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Ética dos advogados e ensino jurídico

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OPINIÃO:  * Joaquim Falcão  – Diante da crescente evidência de envolvimento de advogados com traficantes, é razoável e até necessário que a OAB reveja seus mecanismos de controle do exercício da profissão. Que acione com mais vigor sua Comissão de Ética, como quer seu presidente, Roberto Busato. Mas serão essas comissões suficientes? Ou estão elas também aprisionadas pela armadilha tradicional – a dificuldade estrutural de qualquer corporação em controlar a si mesma? Dificuldade não exclusiva dos advogados, mas de qualquer corporação: médicos, juízes epolíticos, por exemplo.

Aliás, foi justamente a evidência de que as corregedorias judiciais eram insuficientes para controlar o comportamento ético-disciplinar dos magistrados que levou o ministro Cézar Peluso, ao defender a constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça, a ressaltar: "(…) os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição (…)". A tarefa é difícil. Exige mais do que controles internos corporativos.

Nessa perspectiva, surgiu proposta de tornar obrigatória a disciplina Ética Profissional nas faculdades de direito. A proposta, aparentemente adequada, deve ser vista com cuidado. Mais importante  do que ensinar ética é praticar um comportamento ético. Isso quer dizer que uma escola de direito só tem legitimidade para ensinar ética se tiver antes implantado a prática cotidiana da ética entre professores, alunos e funcionários. Tiver antes implantado a educação como prática da ética, parafraseando o grande educador Paulo Freyre, quando pregava a educação como prática da liberdade.  

Infelizmente, em grande número de faculdades de direito existem práticas antiéticas de muitos alunos e até de alguns professores. Práticas que, nesta crise de perda de indignação do brasileiro, de tão corriqueiras, parecem até normais. Dou exemplo de duas: a cola na prova e o plágio no trabalho de curso.

Qual a política efetiva que as escolas têm para controlar a cola? Que punições ou reeducação as escolas têm para o aluno que é pego colando?  No nível institucional, provavelmente nenhuma. Tudo fica ao arbítrio do professor cansado, sem formação didática renovada, mal pago, a dar aula a um número excessivo de alunos empacotados numa sala, em situação que a boa didática jamais recomendaria. A ele cabe decidir se o aluno vai perder a questão, perder a prova, ou apenas laisser passer.

Isso é suficiente? Difícil dizer. As estratégias para violação se sofisticaram. A cola tradicional, olhar e copiar a prova do aluno ao lado, insinuante, quase provocativa, que se autoconvida, dá lugar a "métodos" mais sofisticados, celulares e outros meios eletrônicos. Tudo facilitado pelo fato de que a prova pede mais a memorização da doutrina alheia do que o raciocínio original do aluno.

O plágio em trabalhos escritos está em ascensão. Culpa do Google, da familiaridade das novas gerações de alunos com a tecnologia de busca na internet, e da facilidade de se atribuir a autoria de um texto. Essa situação é agravada pelo fato de que os trabalhos de disciplinas e de conclusão de curso são, sobretudo, pesquisas bibliográficas, estruturadas pelo que o professor Luciano de Oliveira chama de ideologia da "manualização". Assim como a maioria dos manuais de direito são apenas uma colagem de autores, textos, doutrinas e jurisprudência sem necessariamente maior arte, assim também são os trabalhos de classe e de conclusão de curso. A pesquisa dos alunos começa e termina nos manuais de sempre.

Incluir, pois, um curso de ética profissional no currículo pode nos levar a um paradoxo. O currículo ensinando ética, e o aluno praticando a antiética, ao usar a tecnologia para plagiar autores e colar nas provas e trabalhos do curso. Em outras palavras: não vamos resolver o grave problema do comportamento antiético de alguns advogados tornando obrigatório o ensino de uma nova disciplina – ética profissional – num ambiente marcado pela cola e plágio.

Temos o mesmo problema nas disciplinas de ética profissional nos cursos de formação dos juízes. Não raramente, essas disciplinas se transformam em discussões filosóficas ou dogmáticas europeizadas. Raramente se estruturam a partir da análise crítica dos problemas éticos disciplinares que existem em seus próprios tribunais.

Soluções existem. Há escolas privadas, no Brasil e no exterior, onde os alunos assinam, além do contrato de prestação de serviços educacionais com a faculdade, um código de ética que se obriga a respeitar. Algumas escolas já têm Conselhos de Ética, nos quais a cola e o plágio são discutidos e julgados por alunos, professores e funcionários: as sanções vão desde a advertência até a expulsão, passando pela perda da bolsa.

Razões pragmáticas favorecem uma postura mais rigorosa. O aluno que cola pode apresentar um currículo igual ou melhor do que aquele que se esforçou sozinho. Isso é concorrência desleal num mundo em que é cada vez mais difícil obter emprego. Em algumas escolas, os alunos estão se conscientizando e contribuindo para controle ético de seus colegas. Sem falar que está em jogo o próprio nome e reputação da escola – o que também começa a ser percebido pelos alunos. De uma maneira ou de outra, o mercado empregador acaba descobrindo quais as escolas que facilitam a aprovação do aluno e quais as que exigem um comportamento mais ético profissionalmente.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Joaquim Falcão: – Diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ) e membro do Conselho Nacional de Justiça  –  Publicado no Jornal Correio Braziliense

A autonomia universitária na Constituição é de início, de meio e de fim.

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* Bruno José Ricci Boaventura

I.  Introdução

As universidades públicas são os centros da produção intelectual no Brasil, diferentemente de outros países, nos quais as empresas já assumiram o importante papel como investidores na pesquisa e conseqüentemente produzem conhecimento de van-guarda.

Conseguimos preservar a autonomia universitária, desde 1988, mesmo após intensos ataques de ondas da política liberal como o princípio da redução máxima da função dos aparelhos ideológicos do Estado[1].

A Constituição Federal absorveu a contra-resposta da academia a um possível novo controle da produção intelectual, após o regime militar, consagrando o ideal que a verdadeira universidade somente é concretizada em um Estado republicano e democrático, como já bem apontado por Marilena Chauí[2].

Vitórias que asseguraram a autonomia e a própria mantença das universidades, pois nesta longa história, a única bandeira onipresente é a convergência da luta pela criação das universidades com a luta da autonomia, pondera Maria de Fátima de Paula[3].

Esta convergência de luta da criação e da autonomia é a representação da própria natureza da universidade, é o núcleo comum a todas instituições universitárias presentes no tempo e nos lugares, pois para conceber autonomia aos indivíduos pelo conhecimento é preciso, necessariamente, a universidade ter autonomia diante da Igreja, do Estado, do Partido ou do Mercado, como referenda Luiz Antonio Cunha[4].

A autonomia universitária ganhou ares de conceito acadêmico unânime, mas vem perecendo na vontade política, no óbice da tradição histórica da centralização da administração brasileira, como bem já apontou Roberta Camineiro Baggio[5].

II. A proteção constitucional da Autonomia na totalidade  elementar dos meios e fins 

A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 207º, estatui a autonomia universitária, e assim toda a universidade goza de autonomia didático-cientifíca, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e deve observar o princípio de indissolubilidade entre ensino, pesquisa e extensão[6]. 

Devemos esclarecer a extensão do conceito de cada um dos elementos da autonomia universitária, Simon Schwartzman, bem os elucida: 

autonomia didático-científica: as universidades devem ter plena liberdade de definir currículos, abrir e fechar cursos, tanto de graduação quanto de pós-graduação e de extensão. Elas devem ter, também, plena liberdade de definir suas linhas prioritárias e mecanismos de financiamento da pesquisa, conforme regras internas. (…)

autonomia administrativa: a autonomia administrativa supõe que as universidades poderão se organizar internamente como melhor lhes convier, aprovando seus próprios estatutos, e adotando ou não o sistema departamental, o regime de crédito, a estrutura de câmaras, e assim por diante. (…)

autonomia de gestão financeira e patrimonial: o princípio básico, aqui, deve ser o da dotação orçamentária global, com plena liberdade para remanejamento de recursos entre itens de pessoal, custeio e capital. A autonomia patrimonial significa que as universidades devem poder constituir patrimônio próprio, ter liberdade para obter rendas de vários tipos, e utilizar destes recursos como melhor lhe convenha.”[7] (Grifos nossos).

A previsão constitucional desta autonomia é a auto-limitação da atuação legislativa e normativa do Estado em relação à atuação das universidades em todos estes elementos, como bem pondera Nina Beatriz Stocco Ranieri[8], sejam eles relacionados as atividades fins ou de meios. 

Ana Cândida de Cunha Ferraz esclarece que a preservação da autonomia universitária passa, necessariamente, pela autonomia de meios para que a Universidade possam cumprir sua autonomia de fins[9].

A ex-procuradora geral do Estado de São Paulo leciona que a inserção constitucional da autonomia universitária na obra do constituinte originário traz como conseqüência a sua intangibilidade por normas de hierarquia inferior: leis federais, leis estaduais e municipais, ou mesmo as Constituições dos Estados (ainda que obras de um poder constituinte estadual autônomo por força do princípio federativo que preside a organização do Estado no Brasil).

Esclarece finalmente que: “contudo, o que deve ser registrado e enfatizado é que tais leis não poderão, em nenhum passo, restringir, reduzir, diminuir ou afetar, ainda que de modo indireto, a autonomia universitária, cujos limites, repita-se, estão na Constituição e só dela podem ser extraídos”. 

Assim qualquer lei em vigor ao dispor de forma a incidir sobre a autonomia universitária, conferiria a unicidade da sistematicidade jurídica mero conceito teórico e não prático.

O sistema para ser considerado unitário, a norma fundamental deve ter poder normativo, à todas as outras normas do sistema, ou seja, a norma fundamental deve ter influência direta ou indiretamente em todas as outras normas. O poder constituinte originário deriva da norma fundamental, assim como a Constituição deriva do poder constituinte originário e assim sucessivamente. Esta forma hierárquica do sistema é a sua unidade, teorizada por Kelsen, na construção escalonada do ordenamento jurídico e referendada por Bobbio[10].

Vale lembra lição Claus-Wilhelm Canaris: “No que toca à unidade, verifica-se que este factor modifica o que resulta já da ordenação, por não permitir uma dispersão numa multitude de singularidades desconexas, antes devendo deixa-las reconduzir-se a uns quantos princípios fundamentais.[11] 

O Ministro Eros Roberto Grau, do Supremo Tribunal Federal, no Ag.Reg.No Recurso em Mandado de Segurança n.º 22.047-7 / Distrito Federal, citando Caio Tácito, apud Ministro Soares Muñoz, coloca a liberdade escolha como núcleo da autonomia universitária: 

“A autonomia administrativa, didática e disciplinar das Universidades é reconhecida desde 1931 [decreto n. 19.851/31]. O art. 80 da Lei n. 4.024/61 afirmava que “a autonomia didática, administrativa, financeira e disciplinar” seria “exercida na forma dos seus estatutos”. Posteriormente, o art. 3º da Lei n. 5.540/68 determinou que a autonomia das Universidades seria “exercida na forma da lei e dos seus estatutos”. Após 1988, a autonomia universitária ganha status constitucional. Como ressaltou o Ministro SOARES MUÑOZ no precedente mencionado pelo ora agravante, RE n. 83.962 [DJ 17.04.1979], ainda sob a égide da Lei n. 5.540/68, “[a] autonomia financeira assegurada às universidades visa proporcionar-lhes a autogestão dos recursos postos a sua disposição e à liberdade de estipular, pelos órgãos superiores de sua administração, como acentua o Professor Caio Tácito, […] a partilha desses recursos de modo adequado ao atendimento da programação didática, científica e cultural, em suma, a aprovação de seu próprio orçamento.” (Grifo nosso). 

Em relação ao entendimento hermenêutico praticado pelo Supremo Tribunal Federal vale ressaltar os julgados: ADI 2806-5 – relator: Ministro Ilmão Galvão; ADI 2367 – relator: Ministro Maurício Correa, ambos que elucidam a necessidade de preservação do dispositivo constitucional da autonomia universitária em detrimento das Leis que tentam desvirtua-la.

III. A LDB como norma hierarquicamente superior a  disposições legais estaduais

As disposições do inciso XXIV do artigo 22, e do inciso IX do artigo 24, ambos da Constituição Federal deixam clarividente a competência da União para estabelecimento de normas gerais sobre educação, incluindo, indubitavelmente, a autonomia universitária[12].

O próprio parágrafo primeiro coloca estas normas gerais estabelecidas pela União no da competência concorrente como hierarquicamente superior, tendo então como critério para a sua resolução o próprio critério hierárquico.

A Lei Federal n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1.996, que estabelece a diretrizes e bases da educação nacional, comumente chamada de LDB, que dispõe algumas prerrogativas referentes a autonomia universitária.

 

O artigo 53 da referida Lei em questão insere no âmbito do conceito de autonomia universitária (administrativa) a prerrogativa de ações de planejamento como estabelecimento de programas e projetos, e ainda a disposição de rendimentos e deles dispor na forma de seu estatuto[13].

O parágrafo único deste mencionado dispositivo esclarece que a autonomia didático-científica somente é possível com a livre disposição dos recursos orçamentários disponibilizados[14]. 

Já o artigo 54 volta a reafirmar a autonomia administrativa, prevendo claramente a possibilidade de execução das aquisições. Ainda a estabelece, dentro da autonomia financeira e contábil, a permissão legal de adoção de regime financeiro e contábil que atenda as suas peculiaridades de organização e funcionamento, prevendo inclusive a liberdade de tomada de providências de ordem orçamentária, financeira e patrimonial necessárias ao bom desempenho da Universidade[15].

O critério hierárquico, tem como comando o brocardo lex superiori derogat legi inferiori. O uso deste critério para solução desta antinomia remeterá o aplicador ou intérprete ao uso da norma hierarquicamente superior, quando se tratar de normas de diferentes níveis. Maria Helena Diniz assim exemplifica: “a Constituição prevalece sobre uma lei. Daí falar-se em inconstitucionalidade da lei ou ilegitimidade de atos normativos diversos da lei, por a contrariarem”.[16]

A norma é inferior ou superior devido ao seu poder normativo. E isto é didaticamente retratado por Bobbio:O cabo recebe ordem do sargento, o sargento do tenente, o tenente do capitão até o general, e mais ainda: num exército fala-se de unidade de comando porque a ordem do cabo poder ter origem no general. O exército é um exemplo de estrutura hierárquica. Assim é o ordenamento jurídico”.[17] (Grifos nossos).

IV.  Apontamentos Conclusivos 

A comunidade internacional a todo o momento reafirma o compromisso de defesa da autonomia universitária, como por exemplo: IV Conferência de Associação Internacional de Universidades de 1965; Declaração de Havana de 1996; Declaração Mundial sobre a Educação Superior para o Século XXI de Paris em 1998; Seminário da Associação Colombiana de Universidades (ASCUN) de 2004[18]. 

É a velha lição: não se chega ao fim pretendido, com meios desprendidos da escolha. A liberdade de crítica dos fins didático- científicos é concretizado com a autonomia dos meios para tanto. Aplicando-se as universidades, jamais teremos uma academia libertária, ou seja, capaz de promover a liberdade crítica em seus acadêmicos sem a possibilidade de escolha por estes, e somente estes, do rumo a ser tomado para tanto. 

Como acadêmico fiz, faço e sempre farei esta bandeira minha luta, alertando a todos que manter bases legais de qualquer reforma com a retirada de autonomia universitária a de ser evitada, no mínimo pelo risco político, e no máximo pela aberração jurídica, como, respectivamente, poderiam ensinar José Serra, e Dalmo de Abreu Dallari[19] com a invasão da reitoria da USP. 

Aos Governos devo alertar, em nossas respectivas universidades, somo nós, membros da comunidade acadêmica que optamos por quais meios administrativos chegaremos aos nossos fins didáticos-científicos. 

Não podemos confundir, uma possível democrática mudança autônoma da sistemática administrativa, com uma tecnoburocrata mudança heterônoma sistêmica.  

A autonomia, diferente da heteronomia, é, sobretudo, o livre optar pela sua comunidade do caminho normativo a ser seguido, sem a interferência de órgão externo. A mudança da sistemática para aperfeiçoamento da padronização dos procedimentos cabe ser definida democraticamente, e a tecnoburocracia deverá aprender que sistema dentro de uma Universidade não se impõe se constrói.

 


NOTAS

[1] In: Política educacional, ensino superior público & pesquisa acadêmica: Um jogo de xadrez encassinado. De Almeida, Maria de Lourdes Pinto. Da Silva, Paulo Marcos. Educação Temática Digital, v.8, n.2, p. 143-155, jun. 2007. 

[2] “Vista como uma instituição social, cujas mudanças acompanham as transformações sociais, econômicas e políticas, e como instituição social de cunho republicano e democrático, a relação entre universidade e Estado também não pode ser tomada como relação de exterioridade, pois o caráter republicano e democrático da universidade é determinado pela presença ou ausência da prática republicana e democrática no Estado. Em outras palavras, a universidade como instituição social diferenciada e autônoma só é possível em um Estado republicano e democrático.” In: A universidade pública sob nova perspectiva. Rev. Bras. Educ.  no.24 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782003000300002&script=sci_arttext&tlng=pt#end 

[3] “De modo semelhante, desde os seus primórdios, a universidade, enquanto instituição, vem buscando conquistar a sua autonomia frente ao Estado e à Igreja, sendo que a história da universidade confunde-se com a sua luta pela conquista da autonomia acadêmica, didática, administrativa e de gestão.” De Paula, Maria de Fátima.In: A perda da identidade e da autonomia da universidade brasileira no contexto do neoliberalismo. Disponível em: http://www.uff.br/aleph/textos_em_pdf/a_perda_da_identidade_da_universidade.pdf Acessado em:  15 de julho de 2.007. 

[4] “ No entanto, há um núcleo comum à instituição universitária, presente em todos os tempos e em todos os lugares: a luta pela difusão e o desenvolvimento do saber, sem constrangimentos externos, vale dizer, a luta pela autonomia. Constrangimentos houve e há, mais fortes ou mais fracos, de modo que não é exagero dizer que a luta por autonomia –diante da Igreja, do Estado, do Partido ou do Mercado, por vezes uma combinação deles– é um elemento co-essencial à universidade. “ In: Autonomia universitária: teoria e prática. En publicacion: Universidad e investigación científica. Vessuri, Hebe. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires. Noviembre 2006. p.13 

[5] “O principal óbice que se coloca às universidades, no cumprimento de sua missão constitucional, é o enraizamento de uma tradição histórica burocratizada constituída em meio a cenários de centralização e regime autoritário, que não proporcionou o desenvolvimento de uma trajetória acadêmica voltada à liberdade de pensamento ou à realização de demandas da sociedade. In: Notas sobre o alcance normativo da autonomia universitária no brasil. Disponível: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/autonomiauniversitaria.pdf. Acessado em: 20 de agosto de 2.007. 

[6] “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

[7] In: A Autonomia Universitária e a Constituição de 1988. Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/cont88.htm. Acessado em 10 de julho de 2.007.

[8] “No que respeita à autonomia universitária, especificamente, o anteprojeto desconsidera que a garantia constitucional implica, necessariamente, a autolimitação da atuação legislativa e normativa do Estado em relação à atuação das universidades nas áreas didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, protegidas pela norma do citado art. 207, também incidindo em inconstitucionalidade. No direito público, a autolimitação da lei traduz uma abstenção proposital do legislador, para regulamentação total ou parcial da matéria pelo ente autônomo, sendo esta regulamentação reconhecida e adotada no sistema jurídico como direito próprio produzido pelo ente autônomo, tão obrigatório quanto as próprias leis estatais.” In: Aspectos Jurídicos da Autonomia Universitária no Brasil. Disponível em: http://www.iea.usp.br/iea/tematicas/educacao/superior/autonomiafinanciamento/ranieriautonomia.pdf  Acessado em: 15 de agosto de 2.008. 

[9] “Tais poderes deverão ser exercidos sem ingerência de poderes estranhos à universidade ou subordinação hierárquica a outros entes políticos ou administrativos. Consiste, pois, na autonomia de meios para que a universidade possa cumprir sua autonomia de fins.” In: Autonomia universitária na Constituição de 1988. Disponível: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista/tes5.htm. Acessado em: 10 de julho de 2.007.

[10] “Que seja unitário um ordenamento complexo, deve ser explicado. Aceitamos aqui a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen. Essa teoria serve para dar uma explicação da unidade do ordenamento jurídico complexo. Seu núcleo é que as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental. Cada ordenamento tem uma norma fundamental. É essa norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado ‘ordenamento’. A norma fundamental é o termo unificador das normas que compõem um ordenamento jurídico. Sem uma norma fundamental, as normas de que falamos até agora constituiriam um amontoado, não um ordenamento. Em outras palavras, por mais numerosas que sejam as fontes do direito num ordenamento complexo, tal ordenamento constitui uma unidade pelo fato de que, direta ou indiretamente, com voltas mais ou menos tortuosas, todas as fontes do direito podem ser remontadas a uma única norma. Devido à presença, num ordenamento jurídico, de normas superiores e inferiores, ele tem uma estrutura hierárquica. As normas de um ordenamento são dispostas em ordem hierárquica”. In: BOBBIO, Norberto. Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução: Maria Celeste C. J. Santos. 10.ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1999. p. 49.

[11] In: Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. trad.: Menezes Cordeiro. 3. ed.Fundação Calouste Gulbenkian:Lisboa. p.12 e 13.

[12] “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XXIV – diretrizes e bases da educação nacional; Art. 24: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: IX – educação, cultura, ensino e desporto; § 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.”

[13] “Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: I – criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino;  II – fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; III – estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; IV – fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio; V – elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes; VI – conferir graus, diplomas e outros títulos; VII – firmar contratos, acordos e convênios; VIII – aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais; IX – administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos;  X – receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas.” (Grifos nosso).

[14] “Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre:      I – criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II – ampliação e diminuição de vagas;III – elaboração da programação dos cursos; IV – programação das pesquisas e das atividades de extensão; V – contratação e dispensa de professores; VI – planos de carreira docente.” (Grifo nosso).

[15] “Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do regime jurídico do seu pessoal.   § 1º No exercício da sua autonomia, além das atribuições asseguradas pelo artigo anterior, as universidades públicas poderão: (…) III – aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, de acordo com os recursos alocados pelo respectivo Poder mantenedor; IV – elaborar seus orçamentos anuais e plurianuais;     V – adotar regime financeiro e contábil que atenda às suas peculiaridades de organização e funcionamento; VI – realizar operações de crédito ou de financiamento, com aprovação do Poder competente, para aquisição de bens imóveis, instalações e equipamentos;  VII – efetuar transferências, quitações e tomar outras providências de ordem orçamentária, financeira e patrimonial necessárias ao seu bom desempenho.” (Grifos nossos).

[16] DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2001.p. 34. 

[17] BOBBIO, Oc. Cit. .p. 49-50. 

[18] “Em 1965, em la IV Conferencia de la Asociación Internacional de Universidades (AIU), celebrada em Tokio: (…) La Universidad debe tener el derecho, dentro de amplios límites, de distribuir sus recursos financieros, entre sus diversas actividades, es decir, por ejemplo, espacio y equipo, capital e inversiones”(…) (…)Declaración de La Habana de 1996, en el texto seguiente: “El conociomiento ólo puede ser generado, transmitido, criticado y recreado, en beneficio de la sociedad, en instituciones plurales  liberas, que gocen de plena autonomía y libertad académia, pero que posean una profunda conciencia de su responsabilidad y una indeclinable voluntad de servicio en la búsqueda de soluciones a las demandas, necesidades y carencias de la sociedad, a la que deben rendir cuentas como condición necesaria para el pleno ejercicio de la autonomía. La eduación superior podrá cumplir tan importante misón en la medida en que se exija a sí misma la máxima calidad, para lo cual la evalución continua y permanente es un valioso instrumento”.(…) Reafirmar, siguindo lo proclamado por la Declaración Mundial sobre la Educación Superior para el Siglo XXI (París, 1998)(…) Reafirmar el principio de la autonomía responsable con rendición social de cuentas y la garantía de la libertad académica.(…) Considero conveniente reproducir aquí la Conclusiones del Seminario sobre Autonomía Universitaria auspiciado por la Asociación Colombiana de Universidades (ASCUN) en el mes de junio de 2004: Finalmente, la autonomía de carácter administrativo y financiero, que alude de manera fundamental, al libre y adecuado manejo de los recursos físicos, técnicos y financieiros, además de establecer los criterios de selección y permanencia del recurso humano al frente de la institución está contemplada en facultades.” In: Bernheim, CarlosTünnermann. La aotonomía universitaria frente al mundo globalizado. Universidades. Janeiro-junho, n.º 31. União de Universidades da América Latina. México. Pp.17-40. 

[19]Na realidade, a análise jurídica dos referidos decretos leva à conclusão de que existem ali algumas evidentes inconstitucionalidades, havendo mesmo, em alguns pontos, uma tentativa de mascarar a realidade, por meio de uma espécie de ilusionismo jurídico, que, no entanto, não resiste a um exame mais atento, mesmo que baseado apenas no bom senso e na lógica.” In: Autonomia agredida. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/es/blue/2007/05/383351.shtml

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Bruno José Ricci Boaventura: o autor é advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Coordenado Técnico da Comissão Especial de Consolidação da Legislação Estadual da Assembléia Legislativa de Mato Grosso; Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT; Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Campo Novo do Parecis, e Associações ligadas a radiodifusão comunitária;  Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso.


 

O futuro da Justiça: a informática

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* Mário Paiva

Sumário: I- Introdução; II- Informatização do Processo Judicial; III- Da Comunicação Eletrônica dos Atos processuais; IV- Processo Eletrônico; V- Disposições gerais; VI- Proteção de dados; VI.1- Danos concretos; VI.2- Responsabilidade Civil do Estado;VII- Inclusão digital; VIII- Informatização da Cultura Jurídica

I- Introdução

A informática é o presente e o futuro da justiça, considerando-se que, sem modernização e adequação tecnológica, o Judiciário não suportará o avanço da demanda social.

Por outro lado, o profissional do Direito que não aderir à realidade digital terá inviabilizado o exercício do seu mister, quer como advogado, quer no desempenho de atividade subsidiada pelo Estado-empregador, recaindo o prejuízo sobre o jurisdicionado, no que se refere à obtenção de uma prestação jurisdicional célere e eficaz.

É de ver-se, porém, que a implementação da tecnologia digital no âmbito do Poder Judiciário vinha sendo cogitada há anos, embora sem solução de continuidade. Daí alguns órgãos judiciários terem inovado seus procedimentos, visando melhorar o atendimento prestado aos jurisdicionados, mediante o desenvolvimento de sistemas próprios, o que se afigurava preocupante ante a falta de regulamentação da matéria. O advento da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, dispondo sobre a informatização do processo judicial, pôs fim à controvérsia. Nessa perspectiva, a criação do Direito Informático ou Eletrônico é medida que se impõe, para emprestar segurança às relações digitais.

Com efeito, há aproximadamente cinco anos iniciou-se o debate acerca dos fundamentos desse novo ramo do Direito, ainda não reconhecido como tal, mas imprescindível para a adequação da estrutura doutrinária e legal vigente aos fatos concretos advindos do mundo virtual.

Sobre o tema, o Professor mexicano Júlio Téllez Valdéz escreveu a obra intitulada “Derecho Informático”, com que fomos presenteados por ocasião do III Congresso Andino de Direito Informático, realizado na cidade de Lima (Perú), em setembro de 2003. Dentre as conclusões a que chegaram os juristas presentes, publicadas no site www.alfa-redi.org, vale destacar aquela que vai de encontro com o nosso pensamento, inclusive recomendando a implantação de uma cadeira de Direito da Informática nas universidades, de cunho obrigatório. Ei-la:

“Como ciência do Direito em formação, o direito informático necessita de suporte filosófico-jurídico para a construção doutrinária, uma vez que toda a área jurídica carece de fontes que possam ser utilizadas em litígios emergentes do uso dos meios tecnológicos, facilitando a tarefa do julgador na aplicação da sanção.(…)

É preciso criar espaços de investigação e desenvolvimento de uma sociedade da informação na região andina, para o desenvolvimento de políticas públicas e marcos regulatórios que tenham que ser enquadrados dentro de um modelo de direito informático. É, pois, uma recomendação do presente Congresso que se estabeleça cátedra permanente, dedicada aos temas de políticas públicas da Sociedade de Informação, de modo tal que sirva para o desenvolvimento local e regional de políticas e normas.”

No Brasil, até a edição da Lei nº 11.419/06, que entrará em vigor 90 dias depois da sua publicação, os estudos acerca da implementação do Direito da Informática eram feitos com base, sobretudo, na Lei nº 9.800, de 26.05.99, denominada de “Lei do Fax”.

Com a nova lei, que se constitui um marco na regulamentação dos procedimentos informáticos no âmbito nacional e uma grande aliada no desenvolvimento dos estudos para a criação do Direito Eletrônico, torna-se necessário realizar alguns comentários sobre a evolução do processo de informatização judicial.

II- A informatização do processo judicial

Pode-se dizer que o início do processo de informatização judicial deu-se com a edição da Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que incluiu parágrafo único no art. 154 do Código de Processo Civil, com a seguinte redação, verbis:

“Art. 154. ………………………

Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP- Brasil." (NR)

A partir de então, a prática de atos judiciais por meio eletrônico tornou-se objeto de preocupação do legislador, o que resultou na edição da Lei nº 11.419/06, cujo capítulo primeiro insere em nosso sistema processual as linhas mestras da informatização do processo judicial.

O § 1º do art. 1º da lei em comento deixa claro o alcance de suas disposições, que se aplicam, “indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição”. Vê-se, portanto, que a vontade do legislador é a de que o uso de meios eletrônicos abranja todas as instâncias judiciárias e processos de qualquer natureza.

Já o § 2º define meio eletrônico, transmissão eletrônica e os requisitos necessários para a correta identificação do signatário: i) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada; ii) cadastro de usuário no Poder Judiciário.

Segue a lei pontuando que os atos processuais serão admitidos mediante o uso de assinatura eletrônica, almejando preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade das comunicações.

Aqui cabe um parênteses para esclarecer que a assinatura digital é meio de autenticação de informação digital, por vezes, tratada como análoga à assinatura em papel. Ocorre que a expressão assinatura eletrônica refere-se a qualquer mecanismo, não necessariamente criptográfico, usado para identificar o remetente de mensagem eletrônica. É, portanto, a assinatura digital prova inequívoca de que a mensagem é do próprio emissor, valendo destacar que lhe são características:

■ Autenticação – o receptor é capaz de confirmar a assinatura do emissor;

■ Integridade – não é passível de falsificação;

■ Não repúdio – o emissor não pode negar a sua autenticidade. (Fonte: Wikipédia.)

O art. 3º, por sua vez, traz novidade que muito facilitará a vida do advogado, que não mais terá de preocupar-se com o horário de encerramento do protocolo, uma vez que os atos considerar-se-ão realizados no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, explicitando o parágrafo único desse dispositivo que serão tempestivas as petições protocoladas até as 24 (vinte e quatro) horas do último dia do prazo processual.

No ponto, cabe a observação de que a Lei nº 11.419/06 promoveu peculiar mudança na legislação processual, já que, na prática, o prazo para a realização do ato expirará somente no minuto e segundo exatos da virada do seu último dia.

III-Da comunicação eletrônica dos atos processuais

O Capítulo II da Lei nº 11.419/06 chancela a utilização dos meios digitais para a comunicação de atos processuais, conferindo celeridade ao processo. Ao facultar a criação do Diário da Justiça eletrônico (art. 4º, caput), institui facilidade ao advogado no controle dos prazos processuais. Também merece destaque as intimações por meio eletrônico, inclusive da Fazenda Pública, àqueles que se cadastrarem previamente no tribunal onde tramitam as ações de seu interesse (art. 5º).

A implantação dessa medida há muito vinha sendo discutida por especialistas do Direito em todo o mundo, por tornar ágil o processo, atualmente combalido pela demora na realização de intimações por oficiais de justiça, que se afogam num mar abissal de mandados, humanamente impossíveis de serem cumpridos.

No tocante às citações, o legislador excetuou aquelas relativas aos direitos processuais criminal e infracional, podendo as demais, inclusive da Fazenda Pública, serem feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando (art. 6º).

Cabe ainda ressaltar a permissibilidade para que as comunicações por cartas precatórias, rogatórias e de ordem sejam feitas, preferentemente, por meio eletrônico. Hoje, uma carta precatória expedida, por exemplo, pelo juízo de Belém ao de São Paulo demora, em média, dois anos para ser cumprida. No caso do procedimento digital autorizado pela lei em comento (art. 7º), este lapso de tempo poderá ser reduzido a poucos dias ou até mesmo horas, tendo em vista a comunicação oficial entre os órgãos do Poder Judiciário e deste com o réu realizarem-se virtualmente.

IV- Do processo eletrônico

O Capítulo III não deixa dúvidas de que a ordem atual é digitalizar os procedimentos, desde o envio de petições, seu armazenamento, até findar-se o processo. Dispõe o § 3º do art. 10 que os órgãos do Poder Judiciário deverão manter equipamentos de digitalização e de acesso à internet à disposição dos jurisdicionados, para tornar possível a efetivação de peças processuais, bem como o acompanhamento digital do andamento do feito.

V- Disposições gerais

Na parte referente às disposições gerais, chama a atenção o parágrafo único do art. 14 diante da previsão de necessária identificação, pelos sistemas a serem desenvolvidos pelo Poder Judiciário, de casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada.

Aqui cabe ressaltar o impacto da informatização do processo no Direito, uma vez que a coisa julgada, por exemplo, antes objeto de extensa alegação em peça de defesa, será detectada pelo sistema informático, que automaticamente impedirá o prosseguimento da ação, transparecendo este ato inserção da tecnologia no próprio raciocínio do juiz e das partes, o que gera assustadora permissibilidade da intervenção do computador na decisão judicial.

O art. 18, por seu turno, prevê a regulamentação da lei em comento pelos próprios orgãos judiciários, no âmbito de suas competências. Acreditamos que tal medida é salutar, para que o desenvolvimento da informatização do processo não seja engessado pela burocacia que envolve o processo legislativo.

Já a importância do art. 19 ressai na medida em que convalida os atos praticados por meio eletrônico antes da data da publicação da Lei nº 11.419/06, mas apenas aqueles que tenham atingido sua finalidade, sem qualquer prejuízo às partes.

Segue-se o art. 20, que promove alterações no Código de Processo Civil visando adequar suas disposições às modificações advindas da informatização do processo, a saber:

■ O instrumento de procuração poderá ser assinado digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada (art. 38, parágrafo único).

Esta disposição ultrapassa os limites do processo, alcançando os atos extrajudiciais, o que denota a preocupação do legislador com a eficácia do processo digital.

■ Faculta que todos os atos e termos do processo sejam produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico (art. 154, § 2º), o que evidencia a vontade do legislador de abolir o uso do papel para a prática de atos judiciais.

■ Possibilita aos juízes chancelarem os seus atos com a assinatura digital (art. 164, parágrafo único).

■ Autoriza a citação por meio eletrônico (art. 221, IV).

■ Torna válidas as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntadas aos autos, ou seja, institui o aceite do documento eletrônico como prova judicial (art. 365, VI).

Para melhor compreensão desse dispositivo, é necessário rememorar que, em sentido amplo, documento eletrônico é toda manifestação expressa em linguagem convencional, gráfica, sonora ou de imagem, obtida em qualquer tipo de suporte material, inclusive eletrônico, a que se atribui relevância jurídica.

A propósito do assunto, cabe mencionar a pioneira lei de 12 de julho de 1980 (L. 80/525), que modificou a redação do art. 1.348 do Código Civil francês, para atribuir ao documento eletrônico o mesmo valor probatório conferido ao documento com suporte de papel escrito, desde que atendidos os requisitos de inalterabilidade e durabilidade. (Levia, Juan. Documento Electrónico. Disponível em :http://www.monografias.com/trabajos7/delec/delec.shtml#def.)

Nessa perspectiva, há que suscitar os itens indispensáveis à segurança dos documentos eletrônicos. São eles:

■ Autenticidade. A correspondência entre o autor aparente e o autor real do documento deve ser comprovada por meio da assinatura digital.

■ Integridade. Os documentos eletrônicos não podem ser objeto de alterações que lhes modifiquem o conteúdo.

■ Confidencialidade. O acesso aos documentos eletrônicos tem de ser controlado com o uso de técnicas de criptografia.

No panorama internacional, avulta a iniciativa de organizações como Uncitral, OCDE e CCI visando a criar condições favoráveis ao desenvolvimento, em segurança, do comércio eletrônico (EUA, Alemanha, Itália, Espanha, Argentina, Colômbia, entre outros países, já possuem leis disciplinando a matéria). Os alicerces fundamentais consistem na definição dos requisitos para que os documentos eletrônicos possam ser considerados meio seguro de formalização de contratos e outros atos jurídicos. (Correia Miguel José de Almeida Pupo. Documentos Electrónicos e Assinatura Digital: As Novas Leis Portuguesas. Revista de Derecho Informático de 23 junho de 2000. Disponível em http://www.alfa-redi.com/rdi-articulo.shtml?x=483)

No Brasil, a Lei nº 11.419/06 se configura o passo inicial para o desenvolvimento de mecanismos que assegurem plena validade ao documento digital no âmbito judicial.

Comentados os tópicos principais da lei referida, abordaremos os assuntos que têm se constituído motivo de preocupação entre os estudiosos do assunto.

VI- Proteção de dados

A Lei nº 11.419/06 dispõe sobre a criação do Diário da Justiça eletrônico (art. 4º) e, também, acerca do acesso externo aos documentos juntados em processo eletrônico pelas partes, ressalvadas as situações de sigilo e de segredo de justiça (art. 11, § 6º).

Com efeito, um dos maiores tormentos da atualidade refere-se aos limites que devem ser observados pelo Judiciário para a proteção do direito à intimidade e à privacidade do cidadão, em especial na rede mundial de computadores. Visando discutir a proteção dos dados judiciais, em julho de 2003, o Instituto de Investigación para la Justicia Argentina realizou o seminário “Internet y Sistema Judicial em América Latina y el Caribe” juntamente com a Corte Suprema da Costa Rica e a International Development Research Centre do Canadá, quando foram analisados os benefícios e as dificuldades advindas das home pages do Judiciário na rede.

O evento, considerado um marco latino-americano no estudo da difusão da informação judicial na internet, debateu importantes temas, como a participação da sociedade civil nos programas de transparência, regulamentação da proteção de dados e as sociedades de informação creditícia, acesso à informação judicial, proteção de dados sobre a saúde dos envolvidos em processo judicial, dentre outros, que podem ser acessados no site http://www.iijusticia.edu.ar/Seminario_Taller/programa.htm. Daí resultaram as orientações denominadas de “Regras de Heredia” (http://www.iijusticia.edu.ar/Reglas_de_Heredia.htm), que devem ser observadas pelos dirigentes de tribunais ao disponibilizarem informações institucionais e processuais na rede mundial de computadores.

A explanação sobre a difusão de informações judiciais na internet e seus efeitos na esfera trabalhista (http://www.iijusticia.edu.ar/Seminario_Taller/Lobato.rtf) ficou ao nosso cargo, oportunidade em que alertamos para a busca livre disponibilizada pelos sites dos tribunais brasileiros, dadas as implicações negativas para a imagem e a vida privada daqueles que têm seus dados devassados pelo simples acesso à home page.

No caso do trabalhador, as informações disponibilizadas pelas Cortes Trabalhistas, de forma irrestrita, poderão funcionar como empecilho à obtenção de novo emprego, pois armam maus empregadores de um banco de dados acerca de eventuais reclamações trabalhistas. Nossa recomendação à época, com fundamento em resolução do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, que proibiu a realização de consultas por nome, foi que o acesso à home page ficasse restrito aos advogados, que exercem função essencial à administração da justiça (CF, art. 133), e às partes no processo, evitando-se, assim, a ocorrência de práticas abusivas, de difícil comprovação em juízo.

De qualquer modo, discriminações com base em certidões expedidas pelo Serasa ou em virtude de o empregado já ter ajuizado reclamação trabalhista contra seu antigo empregador são práticas abusivas que devem ser combatidas pela sociedade organizada, pois ferem a Constituição Federal. A OAB-PA, por meio da Comissão de Estudos de Direito da Informática, encaminhou proposta aos presidentes dos tribunais no sentido de que o livre acesso a sites jurídicos seja permitido apenas a advogados.

Aos demais, inclusive partes no processo, o acesso somente seria possível mediante a digitação do número do feito. Com isso, almejamos assegurar o direito à liberdade de trabalho (CF, art. 5º, XIII) e, considerando que os direitos fundamentais têm aplicação na relação de trabalho, abre-se um novo campo de estudo, que é “a proteção dos trabalhadores no que diz respeito ao tratamento automatizado de dados pessoais”.

Assim, imprescindível é estabelecer diretrizes fundadas no equilíbrio de direitos, que resguardem tanto o direito à publicidade dos atos processuais quanto a privacidade e a intimidade do trabalhador.

Enfim, é preciso ter em mente que a revolução cibernética atinge em cheio as relações de trabalho. Por essa razão, a solução dos conflitos provenientes dessa transformação impõe a existência de arcabouços legais capazes de criar um equilíbrio social entre o princípio da publicidade, que rege a atividade dos órgãos judiciais, e o direito de acesso do trabalhador ao emprego, afastando-se o risco de discriminações resultantes da difusão de informações pelo Poder Judiciário.

VI.1- Danos concretos

Vimos, portanto, que o acesso indiscriminado a processos judiciais e, conseqüentemente, a dados pessoais do jurisdicionado pode resultar-lhe em sérios prejuízos, especialmente quando o seu estado de saúde gera situações discriminatórias, como no caso dos portadores de AIDS, dentre outras hipóteses de igual relevo, já referidas.

Sendo assim, consideramos que a violação do direito à intimidade e à privacidade daquele que procura a Justiça para solucionar suas inquietações gera o direito a indenização proporcional ao dano causado, de acordo com a teoria do risco administrativo, que responsabiliza civilmente o Estado pelos prejuízos que a conduta dos seus agentes ocasionarem a terceiros.

VI.2-Responsabilidade civil do Estado

Teoria adotada pela maioria dos doutrinadores é a de que a responsabilidade estatal é de natureza objetiva, compreendendo atos omissivos ou comissivos que independem de prova de culpa. Já a Constituição Federal não deixa dúvidas quanto à responsabilidade do Estado, verbis:

“Art. 37. ………………………….

(…)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

José Cretella(1) aborda o assunto, pontuando que: “a) a responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado por atos decorrentes do serviço público; b) as funções do Estado são funções públicas, exercendo-se pelos três Poderes; c) o magistrado é órgão do Estado; ao agir, não age em seu nome, mas em nome do Estado, do qual é representante; d) o serviço público judiciário pode causar danos às partes que vão a juízo pleitear direitos, propondo ou contestando ações (cível); ou na qualidade de réus (crime); e) o julgamento, quer no crime, quer no cível, pode consubstanciar-se erro judiciário, motivado pela falibilidade humana na decisão; f) por meio dos institutos rescisórios e revisionista é possível atacar-se o erro judiciário, de acordo com as formas e modos que a lei prescrever, mas se o equívoco já produziu danos, cabe ao Estado repará-los; g) voluntário ou involuntário, o erro de conseqüências danosas exige reparação, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos causados; se o erro foi motivado por falta pessoal do órgão judicante, ainda assim o Estado responde, exercendo a seguir o direito de regresso sobre o causador do dano, por dolo ou culpa; h) provado o dano e o nexo causal entre este e o órgão judicante, o Estado responde patrimonialmente pelos prejuízos causados, fundamentando-se a responsabilidade do Poder Público, ora na culpa administrativa, o que envolve também a responsabilidade pessoal do juiz, ora no acidente administrativo, o que exclui o julgador, mas empenha o Estado, por falha técnica do aparelhamento judiciário, ora no risco integral, o que empenha também o Estado, de acordo com o princípio solidarista dos ônus e encargos público.”

Basicamente, a responsabilidade civil caracteriza-se pelo nexo causal entre o dano e a conduta do agente. No caso da Justiça do Trabalho, a conduta lesiva é a disponibilidade do nome do reclamante para pesquisa processual eletrônica e o dano é a vedação de acesso ao emprego em decorrência da veiculação de dados pessoais na internet.

Na Justiça Comum, a possibilidade de realizar-se a busca processual pelo nome dos litigantes tem ocasionado sérios prejuízos, como abalo ao crédito até situações vexatórias decorrentes da exposição de aspectos inerentes à vida íntima das partes no processo, quando do julgamento de mérito.

Por essa razão, cabível é a ação indenizatória por danos morais e materiais contra o Estado no caso de divulgação indiscriminada de informações judiciais pela internet, que venham a lesar direitos constitucionalmente assegurados ao cidadão, como o direito à intimidade e à privacidade e o livre acesso ao emprego.

De qualquer modo, é preciso combater os males advindos do uso abusivo da rede mundial de computadores. As organizações Privacy International e GreenNet Educacional Trust produziram um relatório intitulado Silenced – international report on censorship and control of the internet, que dá perfeita noção de como o mundo vem lidando com essas questões, uma vez que a pesquisa contou com a participação de 50 países dos cinco continentes (http://www.privacyinternational.org/survey/censorship/).

A elaboração do citado relatório visou a criação de um banco de dados que permita a todas as nações se aprofundarem na situação mundial da censura na internet e utilizá-los no desenvolvimento dos respectivos sistemas informáticos.

Esperamos que essa idéia sirva de exemplo para fomentar a realização de pesquisas no País, com vistas à adoção de providências para obter-se mais segurança no uso da internet, em especial no que diz respeito à proteção de dados judiciais, e também para proporcionar uma avaliação do grau de eficiência do processo eletrônico.

VII- Inclusão digital

Outra questão de extrema importância é a inclusão digital de toda a classe jurídica, porquanto a eficácia do procedimento dependerá, também, do número de profissionais aptos a utilizar as novas tecnologias.

O governo, preocupado com vários temas ligados à tecnologia da informação, realizou, em outubro de 2003, o I Fórum Nacional de Certificação, no qual foram discutidos, dentre outros assuntos, o uso da certificação digital no Judiciário; privacidade e responsabilidade na ICP; validade jurídica dos documentos digitais; viabilidade econômica da certificação digital; padrões de segurança mínimos na ICP; auditabilidade dos softwares na ICP; crimes, provas e contraprovas na ICP e programas de educação para técnicos e usuários na ICP.

Na ocasião, um dos principais pontos enfocados pelos debatedores foi a questão do apartheid digital, que é flagrante no País, onde a maioria da população não tem acesso à rede mundial de computadores. Por isso, há que se promover a inclusão digital do maior número possível de brasileiros, sem olvidar da discussão acerca dos caminhos que se deve trilhar em defesa do software livre, essencial para o encurtamento desse abismo social.

Também relevante foi a discussão acerca da certificação, cuja implementação trará maior presteza às atividades desenvolvidas por órgãos do governo e do Judiciario, garantindo-se aos usuários segurança nas informações, com diminuição de custo e tempo.

Oportunamente, o debate girou em torno do direito à privacidade e à intimidade, o que, no entanto, não é respeitado, gerando dificuldades pela ausência de equilíbrio entre a evolução dos sistemas de informação e o resguardo dos direitos assegurados pela Constituição.

Considerando-se a relevância desses temas para o desenvolvimento do País nos âmbitos interno e internacional, é preciso ampliar a discussão acerca dos mecanismos que tornem efetiva a implementação dos sistemas informáticos no Judiciário.

VIII- Informatização da cultura jurídica

O avanço tecnológico promoveu verdadeira informatização da cultura jurídica. Em conseqüência desse fato, afloram nos tribunais casos envolvendo crimes virtuais, contratos eletrônicos, etc., temas esses ainda não regulamentados pelo legislador. Por conseguinte, deixa-se ao alvedrio do julgador a sua interpretação, que se vale de conhecimentos técnicos próprios e do direito comparado para decidir.

Por outro lado, constata-se que universidades brasileiras oferecem cursos de informática jurídica e de direito eletrônico para orientar os profissionais do Direito a lidar com as questões advindas do mundo virtual.

Mas, apesar da importância da realidade virtual para se alcançar a celeridade processual, criam-se óbices à efetividade dessa revolução. Exemplo disso pode ser verificado nos sites de alguns tribunais, que não atualizam a tramitação do processo, tornando-se ineficaz o serviço de consulta eletrônica.

Daí entendermos primordial rever conceitos antigos, dando lugar às novas teconologias, e avançar no conhecimento do Direito Eletrônico e da informática jurídica para que a virtualização do processo se torne realidade, assim como as aulas virtuais em faculdades de Direito, de modo que cidadãos residentes nas mais distantes localidades do País tenham acesso à educação.

É preciso, portanto, que os profissionais da área jurídica tomem consciência da necessidade de priorizar a inserção do aparato tecnológico em suas atividades, já que o elemento humano se constitui o maior empecilho à implementação das mudanças no campo da informática. A renovação da postura dos lidadores do Direito em relação aos sistemas informáticos é fundamental para resolver, de forma satisfatória e definitiva, o problema da morosidade da Justiça.

Referências

BRASIL. Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 12 fev. 2007.

PERÚ. Conclusões do III Congresso Andino de Direito Informático Disponível em: http://www.alfa-redi.org. Acesso em: 20 de ago. 2005.

BRASIL. Lei nº 9.800, de 26 de maio de 1999. Permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 13 jan. 2007.

BRASIL. Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006. Altera os arts. 112, 114, 154, 219, 253, 305, 322, 338, 489 e 555 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, relativos à incompetência relativa, meios eletrônicos, prescrição, distribuição por dependência, exceção de incompetência, revelia, carta precatória e rogatória, ação rescisória e vista dos autos; e revoga o art. 194 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 20 jan. 2007.

PORTUGAL. Wikipédia- Enciclopédia Livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A1gina_principal. Acesso em: 13 mar. 2007.

Levia, Juan. Documento Electrónico. Disponível em :http://www.monografias.com/trabajos7/delec/delec.shtml#def.). Acesso em: 13 mar. 2007.

Correia Miguel José de Almeida Pupo. Documentos Electrónicos e Assinatura Digital: As Novas Leis Portuguesas. Revista de Derecho Informático de 23 junho de 2000. Disponível em http://www.alfa-redi.com/rdi-articulo.shtml?x=483

COSTA RICA. Seminário Internet y Justicia. Disponível em: http://www.iijusticia.edu.ar/Seminario_Taller/programa.htm. Acesso: 25 jan 2005.

ARGENTINA. Regras de Heredia. Disponível em (http://www.iijusticia.edu.ar/Reglas_de_Heredia.htm). Acesso: 25 jan. 2005.

PAIVA, Mário Antônio Lobato de Paiva. A difusão de informações judiciais na internet e seus efeitos na esfera trabalhista. Disponível em: (http://www.iijusticia.edu.ar/Seminario_Taller/Lobato.rtf). Acesso: 25 jan. 2005.

JÚNIOR, José Cretella. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais, RF, 230:46.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Silenced – international report on censorship and control of the internet, Disponnível em: http://www.privacyinternational.org/survey/censorship/, 10 set. 2003

________________________

Nota

(1) JÚNIOR, José Cretella. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais, RF, 230:46. 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Mário Paiva: Advogado em Belém; Conselheiro da OAB/PA; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; Assessor da Organização Mundial de Direito e Informática (OMDI), sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática (IBDI); membro da Associação de Direito e Informática do Chile; Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA e conferencistAa

Resumo: O presente artigo aborda a questão do impacto da informática na prestação judicial concluindo que a revolução tecnológica é fundamental para o desenvolvimento da justiça. Referida exposição é desenvolvida em torno da lei 11.419/06 que implementou legalmente no país o processo judicial eletrônico abrindo caminho para a mais completa transformação já ocorrida no processo judicial brasileiro. Apresentaremos ainda as principais inovações da lei bem como os cuidados que devem ser observados pelos profissionais a medida em que a mesma for sendo aplicada.

Abstract: The present article approaches the subject of the impact of the computer science in the judicial installment concluding that the technological revolution is fundamental for the development of the justice. Referred exhibition is developed around the law 11.419/06 that implemented legally at the country the electronic lawsuit making way for the more it completes transformation happened already in the Brazilian lawsuit. We will still present the main innovations of the law as well as the cares that should be observed by the professionals the measure in that the same goes being applied.

Palavra-Chave: informática; justiça; lei 11.419/06; processo judicial eletrônico; dados judiciais; privacidade; intimidade.

Key word: computer science; justice; law 11.419/06; electronic lawsuit; judicial data; privacy; intimacy.

 


Cooperativas de Prestação de Serviços. Aspectos tributários relevantes

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* Iran José de Chaves

A Receita Federal vem, sistematicamente, autuando as cooperativas médicas sob o argumento de estarem elas praticando atos definidos, equivocadamente, como não cooperativos, descaracterizando-as desta condição para fazer valer a arbitrariedade na exação fiscal. O procedimento vergastado não é tão simples como pode parecer ao fisco, tal qual será explicitado ao longo deste trabalho, cuja pretensão e provocar uma reflexão jurídica e fustigar um profícuo debate sobre o assunto.

Prima facie, é preciso compreender que não se fortalece o Estado enfraquecendo o direito, de modo que a Constituição Federal há de ser cumprida (arts. 5º, XVIII; 146, III, “c”; e 174, § 2º) tendo-se em vista o Estado Democrático de Direito e todo o ordenamento jurídico pátrio concernente à matéria articulada neste material.

Como disse Geraldo Ataliba: “Pior do que violar a Constituição, é ignorá-la”.

Dessa maneira, falece razão à autoridade fiscal ao tencionar sejam-lhe pagos tributos pelas cooperativas médicas, referentes a atos tidos por não cooperativos – como se as mesmas fossem sociedades mercantis na feição peculiar desses atos – não levando em conta todas as suas particularidades as quais, por sua vez, fazem-nas incorrer em privilégios e prerrogativas, por força de norma constitucional.

Destaca-se, portanto, que, nesse improfícuo terreno de alegações fiscais infundadas – desmerecedoras de qualquer relevância jurídica – o que se observa é a ignorância expressa da genuína e autêntica natureza jurídica dessas entidades, cuja modificação da definição jurídica protegida pela Carta Política é incontestável.

A doutrina especializada não discrepa da lei e da jurisprudência sendo unânime ao afirmar – corroborada pelas previsões constitucionais e infraconstitucionais1 – a necessidade de se impor à Receita Federal a observância do tratamento diferenciado que é dispensado às sociedades cooperativas em face da autêntica natureza não mercantil de suas operações com seus associados e afins, traduzidos estes nos serviços estranhos à relação cooperativista indispensáveis ao exercício da atividade médica (hospitais, laboratórios, clínicas, etc.), para alcance da finalidade social cooperativa de prestação de serviços aos médicos cooperados2.

Tendo em vista que as previsões constitucionais devem ser particularizadas pela legislação ordinária, nela é que se encontra a definição de Cooperativas.

Desse modo, a lei de regência (Lei n. 5764/71) regra que:

Art. 3º – Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. (gn)

Art. 4º – As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características”. (gn)

Várias são as peculiaridades levantadas pelo dispositivo retro mencionado, contudo, para este estudo, o enfoque persistirá no aspecto do inciso VII, referente ao retorno das sobras:

VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral”. (gn)

Insta observar – e nesse particular é que reside grande parte da discussão sobre o enfoque tributário incidente nas cooperativas – que esse aspecto das sobras é constantemente confundido com lucro – objeto do equívoco perpetrado pela Receita Federal – o que não autoriza a assemelheação de ambos os institutos.

Em que pese as expressões serem parecidas e induzirem mesmo à aplicação paradigma, o que ocorre com as cooperativas é que, visando a continuidade de sua existência, as mesmas fazem inserir, no custo de seus serviços, uma margem de segurança, a qual, pode ser, ao final de seu período de apuração, um resultado positivo ou negativo. O positivo refere-se à sobra. O negativo, ao prejuízo.

Entretanto, é preciso ressaltar que a sobra, ao anverso do que ocorre com o lucro nas sociedades mercantis criadas justamente visando este fim, sempre na busca do acréscimo patrimonial dos proprietários, não é o objetivo da cooperativa, mas uma conseqüência necessária do intrincado ato de levantar um valor no qual se resgate os custos operacionais da entidade, como: luz, água, seguros, acidentes, etc, e cuja inserção em cada produto (cooperativas de consumos) ou serviço (cooperativas de prestação de serviços, como soe ser o caso das cooperativas médicas objeto deste estudo) é difícil.

Portanto, as sobras não dizem respeito ao lucro, tendo-se em vista que as mesmas são direcionadas aos cooperados, na medida de seus trabalhos. Permite a legislação própria, que as cooperativas façam uma previsão de suas despesas de operacionalização, ajustando sua contabilidade e retornando aos cooperados a diferença na mesma proporção de seus negócios com a entidade.

Desse modo, as cooperativas atuam sem objetivo de lucro, de modo que o patrimônio adquirido é dos cooperados (nesse caso, os médicos cooperados), e os prejuízos ou sobras são acobertados e distribuídos pelos e entre os mesmos3.

Pois bem.

É de sabença que a Constituição Federal prevê, em seu art. 153, III, que a União institua imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Por sua vez, o Código Tributário Nacional, como lei complementar – para os termos do art. 146, III, “a”, da CF – estabelece que:

Art. 43 – O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Art. 44 – A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”.

Ora, renda é produto do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, de maneira que, sendo esse resultado (produto) positivo, tem-se o lucro.

Assim, tendo-se em vista que as entidades cooperativas são, pela previsão da lei de regência, sociedades sem fins lucrativos, e considerando que a base de cálculo do imposto de renda leva em conta a obtenção de lucro (e as cooperativas não obtêm lucro), logo elas não estão sujeitas ao recolhimento desse imposto incidente sobre a renda, bem como de seus reflexos, traduzidos estes nas tributações pertinentes à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, COFINS e PIS4.

Questão relevante reside em saber, independentemente de se considerar como faturamento ou receita bruta a base de cálculo dessas contribuições, há destacar que as cooperativas, em virtude das características que lhe são pertinentes, não possuem receita bruta, e tampouco faturamento, no sentido técnico que a palavra apresenta e no sentido técnico utilizado pelo constituinte para permitir a incidência de tributos, tais como os ora mencionados.

Sabe-se assim, e quanto a isto não se tem dúvidas, que as sociedades cooperativas não têm objetivo de lucro, uma vez que são criadas única e exclusivamente para prestarem serviços aos seus associados.

Considerando que as cooperativas não visam lucro – como já analisado, e partindo-se do pressuposto que praticam exclusivamente atos cooperados, há que se reconhecer que o objetivo delas não é mercantil, mas sim, social, a não autorizar a tributação dessas contribuições, especialmente a CSLL.

Por outro vértice, a justificar a não incidência tributária na forma da COFINS, tem-se o parágrafo único do art. 79 da Lei n. 5764/71 dispondo que o ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

De igual sorte, qualquer que seja a perspectiva de análise – sob a ótica da Lei n. 9.718/98 ou da Lei n. 5.764/71, a conclusão será a mesma: as sociedades cooperativas, relativamente aos atos cooperativos, não estão sujeitas à incidência do PIS.

A sociedade cooperativa, quando pratica atos que lhe são próprios não aufere lucro. As despesas são rateadas entre os associados, assim como o resultado positivo do exercício é partilhado, proporcionalmente, entre aqueles que fazem parte da cooperativa. O ato cooperativo não gera faturamento ou receita para a sociedade. O resultado positivo decorrente desses atos pertence, proporcionalmente, a cada um dos cooperados. Inexiste, portanto, faturamento ou receita decorrente de atos cooperativos que possa ser titularizado pela sociedade. Dessarte, não há base imponível para o PIS. Cuida-se de uma NÃO-INCIDÊNCIA PURA E SIMPLES e não de uma norma de isenção.

Ora, considerando que não há negócio mercantil, como podem os resultados auferidos com a prática de atos cooperados serem considerados como base de cálculo da CSLL, do PIS e da COFINS? A resposta segue na direção única da inexistência de base imponível dessas exações, justamente porque o direito tributário e bem assim o direito comercial privado impõem, para que se tenha receita bruta, a existência inafastável de atos de comércio, fato inocorrente na espécie.

Não obstante os aspectos supra, tem-se que a celeuma posta a lume refere-se ao fato de que o fisco tem insistentemente se conduzido no sentido da arbitrária descaracterização dessas entidades, para, amparando-se em atos tidos por não cooperativos, fazer incidir sobre elas a indevida tributação de IRPF, CSLL, COFINS e PIS. Nada mais absurdo.

De acordo com a previsão do art. 79, da Lei n. 5764/71, atos cooperativos seriam aqueles que se estabelecem entre cooperados e cooperativa, cooperativa e cooperados, e aquelas entre si, sempre visando aos objetivos sociais da entidade, estampados pela prestação de serviços aos cooperados (no caso das cooperativas de prestação de serviços, como é o caso das médicas), na forma de captação de clientes para os mesmos, de maneira que, não se dessome ser esta a finalidade dos atos cooperativos balizadora da hipótese da não incidência tributária5.

Desse modo, tem-se que, se a cooperativa pratica atos, sem visar ao lucro e na busca de seu objetivo social, independentemente de estar-se diante de uma relação efetivada entre cooperativa e cooperados ou entre estas e terceiros, a toda evidência estar-se-á diante de um ato tipicamente cooperativo abrigado de qualquer pretensão fiscal, especialmente no que diz respeito ao Imposto de Renda e seus reflexos6.

Não se olvide ser este justamente o procedimento que se dá nas transações entre as cooperativas de prestação de serviços médicos e terceiros “estranhos” aos médicos cooperativados7.

Na cooperativa médica o cooperado é o profissional de medicina, ao qual em tese, é prestado o serviço – finalidade – que, no campo da realidade, se faz ao paciente – objeto social, de modo que serviços de laboratórios, hospitais, e clínicas, ínsitos que estão no ato cooperativo, não podem dele ser apartados para incidência tributária.

Nesse aspecto, portanto, é evidente a proteção da lei contra a exação fiscal sobre os atos acima tipificados.

Contudo, a questão não tem sido bem resolvida pelo fisco que persiste na autuação dessas entidades sob o fundamento de que, resultante dessas transações, ter-se-ia um ato, na verdade, não cooperativo, por consubstanciar-se em atividade “estranha” à finalidade da cooperativa. Um arrematado despropósito.

Ora, em uma cooperativa de prestação de serviços – que angaria clientes e disponibiliza atividades para os cooperados, sendo este, como dito, seu fim socialtodos os atos praticados por ela para a conquista de uma clientela para os associados são atos cooperativos8, já que, em verdade, constituem a própria essência da atividade das cooperativas assim organizadas a oferta de clientes, sem a pretensão de lucro como ocorrente nas sociedades mercantis.

Assim, é preciso enfocar para o fato de que, no caso dessas cooperativas de prestação de serviços – como soe ser o caso das médicas – a captação de clientes para os médicos cooperados (finalidade cooperativista) já cria o próprio ato cooperativo, incluídos aí aqueles resultantes de suas relações com terceiros – por exemplo, o ato de uma cooperativa médica encaminhar o cliente para um hospital onde um médico cooperado atenda (objeto cooperativista = prestação de serviços médicos, hospitalares, clínicos, etc., aos usuários particulares ou empresas) – estabelecidas justamente para o cumprimento de sua finalidade precípua, qual seja, a prestação de serviços aos profissionais associados.

É de sabença que o médico necessita de um aparato traduzido na utilização de serviços, recursos laboratoriais, clínicos, hospitalares, entre outros, indispensáveis, por sua vez, na modalidade de serviços acessórios, complementares ou mesmo auxiliares, para o pleno desenvolvimento de seu ofício.

Referidos recursos são contratados pelas cooperativas médicas para o alcance do objeto social próprio dessas entidades – prestação de serviços médicos a usuários particulares e empresariais – em cumprimento à sua finalidade essencial, qual seja, a prestação de serviços aos próprios médicos cooperativados.

Desta forma, é evidente que a relação com esses terceiros é inerente ao ato cooperativo, entendido este como resultado da relação contratual instituída entre a cooperativa médica e os serviços auxiliares da prestação da atividade médica, integrante do conceito disposto no art. 79 da lei regente e que não gera, de per se, a hipótese de incidência dos tributos em comento.

É em razão dessa perticularidade – ao contrário do que tem aduzido o fisco brasileiro – que, pela própria lei de regência, o ato cooperativo médico (principal) – traduzido no atendimento aos pacientes – pressupõe relação com terceiros – consubstanciados estes em atos cooperativos instrumentais ao fim colimado pelo ato principal – de modo que sua característica acessória não o descaracteriza como tal.

É inquestionável, portanto, o fato de que estes atos (instrumentais/meios/acessórios), resultantes das relações entre as cooperativas de prestação de serviços médicos e os serviços credenciados – definidos pela Receita Federal como não cooperativos (o fazendo amparada unicamente no aspecto de que os atos cooperativos seriam tão somente aqueles situados no campo das transações ocorridas na forma exposta do art. 79, da lei de regência) – não se distanciam do fim proposto por essas entidades, de modo que incorrem por isso mesmo no conceito e nas prerrogativas dos atos cooperativos (ditos principais).

A verdade, portanto, é uma só: atos cooperativos não são somente os que se dão entre os cooperados e as cooperativas; entre as cooperativas e os cooperados e entre aquelas entre si, de modo que, dizer o contrário, seria o mesmo que estabelecer que as cooperativas médicas só realizam atendimentos a outros médicos cooperados. Nada mais ilógico, descabido, longe de qualquer senso comum.

Insista-se, portanto, que não descaracteriza a definição de ato cooperativo, nem impede a sua proteção contra a exação fiscal, sob pena da ocorrência do aspecto da bitributação, a relação que se estabelece entre a cooperativa e os hospitais, clínicas, laboratórios que a mesma contrata, indispensáveis aos cooperados para execução de seu ofício, os quais, como pessoas físicas (e o hospitais, a exemplo, como pessoas jurídicas), já sofrem a tributação de uma prestação de serviço remunerada9.

De igual sorte, não se referem ditas relações a atos não cooperativos – como quer, erroneamente, fazer crer a Receita Federal – já que, muito embora a relação se estabeleça entre a cooperativa médica e o terceiro credenciado estranho à relação cooperativista (hospitais, laboratórios, clínicas, etc.), é sabido que a mesma atua em nome dos cooperados (como soe ser, por exemplo, o caso do pagamento dos custos de sua estrutura administrativa, com recursos dos cooperados e em nome destes, e não dela como pessoa jurídica), como se a relação se desse entre esses e aqueles, de modo que a atuação do fisco hodiernamente só levaria à ocorrência da bitributação.

Assim, a Receita Federal ao pretender tributar as cooperativas médicas nos absurdos moldes como tem feito, faz com que, neste sistema, a incidência se dê tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física, ao contrário – pásmen! – do próprio sistema comercial e lucrativo!!!

Ocorre que, muito embora pareça evidente a situação mencionada, é pouco crível que o fisco tencione sua observância, em razão dos mesmos motivos que ensejaram este estudo e pela vontade incomensurável que possui em onerar a sociedade com a arrecadação tributária cada vez mais avassaladora, fazendo tabula rasa dos preceitos constitucionais expressos na vigente carta Política.

Por outro lado, quanto à oferta de planos de saúde, incorrendo a cooperativa médica na busca da sua finalidade principal – prestação de serviços aos médicos cooperados através da captação de clientes – sem objetivar lucros, igualmente estará executando ato tipicamente cooperativo e repelente da exação fiscal.

Ora, é sabido que para a operacionalização de seus trabalhos, as cooperativas médicas operam, no mais das vezes, planos de saúde visando, prefacialmente, a oferta de trabalho aos médicos associados, já que o atendimento aos clientes desses planos é feito por eles próprios.

Não é por outra razão que, nas cooperativas médicas, os planos de saúde impõem a utilização, pelo cliente, exclusivamente de médicos cooperativados, sendo, portanto, tipicamente um ato cooperativo em prol dos associados.

À nitidez, portanto, como já ventilado, sendo a utilização de serviços hospitalares decorrência natural dos serviços médicos – quando não-condição essencial de sua prestação – lembrando-se que são os cooperados que escolhem os hospitais onde atenderão seus pacientes, ostentam os planos de saúde, justamente por esse aspecto, perfil fundamentalmente diverso de atividades de caráter lucrativo, prestadas por outras organizações que as exploram comercialmente.

Ao contrário do que tem entendido a Receita Federal, os planos de saúde são exclusivamente voltados para os cooperados que são os beneficiários do ato cooperativo consistente em obter clientes, sendo a utilização da rede hospitalar, elemento muitas vezes indispensável ao exercício da atividade pelos médicos cooperados, com cobertura obrigatória por parte da cooperativa.

É um ato, portanto, instrumental e decorrencial e, sempre que necessária, a prática do ato médico tem característica de ato cooperativo, em face de sua oferta ser inerente à captação de clientela para os cooperados10.

O plano de saúde é, assim, uma forma acrescida para conseguir clientes para os cooperados, em típica ação pertinente às cooperativas de prestação de serviços médicos, não mais que isso.

Ao arremate, cumpre ressaltar um aspecto processual relevante, consubstanciado na forma como a Receita Federal tem desconsiderado, na própria Autuação Fiscal, o aspecto cooperativista dos atos emergentes das relações firmadas pelas cooperativas médicas, para impor seu entendimento “pessoal” e aplicar a exação fiscal.

Não é dado ao fisco, visando, única e exclusivamente, à imposição fiscal, proceder à descaracterização da natureza jurídica das entidades cooperativas utilizando-se do próprio documento de autuação – até porque seu objeto é legalmente definido pelo art. 142, do CTN – sem, para tanto, instaurar o devido processo legal administrativo.

É sabido, por força constitucional (art. 5º, LV), que, mesmo administrativamente, faz-se necessário oportunizar ao interessado a pratica do seu direito de defesa. O contraditório às cooperativas se nos afigura de rigor, justamente para oportunizar lhe o direito de opor resistência a exação fiscal e evitar a descaracterização de atos por ela praticados, que nada tem “estranhos à sua finalidade”.

Extrai-se, assim, da Carta Política, a necessidade veemente de previa instauração de processo administrativo que respeite e incorra nos princípios norteadores do devido processo legal por Ela elencados (ampla defesa e contraditório pleno), ao tencionar-se desconstituir a entidade como cooperativa, para fins de tributação.

Portanto, deve-se entender que, não obstante seja possível a desconsideração da entidade como cooperativa,essa conduta não terá eficácia sem que ao menos exista um processo administrativo prévio, cognitivo, no qual será oportunizada a ampla defesa do ente cooperado.

Em nenhuma hipótese se justificaria um simples despacho da autoridade administrativa para se desconsiderar a pessoa jurídica, como se esta medida fosse comum ou então sob a desculpa de preservar a ordem e interesses públicos.

Não se pode ouvidar que as cooperativas, notadamente as prestadoras de serviços médicos, estabelecem variadas relações jurídicas ao longo de sua existência, de modo que, nada mais justo e legal que lhe seja oportunizada a ampla defesa e o contraditório, assegurando lhe o devido processo legal e administrativo, cuja procedimento encontra ressonância direta e frontal em preceito constituição, que afasta qualquer ato tendente a desviar da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito.

Um simples despacho da autoridade administrativa, ao analisar e autuar a pessoa jurídica, poderá corresponder a uma conclusão desprovida de certeza, comprometendo o próprio livre convencimento.

Não se concebe, assim, à luz de tudo o que foi exposto, que, decida-se primeiro destruir a entidade – compelindo-a ao recolhimento de tributo sabidamente indevido – para depois ver se era necessário fazê-lo – o que quase nunca o é. Verdadeiro contra-senso, como primeiro demolir uma casa, para depois verificar se suas estruturas eram fortes, se o encanamento estava em boas condições…11

Esta análise, portanto, teve o fito de suscitar questionamento processual – ao contrário do aspecto material amplamente articulado neste estudo – referente ao procedimento que o fisco tem, diga-se costumeira e absurdamente, aplicado no sentido da desconsideração das entidades cooperativistas, utilizando-se, para tanto, da pura e simples Autuação Fiscal.

Revelado está, desse modo, não ser permitido ao fisco desconsiderar arbitrariamente atos constitutivos de uma pessoa jurídica como imprestáveis, nem lhe atribuir status diverso do emergente de seus atos estatutários, para fins simplesmente de imposição fiscal, sem que para isso observe, acate e promova o devido processo administrativo, de modo que, pressupor ou decretar, ao seu alvitre, a perda da condição de cooperativa só traduz a invalidade na qual incorrerá o procedimento inadequadamente utilizado para o fim visado.

Concluí-se, assim, não haver nada mais desregrado do que referida conduta, tendo em vista toda a manifestação constitucional (art. 5º, LV) no sentido da necessidade de instauração de um devido processo administrativo que promova, com todas as suas diretrizes, a oportunidade de defesa do ente cooperativista, notadamente quanto à determinação legal do conteúdo que deve conter uma autuação, por força do estabelecido no art. 142, do CTN.

Conclusão:

O presente trabalho tratou da questão sob a ótica constitucional e, também, sob a perspectiva da legislação infraconstitucional que rege o cooperativismo.

Por todo o exposto, não se concebe que, revelando-se as cooperativas médicas como entidades sem fins lucrativos e por prestarem serviços exclusivamente na captação de clientes e no suporte administrativo aos médicos-cooperados, sejam compelidas ao recolhimento de Imposto de Renda e seus reflexos, por meio da lavratura desmedida de autos de infração sem a mínima consistência jurídica, amparados em pareceres ilógicos sobre a atuação dos atos por ela desenvolvidos, ao pálio de que se trata de atos “estranhos à sua finalidade”.

Quando o Fisco desconsidera as particularidades essenciais das cooperativas médicas, traduzida na prerrogativa que a legislação lhes confere de ter tratamento diferenciado face às outras espécies societárias, acaba por colocar por terra a própria razão de sua existência, eis que tais associações terão como única conseqüência a duplicação das incidências tributárias (bitributação) – paga-se tributo na cooperativa e também na pessoa física do cooperado, tudo em face de uma mesma realidade, qual seja, a prática de atos cooperativos.

Atuando assim estará a União propiciando o falecimento de um instituto jurídico protegido pela Constituição Federal por impô-lo à incidência de imposto periféricopásmen!!! – à sua própria essência, e, no mais das vezes, tanto maior do que a das empresas que perseguem lucro. Nada mais irreal ao verdadeiro sentido de existir das cooperativas, aqui entendidas, para efeitos desse articulado, as prestadoras de serviços médicos, cujo ajuste com a justiça e avanço sociais é inquestionável, justamente em virtude do descompromisso com a obtenção de lucros, com a exploração comercial, empresarial.

Revela-se, portanto, descabida a atuação do fisco ao aplicar às escancaras exações às cooperativas médicas sob o argumento de que as mesmas estariam praticando verdadeiros atos não cooperativos, fazendo incidir– conforme toda a exposição ventilada – sobre estas atividades o Imposto de Renda e seus reflexos.

Não é dado ao poder tributante, por tudo e com tudo, sobrepor-se à Constituição Federal, nem a todo o ordenamento jurídico pátrio concernente à matéria em foco (Lei n. 5764/71), enquadrando, equivocadamente, a atuação das cooperativas médicas com serviços credenciados nas referidas justificativas fiscais para, a partir daí, obter o objetivo ilegal aqui combatido.

Não se concebe portanto, que o fisco altere a realidade dos fatos e o direito aplicado ao caso vertente, justamente para prosseguir nas atuações fiscais sem substrato jurídico, procedimento que vem causando intranqüilidade e visível desassossego ao seguimento cooperativista, notadamente quando a doutrina e a jurisprudência já sedimentaram entendimento de que as atividades alhures mencionadas nada tem a ver com ato de comércio e portanto estão a salvo da hipótese de incidência do imposto de renda das contribuições sociais em comento, nos exatos termos da lei de regência das cooperativas (Lei n. 5764/71).

NOTAS DE RODAPÉ CONVERTIDAS

1 Artigos 5º, XVIII; 21, XXV; 146, III, “c”; 174, §§ 2º, 3º e 4º; 187, VI; 192, VIII; e 199, § 1º; Lei Federal n. 5764/71

2 Cf. A. Gonçalves de Oliveira, in A Cobrança do ICM das Cooperativas de Consumo e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in Cadernos de Direito Tributário. Revista de Direito Público. n. 23, p. 228/229.

3 REsp 171800/RS, DJ 31.05.1999.

4 REsp 170371/RS, DJ 14.06.1999; REsp 523554/MG, DJ 25.02.2004; REsp 552782/MG, DJ 25.04.2005; REsp 616219/MG, DJ 25.09.2006; AgRg no REsp 727450, DJ 29.05.2006.

5 REsp 152546/SC, DJ 03.09.2001.

6 REsp 544.194/MG, DJ 25/02/2004; REsp 546380/MG, DJ 25/02/2004; REsp 614764/MG, DJ 23/08/2004; REsp 543828/MG, DJ 25.02.2004; REsp 546674/RS, DJ 13.10.2003.

7 REsp 215311/MA, DJ 11.12.2000; REsp 727091/RJ, DJ 17.10.2005.

8 REsp 215311/MA, DJ 11.12.2000; REsp 16096/PR; REsp 158477/SC.

9 REsp 332148/RR, DJ 24.06.2002.

10 Cf. Ives Gandra da Silva Martins, in RDDT 86/152.

11 Cf. Thereza Alvim, in Revista de Processo, n. 22, julho/setembro de 1997, p. 215.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Iran José de Chaves:  Advogado especialista em Direito Tributário e Pós-graduado a nível de especialização em Direito Empresarial. Advogado Sênior da Chaves Consultoria Jurídico-Empresarial. Presidente da Comissão de Estudos de Direito Tributário da OAB-SC.

 


Único imóvel do fiador locatício é impenhorável, de acordo com a Constituição Federal

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DECISÃO:  TJ-RJ  –  Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 2007, cujo relator foi o Desembargador Benedicto Abicair considerou o único imóvel do fiador de contrato locatício, impenhorável, seguindo nova tendência jurisprudencial, firmada  na inconstitucionalidade da Lei 8.245/91, na parte que excepciona essa modalidade no rol de possibilidade de penhora. 

 

SEXTA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL Nº. 2007.001.03337

RELATOR: DES. BENEDICTO ABICAIR

 

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. CONTRATO DE FIANÇA. RECURSO PROVIDO.

1 – A jurisprudência é remansosa no sentido de considerar que o fiador que oferece o único imóvel de sua propriedade para garantir contrato de locação de terceiro pode ter o bem penhorado em caso de descumprimento da obrigação principal do locatário.

2- A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8009/1990, entretanto, fere o art. 6º da CF/88, principalmente diante das peculiaridades, dentre elas quando envolve aspectos de ordem social e desigualdade entre um dos contratantes.

Recurso provido.

         

A C Ó R D Ã O

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº. 2007.001.03337, em que é apelante HELENA MARIA EVANGELISTA, sendo apelado BOAVENTURA FARIA RODRIGUES DA COSTA, 

 ACORDAM os Desembargadores da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. 

R E L A T Ó R I O

 Trata-se de embargos à execução opostos por Helena Maria Evangelista em face de Boaventura Faria Rodrigues da Costa, alegando que a penhora não pode recair sobre o único bem de sua propriedade e de seus filhos. 

Impugnação aos embargos às fls. 06/10.

A sentença de fls. 43/44 julgou improcedentes os embargos, tendo em vista tratar-se de obrigação decorrente de contrato de locação.

Apelação interposta às fls. 51/56 sustentando a apelante que o bem de família não pode ser penhorado e que o inciso VII da Lei 8009/90, acrescido pela Lei 8.245/91, feriu de morte o princípio isonômico e o direito à moradia é uma garantia constitucional.

Contra-razões às fls. 66/69.

É o relatório.   

VOTO 

Cuidam os autos de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido com base no disposto no inciso VII do art. 3º da Lei 8009/90, em que se discute a possibilidade de penhora de bem de família de fiador de contrato de locação. 

Em primeiro lugar, ressalte-se que a sentença foi prolatada em maio de 2000. No entanto o Defensor Público só teve acesso aos autos em 2005, quando começou a tramitar o prazo para a interposição do presente recurso. 

Pelo que se depreende dos autos, a apelante foi a primeira fiadora no contrato de locação não residencial do lote de terra nº 79/2 da Avenida Paraíba, atual Avenida Almirante Adalberto de Barros Nunes, Volta Redonda, em que consta como locador o Sr. Boaventura Faria Rodrigues da Costa e Locatária a firma Serri – Serviços de Revestimentos Industriais, representada por seus sócios Maximiliano Borges Ferri e Marcelo Borges Ferri. 

No mencionado contrato, firmado em 1996, às fls. 19, constam dois garantidores, através de fiança, sendo que um deles é a apelante, a qual informa ser proprietária do imóvel situado à Rua Caxambu, nº 41, Minerlândia, Volta Redonda – RJ. 

Ressalte-se que o outro fiador, Maximilano Borges Ferri, é, também, um dos sócios da locatária, como, ainda, consoante anotação manuscrita às fls. 27, companheiro da co-fiadora, e não ofereceu nenhum imóvel como garantia do contrato. 

Induvidosamente, a apelante demonstra, por sua qualificação nos autos dos embargos em apenso, bem como por sua assinatura, ser pessoa idosa e semi-analfabeta, o que, em confronto com os representantes do locador e com os sócios da locatária, a caracteriza como hipossuficiente. 

Vê-se, ainda, às fls. 12, que, diante da hipossuficiência aduzida, deve ser realçada a confusa cláusula envolvendo o período da locação, além de avaliada a validade da cláusula II, que se reveste com caráter leonino, onde se estipulou que a realização das citações, intimações e notificações, ocorreriam via postal, através de aviso de recebimento. Diante da gravidade de que, o não atendimento, tem como conseqüência a perda da propriedade, é induvidoso que isto deveria estar explícito no contrato. 

O mencionado imóvel sofreu constrição e a executada, ora apelante, interpôs os presentes embargos alegando que o imóvel em questão é o único bem que possui, devendo ser considerado bem de família e, como tal, impenhorável, pelo que a penhora deverá ser decretada nula. 

A sentença, ora atacada, à letra fria da lei, julgou improcedente o pedido, por entender que a impenhorabilidade do bem de família não é oponível quando se tratar de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. 

Inconformada a embargante apelou, alegando que deu em garantia seu único bem, onde reside com seus filhos, e, como tal, é impenhorável. Sustenta, também, que a norma que prevê a ressalva em questão é inconstitucional por ferir princípio da isonomia e do direito à moradia. Requereu a reforma da sentença. 

Em que pesem a lei específica e parte da jurisprudência e doutrina, que embasam a sentença, entendo que a matéria não pode ser dada com pacificada em nossos Tribunais, merecendo tratamento mais acurado.

A norma que a disciplina é a Lei 8009/90, que, em seu art. 3º, admite a possibilidade de penhora do bem de família do fiador em contrato de locação. Aliás, a norma é clara: “ o fiador que oferece o único imóvel de sua propriedade para garantir contrato de locação de terceiro pode ter o bem penhorado em caso de descumprimento da obrigação principal do locatário.” 

A jurisprudência tem se quedado no sentido de entender que é possível a penhora do bem de família do fiador, entendimento já consolidado neste E. Tribunal conforme a Súmula, não vinculante, nº 63, in verbis:. 

"Cabe a incidência de penhora sobre imóvel único do fiador de contrato de locação, Lei nº 8009/90 (art. 3º, VII) e Lei nº. 8245/91."

Em relação ao argumento de que a referida penhora é contrária ao disposto na Constituição Federal, sobretudo após a EC 26, principalmente no que tange o direito de moradia, confira-se o julgado do Pleno do STF, que teve como Relator o Ministro Cezar Peluso, cuja ementa é a que se segue:

EMENTA: FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República. [RE 407688/SP – Recurso Extraordinário. Min. Cezar Peluso. Julgamento em 08/02/06. Órgão Julgador: Tribunal Pleno.] 

Vale destacar o seguinte trecho o voto do Ministro Cezar Peluso:

Daí se vê logo que não repugna à ordem constitucional que o direito social de moradia – o qual, é bom observar, se não confunde, necessariamente, com direito à propriedade imobiliária ou direito de ser proprietário de imóvel – pode, sem prejuízo doutras alternativas conformadoras, reputar-se, em certo sentido, implementado por norma jurídica que estimule ou favoreça o incremento da oferta de imóveis para fins de locação habitacional, mediante previsão de reforço das garantias contratuais dos locadores. 

E ainda:

 “Nem parece, por fim, curial invocar-se de ofício o princípio isonômico, assim, porque se patenteia diversidade de situações factuais e de vocações normativas – a expropriabilidade do bem do fiador tende, posto que por via oblíqua, também a proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição de locador, não um qualquer direito de crédito -, como porque, como bem observou José Eduardo Faria, ‘os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são, isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios”. (Direitos humanos, direitos sociais e justiça. Apud Sarlet, Ingo Wolfgang. Op.cit., p. 278.) 

Fiz questão de dar ênfase à lei e seu artigo específico, como também à jurisprudência e ao voto do jurista prolator do acórdão transcrito, pois, indiscutivelmente, o dispositivo da lei é claro, a súmula lívida e o julgado coerente com os ditames do artigo constitucional interpretado, desde que não se aprecie cada caso isoladamente, bem como se deixe de levar em consideração os aspectos sociais do país onde se pretenda aplicar uma legislação onde os governos não cumprem suas atribuições e as desigualdades, analfabetismo e ignorância não estejam compatíveis com a realidade conflitante com a finalidade de imperativos promulgados há mais de quinze anos, sem que um mínimo de desenvolvimento tenha ocorrido nesse período para atender as necessidades básicas da população destinatária de todo e qualquer dispositivo e/ou dele decorrente. 

A uma, convém esclarecer que num país onde a miserabilidade cresce acentuadamente, naturalmente nutrida pela falta de uma educação que permita a população ter pleno conhecimento do que lê e ouve todos os dias, aliado ao fato de ter-se uma infinidade de leis e correlatos que confundem, até mesmo, os mais operantes profissionais do direito, é impossível pretender-se que aquela afirmativa de que a ninguém é permitido alegar o desconhecimento da lei, seja encarada como absoluta. 

Aliado ao acima expendido, resta, também, relevar o fato de que a cada dia os profissionais, no caso do Direito, recebem formação debilitada e, em muitos casos, são mais danosos aos seus constituintes do que se estes estivessem sozinhos. 

Na hipótese do recurso que ora leva à revisão o julgamento proferido por magistrado a quo, salta aos olhos inúmeras razões para se ater aos argumentos da apelante, isto sem pretender adentrar matéria de prova, ou mesmo questionar as decisões emanadas no processo principal.

 Ora, além do já aduzido, que aqui reconheço como fatos incontroversos, hipossuficiência da apelante e a cláusula leonina que não permite, ou dificulta a defesa dos interesses daquele que não recebe comprovadamente a comunicação sobre fatos que possam atingir sua integridade ou direitos de qualquer natureza, deve-se encarar o fato de que há uma flagrante desigualdade entre as partes contratantes.

 Por um lado, tem-se o locador representado por empresa especializada em operações imobiliárias, não se sabendo se é o caso aqui, mas normalmente tendo como sócios advogados, via de regra mais familiarizados com a lei. Do outro lado tem-se a apelante, caracterizadamente hipossuficiente, aparentemente envolvida com um dos sócios da locatária, sem qualquer profissional do direito a acompanhá-la e que, seguramente, jamais imaginou a hipótese de perda do único imóvel que a acolhe e seus familiares, em função de um gesto de generosidade, absolutamente gratuito, com outrem.

 Pela caligrafia da apelante na sua assinatura, é difícil acreditar que soubesse o que estava assinando e as suas conseqüências, até porque, nos autos de outros embargos movidos pela apelante, ora em apenso, ela se diz ser semi-analfabeta, e com a certeza de que a morte vem para todos, seguramente jamais passou os olhos em qualquer lei.

 Permito-me ousar, o que é um dever de qualquer operador do direito, discorrer sobre a afirmativa do eminente Ministro Peluzzo : “ não repugna à ordem constitucional que o direito social de moradia – o qual, é bom observar, se não confunde, necessariamente, com direito à propriedade imobiliária ou direito de ser proprietário de imóvel”. Concordaria plenamente com tal afirmativa, não fosse o fato de que o que se debate não é o direito de propriedade do único bem da fiadora, mas sim e exclusivamente o seu direito de moradia, para preservar sua dignidade humana, pois sendo ela desalojada, diante da crise de habitação do país, estará sujeita a compartilhar as ruas das cidades, já em colapso com tamanho problema, aparentemente, insolúvel. Tanto é fato minha afirmativa que é imprescindível ser o imóvel objeto de penhora o único de sua propriedade, bem como nele residir.

 Aliás, convém trazer á baila o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:

 Penhora.Bem de Família. Imóvel locado

Não obstante a Lei 8.009/90 mencionar “um único imóvel (…) para moradia permanente”, a orientação desta Corte firmou-se no sentido de que a impenhorabilidade prevista na referida Lei estende-se ao único imóvel do devedor, ainda que se encontre locado a terceiros, porquanto a renda auferida pode se utilizada, para que a família resida em outro imóvel alugado ou, ainda, para a própria manutenção da entidade familiar. Recurso especial desprovido. (REsp 698.758-SP. Relatora Minª Denise Arruda. 1ª Turma – pub em 10/05/2007)

 Veja-se, aí, que a matéria em comento merece reflexões de maior dimensão.

 Disse, ainda, aquele ínclito magistrado da Corte Suprema: “a expropriabilidade do bem do fiador tende, posto que por via oblíqua, também a proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição do locador, não um qualquer direito de crédito”. Também, desta feita, como dever de ofício daqueles que divergem, pratico o ato honroso da ousadia, afirmando que o direito do locador consiste, exclusivamente, em um direito de crédito, sendo certo que o prejuízo maior que sofrerá consistirá na redução ou eliminação do seu lucro no investimento que realizou, sem as cautelas adequadas.

 Portanto, após longos trinta anos no exercício da advocacia, quando jamais orientei clientes a aceitarem fiadores com um único bem imóvel, principalmente se nele residisse o candidato à prestação à fiança, aliado ao período que me encontro na função judicante, posso asseverar que os prestadores de fiança, que se constituem maiores vítimas deste instituto, consistem nas pessoas desprovidas de maior cultura, ou seja, mais simples e crentes de estarem fazendo um benefício, e/ou vinculadas, de alguma forma, emocional ou economicamente, a quem lhes pede o favor, mas jamais supondo estarem correndo o risco de serem alijadas de sua moradia, pois nunca são expressamente cientificadas de tal risco.

 Para encerrar a fundamentação da minha decisão, expresso que, face a cruel realidade do país, suso mencionada, somente adoto a penhorabilidade do único bem do fiador se no contrato de locação constar expressamente: 1) que o fiador sabe ler e escrever; 2) que fiador tem pleno conhecimento de que com a falta de pagamento dos alugueres, condomínio e IPTU, pelo locatário, ficará obrigado a fazê-lo, podendo, inclusive, perder seu único imóvel; 3) que o fiador deverá ser comunicado, pessoalmente e de forma inequívoca, até trinta dias da mora do locatário, a cada mês que isto ocorrer; 4) o prazo certo da garantia e a exigência de que a cada prorrogação deverá o fiador ser comunicado, também de forma inequívoca, se concorda em manter a garantia; 5) a comunicação, mais uma vez de forma inequívoca, de cada modificação no valor do aluguel e encargos.

 Considero, ainda, além dos requisitos acima, fundamental que inexista qualquer vínculo de subordinação ou dependência entre locatário e fiador, visto que, muitas são as vezes que o primeiro se valha dessa condição  para inviabilizar uma recusa por parte do segundo.

 Por fim, conveniente consignar, ainda, que o fiador somente poderá ser responsabilizado pelo débito envolvendo os meses a partir da data em que, inequivocamente, tomar ciência, posto que não compete a ele fiscalizar a pontualidade do locatário, mas ao locador mantê-lo informado do contrário.

 Concluo afirmando que o locador deve se resguardar, ao máximo, antes de realizar seu investimento, qual seja, alugar seu imóvel, com a cautela, quando fidejussória for a garantia, de se certificar sobre a plena condição de poder o fiador assumir o risco de solidarizar-se com o locatário, posto que o único imóvel do fiador, somente em condições excepcionalíssimas, após atendidos os requisitos supra, será passível de responder por dívidas locatícias.

 Por todo o exposto e partindo da premissa de que compete ao credor desconstituir o direito do devedor (fiador), de que não é o bem penhorado o único imóvel dele e que não lhe serve de residência e à sua família, entendo ser inaplicável o art. 3º, VIII, da Lei 8009/90, por ter-se a hipótese de bem de família, para preservação da moradia, prevista na norma constitucional antes aludida, quedando-me pelo provimento do recurso.

 Por tais motivos, dou provimento ao recurso para julgar procedente os embargos à execução, determinando a desconstituição da penhora sobre o bem objeto da lide, com a inversão dos ônus da sucumbência.

 

 Rio de Janeiro, 12/09/2007

 

DESEMBARGADOR BENEDICTO ABICAIR

RELATOR

 


FONTE:  TJ-RJ, 03 de outubro de 2007.

 


Inteiro teor do Acórdão 

Em Minas Gerais, Juiz reconhece união de duas mulheres

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DECISÃO:  TJ-MG  –    “O princípio da igualdade significa conceder tratamento isonômico aos cidadãos, no intuito de impedir discriminações arbitrárias e apartadas do ordenamento jurídico”, comentou o juiz Luiz Artur Rocha Hilário, 27ª Vara Cível de Belo Horizonte, ao reconhecer a união estável entre duas mulheres, concedendo, por conseqüência, os direitos patrimoniais a uma delas. A decisão foi publicada no dia 14 de setembro.

De acordo com o processo, as duas mulheres viveram juntas por 15 anos, desde 1988, até o falecimento de uma delas, auxiliar de enfermagem, em maio de 2003. A outra companheira relatou que durante a União, dividiram a mesma residência e pouparam para adquirir um veículo Pálio Weekend, ano 97.

Ela entrou com ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato para garantir seus direitos em relação ao veículo e também à parte de um imóvel herdado pela companheira, no bairro Pompéia, onde, aliás, residiu com a auxiliar de enfermagem. Os demais herdeiros, representados por uma irmã da auxiliar de enfermagem, “não reconheceram o direito da outra mulher, alegando que no Brasil não há legislação que reconheça a união entre homossexuais”.

O juiz chegou a encaminhar o processo para uma das varas de família, mas após questionamento, o Tribunal de Justiça confirmou a competência da 27ª Vara para decidir a ação.
Assim, o juiz Artur Hilário, com base na Constituição, jurisprudências e também nas provas apresentadas, considerou “demonstrado de forma inequívoca o relacionamento estável entre as duas mulheres, entre 1988 e 2003”. Ele citou documentos e os depoimentos de testemunhas que conviveram com o casal de mulheres para concluir que a união “se pautou pela convivência duradoura, notória e sem interrupção, com ânimo de conceber uma família.”

Ele reconheceu a união como homoafetiva e estável, “diante da analogia feita entre a união estável e o caso presente, bem como da prova documental e testemunhal carreada aos autos” explicou.

A sentença, por ser de 1ª Instância, está sujeita a recurso.


FONTE:  TJ-MG, 04 de outubro de 2007.

Menor com paralisia cerebral precisa de aparelho e suplementos

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DECISÃO:  TJ-MT  –  A Segunda Câmara Cível do TJMT negou provimento ao recurso interposto pelo Estado de Mato Grosso, que buscava reformar decisão de primeira instância que havia concedido benefícios a um menor carente com paralisia cerebral (processo nº. 43.617/2007). Segundo decisão do juiz Edson Dias Reis, da comarca de Poconé, o Estado deve fornecer à criança um aparelho relacionado ao uso de sonda, que proporcionará melhora na sua qualidade de vida, e também alimentação complementar, com entrega mensal de duas latas de Mucilon, três latas de Benefiber, cinco latas de Nan Soy e duas latas de Carboplex.  

O Estado alegou que deve prestar assistência à saúde dos jurisdicionados de forma ordenada e organizada, e dentro da política traçada pelo Ministério da Saúde. Alegou ser uma temeridade o ‘escancaramento’ das portas do sistema público aos receituários particulares. Argumentou, ainda, que é a rede pública de saúde que tem que dispensar o tratamento necessário aos pacientes, analisados por agentes médicos do Estado. O agravante ressaltou ainda a necessidade de prévio procedimento administrativo para fazer avaliação e adequação terapêutica do tratamento do menor antes de conceder os benefícios. 

De acordo com a juíza substituta de 2º grau Clarice Claudino da Silva (relatora do recurso), a necessidade de nova avaliação não impede a concessão da liminar para o fornecimento dos suplementos e do aparelho ao menor. Conforme a magistrada, deve-se antecipar o remédio para o doente, "antes que, no afã de valorizar o procedimento administrativo mais que a vida, ao concluí-lo, danos irreparáveis ou de difícil reparação poderão ter ocorrido". A magistrada explica que é possível antecipar os efeitos da tutela contra a Fazenda Pública quando se tratar de questão urgente ligada à saúde.  

A relatora do recurso, cujo voto foi seguido por unanimidade pelos demais magistrados que participaram do julgamento, observa ainda que Estados e Municípios são responsáveis pelo provimento de condições ao exercício do direito à saúde. Esta obrigação prevê a efetiva entrega de medicamentos ao necessitado hipossuficiente. Não há, conforme a juíza Clarice da Silva, fundamento legal para exigência de prévio procedimento administrativo. 

Conforme a ação proposta pelo Ministério Público, o menor é portador de doença crônica e depende de cuidados higiênicos e sanitários especiais. Há um cisto do lado esquerdo da cabeça da criança que começou a progredir, de forma que ele necessita receber alimentação – apenas de leite e sucos de frutas – por meio de sonda. Diante deste quadro, foi constatada por uma nutricionista do Hospital Julio Muller, em Cuiabá, a necessidade de alimentação complementar para que o menor possa ingerir vitaminas e nutrientes capazes de evitar sua desnutrição e agravamento do seu estado de saúde. Dos autos, percebe-se que o menor possui família numerosa e que todos vivem em condições precárias em um único cômodo nos fundos da casa dos avós. Além de paralisia cerebral, o menor tem diversos outros complicadores, como prisão de ventre, gases, pneumonia, e utiliza sonda não apenas para se alimentar, mas também para fazer suas necessidades fisiológicas. 

A juíza Clarice Claudino da Silva diz que a situação demonstrada nos autos não é nova e traduz parte das dificuldades enfrentadas pela população que necessita da assistência à saúde. Ela lamenta que mesmo diante de um quadro tão doloroso, o Estado tente se eximir da responsabilidade de prestar assistência à saúde do menor. Ela destaca que é dever do Estado possibilitar os meios necessários ao fornecimento urgente de medicação, haja vista que a saúde é direito de todos e está garantida pelo artigo 196 da Constituição Federal. 

"Além disso, a proteção integral da criança é mandamento constitucional que tem absoluta prioridade, cabendo, além da família e da sociedade, ao Estado assegurar o direito à vida, à saúde e à alimentação, ordem que se extrai do art. 277, da CF. Assim, à vista de um direito fundamental, cai por terra qualquer outra justificativa de natureza técnica ou burocrática do Poder Público", finaliza a magistrada. 

Neste processo, a decisão foi unânime e em consonância com o parecer ministerial. Também participaram do julgamento os desembargadores Donato Fortunato Ojeda (1º vogal) e Maria Helena Gargaglione Povoas (2º vogal). 


FONTE:  TJ-MT, 04 de outubro de 2007.

Acidente aéreo: antecipação de tutela – Dano Moral – caso TAM 293A

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DECISÃO :   1º TACiv-SP – Voto do Juiz Relator Rizzatto Nunes, concedendo tutela antecipada, via recurso agravo de instrumento, cuja decisão semostra oportuna eatual, em face dos últimos acidentesaéreos com centenas de vítimas fatais.


*Jurisprudência – LEX nº 180 pg. 79*

VOTO Nº: 293A – julgado em 06.10.1999 – v.u.
AGRV.Nº: 836.448-9
COMARCA: SÃO PAULO
AGTE. : DÉBORA REGINA GONÇALVES TAMIELLO (E P/S/FILHOS) E OUTROS
AGDO. : TAM TRANSPORTES AÉREOS REGIONAIS

*TUTELA ANTECIPADA – INDENIZAÇÃO – Acidente Aéreo – Vítima Fatal – Antecipação parcial da tutela inaudita altera parte – Admissibilidade – Medida de rigor – Presença dos requisitos exigidos pelo art. 273 do CPC – Responsabilidade objetiva da Companhia aérea – Indiscutibilidade da culpa – Análise da Teoria do Risco em relação ao negócio – O risco integral do negócio é do fornecedor – Inteligência do Código de Defesa do Consumidor – O estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou serviço e o dano efetivamente ocorrente – Recurso parcialmente provido.*

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a r. decisão que, em ação de indenização decorrente de acidente aéreo, indeferiu o pedido de antecipação da tutela, por não se encontrarem presentes os requisitos legais exigidos.

Dispensadas as informações do Magistrado a quo, não foi apresentada contraminuta ao recurso por não ter a parte contrária integrado a lide.

No despacho de fls. 146 foi concedido o prazo de 5 (cinco) dias para que os agravantes comprovassem a oferta de R$ 150.000,00 feita pela Companhia Aérea agravada.

Em sessão realizada em 24/02/1999, o presente agravo foi improvido, vencido o 2º juiz que declarou seu voto (fls. 162/167).

Ofertados embargos de declaração (fls. 170/174), restaram eles acolhidos para anular o julgamento anterior, determinando a abertura de vista ao Ministério Público para manifestação, face à existência de interesse de menores.

Remetidos os autos à douta Procuradoria Geral de Justiça, manifestou-se esta pelo improvimento do agravo (fls. 191/194).

É o relatório.

A concessão parcial da tutela pretendida é medida de rigor, já que encontravam-se ___ como encontram-se ___ presentes os requisitos exigidos pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, quais sejam:

a) prova inequívoca a convencer o Magistrado da probabilidade do direito afirmado;
b) fumus boni iuris; e
c) periculum in mora.

É fato comprovado que Luís Cláudio Tamiello encontrava-se no interior da aeronave no momento do acidente, vindo a falecer em razão do sinistro. Também o é serem os autores-agravantes, esposa e filhos do falecido.

É necessário aqui, para o deslinde da questão e exame do pedido dos agravantes, fazer-se uma avaliação dos aspectos jurídicos envolvidos.

A hipótese dos autos é de responsabilidade civil objetiva estabelecida no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Não se discute culpa.
Todavia, como ainda há dúvidas a respeito do sistema que a Lei 8.078/90 instituiu no país, é necessário, gastar algumas linhas para cuidar do assunto.

Com efeito, no Brasil, a Constituição Federal garante a livre iniciativa para a exploração da atividade econômica, numa harmonização com uma série de princípios (Cf. art. 170). Essa iniciativa de exploração da atividade econômica é, de fato, de uma forma ou de outra, a característica da sociedade capitalista contemporânea. A exploração da atividade econômica tem uma série de características, que não cabe aqui narrar. Mas, dentre elas, algumas são relevantes e alguns aspectos teóricos que embasam o lado prático da exploração interessam.

Uma das características principais da atividade econômica é o risco . Os negócios implicam em risco. Na livre iniciativa a ação do empreendedor está aberta simultaneamente ao sucesso e ao fracasso. A boa avaliação dessas possibilidades por parte do empreendedor é fundamental para o investimento. Um risco mal calculado pode levar o negócio à bancarrota.

É claro que são muitas as variáveis em jogo e que terão que ser avaliadas, tanto mais se existir uma autêntica competitividade no setor escolhido. Os insumos básicos para a produção, os meios de distribuição, a expectativa do consumidor em relação ao produto ou serviço a ser produzido, a qualidade dos mesmos, o preço, incluído impostos etc., são preocupações constantes. Some-se a isso, o direito e o necessário desenvolvimento de todos os aspectos que envolvem o marketing do ponto de vista do empreendedor, em especial, a possibilidade ___ e, praticamente, a necessidade ___ da exploração da publicidade.

Aqui o que interessa é o aspecto do risco, que se incrementa na intrínseca relação com o custo. Esse binômio risco/custo (ao qual vai-se acrescer um outro: custo/benefício) é determinante na análise da viabilidade do negócio.

A redução da margem de risco a baixos níveis (isto é, aplicação máxima do estudo de todas as variáveis) eleva o custo a valores astronômicos, inviabilizando o projeto econômico. Em outras palavras, custo para ser suportável tem que estar definido na relação com benefício. Esse outro binômio custo/benefício tem que ser considerado.

Descobrir o ponto de equilíbrio de quanto risco vale a pena correr a um menor custo possível para se aferir uma maximização do benefício, é uma das chaves essenciais do negócio.

Dentro dessa estratégia geral dos negócios, como fruto da Teoria do Risco, um item específico é o que está intimamente ligado à sistemática normativa adotada pelo CDC. É aquele ligado à avaliação da qualidade do produto e do serviço, especialmente voltados para adequação, finalidade, proteção à saúde, segurança e durabilidade. Tudo referendado e complementado pela informação.

Em realidade, a palavra "qualidade" do produto ou do serviço pode ser o aspecto determinante, na medida em que não se pode compreender qualidade sem o respeito aos direitos básicos do consumidor.

E nesse ponto da busca da qualidade surge, então, novamente, e particularmente, o problema do risco/custo/benefício. Acrescido agora de outro aspecto considerado tanto na Teoria do Risco quanto pela lei consumerista: a produção em série.

Então, como característica da sociedade de massa, tem-se a produção em série (massificada). Em produções seriadas é impossível assegurar como resultado final que o produto ou o serviço não terá vício/defeito.

Para que uma produção em série conseguisse um resultado isento de vício/defeito, seria preciso que o fornecedor elevasse seu custo a níveis altíssimos, o que inviabilizaria o preço final do produto e do serviço e desqualificaria a principal característica da produção em série, que é a ampla oferta para um número enorme de consumidores.

Dessa maneira, sem outra alternativa, o fornecedor tem que correr o risco de fabricar produtos e serviços a um custo que não prejudique o benefício.

Aliado a isso, está o indelével fato de que produções em série envolvem milhares de componentes físicos que se relacionam, operados por outras milhares de mãos humanas que os manuseiam direta ou indiretamente . A falha é inexorável: por mais que o fornecedor queira, ele não consegue evitar que seus produtos ou serviços cheguem ao mercado sem vício/defeito

Mesmo nos setores mais desenvolvidos, onde as estatísticas apontam para percentuais de vícios/defeitos de fabricação próximos de zero, o resultado final para o mercado será a distribuição de um número bastante elevado de produtos e serviços com vícios/defeitos. E isso se explica matematicamente: supondo um índice percentual de vício/defeito no final do ciclo de fabricação de apenas 0,1% aplicado sobre alta quantidade de produção, digamos, 100.000 unidades, ter-se-á 100 produtos entregues ao mercado com vício/defeito.

Logo, tem-se que lidar com esse fato inevitável (e incontestável): há e sempre haverá produtos e serviços com vício/defeito.

Dessa maneira, nada mais adequado do que controlar, como o fez a Lei 8.078/90, o resultado da produção viciada/defeituosa, cuidando de garantir ao consumidor o ressarcimento pelos prejuízos sofridos.

Note-se que a questão do vício/defeito envolve o produto e o serviço em si, independentemente da figura do fornecedor (bem como de sua vontade ou atuação). É ___ como se verá ___ o produto e o serviço que causam diretamente o dano ao consumidor e não o fornecedor. Este só é considerado na medida em que é o responsável pelo ressarcimento dos prejuízos.

Nesse ponto tem-se, então, que colocar outro aspecto relevante, justificador da responsabilidade do fornecedor, no que respeita ao dever de indenizar. É ele o da origem do fundo capaz de pagar os prejuízos.

É a receita do fabricante, produtor, prestador de serviço etc., que responde pelo ônus da indenização relativa ao prejuízo sofrido pelo consumidor. O motivo, aliás, é simples: a receita abarca "todos" os produtos e serviços oferecidos. "Todos", isto é, tanto os produtos e serviços sem vício/defeito, quanto aqueles que ingressaram no mercado com vício/defeito. O resultado das vendas, repita-se, advém do pagamento do preço pelo consumidor dos produtos e serviços bons e viciados/defeituosos.

É dessa forma, então, que se justifica a estipulação de uma responsabilidade objetiva do fornecedor.
Mas, existe, ainda, um outro reforço dessa justificativa e que formatará por completo o quadro qualificador e que obrigou a que o sistema normativo adotasse a responsabilização objetiva. É o relacionado não só a dificuldade da demonstração da culpa do fornecedor, assim como ao fato de que, efetivamente, muitas vezes, ele não tem mesmo culpa do produto ou serviço terem sido oferecidos com vício/defeito.

Essa é a questão: o produto ou serviço são oferecidos com vício/defeito, mas o fornecedor não foi negligente, imprudente, nem imperito. Se não se tivesse a responsabilidade objetiva, o consumidor terminaria fatalmente lesado, sem poder ressarcir-se dos prejuízos sofridos (como era no regime anterior).

Explicando melhor: no regime de produção em série ___ característica da atual sociedade de massas ___ o fabricante, produtor, prestador de serviços etc., não podem ser considerados, via de regra, negligente, imprudente ou imperito.

Como é sabido, o negligente é aquele que causa dano por omissão; o imprudente é o que causa dano por ação; e o imperito é o profissional que não age com a destreza que dele se espera.

Ora, o produtor contemporâneo, em especial aquele que produz em série, não é negligente, imprudente ou imperito. Ao contrário, numa verificação de seu processo de fabricação, perceber-se-á que no ciclo trabalham profissionais que avaliam a qualidade dos insumos adquiridos, técnicos que controlam cada detalhe da produção, engenheiros de qualidade testam os produtos fabricados, enfim, no ciclo de produção como um todo, não há, de fato, omissão (negligência), ação imprudente ou imperícia. No entanto, pelas razões já expostas, haverá produtos e serviços viciados/defeituosos.
Vê-se, só por isso, que se o consumidor tivesse que demonstrar a culpa do produtor, não conseguiria. E, na sistemática anterior do Código Civil (art. 159), o consumidor tinha poucas chances de se ressarcir dos prejuízos causados pelo produto ou pelo serviço.

Além disso, ainda que culpa houvesse, sua prova como ônus para o consumidor levava ao insucesso, pois o consumidor não tinha e não tem acesso ao sistema de produção e, também, a prova técnica posterior ao evento danoso tinha pouca possibilidade de demonstrar culpa.

Poder-se-ía dizer que antes ___ por incrível que isso possa parecer ___ o risco do negócio era do consumidor. Era ele quem corria o risco de adquirir um produto ou serviço, pagar seu preço (e assim, ficar sem seu dinheiro) e não poder dele usufruir adequadamente ou, pior, sofrer algum dano. É extraordinário, mas esse sistema vigeu até 10/03/1991, em flagrante injustiça e inversão lógica e natural das coisas.

Mas, agora, com o CDC, o risco integral do negócio é do fornecedor.
Registre-se, também, que a Lei 8.078/90 fala em responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Isto é a norma, dentro do regramento da responsabilidade objetiva, é dirigida ao fato do produto ou serviço em si. É o fato do produto e do serviço causadores do dano o que importa.

O estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado) o produto e/ou o serviço e o dano efetivamente ocorrente.

É essa a teoria ___ e a realidade ___ fundante da responsabilidade civil objetiva estatuída no CDC, assim como as amplas garantias indenizatórias em favor do consumidor que sofreu o dano ___ ou seus familiares ou, ainda, o equiparado e seus familiares.

Frise-se: in casu, se o estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou o serviço e o dano efetivamente ocorrente, havia ___ como há ___ prova inequívoca a convencer o Judiciário da necessidade da antecipação da tutela inaudita altera parte.

Como dito, tais fatos estão comprovados, já que o esposo e pai dos autores encontrava-se no avião operado pela ré-agravada no momento em que o acidente ocorreu, causando-lhe a morte e, de consequência, prejuízos aos autores.

Logo, é inconteste a presença do fumus boni iuris e da prova inequívoca, necessária à demonstração da probabilidade do direito alegado.

E o mesmo pode-se dizer do periculum in mora, e com muito mais razão. A tutela antecipada pleiteada tem como função, desde já, propiciar benefício econômico capaz de aliviar, de alguma maneira, o sofrimento dos autores.

É que, em que pese o fato dessa dor não ser suscetível de avaliação econômica, vez que não atinge o patrimônio material da vítima, é preciso reparar o dano sofrido e isso se faz através da indenização. Porém, com características próprias que diferenciam-na da indenização do dano material.

Com efeito, o substantivo "indenização" ainda que utilizado de maneira recorrente para tratar do "quantum" a ser pago àquele que sofreu o dano moral, não tem o mesmo sentido do termo indenização empregado para a reparação do dano material.

Como se sabe, a palavra "indenizar" quando utilizada na relação com o dano material tem como função reparar o dano causado, repondo o patrimônio desfalcado, levando-o de volta ao "status quo ante". É isso que se pretende quando se faz a avaliação econômica da perda daquele que sofreu o dano.

Logo, o termo indenização tem teleologia voltada à equivalência econômica, especialmente fundada na idéia de que todo bem material pode ser avaliado economicamente, podendo ser reposto por intermédio de seu valor em moeda corrente.

Ora, no dano moral não há prejuízo material. Então, a indenização nesse campo possui outro significado. Seu objetivo é duplo: satisfativo-punitivo. Por um lado, a paga em pecúnia deverá proporcionar ao ofendido uma satisfação, uma sensação de compensação capaz de amenizar a dor sentida. Em contrapartida, deverá, também, a indenização, servir como punição ao ofensor, causador do dano, incutindo-lhe um impacto tal, que seja suficiente para dissuadi-lo de um novo atentado ou que resolva tomar as cautelas capazes de evitá-lo.

Remanesce-se utilizando o termo "indenização" no caso do dano moral por dois motivos, um de ordem prática: lembra reposição de dano; outro de conteúdo semântico: de fato o que se manda que o causador do dano moral faça é pagar certo valor em dinheiro. Logo, o substrato é ainda econômico, tal qual no caso do sentido da indenização para recompor a perda material.

Foi, de fato, a Constituição Federal de 1988 que criou condições para que a indenização por danos morais deixasse de ser repelida pela doutrina e pela jurisprudência (que somente a concedia em casos excepcionais).

Nesse campo das decisões judiciais, porém, o acatamento da condenação indenizatória em hipótese de dano moral sempre foi muito restrito, tendo começado a ser implementada efetivamente, como dito, a partir da edição da Carta Magna de 1988, especialmente com base nas garantias instituídas nos inciso V e X do artigo 5º. E, desde então, foi-se fixando o entendimento do cabimento do direito à indenização por dano moral, de tal maneira que atualmente não pairam mais dúvidas a respeito, quer na jurisprudência quer na doutrina.

Essa resistência histórica e a pouca idade do apagamento das dúvidas a respeito do cabimento do dever de indenizar os danos morais, talvez seja o motivo que ainda leve o Poder Judiciário a fixar em quantias muito tímidas as indenizações capazes de reparar o dano moral.

Aliás, esta é a grande dificuldade enfrentada pelos magistrados: a fixação do valor devido a título de indenização por danos morais.

Ora, o dano moral é caracterizado pela dor, pelo sofrimento de alguém, em decorrência de um ato danoso; e justamente por ser um sentimento de foro íntimo, pessoal, tal dor é impossível de ser mensurada e, conseqüentemente, traduzida em cifras.

Acontece que, além desse problema natural da dificuldade de mensuração, as normas constitucionais não regulam a questão. Fica o juiz, para a busca do "quantum", com os parâmetros oferecidos pela doutrina e pela jurisprudência, a partir dos casos concretos.

De qualquer maneira, inspirado nesses parâmetros e, especialmente, levando-se em conta os princípios constitucionais que garantem a inviolabilidade da dignidade da pessoa humana, do respeito à vida e da garantia a incolumidade física e psíquica, com o asseguramento de uma sadia qualidade de vida e do princípio da isonomia, e ainda a garantia da intimidade, vida privada, imagem e honra, é possível fixar-se alguns parâmetros para a fixação da indenização por danos morais, quais sejam:

a) a natureza específica da ofensa sofrida;
b) a intensidade real, concreta, efetiva do sofrimento do ofendido;
c) a repercussão da ofensa, no meio social em que vive o ofendido e também sua posição social;
d) a existência de dolo por parte do ofensor, na prática do ato danoso e o grau de sua culpa;
e) a situação econômica do ofensor;
f) a posição social do ofendido;
g) a capacidade e a possibilidade real e efetiva do ofensor voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso;
h) a prática anterior do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma falha;
i) as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor do ofendido.

Além disso tudo, é preciso realçar um dos aspectos mais importantes – e que, dependendo da hipótese é o mais importante – que é o da punição ao infrator.

O aspecto punitivo do valor da indenização por danos morais deve ser especialmente considerado pelo magistrado. Sua função não é satisfazer a vítima, mas servir de freio ao infrator para que ele não volte a incidir no mesmo erro.

Esse aspecto ganha relevo nas questões de massa, como são, em regra, as que envolvem o direito do consumidor. Se, por exemplo, um banco vier a ser condenado a indenizar um consumidor, que teve seu talão de cheques furtado da agência bancária, o que gerou toda sorte de problemas (cheque voltou, foi "negativado" nos serviços de proteção ao crédito etc.) e de conseqüência casou danos morais, na fixação da indenização o magistrado tem que considerar o fato de que se o banco não for severamente punido, poderá não tomar nenhuma providência para que o mesmo evento não torne a ocorrer. E o risco de causar o mesmo dano para dezenas, centenas de consumidores existe, é real. Por isso, o quantum deve ser elevado. A condenação tem que poder educar o infrator, que potencialmente pode voltar a causar o mesmo dano. E, in casu, a hipótese avaliada impõe fixação de indenização condizente

Ressalte-se, uma vez mais, que a indenização tem como finalidade amenizar a dor sentida, trazendo à vítima uma sensação de conforto e alento, além de punir o ofensor, com o intuito de coibi-lo a não reincidir na prática do ato danoso. Ou seja, possui a indenização, como se disse, um caráter satisfativo-punitivo.

Os benefícios que o dinheiro traz, isto é, as regalias e privilégios que proporciona à pessoa, servem para amenizar, anestesiar a dor e o sofrimento sentidos ou gerar um efeito positivo relativo ao conforto oferecido, como, por exemplo, propiciando a realização de uma viagem, a compra de um bem etc., de tal forma que possa, com isso, aliviá-la. Porém, jamais a indenização restabelecerá o estado anterior da vítima, como ocorre com a indenização por danos materiais, onde o indivíduo recebe aquilo que efetivamente perdeu (danos emergentes) e/ou deixou de ganhar (lucros cessantes).

E como cada caso é um caso específico, posto que cada acidente de consumo tem suas peculiaridades, bem como cada pessoa sofre com intensidade diferente, o valor indenizatório deverá ser fixado pelo juiz, levando, especificamente, em consideração o fato em si e atendendo aos critérios acima mencionados, mas sempre considerando o aspecto punitivo que, dependendo da condição econômica do infrator e da sua potencial possibilidade de voltar a praticar o mesmo tipo de ato lesivo pode – e deve – elevar o valor da indenização.

A ação em exame é de indenização por danos morais e materiais e o agravo diz respeito a não concessão da tutela antecipada pleiteada. Esta diz respeito à antecipação de parte da indenização por danos morais que será fixada ao final.

Alegam os autores que a agravada ofertou R$ 150.000,00 como proposta de acordo para pagamento de indenização por danos morais e, por isso, esse valor é o mínimo a que terão direito ao final do processo. Daí o direito à antecipação.

No primeiro julgamento posteriormente anulado por falta de participação do I. representante do Ministério Público, foi negado provimento ao pedido, porque os autores não comprovaram a oferta da agravada.

Os autores continuaram insistindo na questão da oferta e, nesse aspecto, instruíram mal o feito.
Todavia, o pleito é procedente não pelo argumento da oferta, mas pelo evidente direito à antecipação com que se caracteriza o caso.

A má instrução e a falha na argumentação quase pôs a perder o direito dos autores em jogo. Mas, é de se dar provimento ao pleito, ainda que de forma parcial.

Esta Colenda 4ª Câmara, em caso similar, já decidiu que:
"TRANSPORTE AÉREO – RESPONSABILIDADE CIVIL – Antecipação parcial da tutela inaudita altera parte – Admissibilidade – Relação consumerista – Responsabilidade de indenizar que nasce do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou o serviço e o dano efetivamente ocorrente – Fatos estes incontroversos – Fixação de pensão mensal aos autores da vítima fatal – Caráter alimentar – Necessidade – Presentes os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, tem o juiz o poder-dever de conceder, total ou parcialmente, a tutela pleiteada – Inexistência, ademais, de perigo de irreversibilidade do provimento antecipado – Recurso desprovido."

E, neste caso, também, trata-se apenas de, desde já, conferir parte da indenização que ao final será fixada.

O pedido é de R$ 150.000,00 para os quatro recorrentes.
Esta C. 4ª Câmara tem fixado indenizações por danos morais em casos que não resultaram em morte, em quantias bastante significativas.

Veja-se, por exemplo, no apelo 807.485-7 num caso de erro médico relativo à cirurgia plástica de mama: a indenização por dano moral foi fixada em 500 salários mínimos ou R$ 68.000,00 ; no apelo 754.692-3 num caso de furto de talão de cheques, foi igualmente fixada em 500 salários mínimos.

Ora, é de se supor que no caso de morte a dor a ser avaliada gere valor superior a esses.
Assim, levando-se em conta que trata-se de quatro autores ___ três menores ___ é justa a antecipação da tutela pretendida em valor ora fixado em 1.000 salários mínimos, o que gera R$ 136.000,00 a ser dividido entre os quatro recorrentes.

Isto posto, dá-se parcial provimento ao agravo nos termos acima.

RIZZATTO NUNES – Juiz Relator

 


FONTE:  www.beabadoconsumidor.com.br

 

 

Exceção de pré-executividade

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Des. Moacir Leopoldo Haese

Quando do recebimento da petição inicial da execução, é da atividade saneadora do Juiz examinar se estão presentes seus requisitos, verificando da existência de título executivo hábil, da legitimidade ativa e passiva das partes exeqüente e executada, e da presença dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade do título. Sua ausência implica em indeferimento da inicial face à carência da execução.

Caso escape ao exame do magistrado a presença de vício que macule a execução e impeça a formação de uma relação processual válida, considerada a violência a que é submetido o executado pela realização dos atos executórios, no caso, injustos e ilegais, porquanto sem título hábil, tem admitido a doutrina e a jurisprudência a interposição de Exceção de pré-executividade a fim de que o devedor possa truncar essa execução ilegal, sem submeter-se à violência da constrição. Trata-se de saudável construção que os processualistas pátrios engendraram para propiciar ao coagido pela execução irregular resistir aos atos executórios, trazendo à apreciação do juízo as nulidades que maculam o procedimento executivo.

Nesse sentido a manifestação de alguns dos maiores processualistas pátrios, muitos dos quais abrilhantaram os Tribunais gaúchos:

Ensina PONTES DE MIRANDA:

"Uma vez que houve alegação que importa oposição de exceção pré-processual ou processual, o Juiz tem de examinar a espécie e o caso, para que não cometa a arbitrariedade de penhorar bens de quem não estava exposto à ação executiva’ (PONTES DE MIRANDA, “Dez Anos de Pareceres”, 1975, IV/138).

O mestre GALENO LACERDA ensina com sua objetividade e clareza habituais:

 ‘Quando, em face de uma situação concreta, a interpretação e a aplicação literal da lei conduzem ao absurdo, deve o Juiz buscar outra exegese, porque o ilogismo e a aberração jurídica jamais estiveram nas cogitações do legislador e na finalidade objetivada norma. Assim, se o atual CPC exige, no art. 737, I, a segurança prévia do juízo pela penhora, para admissibilidade dos embargos do executado, claro está que a regra pressupõe execução normal com obediência dos pressupostos da ação executória. Se esses pressupostos ou condições inexistem, ou ocorre grave suspeita em tal sentido, constituiria violência inominável impor-se injustamente ao executado o dano, às vezes irreparável, da penhora prévia, ou, o que é pior, denegar-lhe qualquer possibilidade de defesa se, acaso, não possuir bens penhoráveis suficientes. Se se aceitar tal absurdo, qualquer empresa ou pessoa de bem estará exposta à sanha de aventureiros. Basta que contra ela forjem um título falso, de alto valor, acima do patrimônio da vítima, para que Ihe tolham toda e qualquer oportunidade de defesa, pela insuficiência da penhora’ (Galeno Lacerda – Execução de Título Extrajudicial e Segurança do Juízo,Revista AJURIS, 23/7). )

O ilustre doutrinador e juiz ARAKEN DE ASSIS endossa a posição daqueles que sustentam não ser necessária a segurança do juízo para alegação da existência de vícios que impeçam o seguimento da execução:

“Os pressupostos de desenvolvimento válido e regular da relação processual submetem-se a um exame prévio de ofício pelo Juiz ao despachar a petição inicial (…).‘Em que pese a delibação de ofício, o devedor pode, desobrigado das exigências de aforamento dos embargos (art. 737, I e II, do CPC), após a citação, impugnar a deficiência. O Juiz mandará o credor emendar a inicial ou, silente este ou irreversível o vício, indeferirá a peça vestibular’ (Comentários, Lejur, 1985, IX/35-36).

“Os poderes de direção do processo assegurados ao Juiz pelo ordenamento processual autorizam a rápida extinção da execução viciada. Parece induvidoso que ao Juiz, como comandante do processo judicial, lícito será o indeferimento de qualquer medida que se revele descabida” (A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – Luiz Edmundo Appel Bojunga – Revista AJURIS, VOL.45, P.155 -).

Assim ensina Humberto Theodoro Júnior:

‘É verdade que o Juiz, na execução, não age mecanicamente como um simples cobrador a serviço do credor. Sendo a execução parte integrante da jurisdição, que corresponde ao poder dever de realizar concretamente a vontade da ordem jurídica através do processo para eliminar uma situação litigiosa, é claro que a atividade executiva jurisdicional está subordinada a pressupostos de legalidade e legitimidade. E, por conseguinte, antes de autorizar a agressão patrimonial contra o devedor, terá o Juiz de verificar a satisfação desses requisitos jurídicos, praticando uma cognição e fazendo acertamento sobre eles’ (Processo de Execução, 1983, p. 463).

“Dispõe o art. 618, I, do CPC, que é nula a execução se o título executivo não for líquido, certo e exigível. Na falta de um destes requisitos nem de título executivo se tratará. No entanto, muitas vezes, sentenças ilíquidas, ou de forma teratológica, liquidadas pelo ansioso credor, iniciam uma execução viciada. Demais matérias relativas àqueles pressupostos do processo de conhecimento, também comuns ao processo executivo, deverão ser conhecidas de ofício pelo Juiz e sobre elas não ocorrerá preclusão. No processo de execução, mesmo não sendo expressamente referido pela lei o momento a partir do qual elas deveriam ser alegadas, nada impede que sejam avaliadas pelo magistrado através de informação do executado. Algumas vezes, na inexistência da previsão legal da exceção de pré-executividade, alguns devedores, premidos por execução viciada, lançaram mão do mandado de segurança como no Mandado de Segurança n. 41.151 julgado pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido Relator o Des. Oscar Gomes Nunes, cuja ementa restou assim redigida: ‘De decisão judicial insuscetível de ser atacada por recurso previsto nas leis processuais, ou modificada por via de correição, cabe mandado de segurança. Não tendo o devedor sido ouvido sobre o cálculo de liquidação, nem este sido homologado por sentença, a instauração da execução, com citação para pagar em 24 horas, sob pena de constrição judicial de bens, caracteriza ofensa a direito líquido e certo. Segurança concedida’ – TJRGS, 94/271-72 ( art.cit.Revista AJURIS, VOL.45, P.155).

A. MENDONÇA LIMA registra magistral lição que não deve ser esquecida:

 ‘A execução nula é um mal para o devedor, porque o perturba inutilmente, embora sem vantagem final para o credor, no momento em que a nulidade for declarada. Se é viciadamente movida, pode prejudicar o devedor, moral e economicamente, em seus negócios, inclusive sujeitando-o ao ônus de ter de embargar, se o Juiz, ex officio, não houver trancado o processo, indeferindo o pedido’ (Comentários, Forense, 1974, vol. Vl, Tomo Il. n. 1.485).

Preleciona o eminente advogado e professor Edmundo Appel Bojunga em seu excelente artigo publicado na REVISTA AJURIS, de onde transcrevemos algumas das citações doutrinárias:

“Assim, a alegação de nulidade, vícios pré-processuais e processuais que tornam ineficaz o título executivo, judicial ou extrajudicial, devem ser suscitados através da exceção de pré-executividade, antes mesmo ou após a citação do executado. A penhora e o depósito já são medidas executivas e não podem ser efetivadas quando não existir ou não for eficaz o título que embasa o processo executório. Devo perfilhar a posição adotada por Galeno Lacerda (op. Cit. p. 14) ao divergir de Pontes quanto ao momento do oferecimento da exceção. Como os pressupostos processuais devem ser observados e decretados de ofício pelo magistrado, a matéria não se subordina aos efeitos da preclusão, podendo a alegação através da exceção de pré-executividade ser oferecida desde o ajuizamento da ação executiva" ( “A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE” – Luiz Edmundo Appel Bojunga – Revista AJURIS, VOL.45, P.155)

Essa orientação vem sendo acolhida nos Tribunais do País, desde o extinto Tribunal de Alçada, como no Tribunal de Justiça e outros Tribunais Estaduais e do Distrito Federal, já sacramentada pelo Superior Tribunal de Justiça:

Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul RECURSO: AGI NÚMERO: 197158520 DATA: 26/11/1997 ÓRGÃO: Terceira Câmara Cível RELATOR: Gaspar Marques Batista ORIGEM: Porto Alegre PROCESSO DE EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Não ha dúvida de que cheque e titulo executivo extrajudicial tipificado na lei respectiva e no inciso I do artigo 585 do CPC. Nessa conformidade, a exceção de pré-executividade só e cabível quando manifesta a inexecutividade do documento, seja por ausência das próprias condições da ação ou por evidente nulidade da execução, circunstancia que não e o caso dos autos.

Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul RECURSO: AGI NÚMERO: 197112626 DATA: 30/10/1997 ÓRGÃO: Segunda Câmara Cível RELATOR: Marco Aurélio dos Santos Caminha ORIGEM: Gravataí NOTA DE CREDITO COMERCIAL. EXECUÇÃO. exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Títulos que não apresentam certeza e liquidez a primeira vista não ensejam processo de execução e sua argüição pode ser feita via exceção de pré-executividade. Nota de Credito Comercial, desacompanhada de histórico claro da divida, desde seu nascedouro não enseja processo de execução. Exceção de pré-executividade acolhida. Execução extinta. Agravo provido.

Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul RECURSO: AGI NÚMERO: 197220080 DATA: 11/12/1997 órgão: Quinta Câmara Cível RELATOR: Márcio Borges Fortes ORIGEM: Porto Alegre AGRAVO. exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Admite-se que o executado venha a Juízo por meio da denominada exceção de pré-executividade quando quiser discutir a qualidade do documento em que se funda a execução como titulo executivo extrajudicial. AGRAVO PROVIDO.

RECURSO : AGI NUMERO : 196035695 DATA : 16/05/1996 órgão : Quarta Câmara Cível RELATOR : Moacir Leopoldo Haeser ORIGEM : Porto Alegre exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Cabe o oferecimento da exceção quando alegada ausência ou nulidade do titulo e da execução, sendo as condições da ação matéria apreciável de oficio pelo magistrado. Precedentes jurisprudenciais. AGRAVOS PROVIDOS.DECISÃO : Dado provimento. Unânime.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO Grande do Sul – APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70004046553, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, , RELATOR: DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK, JULGADO EM 12/06/02) – exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. A DENOMINADA exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, CONSTRUÇÃO PRETORIANA E NÃO PREVISTA EXPRESSAMENTE EM LEI, TEM CABIMENTO NAS HIPÓTESES EXCEPCIONALÍSSIMAS E RESTRITAS DE FLAGRANTE INEXISTÊNCIA OU NULIDADE DO TITULO EXECUTIVO, BEM ASSIM NAS hipóteses REFERENTES A FLAGRANTE FALTA DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E/OU CONDIÇÕES DA AÇÃO. MATÉRIA RELATIVA A PRESCRIÇÃO, QUE INDEPENDE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA, PELOS MESMOS PRINCÍPIOS PODE E DEVE SER APRECIADA EM SEDE DE exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. SOMENTE APOS ESGOTADAS TODAS AS POSSIBILIDADES DE COBRANÇA CONTRA A DEVEDORA PRINCIPAL E QUE PODE O ESTADO VOLTAR-SE CONTRA OS SÓCIOS, RESPONSÁVEIS SUBSIDIÁRIOS (ART. 135, CTN). TENDO SIDO DECRETADA A FALÊNCIA DA EMPRESA E SENDO TAL FATO DO CONHECIMENTO DO ESTADO E DE SER RECONHECIDA A prescrição INTERCORRENTE, TENDO ELE REDIRECIONADO A execução CONTRA OS sócios, QUANDO JÁ TRANSCORRIDOS MAIS DE CINCO ANOS DO MOMENTO DA QUEBRA, COM CIÊNCIA INEQUÍVOCA DE QUE A FALIDA não TERIA COMO HONRAR COM O PAGAMENTO DO DEBITO. PRINCIPIO DA “ACTIO NATA” A PRESERVAR O DIREITO. VERBA HONORÁRIA. A VERBA HONORÁRIA E CONSEQÜÊNCIA DO DECAIMENTO, SENDO DEVIDA INCLUSIVE EM SEDE DE exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. APELAÇÃO não PROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.
Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo  ACÓRDÃO: 20235  PROCESSO: 0628889-1 Agravo de Instrumento  – 11ª Câmara – 17/08/1995  RELATOR: Ary Bauer  PUBLICAÇÃO: MF 9/NP – execução POR TITULO EXTRAJUDICIAL – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA execução  – exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – POSSIBILIDADE DE SUA ARGÜIÇÃO NOS PRÓPRIO AUTOS DA execução E não SOMENTE EM EMBARGOS DO DEVEDOR – DEFERIMENTO – RECURSO PROVIDO PARA QUE O JUIZ DECIDA FUNDADAMENTE A AÇÃO.

Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo 1011 – (1) MGE 1224  AI 552.264 – 8ª Câm. – Rel. Juiz RUY COPPOLA – J. 22.10.98 –  EXECUÇÃO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – ALEGAÇÃO QUE ATACA O PRÓPRIO TÍTULO EXECUTIVO – MATÉRIA QUE PODE SER ALEGADA A QUALQUER TEMPO –  ARGÜIÇÃO NOS PRÓPRIOS AUTOS  Admissível o oferecimento da exceção de pré-executividade quando a alegação ataca o próprio título executivo.
 
Tribunal de Justiça do Espírito Santo  PROCESSO: 24950127969 – DATA: 02/12/1997  DES. NIVALDO XAVIER VALINHO  AGRAVO DE INSTRUMENTO  ORIGEM: COMARCA DA CAPITAL – JUÍZO DE VITÓRIA   AGRAVO DE INSTRUMENTO – exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – TITULO EXECUTIVO  JUDICIAL – CABIMENTO. OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR GRAVADA POR CONDIÇÃO  SUSPENSIVA – IMPLEMENTO – INEXISTÊNCIA DE PROVAS – INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO – NULIDADE DA execução – ADMISSIBILIDADE DA EXCEÇÃO. AGRAVO  CONHECIDO E PROVIDO. CABE exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE EM FACE DE TITULO EXECUTIVO JUDICIAL,  DEVENDO SER ADMITIDA QUANDO A OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR SE ACHAR GRAVADA POR  condição SUSPENSIVA, CUJO IMPLEMENTO não FOI PROVADO PELO CREDOR POSTO QUE INEXIGÍVEL O TITULO EXECUTIVO E NULA A EXECUÇÃO. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO.

Tribunal de Alçada de Minas Gerais Acórdão nº 20971 Processo: 0259797-3 Segunda Câmara Cível 06/10/1999 – APRESENTADA exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, não FICA O EXECUTADO OBRIGADO A OFERECER BEM A PENHORA, ANTES DA APRECIAÇÃO DO SEU PEDIDO. – A PENHORA DA RENDA DEVE SER ANALISADA COM CAUTELA PARA EVITAR MAIORES DANOS AO EXECUTADO, CASO EM QUE O OFERECIMENTO ESPONTÂNEO DE IMÓVEL DEVE SER ACATADO.

Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro execução POR TITULO EXTRAJUDICIAL  EXCEÇÕES APELAÇÃO CÍVEL 8589/94 – Reg. 3131-1 Cod. 94.001.08589 PRIMEIRA CÂMARA (por maioria) – Juiz: NILTON MONDEGO DE CARVALHO LIMA – Julg: 01/08/95 – AUSÊNCIA DE TITULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PUBLICA. A ausência de titulo executivo extrajudicial, instruindo a ação de execução, constitui matéria a ser conhecida, de oficio, pelo juiz, ao proferir o despacho liminar, por se tratar de  matéria de ordem publica. não cumprindo o juiz a sua obrigação essencial, relativa à apreciação da falta de titulo, que pudesse embasar a execução, nada obsta a que a parte, apontada como devedora, ingresse nos autos respectivos e denomine a sua intervenção de exceção de pré- executividade, para argüir, independentemente de oferecimento de embargos, a nulidade do titulo. Conquanto a ação de execução seja processo fechado, em que o devedor e citado para pagar o debito, no prazo legal, ou nomear bens `a penhora, seria injustificável formalismo impedir que ele, através de simples petição, alerte o juiz para ausência do titulo, e, como conseqüência para a impossibilidade de prosseguimento da referida ação.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal PROCESSO: APELAÇÃO CÍVEL APC 4545797 DF ACÓRDÃO: 107123  órgão JULGADOR: 5a Turma Cível DATA: 03/11/1997 RELATOR: DÁCIO VIEIRA  Diário da Justiça do DF: 26/08/1998 Pág: 69 PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – NULIDADE DO TÍTULO.- Não apresentando o título executivo os seus requisitos essenciais de liquidez, exigibilidade e certeza, questionados que foram em razão de ação cautelar, cabível a argüição de inexecutoriedade através de exceção de pré-executividade.
 
Tribunal de Alçada do Paraná (AGRAVO DE INSTRUMENTO – 128000000 – CURITIBA – JUIZ CONV. KUSTER PUPPI – SEGUNDA CÂMARA CÍVEL – Julg: 09/12/98 – Ac.: 10729 – Public.: 05/02/99). execução DE TITULO EXTRAJUDICIAL. exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. QUESTÕES SUSCITADAS EM ANTERIORES EMBARGOS A EXECUÇÃO JÁ JULGADOS. PRECLUSÃO RECONHECIDA. DECISÃO MANTIDA.

Superior Tribunal de Justiça – AL(2002/0028587-1) DJM DATA:19/08/2002    PG:00181 Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110) 16/05/2002 – QUARTA TURMA PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. HIGIDEZ DO TÍTULO DISCUTIDA EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXISTÊNCIA DE EMBARGOS DO DEVEDOR QUE NÃO DEBATERAM A QUESTÃO ESPECÍFICA. COISA JULGADA INEXISTENTE. PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO DA AÇÃO. MATÉRIA CONHECÍVEL DE OFÍCIO. CPC, ART. 267, IV C/C § 3º. I. Em se tratando de matéria conhecível de ofício, como é o caso da alegada falta de higidez do título cobrado, pode ela ser objeto de exceção de pré-executividade, ainda que não suscitada, antes, em sede de embargos à execução. Coisa julgada inexistente. II. Nulidade da decisão decretada, para que seja examinada, em 1ª instância, o mérito da exceção apresentada. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.”

Embora se encontre, ainda, alguma resistência quanto à utilização da exceção, por não legalmente prevista, em favor da tese da necessidade de interposição de embargos, após seguro o juízo pela penhora, a verdade é que a criação doutrinária vem se impondo nos Tribunais, porquanto vê-se o juiz, constantemente, com situações tais em que a própria execução é uma violência contra o executado.

Em muitas ocasiões os danos podem se tornar irreparáveis caso não se estanque de pronto, uma execução indevida, cuja falta de condições havia inicialmente escapado ao magistrado ou existia circunstância obstativa que não lhe era conhecida.

Sem título executivo líquido, certo e exigível não há possibilidade de execução válida. Trata-se de condição da própria execução, o que deve ser verificado de ofício Juiz quando do recebimento da petição inicial, indeferindo-a. Se for aceita uma execução nula, sem os requisitos legais, cabível a interposição de Exceção de pré-executividade, independentemente de penhora e embargos para fulminar essa execução indevida, que não fica submetida ao fenômeno da preclusão, podendo ser interposta a qualquer tempo, respondendo o exeqüente pelos ônus sucumbenciais em razão da necessidade do executado vir a juízo defender-se.

 

Des. Moacir Leopoldo Haeser – Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e advogado em Santa Cruz do Sul(RS) e-mail moacirhaeser@viavale.com.br

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Contrato de factoring, qualificado como empréstimo bancário, tem os juros limitados

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DECISÃO:  TJ-RS  – Por unanimidade, a 19ª Câmara Cível do TJRS descaracterizou contrato de factoring firmado por Círio Administradora de Valores Ltda. com M & E Indústria e Comércio de Metais Ltda. Reconhecendo tratar-se de contrato de múto (empréstimo), o Colegiado determinou a limitação legal dos juros remuneratórios, em 12% ao ano, ou seja, 1% ao mês. Aplicaram o Código de Defesa do Consumidor porque a relação jurídica entre as partes, de natureza bancária, é de consumo.

A autora da ação M & E Indústria apelou da sentença, que julgou improcedente o pedido de revisão do contrato e limitação legal dos juros, fixados em 3,3770% ao mês. Segundo a apelante, o contrato de fomento – factoring ou faturização, na verdade é de empréstimo.

O relator do recurso, Desembargador Carlos Rafael dos Santos Júnior, ressalta que a definição legal de factoring “é a prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contar a pagar e receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços.”

O magistrado destacou não haver comprovação de que a negociação entre as partes se ajuste a um contrato de factoring. “Já que não existe nestes autos qualquer demonstração de que a faturizadora efetivamente tenha prestado ao autor serviços de administração ou gestão de créditos, assessoria mercadológica ou de qualquer natureza.”

Afirmou que a cobrança de comissão, sendo a diferença entre o valor do título e o recebido pelo faturizado, equivale à cobrança de juros remuneratórios em operações de empréstimos bancários. “Ambos têm o mesmo fim, isto é remuneração incidente sobre o capital.” Diante dessas circunstâncias, disse ser “possível a revisão dos contratos como se de mútuo – através do desconto de títulos – se tratasse.”

O Código de Defesa do Consumidor estabelece que as atividades de natureza bancária constituem prestação de serviços, sendo os bancos, por conseqüência, fornecedores. “Assim, aplicáveis às relações jurídicas de natureza bancária as regras da mencionada lei”, frisou o Desembargador Carlos Rafael.

A entidade bancária também não comprovou ter autorização do Conselho Monetário Nacional para a pactuação de juros de mercado, nos termos do artigo 4º, da Lei nº 4.595/64. Conforme o relator, esta norma confere ao CMN competência para limitar os juros cobrados pelas instituições financeiras. “Dito conselho não pode liberar, aumentar ou fixar em patamares superiores àqueles que a lei prevê”. Acrescentou, ainda, estar reservado, constitucionalmente, ao Congresso Nacional, legislar sobre matéria financeira.

Participaram do julgamento, no dia 25/9, os Desembargadores José Francisco Pellegrini e Mário José Gomes Pereira. Proc. 70020325619

  TJ-RS, 02 de outubro de 2007.

 

 


FONTE: