”A duração razoável do processo, consagrada como princípio constitucional, não pode ser um mero ornamento no texto da Constituição. É preciso que nós efetivamente concretizemos esse princípio, e aqui temos um instrumento eficaz, um instrumento idôneo para a concretização das teses e, consequentemente, para a diminuição do tempo do processo.”
A afirmação foi feita pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, nesta terça-feira (29), ao abrir o seminário Recursos Repetitivos nos 30 anos do STJ, no auditório do tribunal.
O ministro destacou que a aplicação uniforme das decisões dos tribunais superiores decorre da análise sistemática da Constituição Federal. Segundo ele, não é razoável que o legislador crie um tribunal para dar a última interpretação sobre a lei federal infraconstitucional, para dissipar as divergências jurisprudenciais, e essa interpretação não tenha força vinculante.
Noronha disse que o novo Código de Processo Civil (CPC) deu mais força ao procedimento de julgamento do recurso especial pela técnica dos recursos repetitivos, cujas teses devem ser observadas por juízes e tribunais. Para ele, esse instrumento evita o prolongamento da relação processual, diminui custos e reduz a necessidade de mobilização de recursos humanos e materiais.
“Na medida em que são definidas as teses dos recursos, eles não precisarão mais ser remetidos a este tribunal”, ressaltou o ministro.
Desafios
A ministra Assusete Magalhães, que integra a Comissão Gestora de Precedentes do STJ, também participou do debate. Ela falou sobre os avanços nos trabalhos do Poder Judiciário após a previsão do uso de precedentes qualificados no CPC/2015 e destacou que ainda há muitos desafios para que os tribunais brasileiros entreguem uma prestação jurisdicional rápida e eficaz.
A ministra ressaltou que até o momento já foram afetados 1.032 temas repetitivos no tribunal e que só estão pendentes de julgamento 58 deles – o que evitou que muitas novas demandas viessem para o STJ. “Em 11 anos de recursos repetitivos, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, deixou de enviar ao STJ 328.512 processos, o que equivale a toda a distribuição do ano de 2015.”
Ao falar dos desafios que o Judiciário enfrentará nos próximos anos, Assusete Magalhães citou a reforma da previdência, que pode gerar um incremento de litigiosidade. Por outro lado, também recordou que a reforma trabalhista contribuiu bastante para a diminuição do surgimento de novos processos judiciais.
“É preciso que os tribunais brasileiros se preparem para as questões que surgirão com essa nova reforma da previdência. Um dos desafios é a assimilação da cultura de criação de precedentes qualificados por todas as instâncias”, declarou a magistrada.
Falta de uniformidade
“O modelo brasileiro de precedentes e o direito penal” foi o tema apresentado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, outro membro titular da Comissão Gestora de Precedentes. O magistrado destacou o aumento de processos na corte nos últimos anos, sobretudo na Terceira Seção – especializada em matéria criminal –, da qual é integrante. “A seção que menos recebia e julgava, hoje está em primeiro lugar na quantidade de feitos julgados. Isso porque não temos tido a possibilidade de nos socorrer dos instrumentos que o novo Código de Processo Civil oferece, a exemplo dos recursos repetitivos”, afirmou o ministro.
Para Schietti, a ausência de uniformidade nos fundamentos que sustentam as decisões cria insegurança, instabilidade e desigualdade de tratamento em relação ao jurisdicionado, que, por sua vez, são “nefastas à própria ideia de sistema, enquanto conjunto de normas caracterizadas por unidade e coerência interna”. Hoje, disse o ministro, “fala-se de igualdade não apenas perante a lei, mas perante o resultado da interpretação da lei”.
Ele chamou a atenção também para os efeitos na economia. “O Brasil seria um país com uma quantidade maior de investimentos estrangeiros, se tivéssemos um Judiciário que produzisse resultados mais previsíveis. A previsibilidade é uma característica dos sistemas jurídicos bem assentados, em que se respeitam os precedentes. Um sistema jurídico capaz de produzir decisões antípodas, em relação a qualquer tema, é um sistema não convidativo a investimentos estrangeiros, pois o investidor não sabe o que vai sair das situações de conflito trabalhista, fiscal, administrativo ou criminal”, concluiu.
Precedentes
Em seguida, o ministro Moura Ribeiro (suplente na Comissão Gestora de Precedentes) discorreu sobre precedentes no direito privado. Ele fez um apanhado dos principais temas julgados pelo sistema de repetitivos na Segunda Seção. “Precisamos pensar um pouco mais em sistemas diferenciados de julgamento”, frisou o magistrado.
Moura Ribeiro destacou alguns recursos especiais que foram julgados sob o rito dos recursos repetitivos na seção de direito privado. Casos envolvendo planos de saúde, fornecimento de medicamentos não registrados na Anvisa, responsabilidade ambiental, comissões de corretagem e ações de indenização por inscrição em cadastro de emitentes de cheques sem fundos, entre outros, foram apresentados pelo ministro.
Julgar menos
No último painel do dia, o presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, abordou o modelo de formação de precedentes qualificados no novo CPC. Segundo ele, a legislação é a grande fonte do direito, mas é a interpretação da lei dada pelo STJ que deve trazer a palavra final sobre assuntos infraconstitucionais.
Para o ministro, o trabalho feito pelo STJ na questão das demandas repetitivas pode ajudar a descongestionar o Judiciário, trazendo mais celeridade para os julgamentos, mais segurança jurídica e isonomia na apreciação de processos.
Sanseverino destacou que a gestão dos recursos repetitivos e a gestão dos precedentes qualificados têm viabilizado o trabalho desenvolvido pelos ministros da corte.
“Cada gabinete consegue julgar até mil processos por mês. Nós temos um grupo de servidores extremamente qualificado, mas, para fazer um trabalho de qualidade, não podemos julgar mais de mil processos por mês. Nossa missão no STJ não é julgar uma grande quantidade de processos, mas oferecer julgamento com boa qualidade de um número menor de processos”, afirmou.
De acordo com o ministro, a principal missão do STJ é formar precedentes qualificados. “Esse é um dos motivos pelos quais temos que trabalhar ainda mais na gestão dos repetitivos e na formação dos precedentes qualificados. Nunca podemos perder de vista que atrás de um processo tem sempre uma pessoa. E que, ao lado da preocupação que temos com o congestionamento do Poder Judiciário, temos de nos preocupar com a Justiça e com a segurança jurídica nos julgamentos das demandas de massa”, concluiu.
Integração
O assessor-chefe do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugep), Marcelo Ornellas Marchiori, falou sobre os precedentes qualificados e a integração jurisdicional do STJ com os tribunais de segunda instância.
Ele destacou o resultado positivo das visitas técnicas que ministros e servidores do STJ têm feito aos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais para tratar da gestão de repetitivos e da importância de se observar a jurisprudência em relação aos temas tratados nos precedentes qualificados.
Para Marchiori, a solução para a grande litigiosidade no Brasil é o sistema de repetitivos. O assessor destacou que o modelo brasileiro de precedentes tem sido importante para a redução do volume processual, mas é fundamental que a Justiça adote meios para que a atividade jurisdicional tenha mais previsibilidade, integridade, coerência e estabilidade.
“O sistema de precedentes do STJ reduz subjetividades, apresentando critérios objetivos que mostram a posição do Judiciário”, destacou.
A servidora do STJ Aline Braga tratou da importância e do impacto dos repetitivos no trabalho do tribunal. Segundo ela, os efeitos da utilização dos precedentes qualificados são positivos tanto para a uniformidade de entendimentos quanto para a segurança jurídica e o tratamento isonômico do jurisdicionado.
Aline Braga destacou ainda as vantagens do uso da inteligência artificial na identificação de processos, no acompanhamento de demandas e na indicação de convergências e divergências no sistema de repetitivos do STJ.
FONTE: STJ, 29 de outubro de 2019.