Home Blog Page 146

CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADOIndeferimento de prova testemunhal quando preposto desconhece os fatos não é cerceio de defesa

0

DECISÃO: *TRT-MG – Acompanhando voto do desembargador Ricardo Antônio Mohallem, a 9a Turma do TRT-MG rejeitou pedido de nulidade da decisão de 1o Grau, feito pela ré, que alegou cerceamento de defesa porque o juiz indeferiu a produção de prova testemunhal. 

O relator esclareceu que o indeferimento da prova testemunhal nem sempre configura cerceamento de defesa ou nulidade, pois o juiz detém ampla liberdade na condução do processo, cabendo-lhe, por conta própria ou a requerimento das partes, determinar as provas necessárias e indeferir as inúteis. Ou seja, a necessidade da prova é que deve ser avaliada. Se há no processo elementos suficientes para que o juiz chegue a uma conclusão, a prova deve ser indeferida. “É ato privativo do juiz apreciar a admissibilidade das provas propostas, pois a este compete conduzir o feito, objetivando o conhecimento da verdade”- ressaltou.

Analisando o caso, o desembargador destacou que o preposto declarou em audiência o desconhecimento total de fatos relevantes para a solução do processo, como remuneração do trabalhador, período de prestação de serviços ou se a empresa ressarcia as despesas operacionais realizadas pelo empregado. Assim, no entender do magistrado, ouvir testemunhas era mesmo desnecessário, pois a ignorância do preposto em relação a questões tão importantes leva à aplicação da confissão ficta, não caracterizando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores, conforme disposto na parte final do item II, da Súmula 74, do TST.

“Houve oportunidade para a reclamada se defender e apresentar provas, desprezadas pela própria postura do preposto em audiência. Não pode o preponente que não contribuiu para elucidação dos fatos pretender, posteriormente, a anulação de sentença que lhe foi desfavorável”- concluiu o relator.  (RO nº 00206-2009-069-03-00-0)


FONTE:

 

 

TRT-MG, 21 de outubro de 2009

SÁUDE É DIREITO DE TODOS E OBRIGAÇÃO DO ESTADOPara TJ-SC, saúde é direito de todos e uma obrigação do Estado

0

DECISÃO: *TJ-SC  A 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, em matéria sob relatoria do desembargador Newton Trisotto, confirmou sentença da Comarca de Laguna que condenou o Estado de Santa Catarina a fornecer à Cleusa Guedes Gobato o exame médico eletroneuromiografia em membro inferior, além de oferecer serviços de saúde adequados, eficientes e seguros, suprindo todas as suas necessidades, inclusive a continuidade do tratamento médico.

Segundo os autos, Cleusa sofre de alterações dos nervos periféricos devido a uma doença degenerativa que compromete seus nervos e músculos e precisa realizar este exame para iniciar o tratamento adequado para sua doença.

Porém, este exame custa caro e, neste momento, ela não tem condições para realizá-lo. Condenado em 1ª Grau, o Estado apelou ao TJ. Sustentou que Cleusa não demonstrou em nenhum momento que fez o pedido administrativo para a obtenção do exame, bem como dentro das políticas sociais de atendimentos está a atenção voltada para os mais necessitados, pessoas sem emprego, sem salário, não podendo o Estado atender a todos no fornecimento de todo medicamento ou exame, sob pena de inviabilizar o próprio Sistema de Saúde, em detrimento de apenas uma pessoa.

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário e às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, afirmou o relator do processo, desembargador Newton Trisotto. A decisão da Câmara foi unânime. (Apelação Cível n.º 2008.046156-3)


FONTE: TJ-SC, 22 de outubro de 2009

DIREITO PERSONALÍSSIMODireito a pensão alimentícia não pode ser transmitido de filha a genitora

0

DECISÃO: *TJ-MT  –    A Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso não acolheu recurso interposto por uma mãe e manteve sentença de Primeira Instância que, nos autos de uma ação de execução por quantia certa, acolhera a preliminar de ilegitimidade ativa sob o argumento de que os alimentos, direito personalíssimo, são irrenunciáveis, indisponíveis e intransmissíveis. No entendimento dos magistrados de Segundo Grau, é patente a impossibilidade de cessão de tais créditos, ainda que por escritura pública, e, por conseguinte, também é clara a ilegitimidade de terceiro pleiteá-los via execução.  

No pedido, a apelante aduziu que a situação em caso não se trataria de transmissão ou renúncia de verba alimentar, mas sim de cessão de créditos alimentares não adimplidos pelo apelado em favor de suas duas filhas em comum, com caráter indenizatório, cuja finalidade seria compensar os gastos que ela, sozinha, despendeu com as duas filhas, já que o executado teria deixado de arcar com as despesas que constituíam sua obrigação na condição de genitor quando da separação do casal. Requereu a anulação da sentença e o prosseguimento da execução.

A relatora do recurso, desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas, cujo voto foi acompanhado à unanimidade pelos desembargadores Antônio Bitar Filho (revisor) e Donato Fortunato Ojeda (vogal), explicou que o apelo não merecia provimento. Conforme a magistrada, a ação de execução de alimentos proposta em 1994 foi julgada extinta pela falta de interesse em agir, tendo em vista que as filhas do casal, maiores de idade e casadas, ou seja, não mais representadas pela apelante, renunciaram expressamente os créditos alimentares em favor da genitora. Desse modo, a apelante propôs uma ação de execução em 2007 com intenção de receber as parcelas pretéritas devidas pelo apelado, cedidas pelas filhas por meio de escritura pública, cujo valor corresponderia a R$ 14 mil. Contudo, o Juízo de Primeira Instância acolheu a preliminar de ilegitimidade ativa suscitada pelo apelado e extinguiu o feito sem resolução do mérito.

A desembargadora explicou que, embora a apelante defenda a possibilidade de cessão de créditos alimentares, o artigo 286 do Código Civil dispõe expressamente que o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. “E a respeito da natureza da obrigação alimentar sabe-se que envolve direito personalíssimo, não admitindo, assim, cessão, compensação ou transação, tampouco restituição”, assinalou a relatora, ao destacar o artigo 1.707 do CC, que veda a renúncia ao direito a alimentos.

Assim, observou a desembargadora Maria Helena Póvoas, não poderiam as filhas do casal terem cedido seus créditos alimentares à mãe, pois nem a renúncia e tampouco a cessão são permitidas pelo Direito Pátrio, sendo ambas, inclusive, expressamente vedadas.


FONTE: TJ-MT, 20 de outubro de 2009

ERRO EM DIAGNÓSTICO GERA INDENIZAÇÃODF terá que indenizar ex-paciente por erro em diagnóstico de HIV

0

DECISÃO: * TJ-DFT – O Distrito Federal terá que indenizar em R$ 10 mil um ex-paciente do Hospital Regional do Gama que foi diagnosticado erroneamente como portador do vírus HIV e, durante quase dois meses, recebeu tratamento para combater a doença. A decisão é do juiz da Segunda Vara da Fazenda Pública do DF e cabe recurso.

O ex-paciente alega que, no dia 29 de setembro de 2003, foi internado no Hospital Regional do Gama com dificuldades de locomoção e nervosismo. Segundo ele, na unidade de saúde, recebeu diagnóstico de etilismo, desnutrição, problemas neurológicos, sequela psiquiátrica irreversível, catarata e presença do vírus HIV.

Relata que após receber alta, em novembro de 2003, deixou o hospital ainda com dificuldade para locomover-se, mas a médica responsável pelo seu atendimento solicitou novos exames apenas cinco meses depois, quando foi constatada a ausência do vírus. O autor afirma ainda que sua esposa faleceu, vítima de um derrame provocado pelo estresse causado pela notícia da doença.

Na contestação, o Distrito Federal reconheceu que o ex-paciente esteve em tratamento no Hospital Regional do Gama no período, conforme foi relatado. Ressalta que o autor recebeu todo o tratamento necessário. Realizados exames, foi constatada a presença do HIV, fato comunicado com respeito e dignidade.

O DF afirmou ainda que a contraprova foi realizada para confirmar o diagnóstico, mas o teste verificou que o autor nunca foi portador do vírus HIV. Afirma que seus agentes procederam conforme as regras do Ministério da Saúde. Nega que tenha praticado ato capaz de causar prejuízo moral ao autor e que ministrou técnicas médicas aptas a recuperação de sua saúde.

Na sentença, o magistrado destacou que a indenização, devida a título de dano moral, é matéria que exige especial atenção do julgador, principalmente porque a extensão da dor sofrida não pode ser objetivamente quantificada. O juiz julgou procedente o pedido para condenar o réu a pagar a indenização pelo dano moral causado ao autor.  Nº do processo: 2007.01.1.053334-7


FONTE: TJ-DFT, 23 de outubro de 2009

IMUNIDADE PROFISSIONAL NÃO É ABSOLUTAAdvogada é responsabilizada por reforçar, em defesa, boato contra magistrado

0

DECISÃO: *STJ – A imunidade profissional garantida pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não isenta os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo. Com esse argumento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação de uma defensora pública do Rio de Janeiro acusada de ofender a honra de um magistrado local. Ela assinalou, em defesa, que havia rumores na cidade de que determinado magistrado atuaria de forma venal e acabou por reforçar os comentários.

A defensora atuava em favor de um oficial de justiça em processo administrativo que tramitava na Corregedoria-geral de Cabo Frio, litoral norte fluminense, e fundamentou sua defesa no argumento de que nem sempre a existência de fofocas resulta em sindicância. “O juiz X teve o nome achincalhado na cidade com boatos de que seria um juiz venal, boatos esses que se disseminaram de tal maneira pela sociedade cabo-friense, não sendo possível sequer identificar a origem dos mesmos”, afirmou. “Certamente o referido magistrado nunca respondeu à sindicância por esses rumores”, concluiu.

A defesa do magistrado alegou que a existência de boatos difamantes ganhou credibilidade por ter sido feito por uma defensora no curso de um processo, mesmo que administrativo. A defensora alegou que não teve o intuito de macular a imagem do juiz, mas tão somente explicitar a existência de boatos que diziam respeito unicamente à discussão da causa.

A sentença de primeiro grau, confirmada pelo Tribunal estadual, impôs uma condenação de R$ 30 mil, quantia que, em valores atuais, superava o montante de R$ 65 mil. O STJ, no entanto, reduziu esse valor para R$ 10 mil, valor considerado razoável, segundo a maioria dos ministros da Quarta Turma. “A inviolabilidade do defensor não é absoluta, estando adstrita aos limites da legalidade e da razoabilidade”. Ficou vencido o ministro João Otávio de Noronha, para quem não houve dano moral na defesa.

O relator da matéria, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que, apesar de ter havido dano à honra, duas circunstâncias devem ser sopesadas. Ainda que o caso tenha ganhado divulgação devido a posteriores representações administrativas e ações judiciais movidas contra a defensora, vale repetir que, “de qualquer modo, o caráter sigiloso do procedimento não é uma permissão para a prática de ofensas, há de se ter em mente que a conduta da ré ocorreu em processo administrativo, sem publicidade no Diário Oficial”. Em segundo lugar, continua o ministro, a agressão ao juiz decorreu de referência a boatos a envolver seu nome.


FONTE: STJ, 21 de outubro de 2009

 

LEGITIMIDADE ATIVA NA AÇÃO ALIMENTARMãe ganha direito de pedir em nome próprio alimentos em favor de filhos

0

DECISÃO: * STJ – É possível à mãe pedir, em nome próprio, alimentos em favor de filhos menores. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e foi tomada em um recurso apresentado pelo pai das crianças. A defesa dele sustentava, entre outras questões, ilegitimidade da mãe para agir em nome dos filhos. A discussão judicial começou em uma ação de dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens e fixação de alimentos. O pedido foi julgado parcialmente procedente pela justiça de origem.

Segundo a decisão da Terceira Turma do STJ, é realmente dos filhos a legitimidade ativa para propor ação de alimentos, devendo os pais representá-los ou assisti-los conforme a idade. Contudo, a formulação do pedido em nome da mãe não anula o processo, apesar da má-técnica processual, pois está claro que o valor se destina à manutenção da família. “O pedido está claramente formulado em favor dos filhos”, assinalou a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi. “E esse entendimento traz como suporte o interesse público familiar que está na obrigação de prestar alimentos”.

O dever de sustento, guarda e educação dos filhos, de acordo com a Turma é, em princípio, de ambos os cônjuges, e vem sendo cumprido de maneira direta pela mãe dos menores a quem coube a guarda após a dissolução da união estável.“Naturalmente o direito aos alimentos, reconhecido pelo acórdão não é titularizado pela mãe, mas por cada um dos filhos a quem ela representou e, assim, eventual execução decorrente do seu inadimplemento deverá ser movida pelo titular, ou seja, por cada um dos seus filhos pessoalmente”, prosseguiu a ministra.

A Terceira Turma reiterou que a maioridade do filho menor atingida no curso do processo não altera a legitimidade ativa para propor a ação, ainda mais quando a jurisprudência do STJ impossibilita a exoneração automática do alimentante por ocasião da maioridade do filho. “Para que a exoneração se configure é necessária a propositura de ação específica com esse fim, ou ao menos abertura do contraditório para a discussão específica da matéria na ação de alimentos”, esclareceu a relatora. A circunstância isolada da maioridade, para a Turma, não justifica anulação do julgado.


FONTE: STJ, 22 de outubro de 2009

Solidariedade do MST

0

* João Baptista Herkenhoff

A nosso ver, o MST é o mais importante movimento social do Brasil contemporâneo.

O MST nasceu em 1984, por iniciativa de trabalhadores rurais ligados à Igreja Católica.

Segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra), órgão ligado a um elenco de Igrejas cristãs, existem, atualmente, cerca de 300 mil famílias vivendo sob o abrigo de tendas de plástico junto às rodovias.

Trabalhadores acampados revelam apenas a face militante do grito de Justiça do MST.

Se aprofundamos no exame dos dados existentes, a situação real é bem mais dramática.

O Brasil possui 600 milhões de hectares de terra cultiváveis. Entretanto, 2% de proprietários rurais são donos de 48% das terras agriculturáveis. Há latifúndios com extensão superior ao território de países como a Holanda e a Bélgica.

Segundo dados do Atlas Fundiário do INCRA, “existem 3.114.898 imóveis rurais cadastrados no país que ocupam uma área de 331.364.012 hectares. Desse total, os minifúndios representam 62,2 % dos imóveis, ocupando 7,9 % da área total. No outro extremo verifica-se que 2,8 % dos imóveis são latifúndios que ocupam 56,7 % da área total.”

Em cima desses dados, conclui a CPT:  “Lamentavelmente, o Brasil ostenta o deplorável título de país com o quadro de segunda maior concentração da propriedade fundiária, em todo o planeta.”

Um terço da população brasileira vive abaixo da linha de pobreza, com renda mensal inferior a 60 dólares. Um oitavo do povo vive abaixo da linha da indigência, com renda mensal inferior a 30 dólares.

Grande parte desses excluídos foram expulsos do campo:

a) por força dos latifúndios que ampliam seus domínios;

b) como consequência das barragens que são construídas sem qualquer atenção àqueles que são removidos do seu chão;

c) e finalmente por causa de juros bancários extorsivos que transformam o pequeno proprietário rural de ontem no homem sem referência e sem horizontes de hoje, a perambular pelas ruas da cidade, ou a buscar a retomada do sonho de viver, nos acampamentos dos trabalhadores sem terra.

A Confederação Nacional da Indústria encomendou uma pesquisa sobre os sentimentos do povo, em relação ao MST. O grau de aceitação e aprovação do MST, no seio da opinião pública, merece nossa atenção:

85% dos respondentes apoiavam as ocupações de terra, desde que sem violência e mortes;

94% consideravam justa a luta do MST pela reforma agrária;

77% encaravam o MST como um movimento legítimo;

88% disseram que o Governo deveria confiscar as terras improdutivas e distribuí-las aos sem-terra.

As marchas do MST, a meu ver, são marchas de luta pela Justiça, são marchas cívicas de salvação nacional.

Quando assusta a migração do campo para a cidade, num país que, por sua imensa extensão territorial, tem vocação agrícola, o que o MST pretende é a migração da cidade para o campo.

Vejo um traço de poesia nessa trajetória: migram da desesperança para a Esperança, da exclusão para a inclusão, da condição de apátridas do abandono social para a condição de construtores da Pátria Mãe gentil de todos nós.

Temos de repelir a ideia falsa e preconceituosa que tenta indigitar o MST como “inimigo social”, confundindo uma luta legítima, que deve merecer nosso apoio e simpatia, com um motim de desordeiros.

Da mesma forma merece esclarecimento a ideia às vezes corrente de que a reforma agrária repartiria a pobreza no campo. Os fatos levam a conclusões diametralmente opostas.

Colocou muito bem o “Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo”:

“Com todas as adversidades, a agricultura familiar responde hoje por 80% do abastecimento dos produtos que compõem a cesta básica e emprega quase 90% da mão-de-obra no campo.

A pequena propriedade gera um emprego a cada 5 hectares enquanto o latifúndio precisa de 223 hectares para gerar um emprego. (…) Dado o desemprego e a deterioração da qualidade de vida nos centros urbanos brasileiros, a vida nas cidades fica cada vez mais insustentável. Neste contexto, a reforma agrária é um elemento central de um novo rumo para o desenvolvimento no Brasil.”

 


 

 

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, magistrado aposentado, membro emérito da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, palestrante e escritor. Autor do livro Movimentos Sociais e Direito. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Atuação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União

0

* Kiyoshi Harada 

Examinaremos neste artigo questão concernente à possibilidade ou não de o membro do Ministério Público comum ser designado para atuar junto a Corte de Contas, matéria bastante controvertida encontrando defensores em sentido positivo e em sentido negativo.

A leitura dos artigos 128 e 130 da CF contribui para o deslinde da questão:

    “Art. 128- O Ministério Público abrange:

    I -o Ministério Público da União que compreende:

    1.o Ministério Público Federal;

    2.o Ministério Público do Trabalho;

    3.o Ministério Público Militar;

    4.o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

    II -os Ministérios Públicos dos Estados”.

    Art. 130- Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura”.

Como se vê, não há referencia ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas.

Tanto o rol do art. 128 da CF é taxativo que o art. 130 prescreveu que aos membros do Ministério Público que atuam junto as Cortes de Contas aplicam-se as disposições concernentes à seção I, relativa ao Ministério Público em geral no que se refere a direitos, vedações e forma de investidura.

Daí a conclusão de que se trata de Ministério Público especial, que atua exclusivamente junto ao Tribunal de Contas da União que, embora não estruturado na Constituição Federal, está reconhecido em seu art. 130, como vimos.

Na verdade, esse Ministério Público especial integra a Corte de Contas tanto quanto o auditor que atua junto à referida Corte.

De fato, dispõe o art. 73, § 2º da CF:

    Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo Território Nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no artigo 96.

    …………………………………………………

    § 2º. Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

    I -Um terço pelo Presidente da República, como aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo o critério de antiguidade e merecimento;

    II -Dois terços pelo Congresso Nacional”.

A leitura conjugada do caput e do § 2º leva à conclusão de que um terço dos Ministros do TCU são nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal. Porém, a escolha de dois deles deve, necessariamente, recair alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal.

Não bastasse a expressão “membros do Ministério Público junto ao Tribunal”, que difere dos membros do Ministério Público que atuam perante os Tribunais, como acontece com os membros do Parquet comum, o citado § 2º está a afirmar que esses membros do Parquet especial integram a estrutura do TCU à medida que eles ascendem ao cargo de Ministro da Corte fazendo parte integrante do corpo de nove Ministros.

Aliás, o STF já decidiu que o Ministério Público especial encontra-se na “intimidade estrutural” do TCU conforme Ementa abaixo:

    EMENTA- ADIN- LEI N. 8.443/92 – Ministério Público junto ao TCU- Instituição que integra o Ministério Público da União- Taxatividade do rol inscrito no art. 128, I, da Constituição – Vinculação administrativa à corte de contas – Competência do TCU para fazer instaurar o processo legislativo concernente à estruturação orgânica do Ministério Público que perante ele atua (CF, art. 73, Caput, In fine)- Matéria sujeita ao domínio normativo da legislação ordinária- enumeração exaustiva das hipóteses constitucionais de regramento mediante Lei Complementar- Inteligência da norma inscrita no art. 130 da Constituição – Ação Direta Improcedente.

    – O Ministério Público que atua perante o TCU qualifica-se como órgão de extração constitucional, eis que a sua existência jurídica resulta de expressa previsão normativa, constante da Carta Política (art. 73, § 2º, I, e art. 130), sendo indiferente para efeito de sua configuração jurídico-constitucional, a circunstância de não constar do rol taxativo inscrito no art. 128, I da Constituição, que define a estrutura orgânica do Ministério Público da União.

    – O Ministério Público junto ao TCU não dispõe de fisionomia institucional própria e, não obstante as expressivas garantias de ordem subjetiva concedidas aos seus Procuradores pela própria Constituição (art. 130), encontra-se consolidado na “intimidade estrutural”, dessa Corte de Contas, que se acha investida – até mesmo em função do poder de autogoverno que lhe confere a Carta Política (art. 73, caput, in fine) – da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente à sua organização, à sua estruturação interna, à definição do seu quadro de pessoas e à criação dos cargos respectivos.

    – Só cabe lei complementar, no sistema de crédito positivo brasileiro, quando formalmente reclamada a sua direção por norma constitucional explícita.

    – À especificidade do Ministério Público que atua perante o TCU, e cuja existência se projeta no domínio institucional absolutamente diverso daquele em que se insere o Ministério Público da União, faz com que a regulação de sua organização, a discriminação de suas atribuições e a definição de seu estatuto sejam passíveis de veiculação mediante simples lei ordinária, eis que a edição de lei complementar é reclamada, no que concerne ao Parquet, tão-somente para a disciplinação normativa do Ministério Público comum (CF, art. 185, § 5º).

    – A cláusula de garantia inscrita no art. 130 da Constituição não se reveste de conteúdo orgânico-institucional. Acha-se vocacionada, no âmbito de sua destinação tutelar, a proteger os membros do Ministério Público especial no relevante desempenho de suas funções perante os Tribunais de Contas. Esse preceito da Lei Fundamental da República submete os integrantes do MP junto aos Tribunais de Contas ao mesmo estatuto jurídico que rege, no que concerne a direitos, vedações e forma de investidura no cargo, os membros do Ministério Público comum”. (Adin nº 789-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19-12-1994, p. 3518).

A parte final do art. 73 da CF, que faz alusão ao art. 96, conduz ao entendimento de que cabe ao TCU a iniciativa para criação de cargos de Membros do Ministério Público especial, bem como prover esses cargos por concurso de provas, ou de provas e títulos.

A Lei orgânica do TCU, Lei nº 8.443, de 16-7-1992, em seu art. 80 prevê a forma de investidura nos cargos da carreira do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas composta de um Procurador-Geral, três Sub Procuradores-Gerais e quatro Procuradores. Conforme dispõe seu § 3º, o ingresso na carreira far-se-á no cargo de Procurador mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da OAB na sua realização.

As atribuições dos membros do Ministério Público especial não são as mesmas daquelas previstas para os membros do Parquet comum.

Suas atribuições limitam-se ao âmbito das matérias elencadas no art. 71 da CF. Nessas matérias abrangidas pelo citado artigo o membro do Ministério Público junto ao TCU não age como defensor dos interesses do Poder Executivo, tarefa cabente aos membros da Advocacia-Geral da União ou da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional conforme o caso, mas como o fiscal da lei visando a defesa dos interesses da Administração e do Erário. Sequer tem competência para promover a execução de débito ou multa imposta pelo TCU que, nos termos do § 3º, do art. 71, da CF tem eficácia de título executivo.

Porém, o estreitamento do âmbito de atuação do Parquet especial em relação aos membros do Ministério Público comum não significa, em hipótese alguma, minimizar o importante papel que ele desempenha. Basta simples exame ocular das atribuições do TCU, previstas nos onze incisos do art. 71 da CF, para aquilatar a necessidade de grande preparo técnico- profissional de quem atua junto à Corte das Contas. Requer conhecimentos profundos de direito constitucional, de direito administrativo, de direito financeiro, além das noções de economia e de administração pública.

Por força do disposto no art. 75 da CF os Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios devem observar as normas que regem a organização, composição e fiscalização do TCU naquilo que for aplicável.

Segue-se que devem existir membros do Ministério Público especial organizados em carreira para atuarem junto às Cortes de Contas Estaduais e Municipais.

Contudo, na prática, o que existe são os membros da Procuradoria-Geral do Estado e membros da Procuradoria-Geral dos Municípios atuando perante as Cortes de Contas respectivas. Nada impede que integrantes dessas carreiras defendam os interesses do Poder Executivo perante os Tribunais de Contas. Porém, é preciso que se criem os cargos inerentes à carreira de Parquet especial para que seus membros passem a atuar junto a Corte de Contas na condição de fiscais da lei e no interesse da Administração e na salvaguarda do Erário. Deve esse órgão ministerial específico intervir, também, sempre que estiver ante um interesse individual indisponível tutelado pelo Estado, como acontece nos casos em que estão envolvidos pagamentos de justo valor dos proventos ou das pensões.

Recentemente, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tomou a iniciativa de lei para criar os cargos de carreira do Ministério Público especial para atuar junto à Corte de Contas estando o projeto legislativo em discussão na Assembléia Legislativa.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Kiyoshi Harada:  Jurista e sócio do escritório Harada Advogados Associados

Inversão do ônus da prova no CDC: Matéria de instrução ou regra de julgamento?

0

* Thiago Luiz Pacheco de Carvalho

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, VIII, autoriza que o magistrado inverta ope judicis o ônus da prova nas demandas que versem sobre relações de consumo, em duas hipóteses, a saber: quando verossímil a alegação do consumidor, consoante as regras ordinárias de experiência; ou quando o consumidor for hipossuficiente. [1]

 

Como leciona Fredie Didier Jr., “em ambos os casos, a inversão é sempre um critério do juiz, que deverá considerar as peculiaridades de cada caso concreto”. [2] Pois, caberá a cada magistrado – analisando caso a caso – a verificação da presença dos pressupostos legais ensejadores da inversão do ônus da prova em prol do consumidor.

 

Assim, tem-se que o instituto processual da inversão do ônus probante serve para facilitar a defesa do consumidor e, por consequência, onerar a defesa do fornecedor.

 

Fazendo-se uma análise prévia do instituto, parece plausível imaginar que o fornecedor tem o direito de saber, já que não existe uma certeza legal, se a incumbência do ônus da prova é sua, ou não, antes mesmo que se proceda a instrução e o julgamento da demanda, a fim de que não haja o cerceamento do seu direito de defesa.

 

Nessa toada, vislumbra-se que, diferentemente do que ocorre com a regra de distribuição do ônus da prova, a regra de inversão do ônus da prova não corresponde a uma regra de julgamento, pois, caso assim se entendesse, poderia o fornecedor ter tolhido o seu direito à ampla defesa, na medida em que restaria encolhido o lapso temporal para que o mesmo providenciasse as provas suficientes à comprovação de seu direito. Destarte, cite-se o entendimento da doutrina a respeito do tema:

 

A regra de inversão do ônus da prova é regra de processo, que autoriza o desvio de rota; não se trata de regra de julgamento, como a que distribui o ônus da prova. Assim, deve o magistrado anunciar a inversão antes de sentenciar e em tempo do sujeito onerado se desincumbir do encargo probatório, não se justificando o posicionamento que defende a possibilidade de a inversão se dar no momento do julgamento, pois “se fosse lícito ao magistrado operar a inversão do ônus da prova no exato momento da sentença, ocorreria a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir um ônus ao réu, e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes existia”. Uma coisa é a regra que se inverte (a regra do ônus), outra é a regra que in verte (a da inversão do ônus). [3]

 

O juiz, ao receber os autos para proferir sentença, verificando que seria o caso de inverter o ônus da prova em favor do consumidor, não poderá baixar os autos em diligência e determinar que o fornecedor faça a prova, pois o momento processual para a produção dessa prova já terá sido ultrapassado. [4]

 

O juiz, ao inverter o ônus da prova, deve fazê-lo sobre fato ou fatos específicos, referindo-se a eles expressamente. Deve evitar a inversão do onus probandi para todos os fatos que beneficiam o consumidor, de forma ampla e indeterminada, pois acabaria colocando sobre o fornecedor o encargo de provar negativa absoluta, o que é imposição diabólica. [5]

 

Pelos entendimentos doutrinários acima expostos, se faz prudente concluir que a inversão do ônus da prova, em matéria de Direitos do Consumidor, deve ser entendida como matéria de instrução, haja vista que a declaração de inversão do ônus probante pelo juiz deve ser realizada antes mesmo da prolação da sentença, a fim de que o onerado disponha de tempo hábil para se desincumbir do encargo probatório.

 

Afinal, caso assim não se entenda, estar-se-á cometendo uma confusão entre as regras de distribuição do ônus da prova e de inversão do ônus da prova, pois, como dito, apenas aquela pode ser tida como regra de julgamento. A respeito, transcreva-se o entendimento da doutrina, nas palavras de Fredie Didier Jr.:

 

As regras do ônus da prova não são regras de procedimento, não são regras que estruturam o processo. O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. [6]

 

No que pertine ao momento processual adequado para que se efetive a inversão do ônus probante em prol do consumidor, os apontamentos supra levam a um juízo de que a inversão do ônus da prova realizada no momento da sentença consiste em verdadeira armadilha processual, vez que ferirá os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, não sendo dadas às partes iguais condições de defesa dentro do processo.

 

Nesse sentido, a jurisprudência – em sua maioria – a respeito do tema leciona que a inversão do ônus da prova em favor do consumidor deve ser efetivada antes mesmo da instrução do feito, logo após o momento processual de requerimento das provas, sob pena de se causar indevido cerceamento do direito de defesa do fornecedor, in verbis: 

(omissis) 3. Determinada a inversão do onus probandi após o momento processual de requerimento das provas, deve o magistrado possibilitar que as partes voltem a requerê-las, agora conhecendo o seu ônus, para que possa melhor se conduzir no processo, sob pena de cerceamento de defesa. 4. Agravo regimental provido para conhecer em parte e prover o recurso especial. [7]

 

(omissis) Inconformismo da empresa ré com a decisão monocrática que deferiu a inversão do ônus da prova antes da citação. Desnecessidade de formulação do pedido pela inversão por parte dos autores para que o seja pelo Juízo condutor da instrução. Contudo, o deferimento deve se dar quando do saneamento, momento em que é fixado o ponto controvertido da lide e que se toma conhecimento acerca das provas que serão produzidas, sob pena de afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Manifesta comprovação acerca da violação ao devido processo de direito. Cerceamento de defesa. (omissis). [8]

Portanto, com base nos julgados acima colacionados, conclui-se que o momento processual mais adequado para que se efetive a inversão do ônus probante – em prol do consumidor – é quando da prolação do despacho saneador pelo magistrado, vez que esse é o momento em que se fixam os pontos controvertidos da lide e que se toma conhecimento das provas que serão produzidas, a fim de que não haja violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

 

 


 

NOTAS

[1] Artigo 6º da Lei Federal nº 8.078/90 (CDC): São direitos básicos do consumidor: (…) VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

[2] DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito Probatório, Decisão Judicial, Cumprimento e Liquidação da Sentença e Coisa Julgada. v. 2. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 80.

[3] DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito Probatório, Decisão Judicial, Cumprimento e Liquidação da Sentença e Coisa Julgada. v. 2. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 81.

[4] NERY JR, Nelson. Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1. p. 217.

[5] CAMBI, Eduardo. A Prova Civil. Admissibilidade e Relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 420

[6] DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito Probatório, Decisão Judicial, Cumprimento e Liquidação da Sentença e Coisa Julgada. v. 2. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008, p. 75.

[7] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Relator Ministro João Otávio de Noronha. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1095663/RJ. Acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 17/08/09. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=momento+invers%E3o+%F4nus+prova&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1> Data do acesso: 07/10/09.

[8] Brasil. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 13ª Câmara Cível. Relator Des. Sirley Abreu Biondi. Agravo de Instrumento nº 2008.002.16892. Julgamento ocorrido no dia 23/06/08. Disponível em: < http://srv85.tj.rj.gov.br/ConsultaDocGedWeb/faces/ResourceLoader.jsp?idDocumento=000313DA3D71A11322EA837B0817EEAFE80AB1C402092737> Data do acesso: 07/10/09.

Referências Bibliográficas:

 

·       Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Relator Ministro João Otávio de Noronha. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1095663/RJ. Acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 17/08/09.

·       Brasil. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. 13ª Câmara Cível. Relator Des. Sirley Abreu Biondi. Agravo de Instrumento nº 2008.002.16892. Julgamento ocorrido no dia 23/06/08.

·       CAMBI, Eduardo. A Prova Civil. Admissibilidade e Relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

·       DIDIER JR, Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito Probatório, Decisão Judicial, Cumprimento e Liquidação da Sentença e Coisa Julgada. v. 2. 2ª Ed. Salvador: Jus Podivm, 2008.

·       NERY JR, Nelson. Aspectos do Processo Civil no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

THIAGO LUIZ PACHECO DE CARVALHO: Advogado e Assessor Jurídico Municipal Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera/UNIDERP/LFG

 


 

Uma questão penitenciária. Crimes hediondos e progressão de regime

0

* Eduardo Luiz Santos Cabette

Sabiamente ensina um singelo dito popular que "a pior cegueira é a daquele que não quer ver". E como exsurge verdadeiro seu conteúdo, quando se verifica o infeliz e – por que não dizer – "hediondo" entendimento jurisprudencial que perdurou tanto tempo, inclusive no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão da progressão de regime nos casos abrangidos pela Lei 8072/90. Insistia-se em não enxergar a flagrante violação ao princípio da individualização da pena. Isso até o momento em que uma alteração na composição da corte constitucional brasileira possibilitou uma mudança, ainda que tardia, quanto ao entendimento da questão, declarando o regime integral fechado inconstitucional. Em seguida, surge a Lei 11.464/07, que adapta a Lei 8072/90 ao sistema constitucional, passando a permitir a progressão de regime, ainda que mediante regras mais restritivas do que nos casos que não envolvem crimes hediondos.

Superada, pelo menos até o surgimento de mais um diploma de "terrorismo penal", a questão da incompatibilidade do regime integral fechado predeterminado legalmente com o princípio da individualização da pena, é oportuna uma abordagem do tema sob o ponto de vista da harmonia e mesmo governabilidade do Sistema Prisional em confronto com essa espécie de restrição inconstitucional, visando quem sabe "abrir os olhos" daqueles que insistem em não enxergar os malefícios de um direito penal irracional, desenvolvido em afronta aos princípios básicos que o deveriam reger.

Mais do que qualquer aspecto, o problema da progressão de regime torna-se uma questão penitenciária.

É claro que a Lei dos Crimes Hediondos e outras correlatas não puderam pôr cobro e nem mesmo reduzir a criminalidade violenta (muito ao contrário). Seus efeitos foram funestos no Sistema Prisional, aumentando a tensão e o grau de violência internos nos estabelecimentos penitenciários (sentido lato, incluindo as Cadeias Públicas). Ensejaram o surgimento de uma categoria de presos que nada tinham a perder, presos estes os mais perigosos, o que possibilitou o surgimento de lideranças internas que conformaram verdadeiras organizações criminosas no próprio seio do Sistema Prisional erigido para conter a criminalidade. E este é um cancro que demorará muito para ser curado, se é que um dia o será.

O aumento vertiginoso da superlotação, as rebeliões que se tornaram uma constante no cotidiano desses estabelecimentos, foram continuamente minando a legitimidade do Estado ao impor a pena privativa de liberdade, pois que esta não traduzia qualquer ação concreta que não fosse no sentido de deteriorar, ainda mais, o delinquente. Por consequência, não havia proteção da sociedade nem a longo, nem a curto prazo. A longo prazo, o egresso retornava ao seio social mais empedernido e perigoso. A curto prazo, as constantes rebeliões colocavam, dia a dia, em perigo a incolumidade dos próprios presos, dos funcionários, da população e do patrimônio público.

Os motins e fugas logicamente não foram motivados somente pela eliminação do Sistema Progressivo nos Crimes Hediondos. No entanto, este foi certamente um fator importantíssimo no fomento dessas condutas. Qualquer um que tenha tido contato com o Sistema Prisional na década de 90 e faça uma breve comparação com a situação atual pode perceber uma nítida mudança na frequência de rebeliões e motins.

Destaca-se a dificuldade no tratamento com esse tipo de preso, o qual nada tinha a perder com seu procedimento intramuros. De qualquer modo, cumpriria a pena no regime integral fechado, independente de seu bom ou mau proceder.

A não ser que se pretenda retornar à barbárie e impingir penalidades corporais nos estabelecimentos penitenciários [01] para manter a ordem e a autoridade, com que espécie de controle pode contar a direção no trato com esse tipo de detento?

Ao mencionar o tema em brilhante palestra proferida no "6º Simpósio Justiça Penal: Críticas e Sugestões" [02], Miguel Reale Júnior expôs a criação de presos incontroláveis pelo excesso ou "voluptuosidade" repressiva do legislador contaminado por um "Direito Penal Simbólico".

Parece que se cumpriu o pensamento de Galileu ao sentenciar que "a verdade é filha do tempo, não da autoridade", caminhando o entendimento no sentido da retomada do regime progressivo, se não em virtude dos argumentos legais, ao menos pela visão contundente da realidade.

Já ensinava Beccaria [03] que "a moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do homem. Toda lei que não for estabelecida sobre esta base encontrará uma resistência à qual será constrangida a ceder."

Ora, o regime integral fechado, aplicado àqueles criminosos considerados, ao menos em tese, mais perigosos em face da gravidade das infrações cometidas, eliminando-lhes qualquer esperança de progresso na recuperação escalonada da liberdade, só produz verdadeiros "monstros", transformando-os em homens que nada têm a perder. A natureza humana nessas situações conduz a uma liberdade de ação em antagonismo frontal ao que se pretende impor ao criminoso (restrição dessa mesma liberdade), pois quem nada tem a perder, tudo pode.

Ilustra com maestria o acima exposto uma passagem literária do escritor Rubem Alves [04], com a qual encerramos, na esperança de que, talvez um dia, os juristas possam alcançar a sensibilidade dos artistas na compreensão do ser humano:

"Tive um amigo, Hans HoeKendijk, um holandês que esteve prisioneiro num campo de concentração alemão. Contou-me de sua experiência com a morte. A guerra já chegava ao fim e os prisioneiros acompanhavam num rádio clandestino o avanço das tropas aliadas e já faziam o cálculo dos dias que os separavam da liberdade. Até que o comandante da prisão reuniu a todos no pátio e informou que, antes da libertação, todos seriam enforcados. ”Foi um grito de lamentação e horror… seguido da mais extraordinária experiência de liberdade que jamais tive em minha vida”, ele disse. ”Se vou morrer dentro de dois dias, então nada mais importa. Não há sentido em me guardar, não há sentido em ser prudente. Não preciso pretender ser outra coisa do que sou. Posso viver minha verdade, pois nada pode me acontecer. Não preciso de máscaras. Tenho permissão para a honestidade total. Posso ir ao guarda nazista, que sempre me aterrorizou, e dizer a ele tudo o que sinto e penso…Que é que ele pode me fazer?” "

___________________

Notas

  1. Michel FOUCAULT, Vigiar e Punir – História da Violência nas Prisões , passim .
  2. Realizado pelo Centro de Extensão Universitária em 21 de Novembro de 1998, em São Paulo/SP.
  3. Cesare BECCARIA, Dos Delitos e das Penas , p. 24/25.
  4. Rubem ALVES, O quarto do mistério , p. 222/223.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Rubem. O quarto do mistério. Campinas, Papirus, 1995.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Paulo M. Oliveira. Rio de Janeiro, Ediouro, 1996.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir – História da violência nas prisões. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1996.

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Eduardo Luiz Santos Cabette:  Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, pós-graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor da graduação e da pós-graduação da Unisal