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POSSE DE BEM PÚBLICOPosse deve ser deferida a quem tiver o domínio de área

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DECISÃO: *TJ-MT – Tratando-se de posse de bem público, de uso comum do povo, não se aplicam as regras de direito privado, portanto dispensa-se a prova da posse física, bastando a simples demonstração de domínio, como escritura de compra e venda. Sob esse entendimento, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve inalterada sentença de Primeiro Grau que determinara a reintegração de posse de uma área de 50 hectares, denominada Chácara Barra da Celebra, para o Município de Tesouro (379 km ao sul de Cuiabá). A decisão foi unânime (Apelação nº 134638/2008).  

Em síntese, o apelante, que era ex-prefeito do município, alegou que teria transmitido ao município a área objeto do litígio, mas, como seria o costume da região, teria deixado de efetuar a averbação no Cartório de Registro de Imóveis. Sustentou que a compra do bem tinha como fim a construção de uma escola, entretanto, a verba não teria sido aprovada, o tempo teria passado e ele não teria procedido com a retomada da área para seu patrimônio. A área em questão já foi transformada em Unidade de Conservação Parque Natural Municipal Celebra, de acordo com a Lei Municipal n º 259/1992. Mesmo assim, conforme os autos, o ex-prefeito continuou na terra, agindo como se fosse dono, inclusive tendo recebido notificação para desocupação no ano de 2001. 

Para o relator do recurso, desembargador Jurandir Florêncio de Castilho, as argumentações do apelante não encontraram respaldo no conjunto probatório. O magistrado explicou que na escritura de compra e venda da área consta como vendedores outras pessoas e não o apelante, e que o mesmo só consta no ato na qualidade de então prefeito do município “e não como proprietário da área como quer fazer crer.”  

No entendimento do magistrado, como foi comprovada a posse do domínio pelo ente municipal, deve ser levado em consideração o disposto na Súmula nº 487 do Supremo Tribunal Federal. Esse dispositivo estipula que será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada. 

Participaram da votação o desembargador Juracy Persiani (segundo vogal) e o juiz substituto de Segundo Grau José Mauro Bianchini Fernandes (primeiro vogal). 


FONTE: TJ-MT,  15 de  abril de 2010.

INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGOVínculo de emprego é negado apesar de empresa ser julgada à revelia

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DECISÃO: *TST – Nem sempre quando o empregador não comparece à audiência sem justificativa há deferimento de vínculo de emprego. É o caso de um corretor de seguros que informou em seu depoimento que exercia prestação de serviços com autonomia. A observação foi crucial para que o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) concluísse pela inexistência de vínculo empregatício. Apesar da revelia da empresa.  

A decisão transitou em julgado e o trabalhador não se conformou. Ele tentou, mediante ação rescisória, alterar o resultado da reclamação trabalhista, mas a forma não se mostrou apropriada. A Seção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho concluiu pela inviabilidade da rescisão, por não ter verificado, na decisão do TRT, erro de fato, violação a artigos da CLT ou CPC, nem contrariedade à Súmula 74 como alegava o corretor.  

Apesar de ter constituído uma firma corretora de seguros de vida, pela qual, inclusive, emitiu notas fiscais, o corretor argumentou que a prestação de serviços constituiria, na prática, relação de emprego com a Bradesco Vida e Previdência S/A. Nas provas existentes no processo, porém, o TRT não encontrou os requisitos exigidos no artigo 3º da CLT, que considera empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste. Segundo a avaliação do Regional, o corretor possuía autonomia na prestação de serviços. Para o corretor, no entanto, diante da revelia da empregadora na audiência inaugural, a única conclusão possível seria a da veracidade dos fatos alegados na inicial da ação acerca da existência da relação de emprego.

Na análise do recurso ordinário em ação rescisória, ajuizada pelo corretor no TST, o ministro Antonio Barros Levenhagen, relator da matéria na SDI-2, observou que o TRT/PR se orientou pelo parágrafo 2º do artigo 277 do CPC. Por esse artigo, o juiz pode considerar verdadeiros os fatos alegados na petição inicial no caso de ausência injustificada do réu, ”salvo se o contrário resultar da prova dos autos”. Foi o que fez o TRT, afirmou Barros Levenhagen, pois sua conclusão foi extraída do próprio depoimento do trabalhador, em audiência, com a revelação de autonomia na prestação dos serviços, descaracterizando a relação de emprego. Segundo o ministro, as razões apresentadas pelo trabalhador no recurso à SDI-2 “não objetivam, propriamente, desconstituir a coisa julgada material, mas sim reabrir a discussão acerca do posicionamento adotado na decisão que pretende rescindir, repropondo ao Judiciário o mesmo tema, relacionado aos efeitos da revelia e à existência de vínculo empregatício, dando à rescisória insuspeitada e inadmitida feição recursal”.

Por outro lado, quanto a ter havido erro de fato na decisão, o ministro Barros Levenhagen destaca que houve controvérsia e pronunciamento judicial acerca do fato sobre o qual “supostamente haveria equívoco de percepção do julgador”. Ressalta, inclusive, “que a possibilidade de ter havido má interpretação das declarações prestadas pelo trabalhador induz, no máximo, à idéia de erro de julgamento, insusceptível de ser reparado na ação rescisória”. Diante da fundamentação do ministro Levenhagen, a SDI-2 decidiu negar provimento ao recurso ordinário em ação rescisória. (ROAR – 98800-37.2007.5.09.0909)


FONTE: TST,  12 de  abril de 2010.

Royalties do Petróleo

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* Kiyoshi Harada

Tendo em vista descobertas de jazidas de petróleo na área do pré-sal o governo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de lei nº 5.938/2009 para regular a compensação financeira cabente aos Estados, Distrito Federal, Municípios e aos órgãos da União pela exploração e venda de petróleo bruto.

Essa compensação financeira, prevista no § 1º, do art. 20 da CF, foi denominada de Royalties, por ser uma expressão mais prática, ao lado de tantas outras como swap, drawback, delivery etc., que já se incorporaram na língua materna.

Essa compensação financeira ou royaltie, como queiram, por sua vez, foi instituída pela Lei nº 7.990/89 como sucedâneo da participação dos entes da Federação na exploração de riquezas naturais prevista no art. 20, caput, da CF.

De fato, seria problemática a participação direta dos entes políticos na exploração desses recursos de propriedade da União (art. 20, III, IV, V, VI, VIII e IX da CF). Aliás, em relação ao petróleo existe o monopólio da União.

Daí a compensação financeira para os Estados, DF e Municípios decorrente da exploração de recursos naturais em seus respectivos territórios, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva.

Agora, o projeto legislativo inclui a exploração na camada do pré- sal.

Os critérios, de participação vigentes estão estabelecidos na Lei nº 8001/90 com as alterações de leis posteriores.

Na exploração de recursos hídricos a participação é de 6,75% sobre o valor da energia elétrica produzida, a ser pago pelas concessionárias aos Estados, DF e Municípios em cujos territórios se localizem as instalações destinadas à produção de energia elétrica, ou que tenham áreas invadidas por reservatórios. No que tange aos recursos minerários, a compensação financeira é de 3% sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, a ser pago pelos detentores de direitos minerários.

No que diz respeito ao petróleo, gás natural e xisto betuminoso a compensação financeira devida aos Estados, DF e Municípios é de 5% sobre o valor bruto desses recursos extraídos, a ser pago pela Petrobrás e subsidiárias, relativamente aos produtos extraídos de seus respectivos territórios onde se fixar a lavra do petróleo, ou se localizarem as instalações marítimas ou terrestres de embarque e desembarque do óleo bruto, gás natural ou xisto betuminoso.

Desses 5% pagos pela Petrobrás e subsidiárias, 1,5% ficam pertencendo aos órgãos da União: 1% ao Ministério da Marinha e 0,5% para a formação de Fundo Especial administrado pelo Ministério da Fazenda, a fim de ser distribuído entre os Estados e os Municípios.

As receitas auferidas pelos órgãos da União, classificam-se como receitas patrimoniais, nos termos da Lei nº 4.320/64, porque advêm da exploração de seu patrimônio.

As receitas auferidas pelos Estados, DF e Municípios, que alguns autores insistem na sua natureza tributária, na verdade, têm o caráter de ressarcimento. Não há como negar que a exploração de recursos naturais que se caracteriza como atividade de grande porte, obriga os poderes públicos locais e regionais a efetuar investimentos maciços na formação de completa infra-estrutura material e pessoal capaz de suportar as movimentações de bens e pessoas dela decorrentes. Às vezes, o poder público local (Município) é o mais atingido pela abrupta aglomeração de pessoas carentes resultando em cinturões de pobreza em torno de grandes metrópoles. Por isso, a lei determina o repasse de 25% aos Municípios daquilo que o Estado perceber a título de compensação financeira. Basta lembrar a cidade de Foz do Iguaçu, invadida por uma enorme multidão de operários para construção da Itaipu bi-nacional. Redes de águas e esgotos, redes de ensino, unidades de saúde tiveram que ser ampliadas. Novas unidades habitacionais tiveram que serr construídas.

Terminadas as obras, a maioria da população que veio de fora fixou residência naquela cidade, que cresceu vertiginosamente.

Sem a exata compreensão desses fatos será difícil entender o que adiante será exposto em relação ao projeto de lei em tramitação no Senado Federal, após sua aprovação pela Câmara dos Deputados.

Pois bem, o projeto legislativo em discussão, que surgiu para regular a distribuição de royalties resultantes da produção de petróleo na camada do pré-sal, evento futuro e incerto, aumenta a participação de 5% para 15% e interfere na compensação financeira que vem sendo paga atualmente em função da produção existente.

Inova o critério em vigor para participação do Estado (atualmente de 52,5%) e do Município (atualmente de 15%) onde ocorrer a produção, bem como do Município afetado pelas operações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural (7,5%), e participação do Ministério da ciência e tecnologia (atualmente de 25%).

Quando a lavra ocorre na plataforma continental a participação é de:

a) 22,5% para Estados produtores confrontantes;

b) 22,5% para Municípios produtores confrontantes;

c) 15% para Ministério da Marinha;

d) 7,5% para Municípios afetados por terminais de embarque e desembarque;

e) 7,5% para formação de Fundo Especial a ser distribuído a todos os Estados e Municípios;

f) 25% para o Ministério da Ciência e Tecnologia.

O projeto em discussão reduz a participação do Estado para 20% e do Município para 10% e do Município afetado para 5% no primeiro caso, ou seja, no caso de produção fora da plataforma continental.

Acrescentou-se 25% para a constituição de Fundo Especial a ser distribuído a todos os Estados, de acordo com o mesmo critério para partilha do FPE, previsto no art. 159 da CF. Criou-se o mesmo Fundo Especial de 25% para distribuição a todos os Municípios de acordo com o critério de PFM, previsto no mesmo art. 159, da CF.

Para o segundo caso, em que a exploração ocorre na plataforma continental o critério segundo o projeto legislativo em discussão, dará a seguinte destinação aos royalties:

Ressalvado os 19% pertencentes à União (Ministério da Marinha e Ministério da Ciência e Tecnologia), os 15% dos royalties a serem distribuídos serão destinados a:

a) 50% para constituição de Fundo Especial para distribuição a todos os Estados e DF de acordo com o critério de partilha do FPE;

b) 50% para constituição do Fundo Especial para distribuição a todos os Municípios de acordo com o critério de partilha do FPM.

Nesta segunda hipótese sequer há distribuição especial para os Municípios atingidos pelas instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural.

Patente o desconhecimento do legislador quanto a natureza indenizatória dessa compensação financeira em relação aos Estados e aos Municípios onde se localizam as jazidas de petróleo ou as instalações para escoamento da produção.

Confundindo a natureza dessa compensação financeira com tributo, o legislador adotou o mesmo critério de partilha para a participação dos Estados, DF e Municípios no produto de arrecadação do IR e do IPI (48% conforme art. 159, da CF).

O critério de partilha do FPE é regido pela Lei Complementar nº 62/89 que prevê a seguinte destinação, conforme art. 2º:

a) 85% às unidades da Federação integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;

b) 15% às unidades da Federação integrantes das regiões Sul e Sudeste.

Os coeficientes individuais de participação de cada Estado e do DF até o ano de 1991 serão os que constam do anexo da LC nº 62 (§ 1º e § 3º), devendo, a partir de 1992, serem fixados novos coeficientes com base no censo de 1990.

O FPE e o FPM resultaram da concentração da maior parte do bolo tributário em mãos da União para que ela busque eliminar ou minimizar as diferenças regionais, “objetivando promover o equilíbrio sócio- econômico entre os Estados e entre os Municípios” (art. 161, II, da CF).

Ora, o que isso tem a ver com a natureza indenizatória dos Estados e dos Municípios afetados pela exploração de petróleo? Royalties não têm a natureza tributária de sorte a se prestar como instrumento redistribuidor da riqueza pelo ente político tributante.

O que é pior, o art. 2º e §§ 1º, 2º e 3º, que prevêm o critério de partilha do FPE adotado pelo projeto legislativo em discussão, acaba de ter a sua inconstitucionalidade declarada nos autos das ADIs ns. 875, 2.727, 3.243 e 1.987 (apensados) permitindo-se, entretanto, sua aplicação até o ano de 2012, proferindo-se em decisão típica de ADIPO. Na pressa, acabou sendo declarada a inconstitucionalidade, também, do § 2º, do art. 2º da LC nº 62/89, ou seja, exatamente daquele dispositivo que determina a alteração do critério de rateio com base no censo de 1990.

Cumpre ao Senado Federal restabelecer o critério vigente mantendo-se, porém, o aumento da compensação financeira de 5% para 15%, conforme proposta legislativa em discussão.

A União já dispõe de instrumentos apropriados para promover a integração nacional com vistas à redução ou eliminação das desigualdades sócio-econômicas entre as diferentes regiões do país, notadamente, para promover o desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste, e Centro-Oeste (art. 159, inciso I, c, da CF), além de deter o poder de conceder incentivos fiscais para promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país (art. 151, da CF).

A disputa política em torno de um resultado incerto (extração de petróleo do pré-sal) acaba por minar o critério justo, legal e constitucional de distribuição da compensação financeira pela exploração de recursos naturais em vigor desde os idos de 1990.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Kiyoshi Harada:  Jurista e sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados.

Site: www.haradaadvogados.com.br;   E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br


Filosofia, algo distante ou próximo?

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*  João Baptista Herkenhoff 

Talvez a primeira resposta, quase instintiva, à pergunta proposta pelo título deste artigo, consiste em dizer que a Filosofia é algo distante do universo das pessoas comuns.

Será correta esta primeira percepção?

A meu ver, essa percepção está equivocada.

A Filosofia não é alguma coisa distante, que só interessa a uma grei de iniciados. Muito pelo contrário, a Filosofia faz parte de nossa vida.

Se a Filosofia fosse alguma coisa remota, quase localizada na mansão dos deuses, qualquer escrito tratando de Filosofia deveria estar localizado num espaço restrito, cuja chave estaria guardada num enconderijo secretíssimo.

Como a Filosofia faz parte do cotidiano das pessoas comuns, esta nossa reflexão está muito bem colocada neste veículo, veículo destinado a uma grande variedade de leitores.

Feito este preâmbulo, continuemos.

Segundo Santo Tomás de Aquino, a Filosofia é a ciência dos primeiros princípios, das primeiras causas”.

Marilena Chauí aponta que a reflexão filosófica, qualquer que seja o domínio a que se dirija, guia-se por três propósitos:

Primeiro – investigar o que a coisa é; qual a realidade, a natureza e a significação da coisa;

Segundo – como a coisa é, sua estrutura; quais as relações que constituem uma coisa;

Terceiro – por que a coisa existe, por que é como é; origem e causa de uma coisa, ideia ou valor.

José Luongo da Silveira observa que a inquietação existencial faz com que o homem nunca se detenha na procura do conhecimento, nunca se satisfaça plenamente com as explicações encontradas:

“A sua estrutura cognitiva parece uma alavanca que desencadeia a busca de plenitude, caminhando sempre em direção de novas elaborações racionais numa estrada sem fim. ”

Para Miguel Reale “parece acertado dizer-se que a missão da Filosofia seja receber os resultados das ciências e coordená-los em uma unidade nova.”

António Braz Teixeira distingue a Filosofia, de outros saberes:

“A Filosofia não é, como os outros tipos de saber, um corpo de doutrina, um acervo de conhecimentos ou um conjunto articulado de respostas, mas um processo, uma atividade permanente de interrogação sobre o próprio saber, seu valor e seus fundamentos.”

Djacir Menezes assinala que a reflexão e a crítica constituem as determinações essenciais do espírito filosófico”.

Oliveiros Litrento vê como objeto da Filosofia “a procura da razão de ser do homem e da vida”.

Existe o substantivo “filosofia” e o verbo “filosofar”. Filosofar é pensar a partir da Filosofia, ou seja, filosofar é pensar com os instrumentos da Filosofia, filosofar é exercitar a reflexão filosófica.

A sabedoria latina nos ensina que toda ciência principia pelo significado das palavras: ”omnia scientia a significatione verborum incipit”. Mas a mesma sabedoria clássica adverte para a dificuldade de definir, o perigo de definir: ”omnis definitio periculosa est”.

A palavra “filosofia” resulta da justaposição de dois vocábulos gregos: filos (amigo) e sofia (sabedoria). A Filosofia é, assim, etimologicamente, o amor à sabedoria, e o filósofo é um amigo da sabedoria.

Segundo Cícero, a palavra filosofia foi criada por Pitágoras. Comparecendo à face de Policrates, tirano de Samos, que lhe indagou a profissão, Pitágoras respondeu que não era um sábio, mas apenas um filósofo, ou seja, um amigo da sabedoria. Segundo ele, a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la ou amá-la tornando-se filósofos.

Pitágoras estava certo na sua humildade. Na busca da verdade, supôs que o número seria o princípio essencial de que todas as coisas são compostas (Todas as coisas são números). Equivocou-se na tentativa de explicar, por meio da verdade numérica, a globalidade dos fenômenos físicos e humanos. Sua intuição foi posteriormente contestada. Não obstante isso, seu nome permanece inscrito na História do Pensamento (até hoje se estuda, mesmo nas escolas de segundo grau, o teorema de Pitágoras).

Também Platão foi humilde, reconhecendo a limitação do espírito humano, quando escreveu que o filósofo deseja a sabedoria. Ele não disse que o filósofo possui a sabedoria, ou que é detentor da sabedoria, mas apenas deseja a sabedoria.

 

REFERÊNCIA  BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor do livro Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

 


Divórcio e dignidade feminina

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*  Maria Berenice Dias

Todo mundo quer acreditar que o amor é para sempre. Mas não adianta, é infinito enquanto dura. E, quando termina só há um jeito. Acabar com o casamento, definir direitos e deveres com relação aos filhos, partilhar bens. Não há outra maneira de preservar o direito à felicidade.

Ainda assim, de forma para lá de injustificável, o Estado resiste em permitir que as pessoas saiam do casamento. Antes o matrimônio era indissolúvel: até que a morte os separe! Mesmo com o advento da Lei do Divórcio, persiste a imposição de prazos, a identificação de culpados e a necessidade de um duplo procedimento. Mesmo havendo consenso, primeiro é preciso separar para depois converter a separação em divórcio, e isso depois do decurso de um ano. A possibilidade de obter o divórcio direto existe somente depois de dois anos da separação de fato. Ou seja, ninguém consegue casar novamente antes de tais prazos. Pode viver em união estável, mas não pode convertê-la em casamento.

Estas verdadeiras cláusulas de barreira são impostas sem se questionar sequer se existem filhos ou interesses de ordem patrimonial. Isto é, as pessoas são livres para casar, não para por fim ao casamento ou casar de novo.

Mas, a quem interessa a manutenção da união mesmo quando este nem é o desejo dos cônjuges? Será que alguém ainda acredita que, como a família é a base da sociedade, ela não pode se desfazer; renascer com outro formato; reconfigurar-se com novos partícipes?

Para acabar com este verdadeiro calvário é que o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM apresentou o projeto que se transformou na Proposta de Emenda Constitucional nº22/2009, a chamada PEC do Divórcio, que acaba com a separação, permanecendo o divórcio como a única forma de dissolver a sociedade conjugal, sem ser necessário adimplemento de prazos ou identificação de culpados.

Com certeza esta é a única forma de assegurar o respeito a um punhado de princípios constitucionais. Obrigar alguém a permanecer casado afronta o respeito à dignidade humana, o direito à liberdade, à convivência familiar e – às claras – o direito fundamental à afetividade.

No entanto, mister atentar a um fato. A necessidade de esperar que flua um lapso temporal desde o fim da vida em comum até a chancela estatal do término da união prejudica especialmente a mulher e os filhos. De um modo geral, quando da separação é a mulher que permanece com a guarda dos filhos e o homem fica na administração do patrimônio. Quase sempre é somente por ocasião do divórcio que ocorre a imposição de deveres, são garantidos direitos e identificadas responsabilidades de ordem pessoal e patrimonial.

Portanto, até serem fixados alimentos e partilhados os bens, o marido é beneficiado com a perenização do estado de indefinição, pois, enquanto isso, pode dispor livremente do patrimônio comum. E, quando finalmente o divórcio se torna possível, muitas vezes não há mais vestígios dos bens e nem o encargo alimentar atende ao critério da proporcionalidade. Tudo foi consumido, vendido ou desviado. Ou seja, ela fica com os ônus e ele com os bônus.

Talvez atentando a esta realidade seja possível identificar a quem interessa as coisas ficarem como estão. Talvez sejam estes os motivos que estejam a impedir a imediata aprovação da PEC do divórcio, que até deveria ser chamada de PEC do casamento. Afinal, só depois do divórcio é que as pessoas podem casar de novo.

Mais uma vez, se faz necessário que as mulheres se mobilizem para evitar que se perpetuem os enormes prejuízos decorrentes da indefinição patrimonial gerada pela injustificável resistência em chancelar o fim do vínculo afetivo.

A tentativa de manter o casamento acaba afrontando a dignidade feminina.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Maria Berenice Dias: Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.

Natureza humana, relação jurídica e a função do Direito – PARTE I

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* Atahualpa Fernandez 

“Cuando se acepta una explicación y se rehúsa otra que está de acuerdo con la experiencia, es evidente  que hemos  abandonado  los límites de la ciencia y hemos caído en la mitología”.  EPICURO 

        

“La cultura es el modo humano de satisfacer las exigencias biológicas”.   SALVADOR GINER 

A pergunta pelo sentido e finalidade do direito conduz inevitavelmente à busca dos fundamentos antropológicos da natureza e da conduta humana. O direito e as normas jurídicas (e morais) existem unicamente porque o homem estabelece relações sociais.  O ser humano como pressuposto, fundamento e sujeito de todo ordenamento jurídico está orientado para a vida social: a presença e a aceitação do “outro” na convivência é o fundamento biológico do fenômeno social. Qualquer teoria, norma ou discurso que exclua, recuse ou elimine a participação do “outro”, desde a competição até a cooperação, passando pela manipulação ideológica, destrói ou restringe o fenômeno social como condição de nossa humanidade, porque aniquila o processo biológico que o gera (Maturana, 1985).

Mas para entender a condição humana – e o direito é parte dessa condição e a sua idéia (idéia de direito) é o resultado da idéia do homem – há que se compreender ao mesmo tempo a dinâmica, em conjunto, entre natureza humana e o mundo das representações culturais, superando a idéia de que o homem deve ser contemplado unicamente como um ser cultural sem instintos naturais ( que condicionam seu comportamento) e sem nenhuma história evolutiva[1].

E uma vez admitido que os homens vivem e se desenvolvem em sociedade não porque são homens (ou anjos), senão porque são animais, resulta razoável inferir que a idéia do direito fundamentada em uma moral de respeito mútuo emana da e está limitado pela natureza humana: de nossa faculdade para antecipar as conseqüências das ações, para fazer juízos imediatos sobre o que está moralmente bem ou mal e para eleger entre linhas de ação alternativas[2]. Nossas manifestações jurídicas não são coleções casuais de hábitos arbitrários: são expressões canalizadas de nossos instintos morais e sociais, ou seja, de uma série de predisposições genéticas para desenvolver-nos adequadamente em nosso entorno.

Dispomos de normas de conduta bem afinadas porque nos permitem maximizar nossa capacidade de predizer, controlar e modelar o comportamento social respeito à reação dos membros de uma determinada comunidade. Somos uma espécie que descobriu que determinados comportamentos e vínculos sociais são necessários e valiosos para resolver problemas adaptativos relativos à sobrevivência, ao êxito reprodutivo e à vida em comunidade, e aceitou a necessidade de assegurá-los e controlá-los mediante um conjunto de normas e regras de conduta. O sujeito moral deixou seu lugar ao ser humano produto da evolução por seleção natural.

Dito de outro modo, embora o processo de seleção natural não tenha especificado nossas normas e valores morais, nos há dotado de uma estrutura neuronal psicológica capaz de desenvolver uma bússola interna (um instinto moral) que tenha em conta tanto nossos próprios interesses como as necessidades, desejos e crenças dos demais, de categorizar a conduta humana (própria e alheia) objetos e indivíduos em termos de valor ( de favorável ou desfavorável, de bom ou mal) e de transmitir, de forma acumulativa e renovada, esta categorização valorativa ( a informação sobre o valor, positivo ou negativo, de condutas, objetos e indivíduos) através da aprovação ou rechaço social[3].

Como os demais antropóides africanos, a natureza do ser humano é essencialmente social: nossa condição é a de um primata que nasceu para viver em comunidade. A expressão latina unus homo, nullus homo expressa bem essa natureza que nos caracteriza como espécie social e que, para nossos antepassados, seguramente representou uma vantagem por oferecer soluções a problemas adaptativos práticos relacionados com a constituição de uma vida socialmente organizada (a troca, a cooperação, a tomada de decisões, o juízo moral, o castigo, a retribuição, etc.)[4].

O homem isolado, sem uma comunidade social na qual possa plasmar sua existência, não é homem: é um nada. Fomos desenhados[5] para desenvolver-nos – e aprendemos a viver e a prosperar – em um entorno social, no marco das restrições de um mundo natural. A natureza do homem e, conseqüentemente,  todas as suas ações, sejam ou não conscientes,  é o resultado combinado não somente de uma mescla complicadíssima de genes, neurônios e de sinapses senão também de experiências, valores, aprendizagens e influências procedentes de nossa vida social, que confluem para dar o resultado final de um individuo inseparável da sociedade. O comportamento humano se origina a partir da interseção de nosso sofisticado programa cognitivo de raiz filogenético com o entorno sócio-cultural em que transcorre nossa ontogênese.  

A um nível mais profundo, a existência de uma natureza humana nos indica que o mesmo que um meio ambiente sem cálcio trunca no organismo humano o programa ontogenético que haveria de levá-lo ao desenvolvimento normal da dentição, uma vida social inexistente produz um ser sem articulação lingüística e sem autoconsciência, sem vida interior articulada; uma arquitetura cognitiva deserta de experiência, não um indivíduo no sentido que damos correntemente a esta palavra.

A existência secular e o intercâmbio recíproco com nossos congêneres produzem indivíduos. É com o outro e por meio do outro que o indivíduo se constitui: o reconhecimento do outro implica o reconhecimento do “eu”. A capacidade para  autointerpretar-nos está  direta e indissociavelmente vinculada à aquisição da capacidade para interpretar os outros, para  “ler” suas mentes, para entendê-los, e para  entender-nos a nós mesmos, como seres intencionais: é inata a nossa  necessidade de atrair o olhar e o reconhecimento do outro que, nessa condição,  já não ocupa uma posição comparável à nossa, senão contígua e complementária[6]. Marcados por uma incompletude constitutiva da espécie, devemos ao outro nossa própria existência e individualidade. Em verdade, é no trato de uns com outros quando temos que pensar, sentir, recordar, calcular e sopesar as coisas, ou seja, em que a empatia, a cooperação (e desde logo o egoísmo) e o altruísmo fluem com maior naturalidade.

Essa inteligência social requer até a última gota da capacidade cerebral que possuímos: a intersubjetividade é a característica fundamental da natureza de nosso cérebro. Os seres humanos não podem sobreviver, em nenhum lugar da terra, à margem da sociedade: não podem sobreviver, queremos dizer, em nenhum lugar da terra, de forma autônoma e separada, se carecem de uma profunda sensibilidade e capacidade de compreensão do “outro”. Assim como ensinam as mais laicas entre as ciências, é o outro, é seu olhar, que nos define e nos conforma. Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e a resposta do outro. O homem (cujo cérebro é o resultado vivo de um largo processo filogenético e capaz de viver em um universo não percebido) sem alteridade humana não pode desenvolver suas promessas genéticas.

Na falta desse reconhecimento, o homem não se humaniza; e poderíamos morrer ou enlouquecer se vivêssemos em uma comunidade na qual, sistematicamente, todos houvessem decidido não olhar-nos jamais ou comportar-se como se não existíssemos: seríamos, por certo, como uma espécie de Adão bestial, solitário e  sem consciência, que  não viveria em sua “existência”  o  significado  da relação sexual,  o prazer do diálogo e do consenso, o amor pelos filhos e a dor da perda de uma pessoa amada ( Eco, 2000).

E não somente nossa existência, nossos valores e nossas normas de conduta são definidos em relação com as demais pessoas. A própria liberdade humana não pode conceber-se à margem da interação com os demais, pois o modo de ser do homem no mundo é intrinsecamente um modo de ser interpessoal. A autonomia de ser e de obrar que está inscrita na mesma essência do homem, e da qual brota a possibilidade de obrar livremente, não pode realizar-se mais que no diálogo e no intercâmbio com o “outro” no mundo. Na advertência de E. Levinas, não há liberdade humana que não seja capacidade de sentir a chamada do outro[7]. Não existe uma liberdade lograda e completa que logo, posterior e secundariamente, se veja também revestida de uma dimensão ética. Desde o princípio a liberdade humana se realiza no contexto da chamada que o outro me dirige. A mais íntima essência e a medida da liberdade no homem são a possibilidade e a capacidade de sentir a chamada do outro e de responder-lhe. E desde o momento em que o outro aparece como outro nasce também a dimensão ética e a jurídica[8], fatalmente vinculada e indissociável de nossas relações com os demais.

Daí que o direito não é mais nem menos que um artefato cultural, uma estratégia sócio-adaptativa cuja função consiste em estabelecer limites, articular, e combinar, por meio de normas de conduta, os vínculos sociais que irremediavelmente estabelecemos ao longo de nossa secular existência. Com o direito promovemos em grupos tão complexos como são os humanos aqueles meios necessários para instituir e decidir que ações estão proibidas, são lícitas ou obrigatórias, assim como para justificar e controlar os comportamentos coletivos. O desenvolvimento dos sistemas normativos implicou processos causais gerados pelas inevitáveis colisões de interesses próprios relativos à convivência social, isto é, de que criamos um sistema complexo de justiça e de normas de conduta para canalizar nossa tendência à “agressão” decorrente da falta de reciprocidade e dos defeitos que emergem dos vínculos sociais relacionais elementares através dos quais os homens constroem estilos aprovados de interação e estrutura social.

De fato, as normas de conduta representaram uma vantagem seletiva ou adaptativa para uma espécie essencialmente social como a nossa que, de outro modo, não haveria podido prosperar. Tais normas plasmaram a necessidade da possessão de um mecanismo operativo que permitisse habilitar publicamente nossa capacidade ou predisposição para inferir os estados mentais e de predizer (e controlar) o comportamento dos indivíduos, ou seja, para antecipar as conseqüências do comportamento dos demais em empresas que requerem a competição ou a cooperação: um desafio que nasceu da necessidade humana não somente de delimitar os âmbitos em que os interesses individuais, sempre a partir das reações do outro, pudessem ser válida e socialmente exercidos, senão também para entender e valorar o comportamento de seus congêneres[9], de responder a ele, de predizê-lo e de manipulá-lo e, a partir disso, de estabelecer e regular as mais complexas relações da vida em grupo[10].

Pois bem, desde esta perspectiva (naturalista[11]) acerca do ser humano e da função do direito, é possível estabelecer algumas implicações jurídicas a partir de uma compreensão realista da natureza humana – isto é, considerada sob uma ótica muito mais empírica e respeitosa com os métodos científicos -, acusadamente no que se refere ao problema das relações jurídicas. E começaremos por admitir que o objeto do discurso jurídico, como práxis de um contexto vital, ético e cultural, só pode ser o homem, mas não o homem empírico, nem sequer o homem meramente como noumênico, mas o homem como  in-divíduo (individuum não é senão a tradução latina do grego átomos, que significa “indiviso”), como  pessoa: o homem em sentido ontológico-relacional, situado no tempo e no espaço, em sua história e em sua natureza, como o originário sujeito de liberdade e autonomia – e, portanto, de responsabilidade -, capaz de altruísmo, cooperação (intercâmbio recíproco) e de egoísmo no trato de suas relações sociais – e, por isso, titular de dignidade e de culpa. Quer dizer, como o conjunto de relações em que se encontra e para o qual está desenhado para estabelecer: o ser humano, em sua dimensão social, é ponto de partida e de chegada, o núcleo duro e invariável, do fenômeno jurídico.

Por outro lado, parece estar além de toda dúvida razoável o fato de que as relações jurídicas estabelecidas pelo ser humano nada mais são do que aqueles vínculos sociais relacionais que o discurso jurídico como tal identifica[12]. Isso significa que sempre se legitima o direito a partir do modo em que a cada um se confere competência como pessoa, sobretudo no que diz respeito aos direitos  constitutivos do indivíduo, ou seja, aos direitos que habilitam publicamente a sua respectiva existência como cidadão. E embora o direito não esgote toda a nossa relação de vida, o certo é que, uma vez definida em termos normativos, toda a relação jurídica repousa, em última instância, em uma relação social, a qual, por sua vez, tem o indivíduo como sujeito.

Assim entendido, a função e a finalidade de todo e qualquer discurso prático normativo consiste na articulação combinada dos vínculos sociais relacionais que subjazem a um determinado tipo de relação jurídica, no sentido de e com o objetivo de, potenciando seus melhores lados e eliminando seus lados destrutivos, atuar o direito em relação da  pessoa  e  para a  pessoa , isto é, ao  redor do compromisso ético que congregue liberdade, igualdade e fraternidade na construção conjunta de alternativas e possibilidades reais de uma vida digna de ser vivida.

Um direito concebido desta maneira é relacional, dinâmico, histórico e pessoal, dado que a forma primeira de toda e qualquer relação é a pessoa. Trata-se, sem mais, de conceber uma ontologia do pessoal pensada como ontologia relacional – e não de qualquer outra peculiar ontologia substancialista –, em razão da qual é de grande importância e significado o ponto de vista do reconhecimento e do respeito ao outro. Dito de outro modo, somente pode ser pessoa quem reconhece o outro como pessoa; o consenso não pode ser “o fundamento último” nem da personalidade e nem do direito, senão que é preciso remeter a algo que lhe corresponde, o suum iustum. Um direito que garante ao homem o que lhe corresponde em suas relações com os outros pode aspirar a ver-se reconhecido na consciência dos indivíduos: somente um direito tal é suscetível de consenso e intersubjetivamente válido, uma vez que o ser do homem é essencialmente relacional (Kaufmann, 1999).

Resulta evidente, portanto, que o tipo de natureza humana que subjaz a este tipo de argumento constitui o fundamento material, ontológico e metodológico do fenômeno jurídico aqui defendido[13] e, em igual medida, se configura como o conceito gerador e articulador dos modelos de vínculos sociais aqui propostos. Em realidade, a concepção que adotamos acerca da natureza humana e que serve de fundamento às idéias aqui formuladas[14], reside no fato de que os seres humanos, por ser um produto mais da evolução biológica, desenhados pela seleção natural para resolver determinados problemas adaptativos práticos relacionados com a constituição de uma vida socialmente organizada, quer dizer, por serem produtos da co-evolução entre o natural e o cultural (genes-cultura), tomam em consideração as limitações com as quais nascemos (que impõem constrições cognitivas fortes para a percepção, armazenamento e transmissão discriminatória da cultura e limitam o rol das variações culturais possíveis[15]) e que, de uma maneira ou outra, definem e circunscrevem as condições de possibilidade do direito e de sua respectiva realização prático-concreta[16].

E uma vez que sem vida social nada é possível para o indivíduo, nem sequer o indivíduo mesmo, seu existir separado, o problema passa a ser o de saber se é possível entender que nossa mente está dotada, a exemplo do que ocorre com o sentido da vista e a capacidade para a linguagem, de módulos específicos ou sistemas especializados dedicados a percepção e processamento de informações acerca de algo que tem um componente tão aparentemente  difícil de manejar como, por exemplo, as relações sociais  e , conseqüentemente, as relações jurídicas – a que Karmiloff-Smith (1995) chama de “módulo social”, isto é, um departamento do cérebro que se especializa em lidar com estímulos sociais e comportamento social ( módulos cognitivos funcionalmente independentes, de especificidade de domínio, e sempre que entendamos estes como redes de circuitos neuronais que enlaçam zonas diversas do cérebro).

O método para descobrir o sistema de regras que subjaz, em nosso caso, às intuições morais relativas aos vínculos sociais relacionais pode ser comparado – tal como realizou John Rawls (1971) – com o método da lingüística moderna: as regras gramaticais são tão complexas que não podem ser aprendidas em um período de tempo tão breve por um bebê  que utilize  algoritmos de aprendizagem geral. Em seu lugar, deve haver constrições inatas de aprendizagem que permitam a aquisição lingüística. Tais constrições implicariam que a gama de gramáticas  que lhe é possível  aprender resumem-se a um pequeno e altamente  estruturado subconjunto de um conjunto de gramáticas logicamente possíveis. Todas as gramáticas das linguagens existentes, naturalmente, caem dentro deste subconjunto (Pinker,1994)[17].

Centrando nosso interesse no que a analogia permite-nos compreender, diremos o seguinte: uma vez admitido que o direito define, em termos normativos, a tessitura social e que toda relação jurídica reside, em última instância, em uma relação social – a qual, por sua vez tem sempre o indivíduo como sujeito –, temos que reconhecer que se retirarmos o “véu jurídico-normativo” que recobre nossas relações jurídicas nos encontraremos fundamentalmente (em seu núcleo duro) diante de vínculos sociais relacionais já antes estabelecidos pelo homem, e sobre os quais, unicamente, as normas jurídicas incidem atribuindo direitos e deveres recíprocos aos sujeitos envolvidos. E nada mais.

Agora, são infinitos e ilimitados os tipos de relações jurídicas tuteladas pelo direito ou, ao contrário, existem constrições inatas no pensamento ético-social humano que restringem – de forma similar ao que ocorre com a linguagem – o conjunto dos vínculos sociais relacionais  humanamente possíveis (que subjazem às relações jurídicas) a um subconjunto relativamente pequeno de sistemas lógicos possíveis? Qual seria o núcleo duro constitutivo desse conjunto de vínculos sociais relacionais através dos quais os humanos constroem sistemas aprovados de interação e estrutura social regulados pelo direito (as relações jurídicas)?

Trataremos de responder a estas questões na segunda parte deste artigo, recordando, contudo, que a partir do momento em que é incapaz de advertir os signos de sua própria crise porque sua ideologia é um mito contínuo de justiça, o Direito se separa da realidade e se envolve em uma ilusão, esteada pela moldura conceitual de concepções dogmáticas completamente alheias às implicações jurídicas da natureza humana.


NOTAS
[1] O ser humano pertence a dois mundos: o mundo do corpo/cérebro (dos quais emerge a mente) e o mundo das criações culturais fundadas na atividade neuronal (uma sincronia em rede), mas que a transcendem. Isso somos. O que realmente resulta insólito é que ainda se siga questionando e/ou desconsiderando a existência da natureza humana, quando os avanços das investigações procedentes das ciências da vida e da mente oferecem linhas de convergência capazes de situar a reflexão humanística e científico-social sobre uma concepção da natureza humana como objeto de investigação empírico-científica e não mais fundada ou construída a partir de mera especulação metafísica: já sabemos que existe algo que denominamos natureza humana, com qualidades físicas e manifestações inatas e inevitáveis em muitas e diversas situações; sabemos que algumas propriedades fixas da mente são inatas, que todos os seres humanos possuem certas destrezas e habilidades das que carecem outros animais, e que tudo isso conforma a condição humana. E hoje sabemos que somos o resultado de um processo evolutivo que, para bem ou para mal, modelou nossa espécie. Somos animais éticos. O resto das histórias acerca de nossas origens e de nossa natureza não é mais que isso: histórias que consolam, enganam e até motivam, mas histórias ao fim e ao cabo. Por conseguinte, e diante de tais evidências, o que se há que fazer é considerar seriamente a relevância das bases biológicas do comportamento humano, não somente no sentido de estabelecer os vínculos adequados entre processos mentais e processos neurológicos – tarefa na qual avançam tenazmente as neurociências -, senão também, e muito especialmente, no sentido de compreender o largo e complexo processo evolutivo que gerou nosso sistema nervoso e como este, no contexto de uma crescente sociabilidade, produziu o enramado cultural em que estamos instalados e que não tem termo de comparação.

[2] Em termos mais gerais, nossa capacidade ética e nosso comportamento moral (e jurídico- normativo) devem ser contemplados como um atributo do cérebro humano e, portanto, como um produto mais da evolução biológica e que está determinado pela presença (no ser humano) de três faculdades que são necessárias e, em conjunto, suficientes para que dita capacidade ou comportamento se produza: a de antecipar as conseqüências das ações; a de fazer juízos de valor e; a de eleger entre linhas de ações alternativas. Vejamos em que consistem essas faculdades. A capacidade de prever as conseqüências das ações, é talvez, a mais fundamental das três condições requeridas para que possa dar-se o comportamento ético. Tal capacidade está estritamente relacionada com a de estabelecer a conexão entre o meio e o fim, quer dizer, de ver ao meio precisamente como meio, como algo que serve a um fim ou propósito determinado. A possibilidade de estabelecer a conexão entre meios e fins requer a capacidade de imaginar o futuro e de formar imagens mentais de realidades não presentes em um momento dado ou ainda inexistente. A possibilidade de estabelecer a conexão entre meios e fins é, de fato, a capacidade intelectual fundamental que tornou possível o desenvolvimento da tecnologia e a cultura humana. As raízes evolutivas de tal capacidade estão no aparecimento da posição bípede, que transformou as extremidades anteriores de órgãos de locomoção em órgãos de manipulação.  As mãos puderam então servir para a construção e uso de objetos utilizáveis para a caça e outras atividades que aumentavam a probabilidade de sobrevivência e reprodução. A seleção natural favoreceu o aumento da capacidade intelectual de nossos antepassados, pois que esta fazia possível a construção de utensílios, que eram adaptativamente vantajosos para seus possuidores. A capacidade de antecipar o futuro, necessária para a existência do comportamento ético, está pois intimamente associada com a evolução da habilidade de construir utensílios, cujo resultado é a avançada tecnologia da humanidade moderna, e é responsável do êxito da humanidade como espécie biológica. A segunda e a terceira das condições necessárias para que se dê o comportamento ético, quer dizer, a capacidade de fazer juízos de valor e de eleger entre modos alternativos de ação, estão também fundamentadas na enorme capacidade intelectual dos seres humanos. A faculdade de formar juízos de valor depende da capacidade de abstração, de ver objetos ou ações determinados como membros de classes gerais, o qual torna possível a comparação entre objetos e ações diversos e perceber uns como mais desejáveis que outros. Tal capacidade de abstração requer uma inteligência desenvolvida, como parece ocorrer nos seres humanos e somente neles. Enquanto a capacidade de eleger entre modos alternativos de ação, vemos de novo que está baseada em uma inteligência avançada que torna possível a exploração de alternativas dispersas e a eleição de umas ou outras em função das conseqüências antecipadas. Em resumo, a capacidade de comportamento ético é um atributo da constituição biológica humana e, por isso, resultante da evolução, não porque tal capacidade fora diretamente promovida pela seleção natural por ser adaptativa em si mesma, senão porque se deriva de uma capacidade intelectual avançada. É o desenvolvimento da capacidade intelectual o que foi diretamente impulsionado pela seleção natural, posto que a construção e o uso de utensílios contribuem ao êxito biológico da humanidade (Cela Conde e Ayala, 2007).

[3] A capacidade para categorizar valorativamente a conduta própria e alheia e encerrar-se em um intercâmbio de juízos de aprovação e de reprovação até constituir uma nova fonte de emoções de prazer e desagrado (que sentimos ao colocar à prova uma conduta e as que sentimos ante a aceitação ou o rechaço social da mesma) constitui um bom exemplo de como nossa constituição psicobiológica condiciona o desenvolvimento cultural, funcionando como condição de possibilidade da massiva produção cultural de nossa espécie, e, ao mesmo tempo, de sua independência material com relação às nossas condições biológicas. A dupla ação natureza/cultura produziu, durante o largo curso de nosso processo evolutivo, algumas estratégias e mecanismos desenhados com a intenção de que servissem para resolver determinados problemas adaptativos a eles associados. Se o propósito se alcança, assumimos e dizemos que tais mecanismos têm valor (que são bons) e, como tal, que são capazes de ir acumulando “tradições” que, não obstante em processo contínuo de renovação (da evolução acumulativa e renovada da cultura pelo efeito “ratchet”, de que nos fala Tomasello, 1993 e 1999), se transmitem de geração em geração mediante atuações individuais de pessoas  influídas por esse triplo conjunto de elementos procedentes da natureza, da cultura e da história, tanto recente como remota, da humanidade. De fato, a característica da cultura humana que a torna tão central na vida humana é o seu potencial acumulativo: os seres humanos modernos desenvolveram a capacidade de “identificar-se” (de ver os “outros”) como membros de sua própria espécie, conduzindo a um entendimento recíproco como seres intencionais; esta nova classe de entendimento social favoreceu o aparecimento de novas formas simbólicas de interação social  que, por sua vez, conduziu à produção gradual de novos artefatos culturais  cada vez mais complexos, acumulando modificações ao longo do tempo histórico e em um grau que não é encontrado em outra espécie. Nas palavras de Edgar Morin (2000): a cultura, que não está assimilada de forma hereditária, aparece e se transmite por aprendizagem. A cultura não somente nasce no marco de um processo natural senão que adquire uma relativa autonomia, o que vai a propiciar o desenvolvimento da humanidade: já na última etapa, a do Homo sapiens, havia um acervo cultural propício para a eclosão de um grande cérebro, esse grande cérebro que supera desde qualquer ponto de vista ao do Homo erectus. Se a cultura é o resultado de uma evolução natural, o último estágio desta evolução não podia dar-se sem que existisse a cultura. Já não falamos simplesmente de corte epistemológico senão também de  soldadura ontológica. Significa dizer que inclusive o ato de filosofar não pode perder de vista sua origem animal, e que aí, nessa simbiose, reside o característico da  “natureza humana” (o próprio “tempo”, que durante um largo período se acreditou ser uma noção filosófica agora descobrimos que talvez seja um conceito biológico; os neurobiólogos nos explicam que quando se produz um corte do lóbulo pré-frontal ou uma alteração dos tubérculos mamilares, os sujeitos passam a perceber somente o presente, vivem em uma sucessão de presentes: deixa de haver, nessas zonas cerebrais, conexões com a memória e possibilidade de antecipação) . A mente se inscreve no cérebro, que é o mais sofisticado órgão animal.  Nenhuma construção cultural pode desconectar-se de sua raiz, e esta raiz  é tão “espiritual” como  “material”, tão cultural como  animal. Dito de outro modo, a origem de nosso comportamento normativo (ético/jurídico)  não se encontra tanto no contrato social de Hobbes  senão nas idéias do próprio Darwin, precursor  dos etólogos. A origem está nos “instintos sociais “ dos animais, não somente no temor racional do egoísmo (Hobbes). Há uma prévia “empatia” ativa que desenha soluções compartidas. Nossas valorações e condutas morais não são somente produto da história cultural, senão que também se encontram codificadas de alguma forma em nossas mentes e na substância biológica da qual esta surge, evolucionada por seleção natural: nosso cérebro. Se cabe falar de um “animal ético” é porque as condutas altruístas  e cooperadoras, como resultado de estratégias evolutivas filtradas pela seleção natural, possuem um alto valor adaptativo e de sobrevivência. Seja como for, o certo é que, desde uma perspectiva mais científica que humanista, filosofamos depois de Darwin: descendemos daqueles primeiros símios que começaram a andar sobre duas patas. Somos essencialmente animais. Animais falantes  ou animais valorativos , mas animais ao fim.

[4] Quando, há aproximadamente 200.000 anos, o cérebro evoluiu até sua forma atual, o fez sob pressões seletivas derivadas do intercambio social. A sobrevivência diária nessas sociedades dependia de maneira inexorável da manutenção da coesão social, o que requer que cada indivíduo deve pagar um custo, ou cumprir certos requerimentos, para obter um benefício  da comunidade. Definem Cosmides e Tooby (1992 e 2005) algo parecido a uma lógica do intercambio social que evoluiu como resposta aos problemas que suscitavam as interações cooperativas entre os indivíduos. Em concreto, elaboraram um programa de investigação experimental cujo objeto é determinar se nossa mente possui mecanismos específicos – algoritmos –que guiem nosso raciocínio em situações nas quais se produz cooperação entre duas ou mais pessoas para seu mutuo benefício. Três são suas aportações mais significativas: primeira, a tendência a cooperar de maneira condicional, isto é, somente quando o resultado seja (ou tenha sido) satisfatório; segundo, a proposta de que existe um mecanismo psicológico em nossa mente que nos permite raciocinar de maneira especializada para detectar indivíduos que enganam e/ou intentam obter vantagem nos intercâmbios sociais; e, por último, a presença de um forte sentimento de rechaço com relação aos trapaceiros. Em resumo, como conseqüência da vida em grupo (constantes interações sociais durante os últimos dois milhões de anos que condicionaram o desenvolvimento de capacidades mentais mediante as quais nossa espécie pode construir mapas cognitivos sobre as pessoas, as relações, os motivos, as emoções e as intenções que se manifestam em seu entorno social) nosso cérebro parece desenhado para detectar tais enganos (que geram os defeitos de nossos vínculos sociais relacionais) e atuar em conseqüência ( rompendo o vínculo social e/ou favorecendo o castigo dos trapaceiros).

[5] O uso o termo “desenho” não se refere a qualquer tipo de postura “criacionista” ou de “desenho inteligente”, senão, e sempre, a algo desenhado pela seleção natural. De fato, as coisas viventes não estão desenhadas, embora a seleção natural darwinista autorize para elas uma versão da postura de desenho, isto é, de que é perfeitamente possível traduzir a postura de desenho aos termos darwinistas adequados (Dawkins, 2007 e Dennett, 1987).

[6] Sobre o papel das “neuronas espelho” nesta natural interdependência entre o “eu” e o “outro”, essencial para entender nossa natureza social, cfr. Iacoboni, 2008.

[7]  E não é apenas o fato de que “todos nós precisarmos” do outro; trabalhos recentes mostram que precisamos interagir com os outros; precisamos dar e receber; precisamos pertencer ( Baumeister e Leary, 1995; Brown et. al., 2003; Habermas, 2006 e 1996). Sêneca tinha razão: “Ninguém que vê apenas a si mesmo e transforma tudo em uma questão de sua própria utilidade é capaz de viver feliz”. John Donne também tinha razão: precisamos dos outros para nos completar. Somos uma espécie ultra-social, cheia de emoções firmemente sintonizadas para amar, oferecer amizade, ajudar, compartilhar e entrelaçar nossas vidas à de outros, ainda que o apego e os relacionamentos  possam  provocar-nos dor. Como disse um personagem de Sartre: “O inferno são os outros”. Mas o paraíso também. (Haidt, 2006; Atahualpa Fernandez, 2007). Enfim, nossos corpos, nosso cérebro e nossas mentes não estão desenhados para viver em ausência de outros: a atividade psicológica e neuronal humana não ocorre de forma isolada, senão que está intimamente conectada a – e se vê afetada por –  os demais seres humanos.

[8] Note-se que várias teorias modernas da evolução do cérebro humano mantêm que o principal estímulo ambiental seletivo para seu rápido crescimento pode haver sido as exigências de ter que tratar com a complexidade da vida social. Em vez de pensar que o cérebro humano se desenvolveu simplesmente para resolver os problemas do entorno material, temos que considerá-lo mais bem como um órgão  social desenvolvido no interior do espírito coletivo de uma comunidade. A função própria do fabuloso desenvolvimento neo-cortical do  Homo sapiens é precisamente a de facilitar a interpretação própria e alheia, a inteligência social. A origem biológica de nossas mais extraordinárias capacidades cognitivas – como em  todos os grandes hominídeos – é de todo ponto social.

[9] De fato, um dos maiores inconvenientes do ser humano é a dificuldade que supõe contemplar-nos uns aos outros sem prejuízos; somos seres desenhados para interpretar em clave valorativa as condutas, normas, crenças e todos os demais fenômenos que nos cercam.

[10] Nesse sentido, a própria idéia de “segurança” e  “certeza” jurídica podem ser entendidas muito bem dentro do modelo naturalista como expressão sócio-cultural da solução aos problemas adaptativos relacionados com nossa singular tendência para perceber fatos, situações e ações próprias e alheias como dotadas de cargas valorativas vinculantes, assim como com nossa predisposição, capacidade e necessidade de antecipar ou predizer as ações dos membros do grupo e suas conseqüências, isto é,  circunscritas ao  conjunto de valorações e eleições em termos de bem e de mal ( “bom” e “mau”, “justo” e “injusto”, “permitido” e “proibido”, etc.) no âmbito das relações e comportamentos sociais, e com um horizonte temporal amplo (de projeção para o futuro das conseqüências dos atos).

[11] Uma tese que defendemos por sua indiscutível força explicativa (empírico-científica) acerca da dimensão natural do ser humano, sua natureza biológica e sua origem evolutiva, e que nos põe em alerta ante a evidência de que direito não poderá seguir suportando, por muito mais tempo, seus modelos teóricos elaborados sobre construções especulativas da natureza humana.  Hoje, mais que em qualquer outra época, é necessário pensar e determinar a noção de natureza humana (como objeto de investigação empírica) no marco de um programa naturalista para, a partir daí, abordar e repensar a teoria jurídica em suas distintas tradições. Por outro lado, diga-se de passo, é preciso manter certa prevenção com aqueles que insistem em atribuir a este programa (naturalista) um caráter reducionista, termo cujo uso costuma comportar, habitualmente, uma intenção pejorativa e desqualificadora.  Não é o caso: o que se pretende destacar é a vontade de conceber a cultura e a vida social como realidades nascidas da própria constituição biológica do ser humano e aplicar, onde seja possível, a heurística darwinista à explicação da origem e função dos fenômenos e mecanismos socioculturais, respectivamente. Daí que para Maturana (1985), superando o naturalismo ingênuo, o “dever ser” é um momento fundado sobre a estrutura biológico-neuronal do “ser” humano vivo.

[12] Segundo Emilio Betti (1955), as relações jurídicas têm seu substrato em relações sociais existentes já antes e inclusive fora da ordem jurídica: relações que o direito não cria, mas encontra ante si, prevê e orienta na diretiva de categorias e avaliações normativas.

[13] De acordo com Pinker (2002), todo mundo tem uma teoria sobre a natureza humana. Todos temos de prever o comportamento dos demais, o qual significa que todos necessitamos umas teorias sobre o que é o que move às pessoas a adotar determinadas condutas. Uma teoria tácita da natureza humana –  segundo a qual o comportamento é causado por pensamentos e emoções dos causantes da conduta- é ínsita ao modo como concebemos a pessoa. Damos corpo a esta teoria analisando nossa mente e supondo que nossos semelhantes são como nós, assim como observando o comportamento das pessoas e formulando generalizações. Ademais, também absorvemos outras idéias de nosso ambiente intelectual: da experiência dos expertos e da sabedoria  convencional do momento. Nossa teoria sobre a natureza humana é a fonte de grande parte do que ocorre em nossa vida. A ela nos remetemos quando queremos convencer ou ameaçar, informar ou enganar. Aconselha-nos sobre como manter vivo nosso matrimônio, educar aos filhos e controlar nossa própria conduta. Seus supostos sobre a aprendizagem condicionam nossa política educativa; seus supostos sobre a motivação dirigem as políticas sobre economia, justiça e delinqüência. E dado que delimita aquilo que as pessoas podem alcançar facilmente, aquilo que podem conseguir somente com sacrifício ou sofrimento, e aquilo que não podem obter de modo algum, afeta a nossos valores: aquilo pelo que pensamos  que podemos lutar razoavelmente como indivíduos e como sociedade. As teorias opostas da natureza humana se entrelaçam em diferentes maneiras de viver e em diferentes sistemas políticos, e tem sido causa de grandes conflitos ao longo da história. Para uma introdução histórica acerca das concepções da natureza humana, a importância da idéia de natureza humana para o indivíduo e a forma como afeta de maneira profunda o tipo de sociedade  em que vivemos e em que nos gostaria viver, cfr., ademais de Pinker (2002): Trigg, 2001 , Stevenson e Haberman, 1998.

[14] Nas palavras de Jones e Goldsmith (2004): “Society uses law to encourage people to behave differenntly than they would behave in the abssence of law. This fundamental purpose makes law highly dependent on sound understanding of the multiple causes of human behaviour. The better those understanding, the better law can achieve social goals with legal tools. Current understanding though clearly improving, are imperfect in a variety of ways. One imperfection accompanies the prevalent, often unexamined assumption that law can gain accurate and sufficient understanding of human behaviour by using only the tools of the social sciences, the humanities, or both. Every day we leave further behind a world in which tha assumption was excusable. Knowledge in behavioral biology is growing rapidly, and is has laid a significant foundation for understanding how the brain  works and how it came to work as it does. It affords a deeper understanding of what behavior is, where it comes from, what evolutionary  and developemental causes underlie species-typical brains, what influences yield species-typical patterns of behavior, how the brain develops at the temporal intersection of genes and environments, how the brais functions, and how evolutionary biology and culture inevitably intertwine, reciprocally affecting one another. To be clear, we have not suggested that behavioral biology deserves a place at the head of the table. Nor are we claiming that it will solve every problem. We have argued, instead, that trying to understand behavior at any deep level, while simultaneously ignoring an enormous and growing store of relevant scientific information, is a path to certain obsolescence. We have argued that building more accurate and more robust models of human behaviour that can  improve law´s effectiveness requires integrating traditional perspectives with perspectives from behavioral biology. And we have argued that this is an interdisciplinary enterprise in which legal thinkers should participate.[…] In doing so, behavioral biology promises to help discover useful patterns in regulable behavior, uncover policy conflicts, sharpen cost-benefit analyses, clarify causal links, increase understanding about people, provide theoretical foundation and potential predictive power, disentangle multiple causas influences, expose unwarranted assumptions, assess comparative effectiveness of legal strategies, reveal deep patterns in legal architecture, identify selection pressures that law creates, and also usefully highlight legal features through evolutionary metaphors. Any one of these functions, standing alone, could justify greater attention to behavioral biology. Taken together, they make a geometrically stronger case”.

[15] Coevolução considerada como um modelo misto de evolução, em que os fatores genéticos se apresentam como co-responsáveis do processo de evolução cultural junto a outros fatores e forças que se desenvolvem, atuam e se expressam em termos estritamente culturais (Cavalli-Sforza; Feldman; Boyd e Richerson). Já sobre o conceito das “restrições cognitivas” acerca da aquisição, armazenamento e transmissão das representações culturais , assim como da transmissão cultural como um processo inerentemente seletivo (um “modelo seletivo” segundo o qual, dadas certas circunstâncias e tendo a população uma variedade de representações, algumas dessas representações têm mais probabilidade de armazenar-se na memória dos sujeitos e de transmitir-se a outros sujeitos: ao ser mais fáceis de aprender e de memorizar, tem um maior “valor de sobrevivência” que outras representações para sua transmissão cultural), cfr., por todos, Boyer (1992, 1993 e 2002): dadas as propriedades gerais da mente humana, certas representações têm mais probabilidade que outras de ser adquiridas e transmitidas, e de chegar, deste modo, a constituir os conjuntos estáveis de representações aos que os antropólogos chamam de “culturas”. Assim que os sistemas culturais podem e devem ser estudados como conjuntos de representações mentais adquiridas e armazenadas pela mente humana, já que os processos de aquisição e memorização impõem fortes constrições aos conteúdos e à organização das representações culturais. Note-se que Boyer trabalha com as idéias religiosas porque parece ser a parte “mais cultural” da cultura e em conseqüência a menos suscetível de ser explicada em termos cognitivos. A partir daí, e contradizendo os pressupostos da antropologia cultural ( que costuma centrar-se em sistemas abstratos de “símbolos”, “códigos” ou “significados”, cujas propriedades se presumem independentes do modo em que estão representados na mente humana e  parecem estar completamente restringidos e determinados ao modo como os sujeitos recebem e aprendem a partir da interação social – portanto, a suposição  de que a transmissão cultural é primordialmente um processo passivo), considera que, se as hipóteses cognitivas são relevantes para a explicação das idéias religiosas, então outros aspectos das representações culturais seriam a fortiori passíveis desse tipo de descrição – aqui incluído, evidentemente, o direito. Tal como sustenta Sperber (1985), isto explica que o suposto implícito em muitas teorias da transmissão cultural  de que a mente é um processador de informação equipotencial – o suposto de que as representações mentais com distintos conteúdos são igualmente fáceis de ser transmitidas – é falso: as representações cujo conteúdo encaixa em um domínio para o qual temos mecanismos especializados serão transmitidas de  modo muito distinto daquelas que não encaixam nesse domínio; em segundo lugar, acaba com a grande dúvida sobre se o indivíduo é um receptor passivo da transmissão cultural (tal como defendido pelo relativismo cultural, no sentido de que  todos os aspectos  da conduta humana se aprendem, diferem e podem diferir por completo em distintas culturas), o que , de fato, não o é : é a mente humana  a que impõe  constrições significativas  para a percepção , a transmissão e o armazenamento discriminatório de representações culturais. O mesmo é dizer que a natureza humana – definida como um conjunto de mecanismos psicobiológicos comum de nossa espécie que são o resultado  de um largo caminho evolutivo, marcado pelos imperativos da seleção natural – resulta indispensável para compreender as possibilidades e os limites da cultura humana, isto é, que funciona como indispensável fator possibilitador e determinante restritivo de toda variação cultural possível (variação que remete, em última instância, a dois tipos de fatores explicativos: a própria arquitetura mental modular (de conteúdo específico) e as condições ambientais locais nas quais se desenvolve). A complexidade da mente não se deve à cultura aprendida, senão que a cultura se deve à complexidade da mente humana.

[16] Aqui se poderia conjecturar acerca do problema da falácia naturalista: passar dos enunciados descritivos (“Pedro matou a sua mulher”) aos enunciados valorativos (“Pedro deve ir à prisão”). Nada mais longe da realidade. E duas são as circunstâncias a considerar: em primeiro lugar, como mostrou Richard Hare, não existe falácia lógica porque a passagem dos enunciados descritivos aos valorativos se faz dando por suposto de maneira implícita um enunciado intermédio (“Quem mata deve ir à prisão”); em segundo lugar, que os fatos da natureza e a história fundamentam e impõe limites aos valores, mas não os determinam. É a mente humana a que constrói os valores e as normas. Depois, talvez seja útil recordar: a) por um lado, que, simétrica a alegada falácia naturalista, a sempre dissimulada falácia moralista consiste em inferir um fato de um desejo, valor, imperativo ou enunciado moral ou deôntico; e b) por outro lado, que não são poucos os intelectuais bem intencionados e “politicamente corretos” que caem ( e/ou insistem) na falácia moralista.

[17] No âmbito propriamente da moral, Gazzaniga (2006)  defende a idéia de que poderia existir um conjunto universal de respostas biológicas aos dilemas morais, uma sorte de ética integrada no cérebro, isto é, de que temos um sentido moral que está construído em nossos cérebro por nossa evolução, como nosso instinto sexual ou nosso medo às alturas; ou, como Hauser (2008) prefere dizer, como nossa capacidade para a linguagem : estamos dotados de um “instinto moral”, uma faculdade moral equipada com propriedades universais da mente humana que guia inconscientemente nossos juízos intuitivos sobre o bem e o mal, restringe o âmbito da variação cultural e que permite desenvolver uma reduzida gama de sistemas morais concretos; essas intuições refletem o resultado de milhões de anos nos quais nossos antecessores viveram como mamíferos sociais e formam parte de nosso patrimônio comum (Hauser, 2008; Hauser e Singer, 2006).

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ATAHUALPA FERNANDEZ:  Professor Colaborador Honorífico (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB; Membro do Ministério Público da União /MPT (Procurador do Trabalho).

ÆPara a consulta da referência bibliográfica relativa aos autores citados neste artigo cfr.: Atahualpa Fernandez, Direito e natureza humana. As bases ontológicas do fenômeno jurídico, Curitiba, Ed. Juruá, 2007; Atahualpa Fernandez, Argumentação jurídica e hermenêutica, São Paulo: Ed. Imprensa Jurídica, 2009; Atahualpa Fernandez e Marly Fernandez, Neuroética, Direito e Neurociência, Curitiba: Ed. Juruá, 2008.


ASSÉDIO MORAL NO TRABALHOGerente que proíbe seus subordinados de conversarem com empregada pratica assédio moral

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DECISÃO: *TRT-MG – No caso analisado pela 5ª Turma do TRT-MG, ficou comprovado que a empregada de uma loja de material esportivo foi vítima da perseguição de seu superior hierárquico, o qual chegou a proibir que os demais colegas de trabalho lhe dirigissem a palavra, com o intuito de forçar um pedido de demissão. Confirmando a sentença, os julgadores entenderam que a violência psicológica praticada pelo gerente contra a trabalhadora caracteriza ato ilícito passível de reparação. 

De acordo com a versão apresentada pela reclamante, durante o contrato de trabalho, ela foi submetida a pressão psicológica por parte do gerente, que passou a vigiá-la e persegui-la constantemente, proibindo-a de manifestar sua opinião junto aos seus colegas, o que lhe causou muito sofrimento. Pelo que foi apurado no processo, a empresa estava praticando algumas irregularidades, como pagamento de comissão “por fora” e desconto dos valores relativos às faltas de produtos nos balanços. Essas práticas irregulares foram confessadas por uma preposta da empresa, durante o seu depoimento. Então, o receio de que essas irregularidades provocassem a revolta dos empregados fez com que o gerente desenvolvesse uma espécie de paranóia, uma idéia fixa de que a reclamante conspirava contra a loja e, por isso, passou a enxergá-la como inimiga. Inclusive, ele chegou a declarar em audiência que a vendedora tentava persuadir a equipe de trabalho contra as normas da empresa.

A prova testemunhal confirmou que o gerente “pediu” aos empregados para não conversarem com a reclamante, porque poderia parecer que estavam conversando sobre alguma coisa "contra a loja". Segundo relatos, ele se referia à vendedora como “maçãzinha podre”, louca e psicopata, porque teria visitado o blog dela e verificado que havia muitas informações sobre a empresa. Uma testemunha declarou que o gerente chegou a pedir-lhe para convencer a reclamante a pedir demissão. Outra empregada ouvida afirmou que, quando foi admitida, o gerente avisou que ela não deveria manter contato com a “maçãzinha podre”. Poucos dias depois, a moça recebeu a notícia da sua dispensa e foi informada de que a empresa não renovou o seu contrato porque ela não havia cumprido a determinação do gerente.

Analisando os fatos e as provas, o relator do recurso, juiz convocado Rogério Valle Ferreira, entendeu que ficaram evidenciadas a perseguição e a tentativa de isolamento da reclamante para forçar um pedido de demissão, o que caracteriza assédio moral. Acompanhando esse entendimento, a Turma manteve a sentença que deferiu a ela uma indenização no valor de R$ 5.000,00.  (RO nº 00927-2009-113-03-00-4 )

 

FONTE:  TRT-MG,   07 de abril de 2010.

 


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIASTJ analisa casos de aplicação do princípio da insignificância

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DECISÃO: *STJ – Concebido para ser o uniformizador da interpretação da lei federal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido acionado com frequência para analisar causas de valor insignificante. Recentemente, o ministro Og Fernandes absolveu um homem condenado em Minas Gerais pelo furto de espigas de milho. Noutra decisão, o ministro não atendeu a um recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul que pedia a condenação de um homem pelo furto de ovos e quatro galinhas.

Nos dois casos, foi reconhecido que os fatos se tratavam de crimes de bagatela. Ou seja, além de o valor dos bens furtados serem ínfimos, não representaram prejuízo ao patrimônio das vítimas. O ministro Og Fernandes observou que devem ser considerados outros fatores, como a ofensividade da conduta, a periculosidade social da ação e a baixa reprovabilidade do comportamento – requisitos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

No caso de Minas Gerais, em primeira instância o homem foi absolvido pela aplicação do princípio da insignificância. O MP estadual apelou e o Tribunal de Justiça mineiro condenou o homem a uma pena de dois anos e cinco meses de prisão. As espigas de milho furtadas foram avaliadas em R$ 65. Dessa decisão, houve recurso ao STJ, que restabeleceu a sentença de absolvição.

Já no caso gaúcho, um homem foi condenado à pena de dois anos de reclusão pelo furto de ovos e quatro galinhas, que somavam um valor de R$ 180. A Defensoria Pública apelou e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu o condenado, por considerar o furto como crime de bagatela. Daí o recurso do MP ao STJ, que acabou sendo negado.

Os dois recursos foram analisados individualmente pelo ministro Og Fernandes. Isso é possível quando a tese enfrentada já tem entendimento pacificado no Tribunal. Assim, a questão não precisa ser levada para julgamento na Turma. Se não houver recurso, as decisões transitam em julgado e os casos são dados como encerrados.

FONTE:  STJ,   06 de abril de 2010.

 


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVACaracterização de improbidade administrativa supõe má-fé do agente público

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DECISÃO: *TJ-RS – A lei de improbidade administrativa busca punir o administrador desonesto e não o inapto; portanto, para que haja condenação, é necessária a comprovação de que o agente público tenha agido com dolo. Com esse entendimento, a 21ª Câmara Cível do TJRS julgou improcedente ação de improbidade contra o ex-Prefeito de Camaquã José Cândido de Godoy Netto.

Netto, que esteve à frente da Prefeitura de 1996 a 1999, foi denunciado pelo Ministério Público por ter realizado conserto de veículos sem licitação, apenas autorizando o empenho das notas depois de emitidas.

No recurso ao TJ, o ex-Prefeito alegou que o valor do conserto está dentro do limite de dispensa de licitação, segundo a Lei nº 8.666/93. A respeito da divergência entre a data de conserto e a de empenho, afirmou que a empresa prestadora do serviço aguardou o pagamento até que houvesse verba pública na rubrica orçamentária apropriada.

O relator, Desembargador Francisco José Moesch, salientou que a decisão de 1º Grau não verificou qualquer ilegalidade na realização de reparos nos automóveis sem licitação, enfatizando que não há prova de prejuízo ao erário ou de superfaturamento. A condenação de Netto, apontou, baseou-se unicamente na ilegalidade pela contratação do serviço sem previsão orçamentária para seu pagamento.

“Ora, se não foi demonstrado prejuízo ao erário, nem má-fé do agente público, penso que condenar o demandado por ter realizado os reparos necessários em veículos da Prefeitura é incorreto” concluiu. Ressaltou que o descumprimento do princípio da legalidade, por si só, não caracteriza ato ímprobo. É preciso que o agente tenha agido com dolo. Destacou que a improbidade administrativa busca atingir o administrador desonesto e não o inapto.

A sessão ocorreu em 31/3. Acompanharam o voto do relator os Desembargadores Arminio José Abreu Lima da Rosa e Genaro José Baroni Borges.  Apelação Cível nº 70023720220

FONTE:  TJ-RS,   08 de abril de 2010.

 


LITIGÂNCIA DE MÁ–FÉJuiz condena por ato de má-fé

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DECISÃO: *TJ-MG – O juiz Luiz Artur Rocha Hilário, da 27ª Vara Cível de Belo Horizonte, negou a um professor o seu pedido de danos extrapatrimoniais em face de um banco e ainda o condenou nos termos do artigo 18 do Código de Processo Civil: “O juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.”

O professor teria que abrir uma conta-corrente para recebimento de seus proventos. Ele contou que, ao se dirigir ao banco, o funcionário lhe informou que somente poderia abrir a conta se, concomitantemente, contratasse cartão de crédito, cheque especial, seguro e outros. Discordando das condições impostas, ele se recusou a assinar o contrato e teve a abertura da conta negada. Afirmou que é uma pessoa pública e esse episódio repercutiu na imprensa, expondo-o a uma situação vexatória perante o público em geral, e, principalmente, no meio acadêmico.

O banco esclareceu que houve um equívoco do funcionário que atendeu o professor, mas que foi prontamente sanado. A conta foi aberta regularmente, independentemente da aquisição de quaisquer outros serviços. Mesmo assim, uma semana após o ocorrido e depois de estar ciente da resolução do problema, o professor registrou reclamação junto ao Banco Central, solicitando esclarecimentos e retratação do banco. O banco requereu a aplicação da penalidade prevista para a hipótese de litigância de má-fé, que acredita ser a hipótese desta demanda.

Examinando o processo, o magistrado verificou que a matéria jornalística envolvendo o nome do professor versa sobre uma denúncia formulada por ele próprio, acerca da venda casada de produtos pelo banco. Constatou que a reportagem apenas noticiou os fatos ocorridos, sem qualquer conotação pejorativa. “Muito pelo contrário, o que se extrai da matéria é o ‘endeusamento’ do professor, na qualidade de pessoa importante lesada em seus direitos”, enfatizou.

O magistrado entendeu que o professor agiu de má-fé, pois teve ciência da solução imediata do erro de procedimento do banco antes do ajuizamento da ação. “A motivação do ajuizamento desta demanda ultrapassa em muito a necessidade de acertamento do direito, ou seja, o exercício do direito de ação constitucionalmente assegurado, constituindo-se, como afirmado pelo banco em sua defesa, ´puro demandismo ou sentimento de revanche para com o funcionário que o atendeu’”, avaliou.

Por ser de 1ª Instância, cabe recurso desta decisão.   Processo nº: 0024.07.798.133-0

 


 

FONTE:  TJ-MG,   09 de abril de 2010.