seja composta de forma justa e segundo as regras do direito, não é impossível e nem raro que ao cabo da fase instrutória este não tenha elementos suficientes para a formação de seu convencimento acerca da veracidade das alegações trazidas aos autos pelas partes.

À parte da perspectiva subjetiva que possui o ônus da prova, que se revela como regra de procedimento voltada às partes em litígio indicando a qual delas compete de determinada afirmação, o presente estudo volta-se à perspectiva objetiva do dessa mesma noção, que assume contornos de regra de julgamento.

Diante da vedação do non liquet, há que se estabelecer uma regra, um critério legal de julgamentopara o juiz, que deve ser aplicado sempre que ao tempo da sentença o magistrado se ver diante de situação na qual a inexistência de elementos probatórios dos autos lhe impede de formar a convicção acerca da veracidade dos fatos alegados. Esse critério legal de julgamento é o ônus da prova.

É imperioso notar que, neste sentido, pouca importância dá-se a qual das partes está produzindo determinada prova – já que em razão do princípio da comunhão das provas uma vez que elas sejam levadas ao processo passam a pertencer a ele e não mais individualmente a uma das partes – sendo as regras acerca do ônus da prova consideradas pelo julgador apenas no momento do de julgar o mérito da demanda, para que possa verificar qual parte sucumbirá em razão da inexistência de prova apta a formar a convicção do magistrado acerca da veracidade de determinada alegação a respeito de um fato.

A aplicação de tais regras de distribuição do ônus da prova só tem qualquer pertinência diante da hipótese de uma investigação probatória negativa, ou seja, quando a dilação probatória que teve lugar no processo não se demonstre suficiente para a formação de uma convicção de veracidade das alegações das partes referentes aos fatos por parte do magistrado, uma regra que “se destina a iluminar o juiz que chega ao final do procedimento sem se convencer sobre como os fatos se passaram (…) um indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida e, assim, definir o mérito”[4].

Caso contrário, sendo o conteúdo probatório dos autos satisfatório aos olhos do juiz para o seu convencimento pouco importará qual das partes foi a responsável pela produção daquela determinada prova, bastando ao magistrado fundamentar sua decisão na conclusão alcançada diante das provas carreadas nos autos, observando o sistema da persuasão racional adotado pelo Digesto Processual Brasileiro.

Atualmente o Código de Processo Civil regulamenta o ônus da prova por meio do disposto no art. 333, repartindo-o entre o autor e o réu conforme a natureza das alegações fáticas carreadas no processo, cuja redação segue abaixo transcrita.

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:

I – recair sobre direito indisponível da parte;

II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”

A DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA DO ÔNUS DA PROVA

De todo o exposto até esse momento, não resta nenhuma dúvida acerca da opção da Lei Processual Brasileira por um sistema de distribuição estática do ônus probatório, no qual diante da ausência de elementos de convicção aptos a fundamentar o juízo de valores do julgador, cada parte arcará com o prejuízo pela insuficiência probante de acordo com uma regra petrificada e estática, sem que se leve em consideração qual das partes tinha melhores condições de produzir determinada prova no caso em concreto.

Essa é a regra insculpida na atual redação do art. 333 do Código de Processo Civil, segundo a qual incumbe ao Autor a prova do fato constitutivo de seu alegado direito, enquanto incumbe ao Réu, além da contraprova do fato constitutivo do direito do Autor, a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos desse mesmo direito.

Segundo Marinoni e Arenhart[5] essa regra se baseia na lógica de que “o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção”. Trata-se da máxima popular “aquele que alega tem que provar”.

Qualifica-se como um verdadeiro ônus, ao passo que o Código não estabelece para a parte um dever de provar as suas alegações, mas, sim, determina as consequências que ela sofrerá caso não se desincumba de provar as alegações que das quais a verificação dependa para a existência do direito alegado.

Emerge a necessidade de a parte praticar um determinado ato para que possa assumir uma posição de vantagem processual sobre a parte adversa, o ato de provar suas alegações. Caso assim não faça, assume o risco de ver-se em posição de desvantagem processual, sofre o prejuízo advindo de sua inação.

Trata-se de um sistema de distribuição do ônus da prova estático e rígido. O litigante assume o risco de perder a causa caso não obtenha êxito em provar suas alegações (o autor perderá a causa se o julgador não tiver elementos de convicção suficientes para se convencer da veracidade dos fatos constitutivos do direito alegado, enquanto o Réu será vencido caso não vier aos autos prova da existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor).

A princípio, diante da regra exposta de distribuição do onusprobandi, ao Réu não incumbe fazer nenhuma prova – senão nas hipóteses em que optar por alegar novos fatos em contestação em detrimento da posição jurídica sustentada pelo Autor – bastando-lhe negar a veracidade dos fatos alegados pelo Autor para que, caso este último não se desincumba de provar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito o Réu sagre-se vencedor da demanda.

A problemática da distribuição prévia, abstrata e estática do ônus probatório entre as partes baseada unicamente em sua respectiva posição processual e na natureza dos fatos objeto de prova conforme determinação do art. 333 do Código de Processo Civil surge exatamente por desconsiderar eventuais peculiaridades e particularidades do caso em concreto[6].

Imagine-se situação hipotética na qual assiste razão ao pleito do Autor, sendo certo que por algum motivo peculiar ao caso este simplesmente se encontre impedido de produzir a prova necessária à demonstração da veracidade de suas alegações ou, ainda que em tese tenha a possibilidade de se desincumbir do ônus probatório na realidade essa possibilidade se demonstre excessivamente difícil.

Na situação hipotética proposta, ainda que o Réu tenha ciência que a sua resistência à pretensão deduzida pelo Autor não encontra supedâneo no direito, ainda assim bastará que se manifeste negando a veracidade das alegações de fatos construtivos do direito do Autor – sem absolutamente nada provar – para que saia vencedor da demanda.

A conclusão decorre do fato de que eventual dificuldade acentuada ou mesmo impossibilidade de produção de determinada prova pela parte incumbida não são levadas em conta pelo sistema de partição estática do ônus da prova, o que conspira contra os ideais de um processo justo e comprometido com a verdade real ao passo que determina a sucumbência na demanda em decorrência da impossibilidade de produzir a prova necessária à formação de um juízo de valores pelo magistrado.

Ocorre que, como bem destacado por Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira, “isso não significa que o referido litigante não tivesse razão, ou que tenha deixado de produzir a prova por simples desinteresse para com o processo. Muito pelo contrário, é possível que ele fosse efetivamente titular do direito afirmado, mas que estivesse impossibilitado de apresentar a prova”[7].

Verdadeiramente não são poucas as ocasiões quem que o acesso à verdade real pelo magistrado será completamente prejudicado, senão impedido, caso atenha-se à fria aplicação das presunções decorrentes da regra do art. 333 do Código de Processo Civil[8], acarretando um julgamento injusto e que diante da análise do mérito será acobertado pela eficácia da coisa julgada, impedindo o reexame da matéria e cristalizando o obstáculo ao reconhecimento do direito da parte impossibilitada de comprovar satisfatoriamente suas alegações (ainda que de fato o direito estivesse a tutelar sua pretensão).

A fim de solucionar o impasse verificado na hipótese aventada a mais moderna doutrina processual civil, calcada nas lições de doutrinadores argentinos dentre os quais se destaca Jorge W, Peyrano[9], tem defendido a possibilidade de abrandamento do rigor da distribuição do ônus da prova traçado pelo art. 333 do CPC[10], afirmando a possibilidade de uma distribuição dinâmica do ônus da prova[11].

Segundo essa teoria, caberá ao magistrado no caso concreto e verificando que as peculiaridades do caso justificam a medida, atribuir por decisão judicial devidamente fundamentada o ônus da prova à parte que revele ter melhores condições de produzi-la, independentemente da sua posição processual ou da natureza dos fatos objeto de prova.

A TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA

Tendo origem, como dito, no Direito Processual Argentino, a referida teoria defende a possibilidade de abrandamento rigidez da norma legal de distribuição do ônus probatório entre as partes, por decisão fundamentada do magistrado, atribuindo o encargo à parte que revele no caso concreto possuir melhores condições para a produção da prova, independentemente da natureza da alegação – se constitutiva do direito ou modificativa/extintiva/impeditiva.

Assim agindo o magistrado deparamo-nos com a possibilidade de situação na qual reste o encargo probatório de determinado fato controvertido à parte que naturalmente e com base na regra estática do art. 333 não possuiria tal ônus[12].

Em consequência, caso a parte a quem o ônus da prova tenha sido atribuído pela decisão judicial, caso não venha a se desincumbir do encargo causando a manutenção da situação de incerteza do magistrado quanto à veracidade das alegações das partes, sucumbirá diante da pretensão da parte adversa.

A teoria surgiu inicialmente como forma de os juristas argentinos do final do século XX lidarem com questões de dificuldade ou impossibilidade probatória em ações de responsabilidade civil, sobretudo em hipóteses de erro médico[13], e, muito embora alguns doutrinadores brasileiros continuem a defender sua aplicação restrita a esse âmbito[14] a sua aplicação passou a ser ampliada para outras situações em que a mesma dificuldade probatória se revela presente[15].

Importa, entretanto, especular em que situações haveria a possibilidade de aplicação da teoria com vistas ao “abrandamento” da rigidez da regra do ônus da prova, já que conforme afirma-se “não se trata de revogar o sistema do direito positivo, mas de complementá-lo à luz de princípios inspirados no ideal de um processo justo, comprometido sobretudo com a verdade real e com os deveres de boa-fé e lealdade que transformam os litigantes em cooperadores do juiz no aprimoramento da boa prestação jurisdicional”[16].

Humberto Theodoro Júnior, nesse sentido, destaca inicialmente a necessidade de verificação de um “juízo de verossimilhança em torno da versão de uma das partes[17]”, sendo necessário ainda que diante das circunstâncias fáticas do caso a parte contrária tenha melhores condições de produzir a prova do que aquela a quem tal ônus seria atribuído inicialmente[18].

Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira destaca ainda[19], calcada nas lições de Marinoni e Mitidiero, a imperiosa observância de pressupostos de ordem processual para a escorreita aplicação da teoria, citando a fundamentação específica da decisão que distribuir o ônus da prova de forma dinâmica, bem como a observância do contraditório e o oferecimento de oportunidade efetiva para que a parte que recebeu a incumbência probatória possa dela se desvencilhar.

Nada mais justificável, tendo em vista que a própria teoria em estudo baseia-se no ideal de um processo justo que visa o atingimento da verdade real, que a parte que receber a incumbência probatória não só tenha a possibilidade de insurgir-se contra a decisão que dinamizou o ônus da prova como tenha igualmente oferecida uma oportunidade adequada para desincumbir-se da atribuição.

Se a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova se revela como forma excepcional de alcançar uma situação de equilíbrio nas forças da relação processual[20], é preciso que se tenha em mente que a parte que receberá o encargo deve estar apta a dele se desincumbir, sob pena de manter-se a situação de desequilíbrio indesejada invertendo-se unicamente o polo da demanda por ela prejudicado.

A EXPECTATIVA DE POSITIVAÇÃO DA TEORIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O trânsito doutrinário e jurisprudencial da citada teoria é inegável, bastando para demonstrá-lo a previsão de sua positivação pelo novo código de processo civil brasileiro, que a contempla no art. 380 do PL8.046/2010.

Segue a redação mais atual[21] do dispositivo no Projeto de Lei:

“Art. 380. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

  • 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
  • 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
  • 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I – recair sobre direito indisponível da parte;

II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

  • 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.”

Como se pode depreender da simples leitura do dispositivo do projeto, há a manutenção do atual sistema de distribuição do ônus da prova entre as partes, conforme previsto no caput do artigo transcrito, que corresponde à exata transcrição do que hoje vigente por força do art. 333 do CPC.

A grata novidade fica por conta da previsão pelo §1º da possibilidade de o magistrado, diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de alguma das partes cumprir o encargo nos termos da regra, distribuir diversamente tal ônus.

Igualmente restaram contempladas nos §§ 1º e 2º do art. 380 os requisitos comumente mencionados pela melhor doutrina para a viabilidade da aplicação da teoria, quais sejam, (i) a necessidade de fundamentação da decisão judicial que distribuir o ônus probatório de forma diversa da regra geral, (ii) a impossibilidade de a decisão gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte contrária seja impossível ou excessivamente difícil em (iii) a necessidade de que o o juiz dê à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

CONCLUSÃO

A aplicação contemporânea da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, e a expectativa de sua definitiva positivação pelo Novo Código de Processo Civil Brasileiro, deve ser amplamente comemorada e prestigiada, já que representa instrumento hábil para a consecução dos ideais de um processo civil crescentemente mais justo e efetivo, decorrendo atualmente da aplicação do princípio da isonomia[22] e permitindo o real acesso à justiça[23] pelos litigantes.

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NOTAS
[1] Câmara, Alexandre Freitas – Lições de direito processual civil: volume 1, 25ª Edição, Atlas, 2014

[2] Câmara, Alexandre Freitas – Op. cit.

[3] Theodoro Júnior, Humberto – Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – vol. I, 55ª Edição, Forense, 2014

[4]Processo de Conhecimento – / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart – 10ª Ed., Editora Revista dos Tribunais, 2011.

[5]Marinoni,Luiz Guilherme e Arenhart, Sérgio Cruz – Op. Cit.

[6] Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira – “A Distribuição do ônus da Prova no Processo Civil Brasileiro: A Teoria da Distribuição Dinâmica” – Revista de Processo Civil, ano 39, n. 231, Revista dos Tribunais

[7] Op. Cit.

[8] Theodoro Júnior, Humberto – Op. Cit.

[9] Câmara, Alexandre Freitas – Op. Cit.

[10] Theodoro Júnior, Humberto – Op. Cit.

[11] Câmara, Alexandre Freitas – Op. Cit.

[12] Humberto Theodoro Júnior adverte que embora a inversão do ônus da prova tenha sido expressamente previsto em favor do consumidor no CDC e na MedProv 2.172-32 para os casos em que houver indícios suficientes da prática de agiotafgem, quando é possível imputar ao credor a comprovação da regularidade jurídica da cobrança, o que se advoga no caso é a extensão do mecanismo a outras demandas nas quais também se torna necessária a flexibilização do sistema estabelecido pelo art. 333 e não acobertados pelos Diplomas Legais mencionados.

[13]Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira – Op. Cit.

[14] Nesse sentido, Theodoro Júnior, Humberto – Op. Cit.

[15]Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira – Op. Cit., referindo-se à lição de Cremasco, Suzana Santi.

[16] Theorodo Júnior, Humberto – Op.Cit.

[17] Op.Cit.

[18] Câmara, Alexandre Freitas – Op.Cit.

[19] Op.Cit.

[20]Câmara, Alexandre Freitas – Op.Cit.

[21] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1246935&filename=REDACAO+FINAL+-+PL+8046/2010

[22] Câmara, Alexandre Freitas – Op.Cit.

[23]Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira – Op. Cit.,

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento – vol. I – Humberto Theodoro Júnior – Rio de Janeiro: Forense, 2014. 55ª Edição;

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil: volume 1 – Alexandre Freitas Câmara – São Paulo: Atlas, 2014. 25ª Edição;

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum: ordinário e sumário, vol 2, tomo I – Cassio Scarpinella Bueno – São Paulo: Saraiva, 2014. 7ª Edição revisada e atualizada;

Revista de Processo, ano 39, vol. 231, maio/2014. Coordenação Teresa Arruda Alvim Wanbier – “A Distribuição do Ônus da Prova no Processo Civil Brasileiro: A Teoria da Distribuição Dinâmica”, Vivian Von Hertwig Fernandes de Oliveira;

MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de conhecimento / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2011 (Curso de Processo Civil; v. 2). 10ª Edição Revisada e Atualizada;

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JOÃO RIVADAVIA SIGISMONDI CLEMENTE RIBEIRO: Advogado, pós-graduado e especializado em Direito da Economia e da Empresa, com mais de 10 anos de experiência na atuação no setor público e privado, desenvolvendo atividades de advocacia contenciosa e consultiva.Professor Universitário de Direito Processual Civil e Prática Jurídica Civil na FIG-UNIMESP.

Contato:  joao@piceli.com.br

Aposentadoria Especial da Pessoa com Deficiência

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No dia 03 de dezembro de 2013, a presidente Dilma Rousseff assinou Decreto n. 8.145/2013, que regulamenta dispositivos da aposentadoria à pessoa com deficiência segurada do Regime Geral da Previdência Social – RGPS (art. 201, §1º da CF).

É importante Informar que esse Decreto regulamenta a Lei Complementar 142, de 08 de maio de 2013, e em consequência altera o Regulamento da Previdência Social – RPS, no que diz respeito à aposentadoria por tempo de contribuição e por idade da pessoa com deficiência.

Cabe esclarecer que estão excluídos dessas modificações os servidores públicos e os militares, porque o RGPS abarca os trabalhadores da iniciativa privada, que exercem atividade remunerada, enquadrados na Lei de Benefícios (Lei n. 8.213/1991).

 

Destaco ainda que é uma modalidade de aposentadoria especial onde o segurado, deverá ser considerado deficiente pela perícia médica e pela social, realizada pelo próprio INSS, o que muito me preocupa, em face de morosidade e atécnia nos laudos.

 

Para ter direito a aposentadoria especial, a avaliação terá que considerar o segurado, pessoa deficiente, que é aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

 

Deverá ainda estabelecer a data provável do início da deficiência e o seu grau (grave, moderada ou leve), e indicar a ocorrência de variação e os respectivos períodos em cada grau.

 

Importante destacar que todas essas informações relativas aos períodos com deficiência grave, moderada e leve, fixadas em decorrência da perícia médica e social deverão constar no Cadastro Nacional das Informações Sociais (CNIS), para ensejar o direito à aposentadoria especial.

 

Questiono, e o que é deficiência em grau grave, moderada ou leve?

 

Desde a publicação da LC 142/2013, aguardo ansiosamente a definição que deveria ter sido regulamentada pelo Poder Executivo, e não foi.

 

Tudo o que se tem é a criação de um formulário pelo Ministério da Previdência Social (MPS), e um monte de conjecturas tais como:

 

 

      •   Para qualificar e quantificar a deficiência em graus, se adotou apenas a Classificação Internacional de Doenças (CID [1]) X Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) ou tomaram como base a Classificação internacional de Funcionalidades, Incapacidades e Saúde (CIF)
      •   A avaliação médica da deficiência e do grau de incapacidade vai considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, acrescentando as atividades que o segurado desempenha?; obrigando em contrapartida o estudo social a considerar as atividades desempenhadas pela pessoa no ambiente de trabalho, em casa e no seu social?; e ambas perícias analisar a limitação do desempenho de atividade e a restrição da participação social, segundo suas especificidades?

 

Outra indefinição que deverá ser sanada urgentemente, diz respeito ao que é impedimento de longo prazo?

 

Frisamos que a legislação já vigora, e nesse lapso temporal de regulamentações, questiono se vamos utilizar por analogia o critério do benefício assistencial (LOAS [2])“aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de dois anos incapacitando a pessoa deficiente para a vida independente e para o trabalho”?

 

A legislação também grita quanto a aberração da aplicação ou não do Fator Previdenciário (FP).

 

Incoerência total falar em FP, pois trata de aposentadoria especial, que tem como base tempo de contribuição, a Idade e o grau da deficiência, proporcionalmente ajustadas pelo multiplicador tabelas contidas no Decreto n. 8.145/2013.

 

De modo que não abriu brecha ao conteúdo do art. 9º, inciso I da LC 142/2013, que autoriza a aplicação do FP nas aposentadorias, se resultar em renda mensal (RMI) de valor mais elevado.

 

Pergunto: a suposta aplicação do FP seria uma variação a tese do melhor benefício, onde aposentadoria por tempo de contribuição tem aplicação obrigatória e aposentadoria por idade é facultativa? A legislação “deixou facultativa” para ambas aposentadorias? Ou tentou levar vantagem velada mantendo a regra de concessão onde 1 é um FP favorável desde que sua média esteja abaixo do teto, e se inferior reduz o benefício?

 

O que temos por certo e não gera confusão é que se trata de direito adquirido ao melhor benefício, (logo não há que cogitar aplicação de FP no cálculo), sendo este direito fundamental da pessoa deficiente, estando protegido em nível de clausula pétrea (art. 5º, XXXVI c.c. art. 60, §4º, IV, ambos da CF).

 

Assim quando falamos em Aposentadoria Especial do Deficiente por Tempo de Contribuição este levará em conta o grau de deficiência do segurado atestado na perícia para reduzir o tempo de contribuição, em 10, 6, ou 2 anos em relação ao período de contribuição comum, que é de 35 anos para homens e de 30 anos para mulheres, vejamos:

 

GRAU DE DEFICIÊNCIA HOMEM MULHER
Grave 25 anos 20 anos
Moderada 29 anos 24 anos
Leve 33 anos 28 anos

 

Já a Aposentadoria Especial do Deficiente por Idade, deverá o segurado que comprovar que contribuiu na condição de deficiente por pelo menos 15 anos, havendo a redução de 5 anos na idade mínima exigida, assim, com base nessa legislação o homem tem direito a aposentar-se aos 60 anos e a mulher aos 55 anos.

 

Outra consideração a legislação é a Data de Início do Benefício (DIB), também deixada sem regulamentação, e para tanto valerá o dia que ele agendou o atendimento?, o dia que entregou os documentos na Agência do INSS? Ou a data em que o segurado preencheu os requisitos, mesmo que não tenha agendamento ou efetuado o pedido no INSS?

 

Por fim, tenho certeza que estamos frente ao princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social, por ser esta modalidade de aposentadoria especial uma prestação de conteúdo patrimonial, isto é a situação de degradação frente à insegurança (fato gerador: doença, acidente, etc.), e o pertencimento social do indivíduo que tira do seu salário os meios de subsistência consagrada no artigo 194 da CF, sendo este substituto do benefício deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus, com efeito retroativo ao momento em que nasce o direito, e não como foi regulamentado, banalizando e violando garantia fundamental desmoralizando o estado da pessoa com deficiência.

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NOTAS

[1] CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, também chamado de ICD fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais.

[2] LOAS = Lei Orgânica da Assistência Social, n. 8742/1993 com as alterações da Lei 12.435/2011.

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

TATIANA CONCEIÇÃO  FIORE DE ALMEIDA: Advogada, Especialista em Direito do Trabalho, com ênfase em Processo do Trabalho e Previdência pela ESA – Escola Superior de Advocacia, bel. em Direito pela Faculdade Integradas de Guarulhos – FIG-UNIMESP; Presidente na Comissão de Seguridade Social e Previdência Complementar na 57ª Subseção (OAB Guarulhos/SP), colunista mensal no jornal Sanctuarium, Autora de diversos artigos jurídicos Professora em cursos de graduação, pós graduação e preparatórios para concurso.

INDENIZAÇÃO TRABALHISTA: Operadora de telemarketing que sofreu aborto natural após dispensa receberá indenização

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A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho deferiu a uma operadora de telemarketing gestante o direito de receber os salários e reflexos no período entre a sua demissão e data em que houve a interrupção da gravidez por aborto espontâneo. A decisão foi unânime.

A empregada trabalhava para a Tivit Terceirização de Processos, Serviços e Tecnologia S.A., em São Paulo, e foi dispensada em fevereiro de 2009. No início de março, ficou sabendo que estava com seis semanas e cinco dias de gravidez e buscou a reintegração em juízo por entender que fazia jus à estabilidade provisória prevista nos artigos 391 e 392 da CLT e 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal.

A empresa contestou a informação de que a empregada estaria grávida na data da demissão, afirmando que a gravidez teria ocorrido somente no fim de janeiro, quando já havia sido demitida e cumpria aviso prévio.

A 45ª Vara do Trabalho de São Paulo absolveu a empresa por entender que, quando da rescisão contratual, não havia confirmação da gravidez, nem mesmo ciência dela por parte da trabalhadora. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) negou provimento ao recurso da empregada, por entender que ela teria sofrido aborto espontâneo quando estava na 24ª semana de gestação.

A trabalhadora novamente recorreu, alegando que o fato de ter sofrido um aborto não impede o direito à reintegração ou indenização do período de estabilidade.

A Sexta Turma do TST, ao examinar novo recurso, reconheceu o direito da trabalhadora de ser indenizada e acolheu o recurso em parte. Para o relator, ministro Augusto César Leite de Carvalho (foto), a estabilidade visa proteger a subsistência do nascituro, mas, como houve aborto espontâneo, a garantia deve compreender o período entre o término do aviso prévio (13/2/2009) e a interrupção da gravidez (12/6/2009). A Turma concedeu, ainda, mais duas semanas de repouso remunerado à empregada.

Processo: RR-153000-88.2009.5.02.0045

FONTE: TST, 26 de janeiro de 2015.