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Da utilização de normas do direito privado nas causas tributárias

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza

           A relevância da questão, a ser objeto da presente análise, surge do reiterado emprego, por parte dos profissionais do direito, de dispositivos pertencentes ao campo do direito privado em lides tributárias, nos casos de omissão da legislação específica. Encontra-se alusão às normas civis em discussões de matéria tributária, em pareceres e instrumentos processuais disponíveis através da Internet ou nos meios jurídicos. Tal prática faz surgir a necessidade de uma apreciação acerca de sua idoneidade e legalidade. 

          Há de se iniciar o presente estudo com a recepção do posicionamento da impossibilidade, a princípio absoluta, de se adotar normas de direito privado para regular questões tributárias. Para que reste patente tal assertiva, torna-se imprescindível a formulação de breves noções de direito público e privado. O traço essencial para a distinção entre estes campos da ciência jurídica consiste na posição de superioridade conferida ao Estado, no conjunto de normas do direito público, sob a justificativa de que o mesmo representa os interesses de toda uma coletividade. Em contrapartida, no direito privado, os pólos da relação jurídica encontram-se em igualdade, determinada pelo princípio constitucional da isonomia.

          Isto posto, ao se analisar a própria essência dos preceitos de direito privado e tributário, nota-se a impossibilidade do vislumbre de qualquer ponto de intercessão no campo de aplicação de normas de fundamentos e escopos tão distintos. Os ditames legais de direito civil foram elaborados com o fim de regular as relações entre as pessoas físicas ou as jurídicas de caráter privado. A formulação do conteúdo das normas privadas preza pela igualdade dos indivíduos, sem qualquer consideração à supremacia do interesse coletivo, cuja tutela está resguardada mediante a coercibilidade dos princípios e leis do direito público.

          No Direito Tributário, ramo do direito público, o Estado interfere no patrimônio e na renda das pessoas físicas e jurídicas, mediante a cobrança de tributos, nos limites impostos pelo ordenamento jurídico. A concessão de tal poder aos entes estatais decorre da necessidade de se financiar os serviços públicos, os quais se revelam de fundamental importância para a consecução dos fins precípuos do Estado. Dessa forma, observa-se que os interesses envolvidos nos litígios de matéria tributária não se restringem àqueles inerentes ao ente público competente e ao contribuinte; uma vez que, os efeitos da decisão jurisdicional manifestar-se-ão em toda coletividade. Deve-se considerar que os membros da sociedade dependerem da prestação dos serviços essenciais. Constata-se, assim, a amplitude e relevância do direito tributário.

          Ao se assegurar a validade dos termos da legislação subjetiva civil, nas causas envolvendo tributos, estar-se-ia extirpando o poder de imperium do Estado e, conseqüentemente, o interesse público seria nivelado ao dos particulares. Com isso, a hipótese de utilização de dispositivos de direito privado em matéria tributária contrapõe-se aos princípios fundamentais do direito público, no qual se encontra inserido o direito tributário.

          Imperioso torna-se frisar que a tutela dos princípios próprios de cada campo da ciência jurídica adquire maior relevância, do que a defesa de normas isoladas; visto que, os mesmos concedem as diretrizes para elaboração de todo o sistema normativo correspondente. Assim, por não estarem em consonância com os princípios basilares da matéria jurídica, como o da supremacia do interesse da coletividade, as normas civis restam inadequadas a produzir qualquer efeito nas relações litigiosas travadas em questões tributárias.

          Os casos de verificação de lacunas na lei tributária, inevitavelmente, ocorrem na prática forense; já que, o legislador não esgota toda as possibilidades no texto legal. As omissões das normas tributárias pode ser supridas com a observância da analogia, da equidade e dos princípios de direito tributário e direito público. O Código Tributário Nacional, em seu art. 108, consagra tais fontes subsidiárias e dita a ordem em que as mesmas devem ser empregadas pela autoridade competente para a aplicação da legislação tributária.

          Cabe acentuar-se que nem mesmo mediante recurso às técnicas da analogia ou da equidade, viabilizar-se-ia a utilização de normas privadas em matéria tributária. A analogia, nas palavras do eminente doutrinador Marcus Cláudio Acquaviva em sua obra Dicionário Jurídico Brasileiro, trata-se de "operação que consiste em aplicar, a um caso não previsto, norma jurídica concernente a uma situação prevista, desde que entre ambos exista semelhança e a mesma razão jurídica para resolvê-los de igual maneira". Ocorre que as diferenças entre as relações de direito público e direito privado, já enfocadas anteriormente e que se manifestam até mesmo nos pólos processuais, impedem a obtenção, através da analogia, de um ponto comum na aplicação destas modalidades de lei.

          A equidade, em conformidade com a ordem de preferência estabelecida no suso indicado artigo do CTN, consiste em meio residual a suprir as lacunas da legislação tributária. Com isso, somente se todas as demais fontes demonstrarem-se falhas, pode-se fazer uso deste instituto jurídico. A definição de equidade, pode conduzir ao vislumbre da única possibilidade de utilização do direito privado, nas lides tributárias. Através da equidade, o jurisprudente pode e deve adequar a normas à situação concreta, com o escopo de se evitar injustiças. Destarte, transpondo esta noção para a matéria da presente análise, constata-se ser viável a argüição de preceitos do direito civil nas questões entre o Fisco e os contribuintes ou responsáveis pelos tributos, em casos nos quais a lei específica for omissa e todos os outros meios legais a supri-la foram inidôneos. A condição de validade para este fato excepcional seria a atuação do aplicador da norma, no sentido de moldá-la à relação tributária e às peculiaridades da mesma. Deve-se aceitar tal possibilidade, até mesmo, em benefício da certeza da prestação jurisdicional; uma vez que nenhum caso concreto poderá deixar de ser julgado por falta de dispositivo legal a regê-lo. 

          Reserva-se papel fundamental aos órgãos jurisdicionais, pois se assegura aos mesmos o poder de, em suas decisões, manifestarem-se pela impossibilidade da aplicar a lei civil em matéria tributária, com ressalva a exceção acima disposta. Com a consolidação deste julgamento nos tribunais pátrios, a questão adquirirá previsão jurisprudencial, o que servirá como fonte para acórdãos supervenientes. Dessa maneira, as decisões assumiram contornos satisfatórios e condizentes com as diretrizes básicas do direito tributário e do direito público.

          Se a jurisprudência dos tribunais superiores consagrar possibilidade em contrário, conceder-se-ia temerosa prerrogativa aos devedores do Fisco. Outra não pode ser a conclusão, na medida que, nesta hipótese, seria permitida a invocação de normas da lei substantiva civil, que não inserem a superioridade do Estado e do interesse público perante o particular.

          Faz-se referência, por fim, à alusão do art. 1º, da Lei nº 6.830/80, referente ao acolhimento, de forma subsidiária, dos termos do Código de Processo Civil, nos procedimentos de execução fiscal. Tal previsão não parece ocasionar nenhum prejuízo. Na falta de um diploma processual próprio, a lei adjetiva civil representa uma fonte hábil e adequada para reger o processo nas lides tributárias, naquilo em que a legislação extravagante revelar-se lacunosa

 


Referência Biográfica

Marcos Antonio Cardoso de Souza  –  bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife
 
E-mail: souzamac@uol.com.br

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Cheque pré-datado: enfoque legal e moral

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza

             A relevância da questão, ora proposta, subsiste em razão da corriqueira emissão de cheques, como meio a viabilizar compras à prazo. Esta forma de transação comercial encontra-se de tal maneira difundida nas relações de consumo, que representa uma das principais modalidades de parcelamento de débitos no comércio.

          Outro fator que comprova a consagração do cheque pré-datado, revela-se na propagação de empresas com o intuito precípuo de viabilizar, aos empresários que trabalham com os mesmos, permutá-los de imediato por dinheiro, em troca de desconto percentual sobre o valor do títulos. Faz-se referência às empresas de factoring. Atividade esta, altamente lucrativa, em razão do montante de recursos movimentados por meio de cheques pré-datados. Cabe neste momento ressalvar que tais entidades jurídicas têm várias obrigações legais para sua constituição e desenvolvimento. Acontece que, notoriamente, as empresas de factoring que deveriam desenvolver uma série de serviços, a fim de fomentar as atividades mercantis, atualmente, limitam-se a lidar com os citados títulos de créditos.

          Pode-se claramente observar, portanto, que os cheques pre-datados, além de amplamente difundido entre a população, também, são objetos de negociação de um representativo número de empresas no país.

          Tais dados, quando analisados de forma isolada não concederiam motivo para qualquer controvérsia, na medida que, através desta prática, estimula-se a circulação de riquezas e o desenvolvimento comercial. O cheque pré-datado consubstancia-se como forma hábil e ágil de concessão de crédito. Ao ser defrontar, porém, a emissão destes títulos com a legislação vigente, observa-se seu caráter ilegal.

 

          A Lei do Cheque, L. nº 7.357 de 2 de setembro de 1985, preceitua o seguinte em seu art. 32, in verbis:

          "Art. 32. O cheque é ordem de pagamento à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrato.

          Parágrafo único. O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação."

          A norma determina, com isso, que o cheque pode ser, a qualquer momento, descontado na entidade bancária corresponde. Destarte, a emissão de cheque pré-datado não tem qualquer suporte legal. Em face do dispositivo acima trascrito, a data expressa no documento, quando posterior ao dia de apresentação, não produz qualquer restrição ao imediato pagamento da quantia prevista no instrumento. 

          Todavia, em recente acórdão o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de seus membros, (Resp 223486) julgou procedente ação de indenização movida por particular contra sociedade comercial, que descontou cheque pré-datado antes da data, previamente, estipulada. Em razão desta conduta, a emitente foi incluída em sistema de proteção ao crédito, sob a justificativa de o cheque não possuía a devida provisão de fundos.

          Trata-se de decisão polêmica, já que a parte ré foi condenada por ato, que, conforme anteriormente ventilado, admite-se como legítimo no ordenamento jurídico vigente. A lei concede ao portador do título a prerrogativa de, em observados os prazos para a apresentação, descontá-lo a qualquer momento.

          A manifestação do mencionado tribunal superior revela a ineficácia da norma que impõe a utilização do cheque como ordem de pagamento à vista. Além desta disposição ser inobservada de forma reiterada e habitual pela comunidade, a corte máxima para questões infraconstitucionais ora registra precedente jurisprudencial em absoluta oposição a tal preceito.

          Questionamentos podem ser formulados acerca da regularidade do posicionamento do STJ. Tal decisum, contudo, não se encontra eivado de vício; pois adequou-se, através do mesmo, a norma positivada à vigente noção de justiça. A justa prestação jurisdicional representa a razão de ser, a finalidade, o objetivo do direito. Não se pode, sob a escusa de uma obediência cega e irrestrita a legislação, macular os princípios de justiça.

          Ao disponibilizar compras por meio de cheques pré-datados, o comerciante, ou prestador de serviço, propõe e aceita utilização deste título para fins diversos daquele previsto na legislação. Dessa forma, observa-se ser totalmente incoerente e inaceitável que o mesmo pólo da relação ofereça, de forma desprovida de qualquer supedâneo legal, a possibilidade de pagamento mediante cheque pré-datado e, paradoxalmente, exija a observância da lei, no que diz respeito ao desconto correlato.

          Acentua-se, ainda, que aquele que recebe o cheque pré-datado compromete-se, moralmente, a somente apresentá-lo na data indicada no documento. Quando age de forma diversa do ajustado, o portador do cheque, frustrando expectativa do emitente, adota comportamento ardiloso, contrário aos preceitos morais e aos usos e costumes do comércio. Configura-se, nesta hipótese, traição à confiança depositada no detentor do título. Deste ato podem decorrem sérias conseqüências para o correntista, como a vexatória inclusão do seu nome no sistema de proteção ao crédito.

          Diante do exposto, urge-se um posicionamento expresso dos legisladores. Cumpre ao Poder Legislativo editar normas que regulem este costume comercial, que se reveste de incertezas e imprecisões. Deve-se analisar os benefícios e as temeridades da consagração legal do cheque pré-datado. A celeuma pode ser resolvida com a revogação das vigentes disposições atuais, ou com a manutenção das normas atuais; mas que, neste caso, cominem-se penalidades àquele que oferecer ou aceitar esta forma de pagamento. Faz-se necessário que, em sua decisão, o legislador pátrio considere a existência da, já mencionadas, empresas de factoring, as quais dependem dos cheques pré-datados para manutenção de suas atividades. Há de se ponderar, ainda, sobre a enorme incidência de operações mediante os cheques pós-datados, denominação esta preferida pelos doutrinadores. Dúvidas não subsistem com relação a um aspecto da questão, o legislador pátrio, em função da notoriedade da inobservância das regras enfocadas, não pode permanecer omisso

 


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Marcos Antonio Cardoso de Souza  –  Bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife
 
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Sigilo das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas e órgãos públicos

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza

            Inicia-se a presente abordagem com menção aos recentes relatados da ação de "hackers", que se utilizam de recursos tecnológicos dos escritórios em que trabalham, como meio a viabilizar suas práticas condenáveis. Através dos computadores de empresas e órgão públicos, os mencionados criminosos invadem banco de dados, destroem arquivos e propagam vírus de efeitos devastadores.

            Diante destes precedentes, o acesso aos "e-mails" dos empregados das repartições representaria meio eficaz no auxílio à prevenção e detecção dos crimes praticados no ambiente virtual. Registra-se que, na Inglaterra, tal medida já se reveste de licitude.

            Em nosso país, iniciam-se as discussões, acerca da possibilidade jurídica de se conferir, através de instrumento normativo, prerrogativa aos responsáveis por empresas e órgãos públicos, no sentido de devassar o correio eletrônico de seus funcionários.

 

            Para a apreciação da matéria, ora sugerida, torna-se indispensável a análise de preceitos constitucionais, os quais se encontram inseridos no Título II, da Carta Magna, o qual é intitulado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais". Reservou-se tal seção do referido diploma legal para a tutela do particular contra a ação infundada, ou lesiva, do Estado e dos demais membros da coletividade. A tutela do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5° , XII, CF) representa dispositivo fundamental para a consecução de um Estado de Direto, com respeito às prerrogativas do indivíduo. Temerária, contudo, seria a hipótese em que esta garantia fosse imposta de forma absoluta. Os direitos individuais devem ceder em face de interesses mais abrangentes, que repercutem em toda a sociedade. Assim, a própria norma constitucional, in fine, prevê exceção (art. 5° , XII, parte final) à exigibilidade do sigilo dos dados mencionados.

            "Art. 5° . (omissis)

            (…)

            XII. é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;"

            Divergências doutrinárias existem quanto à amplitude da ressalva à garantia inserta na Carta Magna. Dúvidas, não subsistem, contudo, no que cerne à circunstância, em que tal hipótese pode ser aplicada: para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Tão-somente com este escopo, pode-se denegar a alguém o direito ao segredo das informações indicadas no texto legal.

            Tendo em vista os argumentos expostos, reveste-se de patente inconstitucionalidade, qualquer norma ordinária, que disponha sobre faculdade, atribuída de forma genérica às empresas, de violar o conteúdo das mensagens eletrônicas de seus funcionários. Ao se corresponder, por meio do correio eletrônico, o usuário do serviço compartilha, com o receptor, informações de cunho pessoal, as quais não podem ser violadas, sob pena de se incorrer em mácula ao direito de privacidade. A Lei Máxima tutela expressamente a intimidade e a vida privada, de cada indivíduo.

            "Art. 5° . (omissis)

            (…)

            X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"  

            Cumpre ressaltar que o estudo da questão não deve se limitar à interpretação dos ditames legais pátrios. Os problemas decorrentes da fabulosa e contínua expansão da Internet demonstram-se comuns a todas as nações. Com isso, não só é viável a realização de um esforço global; como também tal medida revela-se imprescindível, para a consecução de eficazes normas, a punirem os agentes dos denominados "ciber crime".

            Para se atestar a procedência da assertiva acima formulada, propõe-se a formulação de caso hipotético, com base em fato mencionado no início do presente texto. Legalizou-se na Inglaterra a violação das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas por seus patrões. Esta determinação tem a finalidade de facilitar o procedimento investigatório das transgressões, promovidas por intermédio da Internet. Acontece que, constata-se ser bem mais provável que os ataques aos computadores ingleses sejam originários de quaisquer outras localidades do mundo. Com isso, nas situações de maior incidência, as normas inglesas restariam inócuas; na medida que não se pode, a princípio, submeter os cidadãos de outras nacionalidades aos ditames legais da Inglaterra.

            Resta claro, portanto, que iniciativas isoladas de determinados países, provavelmente, produziram efeitos pífios, ou, até mesmo, nulos. Faz-se necessária a promoção de amplas discussões internacionais, as quais conduzam à assinatura de tratados, que versem sobre matérias relativas à grande rede.

            Ao se transpor a conclusão acima para o objeto desta exposição, verifica-se que, mesmo que se determine através de acordos multinacionais a possibilidade de se violar o conteúdo dos "e-mails" de um indivíduo, persistiria a inconstitucionalidade do dispositivo correlato. Isto decorre o fato de que tal dispositivo representaria exceção ao sigilo das correspondências, o qual se consubstancia em garantia fundamental do particular, prevista no diploma pátrio de máxima hierarquia. No que cerne à relação entre os tratados internacionais e os direitos e garantias, estipuladas no art. 5° , da Carta Magna , o legislador constituinte dispôs da seguinte forma

            "Art. 5° . (omissis)

            (…)

            § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

 

            Desta forma, através da interpretação gramatical do dispositivo compilado, observa-se que, com o emprego da expressão "não excluem outros decorrentes (…) de tratados internacionais", concede-se margem à inclusão de direitos e garantias não previstas nos incisos do art. 5º, da Constituição Federal. Não se coaduna, contudo, com o teor do parágrafo acima, o estabelecimento, por força de instrumento de Direito Internacional, de restrições ao exercício das garantias fundamentais do indivíduo, tais como o sigilo de correspondência. As ressalvas, nesta esfera, somente se caracterizam como constitucionais, caso indicadas expressamente no texto da Lei Máxima.

            Em conclusão, revela-se incompatível com as hodiernas diretrizes do Direito nacional qualquer estipulação normativa, que venha a legalizar a quebra do sigilo das mensagens eletrônicas, dos funcionários de empresas e repartições, em circunstâncias diversas daquela prevista na Constituição

 


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Marcos Antonio Cardoso de Souza
  –  Bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife 
 

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Lei dos genéricos: Implicações e perspectivas

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza

          A vigência da Lei dos Genéricos (Lei 9787/99) demarca o início de uma nova fase para industria farmacêutica. Se as alterações promovidas pelas novas normas serão benéficas para os laboratórios e consumidores, não se pode afirmar com certeza. Pode-se, contudo, ao proceder a análise das implicações imediatas, delinear as perspectivas quanto à imposição das regras para a comercialização de medicamentos no país.

          Antes de se dar continuidade a análise, que ora se propõe, faz-se indispensável elucidar determinação do mencionado ditame legal, a qual, atualmente, vem sendo objeto de ampla discussão. Impõe-se, mediante a Lei do Genéricos, que o princípio ativo dos remédios seja indicado no rótulo e na embalagem do mesmo. Verificando-se ser imperativo que o nome genérico seja 50% (cinqüenta por cento) maior, no rótulo da embalagem, do que o nome de fantasia.

          Com relação às obrigações para o profissional da área médica, revela-se oportuna referência à nota oficial proferida pela Associação Médica Brasileira (AMB), a qual se manifestou acerca do assunto por intermédio de seu presidente, Eleuses Vieira de Paiva. Neste documento, publicado no respeitável periódico "Medicina – Conselho Federal" (Ano XIV, nº 111, novembro de 1999), delimita-se como obrigação ética e profissional do médico a prescrição de "medicamentos de qualidade, que garantam segurança ao paciente e a eficácia do tratamento". Antes da vigência da nova lei, no ato da consulta, o médico fazia referência ao nome de fantasia da droga. Agora, médicos e pacientes têm a disposição a alternativa de utilização dos genéricos.

          O enfoque da questão, com referência aos fabricantes de remédios, indica a existência de duas realidades e posicionamentos distintos. De um lado existe os grandes laboratórios; enquanto, no outro pólo, figuram, os fabricantes de menor expressão mercadológica. Aqueles observam a Lei dos Genéricos de forma absolutamente negativa. Fundamenta-se tal ponto de vista no fato de que a qualidade dos produtos decairia de forma temerária; vez que laboratórios de pequena dimensão, mesmo não dispondo de estrutura adequada para a manipulação dos remédios, teriam a oportunidade de obter maior notoriedade e, conseqüentemente, maior penetração popular. Deve-se considerar, ainda, que os "laboratórios de grife" destinam recursos substanciais para a pesquisa e aperfeiçoamento de seus medicamentos. Este fato, inevitavelmente, torna mais onerosa a produção e ocasiona a elevação do preço ao consumidor. A situação agrava-se ao se conceder relevo aos gastos com publicidade. Para que uma marca seja reconhecida pela população, surge a necessidade de investimentos destinados à propagação da mesma. Destarte, os fabricantes de renome não teriam como concorrer com os preços ofertados pelos pequenos produtores, que não possuem os aludidos custos adicionais.

          Os pequenos laboratórios, por sua vez, defendem a lei em questão e ressaltam que, através da mesma, viabilizar-se-ia considerável redução dos valores cobrados pelos medicamentos. Os grandes grupos e organizações restariam forçados a diminuir seus preços, em função da concorrência. Quanto a estas assertivas, não há como se contestar que, em uma economia de mercado, a concorrência trata-se de fator fundamental para o desenvolvimento harmônico do sistema produtivo e das relações de consumo. A título de ilustração, pode-se associar a livre concorrência com o combate aos cartéis, ou seja grupos restritos de produtores que, por meio de conluio, controlam de forma ardilosa e reprovável o valor venal dos produtos que fabricam. A conseqüência imediata desta prática se consubstancia na freqüente elevação dos preços, de acordo com os interesses dos partícipes dos cartéis.

          Recente pesquisa de mercado, vinculada nos meios televisivos, demonstrou que a diferença de preço do mesmo produto entre marcas diferentes chega a dimensão de 300% (trezentos por cento). Conclusões alarmantes são obtidas, também, ao se expor as estatísticas em que se relaciona o acesso aos remédios com o poder aquisitivo. Segundo pesquisa vinculada no já mencionado manifesto da AMB, apenas 15% (quinze por cento) da população, parcela esta composta por indivíduos que percebem mais de 10 salários mínimos mensais, consome mais da metade dos medicamentos. Decorre, com isso, que somente uma pequena parcela da comunidade dispõe de recursos financeiros para custar os necessários tratamentos medicamentosos, por força do elevado valor cobrado sobre os remédios. Diante de dados como estes, vislumbra-se a caracterização da lei, ora em estudo, como meio idôneo a atenuar as discrepâncias, indicadas nas pesquisas acima expostas.

          No que cerne aos aludidos efeitos sobre o preço dos produtos farmacêuticos, não subsistem meios a refutar a tese da redução dos valores cobrados ao consumidor. Tal implicação parece ser inevitável, em virtude da lei natural de mercado, segundo a qual o aumento da oferta, das opções de compra, provoca subsequente redução dos preços. O comprador poderá escolher entre as marcas que oferecem a substância (droga), da qual necessita para seu tratamento. Esta faculdade não era atribuída ao consumidor, na medida que, antes da vigência da Lei dos Genéricos, o médico indicava o produto pela marca e não pelo termo científico, conforme já ventilado.

          A alegação quanto a queda de qualidade, em decorrência da nova legislação, a princípio, não parece ser revestida de procedência; uma vez que haveria um rígido e constante controle por parte dos órgãos estatais responsáveis. Acontece que, nem sempre, a instituição de órgãos fiscalizadores representa uma garantia para os consumidores. Não são poucos, no passado da nação, os exemplos, que concedem margem a este fundado receio.

          No caso dos genéricos, contudo, as condições, que estão sendo impostas às empresas interessadas na comercialização dos mesmos, podem conferi-los confiabilidade e segurança. Exige-se, para a concessão do uso do nome genérico, que se procedam provas hábeis a demonstrar a bioequivalência e a biodisponibilidade da droga. A AMB define bioequivalência como sendo característica de produto que, em dosagens idênticas, produz os mesmos efeitos do medicamento original. Assim, relaciona-se a sua eficácia no combate à doença correspondente. Já a biodisponibilidade diz respeito à velocidade e à extensão da absorção pelo organismo, que devem ocorrer na mesma concentração verificada no produto de referência.

          Por fim, cabe acentuar a esperança de que os aspectos positivos da Lei dos Genéricos não se restrinjam à redução do dispêndio econômico dos consumidores; pois a manifestação isolada deste fenômeno pode não representar benefícios para os mesmos. Afinal, trata-se de questão de saúde coletiva e não de um simples produto de consumo. A qualidade dos medicamentos deve ser frequentemente fiscalizada, a fim de assegurar a confiabilidade nos mesmos. Em função da atuação deficitária dos órgãos governamentais, a população deve exercer seus direitos, adotando postura a exigir excelência dos produtos e a punição dos infratores da legislação em vigor

 


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Aspectos Jurídicos da Arbitragem

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* Eveline Lima de Castro 

                    Antigamente, a arbitragem não funcionava bem, pois necessitava da homologação dos juízes de Direito, que não aceitavam os acordos entre privados por serem feitos por leigos.

                    O Brasil exigia, para homologar laudos arbitrais internacionais, que fossem homologados no país de origem. Entretanto, na maioria dos países não existia homologação de laudo arbitral, então o Supremo Tribunal Federal também não homologava, daí a ineficácia da arbitragem.

                    A Convenção comercial de Nova Iorque prescreve que o laudo não precisa ser homologado no país de origem, mas apenas no País de destino. Todavia, o Brasil não a assinou. Foi então que surgiu a Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, com dispositivos similares à referida convenção, para regular a arbitragem.

                    A arbitragem consiste na escolha, pelas partes, de um terceiro neutro para solucionar os conflitos com os poderes que a lei dá, só podendo tratar de direitos patrimoniais disponíveis.

                    As partes têm que ser capazes ou representadas/assistidas. O árbitro pode ser qualquer pessoa que tenha a confiança das partes, desde que civilmente capaz.

                    Não precisa de advogado para propor a demanda, embora não haja impedimento legal, desde que a parte consinta. A demanda pode ser proposta, inclusive, oralmente. Se já existe um processo judicial, pede-se extinção sem julgamento do mérito para, então, recorrer à arbitragem.

                    O árbitro é juiz de fato e de direito e a sentença por ele proferida produz os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, constituindo título executivo. É necessário ressaltar que o juiz arbitral está sujeito a ação por reparação de danos e é equiparado a funcionário público, para efeitos penais, quando no exercício de suas funções ou em razão delas.

                    Da sentença arbitral não cabe recurso quanto ao mérito, mas apenas quanto à forma (impedimento, v.g.), sendo o prazo, para sua interposição, de 90 (noventa) dias após o trânsito em julgado.

                    A cláusula compromissória é uma convenção, necessária para que as partes se comprometam a resolver, através da arbitragem, litígios que possam vir a existir relativamente ao contrato, sendo autônoma em relação a este. Assim, a nulidade do contrato não implica nulidade da cláusula compromissória.

                    Surgida a controvérsia, assina-se o compromisso arbitral para que as partes escolham e contratem qualquer pessoa capaz para ser árbitro e solucionar o conflito. Se quando da assinatura do compromisso, as duas partes não assinarem, remete-se as partes ao Judiciário. Se apenas uma das partes não assina, a arbitragem corre à revelia (o árbitro pede ao juiz de direito para compelir a parte a assinar). Se uma das partes desiste no curso da arbitragem, o árbitro prossegue sem a sua presença.

                    Uma vez instaurado o procedimento arbitral, não é mais possível recorrer ao Judiciário. Todavia, este poderá intervir se surgirem incidentes no curso do processo relativos a direitos indisponíveis ou eventuais irregularidades formais da sentença arbitral, além de ser o responsável pela execução da decisão. Isto prova que o juízo arbitral não fere o princípio constitucional do art. 5º, XXXV (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”).

                    A execução ocorre no Poder Judiciário, seguindo os procedimentos do Código de Processo Civil. Caso encontre erros materiais na sentença arbitral, o juiz a devolve ao árbitro para reformar e depois ela retorna ao Judiciário.

                    A arbitragem baseia-se nos princípios da autonomia da vontade das partes, contraditório, igualdade das partes, imparcialidade e livre convencimento do árbitro.

                    As partes podem escolher as normas a serem aplicadas nas arbitragem, i.e., decidem se o árbitro julgará com base na lei ou na eqüidade. Seja qual for a forma escolhida, o juiz está adstrito aos termos do pedido e não pode ferir a lei, pois suas funções são, constitucionalmente, limitadas.

                    O procedimento da arbitragem é informal e compila vantagens que estimulam a sua utilização. A mais importante é a agilidade e celeridade processuais, que, contrapostas à morosidade da justiça, oferecem soluções rápidas, visto que o árbitro sentencia no prazo de 6 (seis) meses, se não houver estipulação em contrário, podendo, as partes, convencionarem prazo diverso.

                    Além disso, o procedimento arbitral é sigiloso, pois as informações sobre o litígio não são acessíveis a quem nele não tenha interesse, sendo resguardados os segredos comerciais e industriais. Os custos processuais são menores, pois só haverá gasto com os honorários dos árbitros.

                    Assim, fica claro que a arbitragem é um instituto útil para desafogar o Judiciário e oferecer às partes o recurso a uma justiça alternativa, que lhes garanta soluções rápidas e efetivas, afastando-as dos intermináveis conflitos instaurados na Justiça comum e dos inúmeros recursos e graus recursais existentes no nosso ordenamento, pois como bem ressalta Rui Barbosa, “a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça, qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade” (Barbosa, Rui. Elogios Acadêmicos e Orações de Paraninfo. Edição da Revista de Língua Portuguesa, 1924, p. 381).


          

Referência Biográficas 
 
Eveline Lima de Castro
  –    Acadêmica do 7º semestre de Direito da Universidade de Fortaleza e Bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Científica, com o tema "Interceptação de Comunicações Telefônicas segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", sob a orientação do professor mestre Marcus Vinícius Amorim de Oliveira. Elaboração: 07/dezembro/2002 .
 
E-mail: evelinecastro@yahoo.com.br

Violência e Cidadania

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* Maria Berenice Dias

                De todos sabido que a finalidade primordial do Estado é assegurar a paz social, para garantir a felicidade do cidadão. O cumprimento dessa função ocorre pelo estabelecimento de uma ordem, originada na Constituição Federal, que norteia a vida em sociedade, consagrando princípios e estabelecendo regras jurídicas a serem espontaneamente respeitadas por todos.

                 Na hipótese de descumprimento dessas verdadeiras pautas de conduta, como é vedada a justiça de mão própria, surge o dever do Estado de recompor a harmonia social, pois detém o monopólio da jurisdição, reservando-se a exclusividade da aplicação do Direito.

                Ainda que, em escassas hipóteses, a lei delegue ao cidadão o direito de proteger-se, não está autorizada a autotutela, e vedado é o desempenho de quaisquer outras atividades substitutivas divorciadas do aparato estatal em limitação à busca da segurança privada.

                Necessário que, na busca de soluções, não se fique comodamente apontando as dificuldades existentes no combate a esta que é a maior chaga de nossa sociedade: a violência.

                Se, dentro da clássica divisão dos Poderes, cada um deve garantir primordialmente a qualidade de vida do cidadão, é mister definir responsabilidades e identificar o que compete a cada um deles para o desempenho de seu papel.

                Inquestionável que cabe reclamar do Executivo que melhore a infra-estrutura material e humana, para assegurar um aparato de segurança apto a garantir a aplicação da lei penal. Quer mediante o aparelhamento dos órgãos policiais, quer mediante adequada estruturação dos estabelecimentos carcerários, para que possam atender à finalidade reeducativa dos apenados.

                Há que clamar, inclusive, por uma reforma legislativa, não se mostrando suficiente a mera exacerbação das penas, como forma de coibir a violência. A despropositada reação punitiva, que se verifica, por exemplo, nos chamados crimes hediondos ou na impossibilidade de concessão de fiança nos crimes contra a fauna, resta por constranger os magistrados, que, por vezes, relutam em sua aplicação e, para evitar medidas injustas, acabam por gerar decisões inclusive contrárias à lei.

                Tendo-se consciência de que a pena privativa de liberdade, como sanção principal, não leva à readaptação do delinqüente, é necessário encontrar soluções criativas, como as penas alternativas de prestação de serviços, com saliente caráter educativo, ou a generalização de medidas sócio-educativas, como a liberdade assistida, previstas exclusivamente no Estatuto da Criança e do Adolescente.

                Porém, não é com a pena de morte, com a severidade exagerada das leis penais ou por meio da supressão das garantias dos apenados que se vai exercer o controle social.

                Também se pode exigir celeridade e eficiência do Judiciário nos julgamentos, a evitar a impunidade pelo advento da prescrição. Mas não basta apontar falhas estruturais sem ver que, muitas vezes, os embaraços advêm do exacerbado formalismo da própria estrutura processual e da verdadeira sacralização do direito de defesa, como, por exemplo, na obrigatória suspensão do processo enquanto o réu se encontra foragido.

                É de atentar em que 70% dos processos que tramitam na Justiça envolvem infrações penais de gravidade mínima, o que dificulta um tratamento mais cuidadoso dos delitos de maior lesividade, impedindo a redução do prazo da instrução e a condenação em tempo mais abreviado, para tornar certa a punição.

                A ausência de uma resposta imediata leva quase à certeza da impunidade e à descrença da população na repressão dos ilícitos, perpetrados cada vez com mais freqüência e maior violência.

                Por isso, mister voltar-se a sociedade à atividade de prevenção a essa criminalidade difusa, que tem levado ao incremento assustador da violência no meio social, em todos os seus níveis.

                Para essa mais importante missão, há que apelar ao cidadão, conscientizando-o de sua indelegável tarefa de não ser um agente multiplicador da violência.

                É indispensável erradicar a violência doméstica, acabando com o sentimento de superioridade masculina, decorrente do ranço preconceituoso da hierarquização da família e do poder punitivo patriarcal, que chancela a agressão física à mulher e filhos.

                Imperioso também conscientizar a sociedade da necessidade de sua efetiva participação, seja preservando o sigilo do comunicante, seja criando mecanismos que prestem informações, dêem orientações e tomem as providências necessárias de forma imediata a toda e qualquer denúncia.

                Descabe considerar função privativa dos órgãos públicos a tutela dos valores primordiais da convivência humana, a ser levada a efeito exclusivamente pelo Estado, que se quer cada vez menos intervencionista.

               Se, por um lado, a função punitiva em face do desrespeito à lei é monopólio estatal, sua prevenção compete ao cidadão. E é nessa sede que se há de conjugar as expressões violência e cidadania e a possibilidade de vê-las como sinônimas, e não antônimas.

 


Referência Biográfica

MARIA BERENICE DIAS  –   Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, sendo Presidente da 7ª Câm. Cível; Membro efetivo do órgão especial do TJ, Professora da Escola Superior da Magistratura, Vice-Presidente Nacional do IBDFam.

www.mariaberenice.com.br

Ação Monitória no Processo do Trabalho

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* Alexandre Nery de Oliveira

I – INTRODUÇÃO

          O Código de Processo Civil teve acrescido, pela Lei 9.079, de 14.07.95, no bojo da denominada reforma, capítulo composto por três artigos (de numeração repetida e distintos por letras, no sentido de preservar o texto codificado), instituindo a ação monitória, com a redação que segue:

          "Capítulo XV – Da Ação Monitória:

          Art. 1102a. A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

          Art. 1102b. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de 15 (quinze) dias.

          Art. 1102c. No prazo previsto no artigo anterior, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV [execução para a entrega de coisa e execução por quantia certa conta devedor solvente].

          § 1º. Cumprindo o réu o mandado, ficará isento de custas e honorários advocatícios.

          § 2º. Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário.

          § 3º. Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV."

          A ação monitória, instituída como meio de provocação jurisdicional por via procedimental especial de jurisdição contenciosa (Livro IV, Título I, do CPC), encontra-se situada, para fins da Teoria Geral do Processo, nos limites que se formam entre o Processo Cognitivo e o Processo de Execução, porquanto permitindo a instrução ampla própria daquele, caminha desde o início através de vias coercitivas próprias deste, notadamente pela aplicação inequívoca do Processo de Execução quando não opostos embargos ou rejeitados estes.

          Como inovação inconteste no campo do Processo Civil, vamos trilhar, assim, também os caminhos pertinentes a ter ou não tal rito processual como aceitável no Processo do Trabalho, ante a regra da subsidiariedade e lamentalvelmente a desatualização dos seus preceitos que tantas inovações inspiraram junto a outros ramos do Processo.

          O elemento básico da ação monitória é estar o credor, embora desvalido de título executivo próprio, munido de prova escrita à qual pretende emprestar a qualidade de título executivo.

          Neste sentido, pela ação monitória (do latim monere – advertir, lembrar, exortar) se pretende lembrar ao pretenso devedor a existência de documento reconhecedor de determinada obrigação, advertindo-o, exortando-o a cumprir o que reconheceu que faria, ainda que indiretamente, conquanto desvalido tal documento das características de título propriamente executivo, nos termos dos artigos 584, 585 e 586 do CPC. Se falhar a advertência, então, seja pela não oposição de embargos do réu, seja pela rejeição dos mesmos, aquela prova da obrigação, título paraexecutivo na conceituação de Sérgio Bermudes ("A Reforma do Código de Processo Civil", Ed. Saraiva, 1996, 2ª edição), passará a valer como inequívoco título executivo, permitindo a execução nos próprios autos já constituídos.

          Suplanta-se, assim, a necessidade de ação ordinária onde se dava todo o procedimento cognitivo para reconhecer ao autor a obrigação aparentemente reconhecida já pelo réu no documento trazido, que apenas não se podia executar diretamente por faltar-lhe todos os requisitos exigidos pelo Processo de Execução. Com a ação monitória, pois, na falta de adimplemento voluntário do réu (CPC, artigo 1.102c, § 1º), poderá o documento ser então reconhecido como título executivo, permitindo ao credor valer-se prontamente da execução do crédito documentado.

          Não há dúvidas de que o caminho adotado pelo legislador brasileiro foi o da cautela, preferindo instituir no panorama processual pátrio apenas uma das modalidades de ação monitória, a que se tem denominado por ação monitória documental, quando outras, baseadas em provas não escritas têm merecido desenvolvimento noutros Países. Mas, ainda assim, uma inegável evolução, suplantando-se toda a sistemática vigente da produção de provas no Processo Cognitivo, quando o autor colaciona prova documental de aparente reconhecimento pelo réu quanto a determinada obrigação, o que se traduzia, então, em provar o que já estava provado, num exarcebamento da forma em detrimento da eficácia do processo.

          Agora, a ação monitória permite que o autor, munido de prova documental onde haja aparente reconhecimento de obrigação pelo réu, provoque este ao adimplemento, lembrando-o do firmado, podendo o réu adimplir de imediato a obrigação, assim isentando-se dos ônus processuais de custas e honorários advocatícios, ou, seja por inválida a prova, seja por já cumprida anteriormente a obrigação, apresentar embargos, assim chamados por suspenderem a conversão do mandado monitório em mandado executivo, com isto dinamizando a prestação da tutela jurisdicional sem atentar a direitos de defesa do réu, se cabível a contestação da obrigação pretendida. 

II – CARACTERÍSTICAS DA AÇÃO MONITÓRIA (CÍVEL)

          No prosseguir do estudo, vamos analisar cada um dos dispositivos concernentes à ação monitória, em relação ao Processo Civil, num passo anterior à análise de pertinência e aplicabilidade no Processo do Trabalho.

          Como dito, a ação monitória tem por objetivo a cobrança de determinada obrigação, seja pagamento de soma em dinheiro, seja entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel, por quem, embora desprovido de título executivo que permitisse ação executiva direta, detém prova documental de reconhecimento da obrigação pelo réu.

          Elemento que tem sido discutido é quanto a tratar-se o procedimento especial decorrente da ação monitória de caráter obrigatório ou facultativo para o autor, de modo a poder eleger tanto a via especial quanto a via comum da ação ordinária.

          Dentre as balizadas vozes da doutrina processual civil ressai o posicionamento firme da ilustre Desembargadora Fátima Nancy Andrighi no sentido de que "ao titular de direito enquadrável no procedimento especial da ação monitória há que ser observado o princípio da disponibilidade do rito, face às suas peculiaridades; acrescentando-se que o rito imposto pela nova Lei à ação monitória não figura entre aqueles considerados irredutivelmente especiais, eis que, obedecido procedimento inicialmente especial, este converte-se em ordinário, havendo embargos ao pedido" ("Da Ação Monitória: Opção do Autor" in "Caderno de Doutrina da Tribuna da Magistratura", da APAMAGIS, julho/96). Embora possua algumas ressalvas pessoais quanto aos fundamentos que balizam tal opinião, inequivocamente que a própria característica de conversão do procedimento monitório especial em procedimento comum pela mera oposição de embargos, enquanto não julgados estes, justifica que o autor possa eleger, desde logo, o procedimento comum pela ação ordinária como modo de promover sua pretensão à cobrança de determinada obrigação instituída em prova escrita que não se constitua em título executivo, caracterizando, assim, a via especial da ação monitória como de caráter eletivo pelo autor, segundo sua discricionariedade, ainda quando isto apenas decorra da dúvida do autor em relação à consistência do documento que possua como meio de prova suficiente. Logicamente, o que não se permite de modo algum é a via do procedimento especial decorrente da ação monitória quando ausentes os requisitos próprios de tal, caso em que o Juiz poderá indeferir a petição inicial, seja por inepta, seja por falta dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo (CPC, artigo 267, incisos I e IV).

          Pelo contido no artigo 1102a do CPC, a prova escrita colacionada com a petição inicial da ação monitória deve ser consistente, suficiente a provar, por si própria, o reconhecimento da obrigação pelo réu, sob pena de desviar-se a prova em que baseada para forma distinta de cognição, que exigiria ação ordinária, seguindo todos os trâmites do procedimento comum. Não se veda, logicamente, a contraprova do réu, ou mesmo a do autor em contraposição a esta, de natureza não documental, mas o autor não pode valer-se de prova distinta da documental para fundar sua pretensão, podendo outras virem apenas para dar-lhe maior consistência (quando impugnado o documento pelo réu), ou para demonstrar-lhe a inconsistência (em razão dos embargos do réu).

          Inequívoca pois a afirmação de que a obrigação pretendida deve estar fundada na prova documental colacionada com a exordial, sob pena de ser decretada a impropriedade do rito eleito, podendo provas distintas virem apenas para afirmarem a consistência ou inconsistência da prova originária, mas nunca para inovarem o conteúdo daquela ou mesmo para complementar o que cabia estar plenamente inserido em seu contexto.

          No artigo 1102b exsurge o primeiro comando judicial, consistente no acolhimento da petição inicial, por devidamente instruída (ou seja, por colacionar a prova escrita consistente em que baseada a pretensão), caso em que o Juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de 15 (quinze) dias, salvo embargos. Algumas críticas hão de ser tecidas quanto à redação do referido artigo. Logicamente, o mandado expedido igualmente contém a característica de citar o demandado, e também nele deve estar inscrita a possibilidade de embargos, sem prévia caução, inclusive porque distinguindo-se do mandado executivo, detém força precária, eis que não emite propriamente ordem de pagamento ou de entrega, mas apenas advertência para tanto, em não se opondo embargos, então sim podendo converter-se em mandado executivo, cuja distinção será exatamente o caráter constritivo decorrente. A tal modo, o mandado monitório acarreta apenas o caráter citatório do demandado e advertência ao mesmo para cumprir determinada obrigação, salvo embargos, sem implicar, então, qualquer ordem constritiva de direitos do réu, ainda quando este se disponha a satisfazer o crédito pretendido descrito no mandado.

          O parágrafo 1º do artigo 1102c, mais adiante, sinaliza, contudo, que reconhecida pelo réu a pretensão do autor, cumprindo assim voluntariamente o mandado monitório, no prazo assinalado no instrumento (quinze dias) ficará isento de custas e honorários advocatícios, cumprindo ao Juiz extinguir o processo com julgamento de mérito (CPC, artigo 269, II), denotando tal dispositivo legal a intenção memorável do legislador de desarmar os espíritos, invocando tanto quanto possível que demandas insustentáveis não prossigam, seja pelo estímulo ao reconhecimento voluntário da pretensão, em contrapartida oferecendo menores gravames processuais à parte ré, seja pelo estímulo à conciliação entre as partes. Não se há, pois, que falar em extinguir-se a execução, eis que sequer instaurada, à falta de resistência do devedor à satisfação da obrigação pretendida.

          O caput do artigo 1102c, por sua vez, sinaliza a possibilidade do réu oferecer embargos, distinguindo tal impugnação defensiva da contestação apenas pelo fato de imprimir caráter suspensivo ao mandado monitório expedido, embora, como antes dito, a eficácia do mesmo é relativa e condicionada, à falta de caráter constritivo primário. Não obstante isto, os embargos à monitória podem deduzir, como peça defensiva em que se constitui, todos os argumentos próprios de contestação, sendo, nos termos do parágrafo 2º do artigo 1102c, processados independemente de garantia do Juízo, nos próprios autos, passando a estimular o rito procedimental ordinário, até a sentença. Os embargos à monitória, portanto, constituem inequívoca peça contestatória, apenas se distinguindo da contestação pelo peculiar caráter suspensivo do mandado monitório expedido, sendo, como a contestação, processada nos próprios autos decorrentes da ação, sem necessidade de garantias, ocasionando a seqüencia pelo procedimento ordinário.

          Diz ainda o caput do artigo 1102c que não opostos embargos à monitória constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado executivo e prosseguindo-se na foma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV do Código de Processo Civil.

          Com redação similar, diz o parágrafo 3º do artigo 1102c que, rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV do Código de Processo Civil.

          Não há dúvidas de que a rejeição de opostos embargos apenas ocorre pela via da sentença, de modo que por tal decisão judicial declara-se a constituição do título executivo judicial precariamente indicado no mandado monitório inicial, intimando-se da sentença o devedor para prosseguimento da execução. E veja-se: não se fala em citação do devedor, mas mera intimação, cujos meios de comunicação são menos exigentes; igualmente, há que se notar que a intimação é prévia à execução, porque se outra fosse a intenção do legislador não haveria razão para estimular a intimação do devedor se da execução ficaria logicamente ciente pela expedição do mandado executivo próprio – tal decorre da inequívoca verificação de que o mandado executivo próprio é apenas expedido quando a obrigação não seja antes cumprida pelo devedor. Isto, inclusive, porque há a possibilidade dos embargos serem parcialmente acolhidos, na hipótese em que a ação monitória pretende diversas obrigações e baseado na prova escrita colacionada se reconhecem apenas uma ou algumas delas, o que impossibilitaria a mera conversão do mandado monitório inicial, que integra a plenitude das obrigações, em mandado executivo, parte daquele; preferida, assim, a via da expedição de novo mandado, contemplando as obrigações efetivamente reconhecidas na sentença, como de regra ocorre nas execuções de título executivo judicial.

          Com relação ao caso de não oposição dos embargos, o legislador foi mais severo, eis que tal acarreta de pleno direito a constituição do título executivo judicial pela conversão do mandado monitório inicial em mandado executivo. No entanto, a conversão exige o reconhecimento judicial do fato próprio, no caso a não oposição de embargos, sendo tal decisão, ainda que sumária, inequívoca sentença.

          Difícil aceitar, por tais aspectos, que noutro momento processual concernente à ação monitória, enquanto não deflagrada a possível execução, haja a prolação de sentença judicial, ou mesmo, em maior absurdo jurídico, afronto aos princípios mínimos da Teoria Geral do Processo, possa ser aceito a inexistência de sentença ou mais de uma sentença para o mesmo processo cognitivo.

          Temos, pois, que as decisões anteriores que determinam a expedição do mandado monitório apenas evidenciam, quando muito, caráter interlocutório, dada a necessidade de prévia admissibilidade da ação pelo Juiz (CPC, artigo 1102b).

          Por sua vez, são sentenças, no processo cognitivo especial decorrente da ação monitória, as decisões que constituem o título executivo judicial, no caso de não oposição de embargos à monitória pela imediata conversão do mandado inicial em mandado executivo, e no caso de rejeição de embargos opostos pela prévia intimação do devedor constituído, com execução, em ambos os casos, na forma prevista para a execução para a entrega de coisa e execução por quantia certa conta devedor solvente, ainda quando concisos o relatório, os fundamentos e o dispositivo.

          O que se verifica como característica fundamental da ação monitória, para diferenciá-la da ação ordinária, é a expectativa depositada no reconhecimento pelo réu da obrigação elencada no mandado monitório (lembrança) ou a imediata conversão do mandado monitório em mandado executivo pela revelia do réu decorrente da falta de defesa (embargos), eis que, havendo oposição de embargos à monitória, a instrução seguir-se-á na conformidade do processo comum, apenas retornando-se à via especial por ocasião da sentença, para os efeitos próprios em caso de reconhecimento da pretensão deduzida, embora seja a sentença o inequívoco título executivo judicial a ser, eventualmente, executado, ainda quando apenas declaratório da conversão do inicial mandado monitório em mandado executivo.

          Quanto ao recurso cabível contra a sentença proferida em sede de procedimento monitório cível, logicamente é a apelação o meio de impugnação recursal próprio, detendo efeitos devolutivo e suspensivo, eis que não se encontram os embargos à monitória dentre aquelas hipóteses elencadas no artigo 520, V, do CPC, porquanto os mesmos não se podem confundir com os embargos à execução, tanto mais porque a execução apenas decorre da sentença que constituir o título executivo judicial, sendo impertinente falar-se em identidade qualquer com os embargos à execução senão pelo nome, dado o caráter suspensivo em relação ao mandado monitório. Doutro lado, contudo, os embargos à execução que se seguir pela conversão do mandado monitório em mandado executivo, ou pela própria efetivação do título executivo judicial na sentença que rejeitar os embargos à monitória, julgados constituem sentença recorrível por apelação de efeito meramente devolutivo, então sim pela aplicação do artigo 520, V, do CPC. Portanto, o recurso de apelação contra a sentença proferida no processo cognitivo decorrente da ação monitória detém duplo efeito, suspensivo e devolutivo, eis que os embargos à monitória não se encontram no elenco restrito do artigo 520, V, do Código de Processo Civil; instaurada a execução, nos próprios autos onde prolatada a sentença monitória, os embargos opostos à execução, indeferidos que sejam liminarmente, ou rejeitados ao final, propiciam, sim, apelação com efeito meramente devolutivo.

III – AÇÃO MONITÓRIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

          Delineados os aspectos fundamentais da ação monitória, cabe examinarmos a pertinência de tal rito procedimental especial na Justiça do Trabalho, como de regra tem, ao longo dos tempos, sido admitido, ante o disposto no artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, que enuncia o caráter subsidiário do Processo Civil em relação ao Processo do Trabalho, nas omissões que se verificarem.

          Ao contrário do que inicialmente parece, a ação monitória instaura rito especial de processo cognitivo e não de processo executório, ainda que se adotem termos como o do mandado monitório para lembrar, advertir, exortar (monere) o pretenso devedor a cumprir a obrigação baseada em prova escrita que por si não constitua título executivo.

          Neste sentido, toda a confrontação da ação monitória com o Processo do Trabalho deve situar-se no campo das ações de competência das Juntas, eis que não há que se falar em execução ou ação incidental à execução, cuja competência se desloca, segundo a CLT, para a seara singular do Juiz Presidente ou Substituto.

          Não exsurgem dúvidas de que a ação trabalhista ordinária (denominada por reclamação trabalhista) contém como objeto, em regra, a cobrança pelo trabalhador de crédito supostamente havido em decorrência de prestação de serviços para determinado patrão, ocasionando, por vezes, instrução plena no sentido de consubstanciar a veracidade das alegações fáticas deduzidas por reclamante e reclamado quanto ao modo com que transcorrida a relação laboral, para justificar ou não o crédito pretendido ou a resistência a tal pagamento ou dação.

          Como a ação ordinária de cobrança do cível, a reclamação trabalhista detém a característica básica de falta de título executivo, embora fundado seu objeto no reconhecimento de obrigação em favor do autor pelo réu.

          Como a ação ordinária de cobrança do cível, igualmente pode haver casos em que a pretensão do reclamante para o pagamento de soma em dinheiro ou entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel baseie-se em prova escrita destituída da eficácia de título executivo.

          No Processo Civil, a busca da instrumentalidade acarretou a instituição da ação monitória como via especial capaz de permitir pronta satisfação à pretensão baseada em prova escrita consistente de dívida do réu, sem impedir, como antes dito, a eleição da via comum pelo autor.

          No Processo do Trabalho, à falta de vias especiais para tais casos, e tanto mais pelo caráter alimentício dos créditos em regra perseguidos na Justiça do Trabalho, ainda mais deve prevalecer o princípio da instrumentalidade processual, permitindo que vias especiais do Processo Civil sejam colacionadas ao Processo do Trabalho, pela regra de subsidiariedade ante omissão (CLT, artigo 769), como a ação monitória, tanto mais porque, dado o princípio da disponibilidade do rito, não há prejuízo algum a que o autor prefira a via ordinária da reclamação trabalhista.

          Se é certo que a doutrina e a jurisprudência trabalhista têm ainda resistido à possibilidade de execução de título extrajudicial perante a Justiça do Trabalho, mais por restrita indicação da execução meramente de sentença trabalhista do que por omissão do elenco dos títulos executivos extrajudiciais (pois doutro modo seria então o caso de invocar-se a regra do artigo 769 consolidado), mais certo ainda que tal restrição não pode de modo algum ser colacionada para repelir a ação monitória perante a Justiça do Trabalho decorre de ser a mesma via do processo cognitivo, que pretende a constituição de título executivo judicial a partir de prova escrita idônea e consistente da obrigação do réu, e não propriamente a execução direta da obrigação supostamente inserida em tal documento.

          Igualmente não se há como repelir a ação monitória no Processo do Trabalho pelo argumento de incompatibilidade de ritos, eis que outras ações não previstas na CLT têm encontrado guarida perante a Justiça do Trabalho, que nas Juntas, sobretudo, em regra adapta o procedimento cível às peculiaridades decorrentes da oralidade ocasionada pelas audiências de conciliação, instrução e julgamento. Por isto, há certo consenso em aplicar-se, nos processos de competência das Juntas, o rito próprio previsto na CLT para as reclamações trabalhistas, desviando-se para as peculiaridades dos ritos especiais trazidos do cível, sempre que necessário, de modo que a regra do Processo Civil como subsidiário do Processo do Trabalho permaneça, ao menos em tese, como válida (embora, atualmente, o Processo do Trabalho, de inspirador, passou a ter, cada vez mais, que invocar preceitos modernos transcritos para o Processo Civil).

          Menos justo que procurar tecnicalidades para afastar a possibilidade da ação monitória como via especial alternativa de perseguição de crédito pelo trabalhador (em regra), ainda quando detentor este de prova escrita do reconhecimento da obrigação pelo patrão havido por devedor, seria exigir instrução plena e demasiada, ainda quando ocorrente revelia e/ou confissão, para ao final prolatar-se sentença minuciosa, numa perda de tempo, ainda que curto, preciosa para quem busca crédito de natureza alimentar (em regra), tudo isto quando a ação monitória, se eleita como via própria pelo autor, perante a Justiça do Trabalho, poderia desde logo acarretar a expedição de mandado monitório pelo Juiz, se admitida a petição inicial (eis que tal decisão possui apenas caráter interlocutório), que tanto poderia ensejar o pagamento ou entrega da coisa pelo réu devedor, ante reconhecimento, com a Junta então extinguindo o processo com julgamento de mérito nos termos do artigo 269, II, do CPC, sem necessidade de instrução, quanto sentença da Junta, ante revelia e confissão, por não oposição de embargos à monitória, de procedência com declaração de conversão do mandado inicial expedido em mandado executivo, igualmente restando dispensada instrução plena, quanto ainda, por fim, havendo embargos à monitória, e então deflagrada instrução própria das reclamações, sentença de improcedência ou procedência, esta para constituir o título executivo perseguido pelo autor, como de regra ocorre nas reclamações trabalhistas.

          Constituído o título executivo judicial, seja com a conversão do mandado monitório inicial, seja com a expedição de mandado executivo próprio, tanto mais porque pressuposta a liqüidez da obrigação reconhecida, aplicar-se-á o Capítulo V do Título X da CLT, concernente às execuções trabalhistas.

          Quanto aos recursos, igualmente não decorrem maiores dúvidas, havendo impossibilidade de qualquer recurso contra as decisões interlocutórias do Juiz Presidente ou Substituto, ainda que referentes à expedição do mandado monitório (CLT, artigo 893, § 1º, e Enunciado 214/TST), sendo interponível apenas o recurso ordinário, de caráter meramente devolutivo, como em regra são os recursos trabalhistas, contra a sentença da Junta que extinguir o processo sem julgamento de mérito (no caso de indeferimento da petição inicial ou por outra das hipóteses elencadas no artigo 267 do CPC); que extinguir o processo com julgamento do mérito (no caso de pagamento ou entrega da coisa pelo réu no prazo assinalado no mandado monitório, ou ainda na audiência inaugural que se designar, por reconhecimento da pretensão deduzida, nos termos do artigo 269, II, do CPC, ou ainda por conciliação, conforme artigo 269, III, do CPC, c/c artigo 764, § 1º, da CLT, ou outro dos modos de extinção do processo com exame de mérito, com fulcro no artigo 269, IV e V, do CPC), ou que julgar procedente, ainda que em parte, ou improcedente a demanda, constituindo ou não o título executivo judicial perseguido pelo autor, eis que o agravo de petição apenas será cabível quando deflagrada propriamente a execução da eventual sentença constitutiva (seja a que haja determinado a conversão do mandado inicial em mandado executivo, seja a que haja determinado a intimação da parte e expedição de mandado executivo próprio), contra eventual sentença proferida pelo Juiz da Execução ante embargos opostos à execução. Os recursos de natureza extraordinária (recurso de revista, recurso de embargos e recurso extraordinário), assim como o recurso de destrancamento (agravo, de instrumento ou regimental) não permitem maiores dúvidas, eis que aplicados sem distinção da via eleita.

          Plenamente possível, pois, a via especial da ação monitória perante a Justiça do Trabalho, como procedimento próprio do processo cognitivo de competência originária das Juntas de Conciliação e Julgamento, permitindo a devida instrumentalidade do Processo do Trabalho, cujo objeto primordial circunscreve-se na perseguição de créditos de natureza alimentar, face a regra da subsidiariedade do artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, dada a omissão verificada e a compatibilidade, pela possibilidade de eleição do procedimento ante o princípio da disponibilidade do rito, com a reclamação trabalhista e o procedimento ordinário trabalhista que dela decorre.

          Inadmissível, havemos de crer nisso, é permitir que provas escritas de pleno e inequívoco reconhecimento de obrigação de dar ou fazer por parte de patrões, consistentes per si, não sejam aceitas, sequer, como meios aptos a advertências judiciais quanto a possível execução da obrigação supostamente nelas descritas, à falta de embargos. A suplantação da necessidade de pautas, seja por ter o devedor reconhecido o crédito descrito no mandado monitório, seja por incidente a revelia e confissão decorrente da não oposição de embargos à monitória, que permitem a imediata inclusão do feito em audiência de julgamento da Junta para extinguir-se o processo com exame de mérito por ocorrência da hipótese do artigo 269, II, do CPC, ou para declaração de procedência do pedido e conversão do mandado monitório inicial em mandado executivo, com todo o implemento do princípio da celeridade tão invocado na Justiça do Trabalho, justificam, à falta de qualquer incompatibilidade, a adoção da via especial da ação monitória perante a Justiça Especializada; doutro lado, a oposição de embargos à monitória, que enseja a deflagração da instrução plena, similar em tudo à decorrente da reclamação trabalhista, demonstra não haver qualquer cerceamento de defesa às partes, embora apenas eventual procedência, ainda que parcial, em regra deva ensejar sentença líquida, que permitiria a imediata execução (transcorrido logicamente o prazo pertinente ao trânsito em julgado da sentença proferida) por desnecessária deflagração de procedimento liqüidatório, também cá prestigiando os princípios basilares do Processo do Trabalho

 


Referência Biográfica

Alexandre Nery de Oliveira:   Juiz do Trabalho na 1ª Vara do Trabalho de Brasília (DF), professor de Direito do Trabalho, pós-graduado em Teoria da Constituição
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Cooperativas de Trabalho

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* Alexandre Nery de Oliveira

             As Cooperativas de Trabalho detém, como associados-cooperativados, trabalhadores que, dispensando a intervenção de terceiros qualificados como patrões, dispõem-se a contratar determinados serviços relacionados a suas profissões ou ofícios, em razão do conjunto, seja por trabalho de todos, seja por trabalho de grupos, em prol do bem comum geral.

            Neste sentido, seria efetivamente ilógico imaginarmos a caracterização dos associados-cooperativados como empregados da Cooperativa, eis que, numa caracterização social de empresa, é exatamente aquela em que os patrões são os próprios trabalhadores, em repartição dos benefícios e prejuízos da associação, em modo similar às sociedades comerciais, mas, em distinção a estas, baseando-se o produto aferido no próprio trabalho e não no trabalho de outros (empregados).

            O próprio Aurélio, limitando-se ao enfoque do verbete, salienta ser cooperativa a "sociedade ou empresa constituída por membros de determinado grupo econômico ou social, e que objetiva desempenhar, em benefício comum, determinada atividade econômica".

            No entanto, no âmbito do Direito do Trabalho, há que se estar atento à possível deformação da Cooperativa em Sociedade Comercial, quando os trabalhadores, por simulação da condição de cooperativados, em verdade mascaram a condição de empregados, dos quais subtraídos, então, direitos básicos previstos na legislação laboral, que, por descaracterização do vínculo empregatício decorrente da associação, não podem ser-lhes deferidos.

            A Cooperativa de Trabalho, em si, detém importante caráter social na permissão legal de participação direta dos trabalhadores no resultado do produto que detém — a força de trabalho — sem necessidade da intervenção de terceiros para alocar capital necessário à movimentação da empresa, enquanto, sob tal enfoque, justificam para si a obtenção de lucro pelo trabalho alheio, na caracterizada mais-valia, entendida na concepção econômica de Karl Marx como o suplemento do trabalho não remunerado, e que é, a tal modo, a fonte do lucro no sistema capitalista.

            Com a Cooperativa de Trabalho, sem adentrar-se em regimes comunistas ou socialistas, amaina-se o capitalismo, permitindo-lhe novos enfoques sociais, em que o trabalhador apropria-se do capital mais nobre existente, a própria força de trabalho, de modo a concorrer com ela na prestação de serviços, em conjunto e esforços comuns de outros trabalhadores, no diminuir a mais-valia capitalista e ensejar, com tal percepção, o próprio ganho de renda, dado nada haver que repartir do seu trabalho com o detentor do capital, no caso efetivamente inexistente.

            As Cooperativas de Trabalho englobam em seus quadros, como associados-cooperativados, trabalhadores que, dispensando a intervenção de terceiros qualificados como patrões, dispõem-se a contratar determinados serviços relacionados a suas profissões ou ofícios, em razão do conjunto, seja por trabalho de todos, seja por trabalho de grupos, em prol do bem comum geral.

            Na Cooperativa de Trabalho, o capital existente, em verdade, é a força de trabalho dos associados, sob pena de mascarar empresa comercial em que em verdade sejam sócios ou empregados e não cooperativados.

            Logicamente, no desenvolver atividades cooperativadas, pode a Cooperativa deter empregados relacionados a atividades-meio da produção de trabalho desenvolvida, tanto mais quanto maior for o número de trabalhadores agregados por identidade de ofício, necessitando, assim, em regra, empregados para atividades burocráticas relacionadas à administração e finanças de tais entidades associativas, e mesmo atividades-meio diversas, não relacionadas à atividade-fim de que decorrente a união de trabalhadores ocorrida.

            Portanto, à primeira vista não é aceitável a associação de trabalhadores não envolvidos com a atividade-fim produtiva da Cooperativa, eis que a união empreendida decorre da similitude de categoria ou ofícios empreendidos em prol comum, com repartição dos frutos obtidos a partir do similar trabalho por todos desenvolvidos.

            Tema que permeia o das Cooperativas de Trabalho é, também, a questão da inexistência de autonomia da entidade em frente a determinados tomadores de serviços.

            Não há como se admitir que a Cooperativa possa perder autonomia frente a determinados tomadores de serviço, notadamente porque tais contratam os serviços impessoalmente estabelecidos por conta do grupo envolvido, sob pena de tal permitir a descaracterização da associação para verdadeiramente mascarar contratações que, doutro modo, far-se-íam diretamente sob vínculo empregatício.

            As Cooperativas de Trabalho, no enfoque devido como meio de socialização do capital, ou de capitalização do trabalho em prol dos diretos detentores da força humana geradora de determinada atividade física ou intelectual, não podem ser admitidas como meras intermediadoras de mão-de-obra em favor de terceiros detentores de capital, tanto mais porque, em regra, as Cooperativas decorrem da união produtiva dos cooperados em prol da própria associação, e, assim, qualquer admissão de terceiros tomadores dos serviços junto a cooperativados, através da entidade associativa, deve exigir como premissa básica a inexistência de vínculo entre a atividade-fim do tomador de serviço e a da Cooperativa de Trabalho, senão quando esta se estabeleça em decorrência de excepcionalidades temporais.

            Há que se ter atenta a regra contida no artigo 9º da CLT, quando assevera que "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação".

            Com efeito, se a adesão de trabalhadores a certas Cooperativas apenas mascara vínculos de emprego, eis que sem qualquer evidência de repartição e ajustes comuns quanto aos benefícios do trabalho comum desenvolvido, ou se apenas mascara vínculos de emprego pela prestação direta a terceiros, com atividade-fim congênere à atividade-fim da Cooperativa, sem qualquer excepcionalidade justificadora, há que se considerar, então, como nulas tais simuladas adesões a entidades cooperativas sem tal evidente norte cooperante (de cooperar: [Do lat. cooperare, por cooperari]: operar ou obrar simultaneamente; trabalhar em comum; colaborar: cooperar para o bem público; cooperar em trabalhos de equipe; ajudar, auxiliar; colaborar). A tal modo, a conseqüência lógica é configurar então tais simuladas Cooperativas de Trabalho como verdadeiros empregadores, ante a caracterização plena dos requisitos do artigo 2º da CLT, quando não caracterizados os trabalhadores associados como empregados, em verdade, dos próprios tomadores de serviços que hajam deliberadamente permitido ou incentivado a instituição fraudulenta da Cooperativa contratada, ante a regra do artigo 3º consolidado, ou seja, em casos de desqualificação da Cooperativa de Trabalho como tal, afastada a exceção prevista no parágrafo único do artigo 442 da CLT, passa o exame a envolver a análise da relação empregatícia entre o trabalhador e a simulada Cooperativa, por em verdade empresa comercial mascarada por adesões fraudulentas de empregados como cooperativados, ou entre o trabalhador e o Tomador de Serviço, por ter a simulada Cooperativa apenas agido em conluio direto ou indireto com este para mascarar a verdadeira relação empregatícia ocorrida. Caso contrário, reconhecendo a Justiça do Trabalho a regular união de trabalhadores em Cooperativa, limita-se o decreto judicial à declaração de inexistência de vínculo empregatício ante a regra do parágrafo único do artigo 442 consolidado

 


Referência Biográfica

Alexandre Nery de Oliveira  –  Juiz do Trabalho na 1ª Vara do Trabalho de Brasília (DF), professor de Direito do Trabalho, pós-graduado em Teoria da Constituição

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Direito a indenização por Danos Morais

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza –

                    Trata-se de fato notório, o crescimento da conscientização da sociedade acerca de seus direitos. Neste processo, os meios de comunicação desempenharam papel fundamental. Freqüentemente, aborda-se na imprensa temas relacionados às garantias legais dos indivíduos e de toda a coletividade. Através da mídia, o cidadão adquire noção dos seus direitos e, com isso, passa a exigi-los. Não se pode cessar tal atividade, a qual se revela indispensável para a viabilização dos meios judiciais para toda a comunidade, a fim de que o direito não fique adstrito a alguns poucos detentores de privilégios financeiros ou intelectuais.

                    Diante do exposto, faz-se necessária a vinculação, na mídia, de uma garantia constitucional, que talvez, ainda, seja desconhecida da maioria da população: o ressarcimento por danos morais. Há de se louvar esta previsão do legislador constituinte; na medida que, faz necessária a repreensão dos atos que ferem à integridade moral do indivíduo.

                    Para a compreensão da matéria, deve-se, a princípio, traçar uma noção de dano moral, a qual será obtida em duas etapas. Primeiro, definir-se-á o termo dano, e, em seguida, a incidência do mesmo na esfera moral.

                    Entende-se por dano a lesão de direito legítimo, provocada de forma injusta por ato intencional, negligência, imprudência ou imperícia. Assim, o responsável por quaisquer destes atos fica obrigado a indenizar o titular do direito violado, na forma da lei. Existem no ordenamento jurídico duas modalidades de dano: material e moral.

                    A conceituação de dano moral continua sendo objeto de discussões doutrinárias, mas a definição mais aceita é a obtida a partir da noção de dano material. Refere-se ao conceito negativo do dano moral, que o considera com sendo toda violação de direito da qual não provocar reflexos no patrimônio da vítima. Ou seja, todo dano não-material, que, dessa forma, não produz seqüelas patrimoniais, caracteriza-se como dano moral.

                    Forçoso faz-se reconhecer que a noção acima aludida concede margem a dúvidas, que podem ser reduzidas se forem indicados alguns casos que ensejam a indenização, ora aludida.

                   Os órgãos judiciais têm acolhido os pedidos de ressarcimento por danos morais nos seguintes casos: "a) injúria, difamação, usurpação do nome, firma ou marca; b) os que produzem privação do amparo econômico e moral de que a vítima gozava; c) os que representam possível privação do incremento duma eventual sucessão; d) os que determinam grande choque moral, eqüivalendo ou excedendo a graves ofensas corporais, por serem feridas incuráveis; e) os que debilitam a resistência física ou a capacidade de trabalho, podendo acarretar abreviação da existência de quem sofreu o dano" (RT 693/188).

                    Em todas as hipóteses acima, existe a presença da dor íntima do ofendido, o desrespeito aos direitos da personalidade, como os referentes à vida, à saúde, à liberdade, à honra.

                    Protege-se, portanto, mediante a punição dos danos à esfera moral, direitos essenciais para a condução harmoniosa da existência humana. Não há como se contestar os abalos psicológicos decorrentes de uma ofensa à moral de outrem. O respeito à integridade moral deve ser assegurado a todos, sem exceção. Destarte, os indivíduos que sofreram lesão em sua esfera moral devem procurar um advogado de confiança, para que este promova a defesa, em juízo, dos seus direitos lesionados.

                    Ao autor da ação da indenização por danos morais, atribui-se a prerrogativa de exigir uma reparação condizente com a lesão suportada. Assim, com a finalidade de colocar à disposição das vítimas os meios a possibilitar uma correta apreciação do valor da reparação pecuniária; elucida-se a seguir as regras a serem obedecidas pelo juiz de direito.

                    O valor da indenização deve ser fixado de forma a coibir a prática reiterada do dano moral. Revela-se inadmissível, portanto, a estipulação de quantia inócua frente ao poder financeiro do agente da lesão. Diante disso, a reparação pecuniária deve guardar relação diretamente proporcional com a capacidade econômica do agressor. Com isso, quanto maior o patrimônio deste, maior a indenização a que se tem direito. Uma vez inobservada a função inibitória da punição, concede-se ao ofendido a possibilidade de recurso à instância superior.

                    Em contrapartida, também, deve-se vislumbrar a hipótese em que, através da decisão, onera-se abusivamente o ofensor. Não se pode conceder ressarcimento de vulto a implicar no enriquecimento ilícito do ofendido. Caso se observe tal vício, ao vencido no caso concreto, também, é facultado a interposição do recuso adequado.

                    Dessa maneira, o juiz, ao proferir a sentença nos casos de indenização por dano moral, deve nortear-se no equilíbrio entre os aspectos acima mencionados: a prevenção de novas práticas lesivas à moral e as condições econômicas dos envolvidos.

                    Ressalta-se, por fim, a relevância da matéria, ora em análise, pois através de sua moral o ser humano projeta sua imagem na sociedade. Por esta razão, demonstra-se a indeclinável necessidade da apreciação cautelosa, por parte do judiciário, de qualquer mácula em sua honra e tranqüilidade íntima, provocada de forma injusta

 


Referência Biográfica:

Marcos Antonio Cardoso de Souza  –  Bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife
 
E-mail: souzamac@uol.com.br

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Código de Defesa do Consumidor

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* Maria Berenice Dias

     Despiciendo, para o enfrentamento do tema, é desenvolver uma ampla explanação a respeito das formas intervencionais, por institutos já de todo conhecidos. Porém, mister se faz uma rápida visualização de ao menos duas das hipóteses de intervenção de terceiros – no plano do direito material – para melhor se detectar as alterações que foram introduzidas pelo CDC, dilatando a esfera da responsabilidade civil, principalmente com referência às sociedades seguradoras. 

    Como em todas as possibilidades de ampliação da demanda, pela via intervencional, o fenômeno se detecta no âmbito do direito material, onde se flagram os pressupostos de legitimação para sua ocorrência.

    1. Da denunciação da lide

    Em face de relações jurídicas entretidas por duas pessoas produzirem reflexos em distintas relações mantidas por uma delas com terceiros, pela existência de um nexo de causalidade e dependência, flagra-se o interesse jurídico de quem, mesmo alheio à relação originária, reste por ter direito próprio atingido.

    O típico exemplo que permite a visualização de tal fato é o contrato de seguro, que se torna exigível quando ocorre o sinistro. Em um acidente de trânsito entre dois veículos, encontrando-se um deles coberto por seguro, ao se estabelecer uma relação obrigacional entre os envolvidos (art. 159 do CC), neste momento nasce a obrigação da seguradora, perante seu segurado.

    Desencadeada uma ação entre os envolvidos no acidente, a decisão reconhecendo a possibilidade do segurado faz exsurgir a obrigação da seguradora de proceder ao pagamento da indenização ao seu cliente. Vê-se, pois, que, no suporte fático – na linguagem de Pontes de Miranda, que já se tornou usual – da obrigação secundária, se encontra outra relação jurídica, desencadeante de sua exigibilidade, de forma imediata e automática.

    Induvidável que a seguradora, por não integrar a relação obrigacional decorrente do evento danoso, não dispõe de legitimação para participar da demanda na qualidade de parte. Porém, seu interesse jurídico com relação à mesma decorre da possibilidade de emergir, do deslinde da controvérsia, uma obrigação para com uma das partes. Dito interesse, revestido de juridicidade, qualifica a seguradora, tanto para, de forma espontânea, participar da demanda como assistente simples – nos precisos termos do art. 50 do estatuto processual – como autoriza a parte, que entretém o contrato de seguro, a proceder à denunciação da lide, para, no mesmo processo, estabelecendo nova ação com a seguradora, obter pelo mandado sentencial o reconhecimento do direito ao recebimento da indenização. Como não há qualquer relação jurídica entre o autor e a seguradora denunciada, não pode ser imposta a esta diretamente a condenação ao pagamento ao autor.

    Tal explanação, por meio do referido exemplo, serve para evidenciar que a existência de relação jurídica conexa e dependente entretida por uma das partes com terceiro não integra este na relação condicionante e, por conseqüência, não lhe outorga a qualidade de parte. Para participar da demanda principal.

    Quanto a esta, detém a seguradora posição de mero assistente, sendo ré somente da lide incidental, que dispõe de distinto objeto, pedido e causa, qual seja o contrato de seguro.

    É a denunciação da lide uma ação incidental de garantia, ensejadora de ação de regresso, que passa a integrar o processo de conhecimento. Instituto que, ao permitir a introdução dos garantes na causa, atende ao princípio da economia processual, para evitar que nova ação se estabeleça, em momento posterior, para a perseguição do direito regressivo.

    Segundo Ovídio Baptista da Silva, “sempre que uma das partes possa agir, em demanda regressiva”, contra seu garante, para reaver os prejuízos decorrentes da eventual sucumbência na causa, estará autorizada a chamar para a ação esse terceiro a que a mesma se liga” (grifo do autor, Curso de Processo Civil, I/237, 1987).

    2. Do chamamento ao processo

    Esta diversa forma intervencional dispõe de distinto conteúdo legitimante.

    A introdução do chamamento ao processo, como lembra Pedro Soares Muñoz, ocasionou sensível alteração na doutrina da solidariedade passiva, que não admitia, na conformidade de nosso Direito Civil, que o devedor solidário, quando citado individualmente para a causa, pudesse exigir a presença dos demais co-obrigados no processo (Intervenção de Terceiros, In Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, 1974, p. 29).

    A faculdade de o credor buscar o adimplemento da obrigação de um só dos devedores solidários (art. 904 do CC), bem como somente do fiador (art. 1.491 do CC), não multiplica o único direito – o direito de crédito. Ao credor é facultado exercitá-lo contra cada um dos obrigados, ou seja, dispõe o autor de uma ação autônoma com relação a cada um dos devedores.

    Ao permitir o CPC a possibilidade de o devedor chamar ao processo os demais co-obrigados, e ao fiador de fazer integrar a ação os outros fiadores, bem como o devedor principal, praticamente subtraiu o direito de escolha do credor.

    Ocorrendo o chamamento, acaba o autor por dirigir a ação também contra os outros obrigados, que passam a integrar o pólo passivo, na qualidade de réus, formando-se um cúmulo de ações materiais dentro do processo, a configurar um litisconsórsio passivo, nominado como unitário.

    Cabe referir que tal classificação do litisconsórsio, segundo os efeitos sentenciais, resta por mascarar uma realidade: o indispensável é que sempre venha para o âmbito da demanda a relação jurídica em sua integralidade. Quando a lei outorga a mais de um a possibilidade de a processualizar, como no caso de co-legitimação – da qual a solidariedade é um típico exemplo – vem a mesma por inteiro a juízo, merecendo uma única solução. Dita unitariedade decisional não decorre, como diz o art. 47 do CPC, da natureza da relação jurídica a merecer decisão uniforme.

    Explicitados os fenômenos ocorrentes no campo do direito material, nas duas formas de intervenção, conclui-se que, na denunciação, inexistindo vínculo jurídico entre o autor e o denunciado, estabelecem-se duas lides dentro do processo, com vínculo de prejudicialidade. No caso de procedência da demanda principal, por refletir-se seu resultado na ralação incidente, é que esta será apreciada, mas somente entre denunciante e denunciado. Já no chamamento ao processo, vê-se um alargamento do pólo passivo da demanda, figurando os chamados como réus, por entreterem vínculo jurídico com o autor, estabelecendo a sentença a obrigação de todos, nos termos do art. 80 do CPC.

    Como assevera Sydney Sanches, o chamamento ao processo envolve também exercício de ação de conhecimento, de caráter incidental, com pretensão regressiva, sendo chamante e chamado co-réus; já entre denunciante e denunciado não pode haver vínculo de solidariedade (Denunciação da Lide, RT, 1984, p. 32).

    3. A posição do Instituto de Resseguros do Brasil

    Ainda antes de compulsar o estatuto objeto do tema, necessário lembrar que o art. 68 do Dec.-Lei 73/66, nas ações movidas contra sociedade seguradora, em havendo resseguro, criou a obrigatoriedade da citação do IRB, gerando um litisconsórcio necessário, por força de lei. Tal intervenção coacta, no entanto, não cria qualquer solidariedade ou obrigação deste perante o segurado.

    O decreto regulamentador, de nº 60.460/67, no § 3º do art. 71, explicita que “o IRB não responde diretamente perante os segurados pelas responsabilidades assumidas em resseguro”, a evidenciar que o contrato de seguro é, com relação ao mesmo, res inter alios acta.

    Nestes termos, cabe a conclusão de que, apesar de tratar-se de um litisconsórsio necessário, por imposição legal, nos termos da parte inicial do art. 47 do CPC, não participa o ressegurador da relação jurídica material, dispondo da possibilidade para atuar no processo na qualidade de mero assistente, por entreter com a seguradora vínculo jurídico condicionado.

    Em face dessa obrigação do IRB, possível é sua denunciação pela seguradora, para reaver dele o valor do contrato de resseguro, em caso de sucumbência na demanda.

    4. O Código de Defesa do Consumidor

    Avivados esses conceitos, possível agora passar-se ao exame do Código de Defesa do Consumidor, que, além de estabelecer a responsabilidade objetiva do fabricante, produtor, construtor e importador pelos defeitos dos produtos (art. 12), restou por gerar uma responsabilidade solidária, de caráter subsidiário, do comerciante, nas hipóteses elencadas no art. 13. O seu parágrafo único concede ação de regresso, ao que efetivar o pagamento, contra os demais, inclusive nos mesmos autos, mas vedando a denunciação da lide, pelo seu art. 88.

    Se hígido permaneceu o instituto da solidariedade plasmada no estatuto civil, na hipótese prevista, no entanto, acabou por subtrair a faculdade outorgada pela lei processual, de ocorrer o chamamento ao processo, assim como, de modo expresso, a denunciação da lide.

    Já a ação de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, prevista no art. 101 do novo estatuto, introduz alterações mais profundas.

    Ao deferir ao fornecedor, que dispõe de contrato de seguro, a possibilidade de proceder ao chamamento ao processo do segurador, fez surgir uma obrigação direta deste, perante o consumidor, mesmo não tendo com ele qualquer relação jurídica contratual. Acabou por gerar a lei uma solidariedade entre o fornecedor e o segurador, perante o consumidor. Expressa a remissão ao art. 80 do estatuto processual, a evidenciar a condição de réu do chamado, sendo-lhe somente deferido, se satisfizer a dívida, um título executivo contra o fornecedor.

    Facultou o mesmo dispositivo legal, o ajuizamento da demanda, diretamente contra o segurador, em caso de ter sido declarado falido o fornecedor. Apesar de o dispositivo, nesta passagem, utilizar a expressão réu, postura que se adquire somente na relação processual em provada a qualidade do falido, antes do ajuizamento da demanda, caberá a ação, já diretamente contra o segurador. De outro lado, se comprovada a quebra, no decorrer no processo, possível é a substituição da parte, pelo segurador, sem a necessidade de ingresso de nova demanda. Essa alteração subjetiva atende ao objetivo do legislador de definir instrumento ágil para defesa do direito tutelado.

    Finalmente, vê-se que restou dispensado o litisconsórsio obrigatório com o IRB e proibida a denunciação da lide do mesmo pelo segurador, de modo expresso. Como também o dispositivo, após tais limitações, explicitamente afirma estar vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil, acabou por impedir sua integração para atuar como assistente simples.

    5. Conclusões

    Dessas breves observações, possível é concluir-se que:

    – gerada a responsabilidade solidária, em caráter subsidiário, do comerciante, pode ser o mesmo acionado diretamente pelo consumidor, descabendo a denunciação do fabricante, produtor, construtor ou importador, para exercício do direito de regresso, bem como o chamamento ao processo;

    – ao facultar a lei o chamamento ao processo do segurador do fornecedor de produtos e serviços, restou por criar um vínculo obrigacional daquele com o consumidor;

    – possível é a ação direta contra a sociedade seguradora no caso de falência do fornecedor segurado;

    – dispensado o litisconsórcio obrigatório do IRB, vedada a denunciação da lide, assim também sua intervenção, mesmo na qualidade de mero assistente do segurador.


Referência Biográfica

MARIA BERENICE DIAS  –   Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, sendo Presidente da 7ª Câm. Cível; Membro efetivo do órgão especial do TJ, Professora da Escola Superior da Magistratura, Vice-Presidente Nacional do IBDFam.

www.mariaberenice.com.br