Home Blog Page 138

ASSISTÊNCIA À SAÚDEEstado deve fornecer medicamentos e fraldas a paciente com tetraplegia

0

DECISÃO: * TJ-MT – A Terceira Câmara Cível do Tribunal de justiça de Mato Grosso indeferiu o Recurso de Reexame Necessário e Apelação nº 90014/2009 interposto pelo Estado e manteve a determinação do ente público fornecer medicamentos e fraldas especiais a um paciente com tetraplegia. A câmara julgadora considerou o princípio da dignidade humana, já que o apelado sofre de atrofia muscular e desnutrição, além de não ter condições financeiras para aquisição do necessário para seu tratamento e bem estar. A decisão foi pela unanimidade.  

Em Primeira Instância, o recorrido solicitou o fornecimento dos medicamentos fenitonia (pomada papaína) e suplemento nutricional Cubitan (uma caixa por mês), além das fraldas especiais. O Estado sustentou que embora tenha o dever de prestar assistência à saúde, deve proceder de forma ordenada, respeitando as políticas traçadas, sob pena de os atendimentos indiscriminados colocarem em perigo a vida de demais usuários do Sistema Único de Saúde. Aduziu que a Secretaria do Estado de Saúde, ao elaborar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, baseou-se em ampla e detalhada pesquisa científica, de forma que a prescrição de medicamento por médico particular não poderia sobrepor-se a esse documento. Afirmou que que a disponibilização de recurso sem prévia autorização normativa afrontaria o artigo 167, inciso II da Constituição Federal.  

O relator, desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, ressaltou que a saúde constitui direito fundamental assegurado a todos os cidadãos, cujo responsável é o Estado, que por meio de políticas sociais e econômicas, deve reduzir riscos de doenças e garantir acesso universal às ações e serviços de saúde, nos termos do artigo 196 da CF/88. O magistrado destacou que o recorrido foi vítima de arma de fogo, que lhe causou diversas sequelas, como quadro agudo de desnutrição, tetraplegia e atrofia muscular. Observou que o paciente não tem condições de adquirir os medicamentos e o Estado não apresentou similares para substituir os solicitados.

Em relação ao argumento de que a prescrição de remédio por médico particular não poderia ser acatada, consignou o relator que não pode sobrepor-se ao estabelecido em norma, já que o profissional que acompanha a paciente é quem detém as melhores condições de indicar o medicamento mais apropriado. Quanto ao custeio das fraldas especiais, o desembargador manteve a concessão, destacando que apesar de, em princípio o Poder Público não ter essa responsabilidade por não envolver risco de morte, a questão envolve o bem-estar físico, mental e social do paciente, conforme o princípio da dignidade da pessoa humana.

Quanto às despesas fora do orçamento previsto, o julgador grifou que não há descumprimento do artigo 167 da Constituição Federal, já que o direito à saúde se impõe ao Estado. Também participaram da votação o desembargador Evandro Stábile, revisor, e o juiz substituto de Segundo Grau Antônio Horácio da Silva Neto, vogal.


FONTE: TJ-MT, 19 de fevereiro de 2010

INEFICÁCIA DA DOAÇÃO DE IMÓVELÉ ineficaz doação de imóvel de pai para filhos se não há bens para garantir execução trabalhista de doméstico

0

DECISÃO: * TRT-MG – A doação de bem imóvel, de pai para filhos, quando o doador já se encontra com idade avançada e saúde debilitada, tem o claro intuito de evitar gastos futuros com inventário e honorários advocatícios, além de poupar tempo. Mas a consequência prática desse procedimento não pode causar prejuízos ao trabalhador doméstico, se o autor da herança não tiver outros bens para garantir a execução trabalhista. 

Com esse fundamento, a Turma Recursal de Juiz de Fora manteve a decisão de 1o Grau, que reconheceu o vínculo empregatício doméstico entre a reclamante e o pai de família falecido, para quem ela prestava serviços (incluindo todo o núcleo familiar) no período de junho de 2006 a agosto de 2008, com a responsabilidade de cada filha limitada à herança. Além disso, os julgadores mantiveram a determinação de que o imóvel residencial, localizado na fazenda onde a empregada trabalhava, constitua garantia dos créditos trabalhistas que foram deferidos na sentença. 

As herdeiras não se conformaram com a indicação do imóvel residencial, como garantia, sob a alegação de que, por ocasião da morte de seu pai, o bem já lhes pertencia. Analisando o caso, o desembargador José Miguel de Campos, verificou que o falecido, em 22.09.2004, doou, para suas filhas, em torno de 97%, de sua fazenda. Como não restavam mais bens para ser inventariados, o procedimento adotado pelo Juízo de 1o Grau, no seu entender, foi acertado. 

Isso porque, conforme explicou o relator, o artigo 3o, I, da Lei 8.009/90, estabelece que a impenhorabilidade pode ser oposta em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, exceto se o processo se referir a créditos de trabalhadores da própria residência, como é o caso. Assim, ainda que a doação tenha sido realizada para poupar tempo e dinheiro, esse ato atinge os direitos da reclamante, já que não existem outros bens para garantir o pagamento dos créditos trabalhistas. “Nesta toada, ficam as reclamadas advertidas que qualquer disposição, onerosa ou gratuita, de referido bem imóvel será ineficaz em relação à reclamante, pois configurará fraude contra credores, nos termos do art. 158 e seguintes do Código Civil Brasileiro”- frisou o desembargador, mantendo a sentença.  (RO nº 00702-2009-074-03-00-0 )


FONTE: TRT-MG, 18 de fevereiro de 2010.

 

DENUNCIAÇÃO CALUNIOSAConfirmada condenação por denúncia de fato inexistente

0

DECISÃO: *TJ-RS – A 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça manteve sentença que condenou homem por gerar a investigação de falsa denúncia, provocando a movimentação desnecessária da máquina estatal.

O réu procurou a Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento da cidade de Bento Gonçalves, com instauração de investigação policial contra esposa dona de automóvel. Na ocorrência policial, alegou o cometimento do crime de duplicata simulada. Porém, foi comprovado que a nota promissória era legítima e correspondia a negócio de venda de veículo efetuada pela esposa ao acusado.

A vítima narrou que deixou o carro em uma revenda. O réu comprou o carro e, posteriormente, alegou que não a conhecia e não lhe devia nada, mas havia assinado uma promissória para o dono da revendora.

Comprovada a farsa, o Ministério Público ajuizou ação por denunciação caluniosa (vontade de dar causa à investigação criminal, exigindo-se que o agente saiba que imputa a outrem crime que este não praticou).

Sentença da Juíza Fernanda Ghiringhelli de Azevedo, da Comarca de Bento Gonçalves, julgou a ação procedente para condenar o réu à pena de 02 anos de reclusão, em regime aberto, e 10 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.

A defesa interpôs recurso de apelação, postulando a absolvição por insuficiência probatória e alegando a ausência de dolo na conduta do réu.

Para o Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, relator do recurso, ao contrário do que diz a defesa, há prova bastante para juízo condenatório. “Restou claro que o réu sabia que Clarice era a proprietária do veículo que havia adquirido, uma vez que tinha a posse dos documentos do automóvel”.

Analisou também que as declarações prestadas pela vítima e testemunha se mostram verossímeis, coerentes e harmônicas entre si, revelando que o apelante após efetuar a compra do veículo, assinou as notas promissórias referentes ao negócio realizado e depois imputou o crime de duplicata simulada à vítima, “mesmo sabendo que este não havia ocorrido, utilizando-se de meio escuso, culminando na instauração de investigação, movimentando desnecessariamente a máquina estatal, que acabou por investigar fato inexistente”.

Votaram de acordo com o relator, o Desembargador Constantino Lisbôa de Azevedo e a Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos. A sessão ocorreu dia 21/1/10.  Proc.70033927278


FONTE: TJ-RS, 19 de fevereiro de 2010.

Solidariedade do MST

0

* João Baptista Herkenhoff

A nosso ver, o MST é o mais importante movimento social do Brasil contemporâneo.

O MST nasceu em 1984, por iniciativa de trabalhadores rurais ligados à Igreja Católica.

Segundo dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra), órgão ligado a um elenco de Igrejas cristãs, existem, atualmente, cerca de 300 mil famílias vivendo sob o abrigo de tendas de plástico junto às rodovias.

Trabalhadores acampados revelam apenas a face militante do grito de Justiça do MST.

Se aprofundamos no exame dos dados existentes, a situação real é bem mais dramática.

O Brasil possui 600 milhões de hectares de terra cultiváveis. Entretanto, 2% de proprietários rurais são donos de 48% das terras agriculturáveis. Há latifúndios com extensão superior ao território de países como a Holanda e a Bélgica.

Segundo dados do Atlas Fundiário do INCRA, “existem 3.114.898 imóveis rurais cadastrados no país que ocupam uma área de 331.364.012 hectares. Desse total, os minifúndios representam 62,2 % dos imóveis, ocupando 7,9 % da área total. No outro extremo verifica-se que 2,8 % dos imóveis são latifúndios que ocupam 56,7 % da área total.”

Em cima desses dados, conclui a CPT:  “Lamentavelmente, o Brasil ostenta o deplorável título de país com o quadro de segunda maior concentração da propriedade fundiária, em todo o planeta.”

Um terço da população brasileira vive abaixo da linha de pobreza, com renda mensal inferior a 60 dólares. Um oitavo do povo vive abaixo da linha da indigência, com renda mensal inferior a 30 dólares.

Grande parte desses excluídos foram expulsos do campo:

a) por força dos latifúndios que ampliam seus domínios;

b) como consequência das barragens que são construídas sem qualquer atenção àqueles que são removidos do seu chão;

c) e finalmente por causa de juros bancários extorsivos que transformam o pequeno proprietário rural de ontem no homem sem referência e sem horizontes de hoje, a perambular pelas ruas da cidade, ou a buscar a retomada do sonho de viver, nos acampamentos dos trabalhadores sem terra.

A Confederação Nacional da Indústria encomendou uma pesquisa sobre os sentimentos do povo, em relação ao MST. O grau de aceitação e aprovação do MST, no seio da opinião pública, merece nossa atenção:

85% dos respondentes apoiavam as ocupações de terra, desde que sem violência e mortes;

94% consideravam justa a luta do MST pela reforma agrária;

77% encaravam o MST como um movimento legítimo;

88% disseram que o Governo deveria confiscar as terras improdutivas e distribuí-las aos sem-terra.

As marchas do MST, a meu ver, são marchas de luta pela Justiça, são marchas cívicas de salvação nacional.

Quando assusta a migração do campo para a cidade, num país que, por sua imensa extensão territorial, tem vocação agrícola, o que o MST pretende é a migração da cidade para o campo.

Vejo um traço de poesia nessa trajetória: migram da desesperança para a Esperança, da exclusão para a inclusão, da condição de apátridas do abandono social para a condição de construtores da Pátria Mãe gentil de todos nós.

Temos de repelir a ideia falsa e preconceituosa que tenta indigitar o MST como “inimigo social”, confundindo uma luta legítima, que deve merecer nosso apoio e simpatia, com um motim de desordeiros.

Da mesma forma merece esclarecimento a ideia às vezes corrente de que a reforma agrária repartiria a pobreza no campo. Os fatos levam a conclusões diametralmente opostas.

Colocou muito bem o “Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo”:

“Com todas as adversidades, a agricultura familiar responde hoje por 80% do abastecimento dos produtos que compõem a cesta básica e emprega quase 90% da mão-de-obra no campo.

A pequena propriedade gera um emprego a cada 5 hectares enquanto o latifúndio precisa de 223 hectares para gerar um emprego. (…) Dado o desemprego e a deterioração da qualidade de vida nos centros urbanos brasileiros, a vida nas cidades fica cada vez mais insustentável. Neste contexto, a reforma agrária é um elemento central de um novo rumo para o desenvolvimento no Brasil.” 


João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, magistrado aposentado, membro emérito da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, palestrante e escritor. Autor do livro Movimentos Sociais e Direito. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

 

Da necessidade de declararem-se inconstitucionalidade na 1ª instância

0

* Luiz Guilherme Marques

A Constituição de 1988 tem vários defeitos – dentre os quais a prolixidade – mas é a mais avançada de todas que já se editou no nosso país.

Enunciando princípios de reconhecimento da dignidade da pessoa humana, estabeleceu parâmetros para a edição de leis progressistas.

Todavia, absurdamente muitos dispositivos de leis antigas (e antiquadas) são considerados como vigentes, como do Código Penal e do Código de Processo Penal, apesar de estarem em desacordo com a nova Constituição.

Posteriormente, editaram-se novas leis que representam um retrocesso na evolução do Direito brasileiro, dentre as quais a famigerada Lei dos Crimes Hediondos, quando proíbe a liberdade provisória e a progressão de regime de cumprimento da pena.

Uma vez que o legislador federal não resolve o problema, editando novas leis em lugar dessas, e, ao contrário, vez por outra editando outras, também eivadas de inconstitucionalidade, cabe ao Judiciário reconhecer as inconstitucionalidades existentes, inclusive no julgamento cotidiano de casos concretos.

Não é muito usual – principalmente na 1ª instância – os juízes declararem a inconstitucionalidade de dispositivos legais.

Ainda perduram em geral o tabu da sacralidade das leis e uma certa descrença da força da Constituição, como se as primeiras fossem sempre perfeitas e a segunda não passasse de mera declaração de boas intenções do nosso ordenamento jurídico.

As leis ordinárias muitas vezes são ordinárias no sentido pior da palavra, havendo muitas que priorizam interesses das classes dominantes, como o decreto-lei 911/65, que privilegia as multinacionais montadoras de veículos automotores, e a lei que instituiu o FGTS, a qual extinguiu, na prática, a estabilidade no emprego, que representava uma das mais importantes conquistas dos trabalhadores celetistas.

É preciso que se discuta mais o teor da legislação, revogando-se direta ou indiretamente as normas incompatíveis com a Lei Maior.

Não pode haver no Direito nenhuma norma contrária aos grandes princípios, como o da dignidade da pessoa humana e outros.

Mesmo nos países mais adiantados se abrem exceções a esses princípios editando-se regras draconianas normalmente justificando-se na segurança do Estado, mas essa política não passa de um erro.

Sempre que se autoriza a degradação de seres humanos e o desrespeito ao meio ambiente os resultados são ruins para o futuro.

Os seres humanos são mais importantes que a estrutura estatal, esta última que facilita a vida humana, mas não é a única forma de se viver, conforme se pode ver pela organização social dos índios, que vivem sem um Estado organizado.

A quantidade excessiva de leis prejudica seu conhecimento pela população e pelos operadores do Direito. Aliás, os próprios legisladores ficam muitas vezes perdidos no oceano de leis e regulamentos.

Na época de NAPOLEÃO BONAPARTE, os juízes franceses eram obrigados a ser meros “bouches de la loi”, mas agora não.

Juiz tem de fazer Justiça e não trabalhar como mero cumpridor de regulamentos. 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

LUIZ GUILHERME MARQUES: Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

O princípio da isonomia e a ampliação da licença maternidade prevista na Lei n.º 11.770/08

0

* Ravênia Márcia de Oliveira Leite

A Lei n° 11.770, publicada em 09 de setembro de 2008, instituindo o programa "Empresa Cidadã", oriunda do projeto de lei (PLS nº 281/05), trouxe novas alterações ao benefício previdenciário do salário-maternidade, criando a possibilidade de prorrogá-lo por mais 60 (sessenta) dias.

O referido texto legislativo prevê em seus artigos 1º e 2º a hipótese de ampliação da licença maternidade para os setores públicos e privados. Senão vejamos:

    § 1º A prorrogação será garantida à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que a empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que trata o inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.

    § 2º A prorrogação será garantida, na mesma proporção, também à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança.

    Art. 2º É a administração pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o art. 1o desta Lei”.

Todavia, o que se observou com a nova previsão legal, a qual supostamente deveria ter trazido um benefício foi senão a criação de uma disparidade entre as servidoras das várias esferas do setor público e setor privado.

A lei não institui como obrigatório o aumento do prazo de licença maternidade para 180 (cento e oitenta) dias. Assim, caberá à Administração Pública, bem como, ao setor privado promover as medidas ampliativas citadas. No entando, como cediço, apenas algumas grandes empresas aderiram ao programa e parte da Administração Pública, ressaltando nesse plano que em um mesmo Estado da Federação o benefício foi concedido às servidoras do Legislativo e do Judiciário e não o foi às servidoras públicas do Executivo, exempli gratia, como ocorreu em Minas Gerais.

O Decreto 6.690/08 ampliou o prazo da licença maternidade concedida, outrora, por 120 (cento e vinte) dias para 180 (cento e oitenta) dias provocando, prontamente, uma disparidade entre as servidoras federais e as estaduais e municipais, violando frontalmente a Constituição Federal no que tange à Isonomia.

Ademais, como dito, em um mesmo Estado da Federação, como Minas Gerais, criou se degraus entre as servidoras de modo que somente foram contempladas as sevidoras do Legislativo e do Judiciário. A Deliberação 2441/2009, amplia o benefício para as servidoras do Legislativo mineiro, e a Resolução 605/2009 ampliou o benefício às servidores do Judiciário nas Minas Gerais e até o momento as servidoras do Executivo foram relegadas à vala comum.

Não é novidade dizer que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, determinou que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, no entanto, diuturnamente, o Judiciário é chamado para sanar as distorções provocadas pela Lei e/ou por sua forma de aplicação.

O benefício concedido apenas ao Legislativo e Judiciário viola o princípio da isonomia previsto na Constituição Federal fato ao qual mostrou se atento o Exmo. Dr. Douglas Marcel Peres, da 4ª Vara da Fazenda Pública, no Paraná, o qual concedeu prorrogação da licença-maternidade de 120 (previsto pela lei estadual) para 180 dias para Ana Lúcia Caneti, funcionária da Secretaria da Saúde do Paraná. A decisão do juiz se baseou no princípio da isonomia, pois servidores federais e do judiciário estadual têm direito aos seis meses de afastamento.

Dessa forma, verifica se que a correção de tal disparidade e violação aos ditames legais senão feita imediatamente pelo Legislativo deverá ser corrigida pelo Judiciário, conforme os ensinamentos de Alexander Hamilton:

    “Não há proposição que se apóie sobre princípios mais claros do que a que afirma que todo ato de uma autoridade delegada, contrário aos termos do mandato segundo o qual se exerce, é nulo. Portando, nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. Negar isto equivaleria a afirmar que o mandatário é superior ao mandante, que o servidor é mais que seu amo, que os representantes do povo são superiores ao próprio povo e que os homens que trabalham em virtude de determinados poderes podem fazer não só o que estes não permitem, como, inclusive, proíbem. Não é admissível supor que a Constituição tenha tido a intenção de facultar aos representantes do povo para substituir a sua vontade à de seus eleitores. É muito mais racional entender que os tribunais foram concebidos como um corpo intermediário entre o povo e a legislatura, como a finalidade, entre várias, de manter esta última dentro dos limites atribuídos à sua autoridade (…).” (grifo nosso)

Nesse contexto, sopesa se a importância do Judiciário frente o emarenhado de Leis que distorcem a intenção Constitucional com vistas a corrigi-lá, bem como, advertir aos Administradores e Legisladores da soberania da Magna Carta. Todavia, conforme Hamilton, “não supõe de nenhum modo a superioridade do pode judicial sobre o legislativo. Somente significa que o poder do povo é superior a ambos e que onde a vontade da legislatura, declaradas em suas leis, se acha em oposição com a do povo, declarada na Constituição, os juízes deverão ser governandos pela última de preferência às primeiras. Deverão regular suas decisões pelas normas fundamentais e não pelas que não o são”. 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Ravênia Márcia de Oliveira Leite:  Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar e em Direito Penal e Processo Penal – Universidade Gama Filho.

O aperfeiçoamento da locação de imóvel urbano pela Lei 12.112 de 09/12/09 – um primeiro comentário.

0

* Jaques Bushatsky  

A Lei 12.112 de 09/12/09 aperfeiçoou a Lei 8.245/91, que regula a locação de imóveis urbanos, trazendo a modernização exigida depois de 18 anos de sua vigência. 

Bem pensado, esse aperfeiçoamento teve o mérito de manter o bom espírito da lei de 1991, enfrentando as novas situações surgidas nesse período e trazendo, para o direito positivo, a experiência acumulada pelo Judiciário e pelo mercado. Importante destacar que, se fosse preciso pontuar somente um mérito desses dois diplomas, este residiria nas respectivas elaborações, fartamente debatidas com a sociedade e desenvolvidas com base nas conclusões sedimentadas pelos tribunais, a par da experiência acumulada pelos operadores das locações.

Um primeiro beneficiado pela clareza da nova regra é o fiador: poderá se desobrigar no caso de divórcio, separação de fato, separação judicial ou dissolução da união estável do locatário (art. 12 par. 2º), eliminando aquelas horríveis situações em que garantia determinada locação, mas, a nova situação do casal locatário a par de sentimentalmente indesejável, sofria mutação também econômica e, não obstante, permanecia o dever do fiador. Os casos mais usuais eram os de pais afiançando a nova morada do filho recém casado e que, após a separação, via o ex-cônjuge do seu filho residindo no imóvel, com novo companheiro. Se pouco, era desconfortável a situação do ex-sogro. De resto, ao afiançar conhecia – ou assumia – a situação econômica do casal, mas não poderia ser compelido a arcar com as conseqüências da situação financeira do novo casal ou mesmo, do solitário remanescente no imóvel.

A propósito, certamente mais profundas análises serão feitas, não é demasiado distinta a situação que ocorre quando a locatária é pessoa jurídica e esta sofre profundas alterações do seu quadro social. Sob o enfoque do fiador, estaria ele claramente liberado da obrigação se não fosse vetado o parágrafo terceiro do art. 13, constante no Projeto de Lei da Câmara n. 140, de 2009. Uma vez vetado o dispositivo, resta ao fiador em condições tais, buscar a desoneração judicialmente.

Ainda quanto ao fiador, em vigorando o contrato de locação por prazo indeterminado (art. 40-X), será possível a exoneração, sendo trazida para a lei das locações, neste aspecto, previsão semelhante à do art. 835, do Código Civil (Lei 10.406 de 2002). Esta nova previsão deitou por terra, imensas e abalizadas discussões doutrinárias, sobre o confronto entre o art. 39 da Lei 8.245/91 (extensão da garantia até a efetiva entrega das chaves) e a mencionada regra pertinente às fianças. E, eliminou situação inconveniente à pacificação social que há de decorrer da lei: um fiador em locação de imóvel urbano, um apartamento, por exemplo, garantia até a entrega das chaves, mas um fiador de uma locação de uma fazenda (excluída da Lei 8.245/91 pelo seu art. 1º) poderia se exonerar.

Graças a outros dispositivos, os processos judiciais serão mais rápidos, pois suprimidos movimentos burocrático-forenses e viabilizada a citação do fiador, já ao se propor a ação de despejo por falta de pagamento cumulada com o pleito de cobrança. Foram eliminados, na cobrança do débito, anos de trâmites judiciais. No que diz com o despejo por falta de pagamento, os operadores estimam que as ações judiciais, que hoje se arrastam por 14 meses da distribuição ao desalijo, possam ter o trâmite encolhido para cerca de 7 meses.

Medida revolucionária e que premia os bons pagadores (maciça maioria dos locatários, diga-se) está no art. 59-IX: será concedida liminar para o despejo, quando – e só nesta hipótese – ocorrer “a falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo”.

Premia, porque os contratantes terão certeza de um despejo rápido se ocorrente inadimplemento não superado consensualmente e, portanto, garantias locatícias (onerosas ou difíceis de serem obtidas pelos locatários, é fato notório) já não serão tão necessárias. E, a maciça maioria dos locatários paga em dia, mas é obrigada a apresentar garantias para cobertura de eventos que dizem respeito tão somente aos inadimplentes. Inescapável a lembrança dos tempos em que o principal óbice à celebração do contrato, vedando a moradia a milhares de pessoas, era encontrar fiador com dois imóveis e idoneidade econômica.

Ora, desde que nessa relação bilateral, o locador assegure a entrega do prédio e o locatário firme o compromisso de pagar o aluguel em dia, faltava mesmo no país, lei prestigiando a segurança do combinado, sem invocação de questões outras, validando até em juízo, se preciso, as conseqüências do livremente ajustado.

Apressando as ações, a nova lei abarcou entre as liminares de despejo, a situação do “término do prazo da locação não residencial, tendo sido proposta a ação em até 30 (trinta) dias do termo ou do cumprimento de notificação comunicando o intento de retomada” (art. 59–VIII).

Por uma, o dispositivo singelamente clareia a conseqüência do término do período de locação pactuado, prestigiando quanto tiver sido combinado entre os interessados, sempre resgatado, com Confúcio, que pior que o prejuízo, é a insegurança. Por certo, sob este aspecto, obrigará locadores e locatários, não residenciais, a analisarem os seus contratos e a não os deixarem ao léu, pois, como qualquer outro contrato, contém previsões, prazos, valores que devem sempre ser analisados e expressamente definidos. Quanto às locações residenciais, foram mantidas as regras antigas.

Por duas, é medida coerente com o moderno processo civil, cujo código já previa (art. 273, do CPC), a “antecipação de tutela”. Foi assim, superada dúvida doutrinária, sobre a aplicabilidade deste instituto de incremento da velocidade processual, às ações de despejo. Não é demais ter em vista que há muito a sociedade adequou o velho ditado, passando a entender que justiça que tarda, falha. E, diante das críticas – poucas – que este dispositivo tem sofrido desde a publicação da lei, talvez valha recordar que somente foi regulada a conseqüência do ajuste e não o ajuste em si (nada impede a celebração de novos e mais extensos contratos), não existindo qualquer direito adquirido à lentidão forense.

As ações revisionais mereceram, no art. 68, adequação, para especificar que em ação promovida pelo locador, o juiz fixará aluguel provisório de até 80% do postulado e, em ação manejada pelo locatário, fixará aluguel provisório jamais inferior a 80% do aluguel vigente.

 

Dentre os vetos, merece destaque a manutenção do texto do art. 74 da lei 8245/91, referente às ações renovatórias que não resultem na renovação, almejada, do contrato: não foi admitida a liminar de desocupação, sendo mantido o prazo de 6 meses para o despejo, malgrado tal decreto ocorra, mercê da mecânica forense, muito tempo depois de verificado o termo final do contrato cuja renovação se busca judicialmente, não representando, a desocupação, surpresa a qualquer dos envolvidos.

 

Outro veto, também quanto às situações de renovação judicial, foi à pretendida alteração do art. 75 da lei 8245/91, permanecendo a previsão de que o próprio juiz que julgar a renovatória improcedente e acolher melhor proposta de terceiro (art. 72-III), fixará a indenização devida ao locatário, devida porquanto vetada, também, a alteração do parágrafo 3º do art. 52.

 

O aperfeiçoamento das regras e dos procedimentos relativos às locações de imóveis urbanos é bem-vindo, pois melhora o ambiente deste setor e permite, mercê da outorga de segurança, mais e sempre buscados investimentos. E, robustecendo a certeza de que o aperfeiçoamento era necessário,  interessa por fim registrar que o Projeto de Lei fora aprovado à unanimidade, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, mediante relato da Senadora Ideli Salvatti, a significar a convergência dos desejos da sociedade. 

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Jaques Bushatsky: advogado em São Paulo

Consolidando conquistas

0

* Maria Berenice Dias

Para que servem as leis? Todo mundo sabe que servem para reger a vida em sociedade. Mas, certamente, sua finalidade mais significativa é assegurar o tão propalado princípio da igualdade. Ou seja, a lei é indispensável para proteger os segmentos mais vulneráveis. Talvez seja este o seu escopo maior.

Todavia, não atentam os legisladores para esta responsabilidade enorme, ao se omitirem de criar regras que, se destinem a inserir no âmbito da tutela jurídica quem é alvo da exclusão social.

O estágio presente da estrutura social se traduz no que se vem chamando de modernidade líquida. Distintas formas de expressar e vivenciar o afeto, diferentes maneiras de compartilhamento de vida emergem e demandam reconhecimento.

Por muito tempo, as relações de p essoas do mesmo sexo foram estigmatizadas, restando homossexuais e transexuais confinados num universo paralelo, marginalizados. Todavia, nos últimos anos a sociedade vem se mostrando um tanto mais tolerante e, paulatinamente, vem modificando a sua forma de encarar as relações entre iguais. Os homossexuais começaram a adquirir visibilidade e foram buscar a Justiça. Infelizmente, a postura omissiva de quem tem o dever de fazer leis é histórica. Basta lembrar o calvário sofrido para o divórcio ser inserido no sistema jurídico. Apesar dos reclamos sociais, passaram-se 27 anos para que o Congresso Nacional acabasse com a indissolubilidade do casamento. Tal fato também se deu com as uniões extramatrimoniais e a filiação chamada de ilegítima. Falsos moralismos e preconceitos infundados impediam o seu reconhecimento.

Ainda bem que o silêncio do legislador não cala a Justiça. De há muito vêm os juízes reconhecendo que a falt a de leis não significa ausência de direitos, Assim acaba a jurisprudência tamponando as lacunas da lei e ditando pautas de conduta, que passam a guiar a vida em sociedade.

A atividade legiferante que deveria ser exercida pelo Legistativo, acaba sendo preenchida pela jurisprudência. Não poderia ser diferente! Em face da enorme preocupação de não cometer injustiças, a justiça avança, construindo novos paradigmas. Mas a via judicial é demorada, quer porque a jurisprudência custa a se cristalizar, quer porque as decisões, ainda que reiteradas, não têm efeito vinculante.

Os avanços, no entanto, não suprem o direito à segurança jurídica que só a lei outorga. Daí a urgente necessidade de inserção das uniões que passaram a ser chamadas de homoafetivas no sistema jurídico . O silêncio é a forma mais perversa de exclusão, pois impõe constrangedora invisibilidade que afronta alguns dos mais elementares direitos, como o dir eito à cidadania e à dignidade, base de qualquer Estado que se diga Democrático de Direito. Para a consolidação das diretrizes ditadas pelo Judiciário há outro obstáculo que se revela quase intransponível: a inacessibilidade dos julgamentos e a falta de prestígio das decisões de primeiro grau. Apesar de todo o avanço tecnológico, a busca pela jurisprudência é uma tarefa praticamente irrealizável. Seja pela falta de um sistema de informação unificado, seja pela má qualidade dos servidores dos Tribunais, as pesquisas são inviáveis e, no mais das vezes, mal sucedidas.

Por incrível que possa parecer não há como saber como julgam todos tribunais deste país. As tentativas são frustrantes e exasperantes, e os resultados, na maioria dos sites dos tribunais, são nulos.

Quando se trata de questões referentes ao direito das famílias, então, as dificuldades só aumentam. Sob a equivocada alegação de que as demandas tramitam em segredo de justiça, as decisões simplesmente não são disponibilizadas. Um singelo ato, como a exclusão do nome das partes é suficiente para preservar eficazmente as identidades e privacidade das mesmas. www.direitohomoafetivo.com.br. Indispensável saber tudo o que a justiça já assegurou a homossexuais e transexuais. Trata-se de um projeto arrojado, cujo trabalho foi árduo e contou com a colaboração entusiasmada de muita gente. Os resultados foram surpreendentes. Basta atentar que já no ano de 1980 foi deferida a troca de nome de transexuais e desde 1989 a justiça federal concede direito previdenciário a parceiros do mesmo sexo. Mas há mais, muito mais. Data do ano de 1998 a primeira sentença deferindo a adoção homoparental. O surpreendente é que há decisões de todos os Estados, já chegando a quase setecentos o número de sentenças e acórdãos inseridos no banco de dados. Todos estes percalços é que motivaram a construção de uma ferramenta poderosa de busca e acesso a material relativo à homoafetividade e transexualidade:

Não foram olvidados os projetos de leis em tramitação, as normatizações existentes, além de exaustivo levantamento bibliográfico tanto nacional como internacional. Igualmente está disponível a legislação e a jurisprudência estrangeiras mais significativas, pois a preocupação com a regulação das uniões homoafetivas integra a agenda do pensamento jurídico mundial. Hoje, muitos países do mundo não mais ignoram os vínculos homoafetivos, que deve servir de exemplo. A razão de ser de todo este trabalho não é só capacitar os profissionais a trabalharem com este novo ramo do direito. É muito mais consolidar as conquistas e mostrar que o Judiciário não é cego e tem coragem de fazer justiça.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

MARIA BERENICE DIAS: Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.

Direitos Humanos: um núcleo comum a preservar

0

* João Baptista Herkenhoff 

É de todo conveniente que sejam colocadas em pauta neste momento, nas faculdades, escolas, igrejas, jornais, rádio e televisão, nos espaços públicos em geral, as questões relacionadas com os Direitos Humanos, com vistas à celebração, no início de dezembro, da Semana dos Direitos Humanos que alcança sua culminância em 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos).

Através deste artigo pretendo contribuir para a reflexão e o debate.

Parece-me rigoroso concluir pela existência de um “núcleo comum universal” de Direitos Humanos.

Este “núcleo comum”, no campo dos Direitos Humanos, corresponde aos “universais lingüísticos” descobertos por Chomsky, na Lingüística.

Sem prejuízo da existência desse “núcleo comum”, há uma “percepção diferenciada” dos Direitos Humanos nos vários quadrantes da Terra.

Os Direitos Humanos são concebidos de uma forma peculiar pelos povos indígenas e pelos povos africanos, vítimas seculares da opressão.  Também é bem diversa a percepção dos Direitos Humanos no mundo islâmico, mundo belíssimo que é portador de uma cultura peculiar. Não há qualquer incompatibilidade entre Islamismo e Direitos Humanos, como uma visão imperialista de mundo pretende fazer crer.

Pelos povos indígenas, pelos povos africanos, pelos povos muçulmanos os Direitos Humanos não são percebidos da mesma forma como são percebidos pelos povos europeus.

Também variáveis como “classe, cultura, nacionalidade ou lugar social” influenciam na maneira de perceber os Direitos Humanos.

O grito por Justiça, Liberdade, Dignidade Humana, Solidariedade expressa-se através das mais diversas línguas faladas no mundo: Tous les êtres humains naissent libres et égaux en dignité et en droit. (Francês). Toda persona tiene todos los derechos y libertades, sin distinción alguna de raza, color, sexo, idioma, religión, opinión política o de cualquier otra índole. (Espanhol). Ogni individuo ha diritto alla vita, alla libertà, alla sicurezza della própria persona. (Italiano). No one shall be held in slavery or servitude. (Inglês). La família és l’element fonamental de la societat. (Catalão, língua do povo catalão). Muchi tehemet tiwelit, gan inemit mu ixtiya tuamaw. (Pipil, língua falada em El Savador. A tradução do texto citado é esta: Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa).

Essa multiplicidade de línguas enunciando os Direitos Humanos vem em socorro da hipótese de um dialético antagonismo de divergência e convergência, ou seja, há um núcleo comum de Direitos Humanos e, ao mesmo tempo, há uma percepção diferenciada dos Direitos Humanos, no seio dos vários povos e das várias culturas.

Também as vozes dos poetas ajudam na compreensão dos Direitos Humanos, como ideal que pulsa nas diversas latitudes: A pena que com causa se padece, a causa tira o sentimento dela, mas muito dói a que se não merece. (Camões, poeta português, num grito de revolta contra a pena injusta). Vossos filhos não são vossos filhos. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco não vos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos. (Gibran Khalil Gibran, poeta libanês, exaltando a grandeza da individualidade).

A linguagem da poesia é de tal forma universal que também o poeta brasileiro abre as janelas do mundo: Eu sou aquele que disse – os homens serão unidos se a terra deles nascida for pouso a qualquer cansaço. (Mário de Andrade, num hino à solidariedade). Auriverde pendão de minha terra, que a brisa do Brasil beija e balança, antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha. (Castro Alves, mostrando sua indignação diante da bandeira brasileira hasteada num navio negreiro). Se discordas de mim, tu me enriqueces, se és sincero, e buscas a verdade, e tentas encontrá-la como podes. (Hélder Câmara, bispo, profeta, poeta, exaltando o direito à discordância). Folha, mas viva na árvore, fazendo parte do verde. Não a folha solta, bailando no vento a canção da agonia. (Thiago de Mello, enaltecendo o direito de associação e a luta coletiva).

No tributo aos Direitos Humanos não esteve silente a voz dos poetas capixaba: Seja a corte civil ou marcial, que mão lavra a sentença quando o juiz pressente sobre a toga forte espada suspensa? (Geir Campos, denunciando o desrespeito à independência da Justiça, pela força da espada). Esta sensibilidade, que é uma antena delicadíssima, captando todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas. (Newton Braga, celebrando a fraternidade).

Da mesma forma que acontece, com relação às línguas, a presença da poesia, na proclamação dos Direitos Humanos, tem o sentido simbólico da busca de horizontes acima de fronteiras. 

Os Direitos Humanos, na sua linha central, desenharam-se como uma construção da Humanidade, de uma imensa multiplicidade de culturas.

Como não são estáticos, a elaboração deles continua no fluxo da História.

Consolidar a ideia de Direitos Humanos fundamentais é uma exigência para que a Humanidade possa sobreviver, sem se desnaturar.

Temos que estar atentos à pregação de uma cultura anti-humana, ao lado da cultura humana pela qual lutamos.

Às vezes essa cultura anti-humana estabelece uma tal ruptura de diálogo e compreensão que mundos antagônicos se organizam.  A cultura anti-humana tem seus códigos próprios, estabelece um isolamento.

Não será pela imposição que defenderemos princípios fundamentais de Humanismo e de Direito.  O caminho será o diálogo, o intercâmbio de ideias, a discussão franca, a tentativa de entender a opinião que nos pareça absurda. Especial cuidado merece a educação para os Direitos Humanos na escola, através da imprensa, através das igrejas.

É um grande caminho, mas caminhar é preciso, construir é preciso, sonhar é preciso.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Coordenador Pedagógico e Professor pesquisador na Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES). Autor, dentre outros livros, de Ética para um mundo melhor (Rio, Thex Editora). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

DIREITO Á VIDAEstado deve fornecer remédio para paciente idosa

0

DECISÃO: * TJ-MT – É dever do Estado o fornecimento de medicamento indispensável ao tratamento de portadores de moléstia grave, principalmente quando há demonstração da sua hipossuficiência. Com esse entendimento do desembargador relator Rubens de Oliveira Santos Filho, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso não acatou recurso interposto pelo Estado e manteve decisão que determinara que fornecesse o medicamento solicitado pela apelada nos autos de uma ação de obrigação de fazer (Apelação nº 99919/2009).  

Ainda de acordo com o magistrado, se existir a confirmação do diagnóstico por meio de prova documental, bem como a indicação do remédio a ser ministrado em combate à grave doença da apelada, torna-se desnecessária a perícia médica. No recurso, o Estado sustentou que o fornecimento de medicamento pelo Estado deve seguir o procedimento de dispensação ordenada em consonância com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, sob pena de haver desequilíbrio econômico-financeiro. Alegou que para a patologia da autora, o remédio não é contemplado pela Portaria 2.577/2006 do Ministério da Saúde, nem pela Portaria Estadual 225/2004. Aduziu ainda que o caminho processual adequado seria o chamamento ao processo da União e do Município de Cuiabá para comporem o pólo passivo da demanda pela solidariedade existente entre os entes federativos.  

Para o relator, são insuficientes para sobrepor ao direito à saúde as meras alegações de eventual desequilíbrio econômico-financeiro, que as despesas públicas só podem ser realizadas com planejamento e que a disponibilização de recurso sem prévia autorização normativa afronta o art. 167, II da Carta Magna.  O desembargador afirmou também ser totalmente descabida a alegação do apelante da necessidade de chamar ao processo a União e o Município de Cuiabá para figurarem no pólo passivo da demanda, visto que, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado. 

Tal premissa impõe ao Estado a obrigação de fornecer gratuitamente às pessoas desprovidas de recursos financeiros a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde (…). Importante mencionar, ainda, que a autora é pessoa idosa, a quem o Poder Público tem a obrigação de assegurar, com prioridade, a efetivação do direito à vida e a saúde”, complementou.

FONTE: TJ-MT,  12 de fevereiro de 2010.