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O duplo processo de vitimização da criança abusada sexualmente: pelo abusador e pelo agente estatal, na apuração do evento delituoso

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* Maria Rosi De Meira Borba

"No presente, os meio cegos estão falando aos cegos. Uma das maiores causas de dano secundário nas crianças que sofrem abuso sexual e de fracasso profissional é a imensa pressão sobre os profissionais e o sentimento de que temos que fingir que conseguimos enxergar perfeitamente e que sabemos como agir. Mas nenhum de nós sabe ainda",  –   (Tilmam Furniss).

1. Introdução

            De todas as mazelas sociais que o ser humano enfrenta no dia a dia, por certo, a violência sexual infantil ocupa uma posição absolutamente relevante e incomodativa.

            Quando, no polo passivo do abuso sexual, se depara com uma criança de 03, 06, 07, 12 anos e as seqüelas físicas e psicológicas advindas da violência sofrida, é natural que um sentimento de impotência e despreparo transpasse a alma de cada um que necessita lidar diretamente com as conseqüências do abuso sexual.

            A reação primeira de todos, diante do tema-tabu do abuso sexual infantil é evitar o enfrentamento da questão, afinal, é por demais doloroso entender e aceitar que o abuso sexual infantil existe, que ele perpassa todas as classes sociais e tem como vitimizador, em mais da metade dos casos, alguém ligado à criança por laços afetivos muito fortes, como o pai, padastro ou responsável pela sua educação.

            A tomada de consciência da problemática e o meio de lidar com a questão posta é essencial para toda sociedade, na busca de meios e propostas que coíbam essa hedionda conduta.

            Aos operadores do direito, porém, cabe uma tarefa ainda mais árdua, a de lidar com a criança vitimizada, de forma profissional e consciente, onde se busque evitar a ocorrência do segundo processo de vitimização, que se dá nas delegacias, conselhos tutelares e na presença do juiz, quando da apuração do evento delituoso, causando na vítima os chamados danos secundários advindos de uma equivocada abordagem realizada quando da comprovação do fato criminoso e que, segundo a melhor psicologia, poderiam ser tão ou mais graves que o próprio abuso sexual sofrido.

            Este trabalho objetiva, portanto, além de, resumidamente, buscar compreender a dinâmica do abuso sexual infantil, entendendo-o sob o enfoque multidisciplinar, pretende ofertar algumas soluções para a comprovação do fato ocorrido, sem que se constranja a vítima ao ponto de impor-lhe, através do jus puniendi do Estado, um novo processo de vitimização.

            Todos sabem que o abuso sexual é tido como uma das mais graves formas de maltrato infantil e consiste na utilização de um menor para a satisfação dos desejos sexuais de um adulto. As formas mais comuns de abuso sexual são: as "carícias", o contato com a genitália, a masturbação e a relação vaginal, anal e oral.

            Nunca é demais relembrar que o abuso sexual é um fenômeno transgeracional, que perpassa todas as classes sociais, sem distinção de raça, cor, etnia ou condição social, e cuja incidência não se revela no seu inteiro teor, já que, na grande maioria dos casos, não se leva a notícia do abuso às Autoridades Competentes.

            Apesar disso, os números são escandalizadores. Estima-se que ocorram 12 milhões de abuso sexual, por ano, no mundo.

            Os americanos acreditam que, em seu País, aconteça uma agressão sexual a cada 6,4 minutos e que 25% das mulheres tenham sofrido algum tipo do contato sexual não consentido, na infância ou adolescência.

            Inúmeras pesquisas realizadas pelo mundo comprovam de que no abuso sexual infantil o pai biológico, seguido pelo padrasto, tio, avô, são os responsáveis por mais de 70% dos eventos delituosos ocorridos.

            Os números falam por si e expressam, na medida de sua magnitude, o grave problema social e de saúde pública a ser enfrentado.

            Desta forma, resta claro que aqueles que nunca lidaram com o fenômeno não têm idéia de sua vastidão e de seus devastadores efeitos.

            Gize-se que, segundo dados levantados, de 20 a 30% das crianças maltratadas, convertem-se em adultos violentos, mantendo-se o círculo vicioso de que a vítima de hoje é o carrasco de amanhã, confirmando-se, assim, que o abuso sexual é um fenômeno transgeracional.

2. Da interdisciplinariedade ocorrente no abuso sexual infantil:

            A primeira premissa da qual se deve partir ao estudar o abuso sexual infantil é que o assunto não permite uma abordagem embasada na unilateralidade.

            O enfrentamento do complexo tema do abuso sexual infantil feito de forma unidisciplinar ofertará ao estudioso uma visão mutilada, incapaz de ofertar soluções que levem em consideração não só aspectos legais, mas a recuperação plena da criança vitimada, não se permitindo, por conseqüência, a ocorrência do fenômeno transgeracional.

            Para Tilmam Furnis o abuso sexual da criança é um problema maior do que o esforço, as capacidades e as responsabilidades que uma única profissão consegue abranger. Ele é uma questão verdadeiramente multidisciplinar e metassistêmica. (1)

            Assim, mister se faz que os operadores jurídicos e toda a sua gama de representantes tenham a clareza que, ao tratar do abuso sexual infantil não o podem fazer de maneira isolada, mas devem buscar a imprescindível colaboração dos profissionais que conheçam a dinâmica do abuso sexual, as seqüelas dele advindas e as formas possíveis de combatê-las.

3. Das diferenças entre o abuso sexual ocorrido dentro e fora do ambiente familiar:

            A grande diferença entre o abuso sexual intrafamiliar e o extrafamiliar se dá basicamente pelo que a psicologia convencionou chamar de síndrome do segredo.

            Assim, quando o abuso sexual ocorre fora do lar, ou tem como abusador alguém não próximo à família, a providência imediata, na grande maioria das vezes, é denunciar o agressor, dando crédito à denúncia da vítima.

            Essa conduta, porém, não ocorre, em termos gerais quando o agressor é o pai biológico, padrasto, pai adotivo, tio, avô, irmão, onde, também na grande maioria dos casos, se concentra o esforço familiar na busca de se manter o status quo existente e ameaçado com a revelação.

4. Do abuso sexual intrafamiliar como síndrome de segredo ocorrente com a vitima do abuso sexual:

            A primeira questão que vem a mente, de início, daquele que estuda o abuso sexual infantil, é a motivação que leva a criança vitima do abuso a calar-se ou ocultar a verdade dos fatos.

            Esse fenômeno que os psicólogos chamam de síndrome de segredo e que leva a não revelação, às vezes, por longo período, ocorre por vários motivos que vão desde a culpa que a criança carrega por ter participado da interação abusiva, até ao medo das conseqüências da revelação, como fator desintegrador do núcleo familiar.

            Aspecto por demais esquecido pelos que lidam, de forma empírica, com o abuso sexual infantil é entender que a criança vitimizada, em muitos casos, nutre forte apego pelo abusador, com quem, no mais das vezes, mantém vínculos parentais significativos e únicos.

            Outra premissa que não se embasa em fatos da realidade é a assertiva de que as mães ou cuidadores não abusivos sempre acreditarão na revelação do abuso sofrido por parte da criança.

            A negação psicológica e a incapacidade de acreditar na revelação do abuso sofrido por parte das mães ou cuidadores não abusivos e que ocorre com mais freqüência do que um leigo é capaz de supor, leva a criança vitimizada a crer que a sua história não interessa e que os adultos não se preocupam com ela.

            O fato de participar da interação abusiva leva muitas vitimas a acreditarem que são, de alguma forma, responsáveis pelo abuso.

            Ressalte-se ainda que as ameaças explícitas ou implícitas dirigidas contra a criança reforçam a síndrome de segredo, em relação ao abuso.

            Em muitas vezes o abusador busca transferir para a criança a responsabilidade pelo ocorrido ou pelas conseqüências da revelação, convencendo a vítima de que será sua culpa se o pai for para a cadeia ou se a mãe ficar magoada com ela.

            O sentimento de culpa partilhado pela criança e a responsabilidade que sente pela prática abusiva, segundo Furniss é o principal fator de existência da síndrome do segredo.

            O temor de serem castigadas, não acreditadas e não protegidas, leva muitas crianças a mentirem sobre o abuso sexual, de forma consciente.

            Dessa forma, só com o rompimento da síndrome do segredo se poderá comprovar, de forma satisfatória, a prática sexual ocorrente, retirando-se a vitima do círculo vicioso existente.

5. Do abuso sexual como síndrome de segredo e adição por parte do abusador:

            Para o abusador as síndromes de segredo e de adição encontram-se interlegadas e compõem o processo de interação abusiva.

            Não restam dúvidas que o vitimizador tem consciência de que o abuso sexual é prejudicial à criança e, apesar disso, o abuso acontece.

            Na visão dos terapeutas, o abusador sexual age em relação à criança como os dependentes de entorpecentes agem em relação à droga.

            É factível notar que, ao contrário do processo de drogadição, em que o polo ativo é ocupado pelo dependente e o polo passivo pela substância da qual depende, no abuso sexual o polo passivo é preenchido pela criança, "coisificada" e pronta para ser consumida.

            Assim, se instala uma relação onde o abusador se transforma em um dependente da criança abusada, e dela necessita, inclusive para que guarde o segredo sobe o abuso ocorrente

6. Dos direitos constitucionais do acusado de abuso sexual infantil:

            Aos operadores do direito é essencial a consciência de que o crime é um fato social inerente à própria condição humana e que sempre existirá.

            A diminuição da criminalidade não se realiza através do direito penal e sim pelo exercício de políticas públicas e sociais que visem extirpar a miséria, as diferenças sociais existentes.

            A forma como o Estado exerce seu direito de punir e as limitações a esta tarefa estão garantidas pela Constituição, através do princípio constitucional do devido processo penal e seus consectários previstos na ampla defesa e contraditório, exercidos dentro de um processo penal formal.

            O apego a essas diretrizes é essencial para a garantia e sobrevivência do Estado Democrático de Direito, aspiração maior de toda Sociedade.

            Assim, mister se faz que na apuração do evento delituoso de qualquer matiz, especialmente nos crimes contra a liberdade sexual, o operador do direito deve ter claro o sentido garantista da Carta Magna que não permite o abrandamento ou supressão das garantias constitucionais do Acusado.

            A busca do equilíbrio entre a verdade real e a garantia dos princípios constitucionais do Réu é a tarefa maior a que deve se dedicar o operador do direito incumbido da tarefa de comprovar ou não o crime de abuso sexual, especialmente o infantil.

            É factível notar que o sistema presidencial, onde o Juiz, colocando-se numa posição física superior a da vítima e circundado pelo Representante do Ministério Público e o Defensor do Réu, questionando diretamente a criança sobre o evento delituoso, apesar de validar as garantias constitucionais do Denunciado, traz, na maioria das vezes, danos psicológicos que podem de ser de igual ou maior monta que o próprio abuso sexual sofrido.

            Insta salientar ainda que o Magistrado ao conduzir a oitiva da vítima de abuso sexual infantil da mesma forma que os demais crimes, no mais das vezes, não consegue penetrar no universo da criança vitimada e deixa de recolher dados absolutamente imprescindíveis à comprovação do abuso, que acaba por redundar na absolvição do Denunciado, por falta de provas.

7. Dando licença explícita para a criança relatar o abuso sexual ocorrido:

            A primeira premissa que ocorre aos operadores do direito, especialmente aos magistrados é que a tarefa de romper a síndrome de segredo que atinge a criança vitimizada pelo abuso sexual, não pertence a sua seara de conhecimentos e isso deveria ser realizado por profissionais de outras áreas, mais preparados para a tarefa.

            Há entretanto, pontos relevantes que devem ser distinguidos: o primeiro é a garantia do contraditório, ocorrente na audiência de instrução probatória, o segundo é a certeza que se espraia sobre a consciência do julgador, ao ouvir, da própria vítima, o relato do abuso sexual sofrido, certeza esta que não se conseguiria extrair de milhões de relatórios e entrevistas.

            É conhecido por todos que militam na área jurídica a enormidade de absolvições, por falta de provas, ocorridas nas acusações de abuso sexual, especialmente infantil. Isso ocorre, no mais das vezes, pela total incapacidade do Operador do Direito, especialmente o Magistrado, de entender que a criança vitimada necessita de licença explicita para contar o que lhe ocorreu, usando para tanto o que os psicólogos chamam de Linguagem Sexual.

            Nos casos de abuso sexual intrafamiliar é imprescindível relembrar que a criança sofre, normalmente, em seu meio familiar, pressão psicológica para não romper a síndrome do segredo.

            Demais a mais, a criança abusada sexualmente não tem facilidade de confiar nos adultos, já que foi violentada por um deles.

            Ao questionar uma criança vitima de abuso sexual, especialmente o intrafamiliar, o Magistrado deve transmitir à vítima a sensação de que a sua história lhe interessa e que não teme conhecê-la.

            Na busca de preservar a criança, muitos juizes evitam questioná-las, na intenção de protegê-las. Os terapeutas afirmam que ao agir assim, o Magistrado passa à criança a impressão de que sua história não lhe interessa e que a criança não tem autorização para romper o segredo.

8. Da linguagem apropriada para falar sobre o abuso sexual:

            Sem dúvida, uma das maiores dificuldades existentes para quem lida com qualquer tipo de abuso sexual é encontrar a linguagem correta para se comunicar com a vítima, testemunhas e com aquele que é apontado como abusador sexual.

            Quando se trata de uma vítima de 05, 06, 07 anos a situação é por demais aterrorizante, principalmente para os magistrados que, por não conhecerem a dinâmica do abuso ou por se sentirem envergonhados ou embaraçados, evitam, de todas as formas uma linguagem explícita sobre o abuso sexual ocorrente.

            Buscar o uso de uma linguagem sexual explícita e apropriada para a idade da criança é essencial.

            Nominar os órgãos genitais com os apelidos que a criança vitimada lhes dá, ajuda, por certo, a romper com a síndrome de segredo.

            Muitos profissionais, inclusive da área médica, referem-se ao ato sexual como "aquilo", "um problema" etc.

            É elementar que, ao contactar com a criança ou com as testemunhas, não se deve usar uma linguagem sexual agressiva e que crie uma sensação de constrangimento insuperável.

            A busca do equilíbrio em nominar o abuso sexual de forma clara e transparente, sem parecer à criança que o profissional que a interroga teme dizer as expressões em seu contexto, e a sensibilidade do inquiridor para não fazer colocações desnecessárias e abusivas é a tênue linha sobre a qual devemos caminhar quando questionamos sobre abuso sexual infantil.

9. Da experiência da autora na apuração de alguns casos de abuso sexual infantil:

            É bem verdade que seria excelente se o trabalho de preparar a criança para romper com a síndrome de segredo fosse realizada antes da audiência com o Magistrado e que a criança ali chegasse pronta para relatar o que aconteceu.

            No mais das vezes, entretanto, a criança às vezes relata o ocorrido na Delegacia ou no Conselho Tutelar, ou em ambos, e ao chegar à sala de audiências, se fecha, assustada com o ambiente ou com as repercussões de seu relato.

            Com alguns juízes mais desavisados a criança chega a se avistar com o abusador minutos antes da audiência, pelos corredores do fórum e, dependendo do vínculo que os une, a vitima estará muito abalada para relatar o ocorrido.

            Em alguns casos em que tenho trabalhado na apuração de abuso sexual infantil, tive como providência primeira buscar uma aproximação com a criança, iniciando o trabalho por sentar-me próximo a vítima ou testemunha impúbere.

            Despir-se da beca é essencial, já que a representatividade de poder que ela impõe chega a assustar alguns adultos, imagine-se a repercussão na alma de uma criança.

            Nessas audiências tenho primeiro buscado adentrar no universo dos pequenos, buscando afinidades entre a sua família e a minha e entre a minha filha e a vítima, procurando saber o número e a idade dos irmãos, as brincadeiras que gosta, etc.

            Outro ponto que entendo relevante é nominar os órgãos genitais pelo apelido que a vítima lhes dá e isso varia de família para família, de região para região e de classe social.

            Chegar ao nível da criança e dela buscar uma proximidade faz com que a criança acredite que a sua história é importante e que o profissional que a questiona se preocupa com ela.

            A criança deve ter certeza de que o seu relato não lhe trará punições ou rejeição pelos membros da família e pelo profissional que a interroga.

            A permissão para relatar o ocorrido deve ser explícita e a mensagem de que apesar de não ter culpa, no sentido legal, a criança participou dos fatos e os conhece, podendo assim ajudar a esclarecê-los, com suas informações.

            Em uma audiência, onde inquiri 04 menores impúberes, a mais nova tinha apenas 06 anos e a maior com 11 anos, me lembro de ter abordado o assunto do abuso sexual, depois de uma longa conversa onde busquei criar um vínculo de intimidade, nos seguintes termos: "é importante que você saiba que você não teve culpa pelo que ocorreu. Nenhuma culpa. Acontece que você estava lá e eu preciso muito saber o que aconteceu para tomar as providências que os adultos tomam em casos assim. Vamos supor que você estivesse viajando comigo, em meu carro e eu começasse a dirigir em alta velocidade e viéssemos a sofrer um acidente. Você se sentiria culpada? Quem seria responsável pelo acidente?". Nesse ponto a resposta é sempre a mesma; "A Senhora seria responsável pelo acidente".

            Daí para frente a argumentação é fácil. "Então, mas se o guarda perguntasse a você como foi o acidente, você não contaria que eu estava correndo e por isso o carro bateu? Pois da mesma forma que no acidente você não teve culpa, porém você estava lá quando ocorreu, da mesma forma você estava presente quando ocorreu o abuso e eu preciso que você me relate, como relataria ao guarda, todo o ocorrido".

            Os fatos colocados assim retiram da Vítima a sensação da culpa pelo abuso, colocando o fato da responsabilidade na pessoa que o cometeu, permitindo que a criança tenha a sua experiência e relate o que efetivamente aconteceu.

10.  Das formas alternativas de procedimento de colheita de provas:

            Como já afirmado, no decorrer deste trabalho, o que se busca são formas de proceder a oitiva da criança sexualmente abusada, sem lhe causar novos danos psicológicos, ao mesmo tempo em que se garanta,ao Acusado, o direito ao devido processo legal e seus consectários.

            Entre as propostas devem ser consideradas as seguintes:

            a) A substituição da inquirição da vítima por uma avaliação técnica que só será possível com a concordância da Acusação e Defesa.

            b) a nomeação de um intérprete, para a oitiva da criança vitimada, nos termos do artigo 223 do Código de Processo Penal.

            c) A inquirição através da Câmara de Gesel.

            d) A criação de Varas Especializadas na apuração dos crimes de abuso sexual.

            Importante que se analise cada uma das sugestões acima alinhavadas com suas vantagens e desvantagens.

            10.1. A substituição da inquirição da vítima por uma avaliação técnica:

            Colher o depoimento de uma criança vitimada pelo abuso sexual, como já afirmado alhures e por diversas vezes, não é tarefa fácil. Diante disso, alguns magistrados têm determinado uma avaliação técnica da vítima, com a apresentação de relatório, nos autos.

            Gize-se que este procedimento tem sido validado pelos Tribunais Superiores e é de grande valia, em muitos casos.

            A única dificuldade que se coloca é quando uma das Partes, Acusação ou Defesa, discorde do procedimento adotado e alegue supressão do direito constitucional ao devido processo legal que não prevê tal possibilidade. Assim, a avaliação técnica só será possível quando se puder contar com a aquiescência de ambos os Polos da relação processual, sob pena de nulidade.

            10.2. A nomeação de intérprete:

            Sugestão por demais interessante e trazida a baila pela Promotora de Justiça Veleda Dobke, em sua sobre o tema ora em estudo:

            Os operadores do direito, na hipótese de não se encontrarem capacitados para a inquirição da criança abusada, de não terem conhecimentos sobre a dinâmica do abuso sexual ou não entenderem a linguagem das pequenas vítimas, podem nomear um "intérprete" com formação em psicologia evolutiva e capacitação na problemática do abuso sexual, para, através dele, ouvir a criança, numa tentativa de melhor atingir os objetivos da ouvida – não infligir dano secundário e obter relato que possa ser validado como prova para a condenação, se for o caso.

            Quando a testemunha, também a vítima, não conhece a língua nacional ou for surda-muda que não saiba ler e escrever, intervirá no ato de sua inquirição, por nomeação do juízo, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entende-la. Assim, determina o artigo 223 do Código de Processo Penal.

            Ora, se é determinada a nomeação de um intérprete no caso de a vítima não entender a língua nacional ou der surda-muda que não saiba ler e escrever, também será possível a nomeação de profissional para auxiliar na realização da inquirição de uma criança vítima de abuso sexual. A necessidade da nomeação de um intérprete em ambos os casos é evidente (2)

            10.3. A inquirição através da Câmara de Gesel:

            Segundo Sanz e Molina, citados por Veleda Dobke, em muitas nas Comarcas da Argentina já se lança mão da Câmara de Gesel, descrita como uma sala com uma das paredes de vidro espelhado, unidirecional.

            Assim, os profissionais que atuam no feito, Juiz, Promotor, Defensor, além do Acusado, não são vistos ou percebidos pela Vítima, posto que se posicionarão do lado externo e se comunicarão com um profissional habilitado e nomeado pelo Juiz, que fará à criança as perguntas determinadas pelo Magistrado, através de intercomunicadores.

            Sem dúvida alguma esta é a solução ideal para a realização de uma oitiva não traumatizante para a vitima e, por sua vez, garantirá, ao Acusado, o seu direito constitucional ao devido processo legal.

            Por evidente, a solução demanda despesas adicionais às finanças do já combalido Poder Judiciário, entretanto, poderia, de início, se analisar a possibilidade de instalação de Câmaras de Gesel em Comarcas Polos, onde se teria um Magistrado com conhecimento da dinâmica do abuso sexual, ladeado por um psicólogo com formação específica na área.

            Assim, as vítimas poderiam ser descoladas, por pequenas distâncias e oitivadas através de Carta Precatória.

            10.4. A criação de Delegacias e Varas especializadas em crimes de abuso sexual:

            Diante do elevado número de ocorrências de crime de abuso sexual é importante que os Tribunais de Justiça dos Estados analisem a possibilidade de criação de Varas Especializadas para esses casos.

            É fato de que o abuso sexual, especialmente o infantil e intrafamiliar está entre os crime de menor notificação às Autoridade Competentes. Nem por isso se pode dizer que poucos são os casos a se apurar.

            Assim, com a criação de Delegacias e Varas Especializadas neste tipo específico de crime, onde atuariam profissionais capacitados na lida com tão delicada questão, somaria, de forma significativa, na apuração dos crimes em questão.

CONCLUSÃO:

            Por certo cabe aos operadores do direito a conscientização do grave problema enfrentado e a consciência de que se faz necessário conhecer dinâmica do abuso sexual para realizar seu trabalho, seja como Juiz, Promotor ou Defensor do Réu, posto que, por certo, a ninguém interessa traumatizar, novamente, o infante já vitimado.

            Um novo proceder se impõe.

            Nos Juizes, promotores, advogados, só estaremos motivados a buscar a comprovação ou não do abuso sexual se tivermos capacidade intelectual e conhecimento que nos permitam manejar a situação posta a nossa frente.

            A colocação em prática das sugestões alhures alinhavadas modificará, por certo, a comprovação do abuso sexual, tornando-a mais efetiva e não traumatizante.

            Não há, porém, como deixar de concluir que de todas as sugestões apontadas, a que atinge de forma definitiva os objetivos propostos, de preservar a vitima e garantir ao Acusado o devido processo legal é, sem dúvida, a instalação das Câmaras de Gesel, em todas as Comarcas ou em polos regionais para onde se procederia ao deslocamento da Vítima que poderia ser oitivada, através de precatória, pelo Juiz local, assistido por profissional competente que, após ouvir as interrogações do Magistrado, as faria à Vitima, de forma técnica, sem a causação de mais danos psicológicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            FURNISS, Tilman. Abuso Sexual da Criança: uma abordagem multidisciplinar.Porto Alegre; Artes Médicas, 1993.

            SCHREIBER, Elizabeth.Os Direitos Fundamentais da Criança na Violência Intrafamiliar. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001.

            AZEVEDO, Maria Amélia; GUERRA, Viviane N.A..; (Org).A Síndrome do Pequeno Poder. São Paulo: Iglu, 2000.

            DOBKE Veleda. Abuso Sexual: A inquirição das crianças uma abordagem interdisciplinar.Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001.

            DREZETT, Jefferson. Estudo de fatores relacionados com a violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres adultas. Tese de doutorado (Centro de Referência da Saúde da Mulher e de Nutrição, Alimentação e Desenvolvimento Infantil), São Paulo, 2000.

            JACOBY, Sérgio Paulo et al. Prostituição Infantil e Exploração Sexual.Disponível em:<www.ccj.usf.br>.Acesso em 10 mai.2002.

Notas

            1. FURNIS, Tilman. Abuso Sexual da Criança. Uma abordagem Multidisciplinar.Porto Alegre, 1993, p.98.

            2. DOBKE Veleda. Abuso Sexual: a inquirição das crianças uma abordagem interdisciplinar.Porto Alegre, 2001, p.91.

 


Referência  Biográfica

Maria Rosi De Meira Borba  –  Juíza de Direito do Estado de Mato Grosso

E-mail: mrosi@vsp.com.br

Súmula Vinculante : uma nova abordagem

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* Eduardo Feld  –

"O fascismo é fascinante e deixa a gente ignorante e fascinada

E é tão fácil ir adiante e esquecer que a coisa toda está errada"

Engenheiros do Hawai

Foi criada pela mídia uma entidade personificada, intitulada "o Mercado", que é uma criatura com a aptidão para ficar calma, nervosa, triste, agitada, cautelosa ou eufórica, dormir, acordar, enfim, um ser quase humano. Ganhou este ser a suprema importância de nortear, acima de tudo, os juízos de valor sobre as decisões do país.

A cada lei ou emenda constitucional que retira alguma garantia do cidadão, o Mercado sorri, e a partir deste termômetro, conclui-se que a medida é boa. E assim a Constituição de 1988 vem sendo depenada pelo Mercado, eufórico, até que não sobre quase nada.

O Mercado agora está de olho na independência do Judiciário, uma vez que esta independência consiste num obstáculo para a realização de seus objetivos. Por isto, é necessária uma reforma do Judiciário, cuja estrela principal é a "súmula vinculante", uma espécie de norma que visa vincular o Judiciário ao Mercado.

A súmula vinculante é apresentada para a sociedade como um santo remédio para o problema do emperramento da máquina judiciária brasileira. Uma vez aprovada a reforma, repentinamente, como num passe de mágica, aquilo que se convencionou chamar de "Justiça" tornar-se-ia muito mais ágil. Este é o modo pelo qual se procura esconder o verdadeiro objetivo da inovação: apresentando-se um suposto efeito benéfico, que na verdade é ilusório.

Mas afinal, o que é o Mercado?

Todo desejo de uniformidade esconde no seu bojo o desejo de uma determinada ideologia. Quem quer uniformizar, evidentemente quer uniformizar a seu modo. O sonho de Adolf Hitler era a total uniformidade. E na busca desta uniformidade, não mediu esforços para destruir tudo aquilo que obstaculizava seu sonho. Afinal, os fins justificam os meios.

Muito se discute sobre a súmula vinculante, sobre a sua conveniência, uns são contra, outros a favor, vários artigos já foram escritos, no entanto, há ainda questões que foram muito pouco abordadas.

Em primeiro lugar, há uma impossibilidade ontológica de uma pessoa impor a outra um modo de interpretação. Isto se dá pois a interpretação (determinação do sentido e alcance de uma norma) é uma atividade que não se pode separar da subsunção da norma (aplicação ao caso concreto). A primeira é instrumental em relação à segunda.

Imagine, por exemplo, que haja um aviso numa estação de trem nos seguintes termos: "É proibida a entrada de cães". Esta norma é constitucional? Aparentemente, sim.

Agora, imagine que um cego, guiado por seu cão, seja impedido de entrar na estação por causa desta norma. Para ele, a norma é inconstitucional, pois lhe impede o direito à locomoção. Chega-se, então, à seguinte conclusão: a constitucionalidade é algo que se avalia não em abstrato, mas em função de cada caso concreto. Uma norma pode ser constitucional para um caso e inconstitucional para outro.

Assim, um comando normativo que diga "o aviso é válido em face do direito de locomoção", antes de padecer, evidentemente, do vício da inconstitucionalidade, possui um vício de essência, um vício ontológico.

Da mesma forma, num raciocínio mais amplo, qualquer tipo de imposição sobre interpretação de normas torna-se inválida diante da infinita riqueza de casos possíveis mediante os quais as normas podem ser subsumidas.

Outra questão a ser observada, é a seguinte: no conflito entre a lei e a súmula, o que prevalece? Dizer que há a prevalência da lei é o mesmo que dizer que o novo instituto é totalmente ineficaz, podendo o julgador descartar qualquer súmula que entenda ser contrária à lei. Evidentemente, esta não é a intenção da norma (leia-se, do "Mercado").

Então, devemos assumir como verdade que, uma vez que se entenda válido o instituto da súmula vinculante, os enunciados terão força de lei (para maior simplificação, a partir de agora passo a chamar esses novos enunciados de SV’s – súmulas vinculantes -)

Ocorre entretanto que a Constituição, em suas cláusulas pétreas (as que não podem ser alteradas por emenda) restringe aquilo que possa ter força de lei, ou seja, o condão de obrigar alguém a fazer ou deixar de fazer algo. Para que uma norma tenha esta força, deve ela ter os requisitos formais estabelecidos pela própria Constituição, o que não ocorre com as SV’s. O projeto das SV’s infringe não só o art. 5º, II da CRFB, como também a separação dos poderes.

Se a sociedade e, sobretudo, aqueles que se intitulam "operadores do direito" aceitarem esta novidade como algo válido, estaremos submetendo-nos a um conjunto de normas legais emanadas de um poder não sujeito ao controle popular. E é, então, neste momento que percebemos a gravidade do problema e também a verdadeira questão que está por trás do debate.

Tudo que está sendo dito se aplica igualmente à Emenda nº 3, de 1993, que criou a ação declaratória de constitucionalidade com efeito vinculante.

Há uma incrível semelhança entre os AI’s (atos institucionais) e as SV’s (súmulas vinculantes).

Ambas as normas têm por objetivo "arrumar a casa", uniformizar condutas e vincular a sociedade aos ditames do Mercado.

Ambas provêm de um mecanismo ilegítimo de exercício do poder.

Como aconteceu com os AI’s, os criadores das SV’s esperam de seus destinatários uma total subserviência e estão dispostos a criar mecanismos práticos para assegurar esta subserviência.

Só resta saber se aqueles que ousarem descumprir as SV’s também serão torturados nos porões.

Resumindo e concluindo: uma vez aprovado, o dispositivo da "súmula vinculante" não pode e nem deve ser respeitado, por ser

. sob o ponto de vista ONTOLÓGICO, uma inexistência;

. sob o ponto de vista CONSTITUCIONAL, uma nulidade;

. sob o ponto de vista ÉTICO, inaceitável;

. sob o ponto de vista TELEOLÓGICO, uma tentativa de reinstalar a ditadura no país, agora sob nova roupagem e nova direção.


Referência  Biográfica

EDUARDO FELD  -Juiz substituto do Estado do Rio Grande do Norte

e-mail: efeld@bol.com.br

Novas considerações sobre o momento do interrogatório na Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos)

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* Renato Flávio Marcão

1. Introdução

Conforme a precisa visão do Jurista e Advogado Mineiro Renato de Oliveira Furtado, a Lei 10.409/2002 é mesmo um “novo Frankstein jurídico” [1] e como tal impressiona e assusta.

Impressiona por ter sido objeto de estudos pelo Poder Legislativo por mais de uma década e ter resultado em um “nada jurídico” (ou injurídico); impressiona pelo conjunto de equívocos e erros crassos que alberga (mandato de citação, p. ex.; cf. art. 38, caput); impressiona pelo conjunto de “regras perdidas”; pelo absurdo de certas disposições; pelos retalhos abandonados no universo jurídico após os vetos Presidenciais ao Projeto que ela deu origem.

Assusta por dar a exata noção da capacidade jurídica (ou incapacidade), do conhecimento (ou desconhecimento) e da preocupação técnica (ou despreocupação) de nossos Legisladores. Assusta pelo descaso de quem não consulta e tampouco ouve quem deveria, na elaboração das Leis.

Por fim, reflexamente ao susto produzido pelo nosso mais novo Frankstein jurídico, pois é só mais um (porém um dos piores), outra coisa que também assusta é a “falta de pulso” que impediu o indispensável e reclamado veto integral ao Projeto que a ele (Frankstein) deu origem.

2. Do interrogatório

Após as primeiras, genéricas e superficiais reflexões lançadas sobre a Lei [2], foi preciso estabelecer novos pensamentos sobre alguns de seus dispositivos, sobre alguns de seus temas, e no particular sobre o interrogatório, que nos inquietou ainda mais profundamente, considerando a forma como veio regulado no Novo Diploma.

Com efeito, nos precisos termos do art. 38, caput, última parte, da Lei 10.409/2002, ao proferir o despacho em que ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, o Juiz designará dia e hora para o interrogatório, que se realizará dentro dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso.

Pela interpretação que se extrai do texto, o prazo de 30 (trinta) ou 05 (cinco) dias (seguintes) será contado do despacho e não da resposta escrita, já que a designação ocorrerá no despacho inicial, e nesta ocasião o juiz ainda não saberá a data em que será apresentada a resposta escrita, inclusive em razão das disposições contidas nos §§ 3º, 4º e 5º, do art. 38.

Há um grave problema, entretanto, que decorre da impossibilidade de realização do interrogatório dentro do prazo de 05 (cinco) dias, em se tratando de acusado preso, pois não é possível admitir seja ele interrogado antes da apresentação de sua resposta escrita, para a qual dispõe do prazo de 10 (dez) dias, contado da juntada do mandado de citação aos autos ou da primeira publicação do edital de citação (o que já vai demandar outros tantos dias). E mais, como interrogá-lo no prazo de 05 (cinco) dias se ainda é possível o acréscimo de mais 10 (dez) dias no prazo para a resposta escrita, além dos dez iniciais, na hipótese do § 3º do art. 38 e, em qualquer caso, dispondo o Ministério Público de 05 (cinco) dias para manifestar-se sobre a resposta escrita (§ 4º) e o Juiz de outros 05 (cinco) para decidir (§ 4º) sobre o recebimento ou não da denúncia, além de outros 10 (dez) na hipótese de se determinar a realização de diligências antes do recebimento (§ 5º) ?

Mesmo em se tratando de denunciado solto, não raras vezes seria impossível a realização do interrogatório em 30 (trinta) dias, contados da data do despacho inicial, a se considerar as hipóteses e os prazos regulados nos §§ 3º, 4º e 5º do art. 38.

Além da questão dos prazos inconciliáveis, pela lógica do artigo 38, caput, parte final, em se tratando de acusado preso o interrogatório sempre ocorreria antes mesmo da resposta escrita, e o que é pior e mais absurdo, antes do recebimento da denúncia.

Não bastasse, o art. 40 da mesma Lei estabelece que ao receber a denúncia, o Juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, sendo certo que nesta, a teor do disposto no art. 41, proceder-se-á à oitiva das testemunhas após o interrogatório. Vale dizer: o interrogatório deverá ocorrer na audiência de instrução e julgamento.

Pela redação do art. 38 conclui-se que haveria uma data anterior à audiência de instrução e julgamento para a realização do interrogatório, todavia, para conciliar-se tais dispositivos e aproveitá-los integralmente seria preciso concluir que a data designada para o interrogatório, por ocasião do despacho a que se refere o art. 38, deveria ser “aproveitada” para a instrução e julgamento, conforme se determinar em segundo despacho, a ser proferido por ocasião do recebimento da inicial acusatória (art. 40), já que a audiência é una e a inquirição das testemunhas será realizada após o interrogatório, na mesma audiência (art. 41).

Ocorre, entretanto, que pela redação do art. 38 [3] o interrogatório do preso ocorreria sempre antes da resposta escrita e do recebimento da denúncia….

O caos é total.

3. Conclusão

Como também já salientamos em outra ocasião [4], “melhor seria se o legislador estivesse atento e não tivesse incluído na parte final do art. 38, caput, a designação de data para o interrogatório já no primeiro instante, até porque revela-se, a nosso ver, descabida a designação de tal data se o Juiz ainda poderá rejeitar a inicial acusatória (art. 43)”, e aqui a questão é mais complexa que a prevista no procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95, conforme seu art. 81, onde o juiz designa audiência de instrução e julgamento (art. 78), com interrogatório após a colheita de toda a prova, podendo, antes, ainda rejeitar a denúncia, após a resposta da defesa à acusação, a verificar-se imediatamente após a abertura da audiência.

No particular, entendo que a parte final do art. 38, caput, não reúne condições de aplicabilidade.

Assim, no procedimento (instrução criminal) da Lei 10.409/2002, oferecida a denúncia, o juiz, em 24 horas, deverá ordenar a citação do denunciado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias… Nesta ocasião não deverá designar data para interrogatório, pois deverá aguardar o momento do art. 40 [5], quando então, recebendo a denúncia designará data para a audiência em que se procederá ao interrogatório, instrução e julgamento, o que me parece mais adequado, considerando, inclusive, o disposto no art. 41 [6] do mesmo Diploma Legal.

[1] FURTADO, Renato de Oliveira. Nova Lei de Tóxicos – anotações ao artigo 38 e parágrafos. Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 22.02.2002.

[2] MARCÃO, Renato Flávio. Anotações pontuais sobre a Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos) – Procedimento e Instrução criminal. Disponível na internet:
http://www.ibccrim.org.br, 04.02.2002.

[3] “Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandato aos autos ou da primeira publicação do edital de citação, e designará dia e hora para o interrogatório, que se realizará dentro dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso”.

[4] MARCÃO, Renato Flávio. Idem.

[5] “Recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, e ordenará a intimação do acusado, do Ministério Público e, se for o caso, do assistente”.

[6] “Na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz, que, em seguida, proferirá a sentença”.


Referência  Biográfica

Renato Flávio Marcão – Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal Especialista em Direito Constitucional. Professor de Direito Penal, Processo e Execução Penal, em São José do Rio Preto-SP. Coordenador Cultural da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo – Núcleo de São José do Rio Preto-SP. Sócio-fundador da AREJ – Academia Riopretense de Estudos Jurídicos e Coordenador do Núcleo de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia. Membro da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP).

e-mail: rmarcao@terra.com.br

Considerações sobre as novas reformas do Código de Processo Civil Leis nº 10.352/01 e 10.358/01

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* Paulo Henrique Moritz Martins da Silva –

           No ano de 1991, através do Ministério da Justiça, foi constituída uma comissão de juristas para estudar o problema da morosidade processual e propor soluções visando a simplificação do Código de Processo Civil. Referida equipe foi coordenada pelos eminentes Sálvio de Figueiredo Teixeira, Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Athos Gusmão Carneiro, Ministro aposentado daquela Corte e representante do Instituto Brasileiro de Direito Processual, entidade presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover.

            Em razão dos trabalhos da comissão, desde 1992 o Código de Processo Civil vem sendo submetido a mini-reformas, pois se optou por preservar a estrutura do Diploma, de modo a realizar adequações sem descaracterizar a sua concepção originária.

            Ao longo destes 10 anos tivemos reformulações significativas, como a antecipação da tutela, a ação monitória, o procedimento sumário, o novo agravo, etc.

            Parece razoável frisar que o escopo dessas reformas, inclusive das mais recentes, é o de procurar implementar dispositivos que garantam maior efetividade e celeridade ao processo, ou seja, que através de uma racionalização e de uma simplificação, permitam, de modo mais eficaz, o acesso a uma ordem jurídica justa, na expressão de Kazuo Watanabe.

            Como enfatiza o Prof. Cândido Dinamarco:

            " Não tem acesso à justiça aquele que sequer consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pela mazelas do processo, recebem uma justiça tarda ou alguma injustiça de qualquer ordem. Augura-se a caminhada para um sistema em que se reduzam ao mínimo inevitável os resíduos de conflitos não-jurisdicionacionalizáveis (a universalização da tutela jurisdicional) e em que o processo seja capaz de outorgar a quem tem razão toda a tutela jurisdicional a que tem direito. Nunca é demais lembrar a máxima chiovendiana, erigida em verdadeiro slogan, segundo a qual "na medida do que for praticamente possível o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo que ele tem direito de obter." ( A reforma do Código de Processo Civil, Malheiros, 1995, p. 20)

            As tentativas de melhorar a performance do Código vêm sendo feitas, mas não são todas as alterações, contudo, que merecem elogios e nem se pode imaginar que por mero processo legislativo consigamos solucionar toda a gama de problemas que nos afetam.

            Mesmo cientes de tal realidade, passemos a análise das novas reformas do CPC.

            A primeira e inevitável crítica que se faz diz respeito à data de publicação das Leis no Diário Oficial. A n.º 10.352 no dia 27 e a n.º 10.358 no dia 28 de dezembro de 2001, estabelecendo-se em ambas uma vacatio legis de 03 meses, o que indica vigência em 27 e 28 de março, respectivamente.

            Durante boa parte da vacância a comunidade jurídica estava praticamente inativa (as universidades em férias até o final de fevereiro e os Tribunais em recesso durante o mês de janeiro). Isso dificultou a discussão das novidades e representará entraves para a implementação de algumas alterações.

            A reforma do artigo 555, por exemplo, obrigará Tribunais a reverem seus regimentos internos; o artigo 547 propiciará o protocolo unificado de petições e o art. 253, inc. II obrigará à modificação dos sistemas de distribuição das ações, inclusiva na forma eletrônica. O tempo para as adaptações, em muitos Estados, não será suficiente.

            Será abordada, em primeiro lugar, a LEI N.º 10.358, que entrará em vigor no dia 28 de março. (Projeto de lei n. º 3.475).

            Por questão didática, não serão referidos os artigos da lei propriamente dita, mas sim aqueles que foram objeto de modificação no Código.

            ART. 14

            Foi polêmica, pela concepção e pelo desfecho, a alteração do art. 14.

            A redação antiga previa os princípios processuais de lealdade e de probidade das partes e dos seus procuradores.

            Art. 14 – Compete às partes e aos seus procuradores:

            O caput agora dispõe que:

            " São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo."

            Doravante não são apenas as partes e seus advogados que devem agir com lealdade e probidade na esfera do processo e perante o órgão judicial.

            " (…) todos aqueles que de qualquer forma participam do processo".

            A expressão tem abrangência qualificada, ou seja, a interpretação deve ser a mais aberta possível. Aí se incluem as partes, procuradores, servidores da justiça, peritos, assistentes técnicos, autoridades e terceiros submetidos às determinações judiciais, enfim, todos aqueles que de qualquer forma participam do processo.

            A exegese do comando é ampliativa.

            O inciso V foi criado e estabelece o dever de " cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final."

            A redação do dispositivo não é das mais felizes, apesar de ser parcialmente técnica.

            Os provimentos judiciais, segundo a classificação quinária, são de natureza condenatória, declaratória, constitutiva, executiva lato sensu e mandamental.

            É intuitivo, então, que provimento judicial é gênero e que provimento mandamental é espécie.

            Por que destacar o cumprimento de provimentos mandamentais e logo após se referir a não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais?

            Não resta dúvida que provimentos mandamentais são cumpridos, que provimentos condenatórios são executados e que provimentos constitutivos e executivos lato sensu são implementados. Cumprir, executar e implementar são comportamentos que têm conceito distinto em direito processual, mas a especificação, no texto legal, não me parece adequada.

            Efetivar, segundo Aurélio, é tornar efetivo; levar a efeito; realizar, efetuar: efetivar medidas indispensáveis à boa solução de um problema.

            É certo que cumprir tem dicção diferente de não criar embaraços à efetivação, mas a particularização dos provimentos mandamentais teve conotação de preciosismo.

            Por que não se concebeu, tão somente, o dever de cumprir e de não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final?

            Aliás, se o objetivo era de explicitar rigor científico e garantir a efetividade, por que não foram incluídos os provimentos de natureza cautelar? O legislador se prendeu ao tecnicismo quanto aos provimentos mandamentais, mas não teve o mesmo cuidado com a diferença inequívoca que há entre os provimentos de natureza cautelar e antecipatória.

            Pela nossa tradição e pela imensa capacidade de criar teses para todos os temas, não faltarão argumentos para tentar tumultuar a incidência da norma, seja em relação à abrangência de todos os tipos de provimentos judiciais, seja para excluir os deveres de lealdade e probidade em relação aos provimentos cautelares.

            Por interpretação teleológica, todavia, é possível afirmar com boa margem de segurança que os deveres do artigo 14 se dão perante o órgão judicial, independentemente da carga de sua determinação e do tipo de provimento editado, seja ele de natureza antecipatória, final ou cautelar.

            Pela redação do Projeto de Lei, o parágrafo único indicava a punição para quem violasse o inciso V, independentemente de quem fosse o seu protagonista.

            Ocorre que na esfera legislativa este parágrafo foi parcialmente alterado.

            Vejamos como era a redação original do Projeto.

            " Parágrafo único. A violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado."(NR).

            A lei, contudo, ficou assim:

            Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V…

            Pelo que se pode acompanhar do processo legislativo, houve tentativa de fulminar todo o parágrafo único, mediante emenda supressiva.

            Argumentava-se que o parágrafo único era uma regra ociosa, porque o artigo 16 do CPC já cuidava do ressarcimento por dano processual e quando complementado pelo artigo 17 resolvia de modo adequado a questão da " litigância de má-fe."

            A tese não tinha consistência jurídica, data venia.

            Ora, o artigo 14 então sob análise apresentava um conteúdo de abrangência muito maior que o da mera litigância de má-fé, pois além de se voltar contra o litigante (parte), passava a reprimir os outros participantes do processo que de qualquer forma atentassem contra o exercício da jurisdição.

            Enquanto os artigos 16, 17 e 18 tratam de comportamentos e de punições às partes (exclusivamente), o artigo 14 apresentaria maior abrangência e ainda incluiria os advogados, procuradores e todos os que de qualquer forma se submetessem aos comandos judiciais.

            O artigo 32, § único do EAOB também não resolveria o problema, porque cuida da responsabilidade do advogado por lide temerária, desde que esteja coligado com o cliente para lesar a parte contrária. Aliás, sabemos que é dificílima a demonstração inequívoca de tal conluio.

            Não se conseguiu aprovar a emenda supressiva, mas a estratégia acabou vingando de forma parcial, tanto que o Relator do Projeto, Deputado Inaldo Leitão, admitiu para a Folha de São Paulo (edição de 20 de janeiro de 2002) que a OAB conseguiu livrar os advogados privados das novas regras do art. 14 e assim concluiu: "Esse foi o ponto de negociação com a OAB. Não sei dizer quais serão as conseqüências práticas disso. Mas sem esse acordo, não seria possível aprovar o Projeto de Lei."

            O manto protetor sobre os advogados eminentemente privados causou indignação a vários setores da advocacia pública, inclusive ao Advogado Geral da União, Gilmar Mendes, que prometeu ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade para rever o dispositivo.

            Convenhamos que a redação final do artigo não é nada sutil e se mostra tão corporativa que dispensa maiores esforços para concluir por sua inconstitucionalidade, ou seja, o advogado eminentemente privado não deve à jurisdição as mesmas obrigações que os demais.

            Não há nenhuma justificativa plausível para a exceção e o princípio da isonomia está ferido de morte.

            Mas qual a conseqüência prática de tal redação?

            Sob o meu ponto de vista, a regra não prevalecerá para nenhum advogado, seja ele privado ou público.

            A partir do momento em que se reconhece a lesão à Constituição (art. 5º, caput), não se pode imaginar a incidência da norma apenas para parte da classe dos advogados; ou se atinge a todos ou não se atinge a nenhum.

            Como a lei afastou a sanção sobre os advogados exclusivamente privados idêntica "benesse" deve ser estendida aos demais integrantes da classe.

            É inconcebível inverter a interpretação e projetar a lei contra todos os advogados.

            As novas regras projetadas para o artigo 14 mereciam aplausos, porque tinham objetivo moralizador, principalmente por coibirem os obstáculos à efetivação de decisões judiciais, independentemente de quem fosse o seu autor material ou de quem os arquitetasse.

            Pelo texto aprovado, a norma prevalecerá para os demais participantes do processo, exceto para os advogados.

            Assim, para aqueles que violarem o inciso V do art. 14 do CPC, "sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, será aplicada uma multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final, a multa será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado."(NR)

            A sanção é independente de outras de natureza penal, civil e processual, ou seja, se o ato configurar crime, ilícito civil ou processual, as penas respectivas serão aplicáveis, sem prejuízo da multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição, no patamar máximo de 20% sobre o valor da causa.

            Como o parâmetro da multa é o valor da causa, será necessária maior atenção sobre a valoração realizada na petição inicial. Além da impugnação facultada ao réu, caberá ao juiz, por questões objetivas, determinar ex-officio a adequação, porque mais um ingrediente de interesse público justificará o controle judicial do valor da causa, independentemente de provocação da parte adversa.

DO VETO AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 154

            A Lei n.º 10.358 também contemplava um parágrafo único ao artigo 154 do CPC, cuja redação era a seguinte:

            " Atendidos os requisitos de segurança e autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito da sua jurisdição, a prática de atos processuais e sua comunicação às partes, mediante a utilização de meios eletrônicos."

            Tratava-se de regra há muito tempo esperada por boa parte da comunidade jurídica, a fim de que a tecnologia pudesse ser inserida na atividade processual de modo mais qualificado e com respaldo legal.

            Como disse o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao classificar de infeliz o veto, o comando era de feição programática, com escopo de incentivar a prática de atos processuais pela via eletrônica.

            No âmbito do processo propriamente dito, o avanço tecnológico tem nos socorrido de forma muito tímida, porque o sistema legislativo emperra a maioria dos projetos que possam ser desenvolvidos.

            O computador, com seus aplicativos, nos auxilia na edição de textos, na pesquisa de jurisprudência e permite, por mera consulta, a verificação do estágio dos processos em tramitação.

            O parágrafo único representaria uma carta de alforria à tecnologia judiciária e viabilizaria inúmeros projetos que aguardavam a autorização legal para sua implementação.

            Ocorre que o Sr. Presidente da República entendeu de vetar um dispositivo cuja concepção partiu de seu próprio gabinete. Os motivos do veto, com todo o respeito, são de baixa qualidade argumentativa e mais uma vez indicam que a centralização do poder continua ativa e em plena forma.

            Eis as razões do veto:

            "A superveniente edição da Medida Provisória no 2.200, de 2001, que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras, que, aliás, já está em funcionamento, conduz à inconveniência da adoção da medida projetada, que deve ser tratada de forma uniforme em prol da segurança jurídica."

            O Governo Federal criou o programa ICP-BRASIL, que institui a certificação digital para garantir melhor segurança e dar autenticidade à remessa de documentos eletrônicos, públicos e privados.

            Ao invés de motivar os Estados ao desenvolvimento de tecnologia processual eletrônica, o Executivo preferiu caminho inverso, ou seja, colocou uma pá de cal em vários projetos existentes, que precisarão aguardar uma solução uniforme para toda a Federação.

            Em Santa Catarina, por exemplo, onde contamos com um parque de informática de excelente qualidade (creio que não haja nada similar na Justiça de Primeiro Grau em nosso País), já dispomos de tecnologia para a prática de inúmeros atos processuais pela via eletrônica e quando da remessa do projeto de lei imaginamos que poderíamos implementar outras idéias que estavam praticamente concluídas.

            Hoje, em caráter facultativo, já se pode peticionar e receber intimações via e-mail. Temos também o sistema Push, em que o advogado fornece o número do processo em que atua e passa a receber por e-mail qualquer movimento que é realizado naquele feito.

            Por ora, isso é mera faculdade, porque não há respaldo legal que garanta sua implementação coercitiva.

            Já estávamos nos preparando para a intimação automática, ou seja, a partir do momento em que o advogado, portador de uma senha, consultasse a fase do processo pela Internet, o sistema acusaria, emitiria certidão de intimação para ser anexada ao processo e contaria o prazo respectivo.

            Todos os dias, o SAJ listaria ao Técnico Judiciário os processos com prazos vencidos e poderia emitir as certidões.

            Imagine-se, também, a perspectiva de interligação com os Cartórios Extrajudiciais – o cumprimento das sustações de protesto, registros de penhora, de formais de partilha, enfim, quantos atos poderiam ser implementados pela via eletrônica, com ganho de tempo e eficiência.

            Nós já dispomos de know how para isso e poderíamos servir de laboratório, repartindo nossos conhecimentos com os outros Estados.

            O Executivo, no entanto, optou por trafegar na contra mão e vetou o parágrafo único do artigo 154. Aguardemos uma solução uniforme para todo o País, pois foram niveladas por baixo as diferenças regionais que infelizmente ainda temos.

DO VETO AOS ARTIGOS 175 E 178:

            Também foi frustrante o veto quanto à modificação de contagem dos prazos processuais, o que se daria com a nova redação dos artigos 175 e 178, os quais estavam intimamente associados.

            Na verdade, em relação a estes dois dispositivos, podemos dizer que o art. 178 era o ator principal e o art. 175 era o coadjuvante.

            O Projeto alteraria a forma da contagem dos prazos processuais, afastando a concepção da fluência ininterrupta, ou seja, do princípio da continuidade dos prazos.

            Vejamos como é a regra atual:

            Artigo 178:

            "O prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos feriados."

            Como seria:

            "O prazo legal ou judicial, contado em dias, suspender-se-á nos dias feriados e naqueles em que não houver expediente forense, salvo nos casos previstos no art. 188." (NR)

            Para viabilizar esta forma de contagem, também se alteraria o art. 175, com a seguinte redação:

            "São feriados, para efeitos forenses, os sábados, os domingos e os dias assim declarados por lei." (NR)

            Atualmente, só são feriados os domingos e os dias assim declarados por lei.

            Abortar a nova forma de contagem de prazos significou perder uma boa oportunidade de se fazer Justiça à classe dos advogados, porque são sensivelmente prejudicados pela sistemática atual e que será mantida.

            Nós sabemos que dependendo do dia da intimação, um prazo de cinco (5) dias se reduz, de fato, para dois (2), como acontece, por exemplo, com as intimações ocorridas nas 5ª feiras. Conta-se a 6ª, vem o sábado e o domingo, sobrevindo apenas a 2ª e a 3ª feira.

            Se fosse adotada a sistemática vetada, o prazo de cinco (5) dias só se esgotaria na outra 5ª feira, o que revelaria uma coerência que hoje não existe.

            Vejamos o que o Executivo argumentou para vetar a sua própria idéia, pois aqui também o Projeto fora de sua iniciativa:

            Razões do veto

            "No que diz respeito ao projetado art. 178 do CPC ( pelo art. 1o da proposta, que manda suspender a contagem do prazo nos dias feriados e naqueles em que não houver expediente forense, salvo nos casos dos prazos contados em dobro e quádruplo, estabelecidos no art 188), tem sido dirigidas a este órgão considerações que nos parecem relevantes e que podem ter o condão de alterar o entendimento do Poder proponente acerca da conveniência da adoção de tal norma.

            Tais ponderações dizem respeito às conseqüências negativas que o acolhimento de tal prática acarretará nos trabalhos de secretaria e, em especial, nos Tribunais Superiores, quando da análise de processos oriundos de comarcas diversas, levando-se em conta o número de feriados locais e os casos que podem ter ensejado o fechamento do fórum, que deverão ser do conhecimento do magistrado, principalmente porque o decurso dos prazos peremptórios impede a prestação jurisdicional. Some-se a isso, na primeira instância, por exemplo, o caso de exceções de incompetência serem acolhidas e, portanto, deslocadas as causas para localidades distintas das quais são oriundas as demandas. Ciente de que as Secretarias terão grande dificuldade para o cumprimento da norma, uma vez que, como se sabe, o Poder Judiciário encontra-se cada vez mais assoberbado e, portanto, mais desaparelhado, e, também, de que a busca da celeridade da justiça estará mais comprometida, principalmente se considerado o número de recursos que poderão advir da contagem equivocada dos prazos, contagem essa, frise-se, que é feita por servidores, parece-nos que deveria haver nova avaliação sobre a matéria, agora diante de opiniões que só se fizeram conhecer posteriormente ao encaminhamento da propositura ao Congresso Nacional. A par do elevado propósito que norteou a elaboração do novo texto, a majoração do prazo poderia ser obtida não pela modificação da forma de sua contagem, mas pela própria majoração objetiva dos prazos estabelecidos no ordenamento codificado, sem causar nenhum prejuízo ao bom andamento da justiça."

            Ora, convenhamos, dos seus prazos, que são bem dilatados, o Governo cuida com especial atenção, mas no momento de afastar a hipocrisia hoje reinante em relação aos prazos dos interesses privados, aplica o chamado "jus barrigandi", ou seja, empurra com a barriga uma solução que pelo menos atenuava o grave problema da escassez e da falta de lógica dos prazos para o advogado.

            Não convence o argumento da inconveniência de certificar, Comarca a Comarca, os dias Feriados que suspendessem os prazos.

            Apesar de o Brasil ser o País do Feriado e até do Feriadão, é intuitivo que eles representam uma exceção à regra geral. Em tal contexto, o normal seria a fluência dos prazos nos dias de semana, com suspensão apenas nos sábados e domingos.

            O Executivo, no entanto, fez da exceção uma regra e depositou suas energias vetatórias numa falsa premissa.

            A certificação dos prazos não inviabilizaria o Judiciário Brasileiro, em hipótese alguma. Bastaria uma singela adaptação, com certidões mais precisas, nada mais.

            A propósito, abro parêntese para registrar que a baixa qualidade da informação no processo é um dos graves problemas que afetam a tramitação dos feitos e a manipulação inadequada dos dados é fator de retardamento na composição dos litígios. Esta deficiência é diagnosticada em todos os figurantes do processo. Datas, números, endereços das partes, das testemunhas, valores, e outras informações não são tratadas com a atenção necessária e em muitas ocasiões represam um ato processual e até um procedimento, que precisa ser refeito uma, duas ou mais vezes.

            Seguindo na análise do veto, é surpreendente a menção a problemas na contagem dos prazos quando fossem acolhidas as exceções de incompetência. Que tipo de inconveniente enxergaram? Talvez não tenham lembrado que até mesmo nos casos de incompetência absoluta somente os atos decisórios são nulos (art. 113, § 2º do CPC).

            O Governo afirma, então, que o melhor caminho seria a majoração objetiva dos prazos, mas quando se chegará a tal solução?

            Não resta dúvida que é preciso rever toda a sistemática de prazos no processo civil, mas há tanta diversidade e tanta falta de lógica em relação a isso que se faz necessária uma cirurgia legislativa de grande porte.

            Nós convivemos com situações anômalas em termos de prazos, senão vejamos:

            Imagine-se uma questão envolvendo um contrato bancário. Se a ação for de procedimento ordinário, o prazo de resposta é de quinze (15) dias, se for uma ação de prestação de contas, o prazo é de apenas cinco (5) e se o pacto for objeto de uma execução, o prazo para controvertê-lo será de dez (10) dias (embargos).

            Por que apelar em quinze (15) dias, agravar em dez (10) e fazer embargos de declaração em cinco (5)?

            Por que contestar uma ação cautelar em cinco (5) dias e ter dez (10) dias para responder uma impugnação ao valor da causa?

            Todos sabemos que os prazos são desconexos e exíguos apenas para as partes, já que após a exigência da prática de atos em períodos tão curtos o processo fica aguardando até meses para o impulso oficial, pois se torna refém de um engarrafamento forense com o qual já não podemos mais conviver, tamanho o volume de feitos que nos sufocam.

            Desçamos à realidade e façamos uma uniformização racional dos prazos, porque não é mais possível aceitar que numa escala de produção de massa o processo ainda seja tratado como algo artesanal, cheio de contornos e adereços.

            Só nos resta esperar.

            Com a decisão de vetar o artigo 178, o Executivo não tinha outro caminho e também precisava bloquear o novo artigo 175, pois este só teria sentido com a reforma daquele.

            Considerar o sábado, como feriado, isoladamente, seria realmente inoportuno, pois mitigaria o art. 172.

ART 253:

            O art. 253 ficou com a seguinte redação:

            "Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:

            "I – quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;

            "II – quando, tendo havido desistência, o pedido for reiterado, mesmo que em litisconsórcio com outros autores."

            O novo art. 253 substituiu a antiga expressão feitos de qualquer natureza por causas de qualquer natureza, o que foi correto, porque o que está sujeito à distribuição é a causa, não o feito. O processo começa a se formar com a distribuição e só existirá como actus trium personarum após a citação válida. Assim, não é o feito que é distribuído, mas sim a causa.

            A modificação mais sensível, contudo, se deu no inciso II, cujo objetivo foi o de evitar as "distribuições conduzidas", as quais se caracterizam como uma manobra dos advogados, visando a que a causa que patrocinam seja distribuída para um magistrado que venha decidindo conforme seus interesses, em casos similares.

            Por exemplo, ajuíza-se a ação com pedido de liminar, a qual é negada pelo juiz da 1ª Vara.

            Sabendo que os outros magistrados da Comarca têm posição diversa, o advogado desiste imediatamente da demanda (antes da citação) e protocola novamente a ação, contando que seja distribuída a outro juízo.

            A partir de agora isso fica obstado, o que é bom para o sistema forense, porque evita a sua manipulação pelo usuário.

            Destaque-se que mesmo com a inserção de novos autores (litisconsortes) a segunda demanda será distribuída por dependência.

            Os softwares dos setores de distribuição precisarão ser alterados, mas enquanto isso não ocorrer parece que o controle da dependência só será realizado de forma eficaz no âmbito da ação reiterada. Na verdade, sem o cruzamento eletrônico de informações relativas às partes e às ações, não haverá possibilidade material do distribuidor aferir a repetição.

            Quando a distribuição não fizer o controle da dependência, a matéria poderá ser suscitada ao Juiz da causa que foi renovada, o qual poderá, até mesmo ex-officio, determinar a redistribuição, porque se trata de incompetência absoluta.

            A novidade do art. 253, inciso II poderá, entretanto, abrir campo para turbulências indesejáveis.

            Na linha do exemplo anterior, suponhamos que a primeira ação seja distribuída para a 1ª Vara e o juiz indefira a liminar. O autor pede a desistência e reitera a demanda, que agora é encaminhada para a 2ª Vara. O juiz concede a liminar, o réu é citado e desde logo suscita a preliminar de incompetência, pela prevenção do juízo da 1ª Vara. Como se trata de incompetência absoluta, os atos decisórios são nulos (art. 113, § 2º do CPC).

            É certo que o juiz da 1ª Vara não irá ratificar a decisão do colega da 2ª Vara e os prejuízos pela efetivação da liminar podem ser irreversíveis, o que coloca em jogo a estabilidade e a segurança da tutela jurisdicional.

            Aí está o aspecto negativo da inovação.

ART. 407:

            A novo art. 407 merece elogios:

            " Incumbe às partes, no prazo que o juiz fixará ao designar a data da audiência, depositar em cartório o rol de testemunhas, precisando-lhes o nome, profissão, residência e o local de trabalho; omitindo-se o juiz, o rol será apresentado até 10 (dez) dias antes da audiência."

            Comecemos pelo caput.

            O prazo de cinco (5) dias do texto revogado estava incompatível com a nossa realidade. Pelo grande acúmulo de processos e pela carência de oficiais de justiça, era comum a frustração de audiências pela falta de tempo para a intimação das testemunhas.

            Foi importante facultar ao juiz a fixação de prazo para o depósito do rol, porque cada magistrado conhece as peculiaridades de sua unidade jurisdicional e pode administrar o processo de forma mais adequada.

            A lei presume que o juiz tenha bom senso e a fixação do prazo, por questão lógica, não deverá ser inferior a dez (10) dias. Exigir um rol com grande antecedência também não parece aconselhável.

            Entendo que o legislador perdeu uma boa oportunidade para flexibilizar o prazo do art. 398, do CPC, que hoje é de cinco (5) dias. O artigo 398 cuida da manifestação sobre documentos novos. Em muitos casos o volume de documentos é de tal monta que o advogado solicita uma prorrogação para falar nos autos, o que via de regra é atendido pelo Magistrado. Isso poderia ser facultado diretamente ao juiz, independentemente de provocação do interessado. Na hipótese de não fixação, o prazo também poderia ser de dez (10) dias.

            Da mesma forma poderia se ampliar para dez (10) dias o prazo do art. 185, pois no atual sistema é de cinco (5) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte quando não houver preceito legal ou assinação pelo juiz.

            A uniformidade destes prazos, que têm feição similar, seria interessante e não comprometeria a agilidade da prestação jurisdicional.

            O parágrafo único da redação anterior foi suprimido:

            " É lícito a cada parte oferecer, no máximo, dez testemunhas; quando qualquer das partes oferecer mais de três testemunhas para a prova de cada fato, o juiz poderá dispensar as restantes."

            Foi adequada a postura do legislador.

            A restrição do texto não fazia sentido, pois a limitação de 10 testemunhas para cada parte podia representar cerceamento, notadamente nas causas de elevada complexidade, onde a abrangência da lide exigisse dilação probatória mais extensa. Se houvesse necessidade objetiva, o juiz não poderia vedar a inquirição de testemunhas indispensáveis ao esclarecimento da verdade, daí o equívoco de tarifar o número de testemunhas.

            Também era imprópria a estipulação: "quando qualquer das partes oferecer mais de três testemunhas para a prova de cada fato, o juiz poderá dispensar as restantes".

            Havia uma sensação equivocada de que a parte sempre poderia ouvir três testemunhas para cada fato, mesmo que a primeira delas já tivesse esclarecido satisfatoriamente o que era pretendido. De longa data já não se aceita o brocardo testis unus testis nullus. (uma testemunha, nenhuma testemunha), porque ficou consagrado que depoimentos não se contam, se sopesam.

            Vejamos as modificações da prova pericial:

 

ART. 431:

            O artigo 431 do CPC estava revogado pela Lei 8.455 e agora ressurge com letras A e B.

            Art. 431-A. As partes terão ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova."

            A idéia do artigo é interessante, pois melhora a qualidade do contraditório, já que o processo de produção do laudo pericial poderá ser acompanhado e fiscalizado pelas partes, sem qualquer margem para discussões posteriores quanto à sede e o dia da realização da perícia.

            Certa vez me deparei com um caso de alegação de cerceamento em razão de uma prova pericial.

            Tratava-se de uma ação indenizatória por exploração de lavra no leito de um rio. O perito do juízo calculou a quantidade de material produzido e chegou a montante bem inferior ao pretendido pelo autor.

            Este, ao ser intimado para falar sobre o laudo, disse que o expert levantou área menor, pois peritou apenas parte do rio, desprezando seus afluentes e por isso chegou a resultado tão baixo. O autor argumentou que não foi cientificado do dia marcado para o trabalho de campo e por isso não pode acompanhar o levantamento, restando prejudicado por não conseguir indicar a área efetivamente minerada.

            O perito, de larga experiência, rebateu o argumento e apresentou a prova da remessa de fax ao assistente técnico do autor, comunicando o dia da perícia. Este, contudo, não compareceu e talvez não tenha avisado seu cliente.

            Naquela época não havia obrigação legal de dar ciência às partes, mas o perito foi cauteloso e a alegação caiu por terra.

            Agora a comunicação é de lei.

            A redação do artigo foi feliz porque fala em ciência e não em intimação.

            Assim, quando o perito for realizar seu trabalho, deverá ele mesmo cientificar as partes, como fez aquele do exemplo mencionado. É desnecessária a intimação oficial, mediante mandado ou outra forma de comunicação do juízo, o que agiliza a prova.

            O juiz, sempre que possível, deverá delegar ao perito a designação da data e local par ter início a prova, cabendo ao expert cientificar as partes.

            Art. 431-B. "Tratando-se de perícia complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente técnico."

            Era desnecessária a inovação, porque é intuitivo que na diversidade de áreas de conhecimento, tanto o juízo como as partes possam contar com profissionais específicos para cada segmento da perícia.

            Princípios de natureza processual e constitucional garantiriam a participação de tantos peritos e assistentes quantos fossem necessários para a aferição de fatos que desafiassem especialidades diversas, independentemente de previsão legal expressa. O bom senso também chancelaria idêntica solução.

            Como se percebe, o legislador se houve com excesso de zelo.

            Continuando a análise da prova pericial, vamos ao art. 433

 

ART. 433:

            Foi modificada a redação do parágrafo único, mas o dispositivo, na sua integralidade, continua com rotina inadequada:

            O caput não foi alterado e estabelece:

            " O perito apresentará o laudo em cartório no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20 dias antes da audiência de instrução e julgamento".

            A modificação se deu no parágrafo único.

            O texto antigo em muitas oportunidades inviabilizava o trabalho dos assistentes técnicos, pois dizia que eles deveriam oferecer seus pareceres no prazo comum de dez (10) dias após a apresentação do laudo, independentemente de intimação, ou seja, pela lei, os assistentes ou as partes precisavam fazer plantão no Fórum para saber quando o laudo seria apresentado.

            A jurisprudência procurou adequar a infelicidade da regra, mas nem sempre se chegava a bom termo.

            A questão da intimação está superada pela nova redação do parágrafo único. "Os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo comum de 10 (dez) dias, após intimadas as partes da apresentação do laudo."(NR)

            Ocorre que há um equívoco de estratégia normativa quanto ao procedimento propriamente dito.

            A lei dá a sensação irreal de que após a apresentação do laudo pericial seguem-se os pareceres técnicos e que logo após já se pode realizar a audiência de instrução e julgamento, com se tudo fosse uma sucessão estável de atos, algo como uma escada rolante.

            Todavia, os prazos são tão exíguos que é comum a inviabilidade da instrução, na forma imaginada pelo legislador, isto porque, inspirados pelo Código, muitos juizes designam provam pericial e desde logo marcam a audiência de instrução e julgamento, como estipula o artigo 331 do CPC.

            Façamos uma simulação:

            Na decisão de saneamento o juiz defere prova pericial e testemunhal. Marca desde logo a instrução e julgamento e fixa a entrega do laudo pericial para vinte (20) dias antes daquele ato, na forma do art. 433, caput. O perito entrega o laudo na data estabelecida. Pela nova redação do p. único, as partes precisarão ser intimadas e dali correrá o prazo comum de dez (10) dias para a apresentação dos pareceres dos assistentes.

            Sejamos utópicos e imaginemos que tudo isso se deu em tempo hábil para a realização da audiência.

            Pois bem, uma das partes, ou ambas, desejam esclarecimentos do perito e dos assistentes técnicos, como lhes faculta o art. 435.

            Formulam seus quesitos por escrito, mas as respostas só poderão ser exigidas quando o perito e os assistentes forem intimados com a antecedência de cinco (5) dias da audiência.

            Aí, nem o mais romântico ou lírico sonhador será capaz de sustentar que a seqüência procedimental é factível do ponto de vista temporal.

            Na verdade, a boa prática recomenda que só se marque a instrução e julgamento após o término da prova pericial escrita, dando-se margem de segurança para que a audiência não se frustre, porque são comuns os problemas que surgem até a conclusão da perícia e da entrega dos pareceres dos assistentes.

            Com a idéia de dar celeridade, encadeando a prova pericial com a designação concomitante da instrução e julgamento, o legislador acaba tumultuando a marcha processual.

            Na vida, quando se aguarda a fluência natural das coisas a solução acaba sendo mais adequada. Assim também se dá na esfera do processo, razão pela qual é aconselhável a separação bem definida destas etapas da fase probatória.

            O processo de execução também foi alterado pela Lei 10.358.

 

ART. 575:

            O art. 575, que trata da competência para a execução de título judicial, teve o inciso III revogado, sendo-lhe modificado o inciso IV, que ficou assim:

            Art.575: A execução, fundada em título judicial, processar-se-á perante:

            (…)

            IV – o juízo cível competente, quando o título executivo for sentença penal condenatória ou sentença arbitral."(NR)

            A sentença penal condenatória já integrava o comando de forma correta e agora houve a adaptação do dispositivo à Lei de Arbitragem (9.307/96), pois a sentença arbitral não está mais sujeita à homologação judicial.

 

ART. 584:

            O art.584, que explicita o rol dos títulos executivos judiciais, também sofreu alteração no inciso III e restou inserindo um inciso VI.

            III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo;

            VI – a sentença arbitral. "(NR)

            A redação do novo inciso III restabelece aquela introduzida pela Lei n.º 8.953/94, para esclarecer que a transação sobre questão que não seja objeto de processo judicial também possa ser homologada em juízo, formando título executivo judicial

            A idéia é interessante porque dá maior estabilidade e efetividade à composição, já que a execução de um título judicial restringe a discussão de várias matérias no âmbito dos embargos do devedor (art. 741 do CPC).

            A inserção do inciso VI destaca a sentença arbitral de forma isolada e na verdade confere melhor técnica legislativa ao artigo.

            A LEI N.º 10.352 (PROJETO DE LEI N.º 3474) alterou dispositivos referentes a recursos e ao reexame necessário.

            Para não interferir na temática dos demais palestrantes, que tratarão do novo Agravo e do Recurso Especial, me limitarei a abordar questões da Lei n.º 10.352 que estejam fora do alcance daquelas matérias.

 

ART. 475:

            O legislador preferiu manter a sujeição de algumas sentenças ao duplo grau de jurisdição obrigatório, o que certamente vai gerar críticas de por boa parte dos juristas.

            A idéia também não me agrada, porque algema o processo, retarda a composição definitiva do litígio e coloca em xeque a eficiência dos procuradores da administração pública, ou seja, recorrendo ou não das sentenças adversas aos órgãos que patrocinam, os processos ascendem ao Tribunal.

            Provavelmente, o maior cliente passivo do Judiciário seja o próprio Estado, isto é, União, Estados, Municípios, Distrito Federal e suas respectivas autarquias.

            Falo da participação direta do Estado nas ações judiciais, sem contar tudo o que provoca por atos de administração e de legislação, os quais interferem nas relações privadas, obrigando os particulares a buscar soluções judiciais para suas pendências. Planos econômicos mirabolantes, confiscos, solavancos do câmbio e leis de péssima qualidade são exemplos dessas turbulências.

            Na verdade, o Estado, na feição judiciária, trabalha praticamente em razão do próprio Estado, no seu perfil executivo e legislativo.

            Parece que algo está errado.

            Pois bem, além de consumir grande parte da energia jurisdicional, esse mesmo Estado faz regras para postergar o acerto de suas relações jurídicas.

            O reexame necessário está longe de tutelar a segurança jurídica. Visa, isto sim, dar mais fôlego para a Administração Pública resolver suas pendências, prejudicando em inúmeras oportunidades aqueles que, vilipendiados em seus direitos, só conseguem resolvê-los pela via judicial.

            Já que temos que conviver com isso, vejamos o que há de novo:

            Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

            I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

            Como se percebe, a sentença que anular o casamento não estará mais sujeita ao Duplo de jurisdição. Aplausos ao legislador, pois a perspectiva de recurso de tal decisão ficará restrita às partes e ao Ministério Público.

            A nova redação do inciso I estende o benefício do reexame necessário às autarquias e fundações de direito público, mas na verdade apenas insere no CPC algo que já estava albergado pelo artigo 10 da Lei 9469/97

            II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

            Este inciso II, que é o anterior inciso III, fez correção técnica à redação antiga, que continha a expressão: "julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública".

            É de conhecimento básico que na execução propriamente dita não há julgamento de procedência ou de improcedência do pedido, pois o direito já está, por presunção legal, previamente definido no título executivo, não havendo incerteza jurídica a suprir com a edição de uma sentença.

            O que se dá, em termos processuais, é o julgamento de procedência ou improcedência dos embargos eventualmente opostos pelo devedor, já que estes embargos nada mais são que uma ação incidental com escopo de desconstituir a força do título executivo, total ou parcialmente.

            Assim, quando os embargos contra a Fazenda forem julgados procedentes, no todo ou em parte, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

            Do ponto de vista estritamente técnico, a reforma representou uma evolução.

            § 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

            O parágrafo primeiro também se encarrega de fazer correções técnicas.

            Substituiu-se a ociosa expressão "apelação voluntária da parte vencida", simplesmente por apelação, o que está certo.

            Ora, só pode apelar quem de certa forma foi vencido (interesse de recorrer) e também é da essência da apelação a voluntariedade do seu manejo.

            A regra anterior previa que o Presidente do Tribunal "poderia" avocar os autos, caso o juiz não os remetesse. A expressão "poderia" há muito tempo era compreendida como "deveria", mesmo porque a sentença não transitava em julgado antes de ser confirmada pelo juízo ad quem e o recurso ex officio era considerado interposto ex lege. Neste sentido a Súmula 423 do STF.

            § 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

            O parágrafo 2º estabeleceu um valor mínimo para o reexame necessário, que hoje eqüivale a R$ 10.800,01.

            Isso se dá nas ações de conhecimento onde o ente público for réu, como também nas hipóteses de execuções de dívida ativa do mesmo patamar econômico.

            Pois bem, vencida a Fazenda Pública em ações cujo proveito econômico não exceda a R$ 10.800,00, descabe a remessa obrigatória, desde que a condenação ou o direito controvertido seja de valor certo.

            É importante observar: que a condenação ou o direito controvertido seja de valor certo, isto é, quando não haja duvida concernente ao objeto e ao alcance da sentença. No âmbito das sentenças condenatórias é o que se convenciona chamar de liquidez.

            Parece claro também que a regra não se aplica apenas às ações de carga condenatória, mas também às declaratórias, constitutivas, mandamentais e executivas lato sensu, porque o dispositivo é abrangente e trata não só da condenação, mas do direito controvertido.

            Prestigia-se, de igual modo, a boa técnica quanto à formulação do pedido, que na medida do possível deve ser certo e determinado, na forma do art. 286 do CPC.

            Os advogados deverão estar atentos para definir, antes do ingresso em juízo, a exata dimensão econômica do direito que irão patrocinar, individuando o seu objeto.

            Com idêntica inspiração, também cabe aos juizes evitar as tão comuns e muitas vezes indesejadas liquidações de sentença.

            Sentenças de conteúdo incerto não se submeterão à regra.

            § 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente."(NR)

            Trata-se de um avanço, que na verdade ainda é tímido. Pelo novo texto, se o juiz aderir à Jurisprudência do plenário do STF ou às Súmulas deste Tribunal ou do tribunal superior competente, não haverá remessa obrigatória.

            A medida é boa, na proporção em que reduz a incidência do reexame necessário, mas é conservadora porque ainda permite o manejo do recurso voluntário, reapresentando ao Tribunal matéria que já está Sumulada ou que já foi apreciada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

            Penso que o recurso voluntário para questão sumulada deve sofrer restrições, não através de precedentes vinculantes, mas das sentenças impeditivas de recursos. A Súmula vinculante, na fórmula que tem sido proposta, representa um engessamento vertical da jurisprudência, o que é desaconsalhável, por toda a sorte de riscos que traz à democracia. Não se deve obrigar o Juiz a decidir de acordo com a Súmula, mas quando o Magistrado se convencer do acerto da posição sumulada de um Tribunal Superior e quiser aderir aquele entendimento de forma livre e consciente, o processo deve terminar por ali, na sentença. Isso se chama "sentença sumulada impeditiva de recurso", que evita a reprodução de julgados nos Tribunais, sempre com o mesmo resultado.

            É certo que hoje já se conta com a redação poderosa do art. 557, do CPC, mas aquela decisão monocrática desafia o "agravinho" e nova carga de trabalho se projeta contra o 2º Grau.

            Obrigar os Tribunais Superiores à produção de escala afasta a razão de sua existência. Enquanto o STF brasileiro vem julgando em média 100.000 processos por ano, a Suprema Corte Americana decide apenas 90 feitos.

            Os números falam por si.

            Algo precisa ser feito para reverter esse quadro e a "sentença sumulada impeditiva de recurso" seria uma providência muito interessante, idéia, aliás, que é sustentada pela AMB na Reforma do Judiciário.

 

ART. 515:

            Mudança importante aconteceu no artigo 515, que recebeu um parágrafo 3º e fez revolução na chamada profundidade do efeito devolutivo da apelação:

            Diz o § 3º :

            "Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento."

            Apesar da falta de estilo da redação, o dispositivo é avançado.

            Pela sistemática anterior, a Jurisprudência dominante indicava que se o Tribunal reconhecesse o equívoco da extinção terminativa do processo (casos do art. 267 do CPC), teria que determinar ao juiz a edição de nova sentença, sobre o mérito da causa, mesmo que fosse desnecessária a produção de qualquer outra prova.

            Agora a situação é diversa, pois a lei autoriza expressamente o Tribunal a julgar desde logo a lide. Espero que a expressão "pode" seja interpretada como sempre foi, ou seja, "deve", porque não se trata de mera faculdade do órgão julgador. Presentes os requisitos objetivos para o julgamento imediato, o Tribunal não pode desconsiderá-los.

            Na regra antiga prestigiava-se o princípio do duplo grau de jurisdição, cuja existência no plano constitucional hoje é discutida.

            A doutrina diverge em considerar o duplo grau de jurisdição como um princípio de processo inserido na Constituição Federal, já que não tem previsão expressa. Dentre os autores que não o admitem, pode-se mencionar Manoel Antônio Teixeira Filho, Arruda Alvim, Tucci e Cruz, dentre outros. Humberto Theodoro Júnior e Nelson Nery Júnior são divergentes.

            Hoje se indaga, inclusive, quais valores devam preponderar para a realização da Justiça. Será que a idéia do duplo grau prevalece sobre a da efetividade do processo?

            No caso do § 3º do art. 515, o legislador abriu espaço para a efetividade e a instrumentalidade, o que é moderno, porque apresenta resultados e não compromete a segurança jurídica.

            A lei poderia ter sido mais técnica e repetido as mesmas expressões utilizadas para o julgamento antecipado da lide: "quando a questão for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência." Penso, todavia, que não haverá dificuldade para a interpretação da norma e sua extensão ficará devidamente compreendida.

 

ART. 520:

            O art. 520, que para casos excepcionais prevê o recebimento da apelação no efeito meramente devolutivo, teve a adição de mais um inciso, ou seja, será recebida só no efeito devolutivo a apelação de sentença que:

            VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela;

            A antecipacão da tutela foi introduzida no procedimento comum ordinário para combater os males do tempo no processo e pode inclusive ser executada provisoriamente, aplicando-se, no que couber, as regras do art. 588, incisos II e III do CPC.

            Doutrina e jurisprudência têm entendido, com acerto, que na antecipação dos efeitos tutela não se abrevia apenas a sentença de mérito, mas a sua própria implementação/execução.

            Ora, se a decisão interlocutória que defere a antecipação da tutela pode ser executada provisoriamente e se ela desafia recurso de agravo, cujo efeito originário de recepção é meramente devolutivo, com idêntica carga deve ser recebida a apelação da sentença que confirma a antecipação, sob pena de se conferir mais efetividade à interlocutória do que à própria sentença.

            É intuitivo, porém, que na maioria dessas apelações os recorrentes pedirão ao Relator a concessão do efeito suspensivo, na forma do art. 558, § único do CPC.

            Vejamos, por fim, os embargos infringentes, que apesar das duras críticas quanto à sua manutenção, foi prestigiado pela reforma.

            Se foi equivocada sua sobrevida, pelo menos restringiram sua abrangência.

Art. 530

            " Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência."(NR)

            Apenas a reforma da sentença de mérito, por maioria, é que permitirá estes embargos. Sentença de mérito confirmada por maioria não desafiará os infringentes. Igual destino terá qualquer sentença que não tenha analisado o mérito, seja ela mantida ou reformada por maioria de votos.

            Também só caberão os infringentes na hipótese de procedência do pedido da ação rescisória. Antes, para dar ensejo aos Embargos Infringentes, bastava a maioria de votos no julgamento de apelação e de rescisória.

 

Art. 531

            Interpostos os embargos, abrir-se-á vista ao recorrido para contra-razões; após, o relator do acórdão embargado apreciará a admissibilidade do recurso."(NR)

            Logo após a interposição será aberta vista para as contra-razões e somente depois delas dar-se-á o juízo de admissibilidade, o que é mais correto, porque na resposta o recorrido poderá suscitar preliminares que inviabilizem o processamento dos embargos, o que facilita o trabalho do julgador na fase de admissão do recurso.

            No sistema anterior, se dava o inverso (antiga redação do 531 e do 534).

 

Art. 533

            "Admitidos os embargos, serão processados e julgados conforme dispuser o regimento do tribunal."

            O art. 533 remete o processo e julgamento para o Regimento Interno dos Tribunais, o que é correto.

            A propósito, comentou o Des. Silveira Lenzi, do TJSC:

            " Admitidos os embargos – diz o novo texto – serão processados e julgados conforme dispuser o Regimento Interno do Tribunal. O parágrafo único que trata da escolha do relator, entende-se que foi revogado, uma vez que a matéria foi transferida para o dispositivo seguinte" (Novas alterações do Código de Processo Civil, www.tj.sc.gov.br – Informativos e Dicas)

 

ART. 534

            "Caso a norma regimental determine a escolha de novo relator, esta recairá, se possível, em juiz que não haja participado do julgamento anterior."(NR)

            Ainda nos socorrendo das observações do Des. Silveira Lenzi:

            " O novo art. 534, complementa o anterior com a reformulação da redação: caso a norma regimental determine a escolha de novo relator, este recairá, se possível, em juiz que não haja participado do julgamento anterior. Revogado, igualmente, o parágrafo único do dispositivo atual.

            " A modificação nos textos comentados, remetendo o procedimento para o Regimento Interno dos Tribunais é mais correta, uma vez que cada uma destas Cortes – dentro do princípio da autonomia constitucional (arts. 24 e 125) –, cria suas leis de organização judiciária e regimentos internos, de acordo com as peculiaridades do Poder Judiciário de cada Estado."

 

CONCLUSÕES

            É inegável a capacidade técnica e o bom propósito da Comissão encarregada de propor as reformas do Código de Processo Civil, mas como registrou o Prof. Egas Muniz de Aragão, na palestra de abertura deste Congresso, há um certo grau de empirismo nos projetos de reformulação, principalmente pela falta de diagnóstico científico do que seja efetivamente necessário reformular e pela ausência de aferição do êxito ou do fracasso das reformas já implementadas.

            Apesar de tudo que já se fez, percebe-se que o processo ainda não é tratado como um mecanismo de instrumentalidade operacional; ao contrário, tem se revelado como uma espécie de vampiro do direito material, que suga as atenções da verdadeira estrela da atividade jurisdicional, que é o conflito de interesses.

            É certo que essa visão não decorre de mero atavismo comportamental, mas também é fruto do próprio sistema legal disponível.

            As reformas têm sido extremamente pontuais e mesmo quando se modifica todo um procedimento, como se deu com o comum sumário, são mantidas idéias que não libertam a máquina judiciária para dar vazão ao enorme volume de demandas que se atulham nos Fóruns.

            O processo de que precisamos é aquele que atenda ao perfil do mercado, que hoje é de atacado, não de varejo.

            Não é mais possível conviver com uma postura processual de artesanato, cheia de detalhes e filigranas, muitas vezes com contornos inúteis.

            Atingir uma produção de massa bem qualificada é certamente nosso maior desafio, porque o consumidor dos serviços judiciários quer resultados.

            Apesar de sua boa concepção, o CPC é pródigo em incidentes perfeitamente dispensáveis.

            O apensamento é um destaque permanente e há formalidades que algemam a lógica. Essa cultura infelizmente perdura. Veja-se, a propósito, que por esta última reforma do CPC, o relator poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido (art. 527, II). Ao invés de simplesmente comunicar tal decisão ao juiz da causa, o Código determina que o Agravo seja remetido à origem e que fique apensado aos autos principais. Qual o sentido jurídico e prático de tal providência? Todas as peças que formaram o Instrumento já estão no processo principal. Para que apensar?

            Vejamos outras incoerências verificadas, por exemplo, no procedimento comum ordinário:

            1)a incompetência absoluta é alegada como preliminar da contestação, mas a relativa gera um incidente apensado, com suspensão do processo;

            2) a impugnação ao valor da causa é deduzida em peça própria e é autuada em apenso;

            3) a assistência, quando impugnada, é desentranhada do processo e forma um incidente (art. 51);

            4)a oposição, oferecida antes da audiência de instrução e julgamento, será apensada aos autos principais (art. 59);

            5)a reconvenção deve ser manejada em petição distinta da contestação; a denunciação à lide e outras intervenções de terceiro também.

            6)Os requisitos estruturais da sentença, com relatório, fundamento e dispositivo têm bolor originário e assim por diante.

            Isso demonstra como o processo, de modo geral, poderia ser simplificado, sem qualquer risco à ampla defesa e ao contraditório.

            O princípio da concentração, presente no procedimento sumário e no Juizado Especial, poderia inspirar uma reforma ampla do procedimento ordinário, extirpando vários atos e formalidades perfeitamente dispensáveis.

            Hoje, no âmbito do Juizado Especial, v.g., não há relatório para a sentença e é dispensável o acórdão quando a decisão de primeiro grau é confirmada por seus próprios fundamentos. Por que não exportar tal objetividade para o juízo comum, liberando o Magistrado para decidir a lide e enfrentar o mérito da causa, sem desperdício de tempo e de energia jurisdicional?

            Fala-se na Súmula Vinculante, mas não se pensa em oportunizar ao Magistrado a edição de uma decisão sumária quando vier a adotar a Súmula, sem necessidade de fundamentação aditiva.

            Na verdade, ainda estamos muito distantes de um procedimento comum mais singelo, compacto e concentrado.

            Outra questão nuclear é a inversão da fase conciliatória, que hoje se dá no saneamento, quando já há relação processual instalada.

            Antes de formar litígios e acirrar ainda mais os ânimos, dever-se-ia tentar a conciliação numa fase embrionária do procedimento, não pelo improviso de conciliadores leigos, mas por Magistrados Conciliadores, especialmente adestrados com técnicas de mediação.

            A composição é arma importante não só para solucionar um processo, mas para resolver uma relação litigiosa. Pouco adianta conceder uma reintegração de posse, fazer cumprir a decisão e as partes continuarem a nutrir ódio recíproco. Se conseguirem transacionar seus direitos, o fato social é atingido na origem e não volta a se reproduzir.

            Enquanto não se instala entre nós o espírito da mediação e da conciliação, temos que buscar soluções mais inteligentes para resolver pelo menos aquelas lides que estão postas.

            O desafio é árduo, mas para conseguir superar a demanda de pleitos que crescem em progressão geométrica nas distribuições dos foros é indispensável uma reforma ampla dos procedimentos cognitivos e da estrutura formal das decisões judiciais.

            Sem concentração de atos, unificação de prazos e simplificação de rotinas, continuaremos prisioneiros de um formalismo que nasceu ilógico e que está ultrapassado há muito tempo.

 


Referência  Biográfica
Paulo Henrique Moritz Martins da Silva
  –  Juiz corregedor do Tribunal do Justiça de Santa Catarina, professor de Direito Processual Civil

Palestra proferida no 16º CONAEC – Congresso Nacional De Advogados De Empresas De Consórcio, em Campinas (SP).

E-mail: phmm3034@tj.sc.gov.br

Evolução da reparabilidade plena: atecnia do artigo 953 do Código Civil de 2002

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*Gustavo Passarelli da Silva –

A responsabilidade civil no direito brasileiro

            A responsabilidade civil é tema que ganha foro de amplitude em nosso direito, o que de certo modo já ocorria em países como a França e Alemanha desde tempos mais remotos.

            Com efeito, a criação da teoria da responsabilidade civil deve ser creditada, indiscutivelmente, ao direito francês, donde nossos legisladores sempre buscaram inspiração e mesmo auxílio para exercer o poder legiferante, valendo o mesmo para os pretórios, quando da solução dos casos concretos.

            Obviamente que para efeito de escorço histórico, em tempos antigos, o que prevalecia era a vingança generalizada, onde toda a coletividade se sentia lesada pelo ilícito a outrem, e por sua vez, causava dano de igual magnitude ao que foi provocado.

            Posteriormente, houve a vingança pessoal, onde a vítima poderia, em defesa da sua honra ou de seus direitos, fazer o que julgasse adequado com o devedor da obrigação inadimplida, ou ainda, com o causador do ato danoso.

            Com a evolução das relações sociais, notadamente a revolução industrial, o modelo até então utilizado não mais era satisfatório, razão pela qual se fez necessária a intervenção do Estado (Lei Aquilia), que avocou para si o direito de punir os infratores da lei.

            Inicialmente, a regra geral era da responsabilidade subjetiva, em que a prova da culpa era incumbência da vítima, partindo-se ao depois para a aceitação, em determinadas hipóteses, de uma presunção de culpa (que era a idéia original do artigo 1521 e incisos, combinada com a interpretação que em um primeiro momento poderia ser dada ao artigo 1523 do Código Civil de 1916), para modernamente falar-se na responsabilidade objetiva, onde o responsável somente se exime do dever de ressarcir se provar a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou força maior. Há ainda aqueles que preconizam, como Aguiar Dias, a teoria do risco-criado, uma espécie de responsabilidade objetiva ainda mais pujante.

            Por certo que existe a tendência, até certo ponto extremamente consonante com o ideal de justiça que informa o instituto, de se conceder a mais ampla indenização possível, levando-se ao ápice a aplicação do princípio de que nenhum direito lesado deve ficar sem a correspondente reparação.

            Vários são os exemplos criados, mas a própria orientação dada pela doutrina e seguida pela jurisprudência, no que diz respeito a interpretação dos dispositivos legais do Código de 1916 que tratam da responsabilidade civil, levam a crer que o caminho da reparabilidade plena e da responsabilidade objetiva como regra era inevitável.

            Tal assertiva é corroborada pela reforma implantada na atual sistemática, onde restou sacramentado, a contrario sensu do Código Civil de 1916, que a regra geral pode ser considerada como da responsabilidade objetiva, o que aliás já constava do Código de Defesa do Consumidor.

            De fato, referida tendência já se mostrava irreversível, de modo claro e insofismável, quando os doutrinadores e julgadores, diante da inexistência em nosso ordenamento jurídico de um dispositivo como o artigo 1384 do Código de Napoleão, por exemplo, tiveram de buscar amparo no artigo 17 Código das Estradas de Ferro, para impor a responsabilidade objetiva em acidente ocorridos nessa modalidade de transporte.

            A ousadia, para a completa satisfação de Aguiar Dias (ferrenho defensor da aplicação irrestrita da reparabilidade civil), restou caracterizada de forma incontroversa quando passou-se a invocar o artigo 17 do Código das Estradas de Ferro não somente em casos de acidente ocorridos em ferrovias, mas também em rodovias e nos mais variados meios de transporte, sendo uma demonstração de qual patamar pode ser atingido pelo exercício teleológico para a satisfação do direito dos jurisdicionados.

            Aceita-se, inclusive, como dá a entender Rui Stoco, dentre outros, que nos casos de acidente de trabalho, ainda que se trate de responsabilidade contratual (artigo 186 da Lei 10.402/02, portanto, que depende da prova de culpa ou dolo), deva tratar-se objetivamente a obrigação de indenizar. Da mesma maneira na responsabilidade médica, em caso de intervenções cirúrgicas estéticas.

            Prova inconcussa de que a reparabilidade plena era o status buscado pelo nosso direito vem da interpretação dada pela jurisprudência e doutrina ao artigo 1521 e incisos, combinada com o artigo 1523 do Código Civil de 1916, ao tratar da responsabilidade por atos de terceiros.

            Inegável que a interpretação literal desses comandos legais não deve ser outra a não ser de que se trata de responsabilidade subjetiva, especialmente pelo que diz o artigo 1523, ao estabelecer que "Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte."

            Todavia, como a exegese literal dos artigos que tratam da responsabilidade por ato de terceiro mostrou-se de todo insatisfatória no campo prático, dado que era impossível em muitos casos fazer prova da culpa e da negligência (como se essa última não fosse parte integrante da primeira) do responsável pelo ofensor, e por conseguinte, não conceder a reparação almejada, não houve outra solução a não ser a criação de nova interpretação, transmudando a responsabilidade para objetiva, valendo lembrar o saudoso WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, que considerava não escrito o artigo 1523 do Código Civil.

            Referido entendimento veio a ser consolidado pelo Código Civil de 2002, que em seu artigo 933 dispõe que As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos."

            Os comentários feitos nos parágrafos acima são de relevo, pois torna-se necessário explicitar a clara tendência de nossa doutrina e jurisprudência em verter pela responsabilidade objetiva para regra geral, de forma a atingir a mais ampla reparabilidade, o que denota-se de maneira extremamente clara pela nova disposição dos artigos que tratam da responsabilidade civil no Código Civil de 2002.

 

Dano material e dano moral – noções gerais

            Não mais se admite discussão a respeito da reparabilidade do dano moral, situação essa que vinha se firmando desde antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo ao depois positivada pela atual ordem constitucional e corroborada pelo Código de Defesa do Consumidor. O reconhecimento da indenizabilidade dessa modalidade de patrimônio foi definitivamente esposado pela legislação infraconstitucional, conforme se depreende da leitura do artigo 186 do Novo Código Civil, ao mencionar que "qualquer espécie de dano, ainda que meramente de natureza moral, é passível de indenização".

            Quanto ao dano material, pode-se dizer que é qualquer lesão causada aos interesses de outrem e que venha a lhe causar diminuição patrimonial.

            AGUIAR DIAS, autor que com mais afinco tratou da matéria ensina que "A idéia do interesse (id quod interest) atende, no sistema de indenização, à noção de patrimônio como unidade de valor. O dano se estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente que existe após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não tivesse sido produzido: o dano é expresso pela diferença negativa encontrada nessa operação. (Da Responsabilidade Civil, 7ª Edição, Editora Forense, Volume II, p. 798)

            Quando se fala em dano patrimonial, é possível a divisão em duas subespécies, quais sejam, danos emergentes e o lucros cessantes, sendo o primeiro aquele efetivamente experimentado pela vítima, que pode ser aferido por simples operação aritmética, e o segundo pelo que ela razoavelmente deixou de ganhar em virtude do ato ilícito.

            No caso dos danos emergentes, maiores dificuldades não devem existir para o operador do direito, posto que a simples verificação da diminuição patrimonial é suficiente para conceder a indenização, sendo que a prova também é de maior facilidade.

            O mesmo não ocorre no que se refere aos lucros cessantes, pela própria impossibilidade de previsão quanto a fatos futuros, que independem da vontade das partes. Como forma de se conceder a mais ampla indenizabilidade, passou-se a aceitar, em casos que tais, a prova de perda de acréscimo patrimonial, baseada nas regras gerais da experiência comum, ou seja, em critérios flutuantes, cuja principal característica é a previsibilidade.

            Portanto, quando o prejuízo a ser ressarcido referir-se a lucros cessantes, deve-se considerar a previsibilidade de ganho que a vítima deixou de auferir, ou como diz o artigo 1059 do Código de 1916 (sem alterações pelo novo diploma), o que "efetivamente deixou de ganhar e o que razoavelmente deixou de lucrar".

            Quanto ao dano moral, maiores dificuldades encontraram doutrina e jurisprudência para a fixação de um conceito de ampla aceitação, especialmente em virtude do pensamento daqueles que entendiam pela impossibilidade da indenização desta modalidade de dano.

            Vale novamente a menção ao ensinamento de AGUIAR DIAS, ao dizer que "Com os danos não patrimoniais, todas as dificuldades se acumulam, dada a diversidade dos prejuízos que envolvem e que de comum só têm a característica negativa de não serem patrimoniais." (ob. cit., p. 812)

            YUSSEF SAID CAHALI, invocando lição de DALMARTELLO, aduz que "Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, ‘como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos"(Dano Moral, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 20).

            Com efeito, aqueles que preconizavam a inviabilidade do dano moral, apegavam-se a argumentos que atualmente não mais encontram eco nem sustentação, tais como a inestimabilidade do patrimônio moral (devido a subjetividade dos critérios a serem observados), a situação vexatória de trazer a público assuntos de íntimo interesse, a possibilidade de locupletamento, extremado arbítrio concedido ao julgador para fixação do quantum, dentre outros, que restaram completamente soterrados pela nova concepção a respeito da responsabilidade civil, bem como pelos diplomas que atualmente tratam do assunto.

            A aceitação do dano moral passou por vários momentos, valendo ressalva para o entendimento de que este dano somente poderia existir quando houvesse reflexos patrimoniais, o que seria o mesmo que negar sua existência.

            Com efeito, referido posicionamento restou sufragado pela edição da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, onde reconheceu-se, de forma definitiva, a independência entre o dano moral e material.

            Assim, o dano moral é amplamente indenizável, valendo menção ao Código Civil de 2002, que em seu artigo 186 (Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito) reconhece expressamente sua existência, antes citada apenas no Código de Defesa do Consumidor, no que foi precedido pela Constituição Federal.

 

O artigo 1547 e parágrafo único do Código Civil de 1916:

            Apesar da inexistência de diplomas legais que tratassem diretamente do dano moral antes do advento da Constituição Federal de 1988, doutrina e jurisprudência nunca se mostraram insensíveis à existência desse patrimônio que não se poderia reduzir a números através de simples operação aritmética, buscando a interpretação de dispositivos de lei que assegurassem a indenização em casos tais.

            Exemplo clássico dessa situação é o artigo 1547 e parágrafo único do Código Civil de 1916, ao tratar da responsabilidade pela injúria e calúnia. Com efeito, o dispositivo alude, em seu caput, para a expressão dano, que será passível de ressarcimento, sem contudo, especificar de qual espécie de dano estaria a se referir.

            A justificativa é óbvia, pois no momento em que foi produzido aquele diploma, não era reconhecida a possibilidade de indenização do dano meramente moral, sendo que essa espécie de patrimônio sequer era reconhecida pelo mundo jurídico, resguardando-se somente ao campo da moral.

            Todavia, o parágrafo único do artigo 1547, em sua redação, delimita que "Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva", podendo-se dizer que se trata de conhecimento reflexo da existência do dano moral, como de resto se verifica em vários outros artigos do Código Civil de 1916 (1.537, 1.543, 1.548, 1.549 e 1.550).

            Com efeito, ao autorizar que a parte poderia ser indenizada, ainda que não restasse provado o prejuízo material, intentou o legislador uma forma reflexa de conceder indenização por dano estritamente moral para alcançar a reparabilidade plena, pois havia casos em que a prova do dano se tornava extremamente difícil para a vítima, o que, em última instância, ocasionava a impossibilidade de pacificação social através da negativa da tutela jurisdicional.

            Assim, doutrina e jurisprudência sempre foram categóricas em aceitar que o parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil de 1916, era uma forma de reconhecimento, ainda que indireto, da possibilidade de indenização por dano moral, o que era plenamente aceitável, tendo em vista o princípio da reparabilidade plena e os ideais de justiça que norteiam a responsabilidade civil, segundo os quais não se poderá deixar uma lesão a direito alheio sem o devido ressarcimento.

            J. M. CARVALHO SANTOS aduz que "Não seria possível tolerar que o dano material não fosse indenizado integralmente. Nem se poderia admitir que tamanho absurdo fosse acolhido conscientemente pelo legislador. Pelo que se impõe a conclusão: o intuito da lei foi determinar que a indenização, no caso de ter resultado prejuízo material, nunca poderia ser inferior ao valor da multa, ainda que efetivamente o valor do dano não atingisse a importância em que foi ela arbitrada na condenação. O excesso é concedido ao ofendido a título de indenização de dano moral." (Código Civil Brasileiro Interpretado, Editora Freitas Bastos, Volume XXI, p. 354)

            Alguns autores, contudo, como é o caso de AGOSTINHO ALVIM, entendem o parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil está a criar uma espécie de forfait, ou seja, criou um dano material presumido.

            Todavia, esse não é o entendimento mais adequado, com o respeito que merece o jurisconsulto, no que nos acompanha parcela majoritária da doutrina, entrevendo na hipótese em comento uma indenização por dano moral, reconhecido de forma reflexa. É o que diz YUSSEF SAID CAHALI, invocando o escólio de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, ao aduzir que "com esse dispositivo prevê o Código a indenização do dano moral; em muitos casos, adotado referido critério, o ressarcimento não corresponderá à intensidade do mal. Na falta de outro, porém, adotou-se o referido critério, a fim de subtrair o aplicador da lei ao indeterminado e arbitrário." (ob. cit., p. 304)

            Não é discrepante o entendimento de RUI STOCO ao prelecionar que com a letra do parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil "Estava consagrada a existência e a indenizabilidade do dano moral." (Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, p. 690).

            A razão pela qual o entendimento de que o parágrafo único trata de indenização por dano extrapatrimonial é por demais simples, podendo ser resumida da seguinte forma: o Código Civil de 1916 não previa a indenização pela dor moral, no que era acompanhado pelo maciço entendimento doutrinário e jurisprudencial da época, contemplando tão somente os atos ilícitos que provocassem diminuição no patrimônio da vítima. Como havia casos em que a prova do prejuízo era por demais difícil ao lesionado, o que acabava por conduzir ao julgamento de improcedência do feito, em absoluta dissonância com ideais que norteiam a responsabilidade civil, a solução foi criar uma possibilidade de se indenizar a vítima, em casos de calúnia e injúria, ainda que não houvesse efetiva comprovação do evento.

            Deve-se esclarecer que a maioria, senão a totalidade, dos casos de indenização por calúnia ou injúria refere-se a lucros cessantes, ou seja, a perda de rendimentos que a vítima tenha experimentado em virtude do ato ilícito, verbi gratia, o profissional liberal que tenha sua clientela reduzida ou que não consiga ampliá-la em virtude de propagação de ofensas injustificadas que denigram sua imagem.

            Vale a ressalva, neste caso, de que o lucro cessante, pela própria dificuldade natural de prova, admite a previsibilidade do dano, o que se pode extrair da leitura do artigo 1059 do Código Civil de 1916, quando utiliza-se da expressa "do que razoavelmente deixou de lucrar".

            Portanto, não é necessária a prova inconcussa do prejuízo material para que se receba a correspondente indenização por lucros cessantes, bastando tão somente a demonstração, de modo razoável, do ganho que se deixou de auferir.

            Outra situação de importância, ainda referente ao parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil, diz respeito ao fato de que é autorizada a indenização, mesmo que não exista prova do dano (sendo que nos lucros cessantes esse onus probandi é deveras amenizado), o que somente é aceitável em um sistema legal que visa o mais amplo ressarcimento, sem contudo contar com todos os meios necessários, que era o caso da sistemática antiga, no qual não existia a previsão para o dano moral.

            Conclui-se, portanto, que no contexto do Código Civil de 1916, era plenamente justificável a manutenção do parágrafo único do artigo 1547, dado que se trata de uma forma de reconhecimento da possibilidade de indenizar-se o dano moral, sendo de se ressaltar que a reforma do Projeto de 1975 não andou bem na alteração que introduziu em nosso ordenamento positivo.

O artigo 953 do Código Civil de 2002 – atecnia do legislador e problemas para a fixação do quantum indenizatório:

            O novo Código Civil trouxe inovação ao artigo 1547 do diploma de 1916, que de fato encontrou muitos problemas para a fixação da indenização prevista no parágrafo único, posto que havia dificuldades para a aferição em decorrência da aplicação da multa no direito penal.

            A nova redação, ao menos aparentemente, veio a resolver os problemas dantes verificados quanto ao arbitramento da indenização de acordo com o direito penal, ao estatuir, no parágrafo único, que "Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso."

            A primeira questão que se verifica diz respeito ao fato de que no caput, do artigo 953 existe a expressão dano, da mesma forma como existia no artigo 1547 do Código de 1916.

            Naquela época poderia se imaginar que estar-se-ia tratando tão somente de dano material, posto não existir aceitação quanto ao patrimônio moral. Todavia, este pensamento não mais é admissível atualmente, considerando-se que existe absoluta independência entre essas duas modalidades de patrimônio, a teor do que estabelece a Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor, a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, bem como o artigo 186 do Código Civil de 2002.

            Portanto, a interpretação adequada do caput do artigo 953 deve ser, inexoravelmente, de que está a se tratar tanto do dano moral como material, até porque as duas espécies de prejuízo podem-se verificar por ocasião da calúnia, injúria ou difamação, ainda que separadamente.

            De outra mão, o parágrafo único deste dispositivo é categórico ao mencionar que o dano material, quando não puder ser provado, será fixado por eqüidade (forfait, como preconizava Agostinho Alvim), analisando-se as peculiaridades do caso concreto.

            As críticas ao referido dispositivo são várias, mas devem centrar-se, para efeito deste artigo, em dois pontos fundamentais, a saber: a) possibilidade de indenização sem prova do dano; b) utilização de critérios subjetivos para a fixação do dano material, com a possibilidade de condenação em duplicidade do dano moral.

            A questão da condenação sem a correspondente prova deve ser analisada à luz da sistemática atual. Como dito, no Código de 1916 a justificativa para a reparação sem a devida comprovação do evento danoso residia no fato de que não existia, à época, o reconhecimento explícito do dano moral, razão pela qual não se poderia deixar sem reparação um dano, ainda que de natureza material, mas que não pudesse ser provado.

            Todavia, hodiernamente este entendimento não é mais passível de aceitação, posto existir, de forma inescondível, a possibilidade de condenação por dano moral, tão somente.

            Assim, o caput do artigo 953 do Código Civil de 2002, ao utilizar a palavra dano deixa em aberto a possibilidade de ressarcimento a ambos os patrimônios, o moral e o patrimonial.

            Dessarte, não mais existe justificativa para a utilização da expressão prejuízo material no parágrafo único deste artigo, pois sua mantença seria o mesmo que negar a existência do dano moral, situação inadmissível no atual estágio de desenvolvimento de nosso direito positivo.

            Outrossim, quando se analisa a modalidade de dano prevista no parágrafo único, a aceitar-se que se trata de material, deve-se reconhecer que está a se falar de lucro cessante, haja vista a necessidade de demonstração da perda de rendimentos em virtude do ato calunioso, difamatório ou injurioso.

            Ora, ainda que no caso dos lucros cessantes a necessidade de prova não se mostre tão contundente como no casos dos danos emergentes, é de se reconhecer que pelo menos a previsibilidade da redução patrimonial deve ser demonstrada pela vítima, sendo que da leitura da redação ao parágrafo único do artigo 953 extrai-se, de forma iniludível, de que a prova é prescindível.

            FISCHER, citado por AGUIAR DIAS, pondera que "O direito seria demasiadamente severo se exigisse ao prejudicado a prova matemática irrefutável de que essa outra possível circunstância se não seria produzido, nem o lucro previsto deparado com qualquer obstáculo. Mas, por outro lado, a experiência constante ensina-nos que os mais exagerados, menos fundados pedidos de indenização, tem precisamente seu fundamento neste conceito imaginário dos lucros frustrados. Ao direito compete distinguir nitidamente estas ‘miragem de lucro’, como lhes chama DERNBURG, da verdadeira idéia de lucro." (ob. cit., p. 801)

            Portanto, ainda que se admita, em linha de princípio, que os lucros cessantes, para que sejam comprovados, devam receber tratamento mais brando, é de se ter em mente que pelo menos o mínimo de prova deverá ser produzido, o que não se depreende da leitura do parágrafo único do artigo 953 do Código Civil de 2002.

            É de se concluir que, ainda em casos de extrema dificuldade na produção da prova, como por exemplo os profissionais liberais (advogado), é possível, ou pelo menos plausível, que se consiga uma presunção dos lucros cessantes.

            Assim, em última análise a possibilidade de condenação sem a devida prova somente era admissível quando do advento do Código de 1916, pois, neste caso, o que se pretendia, ainda que de forma reflexa, era proporcionar a reparação pelo dano moral experimentado.

            Já na nova sistemática, onde o espectro de atuação da responsabilidade civil ganha inegável amplitude, e considerando-se a independência do dano moral em relação ao patrimonial, não se pode aceitar que a condenação do prejuízo material seja feita sem a devida prova, ou mesmo por eqüidade.

            Neste momento ganha importância outro ponto deste estudo, qual seja a utilização da eqüidade para a fixação do dano material. Como dito, o desfalque patrimonial experimentado pela vítima do ilícito deve ser de pronto aferido (danos emergentes) ou ao menos presumivelmente concretizado (lucros cessantes), sendo que, em um ou outro caso, deve-se partir da prova produzida pelas partes.

            Pode-se dizer, portanto, que a forma mais adequada é a perquirição do dano efetivamente verificado. Importante o aviso de AGUIAR DIAS quanto às tendências modernas de se estender o campo da indenização: "Deve-se concluir desde logo pela aplicação do dano consumado. Adotar alvitre oposto seria firmar tão importante ponto de partida em base flutuante, causa de erros e incertezas: esse critério jamais nos proporcionaria ‘uma idéia segura sobre o alcance dum dano nem nos garantiria, com firmeza, a qualidade danosa dum fato, já que o prejuízo inicial pode vir a ser, no fim de contas, atenuado ou mesmo compensado por um benefício equivalente, que igualmente provenha deste fato." (ob. cit., p. 796/797)

            Mostra-se de todo injustificável, portanto, a mantença do parágrafo único tal como fora redigido, admitindo-se a indenização do prejuízo material ainda que inexistente a prova do evento, pois, em última instância, caberia à vítima o ressarcimento pelos danos morais, que inclusive poderiam ser majorados, ante a dificuldade da prova do dano patrimonial.

            De outra mão, é de se considerar que a utilização da eqüidade para a fixação do dano material pode induzir a injustiças, pior, ao indesejado bis in idem, pois ao adotar o magistrado as circunstâncias de cada caso concreto, certamente deverá aproveitar-se dos critérios previstos para o arbitramento do dano moral, subjetivos por essência, o que não é concebível.

            Como dito, para a fixação do dano material, ainda que se trate de lucros cessantes, deve partir de critérios objetivos, mesmo que presuntivos. Todavia, ao aceitar-se a utilização da eqüidade, aliada às circunstâncias do caso concreto, estar-se-á a autorizar o julgador a valer-se dos mesmos critérios para o arbitramento de danos que não se confundem, como muito bem salientou a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.

            No caso do parágrafo único do artigo 953 do CC novo, é louvável a intenção de ampliar as hipóteses de indenização, mas tal desiderato não pode significar a violação aos princípios mais comezinhos para a caracterização do dever de indenizar e da fixação do quantum.

            Assim, tem-se por irrefutável, salvo melhor entendimento, a afirmação de que ao aceitar-se a utilização da eqüidade para a fixação do dano material, quando este não puder ser provado, estar-se-ia condenando duas vezes pelo dano moral, dada a subjetividade que se faria necessária para a aferição da extensão do prejuízo e a devida reparação.

            Pode-se dizer, portanto, que a atecnia existente na redação do artigo 953 e parágrafo único do Código Civil de 2002 não é compatível com a realidade jurídica que ora se apresenta, especialmente porque induz a erros que podem desvirtuar o instituto da responsabilidade civil, não proporcionando, por conseguinte, a pacificação social.

 


Referência  Biográfica

Gustavo Passarelli da Silva  –  Advogado em Campo Grande (MS), professor de Direito da Universidade Católica Dom Bosco

E-mail: gustavo@pithan-loubet.com.br

O valor da causa nas ações de dano moral

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* Gustavo Passarelli da Silva –

Introdução

            O valor da causa, por não raras vezes, deixa de receber a atenção que lhe merece ser dispensada, diante das importantes conseqüências que acarreta para o deslinde da questão posta à apreciação do Judiciário.

            Como exemplo, pelo valor da causa é que se estabelece o montante das custas a ser recolhido, o tipo de procedimento que pode ou deve ser adotado, o parâmetro para a fixação dos honorários de sucumbência, sem contar com o bem da vida que está se perseguindo.

            Por todos esses motivos, dentre outros que não cabe aqui declinar, a lei processual prevê uma séria de requisitos para a fixação do valor da causa quando do ajuizamento da ação, bem como faculta às partes, e mesmo ao juiz ex officio, tomar as medidas cabíveis para a eventual necessidade de adequação.

            A regra geral é de que todo o pedido deve ser certo e determinado, admitindo-se, como exceção o pedido genérico, nas hipóteses elencadas pelo artigo 286 do Código de Processo Civil.

            Neste ponto, ganha relevo o tema a ser abordado neste artigo, pois as ações de indenização por dano moral não se enquadram em nenhuma das exceções à regra, previstas nos incisos I a III, do artigo 286 do CPC, bem como não existem na legislação critérios objetivos para a aferição do quantum. Assim, em muitas hipóteses, pode-se afirmar na maioria dos casos, vem sendo adotado o pedido genérico para a fixação do valor da causa em ações dessa jaez. Todavia, tem-se que essa não é a melhor solução para o problema, como será a seguir explicitado.

Da inexistência de critérios objetivos para a fixação do quantum do dano moral a ser indenizado

             A despeito do prestígio de que hodiernamente desfruta o dano moral, sem contar com sua ampla autonomia e a multifacetária ocorrência, é de se concluir que não existem critérios rígidos a serem observados para sua quantificação, a não ser os parâmetros existentes na lei, que no início eram utilizados pela analogia, como é o caso da Lei de Imprensa e do Código das Telecomunicações, situação essa que não mais subsiste pela incontestável inviabilidade, consoante remansoso entendimento doutrinário e jurisprudencial.

            Obviamente que não é tarefa fácil a fixação do valor da indenização nestes casos pois, ao contrário do que ocorre com os danos materiais, é impossível a recomposição do patrimônio moral, dado que o sofrimento não tem preço. O que se pretende, tão somente, é proporcionar um estado de conforto à parte lesada, servindo também de caráter punitivo e repressivo para o agressor, no intuito de inibir nova prática nesse sentido, sendo de se mencionar que o direito pátrio adota, em parte a teoria norte americana dos punitives damages.

            Todavia, várias circunstâncias devem ser levadas em consideração para aferir-se o quantum a ser indenizado, como por exemplo o grau de cultura, a posição social, a repercussão do dano na vida íntima da vítima, sem contar com outros, como por exemplo a capacidade de pagamento do ofensor, seu grau de culpabilidade, podendo-se dizer que as nuanças são tão numerosas quanto as possibilidades de ocorrência do dano extrapatrimonial.

            Nada obstante a inexistência de critérios objetivos para a fixação do dano, existe a grande preocupação no sentido de que o instituto do dano moral no Brasil não se transforme em indústria de enriquecimento ilícito, tal como se verifica nos Estados Unidos da América.

            Portanto, é de lembrar-se que a atividade do magistrado na fixação do valor da indenização por dano moral deve pautar-se pelo comedimento, de modo a não proporcionar o locupletamento, bem como não ridicularizar a vítima e o próprio Judiciário, concedendo-se indenizações em valores módicos, especialmente pela falta de elementos fornecidos pelos dispositivos legais aplicáveis à espécie.

Das hipóteses previstas no artigo 286 do código de processo civil

            Para aqueles que entendem que nas ações de indenização por dano moral o pedido poderia ser feito de forma genérica, a solução para o problema encontrar-se-ia no inciso II, do artigo 286 do Código de Processo Civil, ou seja, segundo essa corrente de entendimento não seria possível determinar a extensão do dano experimentado, o que somente poderia ser aferido com maior grau de certeza na instrução do processo e coleta de provas necessárias.

            Tal argumento não procede sob vários aspectos. Com efeito, para que haja a propositura da ação de dano moral é necessário que a lesão ao direito tenha já se verificado na esfera íntima do ofendido, posto que se assim não for, certamente lhe faltará interesse de agir.

            De outro vértice, é de se entender que as provas que serão produzidas em fase de instrução e julgamento do processo servirão tão somente para corroborar as alegações de dano feitas na inicial e, à falta de critérios objetivos na legislação para o seu arbitramento, não é a coleta de provas que será o fator determinante neste sentido. Pode-se dizer, então, que a coleta de provas pelo magistrado quando da instrução probatória é concernente à formação de seu poder de convencimento, com relação que ao que alegado pelo autor da demanda.

            Ademais, estribando-se na presunção de que todos, em princípio são de boa-fé (e que nestes casos não procurarão o enriquecimento ilícito), inegável que a pessoa mais adequada para quantificar o quanto será necessário para lhe proporcionar um estado de conforto, em virtude de um dano experimentado, será o próprio autor da ação, cabendo ao juiz tão somente adequar o pedido em caso de exorbitância.

            Ora, partindo-se do pressuposto de que para a propositura da ação de dano moral mister se faz a verificação de sua ocorrência, não é lícito deixar ao julgador que faça o arbitramento, sem que pelo menos se espelhe na estimativa apresentada pelo autor.

            As hipóteses insculpidas no artigo 286, em que se admite o pedido genérico, são consideradas exceções e como tal devem ser analisadas, restritivamente. Uma vez que o dano já foi causado, a liquidação que eventualmente se faça no transcurso da ação é tão somente para corroborar as alegações do autor na inicial, não para determinar sua extensão, que como já dito, cabe à vítima. Cita-se, neste sentido, ensinamento de JOEL FIGUEIRA JR.:

            "Ora, se a regra estabelecida é a formulação de pedido certo e determinado, e a hipótese vertente deixa de se enquadrar em qualquer dos três incisos mencionados, assim deverá proceder o autor, quando da formulação de seu requerimento na peça inaugural, sob pena de vir a ser rejeitada, se, eventualmente, não suprida a omissão (art. 284, CPC).

            Em situações como essa e outras similares, não é função do Estado-juiz fixar o valor da indenização mediante o seu "prudente arbítrio" (conforme chavão forense), porquanto a expressão representa nada menos do que um pedido de julgamento por eqüidade (critério eqüitativo), vedado como regra e só admitido nos casos expressamente previstos em lei (art. 127, CPC)."

            (Comentários ao Código de Processo Civil, Volume 4, Tomo II, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 93)

            Importante, em atenção ao fim pretendido pelo presente artigo, continuar trilhando os ensinamentos do jurista supra mencionado, que elucida de forma ímpar o problema enfrentado pelos operadores do direito em casos que tais:

            "Portanto, no exemplo apontado, haverá o autor de estabelecer, na inicial, o quantum pretendido, a título compensatório, em face da morte do ente querido, levando em conta os critérios norteadores das abalizadas doutrina e jurisprudência para o dano moral, atendendo assim a orientação legislativa voltada à definição do pedido certo e determinado, que servirá de bússola para o juiz durante a instrução e, em particular, no momento da prolação da sentença."

            (ob. cit., p. 93)

            Assim, é de se considerar que nos casos de indenização por dano moral a parte que os sofreu deverá mensurar a quantia que entende ser suficiente para tentar recompor a situação anterior, a despeito da dificuldade natural desta pretensão.

Da necessidade de fixação ao valor da causa nas ações de dano moral

            Tendo em vista que não se aplicam às ações de indenização por dano moral nenhuma das hipóteses previstas no artigo supra citado, é de se concluir que não deverá ser admitida a fixação do valor da causa em montante irrisório em situações que tais, deixando-se ao magistrado a determinação do quantum.

            A justificativa muitas vezes encontrada para a fixação genérica do valor da causa em ação de dano moral é de que se o juiz condenar o réu em quantia inferior ao eventualmente requerido na inicial haveria sucumbência recíproca. Ainda, de que caberia tão somente ao julgador quantificar o dano moral, inclusive para coibir abusos das partes ao ajuizar a demanda, pretendendo valores exorbitantes.

            Outro argumento que ganha corpo em sede de ação de dano moral é a respeito das custas judiciais, que são calculadas em razão do fato do valor atribuído à causa. Segundo aqueles que entendem dessa forma, a determinação de quantia alta na inicial restringiria o acesso à justiça daqueles desprovidos de condições financeiras.

            Todavia, em que pese a força desses argumentos, bem como o abalizado entendimento doutrinário que suporta essas proposições, o caminho mais adequado para a solução do problema deve respaldar-se na regra geral do artigo 286 do Código de Processo Civil, onde o pedido deverá ser certo e determinado.

            A questão da sucumbência recíproca não merece prosperar no caso de condenação por dano moral quando reste minorado o pedido feito na inicial, pois é de se concluir que o objetivo da demanda (a verificação da ocorrência do dano e da conduta ilícita do réu foi atingido, havendo tão somente a atividade do Judiciário para adequar o quantum.

            Obviamente, declinado um valor como o pretendido pelo autor da ação, não está o julgamento de procedência do pleito adstrito à condenação, in totum, da quantia almejada, cabendo ao magistrado adequar o pedido à realidade da situação que envolve as partes.

            Dessarte, não procede o argumento no sentido de que a minoração do valor da condenação, em relação ao declinado na inicial, induziria à sucumbência recíproca, e consequentemente à aplicação do parágrafo único do artigo 20 do Código de Processo Civil. O que importa, neste caso, é a procedência do pedido (de condenação) e não a sua quantificação, que caberá ao julgador adequá-la à realidade. Importante, neste sentido, é o ensinamento de JOEL DIAS FIGUEIRA JR., rebatendo o pensamento daqueles que entendem haver a sucumbência recíproca:

            "O equívoco daqueles que assim procedem é manifesto, pois, além de burlarem o Fisco e as orientações instrumentais, no tocante à valoração da causa, que necessita estar em sintonia com o pedido e com a causa de pedir, temem inutilmente, em razão de uma fixação do quantum em importância inferior à pedida, tendo em vista que tal circunstância não representa acolhimento parcial do pedido, assim como ele não estará parcialmente vencido. Nesses casos, não há sucumbência recíproca, à medida que o postulante viu prosperar, integralmente, o seu pedido imediato (fundado em pretensão ressarcitória), assim como o pedido mediato foi também atendido, fixado apenas em quantia inferior à pretendida."

            (ob. cit., p. 94)

            A lição supra citada também encontra eco na jurisprudência, dado que o Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida no Recurso Especial nº 21.696-9-SP, julgado em 25.05.1993, publicado no DJU em 21.06.1993, p. 12.366, sob o relato do Ministro Cláudio Santos dispôs que, "sendo meramente estimativo o valor da indenização pedida na inicial, não ocorre a sucumbência parcial se a condenação fixada na sentença é inferior àquele montante."

            Outrossim, vale salientar que a questão das custas judiciais não se traduz em empecilho intransponível para o ajuizamento da ação, pois aqueles que não podem arcar com os custos de uma demanda judicial certamente poderão valer-se dos benefícios concedidos pela Lei 1.060/50.

            No que diz respeito ao dano moral, por se tratar de patrimônio íntimo, subjetivo, impossível de aferição econômica exata, o que se persegue na demanda não é a recomposição do status quo ante (até mesmo porque tal seria impossível), mas sim proporcionar à vítima uma sensação de conforto, bem como imputar ao agressor uma penalidade de monta suficiente a inibi-lo a reincidir na conduta ilícita, sem contudo, levá-lo à bancarrota.

            Partindo-se do pressuposto de que o objetivo da indenização do dano moral é o acima citado, tem-se que ninguém melhor do que o próprio ofendido para determinar a quantia ideal que lhe proporcionará um certo conforto, diante da situação vexatória pela qual passou, considerando-se também a impossibilidade de se restaurar uma situação pretérita.

            Certamente existe o argumento de que referida linha de pensamento levaria, inexoravelmente, a pedidos exorbitantes, insuflando-se a indústria da indenização.

            Tal insurgência não procede da mesma forma. Com efeito, é de se reconhecer que o Código de Processo Civil, em seu artigo 14, traça as normas de conduta para as partes, sendo que em princípio, a boa-fé é presumida.

            Ainda, mesmo em se considerando que pedidos vultosos e desconectados com a realidade possam ser feitos, é de se lembrar que ao julgador cabe a aplicação do direito, e por via de conseqüência a pacificação social, o que significa dizer que será perfeitamente admissível a adequação do quantum, por ocasião da sentença. Este é o ensinamento de YUSSEF SAID CAHALI:

            "Em substância, a questão pertinente ao valor da causa na ação de reparação de dano moral resolver-se por via de estimativa unilateral do autor, que se sujeita contudo ao controle jurisdicional, remarcando ainda pela provisoriedade."

            (Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, p. 694)

            Assim, se o ofendido é a pessoa mais adequada para estimar o tamanho do prejuízo de ordem íntima que sofreu, em decorrência do ato ilícito do qual foi vítima, é de se reconhecer que as ações fundadas em indenização por dano moral devem ter seu pedido certo e determinado, visto que não se incluem nas hipóteses previstas no artigo 286 do Código de Processo Civil.

            Também não prospera o argumento daqueles que entendem que poderá o autor da ação não se referir a quaisquer valores no transcurso da sua petição inicial, requerendo tão somente a verificação da existência do dano e responsabilidade por parte do agente, para depois aferi-lo em liquidação de sentença, nos moldes do artigo 608 e seguintes do Código de Processo Civil.

            Certamente, a própria instrução probatória já é suficiente para demonstrar a existência do dano, bem como a culpa do ofensor, razão pela qual adotar esse posicionamento significa o mesmo que ir de embate aos princípios da economia processual e da efetividade da jurisdição.

            Apesar de dissenso ainda existente na jurisprudência, pode-se dizer que o caminho a ser trilhado certamente será o da necessidade de fixação do valor da indenização pretendida na inicial, valendo transcrever a seguinte ementa, emanada do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO:

            "Valor da causa – Indenização por dano moral – Pedido líquido – Valor que representa o conteúdo econômico da demanda – Valor da causa que a ele deve corresponder – Recurso não provido."

            (Agravo de Instrumento n. 270.421-1- Pirajuí – 8ª Câmara Civil – Relator Des. Antônio Villen – 4.10.95 – votação unânime)

            Interessante é a impugnação a ser feita nestes casos, pois não caberia ao requerido nesta ação impugnar o valor da causa e declinar o valor da indenização que deveria ser pago. Portanto, entende-se que o caminho mais correto é que o magistrado, utilizando-se do mandamento do artigo 284 do Código de Processo Civil, determine ao autor que emende a petição inicial no prazo de 10 dias, sob pena de indeferimento.

 


Referência  Biográfica

Gustavo Passarelli da Silva  –  Advogado em Campo Grande (MS), professor de Direito da Universidade Católica Dom Bosco

E-mail: gustavo@pithan-loubet.com.br

A polêmica data de vigência do novo Código Civil

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* Vladimir Aras –

             Em recente artigo, o professor J. A. Almeida Paiva defendeu, com acerto, que o novo Código Civil entrará em vigor em 11 de janeiro de 2003.

            Todavia, a polêmica não cessa nas substanciosas considerações do estimado advogado paulista, com quem concordo quanto à data de entrada em vigor do novo Código, mas divirjo quanto ao método de determinação desse dies ad quem.

            É que há uma incoerência (ilegalidade "vertical", diria eu) no art. 2.044 do Código Civil de 2002, por ter estabelecido o prazo de "vacatio legis" da nova norma civil utilizando o critério anual: "um ano", na forma: "Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação".

            Facilmente se identifica o problema. É que o §2º do art. 8º da Lei Complementar Federal n. 95/98, alterada pela LCF n. 107/2001, determina expressamente que as leis brasileiras (todas elas) devem estabelecer prazo de vacância em dias, somente em dias (e não em anos ou em meses), com a cláusula "esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação".

            Não se trata de mero detalhe ou firula, pois a LCF n. 95/98, por ser complementar (arts. 59, inciso II, e 69 da Constituição de 1988), exige quórum mais qualificado para aprovação (maioria absoluta) e é hierarquicamente superior ao Código Civil de 2002, que não passa de lei ordinária. Quando a Lei n. 10.406/2002 foi publicada, já estava em vigor o preceito cogente da norma complementar federal.

            Há quem discorde da idéia da existência de ilegalidade vertical, ao fundamento de que não se dá cotejo hierárquico entre lei complementar e lei ordinária. Mas, ainda que afastada esta opção (não de todo descartada), é preciso observar que a matéria em questão (elaboração de diplomas normativos) tem reserva de lei complementar por expressa disposição constitucional (art. 59, parágrafo único, da CF).

            Sendo assim, o Código Civil de 2002 devia (e deve) obediência à Lei Complementar n. 95/98, que veio a lume exatamente para regular a forma de elaboração e redação das leis nacionais, atendendo ao comando do art. 59, parágrafo único, da Carta de 1988. Então, é patente a ilegalidade vertical entre o art. 2.044 do novo Código Civil e o art. 8º, §2º, da LCF n. 95/98, quando o estatuto civil adotou o critério anual, descartando o critério unificador, da contagem em dias. De qualquer modo, havendo ou não a ilegalidade vertical, o art. 2.044 do Código Civil de 2002 terá desconsiderado matéria sujeita a cláusula constitucional de reserva de lei complementar.

            Se o art. 2.044 do Código Civil de 2002 tivesse estabelecido o prazo da vacância em dias, 365 dias, em lugar de fazê-lo em 1 (um) ano, como o fez, teríamos reduzido substancialmente (quiçá eliminado) a polêmica em torno da exata data de início da vigência do novo Código e de outras tantas leis ordinárias.

            Pelo critério ora proposto, deve-se ler o art. 2.044 do novo Código Civil, como se tivesse estabelecido o prazo da vacância do diploma em 365 dias (e não 1 ano). Contando-se esse prazo em dias na forma do §1º, do art. 8º, da LCF 95/98 (com inclusão da data da publicação e do último dia do prazo), chegamos ao dia 11 de janeiro de 2003 como de início da vigência do novo Código Civil (Lei Federal n. 10.406/2002). São 21 dias em janeiro de 2002, 28 dias em fevereiro, 31 dias em março, 30 em abril, 31 em maio, 30 em junho, 31 em julho, 31 em agosto, 30 em setembro, 31 em outubro, 30 em novembro e 31 em dezembro, totalizando 355 dias. Para os 365 dias da "vacatio legis", contam-se mais dez dias em janeiro de 2003, até o dia 10, alcançando-se o marco legal ou dies ad quem, termo final de contagem.

            É fácil entender: o Código Civil de 2002 foi publicado no Diário Oficial da União de 11 de janeiro de 2002. Os 365 dias da vacância, começando-se a contagem pelo próprio dia 11/01/2002, inclusive, levam-nos ao dia 10 de janeiro de 2003, inclusive. Logo, aplicando-se conjuntamente os §§1º e 2º do art. 8º, da LCF 95/98, tem-se que o dia subseqüente, 11 de janeiro de 2003, é o da entrada em vigor do novo Código Civil, independentemente do conceito de ano civil previsto pela Lei n. 810, de 1949.

 


Referência Biográfica
 
 
Vladimir Aras
  –  Promotor de Justiça na Bahia
 
E-mail: vladimiraras@terra.com.br

Um novo enfoque crítico sobre a despersonalização da pessoa jurídica no Processo do Trabalho

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* André Antonio Araújo de Medeiros –

             Muito já se falou sobre a chamada "Teoria da Despersonalização da Pessoa Jurídica", que nada mais é do que a aplicação, no Brasil, da doutrina mercantil inglesa do disregard of legal entity, ou seja, descortina-se a personalidade jurídica empresarial, atingindo-se os bens dos sócios, em caso de má administração, abuso de direito ou fraude à execução.

            O presente estudo sobre o qual nos propusemos a firmar enfatiza a aplicação da sobredita "Teoria da Despersonalização" em âmbito trabalhista, onde vem sendo largamente utilizada sob a primordial justificativa segundo a qual o empregado não corre o risco do empreendimento, atribuição esta de exclusiva responsabilidade do empregador.

            Cumpre observar, desde já, que o principal sustentáculo dessa justificativa encontra fundamento na não participação do empregado nos lucros auferidos pela empresa, hipótese esta imensamente já superada, uma vez que vem se tornando comum empresas – pequenas, médias e grandes – que possibilitam a efetiva participação dos empregados em seus lucros.

            A nosso ver, a despersonalização da pessoa jurídica no processo do trabalho, então aplicada indiscriminadamente com base no artigo 28, do Código de Defesa do Consumidor, bem como pelo disposto no Decreto n.º 3.708/19, não pode ser efetivada sem levar em conta os aspectos subjetivos ensejadores da "fraude", "abuso de direito" ou "má-administração" da pessoa jurídica, pré-requisitos da disregard doctrine.

            Outrossim, como comprovar, por exemplo, a má administração ou a fraude empresarial?

            Será que o simples fato de a empresa não possuir bens suficientes para, em fase de execução, responder por seus débitos trabalhistas, chega a caracterizar má-administração, abuso de direito ou fraude? Não será possível ocorrer o insucesso empresarial em virtude, por exemplo, da forte imposição das leis de mercado? Ou em virtude da concorrência, muitas vezes até desleal? Como desvendar a vontade supostamente ilícita manifestada pela pessoa jurídica? É possível desconsiderar a personalidade jurídica quando, mesmo havendo insucesso empresarial, não se desvirtua o objetivo social da empresa? Quais as condutas exercidas pelos sócios aptas a configurar a chamada "má administração"?

            Numa atitude confortável, quando se posicionam alheios a todas as indagações acima formuladas, inúmeros magistrados nacionais, em seus julgados, simplesmente aplicam a despersonalização da personalidade jurídica, sem qualquer aferição criteriosa dos requisitos legais e obrigatórios para tal procedimento, como também sem mergulhar no íntimo das definições e causas do pretenso abuso de direito no uso da pessoa jurídica, já que a relatividade do direito da personalização jurídica nos leva, inarredavelmente, à teoria do abuso de direito, então forjada pela jurisprudência dos tribunais franceses.

            Diga-se de passagem que o novo Código Civil, em seu artigo 50, além de estender a desconsideração da pessoa jurídica também aos administradores da empresa, impõe a despersonalização em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Mas, como pode haver o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial sem analisar-se os elementos da fraude e do abuso de direito? Poderemos aplicar tal linha objetivista (1), entabulada por Fábio Konder Comparato (2), ao processo do trabalho?

            Entendemos que não. Sem a devida comprovação do elemento subjetivo e intencional, com a clara finalidade de ocultar a ilicitude ou a fraude, não há como, a nosso ver, aplicar a disregard doctrine em âmbito trabalhista, alcançando os bens dos sócios, por ausência de expresso dispositivo legal nesse sentido, aplicável especificamente à Justiça do Trabalho.

            Isso porque, o disposto no artigo 2.º, da CLT, que considera empregador a empresa, individual ou coletiva, que assume os riscos da atividade econômica, deve ser interpretado com temperamentos, pelo menos em relação à desconsideração da pessoa jurídica. A uma, porque, como dito, as empresas já vêm adotando efetivas formas de participação nos lucros para os empregados, dividindo, com isso, os riscos da atividade econômica. A duas, porque tal dispositivo legal deve ser aplicado nos casos em que há necessidade de se descobrir quem é o efetivo empregador, inclusive, porque elenca, logo em seguida, hipóteses de pessoas equiparadas aos empregadores, sem, no entanto, e de forma clara e expressa, mencionar a possibilidade de despersonalização jurídica.

            Assim, utilizar o sobredito dispositivo laboral para descortinar o véu da pessoa jurídica é uma verdadeira ignomínia, uma vez que não há sequer qualquer relação entre a desconsideração da personalidade jurídica e a norma encartada no artigo 2.º, da CLT. Pensar o contrário, consiste em um enorme e pouco aconselhável esforço hermenêutico.

            Por outro giro, utilizar o parágrafo único, do artigo 8.º, da CLT ("o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste"), como fundamento à desconsideração da pessoa jurídica em foro trabalhista, não deve prevalecer, uma vez que o próprio artigo 20, do ainda vigente Código Civil, pela mesma linha de raciocínio, igualmente aplicável, dispõe que "as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros". Independentemente disso, não entendemos ser possível caracterizar o desvio de finalidade, descortinando a personalidade jurídica, sem a conseqüente e detida análise jurídica acerca da clara ocorrência dos institutos da "fraude", "abuso de direito" e "má-administração", requisitos estes que, hodiernamente, vêm sendo esquecidos e menosprezados em diversas decisões trabalhistas.

            Deve-se ressaltar, entretanto, que, com o presente estudo, não estamos tentando desqualificar o crédito trabalhista, eminentemente de natureza alimentar e dotado de superprivilégio (art. 100, da CF, e art. 186, CTN), mas apenas objetivando expor a real problemática em torno da despersonalização da pessoa jurídica, na seara trabalhista, bem mais complexa do que pensam alguns.

            Por outro lado, concordamos com a aplicação da disregard doctrine nas relações de consumo, tendo em vista a existência de norma jurídica específica a tais relações, então encartada no artigo 28, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), desde que integralmente estejam preenchidos todos os requisitos capitulados nesse artigo.

 

Notas

            1. Conforme o seguinte julgado paradigma: "Execução trabalhista. Responsabilidade objetiva dos sócios. Despersonalização do empregador. No Processo do Trabalho, a responsabilidade dos sócios é objetiva, respondendo os mesmos com seus respectivos patrimônios no caso de descumprimento de obrigações trabalhistas, de forma a obstar o locupletamento indevido do trabalho alheio. É facultado ao Juiz, nesse caso, adotar a teoria da despersonalização do empregador, insculpida no "caput" do art. 2º da CLT, de modo que o crédito trabalhista persegue o patrimônio para onde quer que vá, como um direito de seqüela. Se o patrimônio da empresa desaparecer, pouco importando a causa, os sócios, diretores e dirigentes respondem com seus patrimônios particulares." (TRT/SP, 8ª Turma, Processo 029603117006, Ac. 02970004580, DOJ, 16-1-1997)

            2. COMPARATO, Fábio Konder. "O Poder de Controle na Sociedade Anônima, 3.ª ed., Rio de Janeiro, 1983, p. 284-6.

 

 

Bibliografia

            OLIVEIRA, Francisco Antonio de. "Manual de Penhora – Enfoques Trabalhistas e Jurisprudência". Revista dos Tribunais, 2001, São Paulo.

            MARTINS, Sérgio Pinto. "Direito do Trabalho". 14.ª ed., Atlas, 2001, São Paulo.

            GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. "Novo Curso de Direito Civil", Vol. I – Parte Geral, Saraiva, São Paulo, 2002.

            CAHALI, Yussef Said. "Fraudes Contra Credores", 2.ª ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999.

 

 

Referência Biográfica

André Antonio Araújo de Medeiros  –  advogado em Salvador (BA)

E-mail: amedeirosadvs@uol.com.br



A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda

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* Cecília Rodrigues Frutuoso –

1. Introdução

            O Estado, desde que chamou para si o direito de solucionar os conflitos, tem o dever de prestar a jurisdição eficaz. A preocupação com a segurança das decisões fez com que o processo demandasse certo tempo para chegar ao momento da prolação da sentença.

            Entretanto, muitas vezes a parte não pode esperar esse tempo necessário para o convencimento judicial, já que se a sua pretensão não for satisfeita urgentemente, de nada adiantará esperar o resultado do processo, pois mesmo que seu direito seja reconhecido, ele não mais poderá ser exercido. Ou então, quando o réu sabendo que o autor terá o seu direito reconhecido, resiste ao processo só para protelar a decisão judicial, prejudicando ainda mais o autor.

            Assim, o legislador, com a reforma de 1994, criou um instituto que permite, desde que presentes os seus requisitos, a antecipação de efeitos concretos da sentença.

            A doutrina moderna vem abordando a possibilidade de antecipação desses efeitos, também com relação àquela parte da demanda que não está mais controvertida, satisfazendo assim o direito do autor, sem que este tenha que esperar até o provimento final.

            A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda é uma solução que foi encontrada para os casos em que a demanda está parcialmente resolvida seja porque o réu não contestou determinados fatos, ou reconheceu uma parte do pedido, ou ainda, quando existem pedidos cumulados e alguns deles não se encontram mais controvertidos.

            Além de verificar a tutela antecipada quando existe a urgência, busca-se estudar o instituto quando o réu, de maneira protelatória deixa de cumprir com o seu dever de lealdade com o processo, ou seja, quando não há mais controvérsia a respeito de determinado fato ou direito e o réu deixa de satisfazer o direito do autor.

2. Tutela antecipada

            2.1. Breve histórico

            A tutela antecipada, apesar de ter sido criada com essa denominação em 1994 com o novo art. 273 do Código de Processo Civil, já existia em nosso ordenamento jurídico, muitas vezes com natureza diversa da atual, mas sempre procurando antecipar os efeitos da sentença diante da urgência.

            Nelson Nery Jr. ressalta a semelhança estrutural da tutela antecipada com os interditos possessórios, "pois os interditos adiantam os efeitos executivos do provimento jurisdicional de mérito". (1)

            Além das possessórias, Nelson Nery Jr. (2) esclarece que existiam ainda no direito brasileiro outros instrumentos destinados a antecipar os efeitos da tutela de mérito, como a liminar nos writs constitucionais; em ação civil pública; na ação de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente; na busca e apreensão de menor em poder de terceiro, quando desnecessária a propositura da ação principal; nos embargos de terceiro, etc.

            O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 84, também possui uma figura muito semelhante com o atual art. 461 do Código de Processo Civil.

            Willian Santos Ferreira (3) cita ainda as liminares previstas na Lei 8.245/91, Lei do Inquilinato, nas hipóteses do art. 59, § 1o, que prevê a desocupação do imóvel, e do art. 68, II, que trata da revisional de aluguel. Ressalta, entretanto, que apesar de tais providências se assemelharem à tutela antecipada, são de natureza diversa.

            Além desses institutos, há ainda o que se denominou impropriamente de "cautelar satisfativa", onde se antecipava o próprio bem da vida pretendido pela parte requerente. As cautelares satisfativas contrariavam a natureza jurídica da tutela cautelar, mas como não havia outra medida eficaz, permitia-se o uso da cautelar como tutela satisfativa e não apenas assegurativa. Atualmente, com o advento do art. 273 do Código de Processo Civil, esse tipo de cautelar não pode mais ser admitida.

            Portanto, a tutela antecipada não é um instituto totalmente novo, mas surgiu para organizar as situações que muitas vezes a jurisprudência, verificando a urgência que era necessária, antecipava efeitos ou o próprio provimento final.

            O estudo sobre a tutela antecipada, propriamente dita, iniciou-se segundo Nelson Nery Jr. (4), no 1o Congresso Nacional de Direito Processual Civil, que aconteceu em Porto Alegre, em julho de 1983, organizado pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, coordenado pelo Prof. Dr. Ovídio Araújo Baptista da Silva.

            Em 1985, uma comissão formada pelos Profs. Drs. Luiz Antônio de Andrade, José Joaquim Calmon de Passos, Kazuo Watanabe, Joaquim Correia de Carvalho Jr. e Sérgio Bermudes, apresentou anteprojeto de modificação do Código de Processo Civil. Nelson Nery Jr. comenta que neste projeto: "colocou-se a tutela antecipatória junto com a tutela cautelar, tratando duas realidades distintas como se fossem a mesma coisa". (5)

            A Comissão da Escola Nacional da Magistratura, em 1991, reformulou os antigos projetos, colocando a tutela antecipada no livro do processo de conhecimento.

            Em 1992, foi publicada a primeira obra sobre o tema, de autoria de Luiz Guilherme Marinoni – Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória.

            Finalmente, em 1994, pela Lei 8.952/94 inseriu-se no ordenamento jurídico brasileiro a tutela antecipada, dando nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil. No mesmo ano, a regra do art. 84, § 3o do Código de Defesa do Consumidor e do art. 213 do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo a antecipação da tutela específica nas obrigações de fazer e não-fazer, estendeu-se a todo processo civil, através do art. 461 do CPC.

            2.2. Generalidades

            Antes de adentrarmos ao estudo da tutela antecipada, cumpre-nos fazer algumas observações essenciais à perfeita compreensão da antecipação da tutela, diferenciando alguns institutos.

            2.2.1. Tutela e Provimento

            Entende-se por tutela aquilo que se visa com o processo, ou seja, o pedido mediato do autor; já o provimento é a resposta ao pedido do autor, a prestação jurisdicional, ou seja, o pedido imediato.

            Esclarecendo a diferença entre pedido imediato e pedido mediato, diz Humberto Theodoro Jr.: "o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1o, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e 2o, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência de direito material". (6)

            Em outras palavras, o provimento tem relação com o direito processual, é a resposta jurisdicional ao pedido do autor; e a tutela tem relação com o direito material, é o bem da vida que o autor visa obter com a prestação jurisdicional.

            Como explica Willian Santos Ferreira:

            "(…) anteriormente ao processo, verifica-se a previsão legal aplicável (sem a eficácia concreta); no segundo momento, durante o processo, ter-se-á o reconhecimento da previsão legal aplicável (provimento – não importando se a ação é julgada procedente ou improcedente), e, por último, a concretização, materialização deste reconhecimento (tutela efetiva)." (7) (grifos nossos)

            Como se percebe, a tutela encontra-se após o provimento, somente depois deste é que ela será obtida. Conclui-se, então, que o provimento é o meio para se alcançar a tutela. Assim:

            "(…) alcançar o bem da vida almejado através do provimento satisfativo (caráter instrumental = meio) é a concretização do preconizado direito material.

            Daí parece claro que a tutela só pode considerar-se efetivamente alcançada quando verificar-se esta concretização. E aqui temos a instrumentalidade executada no escopo de alcançar-se a tão almejada efetividade, ou seja, a concretização do preconizado no direito material." (8)

            Portanto, com o instituto da tutela antecipada, visa-se antecipar os efeitos da tutela e não do provimento, ou seja, antecipar os efeitos concretos do pedido mediato.

            2.2.2. Antecipação dos Efeitos da Tutela e Antecipação da Tutela

            O art. 273 do Código de Processo Civil fala em antecipar os efeitos da tutela pretendida. Verifica-se, portanto, que antecipar os efeitos da tutela não é o mesmo que antecipar a tutela.

            Não se antecipa a tutela condenatória, declaratória ou constitutiva, mas sim os efeitos que qualquer uma delas produziria no plano de direito material.

            Confirmando essa diferenciação, diz José Roberto Bedaque:

            "Assim, na tutela condenatória, a própria satisfação do direito é antecipada, ainda que parcialmente, com o início dos atos materiais de execução, mesmo sem que haja condenação prévia e, portanto, sem o título executivo." (9)

            2.3. Alcance da antecipação

            Os efeitos do pedido da parte podem ser antecipados total ou parcialmente. A fixação dos limites da tutela antecipada não é ato discricionário do juiz, devendo estar sempre vinculado ao princípio da necessidade. (10)

            Assim como na sentença, o juiz não pode conceder mais, diversamente, ou menos do que o requerido pela parte, mas pode antecipar parcialmente o pedido da parte. Esse requerimento refere-se ao pedido de antecipação e não ao pedido final.

            2.4. Oportunidade para requerimento e concessão

            A antecipação dos efeitos da sentença final pode ser requerida pela parte legitimada, desde que presentes os requisitos, na inicial, após a contestação, durante o processo e até mesmo em grau de recurso, já que não existe na lei nenhuma limitação à concessão desta na hipótese do inciso I do art. 273.

            O juiz pode conceder a antecipação da tutela a qualquer tempo, até mesmo inaudita altera parte, ou seja, antes da entrada do réu no processo. Tal medida se justifica, porque muitas vezes a urgência não permite que se espere pela citação e contestação do réu, podendo tornar ineficaz a antecipação.

            O princípio do contraditório não constitui óbice para a concessão da tutela antecipada inaudita altera parte, pois neste caso haverá um contraditório diferido, realizado num momento posterior. Além disso, a reversibilidade da tutela antecipada, garante que o réu não sofrerá qualquer prejuízo com a sua manifestação posterior à decisão.

            A liminar antecipatória jamais poderá assumir o efeito exauriente da tutela jurisdicional. Mesmo deferida in limine, o processo forçosamente terá de prosseguir até o julgamento final de mérito (§ 5o). Por isso a liminar prevista no novo art. 273 pode conviver com o princípio do contraditório. (11)

            Se o juiz não conceder a tutela antecipada de plano, poderá marcar audiência de justificação prévia, citando-se para tanto o réu. Willian Santos Ferreira (12) entende que essa audiência poderá ser marcada também para permitir ao requerente da tutela antecipada a produção de prova testemunhal, já que a lei não restringiu a comprovação dos requisitos da prova inequívoca e verrossimilhança apenas às provas documentais.

            Já na hipótese do inciso II, do art. 273, onde se pressupõe um abuso de defesa ou propósito protelatório do réu, o momento de requerimento e a concessão é controvertido na doutrina. Uma corrente diz que "somente pode ocorrer após a resposta" (13). Entretanto, outra corrente diz que a antecipação, nesta hipótese, poderia ocorrer antes da citação e da contestação do réu, ao menos em uma de suas modalidades.

            2.5. Legitimidade para o requerimento

            Pode requerer a tutela antecipada aquele que pretende antecipar um ou alguns dos efeitos que só alcançaria com o provimento final. Portanto, não restam dúvidas de que o autor da ação tem legitimidade para requerer a antecipação, pois é ele quem faz o pedido.

            Se somente quem pede pode requerer a concessão da tutela antecipada, todos os que podem pedir, tem o direito de requerer a antecipação dos efeitos de sua pretensão.

            Além do autor, têm legitimidade, segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, o denunciante, na denunciação da lide; o opoente, na oposição; o autor da ação declaratória incidental (…). O assistente simples do autor pode pedir a tutela antecipada, desde que não se oponha ao assistido. O assistente litisconsorcial, quando no pólo ativo, pode requerer a tutela antecipada, independentemente da vontade do assistido. Saliente-se que, neste caso, o assistente não estará fazendo pedido em sentido estrito, mas apenas pleiteando seja concedida a antecipação dos efeitos da sentença. (14)

            O réu também pode requerer a tutela antecipada quando formula pedido, ou seja, na reconvenção, pois é o autor desta; nas ações de natureza dúplice, pois nestas pode oferecer pedido contraposto e requerer a sua antecipação; ou ainda, quando é autor da ação declaratória incidental, já que assume posição ativa.

            Tratando-se de ação declaratória incidental, como observa Willian Santos Ferreira citando Antonio Cláudio da Costa Machado: "(…) se for ajuizada pelo réu este deverá ter contestado, uma vez que deverá haver impugnação específica para tornar controvertida a relação jurídica prejudicial (…)". (15)

            Ainda seria cabível ao réu propugnar pela tutela recursal antecipada, quando este é o autor do recurso. Willian Santos Ferreira esclarece que: "não é tutela antecipada propriamente dita, uma vez que não se está concedendo o bem da vida almejado (…), estará havendo uma antecipação dos efeitos de um eventual e provável provimento de recurso". (16)

            Na simples contestação, a princípio não seria possível ao réu requerer a antecipação da tutela, mas Luiz Guilherme Marinoni lembra que o réu na contestação não formula pedido, mas solicita a improcedência do pedido, ou seja, uma declaração. Neste caso poderia o réu requerer a tutela antecipada desde que estivessem presentes circunstâncias que o fizessem crer que o autor o impediria de praticar atos que seriam legítimos se a ação fosse improcedente. (17)

            Luiz Guilherme Marinoni cita ainda a hipótese do chamamento ao processo, dizendo que "o autor pode requerer a tutela antecipatória contra o réu originário ou contra os chamados. Se a tutela antecipatória é concedida, a parte que a satisfez deve ser autorizada a executar (também antecipadamente) o devedor principal ou os outros devedores". (18)

            O Ministério Público também poderá requerer a antecipação (19), atuando como parte ou como fiscal da lei, pois tem os mesmos poderes e ônus que as partes. (20)

            2.6. Cabimento

            2.6.1. Ações condenatórias

            Não há dúvidas sobre o cabimento da tutela antecipada nas ações condenatórias. Sobre esse assunto não há divergência na doutrina.

            Discute-se, todavia, se o cumprimento da decisão antecipatória sujeita-se a ação autônoma ou se a medida é cumprida na própria ação de conhecimento. Procurando solucionar a questão, Teori Albino Zavascki, diz que a melhor solução é cumprir a decisão da tutela antecipada na própria ação de conhecimento, mediante ordens ou mandados. Salvo quando se tratar de antecipação de pagamento de quantia certa, pois em tal caso depende-se da vontade do executado ou de atos de expropriação, insuscetíveis de serem realizados na própria ação; devendo nesta hipótese entrar com ação de execução provisória por quantia certa. Outra exceção ocorreria quando a obrigação fosse ilíquida. (21)

            2.6.2. Ações Declaratórias

            As ações declaratórias visam apenas a declaração da existência ou inexistência da relação jurídica; excepcionalmente a lei pode prever a declaração de meros fatos. O provimento jurisdicional invocado exaure-se, nessa hipótese, na decisão quanto à existência ou à inexistência da relação jurídica. (22)

            Assim, verifica-se que o pedido imediato deste tipo de ação (pronunciamento), confunde-se com o pedido mediato (tutela), pois se visa apenas uma declaração e sendo esta feita na sentença, exaure-se também a pretensão material da parte.

            Por este motivo, a doutrina discute a possibilidade de antecipar os efeitos da sentença desse tipo de ação, já que aparentemente o pronunciamento não teria outros efeitos a produzir, além da própria declaração.

            Sobre este tema, Teori Albino Zavascki, prevê a possibilidade de antecipação da tutela somente quando a ação declaratória tiver cunho negativo, dizendo que:

            "Ora, essa eficácia negativa é, certamente, passível de antecipação, o que se dá, necessariamente, mediante ordens de não fazer contra o preceito, ou seja, ordens de abstenção, de sustação, de suspensão, de atos ou comportamentos." (23)

            Seguindo a mesma linha de raciocínio, verifica-se que a tutela antecipada pode ser requerida em ações declaratórias sempre que, além da simples declaração, exista algum efeito concreto desta declaração, como numa ação declaratória de nulidade de título cambial, o efeito concreto dessa declaração de nulidade é a insubsistência do protesto efetuado.

            Portanto, "na ação declaratória é possível a antecipação da tutela quanto a algum efeito executivo ou mandamental da sentença". (24)

            Com relação aos efeitos da ação declaratória, diz José Roberto Bedaque: "os provimentos declaratórios e constitutivos não são antecipados, o que ocorre com apenas alguns dos efeitos a ele inerentes". (25)

            Willian Santos Ferreira entende que cabe tutela antecipada nas ações declaratórias em que forem necessárias "determinadas providências para ajustar-se a realidade reconhecida na sentença" (26). Continua o autor dizendo que referidas ações são aquelas denominadas de "ações declaratórias que tenham repercussões práticas", nos ensinamentos de Kazuo Watanabe, como "a ação declaratória de paternidade em relação aos alimentos; ou as que contenham alguma carga constitutiva, como a de desfazimento da eficácia de um ato nulo, ou a sua propriedade de, apesar de nulo, produzir efeitos". (27)

            2.6.3. Ações Constitutivas

            Processo constitutivo é aquele que visa um provimento jurisdicional que constitua, modifique ou extinga uma situação jurídica. (28)

            Também é grande a divergência quanto ao cabimento da tutela antecipada nas ações constitutivas.

            Doutrinadores renomados, como Teori Albino Zavascki (29), dizem que é incabível antecipar simplesmente efeitos declaratórios ou constitutivos. Referido doutrinador, justifica seu posicionamento afirmando que a antecipação dessas tutelas não traria qualquer efetividade, não sendo compatível com o princípio da necessidade.

            Admitindo o cabimento da tutela antecipada nas ações constitutivas, esclarece Luiz Guilherme Marinoni:

            "É preciso dizer, antes de mais nada, que depois de muita meditação chegamos à conclusão, contrária à doutrina dominante, que não há motivo que possa impedir, na perspectiva técnico-processual, uma constituição ou uma declaração fundada em cognição sumária." (30)

            O raciocínio a ser realizado para se chegar à conclusão do cabimento ou não da antecipação da tutela neste tipo de ação é o mesmo realizado para verificar o cabimento na ação declaratória, atentando para a eficácia ou não dos efeitos antecipados.

            Ora, é claro que não se pode antecipar a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica. Entretanto, nada impede que, presentes os requisitos e verificando que referida antecipação terá utilidade para a parte requerente, possam ser antecipados alguns dos efeitos dessa criação, modificação ou extinção. Exemplificando, diz Kazuo Watanabe:

            "Na ação em que se peça a anulação de uma decisão assemblear de sociedade anônima de aumento de capital, em vez de antecipar desde logo o provimento desconstitutivo, deverá ater-se à antecipação de alguns efeitos do provimento postulado, como o exercício do direito de voto correspondente segundo a situação existente antes do aumento de capital objeto da demanda ou a distribuição de dividendos segundo a participação acionária anterior ao aumento de capital impugnado, etc." (31)

            2.7. Requisitos

            Para a concessão da tutela antecipada exige-se a presença dos requisitos previstos pelo art. 273 do Código de Processo Civil. Podemos dividi-los em requisitos genéricos, que sempre devem estar presentes, e requisitos específicos, que são alternativos, ou seja, apenas o preenchimento de um deles permite a antecipação da tutela.

            2.7.1. Requisitos Genéricos

            2.7.1.1. Requerimento da parte

            Ao juiz é vedada a concessão da tutela antecipada ex officio, ou seja, para que possa ser concedida deve ser requerida pela parte. Como visto anteriormente, o requerimento pode ser feito por qualquer um dos sujeitos legitimados, quais sejam, o autor, o opoente, o denunciante, o autor da ação declaratória incidental, o assistente, o autor do chamamento ao processo, o Ministério Público. Podendo, ainda, ser legitimado o réu, na reconvenção, nas ações de natureza dúplice, na declaratória incidental (quando é o autor), ou quando é recorrente.

            2.7.1.2. Prova inequívoca e verossimilhança da alegação

            Muita divergência existe com relação a exata conceituação desses requisitos. Alguns citam os requisitos como expressões sinônimas, outros os definem com sentido diverso, e outros ainda, conceituam os dois requisitos de forma conjugada.

            A princípio, verificando o sentido literal de cada requisito separadamente, chega-se à conclusão de que são antagônicos, pois prova inequívoca seria uma certeza e não uma verossimilhança.

            João Batista Lopes, tentando solucionar essa questão, diz que:

            "para que a norma não perca sua operatividade não deverão os juízes interpretar literalmente seu enunciado, mas tomar em atenção a ratio legis e, pois, satisfazer-se com prova segura das alegações do autor." (32)

            No mesmo sentido diz Teori Albino Zavascki:

            "O que a lei exige não é certamente, prova de verdade absoluta -, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução – mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade." (33)

            Conjugam-se os elementos prova inequívoca e verossimilhança: aquela haverá de ser suficiente para emprestar verossimilhança à alegação contida na inicial, que constitui causa de pedir (34), atrelando-se à verossimilhança da alegação e não à absoluta certeza de procedência da demanda.

            Para conciliar as expressões "prova inequívoca" e "verossimilhança", aparentemente contraditórias, exigidas como requisitos para a antecipação da tutela de mérito, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre elas, o que se consegue com o conceito probabilidade, mais forte do que verossimilhança, mas não tão peremptório quanto à exigência da prova inequívoca. (35)

            Assim, a parte "deverá oferecer prova inequívoca que confira verossimilhança à alegação (rectius, dos efeitos práticos do provimento)." (36)

            Em acórdão do 2o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo decidiu-se que:

            "(…) as expressões ‘prova inequívoca’e verossimilhança da alegação’, embora se mostrem contraditórias entre si, exigem um juízo valorativo de alta probabilidade, bem próximo da certeza do direito e completamente afastado da situação de dúvida. Somente assim poder-se-á admitir a presença do requisito da irreparabilidade do dano do direito alegado, em confronto com a excludente da irreversibilidade do provimento." (37)

            "Inexistindo prova inequívoca que impeça se convença o juiz da verossimilhança da alegação, e havendo a necessidade da produção da prova, descabe a outorga da tutela antecipada." (38)

            2.7.1.3. Reversibilidade

            A tutela não será concedida se for impossível o retorno ao status quo ante, isto é, se tiver caráter absolutamente satisfativo.

            Mas essa regra deve ser entendida com ressalvas, pois em seu sentido literal chegar-se-ia à conclusão de que nada poderia ser antecipado, pelo perigo da irreversibilidade.

            Para, de forma justa, obedecer este requisito deve-se sopesar as posições do autor e do réu, verificar se a antecipação realmente seria irreversível para o réu ou se a sua não concessão seria irreversível para o autor.

            Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery entendem que:

            "(…) a norma fala na inadmissibilidade da concessão da tutela antecipada, quando o provimento for irreversível. O provimento nunca é irreversível, porque provisório e revogável. O que pode ser irreversível são as conseqüências de fato ocorridas pela execução da medida, ou seja, os efeitos decorrentes de sua execução. De toda a sorte, essa irreversibilidade não é óbice intransponível à concessão do adiantamento, pois, caso o autor seja vencido na demanda, deve indenizar a parte contrária pelos prejuízos que ela sofreu com a execução da medida" (39)

            Eduardo Talamini entende que a determinação do § 2o de não se conceder a tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade não é absoluta. E deve ceder "toda a vez que o interesse que vier a ser gravemente prejudicado pela falta da medida antecipatória for mais urgente e relevante do que aquele que seria afetado pelos efeitos irreversíveis da antecipação. Aplicar-se-á o princípio da proporcionalidade". (40)

            Conclui-se que esse requisito não é absoluto, podendo deixar de cumpri-lo quando o autor for mais onerado pela não concessão do que o perigo de irreversibilidade que o réu poderia sofrer. E se, realmente houver a improcedência da ação e for impossível retornar-se ao status quo ante, deve o autor indenizar o réu pelos prejuízos sofridos.

            Deve-se ainda ressaltar que, como anteriormente se disse, tutela e provimento não se confundem. Tutela se refere ao direito material, ao bem da vida almejado pelo autor. Já o provimento é o pedido imediato, procedência ou não da ação. Dessa forma, provimento é o meio pelo qual se viabiliza a tutela.

            Nessa esteira, o § 2o do art. 273 se refere ao provimento e não a tutela, deve-se então, para atender esse requisito, verificar no caso concreto se o provimento é irreversível, ou seja, se o pedido imediato for reversível, nada obsta a antecipação dos efeitos da tutela. De outra vértice, se a tutela, ou seja, o pedido mediato da ação for irreversível, ainda assim, será perfeitamente possível a concessão da tutela antecipada.

            2.7.2. Requisitos Específicos

            2.7.2.1. Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

            Esta hipótese está prevista no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil. Também é denominada de antecipação assecuratória ou protetiva, pois antecipa por segurança.

            Exige-se como condição para a concessão da tutela antecipada que exista urgência, ou seja, que a parte não possa esperar o tempo necessário para o provimento final, pois se assim o fizesse correria o risco de não conseguir a satisfação de sua pretensão, ocorrendo um dano irreparável ou de difícil reparação.

            É o periculum in mora da tutela cautelar, porém não se confunde com esta como veremos adiante.

            Vicente Greco Filho, conceitua o periculum in mora como: "a probabilidade de dano a uma das partes de futura ou atual ação principal, resultante da demora do ajuizamento ou processamento e julgamento desta e até que seja possível medida definitiva". (41)

            Receio fundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave. (42)

            O risco de dano irreparável ou de difícil reparação é risco concreto, atual e grave. Se o risco é iminente não se justifica a antecipação da tutela. É indispensável a ocorrência do risco de dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte. (43)

            Note-se, que tal reparabilidade do dano pode ser auferida tanto do ponto de vista objetivo como subjetivo. Portanto, considera-se irreparável o dano que não permite nem sua reparação específica e seu respectivo equivalente e, também quando o responsável não tenha condições para efetuar sua restauração.

            Ademais, sempre que ocorrer a supressão total ou inutilização, pelo menos de grande monta, do interesse que se espera com a composição da lide, há dano grave e, conseqüentemente, de difícil reparação.

            2.7.2.2. Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu

            Previsto no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil. Teori Albino Zavascki denomina essa hipótese de antecipação punitiva, ressaltando que tem semelhança com as causas originantes das penalidades impostas a quem põe obstáculos à seriedade e à celeridade da função jurisdicional, previstas no Código de Processo Civil. (44)

            Nessa hipótese não é exigida a urgência como ocorre no inciso I.

            Não há um consenso sobre o significado de abuso de direito de defesa e manifesto propósito protelatório do réu.

            Humberto Theodoro Jr. afirma que ocorre o abuso de direito de defesa "quando o réu apresenta resistência à pretensão do autor, totalmente infundada, ou contra direito expresso, e ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa." (45)

            Beatriz Catarina Dias distingue as expressões da seguinte forma:

            "A referência a abuso de direito de defesa demonstra que o legislador está se referindo a atos praticados para defender-se, ou seja, a atos processuais. Por abuso de defesa seriam entendidos os atos protelatórios praticados no processo (…)

            Já o manifesto propósito protelatório seria decorrente do comportamento do réu, abrangendo atos e omissões fora do processo, não obstante com ele relacionados." (46)

            Outra discussão consiste na possibilidade de o réu praticar atos de abuso de defesa ou de propósito protelatório antes da contestação e até mesmo antes da sua citação.

            Duas correntes existem na doutrina brasileira. A primeira que entende que só seria possível a antecipação da tutela com fundamento no inciso II do art. 273, após a citação do réu. A segunda corrente, a qual Humberto Theodoro Jr. faz parte, admite a possibilidade da antecipação até mesmo antes da citação, pois o abuso de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu "tanto pode ocorrer na contestação como em atos anteriores à propositura da ação, como notificação, interpelações, protestos ou troca de correspondência entre os litigantes". (47)

            2.8. Fundamentação da decisão

            Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento. (48)

            A norma fala da decisão que antecipar a tutela, mas deve ser fundamentada também a decisão que denegar a antecipação.

            Essa exigência de fundamentação para a decisão que concede ou denega a antecipação da tutela só veio para reforçar uma exigência do Código de Processo Civil, em seu art. 165, que dispõe: "as sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso."

            Da mesma forma a Constituição Federal, em seu art. 93, IX, não autoriza ao juiz decidir sem fundamentar, demonstrando as razões de seu convencimento.

            2.9. Executividade

            O § 3o do art. 273 diz que a execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588. Ressalta-se que essa norma somente será aplicada "no que couber".

            O art. 588 refere-se a execução provisória da sentença e seus princípios. Daí, conclui-se a execução da tutela antecipada será sempre provisória.

            Para referida execução provisória da tutela antecipada não será exigida caução, já que excluiu-se o inciso I do art. 588. Porém o restante desse primeiro inciso deve ser seguido, ou seja, a execução provisória corre por conta e responsabilidade do credor, obrigando-o a reparar os danos causados ao devedor. Essa responsabilidade é objetiva, ou seja, não necessita da prova de culpa. (49)

            A execução provisória não abrange atos que importem alienação de domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro (50).

            Sobrevindo sentença que modifique ou anule a decisão que foi objeto da execução provisória, esta ficará sem efeito, restituindo-se as coisas no estado anterior. Entretanto, se referida decisão for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução. (51)

            Willian Santos Ferreira, ressalta que a execução normalmente será realizada nos próprios autos, salvo na hipótese de deferimento por juízo superior em grau recursal ou quando proferida na sentença ou pouco antes desta, devendo ser extraída carta para possibilitar a execução. Por ser execução lato sensu, há a impossibilidade de ajuizamento de embargos à execução. (52)

            2.10. Revogabilidade

            A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, conforme o § 4o do art. 273.

            Teresa Arruda Alvim Wambier ao comentar essa disposição, aduz :

            "Parece, todavia, que se deve entender que esta modificação só pode ter lugar se a situação de fato subjacente ao processo também se alterar e fizer com que, por exemplo, desapareçam os pressupostos da manutenção da medida concedida ou surjam os pressupostos que determinem sua concessão.

            Assim, e mais rigorosamente, não se poderá dizer que a decisão terá sido propriamente alterada, mas o que terá havido terá sido a prolação de outra decisão, para outra situação." (53)

            A modificação da tutela antecipada não pode ser realizada de ofício pelo juiz, mesmo que a situação tenha se alterado, somente sendo admissível quando ocorrer provocação da parte, como a interposição de recurso. Devendo-se utilizar como parâmetro as liminares possessórias. (54)

            Da mesma forma, um pedido de reconsideração da decisão que concedeu ou não a tutela antecipada, não poderia ser apreciado pelo juiz, pois neste caso ocorreu a preclusão pro judicato e como o pedido de reconsideração não é tecnicamente provocação da parte, o juiz nada poderia decidir. (55)

            Essa conduta se justifica, pois se para a antecipação da tutela se exige, embora em cognição sumária, uma convicção mais firme que a exigida para a tutela cautelar, esta idéia de variabilidade da posição do juiz não se coaduna com a solidez da argumentação exigida para a antecipação da tutela. O juiz pode alterar sua decisão se modificados os fatos, e não se modificada a sua percepção a respeito dos fatos. (56)

            Portanto, o juiz não pode modificar ou revogar a tutela antecipada, ex officio, necessitando para tanto da provocação da parte. Willian Santos Ferreira entende que: "da mesma forma que a concessão só pode ocorrer mediante requerimento expresso da parte, a revogação ou modificação também dependem de requerimento", salvo quando se tratar de sentença de mérito, que é fundada em cognição exauriente.

 

Quando a tutela antecipada é concedida e ao final a sentença é de procedência, coincidindo com os efeitos antecipados, desde que não sejam inferiores, não haverá a revogação da tutela antecipada. Neste caso não há sequer a exigência de que o magistrado se manifeste sobre a sua manutenção quando da sentença (57). Até mesmo, se houver apelação, com efeito suspensivo, não haverá a revogação, porque a duração da tutela antecipada tem início no momento de sua concessão, ou seja, da decisão interlocutória e a suspensividade da apelação não atingirá provimentos pretéritos como essa decisão. Mas, se a apelação é provida, haverá a revogação da tutela. (58)

            Em contrapartida, a improcedência do pedido na sentença de mérito, trará como conseqüência a revogação da antecipação concedida.

            2.11. Recurso cabível

            A decisão que concede ou não a antecipação da tutela é decisão interlocutória e pela regra do art. 522 do Código de Processo Civil, o recurso cabível é o agravo.

            Resta saber qual das formas de agravo seria cabível, se poderia ser retido ou por instrumento.

            O agravo retido não seria pertinente por falta de interesse da parte recorrente, pois o que interessa para esta é a cassação ou concessão imediata da tutela antecipada e, de nada adiantaria aguardar até a eventual propositura do recurso de apelação para ver apreciado o agravo retido.

            Dessa forma, o recurso cabível é o agravo, somente na modalidade de instrumento.

            2.12. Distinção com tutela cautelar

            Muita confusão existe no tocante a diferenciação entre a tutela cautelar e tutela antecipada, alguns doutrinadores entendem que não haveria qualquer diferença, enquanto outros citam algumas distinções.

            O primeiro inciso do art. 273 do Código de Processo Civil, que prevê a hipótese da urgência, ou seja, o perigo da demora, é o que mais se aproxima da tutela cautelar, mas ainda assim difere sob alguns pontos. Na tutela antecipada não se antecipa o provimento judicial em si (que definirá a relação jurídica), nem apenas se assegura o resultado. O que se verifica é a antecipação dos efeitos da tutela definitiva, que, na verdade, coincide com o bem da vida almejado pelo autor, é a tutela satisfativa nos planos dos fatos, já que realiza o direito. O que o autor obtém, ainda que provisoriamente, é a admissão de seu pedido mediato, e não do seu pedido imediato, já que este último somente na sentença é que será apreciado.

            De acordo com o entendimento de José Frederico Marques, tutela cautelar:

            "(…) é o conjunto de medidas de ordem processual destinadas a garantir o resultado final do processo de conhecimento, ou do processo executivo". Dispõe ainda que "no processo cautelar, visa-se garantir outro processo, e indiretamente, a pretensão que dele é objeto. O processo cautelar é meio e modo para garantir, complexivamente, o resultado de outro processo, por existir o periculum in mora." (59)

            Portanto, a tutela cautelar gera efeitos no âmbito processual, pois garante a efetividade da demanda principal e jamais será satisfativa.

            Nesse mesmo sentido Willian Santos Ferreira diz que:

            "A tutela cautelar destina-se a assegurar a eficácia (prática) do processo de conhecimento ou de execução, não se concedendo, portanto, o próprio bem da vida almejado, mas apenas assegurando que, uma vez reconhecido judicialmente o cabimento de tal pretensão, aí sim o bem da vida seja entregue, sendo isto possível porque a eficácia prática da sentença foi protegida, acautelada". Cita Piero Calamandrei que se refere à cautelar como: "dar tiempo a la justicia de cumplir eficazmente su obra." (60)

            Enquanto na tutela cautelar concede-se no presente a proteção do que provavelmente será obtido no futuro, na tutela antecipada concede-se no presente o que só provavelmente seria obtido no futuro. A tutela antecipada diz respeito ao próprio direito objeto da ação, enquanto que a tutela cautelar consiste num meio colateral de ampará-los.

            A tutela antecipada pode ser requerida dentro do próprio processo, na petição inicial, ou a qualquer tempo. Portanto, não é requerida através de processo autônomo. A tutela cautelar é requerida em processo autônomo, porém, acessório ao principal.

            Para a concessão de tutela antecipada faz-se necessária a conjugação dos dois requisitos gerais, quais sejam: prova inequívoca e verossimilhança da alegação. Assim, exige-se para a sua concessão uma cognição sumária. Na tutela cautelar exige-se apenas o fumus boni iuris, ou seja, a verossimilhança, necessitando apenas de cognição superficial para a sua concessão.

            Ressaltando outra diferença Willian Santos Ferreira diz que:

            "(…) no art. 273 a preocupação é com a irreparabilidade ou sua difícil reparação, enquanto no artigo 798 fala-se em lesão grave, como se fosse possível admitir a concretização de uma lesão menos grave. Na tutela antecipada concede-se o bem da vida para evitar a imprestabilidade da decisão final, na cautelar apenas se protege o bem da vida almejado para evitar a imprestabilidade da decisão final."

            O segundo inciso do art. 273 prevê a hipótese da tutela antecipada punitiva, pois só será concedida quando houver abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Neste caso não há como se confundir com tutela cautelar, pois para a concessão desta é sempre necessária a urgência e nesta hipótese de tutela antecipada não se exige a urgência.

            A dúvida surge quando a tutela cautelar pode evitar o dano, se seria possível a utilização da tutela antecipada ou se esta não seria possível por falta de interesse. Ana Cláudia da Silveira Leal soluciona a questão dizendo que: "se o autor tem de preencher requisitos legais mais rigorosos (art. 273), faz ele jus a uma medida mais direta em face do adversário". (61)

            Além de todo o exposto, verifica-se ainda que a tutela antecipada é provisória, enquanto que a tutela cautelar é temporária. A distinção dos conceitos de provisoriedade e temporariedade é colocada por Ovídio A. Baptista da Silva com base na doutrina de Calamandrei, mostrando que temporário é simplesmente aquilo que não dura sempre, sem que se pressuponha a ocorrência de outro evento subseqüente que o substitua, enquanto o provisório, sendo como o primeiro também alguma coisa destinada a não durar para sempre, ao contrário daquele, está destinado a durar até que sobrevenha um evento sucessivo que o torne desnecessário. Afirma ainda, utilizando-se de um exemplo de Lopes da Costa, que os andaimes são temporários, e não provisórios, pois devem permanecer até que o trabalho exterior de construção seja ultimado; sendo, porém definitivos no sentido de que nada virá substituí-los. (62)

            Além de serem diferentes, não é admissível a concessão de tutela antecipada em processo cautelar, como diz o julgado: "Impossível a tutela nas cautelares, porque nelas não há julgamento de mérito." (63)

            2.13. Distinções com outros institutos

            2.13.1. Julgamento Antecipado da Lide

            No julgamento antecipado da lide, o juiz verificando que não é necessária a instrução probatória, profere antecipadamente a sua sentença, solucionando a lide.

            Ocorrerá o julgamento antecipado da lide quando a questão de mérito for unicamente de direito; quando a questão de mérito mesmo sendo de fato não necessite de produção de provas em audiência; e quando ocorrer a revelia.

            Essa providência difere da tutela antecipada, pois no julgamento antecipado profere-se uma sentença definitiva, de cognição exauriente, tendo a mesma natureza e peculiaridades daquela que se profere no estado normal do processo. Enquanto que, a tutela antecipada é uma decisão provisória, de cognição sumária, tendo natureza de decisão interlocutória.

            2.14. Concessão da tutela contra o Poder Público

            A Lei não prevê expressamente a possibilidade ou não de concessão da tutela antecipada em face do Poder Público. A doutrina, por sua vez, possui dois entendimentos: um que não admite e outro que admite a antecipação da tutela em face da Fazenda Pública.

            Os autores que se filiam à primeira corrente, colocam como óbice à concessão da tutela antecipada em face da Fazenda Pública a Lei 8.437/92 que em seu art. 1o, não admite a concessão de liminares contra atos do Poder Público. Os adeptos da segunda corrente dizem que esta lei apenas veda a concessão de liminares, em ações cautelares ou preventivas que esgotem, no todo ou em parte, o objeto do processo, e, não se confundindo a tutela antecipada com a tutela cautelar ou preventiva, esse artigo não proibiria a tutela antecipatória.

            Outro argumento desfavorável à concessão da tutela antecipada nas ações em que a Fazenda Pública é ré, encontra-se no art. 475, II do CPC, que diz: "Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal, a sentença: II – proferida contra a União, o Estado e o Município, III – que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública."

            A corrente que admite a antecipação diz que referido artigo não pode ser aplicado na decisão que concede a tutela antecipada, pois esta seria uma decisão interlocutória e não uma sentença como prevê o inciso II do art. 475, do CPC.

            A Medida Provisória 1.570/97, convertida na Lei no 9.494/97, criou medidas protetivas à Fazenda Pública quanto à concessão da tutela antecipatória, determinando-se a aplicação das seguintes regras:

            a) não concessão de medida liminar, visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens (art. 5o, caput, Lei 4.348/64).

            b) a execução dos provimentos finais referidos no art. 5o só poderá ocorrer após o trânsito em julgado da respectiva sentença (parágrafo único, art. 5o, Lei 4.348/64).

            c) o recurso voluntário ou ex officio, interposto da decisão concessiva que importe outorga ou adição de vencimento ou ainda reclassificação funcional terá efeito suspensivo (art. 7o, caput, Lei 4.348/64 e art. 3o, caput, da Lei 8.437/92).

            d) o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença final, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial (art. 1o, caput, da Lei 5.021/66).

            e) não concessão de medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias (§ 4o, art. 1o, da Lei 5.021/66).

            f) não cabimento de medida liminar, contra atos do Poder Público, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal (art. 1o, caput, Lei 8.437/92).

            g) vedação, no juízo de primeiro grau, de medida cautelar inominada ou sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária do tribunal (§ 1o, art. 1o, da Lei 8.437/92), exceto quando se tratar de processos de ação popular e de ação civil pública (§ 2o, art. 1o, da Lei 8.437/92).

            h) não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. (§ 3o, art. 1o, da Lei 8.437/92).

            i) havendo a possibilidade de a pessoa jurídica de direito público ré vir a sofrer dano, em virtude da concessão da liminar ou de qualquer medida de caráter antecipatório, será determinada a prestação de garantia real ou fidejussória (§ 4o, art. 1o, da Lei 8.437/92).

            j) compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a exceção da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 4o, caput, Lei 8.437/92). O presidente do tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em cinco dias (§ 2o). Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias (§ 3o). Aplica-se o disposto no art. 4o à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado (§ 1o).

            Como referida Lei surgiu para restringir a aplicação da tutela antecipada, presume-se cabível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública.

            Eduardo Talamini, ao comentar esta Lei, diz que algumas das vedações previstas por ela dizem respeito somente à "medida liminar", não abrangendo dessa forma as hipóteses de antecipação da tutela em outros momentos do processo, diversos daquele inicial, em que o demandado não teve o direito de defesa. (64)

            Já Cássio Scarpinella Bueno, diz que:

            "O juiz deverá antecipar a tutela – analisados e sopesados todos os valores incidentes na hipótese – toda vez que for o caso da mesma dever ser concedida. As presunções que recobrem o ato estatal – e que justificariam a proteção do interesse público subjacente, não há dúvidas, aos arts. 1o e 2o da Med. Prov. 1.570/97, convertida na Lei 9.494/97 – deverão ser afastadas, na exata medida em que, por iniciativa do particular, comprovar-se, em plena consonância com os valores prestigiados pelos ordenamentos constitucional e processual codificado mais recente, e, pois, ainda em cognição sumária do magistrado, a invalidade do comportamento estatal." (65)

            Nesse mesmo sentido, afastando a aplicação da Lei 9.494/97, Luiz Guilherme Marinoni diz que, se verificado que o autor não tem patrimônio e depende do bem reivindicado para ter tutelado um direito não patrimonial, não será possível a exigência do § 4o, do art. 1o, da Lei 8.437/92. Aliás, a prestação de garantia real ou fidejussória, jamais poderá impedir que o autor sem patrimônio execute a tutela antecipatória, ainda que fundada em abuso de direito de defesa (66). Em decisão do STF, em 16.04.97, foi concedida liminar para suspender a eficácia do § 4o, do art. 1o, da Lei 8.437/92. (67)

            Os doutrinadores Cássio Scarpinella Bueno e Eduardo Talamini questionam sobre a constitucionalidade de referida Lei, que restringe a concessão da tutela antecipada nas ações em que o Poder Público for réu. O STF, em 11/02/98, deferiu medida cautelar para suspender, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante até o final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1o da Lei 9.494/97, sustando ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros dessas decisões antecipatórias de tutela já proferidas contra a Fazenda Pública. (68)

            Porém, além das restrições previstas na Lei 9.494/97, deve-se atentar ao art. 100 da Constituição Federal, que diz que os pagamentos devidos pela Fazenda Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos. Da mesma forma, deve ser aplicado o art. 730 do Código de Processo Civil, que trata da execução contra a Fazenda Pública.

            Entretanto, Luiz Guilherme Marinoni, diz que:

            "(…) no caso em que o autor postula, por exemplo, o reajuste do seu salário, o juiz pode ordenar, em virtude da tutela antecipatória, a implantação do reajuste em folha, permitindo a satisfação imediata de um direito que, de outra forma, somente poderia ser realizado ao final do processo de conhecimento." (69)

            O STF, em recente decisão, admitiu o cabimento da antecipação da tutela em ação contra o Estado do Rio Grande do Sul, determinando que o Estado-réu pagasse aos autores, magistrados sul-rio-grandenses, a partir das futuras férias a serem usufruídas, a gratificação de férias prevista na Constituição, calculada sobre o total das férias a que fazem jus. (70)

            Também o STJ, entende cabível a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública: "Afora a exceção restritiva prevista na Lei n. 9.494, de 10.9.997, é admissível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública". (71)

            Luiz Guilherme Marinoni, ressalta, ainda, que também é possível, contra a Fazenda Pública, a tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados (72), como explicaremos mais adiante.

            Diante do acima exposto, conclui-se que é possível a antecipação da tutela em ações onde a Fazenda Pública atue como ré, devendo, entretanto, atender às restrições legais.

 

3. Possibilidade de concessão da tutela antecipada com relação à parte incontroversa

            O objetivo do processo é a prestação jurisdicional. A jurisdição só é efetivamente prestada quando há a composição dos litígios, ou seja, quando o juiz soluciona a controvérsia antes existente entre as partes.

            A controvérsia é, portanto, a posição antagônica das partes em relação a determinado fato ou assunto. O juiz, para prestar a jurisdição deve solucionar a controvérsia, e para isto precisa de produção de provas e certo tempo para o seu convencimento.

            Assim, a demora do processo é necessária para solucionar a controvérsia.

            Entretanto, por diversas vezes, uma parte do processo deixa de ser controvertida seja porque o réu não contestou alguns fatos, ou porque reconheceu parte da pretensão do autor, ou ainda quando houve cumulação de pedidos e alguns já se encontram prontos para a decisão.

            Nesses casos, apesar de parte da demanda não estar mais controvertida, o autor tem que esperar até o julgamento final para ver satisfeita sua pretensão, pois não pode o juiz julgar apenas parte do pedido para depois da instrução julgar a parte controvertida.

            Como o réu, mesmo quando não há a controvérsia em parte da demanda, dificilmente cumpre espontaneamente a sua obrigação, o autor fica prejudicado, tendo que esperar até a prolação do provimento final.

            O autor, nesses casos, apesar de ter razão e ter demonstrado que o seu direito é melhor do que o do réu, é prejudicado pela demora do processo. Enquanto que o réu, que não tem razão, é beneficiado, protelando o cumprimento de sua obrigação até o término do processo.

            A doutrina brasileira moderna, visualizando a dificuldade e até mesmo a injustiça dessas situações, vem abordando sobre a possibilidade da antecipação da tutela com relação à parte incontroversa da demanda, com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, visando um processo mais eficaz.

            Nos ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:

            "Se o tempo do processo é algo ineliminável, exatamente porque o Estado precisa de tempo para averiguar a existência dos direito, também é verdade que a demora do processo constitui um custo muito alto para a parte que tem razão. Custo que pode significar angústia, ansiedade, privação, necessidade e até mesmo miséria. Dessa forma, o jurista tem o dever de buscar soluções para que possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo, sabido que, como dizia Carnelutti, processo é vida." (73)

            As hipóteses em que é possível a antecipação da tutela são: não contestação de alguns fatos, reconhecimento parcial da pretensão do autor, e a cumulação de pedidos, como veremos adiante.

            3.1. Não contestação de alguns fatos

            3.1.1. Ônus da impugnação específica

            O réu tem o ônus de contestar todos os fatos trazidos pelo autor ao processo. Isto não quer dizer que o réu tem o dever de contestar.

            Cabe ao réu, em virtude do princípio da eventualidade ou da concentração, quando da contestação, argüir toda a matéria de defesa, seja de caráter processual ou material, sob pena de preclusão.

            Além do ônus de se defender, conforme o art. 302 do CPC, o réu tem o ônus de impugnar especificadamente todos os fatos arrolados pelo autor, sob pena de presumirem-se verdadeiros os fatos não impugnados. Assim, é ineficaz a contestação por negação geral.

            Como cita Humberto Theodoro Jr.: "fato alegado na inicial e não impugnado pelo réu é fato provado". (74)

            Em alguns casos, porém, não há a presunção de veracidade dos fatos não impugnados pelo réu. Estas exceções são previstas expressamente pelo art. 302, nos inciso I a III:

            "Art. 302. Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo:

            I – se não for admissível, a seu respeito, a confissão;

            II – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato;

            III – se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto."

            O inciso I diz respeito aos direitos indisponíveis, já que o art. 351 dispõe que não vale como confissão a admissão em juízo de fatos relativos a direitos indisponíveis. O inciso II coaduna-se com a previsão do art. 366, que diz que quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta. Já o inciso III, não considera como verdadeiros os fatos não impugnados se estes estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto, ou seja, se contestado apenas um ou alguns fatos diretamente, por incompatibilidade lógica, os demais foram implicitamente rejeitados.

            Esta regra, quanto ao ônus da impugnação específica dos fatos, não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público. (75)

            A impugnação específica dos fatos tem por objeto delimitar a controvérsia da demanda. A não contestação de um ou alguns fatos, leva a presunção de veracidade, pois este(s) fica(m) incontroverso(s).

            Ressalte-se que além da não contestação, a contestação por evasivas também não torna controverso o fato alegado pelo autor, além de poder configurar deslealdade processual, prevista nos arts. 14 e 17, do Código de Processo Civil.

            A não contestação, não implica necessariamente na procedência do pedido. A presunção de veracidade difere da procedência da ação. Até porque, a presunção de veracidade diz respeito apenas aos fatos alegados e não ao direito.

            Mesmo que os fatos alegados pelo autor na sua petição inicial sejam considerados como verdadeiros, o juiz, quando do julgamento, pode decidir pela improcedência da ação. A ação somente será procedente se os fatos alegados na inicial forem razoáveis, e a eles corresponder os efeitos jurídicos afirmados pelo autor.

            Nesse sentido, é a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

            "A falta de contestação conduz a que se tenham como verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Não, entretanto, a que necessariamente deve ser julgada procedente a ação. Isso pode não ocorrer, seja em virtude de os fatos não conduzirem às conseqüências jurídicas pretendidas, seja por evidenciar-se existir algum, não cogitado na inicial, a obstar que aquelas se verifiquem." (76)

            3.1.2. Contestação genérica

            A não contestação de todos os fatos alegados pelo autor conduz a presunção de veracidade. O mesmo ocorre quando o réu contesta de forma genérica, pois neste caso a contestação em nada auxiliará para a limitação da controvérsia e conseqüentemente para a solução do litígio. Com a contestação genérica do réu, os fatos alegados pelo autor tornam-se incontroversos, diante da presunção de veracidade dos fatos não impugnados especificamente, autorizando o juiz a julgar antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, I, do CPC.

            Entretanto, nem sempre o julgamento antecipado da lide pode ser eficaz, pois não permitirá a execução imediata da sentença, não permitindo assim, a satisfação imediata do direito do autor que se tornou incontroverso. Então, o juiz pode, neste caso, conceder a tutela antecipada, mesmo se já estiver em condições de proferir a sentença de mérito, "evitando assim, que o custo do duplo grau de jurisdição possa recair sobre os ombros do autor que detém um direito que não foi controvertido por participação inepta e indevida do réu". (77)

            3.1.3. Revelia

            A revelia pode ocorrer em duas hipóteses: a) quando o réu não apresenta contestação e não comparece em juízo, e b) quando o réu não apresenta contestação apesar de comparecer em juízo.

            Na primeira hipótese, quando o réu não apresenta contestação e não comparece em juízo, a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor não é absoluta, pois vários podem ser os motivos que impediram o réu de se defender. Enquanto na não contestação o réu realmente não quis se defender sobre determinados fatos, na revelia, ele pode ter tido dificuldades em fazê-lo. Luiz Guilherme Marinoni, diz que pretende-se com tal entendimento "não se atribuir à revelia uma qualidade negativa, até mesmo porque ela deve ser analisada na perspectiva dos aspectos sociais que envolvem o processo do dia-a-dia". (78)

            Entretanto, na prática, muitas vezes o réu não contesta e não comparece em juízo apenas porque não tem interesse em colaborar para a solução da demanda. Assim, o juiz, no caso concreto, verificará se realmente aquele réu não teve condições de comparecer em juízo ou se não teve interesse em fazê-lo. Se concluir que o réu teve um descaso com o processo, poderá aplicar a norma do art. 319, do CPC, de forma absoluta, ou seja, presumir como verdadeiros os fatos alegados pelo autor na inicial, desde que, é claro, exista a razoabilidade destes.

            Na segunda hipótese, quando o réu não apresenta contestação, apesar de comparecer em juízo, comprovado fica o total descaso do réu com o sucesso ou não da demanda. Aqui, deve existir a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, pois o réu não quis se defender.

            O juiz, verificando que o réu compareceu em juízo e não contestou, pode julgar antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, II, do Código de Processo Civil. Mas, como já foi dito no item anterior, essa providência não é eficaz, pois está sujeita ao duplo grau de jurisdição. Assim, poderá o juiz conceder a tutela antecipada, mesmo se já estiver em condições de proferir a sentença de mérito.

            3.1.4. Não contestação de um ou alguns dos fatos alegados pelo autor

            Nem sempre o julgamento antecipado da lide é possível, pois o réu pode ter contestado alguns fatos alegados pelo autor, deixando de contestar outros, tornando necessária a produção de provas com relação aos contestados, não podendo o juiz julgar definitivamente somente parte da ação.

            A não contestação não se confunde com a confissão, já que nesta o réu admite como verdadeiro um fato, ou um conjunto de fatos desfavoráveis a sua situação processual, mas favoráveis à pretensão de seu adversário. A confissão implica numa posição ativa do réu, enquanto que a não contestação, requer um comportamento passivo do réu, a não impugnação de um ou mais fatos alegados pelo autor.

            Quando tal situação ocorre, não é justo exigir do autor que aguarde até a sentença final para ver satisfeita a parte incontroversa de seu pedido, se o réu não a satisfazer espontaneamente. Assim, perfeitamente admissível o requerimento de antecipação da tutela com relação aos fatos não impugnados.

            Exemplo comumente citado é aquele em que o autor procura receber 100 e na contestação, o réu diz que deve apenas 50, pois já teria pago o restante. A questão controvertida é somente o pagamento ou não da quantia de 50, o restante deixou de ser controvertido, mas mesmo assim, o credor tem que esperar até o final do processo para ver satisfeita essa quantia incontroversa.

            Rogéria Dotti Doria, diz que essa situação não é adequada, nem sob o ponto de vista técnico, nem a partir de uma ótica de justiça, pois fazer com que o credor tenha que aguardar dois ou três anos até uma decisão com trânsito em julgado, quando o devedor, desde o início já confirmou dever uma parte, é cientificamente inadmissível. O devedor, neste caso, não é obrigado nem mesmo moralmente a pagar essa quantia, pois a questão está sub judice. "E é claro que o devedor malicioso vai preferir aguardar até o final do processo para pagar o que sabe que deve…" (79)

            Luiz Guilherme Marinoni, ao analisar esse problema, comenta:

            "Nesses casos, segundo o nosso entendimento, é possível a tutela antecipatória, pois o autor somente pode esperar para ver realizado o seu direito quando este ainda depende de demonstração em juízo. Ou melhor: é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido." (80) (grifos no original)

            No mesmo sentido, são os ensinamentos de Nelson Nery Jr.:

            "Nada obsta que o autor peça o adiantamento da parte incontrovertida, sob a forma de tutela antecipatória, como, aliás, vem previsto no art. 186bis do Código de Processo Civil italiano, introduzido pela reforma que ocorreu naquele país em 1990. (…) Entendemos aplicável ao sistema processual brasileiro o mesmo procedimento, pois do contrário haveria abuso de direito de defesa do réu, que não contesta 100 mas nada faz para pagá-los, postergando o processo para a discussão dos outros 100 que entende não serem devidos. Assim, pode o juiz, a requerimento do autor, antecipar os efeitos executivos da parte não contestada da pretensão do autor, com fundamento no CPC, 273, II." (81)

            De fato, como foi dito antes, o inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, prevê a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, sempre que requerida pelo autor e presentes os requisitos de prova inequívoca e verossimilhança da alegação, ficar caracterizado o abuso de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

            Quando o réu contesta genericamente, ou não contesta um ou alguns dos fatos alegados pelo autor, é possível a tutela antecipada com fundamento no inciso II do art. 273, já que se visa impedir que o réu abuse de seu direito de defesa, protelando a realização de direitos incontroversos.

            Este técnica de tutela antecipada é prevista no direito italiano, com a nova disposição do art. 186-bis, do CPC, que estabelece:

            "Ordinanza per il pagamento di somme non contestate – [1] Su istanza di parte il giudice istrittore può disporre, fino al momento della precisazione delle conclusioni, il pagamento delle somme non contestate dalle parti costituite.

            [2] L’ordinanza costituisce titolo esecutivo e conserva la sua efficacia in caso di estinzione del processo.

            [3] L’ordinanza è soggeta alla disciplina delle ordinanze revocabili di cui agli articoli 177, primo e seconda comma, e 178, primo comma." (82)

            Ao comentar referido dispositivo, diz Luiz Guilherme Marinoni: "o art. 186-bis somente admite a tutela em caso de não contestação de soma" (83). O mesmo doutrinador diz que no direito brasileiro, a técnica da não contestação também é importante na hipótese de pedidos cumulados, mas deve-se admitir "não só a tutela para os casos de soma e entrega de coisas fungíveis, mas igualmente nas hipóteses de entrega de coisa infungível e de obrigação de fazer e de não fazer" (84).

            Exemplifica a hipótese de entrega de coisa infungível, da seguinte forma: "alguém pode estar obrigado a entregar dois objetos determinados e, quando exigido em juízo, não negar que deve entregar um dos objetos". No caso de obrigação de fazer, o doutrinador traz o seguinte exemplo: "um marceneiro se obriga a fazer determinados móveis. Proposta a ação, o devedor pode não negar que se obrigou a fazer alguns dos móveis descritos na inicial". (85)

            A tutela antecipada com relação à parte que ficou incontroversa em decorrência da não contestação, pelo réu, de um ou alguns fatos, poderá ser concedida inclusive nas ações declaratórias e constitutivas (86), como afirma Luiz Guilherme Marinoni. (87)

            3.1.5. Cognição quando há a não contestação de um ou alguns fatos

            Apesar de a tutela antecipada com relação a não contestação de um ou alguns fatos alegados pelo autor, ser anterior a sentença, não é fundada em mera probabilidade, como ocorre normalmente quando há concessão da tutela antecipada.

            A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda não é com base em cognição sumária, mas sim em cognição exauriente, ou seja, com a apreciação em toda a sua profundidade pelo juiz.

            Como salienta Luiz Guilherme Marinoni: "a tutela antecipatória nesses casos, não apresenta risco ao direito de defesa ou ao princípio do contraditório". (88)

            3.2. Reconhecimento parcial da pretensão do autor

            3.2.1. Distinções e conceito

            Não há que se confundir a não contestação de determinados fatos pelo réu com o reconhecimento parcial da pretensão do autor. Enquanto na não contestação o autor se omite em contestar determinados fatos, no reconhecimento parcial da pretensão do autor, o réu reconhece determinado pedido do autor, e não fatos como ocorre na não contestação. Da mesma forma, não se confunde com confissão, que apesar desta última ser espontânea, diz respeito somente aos fatos.

            Assim, no reconhecimento jurídico do pedido, o réu admite a procedência do pedido, impedindo que o juiz julgue propriamente a relação jurídica material, já que o processo somente será extinto com julgamento de mérito porque o réu reconheceu que o autor tem razão, devendo fazer coisa julgada material. Daí dizer-se que o reconhecimento jurídico do pedido vincula a decisão do juiz, pois este não poderá desconhecer do ato, devendo homologar a manifestação de vontade do réu.

            Diferenciando a confissão e o reconhecimento jurídico do pedido, afirma Luiz Rodrigues Wambier: "o reconhecimento do pedido alcança o direito, e não apenas os fatos, como a confissão. A manifestação de vontade do réu é no sentido de aceitar o direito alegado pelo autor, ou seja, as conseqüências jurídicas dos fatos apresentados na petição inicial". (89)

            Referindo-se ao reconhecimento jurídico do pedido, esclarece Humberto Theodoro Jr.:

            "O reconhecimento tem por objeto o próprio pedido do autor, como um todo, isto é, com todos os seus consectários jurídicos. É verdadeira adesão do réu ao pedido do autor, ensejando autocomposição do litígio e dispensando o juiz de dar a sua própria solução de mérito. O juiz apenas encerra o processo, reconhecendo que a lide se extinguiu por eliminação da resistência do réu à pretensão do autor." (90)

            O reconhecimento jurídico do pedido não poderá ser realizado quando se tratar de direitos indisponíveis, tal como ocorre na não contestação. "Para o reconhecimento jurídico do pedido deve, igualmente, não só ser levada em conta a disponibilidade do direito, mas também a capacidade da parte para dela dispor". (91)

            O réu pode reconhecer total ou parcialmente o direito do autor, como explica Luiz Rodrigues Wambier:

            "É possível o reconhecimento jurídico parcial, quando houver cumulação de pedidos. Nessa circunstância, o processo prosseguirá em relação ao(s) pedido(s) não reconhecido(s), mas tornam-se desnecessárias as provas e o julgamento a respeito do pedido expressamente reconhecido." (92)

            3.2.2. Concessão da tutela antecipada

            Quando o réu reconhece a totalidade do pedido do autor haverá o julgamento de mérito, extinguindo o processo, com fulcro no art. 269, II do Código de Processo Civil.

            Entretanto, se o réu reconhece apenas parte do pedido, supondo-se ser este suscetível de fracionamento, ou ainda, quando há pedidos cumulados e o réu reconhece apenas um ou mais, não haverá a extinção do processo, continuando este em relação ao restante do pedido.

            Com isso, o autor, apesar de já possuir parte de seu direito reconhecido pelo réu é obrigado a esperar até o término do processo, para obter a sua satisfação, já que dificilmente o réu cumprirá a sua obrigação espontaneamente, e para obrigá-lo é necessária a sentença final.

  Essa situação certamente constitui um atentado contra o princípio de que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito (ou de parcela de um direito) que não é mais controvertido, autorizando a concessão da tutela antecipatória com base no art. 273, II, do CPC, pois abusa do seu direito de defesa o réu que reconhece parcialmente a sua dívida e nada faz para pagá-la. (93)

            Nesse sentido, diz Rogéria Dotti Doria:

            "O cabimento da tutela antecipada no caso de reconhecimento do pedido encontra guarida no inciso II do artigo 273 do Código de Processo Civil, pois o réu que reconhece parte da pretensão do autor e ainda assim não a satisfaz, sem dúvida alguma, assume um comportamento protelatório e abusivo." (94)

            Deve-se ressaltar, que em caso de litisconsórcio passivo, o reconhecimento do pedido por apenas um dos réus não prejudicará os demais, o processo não sofrerá imediata extinção, mas prosseguirá, porém, a sentença necessariamente deverá se cindir, declarando a extinção do processo com julgamento de mérito com relação ao réu que reconheceu o pedido (formando, se for o caso, título executivo em relação a este) e julgando o mérito (concedendo ou não o pedido) em relação aos demais réus (95). Nesse caso, a tutela antecipada poderá ser concedida em relação ao réu que reconheceu juridicamente o pedido, para que o autor não seja obrigado a esperar até a prolação da sentença final, para ver cumprido um direito que já possuía desde que foi reconhecido pelo réu.

            Como foi dito anteriormente, não há razões para se limitar, no Brasil, a tutela antecipada, quando fundada no reconhecimento parcial do pedido ou na não contestação, somente aos casos de pagamento de soma em dinheiro, tal como ocorre no Direito Italiano. Portanto, é possível a tutela antecipada para entrega de coisas infungíveis e nas obrigações de fazer e não fazer, como no exemplo citado por Luiz Guilherme Marinoni:

            "Suponha-se, por exemplo, que alguém tenha se obrigado a entregar 500 quilos de cimento em uma determinada obra. Ocorrido o inadimplemento, o credor pede que o devedor entregue a matéria prima, e este último afirma que teria que entregar apenas 200 quilos, reconhecendo, assim, parcialmente a sua obrigação." (96)

            Igualmente como ocorre com a não contestação, é possível a antecipação dos efeitos da tutela, quando há um reconhecimento parcial da pretensão do autor, mesmo quando se tratar de ações declaratórias ou constitutivas.

            3.2.3. Cognição no reconhecimento parcial do pedido

            Ao tratar da tutela antecipada com relação ao reconhecimento parcial da pretensão do autor, diz Rogéria Dotti Doria:

            "Se o art. 273 do Código de Processo Civil autoriza a concessão da tutela antecipada com base em cognição sumária, ou seja, diante da probabilidade da existência do direito do autor, com muito mais razão deve se admitir essa tutela célere e eficiente para os casos em que o próprio réu já reconheceu a pretensão do autor. A demora do processo é algo, por si só, injusta e problemática. Mas é considerada um ônus com o qual as partes têm que conviver sempre que houver a controvérsia. Desaparecendo essa controvérsia, como ocorre diante da não contestação e do reconhecimento jurídico do pedido, a demora processual assume outra condição. Passa a ser inadmissível e odiosa. Insustentável cientificamente." (97)

            Dessa forma, verifica-se que a concessão da tutela antecipada com relação ao reconhecimento parcial do pedido, assim como ocorre quando da não contestação, é fundada em cognição exauriente. Até mesmo porque, o juiz estará vinculado ao reconhecimento do pedido feito pelo réu, como foi dito anteriormente.

            3.3. Cumulação de pedidos

            3.3.1. Conceito

            O art. 292 do Código de Processo Civil permite ao autor cumular, num único processo, contra o mesmo réu, vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. Na verdade, como salienta Luiz Rodrigues Wambier, "trata-se de cumular mais de uma ação contra o mesmo réu, pois, já que cada pedido autoriza uma ação independente, realmente existem tantas ações quantos forem os pedidos". (98)

            Pelo princípio da economia processual, o autor que possui mais de uma pretensão contra o mesmo réu, poderá, ao invés de entrar com uma ação para cada pedido, cumular num único processo todos os pedidos.

            Entretanto, para que a cumulação de pedido possa ocorrer são necessários três requisitos, previstos pelo art. 292, § 1o:

            I – que os pedidos sejam compatíveis entre si: pois, diferentemente do que ocorre na cumulação subsidiária, sucessiva ou eventual, onde os pedidos podem ser até opostos ou contraditórios, na cumulação efetiva é necessário que os pedidos sejam compatíveis e coerentes, não podendo ser excludentes, porque todos poderão ser atendidos;

            II – que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo: como todos os pedidos serão decididos pelo mesmo juiz, é necessário que este seja competente para todos. Se se tratar de competência absoluta, não poderá haver a cumulação de pedidos de competência diversa, até mesmo porque o juiz poderá reconhecer ex officio a incompetência e repelir a cumulação. Porém, tratando-se de competência relativa, o juiz não poderá se manifestar sobre ela de ofício, e se, em alguns dos pedidos, o juízo não era originalmente competente, inexistindo exceção declinatória por parte do réu, ocorrerá o fenômeno da prorrogação de competência para todos os pedidos, possibilitando a cumulação;

            III – que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento: para a cumulação de pedidos, em regra, deve haver a uniformidade de procedimentos entre eles. Mas, se o autor, optar pelo rito ordinário, poderá existir a cumulação, mesmo que para alguns dos pedidos houvesse a previsão de rito especial. Todavia, impossível a cumulação de processos distintos, como cautelar e execução.

            A cumulação dos pedidos pode ser: simples, sucessiva ou incidental. A cumulação simples ocorre quando os pedidos somente têm em comum as partes e o acolhimento ou rejeição de um não afeta o outro. Na cumulação sucessiva, o acolhimento de um pedido pressupõe o do pedido anterior. A cumulação incidental ocorre após a propositura da ação, por meio do pedido de declaração incidental. Há ainda, a cumulação alternativa, onde um dos pedidos é realizado como principal e o outro para a eventualidade de não ser possível o acolhimento do primeiro. (99)

            3.3.2. Tutela antecipada e a cumulação de pedidos

            Havendo a cumulação de pedidos, pode ocorrer, durante o processo, de um dos pedidos ficar preparado para o julgamento, seja porque diz respeito apenas a matéria de direito ou ainda, porque não se faz necessária a instrução, enquanto que os demais necessitam de mais tempo para a sua cognição.

            O autor, neste caso, deveria esperar até o julgamento de todos os pedidos para ver satisfeito aquele que já estava pronto para o julgamento, isto porque, antes da introdução da tutela antecipada no Código de Processo Civil, "não era possível a cisão do julgamento dos pedidos cumulados ou julgamento antecipado de parcela do pedido, prevalecendo o princípio chiovendiano ‘della unità e unicità della decisione’" (100).Ou seja, o juiz deveria proferir uma única decisão ao final do processo e após a colheita das provas, mesmo que um dos pedidos já estivesse preparado para o julgamento.

            A tutela antecipada, quando há cumulação de pedidos é uma exceção ao princípio da unicidade da decisão, com vistas a atingir os princípios constitucionais da efetividade e tempestividade da tutela.

            Atualmente, com a tutela antecipada, é possível antecipar o momento de julgamento desse pedido. E para isso, é essencial a existência de :

            a) um ou mais de um dos pedidos que esteja em condições de ser imediatamente julgado, seja porque diz respeito somente a matéria de direito ou dizendo respeito a matéria de fato não precise de instrução probatória;

            b) um outro ou outros pedidos, que necessitem da instrução probatória.

            Rogéria Dotti Doria, cita ainda como requisito a urgência:

            "(…) por não haver nesse caso abuso de direito de defesa ou propósito protelatório, a tutela antecipada deverá ser concedida com base no art. 273, I, do Código de Processo Civil e, evidentemente, desde que presentes os seus pressupostos." (101)

            Em sentido contrário, diz Luiz Guilherme Marinoni:

            "A tutela antecipatória, ao possibilitar o julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados, evita que o réu seja tentado a abusar do seu direito de defesa apenas para protelar a tutela de todos os direitos postulados pelo autor." (102)

            Em outra oportunidade, diz o mesmo autor:

            "Se o direito provável pode não admitir protelação, o direito incontrovertido, por razões óbvias, não deve ter a sua tutela postergada. É lícito, assim, retirar do artigo 273, II, do Código de Processo Civil, a possibilidade de tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados, ou mesmo através do julgamento antecipado parcial do pedido." (103)

            Concordamos com a opinião de Luiz Guilherme Marinoni. De fato, nesse caso, há abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu, pois este, mesmo sabendo que um dos pedidos não necessita de instrução probatória, estando provado o direito do autor, não cumpre espontaneamente a sua obrigação, aumentando o peso do processo para o autor que terá que aguardar a instrução dos demais pedidos para ver satisfeito àquele que já estava provado.

            Condicionar a concessão da tutela antecipada, nesses casos, ao requisito do art. 273, I, seria restringir a aplicação do instituto às hipóteses de urgência. Entretanto, na prática, por diversas vezes a urgência está presente, pois dificilmente o autor irá requerer a antecipação se puder suportar a demora do processo. Daí porque, podemos dizer que muitas vezes os requisitos do art. 273 estarão conjugados, ou seja, estará presente o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, além do abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

            Exemplificando a possibilidade de concessão da tutela antecipada quando há pedidos cumulados, diz Luiz Guilherme Marinoni:

            "O autor, vítima de um acidente automobilístico, pede que o réu seja condenado a pagar: i) danos emergentes, ii) lucros cessantes, e iii) danos morais. O réu aceitando a culpa, contesta os danos emergentes e os lucros cessantes e afirma que a doutrina e a jurisprudência não admitem a indenização por danos morais. A prova documental, contudo, é suficiente para demonstrar os danos emergentes, afigurando-se a defesa apresentada pelo réu, neste particular, meramente protelatória. Em relação aos lucros cessantes é necessária a instrução dilatória, tendo o autor requerido prova pericial. Nesse caso é possível o julgamento antecipado dos pedidos de indenização por danos emergentes e danos morais, restando o pedidos de lucros cessantes para ulterior definição." (104)

            Referido doutrinador, quando trata da hipótese da concessão da tutela antecipatória com relação a um ou alguns dos pedidos cumulados, diz que haverá um julgamento antecipado dos pedidos cumulados. Tal denominação é inadequada do ponto de vista técnico, pois na realidade não haverá um julgamento antecipado, nem mesmo uma sentença, já que não poderá o juiz cindir a sua decisão final, julgando apenas um dos pedidos. Haverá uma decisão interlocutória que antecipará os efeitos do pedido que já se encontra incontroverso, prosseguindo o processo para a dilação probatória dos demais pedidos cumulados.

            3.3.3. A cognição no caso de pedidos cumulados

            Ao comentar a tutela antecipatória de um ou mais de um dos pedidos cumulados, Luiz Guilherme Marinoni ressalta que, neste caso: "A tutela não é fundada em cognição sumária, mas sim em cognição exauriente, produzindo coisa julgada material". (105)

            A cognição é exauriente, pois o pedido já está em fase de julgamento não necessitando de instrução.

            Neste sentido, diz Rogéria Dotti Doria:

            "Importante destacar que esta apreciação é feita com base em cognição exauriente pois não havendo mais nenhum elemento de prova a ser colhido, nem tampouco nenhuma fase do contraditório a ser superada, o órgão julgador analisa a questão em toda a sua profundidade, deixando de exarar um convencimento a respeito da probabilidade do direito, para proferir uma decisão a respeito da própria existência ou inexistência desse direito." (106)

            3.3.4. Tutela antecipada em relação a uma parte do pedido

            Existem situações em que o autor só possui prova documental de parcela de seu pedido, tendo que provar a outra parcela através de prova testemunhal. Não se trata de cumulação de pedidos, e sim de um único pedido que é divisível e possui uma parte já provada.

            Nestes casos, poderia o autor requerer a tutela antecipada referente àquela quantia já provada de seu pedido, com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil. A concessão da tutela antecipada, por ser com base em quantia já provada, é fundada em cognição exauriente. (107)

            Rogéria Dotti Doria, ao discorrer sobre o tema, entende cabível a tutela antecipada com relação à parte do pedido já provada, porém entende que o fundamento estaria no art. 273, I do CPC:

            "Todavia, como aqui também não se está diante de abuso de defesa ou propósito protelatório, a tutela antecipatória somente poderá ser concedida com base no art. 273, I, do Código de Processo Civil, ou seja, apenas quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação." (108)

            Conforme discorremos acima, concordamos com Luiz Guilherme Marinoni, que entende possível a concessão da tutela antecipada com fundamento no inciso II, do art. 273, ou seja, quando há abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu, pois exigir a urgência seria restringir a aplicação da tutela antecipada. Entretanto, como foi dito, na prática, muitas vezes além do abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório, estará presente o requisito do receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

            3.3.5. Tipos de pedidos cumulados que podem ser antecipados

            Qualquer espécie de pedido pode ser objeto de tutela antecipada quando ocorre a cumulação.

            Portanto, até mesmo pedidos de natureza declaratória ou constitutiva podem ser antecipados, porém, nesta hipótese a cumulação deverá ser do tipo sucessiva, ou seja, quando o segundo pedido só possa ser apreciado no caso de ser procedente o primeiro.

            Como exemplo pode ser citada: a ação de resolução do contrato (fundada, por exemplo, em não cumprimento da obrigação) cumulada com perdas e danos, a procedência da primeira demanda não determina a procedência da segunda, porém, a improcedência da primeira implicará na improcedência da segunda. Digamos que "o pedido de resolução do contrato admita julgamento antecipado e o pedido de perdas e danos exija instrução probatória. Neste caso nada impede o julgamento antecipado do primeiro pedido". (109)

            Como esclarecemos anteriormente, inadequada é a expressão "julgamento antecipado do pedido", pois somente haverá uma decisão interlocutória que antecipará os efeitos deste pedido.

            3.3.6. Tutela antecipada para obrigar o réu a pagar as despesas processuais que deveriam ser adiantadas pelo autor

 

     Sobre o pagamento das despesas processuais, prevê o art. 19, do CPC: "salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença".

            Por sua vez, diz o § 2o, desse mesmo artigo: "Compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos, cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público".

            Assim, o autor, além de suportar o tempo necessário para a cognição de seu pedido, deve pagar as despesas durante todo o curso do processo.

            A possibilidade de tutela antecipada, nesses casos, é trazida por Luiz Guilherme Marinoni:

            "A tutela antecipatória, nesta hipótese, evita que o autor seja ainda mais prejudicado pelo processo. Note-se que a demora do processo, aliada ao seu custo, pode obrigar o autor a abrir mão do seu direito, ou mesmo a ceder às pressões do réu por um acordo desfavorável em troca do tempo e do custo do processo. Portanto, a condenação do réu a pagar, antecipadamente, os honorários do perito, também tutela o autor." (110)

            3.4. Peculiaridades

            3.4.1. Cognição exauriente e coisa julgada na tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda

            Como exposto acima, quando a concessão da tutela antecipada ocorrer com relação à parte incontroversa da demanda será fundada em cognição exauriente.

            A cognição pode ser analisada, conforme os ensinamentos de Kazuo Watanabe (111), em duas direções: no sentido horizontal, ou seja, quanto à extensão, quando a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, ou seja, quanto a profundidade, em que a cognição pode ser exauriente, sumária ou superficial.

            Neste momento, trataremos apenas da cognição sumária e da exauriente.

            Em regra, a tutela antecipada é concedida com base na cognição sumária, ou seja, sem a análise em toda a profundidade. Assim, o juiz quando concede a tutela antecipada estará apenas verificando a probabilidade do direito do requerente, não significando, portanto, o reconhecimento do direito deste. Dessa forma, não produzirá coisa julgada material, pois poderá ser revogada a qualquer tempo.

            Já na tutela antecipada com relação à parte que não está mais controvertida, tal situação não vai ocorrer, pois não existindo mais controvérsia a ser dirimida, o juiz analisará a questão em toda a sua profundidade, ou seja, de forma exauriente, produzindo coisa julgada material.

            A coisa julgada material é conceituada pelo art. 467, do Código de Processo Civil, que diz: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

            Já Liebman, via na coisa julgada uma qualidade especial da sentença, a reforçar a sua eficácia, consistente na imutabilidade da sentença como ato processual (coisa julgada formal) e na imutabilidade dos seus efeitos (coisa julgada material)". (112)

            A possibilidade de a decisão que conceder a tutela antecipada nos casos em que já não há controvérsia produzir coisa julgada material é discutida pela doutrina brasileira.

            Nelson Nery Jr, entende que tal decisão é provisória:

            "Nada obstante a decisão que adianta os efeitos da parte não contestada da pretensão tenha alguns dos atributos de decisão acobertada pela coisa julgada material parcial e, conseqüentemente, de título executivo judicial, reveste-se do caráter da provisoriedade." (113)

            Posicionamento diverso possui Rogéria Dotti Doria, pois diz que tal decisão estará baseada em cognição exauriente, não podendo ser revogada, pois não estará pautada em juízo provável, nem tampouco provisório (114). Ressalta, ainda, a mesma doutrinadora:

            "De fato, se a apreciação do pedido é feita em toda a sua profundidade, de maneira a não deixar para trás nenhuma possibilidade de produção de provas, nem ainda nenhuma parte do contraditório, a cognição é exauriente e apta, conseqüentemente, a produzir coisa julgada material. Não se trata mais de uma decisão sumária, baseada na mera probabilidade de existência do direito." (115)

            Luiz Guilherme Marinoni, ao tratar do tema diz que:

            "A tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório de forma antecipada, ou seja, não permite a postecipação da busca da ‘verdade e da certeza’; a tutela de cognição exauriente, ao contrário da tutela sumária, é caracterizada por produzir coisa julgada material.

            A tutela sumária, de fato, não produz coisa julgada material. Na sentença cautelar ou antecipatória o juiz nada declara, limitando-se, em caso de procedência, a afirmar a probabilidade da existência do direito e a ocorrência da situação do perigo, de modo que, proposta a ‘ação principal’ e aprofundada a cognição do juiz sobre o direito afirmado, o enunciado da sentença sumária, que afirma a plausibilidade da existência do direito, poderá ser revisto, para que o juiz declare que o direito, que supunha existir, não existe." (116)

            Em síntese, apesar de em regra a concessão da tutela antecipada ser fundada em cognição sumária, quando esta é concedida quanto a uma parte da demanda que não está mais controvertida, o juiz, quando da sua decisão, analisará a questão em toda a sua profundidade, não podendo posteriormente reapreciá-la, produzindo, portanto, a coisa julgada material.

            A coisa julgada material, em regra, somente surge com a sentença final transitada em julgado, pois somente nesta hipótese não caberá mais nenhuma discussão a respeito da matéria discutida.

            Na tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda, excepcionalmente, a coisa julgada material ocorrerá em um momento diverso, antes da decisão final, pois a controvérsia será elidida pela não contestação de alguns fatos, pelo reconhecimento jurídico parcial do pedido, ou ainda, pela desnecessidade de instrução de um ou alguns dos pedidos cumulados, não podendo o réu discutir essas matérias novamente em qualquer outro processo, nem mesmo antes da prolação da sentença. Assim, teremos coisa julgada material produzida por uma decisão interlocutória, antes da decisão final do processo.

            Entretanto, se o réu agravar da decisão que conceder a antecipação da tutela, a coisa julgada material somente ocorrerá com o trânsito em julgado da decisão que julgar o agravo de instrumento.

            3.4.2. Cognição exauriente e o art. 273 do Código de Processo Civil

            Além da coisa julgada material, outras conseqüências surgirão com relação à tutela antecipada quando da não contestação de um ou alguns fatos; do reconhecimento parcial da pretensão do autor e, ainda; da cumulação de pedidos, quando um já está preparado para o julgamento e os demais precisem da dilação probatória.

            Por ser a cognição exauriente, nestes casos em que a controvérsia do processo já desapareceu, não há que se falar na possibilidade de aplicação do disposto no § 4o do art. 273 do Código de Processo Civil, ou seja, a tutela não poderá ser revogada ou modificada, pois nessas hipóteses a tutela antecipada não foi concedida com base em juízo de probabilidade, e sim em juízo de certeza. Neste sentido diz Luiz Guilherme Marinoni:

            "em uma interpretação de acordo com a garantia constitucional da efetividade, tal norma pode ser lida no sentido de que a tutela antecipada, quando fundada em cognição sumária, poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada." (117) (grifos no original)

            Outra conseqüência é a não aplicação do requisito do § 2o, do art. 273, do Código de Processo Civil que exige a reversibilidade do provimento, pois quando "a tutela não se funda em um juízo de probabilidade, não há razão para se temer a irreversibilidade". (118)

            Da mesma forma, não se aplica integralmente o disposto no § 5o, do art. 273, que dispõe: "concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento", pois uma vez concedida a tutela antecipada com relação à parcela de um direito ou em relação a um dos direitos postulados, "o processo deve prosseguir ‘até final julgamento’ da outra parcela do direito ou do outro direito afirmado em juízo". (119)

            Também o § 3o, do art. 273, do Código de Processo Civil não poderá ser aplicado, até mesmo porque este diz expressamente que será aplicado "no que couber". Esta conseqüência nos é trazida por Luiz Guilherme Marinoni, quando diz: "Se a tutela não é provisória, também não há motivo para a incidência do disposto nos incs. II e III do art. 588". (120)

            3.4.3. Possibilidade de recurso

            Quanto à possibilidade de interposição de recurso, Rogéria Dotti Doria (121), diferencia a antecipação baseada no reconhecimento jurídico do pedido ou na não contestação e a antecipação da decisão de um dos pedidos cumulados.

            Esclarece a referida doutrinadora que no reconhecimento jurídico do pedido e na não contestação, o réu não poderá interpor qualquer recurso em virtude da preclusão desse direito. Haverá preclusão lógica, com relação ao reconhecimento da pretensão do autor e, com relação à não contestação haverá a preclusão temporal (122).

            Já Luiz Guilherme Marinoni, a princípio, entende cabível a interposição de recurso em relação à não contestação quando diz:

            "Na hipótese de interposição de recurso de agravo de instrumento (incabível no caso de reconhecimento jurídico do pedido) contra a concessão da tutela antecipatória, o relator poderá recebê-lo no efeito suspensivo, nos termos do art. 558, do CPC, ou mesmo limitar a execução, inadmitindo a expropriação de bem, ou ainda, ou ainda impor caução para o levantamento de dinheiro." (123)

            De fato, na não contestação, o réu apenas deixa de contestar alguns fatos, e não poderia recorrer com intenção de impugnar esses fatos não contestados oportunamente, já que não se pode inovar em matéria recursal. Por outro lado, poderia o réu recorrer para alegar que dos fatos não contestados, não decorre aquele efeito conferido pelo juiz ao autor, ou até mesmo para levantar matérias que impossibilitariam a presunção de veracidade previstas nos incisos do art. 302 do CPC, quais sejam: a impossibilidade de confissão quanto aquele fato, petição inicial desacompanhada de instrumento público que seja da substância do ato, ou ainda, que referidos fatos não impugnados estão em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.

            Da mesma forma, entendemos cabível a interposição de recurso da decisão que concede a tutela antecipada quando há o reconhecimento parcial do pedido, em determinadas situações, onde apesar de o réu ter reconhecido o direito do autor, não concorde com os efeitos deste conferidos pelo juiz. Não caberia recurso apenas para impugnar o que foi por ele reconhecido, pois teria ocorrido a preclusão lógica.

            Situação diversa ocorre quando a tutela antecipada é concedida com relação a um ou mais de um dos pedidos cumulados, pois aqui, em momento algum o réu anuiu com a pretensão do autor, a antecipação somente se dará em virtude da desnecessidade da instrução probatória com relação a um ou mais de um dos pedidos cumulados. Assim, poderá o réu interpor recurso dessa decisão.

            Importante ressaltar, que o recurso cabível na hipótese, como já foi dito, é o agravo de instrumento, já que a concessão da tutela antecipada é realizada através de decisão interlocutória.

            3.4.4. Tutela antecipada e sentença

            Questão trazida por Rogéria Dotti Doria, é que se a tutela antecipatória, em algumas hipóteses, produzir coisa julgada material, o que acontecerá na sentença? Apenas reiterará o já disposto na tutela ou nem mais se referirá a esta parte da lide, já decidida pela antecipação? (124)

            Tal indagação é respondida por Luiz Guilherme Marinoni:

            "Registre-se, por fim, que a tutela antecipatória, nos casos ora estudados, não precisa ser confirmada pela sentença e conserva a sua eficácia mesmo após a extinção do processo. É preciso que se tenha em mente que o processo prossegue, após a tutela antecipatória, apenas para averiguar a existência do direito que não foi definido." (125)

            3.4.5. O novo projeto do Código de Processo Civil

            A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda não é expressamente prevista no atual Código de Processo Civil. Somente a doutrina se preocupou com tal questão, admitindo a tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda, com fundamento no inciso II do art. 273, ou seja, no abuso do direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu.

            O doutrinador Luiz Guilherme Marinoni, sugere aos legisladores a previsão expressa desta espécie de tutela antecipada no Código de Processo Civil, dizendo que "o legislador está obrigado, para atender ao princípio de acesso à justiça, a estruturar o procedimento de modo a permitir a fragmentação do julgamento dos pedidos". (126)

            Os redatores do projeto de Lei no 3.476/00 acolheram tal sugestão, acrescentando o § 6o ao art. 273, do Código de Processo Civil, in verbis:

            "§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso."

            A exposição de motivos do Anteprojeto diz que:

            "É acrescentado, como § 6o, dispositivo sugerido por Luiz Guilherme Marinoni, que explicita a possibilidade de o juiz, nos casos em que uma parte do pedido ou dos pedidos se torne incontroversa, conceder desde logo a esse respeito a tutela antecipada. Esta sugestão apresenta-se consentânea com as preocupações de eficiência do ‘novo’ processo civil".

            O Código de Processo Civil para alcançar os seus ideais de efetividade, de igualdade processual e de acesso à justiça deve passar por uma nova reforma, conforme a previsão do projeto de Lei. E enquanto essa modificação não for realizada, admissível é o requerimento da tutela antecipada, com relação àquela parte da demanda que não se encontra mais controvertida, com fundamento no inciso II do art. 273, pois abusa do seu direito de defesa o réu que não cumpre espontaneamente a obrigação que sabe ser devida.

 

4. Conclusão

            A tutela antecipada é um instrumento que visa abreviar a demora natural do processo, colocado à disposição do autor; do denunciante, na denunciação da lide; do opoente, na oposição; do assistente, do recorrente; e do réu, na reconvenção, nas ações de natureza dúplice e quando é autor da ação declaratória incidental.

            A requerimento da parte legitimada, pode o juiz antecipar os efeitos da tutela (pedido mediato) antes do provimento final (pedido imediato), desde que presente os requisitos, a qualquer tempo do processo, até mesmo em grau de recurso.

            É cabível a tutela antecipada nas ações de natureza condenatória, declaratória e constitutiva, verificando sempre a eficácia ou não dos efeitos antecipados.

            Os requisitos exigidos obrigatoriamente para a concessão da tutela antecipada são: o requerimento da parte, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação e a reversibilidade.

            O requerimento da parte é necessário, pois o juiz não pode conceder a antecipação de ofício. As expressões "prova inequívoca" e "verossimilhança" devem ser conjugadas, para se chegar ao conceito de "probabilidade", que é mais forte que verossimilhança, mas não tão categórico quanto prova inequívoca. A reversibilidade não deve ser entendida de forma absoluta; a uma, porque a lei se refere à reversibilidade do provimento e não dos efeitos da tutela e; a duas, porque as posições do réu e do autor devem ser sopesadas, concedendo a tutela antecipada sempre que a não concessão for mais irreversível para o autor do que seria a concessão para o réu.

            Além dos requisitos acima expostos, que devem ser combinados, o art. 273 do Código de Processo Civil, prevê outros dois, que são alternativos.

            O primeiro é o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, semelhante ao periculum in mora da tutela cautelar, também denominado de tutela protetiva. O segundo é o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, ou antecipação punitiva, onde não é necessária a urgência, mas apenas a conduta do réu.

            Neste último caso a tutela antecipada poderia ser concedida mesmo antes da citação do réu, pois estes atos de abuso de direito de defesa ou propósito protelatório podem ocorrer tanto na fase judicial como na extrajudicial, não sendo necessária a citação para a configuração desses atos.

            A decisão do juiz que conceder ou negar a antecipação dos efeitos da tutela deve ser sempre fundamentada e está sujeita ao recurso de agravo de instrumento. A tutela antecipada pode ser executada provisoriamente, observando no que couber o disposto nos incisos II e III do art. 588 do Código de Processo Civil.

            Também poderá, a tutela antecipada, ser revogada ou modificada a qualquer tempo pelo juiz, desde que exista requerimento da parte e os fatos estejam modificados, em decisão fundamentada.

            Não se deve confundir tutela antecipada com tutela cautelar, pois nesta última concede-se no presente a proteção do que provavelmente será obtido no futuro, enquanto que na primeira concede-se no presente o que só seria obtido no futuro. A tutela cautelar deve ser requerida em processo autônomo, acessório ao principal e a tutela antecipada é requerida no próprio processo. Para a tutela cautelar é necessário apenas o fumus boni iuris (verossimilhança), e para a tutela antecipada é necessária a probabilidade (verossimilhança e prova inequívoca). A tutela cautelar é temporária e tutela antecipada é provisória A tutela antecipada punitiva não exige o requisito da urgência e a tutela cautelar sempre exige.

            Também não se confunde com julgamento antecipado da lide, pois neste há uma sentença definitiva, de cognição exauriente, com as peculiaridades daquela proferida no estado normal do processo. Na tutela antecipada, há apenas uma antecipação dos efeitos da tutela que será conferida pela sentença, é concedida por decisão interlocutória, de cognição sumária.

            A tutela antecipada pode ser concedida contra o Poder Público, desde que verificadas as restrições do art. 1o da Lei no 9.494/97, do art. 100 e do art. 730 do Código de Processo Civil.

            A doutrina moderna prevê uma nova espécie de tutela antecipada, possível quando parte da demanda não se encontra mais controvertida. Pois, a demora do processo é necessária para solucionar a controvérsia, se esta não existe, não há razão para o autor aguardar a satisfação do seu direito, podendo requerer a tutela antecipada.

            Uma parte da demanda se torna incontroversa quando o réu não contesta um ou alguns fatos, quando o réu reconhece uma parte do pedido ou um dos pedidos do autor, e ainda, quando existem pedidos cumulados e um ou alguns deles estão preparados para a decisão, enquanto que o outro ou outros necessitam de instrução probatória.

            Quando o réu contesta genericamente, ou não contesta um ou alguns dos fatos alegados pelo autor, é possível, a requerimento da parte, que o juiz conceda tutela antecipada com fundamento no inciso II do art. 273, já que se visa impedir que o réu abuse de seu direito de defesa, protelando a realização de direitos incontroversos. A cognição neste caso será exauriente, pois não haverá mais provas a serem produzidas e o juiz analisará o pedido em toda a sua profundidade.

            O mesmo ocorre quando o réu reconhece juridicamente uma parte do pedido, um ou alguns dos pedidos do autor. A parcela do pedido reconhecida é incontroversa e pode ser antecipada a requerimento da parte, com fundamento no art. 273, II, do Código de Processo Civil. Ressalte-se que neste caso, além dos fatos, o réu reconhece o direito do autor, vinculando a decisão do juiz. Da mesma forma, a cognição será exauriente.

            Outra hipótese ocorre quando existem pedidos cumulados e um ou alguns deles já se encontram devidamente provados, seja porque a questão é apenas de direito, ou sendo de fato não precisa da dilação probatória, enquanto que o outro pedido ou os demais pedidos necessitam da instrução probatória. Assim, o juiz, a requerimento da parte, poderia conceder a tutela antecipada com relação ao pedido que já está devidamente provado. Aqui também a tutela antecipada é concedida com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil.

            A possibilidade da tutela antecipada nestes casos se justifica porque é injusto fazer o autor (que tem razão) suportar o ônus da demora do processo, enquanto que o réu não cumpre espontaneamente a sua obrigação que já ficou incontroversa.

            A decisão que concede a tutela antecipada nos casos onde não existe mais a controvérsia é fundada em cognição exauriente, já que o juiz analisará essa parte da demanda em toda a sua profundidade, enquanto que normalmente a tutela antecipada é concedida com base em cognição sumária. Disto decorrem algumas conseqüências.

A concessão da tutela antecipada, em que pese ser uma decisão interlocutória, produzirá coisa julgada material, pois as partes não poderão discutir novamente a parcela antecipada num momento posterior.

            Conseqüência disto é a impossibilidade de revogação ou modificação da tutela antecipada, pois esta não foi concedida em mero juízo de probabilidade, mas sim de certeza. Por esse mesmo motivo, não se exige a reversibilidade como requisito para a concessão.

            A execução da decisão que conceder a tutela antecipada quando relacionada à parte incontroversa da demanda não precisará ser provisória, poderá ser definitiva, pois a decisão não poderá ser alterada.

            A possibilidade de recorrer da decisão que conceder a tutela antecipada fica mais restrita nas hipóteses da não contestação e do reconhecimento parcial do pedido.

            Na não contestação, o réu não poderia recorrer com fundamento nos fatos que não foram contestados, pois quanto a estes ocorreu a preclusão temporal, mas poderia recorrer quando entender que dos fatos não contestados não decorre aquele direito conferido pelo juiz na tutela antecipada, ou ainda, poderá recorrer para alegar matérias que impossibilitariam a presunção de veracidade (art. 302, I, II, III, CPC).

            No reconhecimento jurídico parcial do pedido, o réu não poderia recorrer para impugnar a parcela do pedido que foi reconhecida, pois operou-se a preclusão lógica, mas poderia recorrer quando não concordar com os efeitos conferidos pelo juiz à parte do direito reconhecido.

            Já quando a tutela antecipada é concedida com relação a um ou alguns dos pedidos cumulados, o recurso não fica restrito, pois o réu não anuiu com a pretensão do autor, não tendo ocorrido a preclusão.

            O processo prosseguirá quanto à parte do pedido que ainda está controvertida, não precisando o juiz, na sentença, se referir àquela parte que já foi decidida quando da concessão da tutela antecipada.

            Dessa forma, para a concessão da tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda é necessário: a) o requerimento da parte, b) uma parcela da demanda incontroversa, seja pela não contestação, pelo reconhecimento parcial do pedidos ou pela existência de pedidos cumulados, c) decisão fundamentada do juiz.

            Essa nova forma de tutela antecipada, quando não está presente a urgência, é mais um passo em direção aos objetivos de efetividade e tempestividade da prestação jurisdicional, que vêm sendo abordados pela doutrina moderna.

            É injusto fazer com que o autor espere até a sentença para ver satisfeito um direito que já está incontroverso, já que ele é a parte mais onerada pela demora do processo. Somente com a possibilidade da tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda tal situação pode ser modificada, distribuindo de forma igual, entre autor e réu, o ônus de suportar a demora do processo. O réu suporta àquela parte que já está incontroversa, e o autor somente arca com a parcela do pedido em que ainda existe a controvérsia.

            O atual Código de Processo Civil não prevê expressamente essa espécie de tutela antecipada, mas ela pode ser aplicada com fundamento no inciso II do art. 273, pois abusa do seu direito de defesa o réu, que não cumpre a sua obrigação já incontroversa no processo.

            Os redatores do projeto do novo Código de Processo Civil, verificando a importância e necessidade da tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda irá incluir o § 6o ao art. 273, que tem a seguinte redação: "A tutela antecipada poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

            Com o instituto da tutela antecipada, procura-se concretizar os princípios da efetividade, tempestividade, instrumentalidade, acesso à justiça, isonomia processual, e acima de tudo, alcançar a tão almejada "justiça". E esta, muitas vezes, só poderá ser alcançada com a distribuição igualitária da demora do processo às partes demandantes, como ocorre quando se concede a tutela antecipada com relação àquela parcela da demanda que já está incontroversa.

 

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            SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Acórdão unânime da 6a Câmara Cível. Apelação no 9.048-1. Relator: Des. P. Costa Manso. 05.09.1996.

            SÃO PAULO. Segundo Tribunal de Alçada Cível. Agravo de Instrumento no 466.123/0-00. Relator: Juiz Adail Moreira.

            SILVA, Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de processo civil. v. III. 2ª ed. São Paulo: RT, 1998.

            THEODORO JR, Humberto. Curso de direito processual civil. v. I. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

            TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual. São Paulo: RT, 1997.

            WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. v. 1o. 3a ed. São Paulo: RT, 2000.

            WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.) et alii. Aspectos polêmicos da antecipação da tutela. São Paulo: RT, 1997.

            ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1999.

 

Notas

            1. Atualidades sobre o processo civil, p. 65.

            2. Ob cit, p. 65.

            3. Tutela antecipada no âmbito recursal, p. 109/110.

            4. Ob cit, p. 61/62.

            5. Ob cit, p. 64.

            6. Curso de direito processual civil, v. I, p. 55.

            7. Ob cit, p. 64.

            8. Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 68.

            9. Considerações sobre a antecipação da tutela jurisdicional, in Aspectos polêmicos…, p. 230.

            10. Humberto THEODORO JR., Tutela antecipada, in Aspectos polêmicos…, p. 193.

            11. Humberto THEODORO JR., Curso…, p. 371.

            12. Ob cit, p. 153/156.

            13. José Roberto BEDAQUE, Ob cit, p. 234.

            14. Código de processo civil comentado, p. 690-691.

            15. Ob cit, p. 105.

            16. Ob cit, p. 106.

            17. A antecipação da tutela, p. 129.

            18. Idem, p. 130.

            19. Roberto Eurico SCHIMIDT JR., A tutela antecipada e o Ministério Público enquanto custos legis, in Aspectos polêmicos…, p. 461.

            20. Nelson Nery Jr. Rosa Maria Andrade Nery, Ob cit, p. 691.

            21. Antecipação da tutela, p. 92/96.

            22. Antonio Carlos de Araújo CINTRA. Ada Pellegrini GRINOVER. Cândido Rangel DINAMARCO, Teoria geral do processo, p. 306.

            23. Ob cit, p. 85.

            24. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Acórdão unânime da 4a Câmara Cível. Agravo no 96.002148-5. Relator: Des. Pedro Manoel Abreu, 22.08.96. in RT 740/176.

            25. Ob cit, in Aspectos polêmicos…, p. 231.

            26. Ob cit, p. 89.

            27. Ob cit, p. 89.

            28. Antonio Carlos de Araújo CINTRA et alii, Ob cit, p. 308.

            29. Ob cit, p. 83.

            30. A tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva, in Aspectos polêmicos…, p. 273.

            31. apud Willian dos Santos FERREIRA, Ob cit, p. 97.

            32. Tutela antecipada e o art. 273 do CPC, in Aspectos polêmicos…, p. 218.

            33. Ob cit, p. 76.

            34. Pontes de MIRANDA, Comentário ao código de processo civil, v.III, p. 536.

            35. Nelson NERY JR. e Rosa Maria Andrade NERY, Ob cit, p. 693.

            36. João Batista LOPES, Ob cit, p. 220.

            37. Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 145.

            38. SÃO PAULO. Segundo Tribunal de Alçada Cível. Agravo de Instrumento no 466.123/0-00. Relator: Juiz Adail Moreira.

            39. Ob cit, p. 550.

            40. Notas sobre as recentes limitações legais à antecipação de tutela, in Aspectos polêmicos…, p. 128.

            41. Direito processual civil brasileiro, 3o v., p. 910.

            42. Humberto THEODORO JR., Ob cit, in Aspectos polêmicos…, p. 196.

            43. Idem ibidem, p. 196.

            44. Ob cit, p. 74/75.

            45. Tutela antecipada in Aspectos polêmicos…, p. 196.

            46. A jurisdição na tutela antecipada, p. 79/80.

            47. Tutela antecipada in Aspectos polêmicos…, p. 196.

            48. § 1o do art. 273.

            49. Nesse sentido Nelson Nery Jr e Maria Rosa Andrade Nery, Ob cit, p. 694. E fazendo uma analogia com o art. 811 do CPC, Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 175.

            50. Art. 588, II do CPC.

            51. Art. 588, III e parágrafo único do CPC.

            52. Ob cit, p. 176.

            53. Da liberdade do juiz na concessão de liminares, in Aspectos polêmicos…, p. 543.

            54. Idem ibidem, p. 544/545.

            55. Idem, p. 546/547.

            56. Teresa Arruda Alvim Wambier, apud Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 179/180.

            57. Antonio Cláudio da Costa MACHADO, Tutela antecipada, p. 576/577.

            58. Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 184/185.

            59. José Frederico MARQUES, Manual de direito processual civil, v. 4, p. 381.

            60. Ob cit, p. 132.

            61. Ana Cláudia da Silveira LEAL, Lou Shen P. CHAN, Tutela antecipada.

            62. Ob cit., p. 49/58.

            63. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Acórdão unânime da 6a Câmara Cível. Apelação no 9.048-1. Relator: Des. P. Costa Manso. 05.09.1996.

            64. Ob cit, p. 126.

            65. Tutela antecipada e ações contra o poder público (reflexão quanto ao seu cabimento como conseqüência da necessidade de efetividade do processo), in Aspectos polêmicos…,p. 96.

            66. A antecipação da tutela, p. 223.

            67. Eduardo TALAMINI, Ob cit, p. 131.

            68. Theotônio NEGRÃO, Código de Processo Civil, p. 1948.

            69. A antecipação da tutela, p. 221.

            70. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Originária n. 464-1-RS. Relator: Min. Maurício Correa. 16.10.96. DJU 23.10.96.

            71. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar 1.794-PE. 2a Turma. Relator: Min. Franciulli Netto. j. 22.2.00. DJU 27.03.00, p. 82.

            72. A antecipação da tutela, p. 222.

            73. A antecipação da tutela, p. 153.

            74. Curso…, p. 379.

            75. Parágrafo único, art. 302, CPC.

            76. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 14.987-CE, 3a Turma, Relator: Min. Eduardo Ribeiro, DJU 17.02.92, p. 1377, apud Luiz Guilherme MARINONI, Tutela Antecipatória…, p. 84.

            77. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 87.

            78. Tutela antecipatória…, p. 67.

            79. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda, p. 78.

            80. A antecipação da tutela, p. 152.

            81. Atualidades…, p. 70/71.

            82. apud Luiz Guilherme MARINONI. Tutela antecipatória…, p. 70.

            83. Idem ibidem, p. 74.

            84. Idem ibidem, p. 76/77.

            85. Idem ibidem, p. 77.

            86. Conforme salientamos anteriormente no item 2.6.2 e 2.6.3.

            87. Tutela antecipatória…, p. 97.

            88. Tutela antecipatória…, p. 102.

            89. Curso avançado de processo civil, v. I, p. 427.

            90. Curso…l, p. 398.

            91. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 96/97.

            92. Ob cit, p. 427.

            93. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 94.

            94. Ob cit, p. 88.

            95. Luiz Rodrigues WAMBIER et alii, Ob cit, p. 428.

            96. Tutela antecipatória…, p. 77

            97. Ob cit, p. 89.

            98. Ob cit, p. 314.

            99. Luiz Guilherme MARINONI, A antecipação da tutela, p. 145.

            100. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 142.

            101. Ob cit, p. 92.

            102. Tutela antecipatória…, p. 159.

            103. Luiz Guilherme MARINONI, A antecipação da tutela, p. 156.

            104. A antecipação da tutela, p. 154/155.

            105. Tutela antecipatória…, p. 142.

            106. Ob cit, p. 94.

            107. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 154.

            108. Ob cit, p. 97.

            109. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 151.

            110. Tutela antecipatória…, p. 156.

            111. Apud Luiz Guilherme MARINONI, Efetividade do processo…, p. 15.

            112. Rogéria Dotti Doria, Ob cit, p. 101.

            113. Nelson NERY JR., Ob cit, p. 71.

            114. Ob cit, p. 103.

            115. Ob cit, p. 95.

            116. Efetividade do processo…, p. 17/18.

            117. Ob cit, p. 105.

            118. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 104.

            119. Idem ibidem, p. 105.

            120. Tutela antecipatória…, p. 163.

            121. Ob cit, p. 95/96.

            122. Idem ibidem, p. 95.

            123. Tutela antecipatória…, p. 104.

            124. Ob cit, p. 101.

            125. Tutela antecipatória…, p. 105.

            126. Tutela antecipatória…, p. 233.

 


Referência Biográfica

Cecília Rodrigues Frutuoso  –  Advogada em Leme (SP), especialista em Processo Civil na Unifian. Este trabalho se  baseou no Projeto de Lei que deu origem  a Lei nº 10.444/02.

E-mail: ceciliafrutuoso@yahoo.com.br

Exoneração de alimentos e o Novo Código Civil

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* Roberto Henrique dos Reis –

            Após a sanção do novo Código Civil, o tema mais debatido, tanto em meu órgão de atuação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, quanto no meio acadêmico, diz respeito a redução da idade para que seja alcançada a maioridade civil. Atualmente, o artigo 9.º da Lei 3.071/16 (Código Civil), determina que a maioridade começa, automaticamente, aos 21(vinte e um) anos completos. Com a entrada em vigor do novo Código Civil, que acontecerá em janeiro de 2003, este limite será reduzido para 18(dezoito) anos.

            Os meios de comunicação de massa, açodadamente, como quase sempre fazem, não tem prestado informações adequadas à população, o que vem gerando interpretações distorcidas, principalmente pelos segmentos humildes de nossa sociedade, que compõem a maioria de nossos habitantes

            O resultado dessa onda de desinformação, até certo ponto involuntária, descambará, em breve, numa verdadeira avalanche de processos contendo pedido de exoneração de alimentos, pois a maioria da população passou a acreditar que com a redução da idade para que o indivíduo atinja a maioridade civil, o alimentante estará automaticamente livre da obrigação de prestar alimentos, e não é bem assim que as coisas acontecerão.Constantemente sou inquirido, por assistidos alimentantes e alimentados se com a entrada em vigor do novo Código Civil (Lei n.º 10.40/2002), as pessoas maiores de 18(dezoito) anos que recebem alimentos dos pais realmente perderão imediatamente esse direito.

            Questionam, ainda, se a redução do limite da cessação do poder familiar (ex-pátrio poder) não atingiria os alimentandos que já percebem alimentos, ou seja, se eles teriam direito adquirido aos alimentos até que completem 21(vinte e um) anos, pois a obrigação teria sido constituída na vigência da lei anterior.

            Para responder a tais indagações, é necessário que sejam feitas algumas ponderações: em primeiro lugar, não existe direito adquirido, quando se trata de criação ou extinção de uma instituição. "A lei que cria ou extingue uma instituição tem aplicação imediata, da mesma forma que a modificadora de meras faculdades legais.1O efeito imediato das leis sobre a capacidade das pessoas significa que alcançam todos aqueles por ela abrangidos. Assim, uma lei que altere os limites da maioridade civil, recuando-a para 18 anos, torna automaticamente maiores todos os que já tenham atingido a nova idade-limite.2"

            Não se pode, desta forma, argumentar que exista direito adquirido quando estiver em jogo a modificação da capacidade das pessoas, sendo o novo Código Civil aplicável a todas as pessoas que tiverem alcançado a idade-limite em 11 de janeiro de 2.003, o que permitirá que os alimentantes ajuízem demandas que vise a exoneração da obrigação de prestar alimentos derivados do poder familiar, denominado na doutrina, dever de sustento.

            Alimentos, na terminologia jurídica, significam – sustento, habitação, vestuário, tratamento por ocasião de moléstia. É uma relação familial, que se funda no vínculo de parentesco (jure sanguinis); porém que interessa diretamente à sociedade. Os romanos denominavam-no officium e pietas, expressões que traduzem o fundamento moral do instituto, o dever de mutuamente se socorrerem os parentes, na necessidade.

            Tratam os artigos 396/405 do atual Código Civil e os artigos 1.694/1.701, do Novo código Civil da dívida alimentar proveniente do jure sanguinis, fora da sociedade doméstica.

DEVER DE SUSTENTO:

            O dever de sustento origina-se do poder familiar, "(…) para permitir aos pais o desempenho eficaz de suas funções, a lei provê os genitores do pátrio poder, com atribuições que não se justificam senão por sua finalidade; são direitos a eles atribuídos, para lhes permitir o cumprimento de suas obrigações em relação à prole; não há pátrio poder senão porque deles se exigem obrigações que assim se expressam: sustento, guarda e educação dos filhos."3

            O dever de sustento seria, então, uma das obrigações dos pais decorrente do poder familiar."Quanto aos filhos, sendo menores e submetidos ao pátrio poder, não há um direito autônomo de alimentos, mas sim uma obrigação genérica e mais ampla de assistência paterna, representada pelo dever de criar e sustentar a prole; o titular do pátrio poder, ainda que não tenha usufruto dos bens do filho, é obrigado a sustentá-lo, mesmo sem auxílio das rendas do menor e ainda que tais rendas suportem os encargos da alimentação: a obrigação subsiste enquanto menores os filhos, independentemente do estado de necessidade deles, como na hipótese, perfeitamente possível, de disporem eles de bens (por herança ou doação), enquanto submetidos ao pátrio poder".4

            Por esse princípio, nem a precariedade das condições econômicas dos genitores os isenta do dever de sustento, que gera uma presunção absoluta de necessidade dos alimentandos, podendo, em situações especialíssimas, o descumprimento da obrigação, ou sua suspensão temporária, pois de onde nada existe não se pode tirar coisa alguma, sem deixar, no entanto, de subsistir o dever de sustento, enquanto não cessar o pátrio poder através de uma das formas previstas no ordenamento jurídico.

            O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu que o concubinato da filha sujeita ao Pátrio Poder não é causa de exoneração dos alimentos pagos pelo pai, se esta, mesmo vivendo sob dependência econômica de outrem, necessitar da pensão para sobreviver, senão vejamos:

            ALIMENTOS – Ação de exoneração de alimentos. Concubinato de filha. Menoridade da beneficiária e comprovação da necessidade, sem ter o alimentante demonstrado redução de suas possibilidades. Improcedência mantida. Tendo em vista a menoridade da beneficiária e a comprovação de sua necessidade, sem que o alimentante demonstrasse a redução de suas possibilidades, impõe-se a improcedência do pedido de exoneração de pensão devida a filha por viver em concubinato, continuando a prestar-lhe alimentos até o alcance da maioridade civil, aos 21 anos ou pelo casamento. (TJRJ – AC 20.483/99 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. José Affonso Rondeau – DORJ 03.08.2000).

            Constata-se, que até a maioridade, por força dos deveres da paternidade, desponta a responsabilidade alimentar do pai para com o filho, sendo que deste dever não pode ser o alimentante dispensado pelo alimentando, nem exonerado, enquanto persistir a menoridade, podendo, quanto muito, deixar o alimentando de cobrar os alimentos que são devidos pelo genitor.

            Os alimentos devidos em virtude do dever de sustento prescindem da aferição da necessidade do filho menor, medindo-se na proporção dos haveres do pai e da mãe. O dever de sustentar os filhos (CC, art. 231, IV) é diverso da prestação alimentícia entre parentes, já que a obrigação alimentar pode durar a vida toda enquanto o dever de sustento cessa, em regra, com a maioridade civil dos filhos sem a necessidade de ajuizamento pelo devedor, em tese, da ação exoneratória. 5

 

OBRIGAÇÃO ALIMENTAR:

 

            A obrigação alimentar, diferentemente do dever de sustento, não se vincula ao poder familiar, mas sim ao parentesco. Tem seu fundamento no artigo 397 do Código Civil (artigo 1.694/1.701, do Novo Código Civil), sendo uma obrigação recíproca e surge exatamente após a cessação da menoridade, sujeitando-se inteiramente aos requisitos da necessidade de quem pleiteia alimentos e da possibilidade de quem irá prestá-los.

            Surge um problema de difícil solução quando se analisa a cessação do dever de sustento e se inicia uma eventual obrigação alimentar típica resultante da relação de parentesco.

            No que tange aos filhos, o dever alimentar do pai para com eles cessa com a superveniência da maioridade. Para a cessação do desconto da pensão em folha de pagamento, entendemos não ser necessário o ajuizamento de ação visando a exoneração do alimentante, sendo suficiente a formulação de um pedido neste sentido nos próprios autos em que os alimentos foram fixados, embora esse não seja o entendimento adotado na maioria da Varas de Família no Estado do Rio de Janeiro, onde se exige o ajuizamento de ação de exoneração, com livre distribuição, por se entender que o processo onde os alimentos foram fixados chegou ao seu fim, não havendo acessoriedade ou conexão entre processo em andamento e processo findo, posição da qual discordamos, por entendermos que traz prejuízos ao alimentante e peca contra o salutar princípio da economia processual.

            No entanto, nada obsta que os filhos continuem recebendo os alimentos em decorrência da relação de parentesco, e não mais em virtude do poder familiar, situação em que devem postular tal pretensão em ação própria, comprovando as suas necessidades, bem como as condições do alimentante.

            A respeito da matéria, interessante colacionar o excerto do artigo "Alimentos e sua Restituição Judicial", da lavra do Professor Rolf Madaleno.5:

            "Com a maioridade civil, o pátrio poder desaparece e com ele, a presunção legal e absoluta da necessidade alimentícia dos descendentes. Ascendendo à adultície, comete aos próprios filhos se auto sustentarem e o crédito pensional passa a ser verdadeira exceção. Sucede nesse caso, a cessação do que era obrigação alimentar absoluta, arbitrada por presunção natural de necessidade, para dar lugar excepcional, ao dever de alimentos, conquanto que o filho já maior, demonstre seu estado de miserabilidade".

            A doutrina majoritária e a jurisprudência dos tribunais nacionais vêm entendendo que devem ser concedidos alimentos aos filhos que atingiram a maioridade, enquanto estudantes, mormente em curso superior regular.

            Francisco José Cahali, observa que o primeiro aspecto a ser examinado, especialmente na obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores, não está no capítulo dos alimentos, mas decorre da redução da capacidade civil para 18 (dezoito anos).

            Entende o culto jurista, que a prestação de alimentos, enquanto decorrência do dever de sustento inerente ao poder familiar não mais subsiste até 21 (vinte e um) anos. Mas, assim como já fazia a melhor orientação, deve-se em princípio prolongar a obrigação até os 24(vinte e quatro) anos do "maior" estudante.7

            No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, negou provimento ao recurso de filha maior que pleiteava alimentos não para satisfazer a continuidade dos estudos, mas para mantença de padrão de vida:

            ALIMENTOS – Filha maior de idade, estudante universitária, que propõe ação contra o genitor pleiteando deste alimentos que lhe garantam pagamento de aluguel de apartamento na zona sul, na qual reside com sua filha menor, quando na realidade poderia continuar a residir com sua mãe e pleitear alimentos ao pai de sua filha para manutenção desta. Alimentos que visam a satisfazer não a necessidade da continuação dos estudos, tanto mais que cursa ela universidade pública, mas a manutenção de sua independência com razoável padrão de vida. Despesas que não podem ser impostas ao genitor, por se apresentarem desnecessárias, já que não está em causa sua sobrevivência ou a manutenção dos estudos. (TJRJ – AC 99.001.06389 – 1ª C.Cív. – Relª Desª Maria Augusta Vaz – J).

            Existe, por certo, corrente doutrinária que autoriza a exoneração automática do vínculo alimentar, com o advento da maioridade civil, a ser requerida em simples petitório entranhado no próprio processo onde os alimentos foram fixados. Do lado oposto, há aqueles que vêem a obrigatoriedade do aforamento de uma ação específica de exoneração dos alimentos, como acima comentado, sob o argumento do advento da capacidade civil como causa extintiva do poder familiar e, por conseguinte, do liame alimentar.

            O Tribunal de Justiça da Bahia, decidiu que comprovada nos autos a maioridade civil, desnecessária a produção de provas, cabendo o julgamento antecipado da lide. Desnecessária a comprovação de que os filhos maiores já se mantêm. Com a maioridade civil cessa o pátrio poder e conseqüentemente o dever de sustento. (TJBA – AC 47.073-3 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Alberto Dultra Cintra – J. 24.03.199903.24.1999).

            É na contestação de uma ação de exoneração que o credor de alimentos já civilmente emancipado precisará justificar e comprovar a impossibilidade de prover o seu sustento, seja pela necessidade de dar prosseguimento em seus estudos em nível superior, quer porque seja portador de alguma doença que o inabilite ao trabalho. A exigência de nova ação, defendida por uma das correntes doutrinárias traz o temor da injustiça, motivado pela circunstância de onerar um dos pólos da relação jurídica, com o prosseguimento de uma obrigação que não mais lhe comete, pois a ser compelido a prosseguir pagando alimentos talvez indevidos, enquanto ainda é sobrecarregado pela obrigatoriedade de promover uma ação exoneratória, da qual deverá aguardar toda a tramitação pelo rito comum ordinário, para somente ao final e se procedente o pedido, com seu trânsito em julgado, ver cessada a sua obrigação alimentar.

            O fato de o descendente ter conseguido um emprego, no qual percebe um salário mensal, não é suficiente para caracterizar a desnecessidade ao percebimento dos alimentos, pois pode estar pretendendo complementar o quantum recebido a título de verba alimentar, objetivando melhorar sua situação financeira, senão vejamos:

            "Não se considera modificação das condições estabelecidas em separação judicial, para efeitos de exoneração da obrigação de alimentar, o fato de o alimentando passar a exercer alguma profissão, de acordo com sua formação e condições intelectuais, fato já previsível quando da fixação dos alimentos, não se verificando, pois, qualquer ocorrência de acontecimento extraordinário de modo a justificar a alteração" (TJSP – RT – 610/73).

CONCLUSÕES:

            De tudo, se conclui:

            1.Não existe direito adquirido quando estiver em jogo a modificação da capacidade das pessoas. A redução da idade em que cessa a menoridade, imposta pelo novo Código Civil é aplicável a todas as pessoas que tiverem alcançado a idade-limite em 11 de janeiro de 2.003.

            2.Ao completar 18(dezoito) anos, o alimentário perderá o direito à percepção de alimentos decorrentes do Poder Familiar, mas poderá continuar a recebê-los em razão do parentesco, que não se extingue com a maioridade civil, podendo a obrigação se prolongar até os 24 (vinte e quatro) anos, como ocorre hoje com o estudante de instituição de ensino superior.

            3.A grande diferença entre o novo sistema e o do atual código está no fato de que a partir dos 18(dezoito) anos, o alimentário é que deverá provar a necessidade de continuar a receber alimentos, em virtude do parentesco existente entre ele e o alimentante. Há inversão do ônus da prova.

            4.Embora seja técnico o entendimento de que há necessidade de ajuizamento de uma nova ação, visando a exoneração da obrigação alimentar, quando o alimentário completar a maioridade civil, uma vez que não se pode formular pedido novo em processo findo, por medida de economia processual e justiça, entendemos que pode o alimentante, nos mesmos autos em que foram fixados os alimentos, pleitear sua exoneração dessa obrigação, cabendo ao juiz, intimar o alimentário para que se manifeste sobre o pedido, ocasião em que poderá produzir prova de que a continuidade do recebimento dos alimentos é necessária, o que reduziria, em muito, as despesas e dissabores de alimentantes e alimentários, com a demora do processo.

            5.O novo Código Civil, em relação aos alimentos, como dito acima, não alterou tão radicalmente a situação de quem paga ou de quem recebe alimentos, pois a questão toda versa sobre a partir de que idade, o indivíduo terá que demonstrar a sua necessidade de receber alimentos (hoje 21 anos, amanhã 18), sendo que o mais relevante foi a inversão do ônus da prova.

Notas

            1. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, volume I, 19.ª edição, p. 105/106, 1.999, forense, Rio de Janeiro.

            2. Idem.

            3. YUSSEF SAID CAHALI, Dos alimentos, 3.ª edição revista e ampliada, p. 542 e seguintes, 1.999, Revista dos Tribunais, São Paulo.

            4. Idem, p. 543.

            5. AASP. 1.954:44.

            6. TJSC – Des. Vanderlei Romer – Apelação Cível n. 98.003077-3

            7. Direito de Família e o Novo Código Civil, coordenação de Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, p. 184, 2.001, Del Rey, Belo Horizonte – MG.

 


Referência Biográfica

Roberto Henrique dos Reis  –  Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro, professor de Direito Civil e Processual Civil no Centro Universitário de Barra Mansa (UBM)

E-mail: roberto.henrique@uol.com.br