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Quais são os direitos

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OPINIÃO:  Marlusse Pestana Daher  – Penso que entre os artigos que já escrevi os mais lidos são os que tratam da UNIÃO ESTÁVEL. Digo isto, porque é difícil o dia em que não recebo um e-mail de pessoas a quem o assunto interessa. Fazem perguntas as mesmas de sempre, sobre o que já foi escrito. Minha impressão é que entenderam, sabem o que caberá a cada um no caso de uma separação por exemplo, mas pergunta-se, como se ao invés, o que se quisesse ouvir, seja exatamente o contrário.

– Olá Marlusse Pestana Daher, “tenho uma união estável já há 5 anos e um filho de 6 meses sendo que não está mais mamando, a relação com minha parceira não está mais dando certo, quais são os direitos que eu e ela temos? Eu posso ter a guarda do meu filho? Grato pela atenção.

Olá, Landersino, refleti muito sobre a pergunta que você me faz, não porque não tivesse de plano a resposta, mas porque imaginei que apesar de ter lido um dos meus artigos no sentido, você pergunta a mesma coisa e sou surpreendida, como sobredito, pela impressão de que, não é que você não saiba exatamente tudo que pode acontecer no caso de dissolução dessa sua união. Pergunta, na esperança de ouvir uma outra resposta, que desdiga sua absoluta certeza.

Quando você se uniu a tal pessoa, mesmo não tendo optado pelo contrato civil ou mesmo religioso, o decurso do tempo foi-se encarregando de consolidar além de coisas que não se vêem, nem se tocam, uma comunhão de interesses, uma cumplicidade em defesa do que em comum lhes diz respeito ou pertence, a comunhão de vidas sempre mais intensa e logicamente valores proporcionais sobre os bens divisíveis, os materiais, adquiridos pelo esforço comum de suas vidas. Enquanto você saia para o trabalho, ela ficava em casa cuidando dos afazeres, certamente poupando tudo o que podia, para que o que depende do dinheiro, pudesse ser adquirido sem maiores sacrifícios (tanto para citar um exemplo). Ao saber que era assim, você ficava tranqüilo e de volta ao lar, sempre gostou de encontrar o que precisava: uma roupa limpa, uma comidinha gostosa, alguém que o esperava.

Se ela trabalha fora, do mesmo modo, tudo lhe é igualmente proporcionado.

Do amor de vocês foi gerado e nasceu um filho. Ele lhe deu alegria não deu? Não está mais mamando, diz você. Ele não está mais mamando peito. Mas ele é bebê e mama todo aconchego do corpo da mãe, todos os cheirinhos que sabe captar, todas as ternuras que só mãe tem e sabe dar.

Uma mãe continua sendo a melhor titular da guarda do filho, por melhor que seja um pai. Uma mãe não pode ser preterida só porque o pai do filho de ambos a deixa, por que a relação não está mais dando certo. Por que não está dando certo? Será que você está pensando que separar-se é o que de melhor deve fazer? Não seria fraqueza ou covardia ou omissão ante o dever de solucionar qualquer impasse? Procurar ajuda é muito importante.

Francamente, está escolhendo solução errada! Mas se quiser, se não tem mais perdão para se perdoar e perdoar, veja o que têm, do menor ao bem maior, divida por dois. Não se esqueça que a ela são devidos alimentos, outro valor que não se encaixa no que é devido ao filho. Terá que pagar um plano de saúde, dar-lhe uma casa para morar com o filho.

Era exatamente isto que imaginava que fossem seus direitos, não era? Acertou.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Marlusse Pestana Daher:  Promotora de Justiça, Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Mestranda em Direitos e Garantias Individuais.

Desigualdade

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Atahualpa Fernandez [Ó]   e  Atahualpa Fernandez  Bisneto [1]

             Todo professor de ética, ou de filosofia jurídica, moral e política seguramente já se encontrou em alguma  ocasião assediado e angustiado pelas inquietudes de estar ensinando algo que tem pouco a ver com o “mundo real”. A oportuna , cuidadosa  e por vezes  necessária distinção entre  ser  e  dever-ser  leva, com  frequência , a este particular tipo de esquizofrenia. Por exemplo, um assunto em especial  faz com que isso suceda  com uma certa e virtuosa reiteração  : o problema da desigualdade social.

            De fato,  a constância com que se fala da desigualdade social faz com que nos olvidemos  de acentuar  o fato empírico  de seu acelerado crescimento, de expor suas causas e origens, de ponderar suas consequências e, mais ainda, de refutar as falsas e falaciosas justificações  ideológicas oferecidas pelos habituais peritos em legitimação. Na mesma medida,  também nos esforçamos  em  esquecer e/ou dissimular o fato de que a desigualdade  – seja lá de que forma seja medida – parece galopar de maneira desregrada e sem rendas tanto a escala planetária como local, tanto em países pobres como nos ricos. Com efeito, já faz algum tempo que, sobre essa questão, se rebaixou o nível do social, do ético e do esteticamente tolerável. A  extrema desigualdade está fazendo desse nosso mundo um lugar  instável, reprovável e feio: nunca na história da humanidade houve tão poucos ricos  e nem tantos pobres tão pobres [2].

            E isso  é  mau  ao   menos pelas  seguintes razões de consequência : primeiro, porque torna extremamente vulneráveis, e em grau diverso, a  amplíssimas  capas  subalternas da sociedade. E com a vulnerabilidade vem a dependência, com a dependência a falta de liberdade e com a falta de liberdade, em grau diverso, a condição servil e a perda do auto-respeito[3]. Segundo, porque põe em mãos de uns poucos  poderes e recursos desmedidos que podem  direcionar e condicionar  o  processo político do lado de seus interesses privilegiados, socavando assim toda esperança de democracia real e quebrando a igualdade  política que subjaz ao ideal de cidadania.

Finalmente, a desigualdade extrema entre ricos e pobres (entendidos estes em sentido amplo) quebra a comunidade, rompe os laços de fraternidade e desata, de um lado, a cobiça de uns  poucos e, de outro, quando não a inveja e o ressentimento, sempre ao menos a frustração, e muitas, muitas vezes, a angústia e o desespero de  muitos.

             Pese a estas razões – que por si  já seriam bastantes para se insistir nessa estratégia sócio-adaptativa chamada  igualdade  – não faltam as justificações  da desigualdade. Trataremos apenas de duas. A primeira delas vem a dizer que  a gente têm o que merece. Assim como o rico merece sua riqueza, prêmio por seu empreendedor dinamismo  , o pobre – por sua falta de aptidão e esforço – merece  o seu oposto destino social. Assim como o leal e eficiente trabalhador merece conservar seu emprego, assim  aquele  que o perde merece o escarmento  do desemprego ,  situação na qual  merecerá permanecer se não mostra suficiente capacidade e boa disposição para a busca ativa de outro emprego. Afinal, oportunidades não faltam, somente há que saber buscá-las.

            Esta justificação  meritocrática  da desigualdade  é tão demagogicamente falsa como  certo  é o fato de que ninguém merece moralmente nem seu azar genético nem seu azar social, de por si muito desigualmente distribuídos. Ninguém merece moralmente a família  que  lhe  tocou , por sorte, nascer ( rica ou pobre, decente ou depravada) e nem , tão pouco, as oportunidades – favoráveis ou não – que essa família possa vir a brindar-lhe.

E o mesmo cabe dizer dos talentos – poucos ou muitos- com  que um determinado indivíduo vem ao mundo: ninguém os merece moralmente (já que não temos a escolha de nós mesmos, isto é, não elegemos as conseqüências dos azares biológicos, da “loteria cortical”[4] ou sócio-econômicos de que somos “vítimas”). Se é verdade que a justiça aspira a contra-arrestar os caprichos do azar – social e genético –,  pouco justo  será permitir que os indivíduos gozem sem regras nem freios de seus imerecidos diferenciais de oportunidade, que esse azar lhes põe de bandeja. A distribuição das dotações sociais e genéticas – como não  deixou de advertir John Rawls –  correspondem  a  um ativo comum  da  sociedade, ainda que somente seja porque é a sociedade quem as premia  e valora ou porque somente em seu seio podem  ser exercidas.

            A segunda  mais comum justificação da desigualdade a converte  no necessário preço da liberdade. Em um mundo regido pelo livre mercado e assentado no sacrossanto  princípio da liberdade de eleição, um Estado intervencionista poderia impor políticas redistributivas e regulamentações igualitaristas , mas somente o lograria  a  base de cercear essa mesma liberdade individual, a base de recortar e limitar a opções sobre as que se pode exercer essa  “intocável”  liberdade de eleição.

Este argumento é tão demagogicamente falso como certo é o fato de que a desigualdade implica ela mesma  uma falta de liberdade , tanto mais profunda quanto mais dramática seja essa desigualdade. Porque falta de liberdade – de decidir , de fazer e ainda de rechaçar e resistir – é o que tem o trabalhador  assalariado que apenas chega ao fim do mês e não sabe se amanhã conservará o seu emprego; é o que  (ainda) sofrem todas as mulheres submetidas ao marido e todas  aquelas  desfavorecidas e discriminadas  em  grande parte de suas cotidianas  oportunidades de vida; é o que  (ainda) padece  o homossexual que suporta o estigma social da dependência de valores arcaicos e paroquianamente  espúrios.

Falta de liberdade é o que tem o pobre, que depende da exígua caridade de seus congêneres. Falta de liberdade é o que sofre o subordinado – na hierarquia de uma empresa, por exemplo –  porque necessidades e desejos vitais  para ele dependem da vontade de seu superior. Falta de liberdade, enfim,  é o que padece  aquele que vive (ou sobrevive)  com o permisso de outro.  Por onde se vê , o mundo contemporâneo, porque distribui de forma tão grosseiramente desigual recursos, oportunidades e riqueza, padece  de um profundo e crônico problema de falta de liberdade.

E nem que dizer que em um contexto de desigualdade está sempre aberta a possibilidade de que alguém reclame, para si e para os seus, o monopólio da excelência, ou – também – de que alguém se arrogue a faculdade de restringir a seu  antojo o abanico das excelências humanas[5].

Se, por exemplo, repassássemos o repertório léxico grego-clássico sobre a bondade, a virtude, a excelência e a retitude moral, nos encontraríamos , quase sem exceção, com vozes cuja origem etmológica aponta diretamente ao ódio, ao prejuízo e ao desprezo dos pobres, a  traços inequivocamente patrícios : de um lado, “os grandes”,  “os notáveis em posição elevada” , “ os de bom berço”, “os excelentes” , “os melhores” , “os que estão em posição destacada”  etc.; do outro , “os egoístas, pobres, vagos,  preguiçosos, pestilentos” (tudo isso está na etmologia da palavra grega que  ingenuamente se traduz sempre por “maus”) , “ os que vêm de estar em mau estado, pútrido”,  “o vulgar” etc. (Jaeger ).

Os filósofos e os escritores  “respeitáveis” já gastaram rios de tinta em criticar e lamentar o que o discípulo tardio de Calicles e Trasímaco, Nietzsche , chamou o “ressentimento”, a inveja e a  mesquinhez dos pobres, os trabalhadores e o grosso do que Aristóteles considerava classes miseráveis e incapazes de virtude[6]. Mas até onde meu conhecimento chega, está por se escrever a história do ódio, do prejuízo, do desprezo, e por certo, do pânico que, documentado ao menos desde o Tersites, de Homero, e o  caldeireiro-filósofo de Platão[7],  vem  suscitando entre os ricos, os poderosos e os chamados intelectuais aqueles a quem, de uma ou outra forma, têm estes “ baixo sua mão”.

Não somente há, pois, inveja, incapacidade de reconhecer as excelências alheias. Também há impostura e abuso de poder sob o pretexto de excelência. E esse é o lado terrível da desigualdade. Por esse lado – e não pelo outro – rompem-se vínculos comunitários globais, escinde-se e polariza-se uma sociedade, e se constitui, enfim, o que o tory  Benjamín Disraeli  descreveu como as  “duas nações” (a dos ricos e a dos pobres), o que o monárquico orleanista   Guizot  batizou  como  “luta de classes” (talvez  recordando-se de Aristóteles) e o que Marx chamou  “ a não-existência política” dos que vivem por suas mãos, ou seja, dos que se encontram na parte mais escura da vida, “no pior de todos os mundos possíveis”, para usar a expressão de Schopenhauer.

Por certo que a desigualdade  tem muitas causas , mas a principal seguramente há de buscá-la  no atual modelo capitalista (e neoliberal) de crescimento e desenvolvimento e no vigente modelo anti-social de propriedade. O capitalismo  é um modo de produção que vive da desigualdade e a  retroalimenta positivamente , vive da desigualdade entre o trabalho e o capital.  Reproduz e amplia essa desigualdade porque o capitalismo  distribui muitos distintos recursos de poder a proprietários e não proprietários. E distribui tão desigualmente  o poder social  porque se baseia em um modelo de propriedade e apropriação que não conhece  limites a sua acumulabilidade , e permite formidáveis  (hiper) concentrações de poder econômico e social que não somente escapam  a todo controle democrático senão que por inúmeras vias  conseguem uma sobre-representação institucional  e política de seus privilegiados e minoritários interesses[8].

Assim que a  batalha –  até  agora  duramente perdida – contra a extrema desigualdade social   passa por buscar-lhe alternativas – decerto parciais e graduais – ao capitalismo, alternativas de tipo social-republicano, alternativas que permitam a sociedade recuperar o controle democrático sobre as decisões sociais, políticas e econômicas , e aos indivíduos- a muitos, a milhões deles – recuperar o controle sobre suas  próprias vidas, isto é, sua verdadeira autonomia[9].

E ensinar isso não é, definitivamente, uma tarefa fácil !


NOTAS

[Æ] Para a consulta da referência bibliográfica relativa aos autores citados neste artigo cfr.: Atahualpa Fernandez, Direito e natureza humana. As bases ontológicas do fenômeno jurídico , Curitiba: Ed. Juruá, 2006.

[1] Doutorando em Direito Público (Ciências Criminais) e em Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears/UIB ; Research Scholar en el Laboratorio de Sistemática Humana/UIB.

[2] O problema, parece-nos, é que desde suas primeiras formulações, a justiça sempre foi associada com a igualdade e, nessa mesma medida, foi evolucionando ao compasso desse princípio ilustrado. No Livro V da Ética a Nicómaco, por exemplo, Aristóteles desenvolveu a sua doutrina da justiça  ( que, ainda hoje, representa o ponto de partida de todas as reflexões sérias sobre a questão da justiça ) situando a igualdade (proporcional ou geométrica) como o cerne deste valor, isto é, como núcleo básico da justiça. De fato, e neste particular sentido,  tanto em situações experimentais como de observação, já se demonstrou que o objetivo da justiça baseado na igualdade é capaz de anular quaisquer outras considerações contrapostas. Inclusive o princípio básico do comportamento humano que é maximizar o próprio benefício, é rechaçado em favor de maximizar uma distribuição equitativa (um princípio da igualdade): alguns estudos indicaram que, ademais de sentir-se desgraçadas quando obtêm menos do que crêem que merecem, as pessoas se sentem verdadeiramente incômodas quando obtém mais do que merecem ou quando outras pessoas obtêm mais ou menos do que merecem. Em síntese, dado um conjunto determinado de condições qualificativas, as pessoas sempre tratarão de atuar de uma maneira que pareça justa, quer dizer, igualitária (Clayton e Lerner). Mas, como é quase ocioso recordar, a igualdade não é um fato. Dentro do marco da espécie humana, que estabelece uma grande base de semelhança, os indivíduos não são definitivamente iguais. O princípio ético-político da igualdade não pode apoiar-se portanto em nenhuma característica “material”; é mais bem uma estratégia sócio-adaptativa, uma aspiração desenvolvida ao longo de nossa história evolutiva, que passou de aplicar-se a entidades grupais mais reduzidas até englobar a todos os seres humanos (como proclamam, aliás, as mais conhecidas normas acerca dos direitos humanos da atualidade). A justificação de tal princípio descansa, desde suas origens, no reconhecimento mútuo, dentro de uma determinada comunidade ética, de qualidades comuns valiosas e valores socialmente aceitos e compartidos, os quais representaram uma vantagem seletiva  ou adaptativa para uma espécie essencialmente social como a nossa que, de outro modo, não  haveria podido prosperar biologicamente. A regra, portando, é do trato igual, salvo nos casos em que, por azar social (origem de classe, adestramento cultural, etc.) ou azar natural (loteria genética – que inclui a distribuição aleatória de talentos e de habilidades – enfermidades e incapacidades crônicas sobrevindas, etc.), dos quais não somos absolutamente responsáveis, o tratamento desigual esteja objetiva e razoavelmente justificado. Que embora a igualdade constitua o núcleo básico da justiça ( e  parece muito intuitivo que se trata de uma emoção moral arraigada em nossa arquitetura cognitiva mental : o mais canalha dos homens  sempre reagirá ante um tratamento desigual no que se refere a sua pessoa), as reais e materiais desigualdades entre os membros de nossa espécie exigem o desenho de estratégias compensatórias para reparar, na medida em que se possa fazer, as desigualdades nas capacidades pessoais e na má sorte bruta. Dito de outro modo, justiça e igualdade não significam, necessariamente, ausência de desníveis e assimetrias, já que os indivíduos são sempre ontologicamente diferentes, mas, sim, e muito particularmente,  ausência de exploração de uns sobre outros. Daí que tratar como iguais aos indivíduos não necessariamente entranha um trato idêntico: não implica necessariamente, por exemplo, que todos recebam uma porção igual do bem, qualquer que seja, que a comunidade política trate de subministrar, senão mais bem a direitos ajustados às diversas condições (Dworkin). Nas palavras de Zeki e Goodenough: “For instance, in a literal sense, human equality is a myth. Variation ensures that each of us has our own package of strengths and weaknesses. Neither of us has the ability to paint respectably, write good detective fiction, compose songs or play sweeper for even a middling kind of football team. Yet, as a legal matter, the democratic societies in which we live treat us as the equal of those who can do these things. This equality myth is a key element in the maintenance of a particularly admirable kind of social order, a counterfactual that pays dividends in fairness and stability. Proving the law wrong in its declared assumptions may not actually affect the utility of those assumptions (p.e. Goodenough)”.

[3] Uma observação paralela acerca da noção de liberdade: para começar, diremos que para ser plenamente indivíduo, para gozar de  plena existência individual, separada e autônoma, é necessária a liberdade plena. E a liberdade (plena), a exemplo do que ocorre com a individualidade, também não pressupõe a  (plena) existência  ab initium et ante saecula  de indivíduos (plenamente) separados e autônomos, senão que a  (plena) existência separada e autônoma desses indivíduos pressupõe a  (plena) institucionalização histórico-secular da liberdade. De fato, na vida social tudo é possível : o melhor – se houver – e, desde logo, o pior. Tão é tudo possível na vida social, que até é possível nela  a declaração de inexistência individual, o certificado de defunção social de alguns humanos: a escravidão é a morte do  “indivíduo”  para todos os efeitos do trâmite social, sua  desumanização total por via de redução  do sujeito a mero  instrumentum vocale  , segundo a célebre formulação do direito romano ( ou  “instrumento animado” , para usar a expressão de Aristóteles).Para existir como indivíduo separado e autônomo é , pois, e ao menos , necessária a prévia institucionalização da liberdade; é necessário não ser escravo, não ser tratado como um instrumento , senão como um fim em si mesmo – aliás , dito seja de passo, perde-se habitualmente de vista que quando Kant formula a exigência de tratar aos demais como fins em si mesmos, não está dizendo nada radicalmente novo e  “moderno”, mas que está repetindo o mesmo que sustentaram  todos os filósofos morais e todos os juristas republicanos ao menos desde Aristóteles, ou seja: que aos livres não se lhes pode tratar como escravos , quer dizer, como instrumentos ( “vocais”  ou  “animados”). Pois bem, o liberalismo entende por liberdade somente a liberdade negativa, e esta é definida de tal maneira que uma pessoa é livre quando está livre de coerção, quer dizer, que não há ninguém nem tampouco uma lei que lhe ponha impedimentos. De liberdade positiva se fala, em câmbio, quando uma pessoa tem a capacidade e a oportunidade de atuar, ou seja, de que o Estado não só deve proteger senão também ajudar o indivíduo, de criar oportunidades para que o indivíduo se possa ajudar a si mesmo. Para citar um exemplo que se encontra em Hayek: no primeiro caso, um montanhês que cai em um abismo do qual é incapaz de sair, é livre neste sentido porque não há ninguém que o impeça de sair; já no caso de liberdade positiva, nosso montanhês precisamente não seria livre neste sentido, se não pode sair, ainda que ninguém o impeça – falta-lhe a capacidade e a oportunidade de atuar.  O direito proíbe, por exemplo, matar a outro indivíduo se não é em circunstâncias muito extremas, e isso supõe uma restrição óbvia de meus cursos de ação, supõe uma interferência. Mas dita interferência não é arbitrária, senão que precisamente está justificada pela proteção geral da liberdade dos cidadãos, assim que não pode implicar uma violação de minha liberdade mais que em um sentido muito primário. Trata-se, em síntese, de uma concepção robusta de liberdade, aqui entendida em seu sentido republicano-democrático, como “não interferência arbitrária”, ou seja, como um aparato histórico-institucional que imponha ao Estado a obrigação de assegurar e de promover, no contexto de uma sociedade igualitária, a liberdade necessária para que o indivíduo possa autoconstituir-se como entidade separada e autônoma, e que, em igual medida, garanta ao mesmo – como já dissemos antes, plena capacidade para resistir à interferência arbitrária não somente  do próprio Estado, mas também de si mesmo e de todos os demais agentes sociais. Dito seja de passo que, para Aristóteles, dessa liberdade carecem os desfarrapados, os miseráveis e, em geral, os despossuídos e os empregados em ofícios  “aviltantes”. Que os pobres deveriam estar excluídos do governo porque ; Rose. não podem governar-se a si mesmos, por carecer, pois, de virtude, é uma idéia recorrente em Aristóteles, e o fundamento normativo de sua – relativamente moderada – hostilidade à democracia, que ele, como todos os escritores antigos e modernos até bem entrado o século XIX (Kant incluído), consideraram como governo potencialmente despótico dos  pobres livres ( recordemos que, para Aristóteles,  “democracia” significa propriamente governo dos pobres, não governo da  maioria, por muito que a maioria estivesse, de fato, constituída pelos pobres livres – Política,1290a)(Domènech). Sobre liberdade republicana e sua diferença com relação a liberdade liberal: Pettit; Ovejero et alii; Skinner; Sandel;  Atahualpa Fernandez. Para o estudo de uma teoria sobre a liberdade (e sua correspondente relação com a responsabilidade) aplicada tanto aos aspectos psicológicos da pessoa livre e a vontade livre como às vertentes políticas na teoria do Estado livre e da Constituição livre, cfr., por todos, Pettit. Já sobre a a liberdade ( e sua contraposição com o problema do determinismo) a partir de um enfoque cognitivo e envolucionista, cfr. Dennett

[4] por exemplo, a felicidade é um dos aspectos mais hereditários da personalidade. Estudos realizados com gêmeos idênticos mostram que 50 a 80% de toda a variação entre as pessoas e seus níveis médios de felicidade podem ser explicados por diferenças em seus genes, e não por suas experiências de vida – Lykken e Tellegen (episódios específicos de alegria ou depressão, entretanto, normalmente precisam ser entendidos analidando-se a interação dos eventos e condições da vida com a predisposição emocional da pessoa). O nível médio de felicidade de uma pessoa típica constitui o “estilo afetivo” da pessoa. Seu estilo afetivo reflete o equilíbrio diário de poder entre nosso sistema de aproximação  ( o sistema de motivação do comportamento humano que provoca emoções positivas e o faz querer se aproximar de determinadas coisas) e o sistema de retração (o sistema de motivação do comportamento humano que provoca emoções negativas e nos faz querer evitar determinadas coisas), e esse estilo está praticamente escrito em nossa testa. Há muito se sabe, através de estudos de ondas cerebrais, que a maioria das pessoas apresenta uma assimetria: mais atividade no córtex frontal direito ou no córtex frontal esquerdo. No final da década de 1980, Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin, descobriu que essas assimetrias estavam relacionadas com as tendências gerais da pessoa a vivenciar emoções positivas ou negativas. As pessoas que apresentavam maior quantidade de determinado tipo de onda cerebral vinda pelo lado esquerdo da testa relataram sentir-se mais felizes na vida cotidiana e sentir menos medo, ansiedade e vergonha do que as pessoas que apresentavam maior atividade do lado direito. Pesquisas realizadas posteriormente mostraram que as pessoas com maior atividade no lado esquerdo têm menos tendência à depressão e se recuperam mais rapidamente de experiências negativas (Davidson ). A diferença entre as pessoas com maior atividade cortical do lado direito e do lado esquerdo pode ser observada até mesmo em bebês. Bebês de 10 meses de idade que apresentam mais atividade do lado direito tâm mais tendência a chorar quando separados brevemente das mães ( Davidson e Fox). E essa diferença na infância parece refletir um aspecto da personalidade que é estável na maior parte das pessoas, em toda vida adulta ( Kagan). Os bebês que apresentam mais atividade do lado direito da testa tornam-se crianças mais ansiosas em relação a novas situações; quando adolescentes têm mais probabilidade de ser medrosas nos namoros e nas atividades sociais; e, por fim, quando adultos têm mais probabilidade de precisar de tratamento psicológico para relaxar. Tendo perdido na loteria cortical, e inocentes de si mesmas, elas lutam a vida inteira para atenuar o controle de um sistema de retração excessivamente ativo. Já para as pessoas que ganharam na loteria cortical, seus cérebros foram pré-configurados para ver o mundo pelo lado positivo (Haidt). O curioso é que há provas recentes que põe tudo isso sob uma perspectiva ainda mais interessante. Um estudo realizado sobre pacientes com danos cerebrais de distintos tipos revelou que uma área particular do lobo frontal direito é crucial para a apreciação do humor. Um indivíduo poderia perder quase qualquer outra parte do cérebro, inclusive troços da parte esquerda, e ainda assim ter sentido de humor. Mais extraordinário ainda é o fato de que isto inclui a apreciação não só de desenhos animados, estorietas ou outros tipos de humor “visual”, senão também do humor verbal, o qual pensaríamos que é tarefa das áreas da linguagem, radicadas no hemisfério esquerdo, donde se localizam os centros do discurso. A gente que carece desta zona crucial do hemisfério direito mostra uma importante redução na capacidade de sorrir, que parece ser boa para liberar endorfinas ( que são parte de um sistema de controle neuronal da dor e cuja principal área cerebral responsável por sua  liberação é o hipotálamo: quanto maior seja a quantidade de endorfinas que segregue o organismo, maior será a quantidade de dor que este possa suportar, e que em grandes quantidades pode fazer-nos sentir relaxados e/ou cheios de energia). E neste particular, como parece ser que o riso da ânimos para continuar com a interação com outros indivíduos, inunda o cérebro de endorfinas e faz com que um indivíduo se sinta bem predisposto em relação a outra pessoa, a perda dessa capacidade pode resultar extremamente danosa para a criação de vínculos sociais. (Dunbar). Ademais, esta parte do hemisfério direito tem conexões neuronais diretas com a amígdala, no sistema límbico, que é a parte do cérebro que se ocupa de processar emoções e sinais emotivos. 

[5] Pense-se, por exemplo, no nepotismo que, no seu  (freqüentemente deturpado) uso cotidiano  se refere a conceder favores a parentes ( do latim  “nepotem”, sobrinho) como, por exemplo, um pré-requisito para um trabalho ou um status social. O nepotismo institucional é, desde o ponto de vista oficial, ilícito em nossa sociedade, se bem que amplamente praticado e, na maioria das vezes, a gente ainda se surpreende de saber que é considerado um vício. Claro que não é impossível encontrar uma explicação genético-evolutiva para tal fenômeno: primeiro, e em certas circunstâncias, este tipo de pessoas pode fomentar a sobrevivência de seus genes por meio do cuidado que pode aportar a seus irmãos ou a seus sobrinhos; segundo, os parentes são aliados naturais, e antes de que se inventara a agricultura e a vida sedentária em cidades, as sociedades se organizavam em torno de clãns que estavam formados  por parentes – Napoleon Chagmon, por exemplo, depois de haver recompilado uma série de genealogias meticulosamente elaboradas que vinculavam  milhares das tribos ianomami ( a tribo de caçadores-recoletores e agricultores da selva amazônica que estudou durante trinta anos), demonstrou que o parentesco é o fundamento que mantêm as aldeias unidas (Pinker ; Tudge). Com efeito, o amor a nossos parentes às vezes entra em conflito com nossos próprios interesses ou com nosso sentido da justiça e a imparcialidade nas relações sociais. Muitos sistemas políticos tiveram que adotar disposições específicas para tratar de limitar o nepotismo na esfera pública. Em efeito, nossa tomada de decisões é complexa, e às vezes considerações diferentes tiram de nossa consciência moral condutas que caminham em direções opostas. A tarefa da ética e do direito consiste em iluminar esses conflitos, não em ignorá-los.

[6] Que são: campesinos, jornaleiros, comerciantes, artesões e proletarios (Política,1318b), ou seja, todos os que trabalham com suas mãos. A  “Rebelião das massas” , de Ortega y Gasset, é talvez o último grande livro nessa tradição de indignado pânico ante os – supostos – avanços da democracia em sentido clássico, como participação real dos pobres no governo e na vida pública. Seu interessante diagnóstico era que a vida democrárica moderna, produzindo o “homem massa”, havia rompido o que ele considerava a  pièce de résistance  de toda sociedade: a dialética “exemplaridade/docilidade” ( quer dizer, autoridade ganha com a própria excelência/submissão a essa autoridade por quem, não sendo eles mesmos excelentes, são sem embargo capazes de reconhecer – e aderir-se à  – a excelência alheia. (Salvador Giner).  

[7] O livro V da República, como talvez se recordará, Platão  apresenta ao horror de seus leitores a imagem de um possível filósofo ( possível, claro está, na aborrecida democracia) que é caldeireiro de ofício, e naturalmente,  pouco mais ou menos, feio, baixinho, barrigudo e calvo. Vinte e tantos séculos mais tarde, no elegante salão de uma grande Madamme da Paris de XVIII, e talvez recordando esta passagem de Platão, Voltaire deixou cair entre displicentes suspiros  de afetação  parvenu : “Ah! Madamme, quand la canaille se mêle de penser, tout est perdu”.

[8] Pensemos, por um momento, no capitalismo, entendido, muito sumariamente, como propriedade privada dos meios de produção mais mercado: a primeira circunstância, essa peculiar distribuição (e acumulação) dos direitos de propriedade, carrega consigo importantes implicações distributivas e de relações de poder; a segunda propicia uns determinados dispositivos motivacionais ( a desigualdade como estímulo produtivo, o egoísmo) que operam como combustível social. Tudo isso tem consequências relevantes para os vínculos sociais de comunidade, de autoridade e de igualdade: a) o mercado opera sobre um transfundo motivacional egoísta que atenta contra valores ou disposições emocionais como a confiança, a lealdade, a compaixão e a generosidade, que constituem o cimento da comunidade política e cuja relevância para a boa sociedade é, seguramente, superior à importância das virtudes supostamente favorecidas pelo comércio; b) no mercado a participação nas tarefas coletivas é puramente instrumental e com consequências anti-igualitárias: opera segundo um princípio regulador do comportamento que mina a coesão comunitária e que, sem embargo, se associa à eficiência econômica; c) a acumulação  da propriedade privada dos meios de produção constitui um importante fator da (desigual) distribuição de poder e da capacidade discricional em uma determinada comunidade; e, por fim, d) em um mercado de corte capitalista, inclusive no mais perfeito, as desigualdades  de recursos acabam em desigualdades de riqueza que, de diversas formas, atentam contra os vínculos sociais de igualdade (por exemplo, a igualdade de participação e influência política). Em resumo, o capitalismo carrega consigo um enorme potencial para acabar por complicar a realização dos melhores lados dos vínculos sociais de comunidade e de igualdade: seus dispositivos motivacionais socavam o cenário comunitário; a desigualdade desde a qual funciona atenta imediatamente contra a igualdade de poder e, não menos, contra o sentimento de fraternidade e de cooperação; as relações de produção que por vezes o definem tornam improvável o autogoverno pessoal e propiciam a arbitrariedade e o despotismo – isto é, fomentam a desigualdade social.

[9] Isto implica, desde logo, o pressuposto  “inclusivista” de que todos os indivíduos têm de contar por um, e nenhum por mais de um – o pressuposto  que distingue a concepção de um genuíno republicanismo de suas variantes modernas-, e que incorpora já uma sorte de compromisso igualitário: significa que a comunidade política é requerida não somente para  tratar os indivíduos como iguais, senão também para criar  as condições necessárias e as possibilidades reais  para que essa igualdade seja ( efetivamente) levada a cabo. Dito de outro modo, uma concepção republicana democrática  terá de ser também “inclusiva”, dar espaço para que gentes procedentes de todos os rincões da sociedade possam impugnar as decisões legislativas, executivas e judiciais. Este requisito significa que o Estado terá de ser representativo de diferentes setores da população, que os canais de disputa terão de estar bem estabelecidos na comunidade e que o Estado terá de se guardar da influência das organizações empresariais e de outros interesses poderosos (Pettit).

 

Atahualpa Fernandez: Doutor  em Teoría Social, Ética y Economia /Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política / Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California,Santa Barbara; Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha; Especialista em Direito Público /UFPa.; Professor Titular- Unama/PA ;Professor Colaborador (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana/ Laboratório de Sistemática Humana); Membro do MPU (aposentado).

Atahualpa Fernandez Bisneto: Doutorando em Direito Público (Ciências Criminais) e em Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears/UIB ; Research Scholar en el Laboratorio de Sistemática Humana/UIB.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Advogado: essencial a administração da justiça e a ética profissional

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* Paulo Roberto Pontes Duarte

No presente artigo, formula-se uma crítica pela falta de ética na  atuação de diversos advogados. Com toda certeza, oportunamente, não podemos generalizar, pois em qualquer profissão encontraremos profissionais que não apenas violam regras, mas também proporcionam um descrédito social.

Nutritivo salientar,  para que se possa exercer a advocacia é necessário de no mínimo cinco anos de estudo numa Faculdade de Direito, após o bacharel deverá fazer o Exame de Ordem, que em razão da dificuldade dos testes, a exemplo no Estado de Santa Catarina a média de aprovação não passa de 20% dos inscritos; se aprovado, receberá seu número da identificação profissional registrado na seccional da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil onde irá atuar como advogado.

Para tanto, é preciso ressaltar ao leitor que a Constituição Federal de 1.988, principal instrumento jurídico de nossa nação,  deixa consignado no capítulo III – do Poder Judiciário no art. 133 que: “o Advogado é indispensável a administração da Justiça…”. A propósito, o  advogado é um profissional liberal regularizado pela Lei Federal nº 8.904/96 que dispõe não apenas seus direitos mas também seus deveres, pois têm no Código de Ética e Disciplina a regulamentação de sua conduta ética, da qual extraímos o art. 31:”O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia”.

Vale registrar,  quem escolhe a profissão de advogado deve ter um caráter integro, honesto, ser uma pessoa digna para poder  proporcionar o acesso do seu cliente ao Poder Judiciário amparado pela verdade das palavras e correta aplicação da lei. Mais que um dever profissional, ser honesto é uma condição essencial, inerente à pessoa do advogado.

Como bem enfatiza o desembargador José Renato Nalini: “Quem procura um advogado está quase sempre em situação de angústia e desespero. Precisa nutrir ao menos a convicção de estar a tratar com alguém acima de qualquer suspeita”(Ética Geral e das Profissões, pág. 242).

Por isso, cabe informar, que o advogado responde pelos seus atos tanto no âmbito cível e penal, e, ainda, administrativamente na OAB através das sanções disciplinares, inclusive a exclusão.

Para concluir, enfatizamos  que a advocacia é uma das profissões jurídicas que primeiro se preocuparam com a ética, pois o principal atributo de advogado é sua moral, haja vista, ter que zelar pela sua conduta, não apenas perante o poder público, sua classe e seu cliente. Mas também, imprescindível que tenha uma postura de bons costumes  na sua comunidade e na sociedade em geral, só assim eliminará do contexto social o estigma da profissão, o que efetivamente  poderá proporcionar respeito e prestigio a nobre função de advogar.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Paulo Roberto Pontes Duarte: advogado em SC;  



Formado na Epampsc – Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público de Santa Catarina;  Pós graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal –  EPAMPSC/UNIVALI;   Membro da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB de Santa Catarina; Pesquisador do NEPI – Núcleo de Estudos Sobre Preconceito e Intolerância

 

 

 

Advogado OAB nº 23.533

Pós graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal

e-mail: paulo-diver@bol.com.br  diver_paulo@hotmail.com

Injustiça não vale

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* Marlusse Pestana Daher 

            A Lei Maria da Penha chegou com toda a ferocidade mediante a qual era esperada ou para por fim a todos os sofrimentos impingidos pelo homem-marido à sua mulher.

            De fato, de tantos casos que se sabe é tudo que se pode chamar de desumano, dizer absurdo é pouco, pela pancadaria, pelos rostos arroxeados, pelas lesões corporais, pelas marcas que ferem a alma e cujas cicatrizes não se apagam nunca mais. 

            Ela também se chamava exatamente Maria da Penha e me procurou um dia para ajuizar uma ação de alimentos, vez que Sua Senhoria, seu marido, a deixara com sete filhos, absolutamente sem nada para comer e ainda passava ostensivamente na porta da casa com a outra a qual se tinha unido, dando risadas, bem vestidos e logicamente bem alimentados.

            Possuída de toda indignação que tais coisas sempre me causam, ajuizei a ação, pela assistência judiciária, logicamente. Chegado o dia da audiência, no fórum, vi a hora passar e o juiz arquivar o pedido, já que Maria da Penha não apareceu.

            Mas quis saber, afinal de contas, o que aconteceu e descobri que na véspera, Sua Senhoria, seu marido, voltou para casa e fez as maiores promessas que não cumpriu e lá se foi mais uma vez.

            Volto a refazer o pedido e de novo no dia da audiência, minha cliente não aparece, fico sabendo que pela mesma causa e depois com a mesma conseqüência. E assim por mais cinco vezes. 

            Incrível como o perdão de Maria da Penha, que a esta altura por onde andará, não se cansava de perdoar!

            Entretanto, há alguns dias,  fiquei sabendo que um marido que foi ao fórum procurar saber o que a mulher reclamou a seu respeito, foi imediatamente preso por ordem da Juíza, vez que fora acusado de maus tratos a ela, de ter estuprado a própria filha de ter negado alimentos e não sei o que lá mais.

            Nada daquilo era verdade e a verdade, no entanto é que, tal senhora pertence a uma determinada “religião” a qual se entregou de corpo e alma; porque todo dinheiro fosse qual fosse a soma, “doava” à igreja, o marido então, passou a fazer as despesas necessárias  e não lhe dava dinheiro nenhum, nem quis vender o imóvel onde moravam para adquirir um outro bem perto da nova igreja, onde ela ardentemente passou a querer morar.

            Acobertada pelos “ministros” teve assistência de uma advogada e levou o marido a passar alguns dias preso, sob os “auspícios da lei Maria da Penha”.

            Neste sentido é que importa que quem aplica a lei tenha um imenso cuidado. Não deveria, por exemplo,  acatar o pedido escrito sem ter conversado com quem o fez. É uma forma que permite aferir melhor a verdade, quem sabe descobriria algum distúrbio ou razões veladas que possam estar impulsionando tal agir.

            Que não se perdoe o homem que espanca,  fere e até mata. Mas também que não se parta sempre do pressuposto que todo homem é realmente culpado. Há os que inversamente, sofrem à, Maria da Penha. Lembro-me de um caso concreto: ela era terrível, humilhava-o e desmerecia. Fazia compras fiado e ele pagava tudo. Um dia a casa caiu, ele acabou matando-a para não morrer. No dia do júri, certos de que o pai seria absolvido, os filhos enfeitaram uma carroça com flores e ramos verdes e esperaram o fim da sessão para conduzirem-no de volta á casa.

            Repito: não se perdoe o homem que espanca, fere e mata, mas injustiça não vale!

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

Marlusse Pestana Daher:  Promotora de Justiça, Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Mestranda em Direitos e Garantias Individuais. 16/10/2007

 


Aos inimigos, a “lei” – “arapucas” ou “procedimentos” administrativos?

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OPINIÃO:   Jaques Bushatsky  –  Chegou aos jornais mais um desespero que aflige quem utilize imóvel para exercer sua profissão em S. Paulo. Esta a manchete de “O Estado de São Paulo” no dia 4/9/07: “SP ilegal: Prefeitura aceita apenas 25% dos pedidos de alvará – autorização é negada porque imóveis não cumprem as exigências da lei”. Cabe perguntar: os imóveis estão “errados” ou é impossível cumprir a norma? Óbvio, não se cuida aqui, daqueles casos assombrosos a ponto de já terem se transformado em noticiário, quiçá das páginas policiais.

São tortuosos os caminhos da burocracia, quando não pensada para resolver, para atingir um objetivo claro. Infelizmente, a desejável inteligência nem sempre adjetiva as normas ou a atuação administrativas, certeza identificada em pesquisa do Banco Mundial, a par de notória.

Para que não se enxergue nestas linhas qualquer norte anárquico, diga-se que não são poucas as hipóteses em que o estado conseguiu traçar normas claras, atendíveis, coerentes, como já preconizava Napoleão na promulgação do Código Civil francês, diploma que veio moldar a legislação de inúmeros países, inclusive a brasileira.

Um bom exemplo está no procedimento de fechamento de postos, quando averiguada a venda de combustíveis adulterados: a Administração contempla o princípio do contraditório, os envolvidos acompanham as análises, que são feitas por entidades insuspeitas, tudo é precedido de avisos insofismáveis. Assim, protegem-se os comerciantes (que fiscalizados, sejam inocentes, possibilitando-lhes a defesa), os consumidores, a sociedade, o erário (a adulteração implica em sonegação de imposto).

De outro lado estão os procedimentos prenhes de armadilhas, a inacreditável dificuldade de obter-se informação firme (clara, indicativa, sem os famigerados “smj”), os labirínticos trâmites, a ponto de em S. Paulo, quando tudo dá certo, um alvará de funcionamento demorar 2 meses para ser expedido (em 25 municípios estudados, S. Paulo cravou a 24ª pior posição). Anote-se, só é atingido o final satisfatório se o interessado se valer de despachantes e lembrar que ao orçar o novo negócio, deverá destacar um capital inusitadamente substancial para ser gasto em papéis, além de prever uma carência incalculável para poder operar “legalmente”. 

Dentre os denominadores comuns às exigências absurdas, estão o realce do significante em detrimento do significado e a necessidade de repetição de etapas logicamente superadas. Por exemplo, são cediças as conclusões de que um carimbo numa planta seja mais importante do que o prédio que ela representa (o boneco de vodu finda mais real que a pessoa enfeitiçada); ou as exigências que redundam no ignorar vistorias posteriores, obrigando-se a exibição de vistos anteriores (provocando um hercúleo, caro e perene recomeçar).  

É intrigante a proporção de estabelecimentos (75%) que não conseguem a “legalização” (o jornal destacou que em Cidade Tiradentes, região paulistana com 280.000 habitantes, somente 8 imóveis são “legais”).  Ora, se tantos empresários (é curioso estarem entre eles, desde botecos até grandes bancos) não conseguem seus alvarás ou suas licenças, certamente não se está diante de uma revolta contra a legislação ou de uma opção geral pela negligência, mas, evidentemente, estamos sendo afrontados por normas esdrúxulas, encaminhamentos inconsistentes. Não é a febre que está alta, é o termômetro que está quebrado. Ou será que em Cidade Tiradentes, 280.000 pessoas utilizam – ou devem usar – somente os 8 imóveis regularizados?

Essa catástrofe administrativa força lembrar o livro de Andréa Camilleri, “Por uma linha telefônica”. É o relato sobre um comerciante siciliano, que em 1891, escreveu ao prefeito, indagando (que ingenuidade!) como conseguir a concessão de uma linha telefônica. Foi o início do seu calvário, que vale a pena conferir na obra (observação: foi escrita com base em fatos reais e, como quer a burocracia, documentados). 

Esses calvários partem, no mais das vezes, de uma exigência descabida ou de um carimbo mal aplicado. Isso também já chegou à literatura, em “O Tenente Quetange” de Tyniánov, que conta uma história passada na Rússia quando um errinho gerou insana confusão (um escrivão, no meio de uma frase, reuniu os vocábulos “que” e “tange” em referência a um militar e a partir daí, ocorreram as peripécias burocráticas do TenenteQuetange”). O autor criticava assim, em 1934, a barafunda burocrática que afligia seu país, tão subdesenvolvido.

Na África de hoje, é parecido. Em Serra Leoa, devastada pela guerra civil, a ONU selecionou alguns meninos que haviam sido guerreiros, para levá-los aos EUA. Famílias dizimadas, aldeias destruídas, pessoas perdidas, não faltou um burocrata que exigiu, para conceder um visto, a autorização dos pais de uma criança, que havia sido escolhida porque órfã. A história está em “Muito longe de casa – memórias de um menino-soldado” de Ishmael Beah.

Evidente, não poderia faltar a lembrança de “O processo”, de Franz Kafka, a sugerir um exercício: quantas situações kafquianas já foram vistas nesses procedimentos? 

Se erros na normatização e na apreciação de requerimentos são esperáveis, as vingativas repulsas dos maus burocratas a críticas ou a solicitações não são novidades, tudo a agravar a posição do cidadão. Nikolay Gogol, assim iniciou o conto “O Capote”: “No ministério de… Não, é melhor não dizer seu nome. Ninguém é mais suscetível do que funcionários, empregados de repartições e gente da esfera pública. Recentemente, é o que dizem, o chefe de polícia de não sei qual cidade produziu um informe no qual diz sem meias palavras que o respeito às leis se perdeu e que seu sagrado nome foi pronunciado“em vão”. Em apoio ao que afirma, juntou à petição uma volumosa obra romanceada na qual, a cada dez páginas, surge um chefe de polícia não-raro num estágio de lamentável embriaguez. Assim para evitar tais suscetibilidades, chamemos o ministério em questão simplesmente de “um certo ministério”. Esse conto foi escrito na Rússia de 1843! 

Criam-se então incidentes terríveis, esta é a verdade, embora ensinasse Norberto Bobbio (A era dos direitos) que “O Estado não pode colocar-se no mesmo plano do indivíduo singular. O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, em defesa própria. O Estado responde de modo mediato, reflexivo, racional.”

Pois bem: somam-se a jurisprudência e a doutrina, proclamando que a norma administrativa deve ser finalística, não passando o trâmite burocrático, de um meio para alcançar determinada meta, obrigatoriamente em benefício comum; no caso dos alvarás e das licenças para uso de imóveis, é óbvio, pretenderiam permitir o razoável uso, o exercício de atividades, propiciar à comunidade os benefícios que advém das atividades profissionais. 

Mas impávidas, aí estão inexplicáveis exigências, indeferimentos, vinculações a requisitos de impossível atendimento. E, o que podem as pessoas fazer? Uma alternativa (repetidamente gritada pelos que se exasperam) seria não trabalhar, talvez se inscrever em algum programa governamental de ajuda aos necessitados, este o desabafo.

Para enfrentar a outra possibilidade, interessa recordar o economista e fundador do Instituto da Liberdade e Democracia, Hernando de Soto (O Mistério do Capital), que assinalou o fracasso da ordem legal em manter o passo com essa estonteante convulsão econômica e social” para concluir que a população finda construindo ajustes e soluções que “Não contém códigos misteriosos a serem decifrados. Suas representações nada têm a esconder; foram projetadas para serem reconhecidas pelo que são”. Em outras palavras, a sociedade finda resolvendo os seus problemas, ao largo das normas inatendíveis. E, quanto à Administração, nada resta à população, exceto sofrer multas. 

No Judiciário deságua boa parte desses problemas, porém somente vão aos Tribunais os cidadãos que: 1) tenham disponibilidade de tempo e de dinheiro; 2) sintam-se injustiçados e revoltados com as armadilhas procedimentais; 3) tenham certeza de que ao postularem determinado direito, não serão punidos em algum outro detalhe procedimental que porventura possa surgir, como que por geração espontânea… 

A conseqüência foi retratada em uma denúncia corajosa do Desembargador Caetano Lagrasta ao apontar a “distribuição de uma só vez a cada desembargador desta Corte de mais de um milhar de processos, represados há anos – agravada pela distribuição diária, na seqüência, de aproximados dois milhares de feitos…”. A constatação realça, também, grave crise estrutural desse Poder que é o último socorro que se pode buscar, já não mais sendo suficiente, a boa vontade dos magistrados. 

De qualquer maneira, não é tentadora a alternativa judicial, mesmo sabendo-se que possibilitará análise com bom-senso e se trocará o emaranhado de normas administrativas, por outro conjunto procedimental, evidentemente mais inteligente, porém jamais imune a entraves.

Enfim, temos de um lado a Constituição Federal, cujo artigo 37 obriga o estado a ser eficiente; em reforço, a lógica que há muito ultrapassou o pensamento estritamente jurídico e serviu de mote à melhor literatura. Contrastando, temos as regras estapafúrdias e a opção entre fechar estabelecimentos ou os manter ao arrepio da burocracia, sofrendo severas penas. 

É, sem dúvida, questão sobre a qual deveremos nos debruçar e, urgentemente, resolver: a sociedade quer fechar 75% dos estabelecimentos ou prefere que o estado funcione a favor dos cidadãos?

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Jaques Bushatsky: cidadão, sócio fundador da MDDI – Mesa de Debates de Direito Imobiliário

Retrato do Jurista Moderno

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* Guilherme Couto de Castro

Na entrada de toda Faculdade de Direito deveria existir a seguinte advertência: “O jurista é a voz da verdade”.

E, logo abaixo, em nome da sinceridade, com letras menores: “Dois juristas, duas verdades em colisão. Três juristas, duas correntes e uma posição intermediária”.

Recente pesquisa indicou que, em média, os casais se relacionam sexualmente duas ou três vezes por semana. A média do jurista é toda diferente: é uma equação estéril, em que as fantasias são idéias e concepções que levam de nada a lugar nenhum.

Veja-se: há duas espécies de juristas. Há os que dividem tudo em duas categorias e os que não o fazem.

Os que dividem tudo em duas categorias também se dividem em duas categorias: os muito vaidosos e os mais ainda.

Há juristas que figuram em bancas examinadoras de concursos, e os que não o fazem. Dentre os examinadores há uma ampla parcela apegada a classificações artificiais, aleijadas e sem qualquer sentido, que entram e saem de moda. O outro grupo é o dos examinadores que perguntam questões importantes para o dia-a-dia; eles fazem indagações técnicas, que aferem o raciocínio e o conhecimento do candidato. O problema é que o único lugar em que essa espécie de jurista é encontrada, infelizmente, parece ser o cemitério.

Há os juristas acadêmicos e os não-acadêmicos. Os acadêmicos se dividem em dois grupos: os modernos e os hodiernos. Os modernos se julgam hodiernos, e os hodiernos se julgam modernos. Um se crê paradigma pós-moderno da axiologia do novo milênio e o outro se diz modelo axiológico do milênio pós-moderno. Ambos não falam calendário, e sim calendário-acadêmico; não falam ano, e sim ano-acadêmico. Em suma: só prestam atenção ao som do linguajar carimbado (atenção-acadêmica, claro).

Há juristas que dão parecer e os que não o fazem (a segunda categoria existe tão-só quando não há solicitação vantajosa). Entre os que dão pareceres, há dois grupos: há os que cobram preço variado, e há os que o fazem por trinta dinheiros.

Há os juristas que vivem pra receber elogios, e os que vivem de fazer elogios. Os que vivem para engrandecer os outros são em elevadíssimo número; todos almejam chegar ao outro grupo, para viver sendo elogiado. O grupo menor – o que vive de receber elogios – é formado pelos bem-sucedidos que um dia pertenceram ao grupo antigo. Embora estejam agora no grupo menor, guardam resquícios do antigo tempo, em que viviam lustrando botas alheias. Assim, ainda têm a mania dos fáceis elogios e das blandícias, mas agora a exercitam reciprocamente, entre membros do seleto grupo ou, mais comumente, em auto-elogios e elogios a espelhos.

Felizmente, não temos o problema do terrorismo, no Brasil. Se existisse, o grupo mais fácil de matar seria o dos juristas: bastaria, tão-só, atirar no saco de um Ministro. Os jurisconsultos morreriam aos montes.

Mas em um ponto parece não haver bifurcação entre juristas; quase todos cabem nas palavras de Schopenhauer: “essas pessoas apresentam o que tem a dizer em fórmulas forçadas, difíceis, com neologismos e frases prolixas”. O filósofo completou: “quem tem algo digno de ser dito não precisa ocultá-lo em expressões cheias de preciosismos, em frases difíceis e alusões obscuras”.

A má notícia é que poucos entenderam Schopenhauer.

Mas, pelo menos, há duas boas notícias. A primeira: há juristas que não se enquadram no quadro descrito (o subscritor, o leitor e nossos familiares), e os que se enquadram (todos os outros).
A segunda: já desvendaram o genoma do ser humano. O do jurista vai levar mais tempo, mas virá; segundo os biomédicos, o problema é que, para cada gene do jurista, há duas correntes e uma posição intermediária.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

Guilherme Couto de Castro:  Juiz Federal – titular da 19ª Vara Federal – RJ, com várias convocações para o TRF 2ª Região, desde 1999;  Professor de Direito Civil da UERJ;  Mestre pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ – Concentração em Direito da Cidade – 1996);  Integrou o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (1986 – 1989);  Graduação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ (1980 – 1984); Autor do livro A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro, 3ª edição – Editora Forense; Direito Civil Lições – 1ª edição – Editora Impetus.

OBRIGAÇÃO ALIMENTAR: Maioridade não é o bastante para por fim ao pagamento de pensão para filho

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DECISÃO:  TJ-DF  –  Segundo Desembargadores, alimentos são devidos não só pela menoridade, mas por dever de solidariedade entre os pais

O simples fato de o filho completar 18 anos não é suficiente para livrar o pai ou a mãe do pagamento da pensão alimentícia. A conclusão foi da 4ª Turma Cível do TJDFT que, em decisão unânime, negou pedido formulado pelo genitor para ser exonerado da obrigação de alimentar. A Turma levou em conta a atual situação da filha, que acabou de ingressar numa faculdade particular para fazer curso superior.

De acordo com a 4ª Turma, o artigo 1699 do Código Civil prevê expressamente a possibilidade de modificação na obrigação alimentar, mas isso não pode ocorrer automaticamente. A mudança, segundo os Desembargadores, requer prova “irrefutável e convincente” de que houve alteração na situação de pai e filho.

Para pedir a exoneração, o pai alegou nos autos ter sofrido queda em sua renda mensal desde que a pensão foi fixada em dois salários mínimos e meio. O autor argumentou, mas não comprovou suas alegações. Por outro lado, há informações nos autos de movimentação bancária de grande vulto e em diversas instituições financeiras. O histórico, para a Turma, revela capacidade para continuar contribuindo.

Durante a discussão da matéria, os Desembargadores chegaram à conclusão de que os alimentos são devidos não só pela menoridade, mas por dever de solidariedade. Por essa razão, não deve ficar restrito só ao pai ou mãe que mora junto com o filho. “O auxílio do par parental deve ser equânime, por critério de justiça. Não se justifica que somente o genitor com que vive o alimentando permaneça com o pesado ônus de sua formação universitária, somando-se às demais despesas, como alimentação, vestuário e moradia”, esclareceram. Nº do processo:20050111206139


FONTE:  TJ-DF, 11 de outubro de 2007.

O “Crime da Cantareira”: quem são os culpados?

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PENSANDO ALTO:   *Clovis Brasil Pereira

O  crime em breve histórico

Um dos crimes  que mais chocaram a população de São Paulo, e causaram indignação à toda sociedade brasileira, foi sem dúvida, o chamado “crime  da cantareira”,  que ocorreu  no mês de setembro de 2007.

A morte de dois adolescentes,  e outros  ataques perpetrados pelo acusado, podem contabilizar, segundo a polícia, 21 (vinte e uma) vítimas de abuso sexual, das quais 11 (onze) já foram identificadas. Os  atos de violência, com  sinais de barbárie, por certo, chocam o senso comum, a sensibilidade humana, principalmente porque se tratava de crianças indefesas, que por certo  não tinham como opor qualquer resistência à sanha assassina.

O crime ocorreu numa mata próxima à Serra da Cantareira, na Zona Norte de São Paulo, e os corpos das vítimas fatais, os irmãos Francisco, de 14 anos, e Josenildo, de 13 anos, foram encontrados no dia 25/09, sendo que o principal suspeito, que veio a confessar o crime, Ademir Oliveira do Rosário, foi preso no dia seguinte.

A polícia, segundo noticiário, suspeita  que o criminoso era ajudado por uma ou mais pessoas, tendo efetuado a prisão de um suspeito, que se encontra preso, enquanto perduram as investigações.

A história do assassino confesso

Obviamente, que a dor da família das vítimas, é indescritível, e como pai, sinto que  é inimaginável formas ou receitas para aplacar a dor, a indignação e a revolta que, principalmente os familiares e amigos mais próximos, estão sentindo e vivenciando com o triste acontecimento.

Chamou-nos a atenção todavia, o histórico de crimes do acusado, e as condições em que tal indivíduo saiu do cárcere,  e  foi colocado em regime de “desinternação progressiva”, programa disponibilizado para prisioneiros com problemas psiquiátricos.

Por esse programa, o suspeito dos crimes teve  a oportunidade de ganhar a liberdade de sábado a segunda feira, com retorno ao Hospital Psiquiátrico de Franco da Rocha, onde permanecia de segunda à sexta feira.  Isso, segundo consta no noticiário, já vinha ocorrendo desde 19 de setembro de 2006, portanto há mais de um ano.

Sua ficha de crimes é extensa.  Em 1999 foi condenado a um total de 18 anos de prisão por homicídio, roubo, atentado violente ao pudor e porte ilegal de arma. Cumpriu parte da pena na Casa de Custódia de Taubaté, interior de São Paulo, e  finalmente transferido para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo.

A "quase falência" dos meios de controle do Estado

A sociedade como um todo, tem, através do Estado, aqui representado  por  seus agentes estatais,  sejam da União, Estados ou Municípios,  os órgãos responsáveis pelo controle dos indivíduos, suas ações,  omissões, o direito à liberdade,  o dever de repressão aos delinqüentes, a assistência aos necessitados, enfim,  criar as condições básicas e necessária para que a convivência social seja  harmoniosa.

Nesse passo,  tenho plena convicção de  que tais controles  têm se mostrado ineficientes, precários, e em muitos casos,  em plena falência.

E porque afirmamos  isso?   Constatamos  com absoluto espanto,  que o Hospital onde o criminoso estava internado, para recuperação de distúrbios psiquiátricos, não reúne as mínimas condições de oferecer qualquer programa de recuperação. Faltam  médicos, enfermeiros, os equipamentos mínimos necessários  são precários. Enfim, o local não oferece as mínimas condições para  prestar assistência  aos doentes lá internados.

Segundo declarou o Presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), referido Hospital não tem condições ao menos de ser chamado de “Hospital”, e não deveria nem  estar funcionando.

Foi noticiado também, que a transferência do condenado para o programa de  internação progressiva, foi determinado pelo Poder Judiciário, com base em dois laudos constantes do processo. Dois desses laudos  afirmavam que o condenado  tinha problemas psiquiátricos, e outros dois, que afirmavam o contrário, ou seja, tinha capacidade mental plena.

Por outro lado, o programa permitia a liberdade paulatina do preso, e  oferecia a liberdade  ao suspeito dos assassinatos, no fins de semana, já por mais de um ano,   e os agentes responsáveis pela sua execução,  não detinham  nenhum mecanismo de controle da conduta do prisioneiro, quando fora do local de  internação. 

Pelo que se vê, o crime por ingerência direta de  uma sucessão de erros e omissões, que denotam, no mínimo, a falência dos meios de controle da sociedade.

Afinal, quem são os culpados?

Essa é uma reflexão da qual não podemos fugir.  Colocar a culpa e a responsabilidade, por tão nefasto crime,  somente sobre os ombros de Ademir Oliveira do Rosário, o criminoso confesso, parece fácil, cômodo, porém se mostra muito ingênuo e pueril.

O  pretenso criminoso estava em liberdade, por ato do Estado, que através de seus agentes, atestaram, de forma equivocada, precária, inconsistente, que tal indivíduo podia conviver em sociedade.

Ele não pulou muros, rompeu cadeados, quebrou paredes, serrou grades, empreendeu  fuga, para se colocar do lado de fora da prisão.  Foi condenado em 1999, a uma pena de 18 anos, apresentava sinais de problemas psiquiátricos, e com sete anos, recebeu autorização do Poder Judiciário, para  viver em liberdade parcial.

O resultado dessa sucessão de erros e omissões, deu no que deu. Tivesse o Estado oferecido meios, como lhe competia, através de um equipe de psiquiatras, peritos, médicos, enfermeiros, enfim, profissionais comprometidos com a responsabilidade da função  recebida, por certo, Ademir Oliveira do Rosário não estaria nas ruas, por mais de um ano,  sem nenhuma vigilância, acompanhamento ou monitoramento externos.  Aliás, possivelmente não estaria ao menos autorizado à desinternação progressiva.

O Poder Judiciário, por sua vez, teria tido condições de melhor avaliar o pedido do prisioneiro, que obviamente ansiava pela liberdade, mas que, de forma   realista, agora se sabe, não estava apto para recebê-la.

Tenho  plena convicção, que esta é mais uma anúncio, um aviso,  de que a sociedade precisa reagir, se posicionar, exigir melhor  instrumentalização dos meios de controle da vida em sociedade, pois caso contrário, chegaremos ao fundo do poço, muito em breve.

É triste dizer, mas  a culpa pelo bárbaro “crime da cantareira”, não pode ser creditada apenas ao acusado Ademir Oliveira do Rosário. A culpa e a responsabilidade pela morte de mais dois inocentes,  deve ser compartilhada com o Poder Estatal, seja a União, o Estado ou  Municípios, cada um no limite de suas atribuições constitucionais, e que têm, indistintamente,  se mostrado  inoperantes, impotentes,  negligentes, para gerir os destinos da sociedade.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

 

CLOVIS BRASIL PEREIRA:   é Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito,  Professor Universitário;  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor do site jurídico www.prolegis.com.br 

Contatoprof.clovis@terra.com.br

   

Lei Maria da Penha, afirmação da igualdade

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  * Maria Berenice Dia

             A liberdade é  antes de tudo   o direito à desigualdade.    N. A. Berdiaef   

O princípio da igualdade é consagrado enfática e repetidamente na Constituição Federal. Está no seu preâmbulo como compromisso de assegurar a igualdade e a justiça. A igualdade é o primeiro dos direitos e garantias fundamentais (CF, art. 5º): todos são iguais perante a lei. Repete o seu primeiro parágrafo: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Mas há mais, é proibida qualquer discriminação fundada em motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (CF, art. 7º, XXX).

Exatamente para garantir a igualdade é que a própria Constituição concede tratamento diferenciado a homens e mulheres. Outorga proteção ao mercado de trabalho feminino, mediante incentivos específicos (CF, art. 7º, XX) e aposentadoria aos 60 anos, enquanto para os homens a idade limite é de 65 (CF, art. 202).

A aparente incompatibilidade dessas normas solve-se ao se constatar que a igualdade formal – igualdade de todos perante a lei – não conflita com o princípio da igualdade material, que é o direito à equiparação mediante a redução das diferenças sociais. Trata-se da consagração da máxima aristotélica de que o princípio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.

Marcar a diferença é o caminho para eliminá-la. Daí a necessidade das leis de cotas, quer para assegurar a participação das mulheres na política, quer para garantir o ingresso de negros no ensino superior. Nada mais do que mecanismos para dar efetividade à determinação constitucional da igualdade. Também não é outro motivo que leva à instituição de microssistemas protetivos ao consumidor, ao idoso, à criança e ao adolescente.

Portanto, nem a obediência estrita ao preceito isonômico constitucional permite questionar a indispensabilidade da Lei n. 11.340/06, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica. A Lei Maria da Penha veio atender compromissos assumidos pelo Brasil ao subscrever tratados internacionais que impõem a edição de leis visando assegurar proteção à mulher. A violência doméstica é a chaga maior da nossa sociedade e berço de toda a violência que toma conta da nossa sociedade. Os filhos reproduzem as posturas que vivenciam no interior de seus lares. 

Assim demagógico, para não dizer cruel, é o questionamento que vem sendo feito sobre a constitucionalidade de uma lei afirmativa que tenta amenizar o desequilíbrio que ainda, e infelizmente, existe nas relações familiares, em decorrência de questões de ordem cultural. De todo descabido imaginar que, com a inserção constitucional do princípio isonômico, houve uma transformação mágica. É ingênuo acreditar que basta proclamar a igualdade para acabar com o desequilíbrio nas relações de gênero. Inconcebível pretender eliminar as diferenças tomando o modelo masculino como paradigma.

Não ver que a Lei Maria da Penha consagra o princípio da igualdade é rasgar a Constituição Federal, é não conhecer os números da violência doméstica, é revelar indisfarçável discriminação contra a mulher, que não mais tem cabimento nos dias de hoje.

Ninguém mais do que a Justiça tem compromisso com a igualdade e esta passa pela responsabilidade de ver a diferença, e tentar minimizá-la, não torná-la invisível.



REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

MARIA BERENICE DIAS, Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, www.mariaberenice.com.br

 

Bens da família são penhoráveis em execução movida por empregado doméstico

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DECISÃO:  TRT-MG  –  De acordo com o artigo 1º da lei dos empregados domésticos (Lei 5.859/72), a relação jurídica de doméstica não se faz na pessoa daquele que assinou a CTPS da empregada, mas em razão da família. Portanto, em se tratando de processo de execução, os bens da unidade familiar devem responder pela dívida e podem ser penhorados. Com base neste fundamento, a 6ª Turma do TRT-MG negou provimento a agravo de petição de duas menores que tiveram seus bens penhorados para pagamento de dívidas trabalhistas da reclamante, que trabalhou como empregada doméstica em sua residência.

A alegação das agravantes era de que os bens penhorados em sua casa lhes pertenciam e que o real devedor era o pai, que assinou a CTPS da reclamante, mas não morava mais na residência da família, pois o casal já havia se separado judicialmente.

Mas o desembargador Antônio Fernando Guimarães, relator do recurso, ressaltou que os serviços domésticos são prestados à família, de acordo com o artigo 1º, da Lei 5.859/72 e que a atual empregadora era a mãe das menores. “Como a execução decorre de relação jurídica de doméstica, não obstante constar como empregadora a mãe das agravantes, menores impúberes, os bens da unidade familiar, todos eles, devem responder pela dívida” – esclareceu.

Portanto, ainda que os filhos da empregadora doméstica sejam proprietários dos bens, eles respondem pela dívida, já que a relação de emprego da doméstica não se faz apenas com quem contrata, mas com toda a família beneficiária dos serviços. (AP nº 00346-2007-106-03-00-2)


FONTE:  TJ-MG, 10 de outubro de 2007.