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USO DE CELULAR NO TRABALHO: Fornecimento gratuito de celular não caracteriza salário utilidade se o uso é indispensável em serviço

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O aparelho celular já é considerado um equipamento essencial, não só para uso particular, mas, principalmente, no trabalho. Quando ele é um instrumento necessário para a execução dos serviços, sem o qual a atividade não poderia se desenvolver perfeitamente, o seu fornecimento gratuito ao trabalhador, com o pagamento da conta mensal pelo empregador, não caracteriza salário utilidade ou salário in natura (vantagem que o empregador concede habitualmente ao empregado, por força do contrato ou do costume). Nesse sentido foi a decisão da juíza Alessandra Duarte Antunes dos Santos Freitas, em sua atuação na 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia-MG, que não reconheceu como salário utilidade o aparelho celular fornecido a um reclamante, indeferindo a incorporação da franquia paga pela empresa à sua remuneração.

No caso, o reclamante trabalhava para uma empresa de venda de doces, inicialmente como vendedor e depois como supervisor. Tinha como atividades acompanhar a meta diária dos vendedores, fazer reposição de mercadorias quando necessário, realizar viagens, cobranças etc.. Para uso em serviço, a empresa forneceu a ele, de forma gratuita, um aparelho celular, arcando com a franquia mensal no valor R$300,00.

Na análise da magistrada, o uso do telefone celular era imprescindível para o reclamante realizar suas atividades diárias, ou seja, o benefício era concedido para o trabalho e não pelo trabalho. Por isso mesmo não possui natureza de salário. A julgadora entende aplicável à hipótese de uso do telefone celular a orientação da Súmula 367 do TST, pela qual o uso de veículo fornecido pelo empregador para uso do empregado em serviço não tem natureza salarial quando indispensável para a realização do trabalho, ainda que utilizado também em atividades particulares.   (nº 01452-2013-104-03-00-9)


FONTE: TRT-MG, 06  de fevereiro de 2015.

O Novo CPC e sua aplicação à luz do direito intertemporal – nº 02

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*Clovis Brasil Pereira

Introdução 

Muitos questionamentos começam a surgir, entre os acadêmicos de direito e os operadores do direito em geral, a respeito de uma nova norma processual, quando outra é alterada ou mesmo excluída do ordenamento jurídico pátrio.

Esse é um problema que surgirá na transição entre o atual Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973) e o Novo CPC aprovado pelo Poder Legislativo em 17 de dezembro de 2014, que aguarda a redação do texto final para posteriormente ser submetido à sanção da Presidência da República.

No geral, para uma nova lei, a regra é que a nova norma processual contenha no seu bojo, o prazo em que começará a valer. Não tendo a previsão na lei específica, adota-se a regra geral contida no artigo 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942 – ex-LICC, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, cuja nomenclatura foi alterada pela Lei 12.376/2010), com vigência a partir de 45 dias de sua publicação.

Por sua vez, o prazo de vacatio legis, conta-se, incluindo o dia da publicação no Diário Oficial e também o último dia do prazo, na forma do artigo 8º, § 1º, da LC nº 95/1998.

O que prevê o Novo CPC

O prazo de vacatio legis do Novo CPC Estatuto Processual, é de um ano decorrido da data de sua publicação, o que obviamente ocorrerá após receber a sanção presidencial, quando parte do texto ( ou mesmo o seu todo), poderá inclusive ser vetado.

Enumeramos a seguir, a título exemplificativo, algumas previsões contidas no LIVRO COMPLEMENTAR, DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, para elucidar situações que por certo atormentarão os operadores do direito, quando da vigência do Novo CPC:

  • Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
  • As disposições do CPC atual, relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais, que forem revogadas, aplicar-se-ão às ações propostas até o início da vigência deste Código (Novo CPC), desde que ainda não tenham sido sentenciadas.
  • Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código.
  • Os procedimentos mencionados no art. 1216 do CPC vigente (Lei 5.869/1973) e ainda não incorporados por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código (Novo CPC).
  • As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado existentes em outras leis passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código.
  • A primeira lista de processos para julgamento em ordem cronológica observará a antiguidade da distribuição entre os já conclusos na data da entrada em vigor deste Código.
  • As disposições de direito probatório adotadas neste Código, aplicam-se apenas às provas que tenham sido deferidas ou determinadas de ofício a partir da data de início da sua vigência.
  • Sempre que a lei remeter a procedimento previsto na lei processual sem especificá-lo, será observado o procedimento comum previsto neste Código.

Luis Fux[1], elencou de forma didática as diversas situações jurídicas geradas pela incidência da lei nova aos processos pendentes, lembrando que o atual Ministro do STF, foi um dos idealizadores do Projeto inicial do Novo CPC encaminhado ao Senado da República em 2010, e acompanhou as discussões nas duas casas legislativas até sua aprovação final, ocorrida em 17 de dezembro de 2014, e que pode contribuir para a solução de algumas dúvidas que possam surgir quando da entrada em vigor do Novo Diploma Processual, e que ora transcrevemos:

1. A lei processual tem efeito imediato e geral, aplicando-se aos processos pendentes; respeitados os direitos subjetivo-processuais adquiridos, o ato jurídico perfeito, seus efeitos já produzidos ou a se produzir sob a égide da nova lei, bem como a coisa julgada;

2. As condições da ação regem-se pela lei vigente à data de propositura;

3. A resposta do réu, bem como seus efeitos, rege-se pela lei vigente na data do surgimento do ônus da defesa pela citação, que torna a coisa julgada.

4. A revelia, bem como os efeitos, regulam-se pela lei vigente na data do escoar do prazo da resposta;

5. A prova do fato ou do ato quando ad solemnitatem, rege-se pela lei vigente na época da perectibilidade deles, regulando-se a prova dos demais atos pela lei vigente na data da admissão da produção do elemento da convicção conforme o preceito mais favorável à parte beneficiada pela prova;

6. A lei processual aplica-se aos procedimentos em curso, impondo ou suprimindo atos ainda não praticados, desde que compatível com o rito seguido desde o início da relação processual e eu não sacrifique os fins de justiça do processo;

7. A lei vigente na data da sentença é a reguladora dos efeitos e dos requisitos da admissibilidade dos recursos;

8. A execução e seus pressupostos regem-se pela lei vigente na data da propositura da demanda, aplicando-se o preceito número seis aos efeitos e de procedimentos executórios em geral;

9. Os meios executivos de coerção e de sub-rogação regem-se pela lei vigente na data de incidência deles, regulando-se a penhora, quanto aos seus efeitos e objeto, pela lei em vigor no momento em que surge o direito à penhorabilidade, com o decurso do prazo para pagamento judicial; Em geral o problema da eficácia temporal da lei tem solução uniforme respeitado seu prazo de vacatio legis, terá aplicação imediata e geral, respeitados, os direitos adquiridos o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

10. Os embargos e seus requisitos de admissibilidade regem-se pela vigente na data de seu oferecimento;

11. O processo cautelar, respeitado o cânone maior da irretroatividade, rege-se pela lei mais favorável à conjuração do periculum in mora quer em defesa do interesse das partes, quer em defesa da própria jurisdição.

O Novo CPC e o direito intertemporal

Na modificação das normas processuais, aplicam-se as regras do direito processual intertemporal, que por sua vez, tem solução uniforme respeitado seu prazo de vacatio legis, terá aplicação imediata e em geral, respeitados, os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Bem ilustrativo é o ensinamento do Professor Luiz Guilherme Pennacchi Dellore [2], a respeito do direito intertemporal e a aplicação da regra de transição que deverá ocorrer a partir da revogação do atual CPC (Lei 5.869/1973) e o Novo CPC que passará a vigorar após o decurso do prazo de vacatio legis:

… Por direito intertemporal pode-se entender o conjunto de regras que trata da aplicação do direito no tempo, especialmente em relação a modificações legislativas. Assim, diante de uma mudança legislativa, para saber qual regra deve ser aplicada (anterior ou atual), devemos nos socorrer do direito intertemporal.

Em relação à matéria processual, a regra principal é que as novas regras já se aplicam aos processos que estão em trâmite (cf. CPC, art. 1.211).

Contudo, esta regra não é absoluta e não deve ser interpretada sozinha. A CF 88, em seu art. 5º, XXXVI, resguarda o ato jurídico perfeito. E é possível falar-se em ato jurídico processual perfeito.

Por conseguinte, em regra, os atos já realizados ou consumados não são atingidos pela lei nova, mas aos processos em curso já se aplica a nova legislação.

Ou seja, dúvida não há de que:

a) nos processos já extintos, não se aplica a lei nova

b) nos processos ajuizados pós-vigência da lei nova, esta é a que será aplicada.

A dificuldade será, portanto, regular os processos em curso quando da vigência da lei nova, especialmente para verificar se determinados atos /fases do processo já foram ou não consumados (teoria do isolamento dos atos processuais), para se descobrir a legislação a ser aplicada.

Conclusão

Não paira dúvida que em regra, o Novo CPC se aplicará desde logo à sua vigência aos processos já em trâmite, salvo algumas exceções resguardadas no próprio texto do Código aprovado, em suas Disposições Finais e Transitórias e o próprio texto constitucional, que em seu artigo 5º, inciso XXXVI preserva o ato jurídico perfeito, admitido ocasionalmente em questões de natureza processual.

Muitas controvérsias serão postas em discussão, antes e após a vigência do Novo CPC, servindo o presente de singela contribuição para fomentar o debate, que por certo se prolongará ao longo do tempo, e desembocará nos Tribunais pátrios.

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NOTAS
1. FUX, Luiz. Teoria Geral do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
2. DELLORE, Luis Guilherme Pennacchi, Lei processual no tempo e no espaço, acesso em 07/02/2015 http://www.justocantins.com.br/academicos-18843-aula-lei-processual-no-tempo-e-no-espaco.html

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E.T.: Deixamos de fazer alusão aos números dos artigos do Novo CPC, uma vez que seu texto final ainda não foi publicado até a data que escrevi este texto (07/02/2015), embora sua aprovação no Senado tenha ocorrido há mais de 50 dias.

RECURSO REPETITIVO: STJ define que é cabível cautelar de exibição de documentos para obter extrato bancário

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É cabível a propositura de ação cautelar de exibição de documentos para obter extratos e outros documentos bancários como medida preparatória de ação de cobrança. A decisão é da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial repetitivo interposto por correntista da Caixa Econômica Federal (CEF).

Para o colegiado, é necessária a demonstração da existência de relação jurídica entre as partes, a comprovação de prévio pedido à instituição financeira não atendido em prazo razoável e o pagamento do custo do serviço conforme previsão contratual e a normatização da autoridade monetária.

“A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a propositura de cautelar de exibição de documentos, em se tratando de documentos comuns às partes, é cabível como medida preparatória a fim de instruir a ação principal, bastando a demonstração de relação jurídica entre as partes”, afirmou o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão.

A tese, firmada sob o rito dos recursos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), deve orientar a solução dos recursos idênticos que tiveram a tramitação suspensa até esse julgamento. Só caberá recurso ao STJ quando a decisão de segunda instância for contrária ao entendimento firmado em repetitivo.

Interesse de agir

A correntista ajuizou a ação cautelar contra a CEF para obter extratos bancários relativos à sua conta-poupança dos meses de junho e julho de 1987; janeiro, fevereiro e março de 1989; março, abril, maio, junho e dezembro de 1990; janeiro, fevereiro e março de 1991.

O juízo da Primeira Vara Federal de Mato Grosso do Sul determinou que a CEF apresentasse “os extratos bancários referentes à conta-poupança, mediante o pagamento da respectiva tarifa bancária”.

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região reformou a sentença, extinguindo o processo sem resolução do mérito, ao fundamento de ausência de interesse de agir. Ressaltou que as hipóteses de exibição de documentos previstas no Código de Processo Civil revestem-se de natureza probatória, e não cautelar, devendo a parte formular tal pedido nos autos da ação principal.

Medida preparatória

Em seu voto, o ministro Salomão citou o jurista Antônio Carlos Marcato, para quem “o que caracteriza o interesse de agir é o binômio necessidade-adequação. Assim, é preciso que, a partir do acionamento do Poder Judiciário, se possa extrair algum resultado útil e, mais, que em cada caso concreto a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada”.

“O interesse de agir deve ser verificado em tese e de acordo com as alegações do autor no pedido, sendo necessário verificar apenas a necessidade da intervenção judicial e a adequação da medida jurisdicional requerida de acordo com os fatos narrados na inicial”, acrescentou o ministro.

Salomão ressaltou também a necessidade de prévio pedido ao banco, não atendido em prazo razoável, e do pagamento do custo do serviço conforme o contrato e as normas oficiais.

Dessa forma, o ministro restabeleceu a sentença de primeiro grau, determinando que a CEF apresente os extratos bancários solicitados pela correntista. A decisão foi unânime.


 

FONTE:  STJ, 05 de fevereiro de 2015

 

A celeridade do novo CPC: será que sai do papel?

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O Novo CPC trouxe alguns instrumentos que garantem a celeridade processual e que auxiliam os operadores a adotar critérios para evitar o excesso de recursos que tumultuam o Poder Judiciário. Será que essas ferramentas, por si só, terão o impacto desejado?

Com a promulgação do Projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010, várias e importantes vertentes entrarão em vigor em nosso ordenamento jurídico, sendo um texto legal que promete grandes mudanças na condução dos processos no Poder Judiciário.

Com uma tratativa especial, a uniformização da jurisprudência impacta relevantemente na condução de processos repetitivos, abrindo-se a possibilidade do juiz julgar improcedente uma ação com base na consolidação do assunto nos tribunais superiores, filtrando uma gama de processos que acabam por tumultuar o Judiciário.

Inspirado no princípio da celeridade processual, as tentativas de conciliação ganharam importante papel na condução dos processos, atribuindo-se aos Tribunais a incumbência de contratação de mediadores e conciliadores para efetivar essa fase processual.

Reforçando a virtualização dos processos, trouxe vários artigos que reafirmam que o processo eletrônico é o futuro do Judiciário, com a agilidade que o meio eletrônico permite sem perder o caráter contencioso e formal dos processos em si, sendo uma ferramenta que já está em prática na maioria dos Estados e que já permite um ganho de escala, tempo e economia de papel, o que colabora com a preservação do meio ambiente.

As ações de família também ganham o reforço do caráter conciliatório que é um dos principais pontos do Novo CPC: a possibilidade do juiz requisitar o apoio de profissionais de outras áreas do conhecimento para a tentativa de formalizar a melhor solução para a demanda, garantindo a diminuição da sensação de disputa que envolve os interesses conflitantes do ex-casal.

Prevendo a aplicação de multas de 2% a 10% sobre o valor da causa à parte que recorre com manifesto intuito protelatório, tal instituto ganha nova força para barrar recursos infundados e que só servem para atrasar o trânsito em julgado de uma decisão, o que contraria o princípio da boa-fé processual e que será manifestamente combatido pelos julgadores que, com a nova sistemática para o agravo retiro e os embargos infringentes, não terão mais um efeito tão significativo do seu manejo na prática, reforçando a importância dos recursos ordinários previstos na legislação.

Parece pouco, mas só esses pontos já são suficientes para acelerar significativamente os procedimentos processuais e declarar o direito a quem lhe pertença. Com o avanço da tecnologia, com a especialização dos processos e diante da necessidade da sociedade por uma resposta rápida à contenda que lhe impingem o bem da vida violado, tais aspectos traduzem o real interesse dos cidadãos, que precisam de uma solução de um fato que lhes prejudica o direito de fruição ou perecimento de um direito ou bem.

Com o crescimento populacional, o que impacta diretamente na massificação das relações interpessoais e negociais, a estrutura posta para garantir a ordem social deve sempre estar em condições de ser rápida, porém não flexível demais, pois céleres sim, superficiais jamais.

Porém, tais aspectos são só instrumentos colocados à disposição dos aplicadores do Direito para fazer valer no caso em concreto o que a lei abstratamente prevê, ou seja, não é o fato do processo ser digital que não teremos mais a figura dos servidores, oficiais e Juízes.

Deles é a maior responsabilidade pois devem, antes de tudo, avaliar qual a melhor ferramenta para os casos postos em Juízo, aplicar as normas vigentes e definir a proposta de solução mais justa para os casos analisados, devendo, apesar de céleres, respeitar todos os princípios constitucionais e processuais vigentes sem ferir as relações reguladas pelas leis.

Entendemos que são avanços importantes os previstos no novo CPC; porém, somente sentiremos isso na prática quando todos os agentes envolvidos (assistentes, analistas, oficiais, magistrados etc.) realmente estiverem imbuídos e capacitados para operar esses instrumentos que atendem a necessidade umbilical dos cidadãos por uma solução definitiva para o seu litígio, sendo fundamental que os operadores se revistam do espírito que levou o legislador a elaborar esse novo texto legal, pois sendo virtual ou não é o servidor público que opera o sistema e por isso se torna responsável pelos acertos e desacertos que passam por sua mão.

O Novo CPC em destaque – nº 01

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*Clovis Brasil Pereira

No dia  16 de dezembro de 2014, o senado aprovou o texto básico do  projeto do Novo Código de Processo Civil, e no dia seguinte foram apreciados 17 destaques, dos quais 7 foram incorporados  ao  Novo Estatuto Processual.

Embora aprovado há mais de 40 dias, não conhecemos ainda qual o teor do texto que está aprovado, o que de certa forma causa um pouco de estranheza, e até desconfiança, já que há uma certa ansiedade pelo diploma processual, e nem ao menos sabemos o seu teor final.

Segundo circula no meio jurídico   o texto será concluído no mês de fevereiro, e após será encaminhado à Presidência da República para sanção e publicação, e só após essa data, começará a contar o prazo de um ano para entrar em vigência.

Caberá ainda ao Poder Executivo o poder do veto sobre parte do texto, ou até  no seu todo, o que obviamente estamos admitindo apenas em tese. Mas existe a expectativa entre boa parte dos operadores do direito, que alguns artigos e inovações serão vetados, e outras, serão objeto de novo projeto de lei, para alteração de algumas incorreções, antes mesmo de sua vigência em 2016.

Quando estavamos na fase de discussão e aprovação, foi vendida a ideia de que  era necessário a urgência na sua aprovação, para acabar com a morosidade da justiça, que acumula um passivo de 95 milhões de processos judiciais aguardando julgamento.

Parece que a pressa acabou, ou está faltando vontade política para que o novo diploma processual possa ser implantado no país.

Não se iludam os estudantes, os operadores do direito e a sociedade brasileira, que a simples aprovação  do Novo CPC será suficiente para  solucionar o problema da eficiência da prestação jurisdicional, pois esta depende de outras ações de gestão administrativa e de vontade política,  sem as quais continuaremos a conviver com a demora no processamento e julgamento dos processos judiciais.

É insuficiente  inserir simplesmente na  Constituição Federal que o  processo deve ter duração razoável (artigo 5º, inciso LXXIX), e mudar o Código de Processo Civil. Urge medidas concretas para aparelhamento da  estrutura do  Poder Judiciário com meios e instrumentos tecnológicos eficientes e de treinamento e qualificação de funcionários, e mudança de postura de alguns integrantes do Poder Judiciário, renitentes às inovações que passo a passo vão sendo introduzidas.

Sobram incertezas quanto a eficiência das mudanças propostas no texto do Novo CPC em fase de implantação,  como solução dos problemas que acarretaram ao longo de anos a fio, o caos que se instaurou na prestação jurisdicional do Brasil, que é obrigação do Estado, e direito dos cidadãos.

Enquanto esperamos a definição do texto final do CPC, e o início de sua vigência,  discutiremos semanalmente nos sites www.prolegis.com.br e  www.revistaprolegis.com.br, as principais mudanças pontuais que serão introduzidas na principal legislação processual do país, dividindo com os acadêmicos  e os operadores do direito, a busca da correta interpretação da vontade do legislador, na  busca de uma  maior eficiência na prestação jurisdicional, sonho almejado pela sociedade brasileira.

A tarefa de julgar

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Uma das grandes necessidades do ser humano é a segurança. Tudo que compromete o sentimento de estar seguro causa mal estar psicológico.

Não é por outra razão que algumas pessoas nunca se contentam com o primeiro parecer médico à face de uma enfermidade. Querem uma segunda e uma terceira opinião e só a unanimidade dos pontos de vista dos clínicos lhes proporciona tranquilidade.

Se a questão é jurídica, a diversidade, que se observa na interpretação das leis, incomoda e perturba: por que motivo dois juízes apresentam soluções opostas à face de um mesmo ponto?

Tentemos ajudar na reflexão.

Se a tarefa de julgar consistisse apenas em aplicar ao caso concreto a lei existente, essa operação meramente lógica seria muito simples. Tão simples que seria mais barato substituir os magistrados por computadores.

O jurista argentino Carlos Cossio operou autêntica revolução no campo do Direito, ao afirmar: O Direito é conduta, e não norma. Em consequência, não se pode conceber uma hermenêutica jurídica, senão do objeto jurídico – a conduta. Dentro dessa postura, o indivíduo julgado é integralmente substituído por sua fatalidade, ou contingência.

Sublinhou, com acerto, dentro dessa linha, Moura Bittencourt: “a necessidade do conhecimento pelo juiz do homem submetido a seu julgamento, muito mais do que o conhecimento dos autos.” E arrematou: “O legislador prevê os casos gerais, e é esse o destino da norma. Se o caso especialíssimo, não previsto, deve ser afastado da regra, cabe a palavra ao aplicador, que tem consigo a tarefa da vivificação do texto”.

Não é diversa a advertência luminosa de Alípio Silveira:

“O aplicador não deve encerrar-se no domínio da rígida lógica formal e não deve dar valor maior às inferências.”

Não discrepa o ensino clássico de Carnelutti:

“O legislador tem as insígnias da soberania; mas o juiz possui as suas chaves.”

Triepel disse certa feita:

“A lei não é sagrada; só o Direito é sagrado.”

De Manzini colhemos a afirmação de que o interesse de manter a chamada segurança jurídica não pode prevalecer sobre o interesse de fazer triunfar a Justiça substancial sobre a Justiça meramente formal.

Não se pode reduzir o juiz a mero porta-voz da lei, como queria Montesquieu.

O Direito não se esgota na lei. Esta revela, quando revela, uma de suas faces. Direito é fato social, vivo e palpitante.

Muito mais que um matemático ou um geômetra, o juiz é um artista e um pedagogo. Um artista, que usa a lei como argila, para construir poemas: poemas de vida, da vida pulsante que geme, chora e sua e que ecoa no pretório. Pedagogo porque educa, encaminha, aconselha, ama.

Não são apenas petições que vêm aos juízes: são lágrimas, são faces, é gente como a gente, mais sofrida quase sempre.

O autorizado Pontes de Miranda colocou a oposiçãp “direito dos juristas e direito do povo”. Não é um “subversivo” da ordem jurídica que nega o monopólio da lei como instrumento normativo da conduta mas um douto, que foi consagrado em todo o Brasil e que, aqui mesmo no Espírito Santo, recebeu o “Prêmio Muniz Freire”, concedido pela Associação dos Magistrados. Está no “direito do povo” que ser criminalmente processado é, inquestionavelmente, uma pena, no sentido de que aflige. Sintomático é constar dos termos de interrogatório que o acusado “nunca foi preso e nem processado”.

Em muitas situações, o simples fato de ser processado é para o acusado uma advertência suficiente, independente de uma efetiva condenação.

O juiz não é um aplicador mecânico da lei.

“A letra mata; o espírito vivifica”, disse o Apóstolo Paulo.

Toda norma penal contém uma advertência genérica, de disciplina social, que opera pela sua simples existência.

A aplicação da norma abstrata aos casos concretos é entregue a homens, os juízes.

No Espírito Santo, o então Juiz Homero Mafra absolveu dois jovens universitários, acusados de possuir e fumar maconha, embora reconhecendo expressamente a configuração do crime, para manter neles viva a esperança na misericórdia humana.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF: 75 anos, magistrado aposentado, Supervisor Pedagógico e Professor Pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, escritor.

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

Com transparência sombria, minoria arranha imagem do Poder Judiciário. Urge recuperá-la.

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A jurisdição como um direito do cidadão, e um dever do Estado

Aprendemos nos bancos acadêmicos  (e continuamos ensinando aos nossos alunos), que a Jurisdição  – poder de dizer o direito –  é uma das funções mais importantes do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares do direito em debate, para imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça.

Em suma, a jurisdição é o poder-dever do Estado de aplicar o direito ao caso concreto, submetido pelas partes, através da atividade exercida pelos seus agentes investidos na nobre função, no caso, os magistrados, mediante os quais,  o Estado busca a realização prática e efetiva da norma legal, ora declarando a lei ao caso concreto, ora impondo coercitivamente aos litigantes, medidas tendentes à satisfação efetiva da lei.

Uma vez provocado, e decidido o conflito, as partes têm que se submeter à decisão judicial adotada.

A sua atividade decorre de provocação das partes, sendo quase sempre contenciosa, já que é inerte, sendo indispensável que seja provocada por um dos conflitantes, decorrendo  normalmente de uma situação de litígio,  exceto no caso de jurisdição voluntária.

Têm como princípios importantes, dentre outros:

  1. a) A Indeclinabilidade, segundo a constituição federal nenhuma lesão de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário; assim quando provocado, tem o estado o dever de solucionar os conflitos de interesse;
  2. b) A Investidura, pois somente os agentes investidos do poder estatal de aplicar o direito ao caso concreto (julgar) é que podem exercer a jurisdição.  A investidura se dá mediante prévia aprovação em concursos públicos de títulos e conhecimento jurídico, ou pela nomeação direta, por ato do chefe do Poder Executivo, no plano estadual ou federal,  de pessoas com prévia experiência e notável saber jurídico, como nos casos de ingresso na magistratura pelo quinto constitucional ou nomeação de ministros dos tribunais superiores;
  3. c) Da Indelegabilidade, um vez que a jurisdição não pode ser objeto de delegação pelos seus agentes, no caso os magistrados, que a exercem com exclusividade;
  4. d) Da Inércia, já que a jurisdição não pode ser exercida de ofício pelos agentes detentores da investidura, dependendo sempre da provocação das partes.

O exercício da jurisdição, na sua plenitude, é um dos pilares do estado democrático de direito, e a profícua atuação do Poder Judiciário é indispensável para a pacificação social, através da escorreita aplicação e interpretação da legislação pátria.

 

É de ser destacado ainda, que dentre os direitos individuais fundamentais, elencados no artigo 5º, da Carta Magna, incisos XXXV, XXXVII  e LIII, todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, destinatários da norma constitucional, têm assegurada a independência do Poder Judiciário, com a garantia de que o processamento e o julgamento das causas em geral,  deve se dar perante juiz investido do poder jurisdicional, com a competência devidamente indicada pela CF,  havendo   vedação expressa aos tribunais de exceção. É o chamado Juiz natural.

 

Garantias constitucionais dos juízes

Por sua vez, os integrantes do Poder Judiciário, têm asseguradas garantias constitucionais básicas, que asseguram aos magistrados, segurança e tranquilidade, para o exercício de suas atividades.  Os integrantes do Ministério Público, também detêm as mesmas garantias, conforme a previsão do artigo 128, inciso I do § 5º da Carta Magna.

Assim, a Constituição Federal, em seu artigo 95, assegura aos juizes as seguintes garantias:

I – vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art.93, VIII;

III – irredutibilidade de vencimentos, observado, quanto à remuneração, o que dispõem os art.37, XI, 150, II, 153, III, e 153, §2°, I”.

Analisando sumariamente tais garantias, temos:

  1. a) A vitaliciedade, que assegura que o magistrado, depois de transcorrido o período de dois anos desde sua assunção ao cargo com o correspondente exercício, somente o perderá em decorrência de sentença judicial transitada em julgado, em processo adequado onde lhe seja assegurado o direito de ampla defesa e de contraditório. Não é de ser confundida a vitaliciedade com a estabilidade comum do servidor público. A estabilidade do funcionário público, diferentemente da do juiz, é no serviço, e não no cargo.
  2. b) A inamovibilidade assegura ao magistrado de não poder ser removido de sua sede de atividade para outra sem o seu prévio consentimento, salvo em decorrência de incontestável interesse público, mediante voto de dois terços do tribunal, e de igual modo assegurada ampla defesa. Tal garantia abrange, inclusive, a possibilidade do juiz recusar promoção na carreira, quando a regalia possa mascarar uma manobra contra o juiz.
  3. c) A irredutibilidade de vencimentos é a garantia que a Constituição oferece ao magistrado, sendo vedada a redução em seu salário em decorrência de algum ato judicial por ele praticado, o que por certo, sendo permitido, inibiria o pleno exercício da jurisdição, com independência.

Temos, em suma, que:

I – A jurisdição é um direito-dever do Estado;

II – Deve ser exercida com exclusividade pelos juizes, integrantes do Poder Judiciário;

III – Seus integrantes primam pela independência para o pleno exercício da atividade jurisdicional em geral, uma vez que não guardam subordinação a outros órgãos estatais ou privados;

IV –  Os magistrados em geral, têm asseguradas garantias constitucionais que lhes garante a isenção no julgamento, independente de pressões e influências externas, de qualquer natureza.

É importante ser lembrado, que nos Estados Democráticos de Direito, o Poder emana do  povo, e em seu nome deve ser exercido.  Pois bem.  Se a atividade jurisdicional é direito-dever do Estado,  e a sua atividade deve ser exercida com exclusividade pelo Poder Judiciário, nada mais justo, que seus integrantes, dotados das garantias constitucionais da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade dos seus vencimentos, devam satisfações à sociedade, de sua conduta, podendo inclusive  ser questionados sobre sua honestidade, origem de seu patrimônio, honestidade.

O CNJ  e sua função fiscalizadora  

A partir da criação do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, em 2004, através da Emenda Constitucional nº 45, um  órgão do Poder Judiciário brasileiro encarregado de controlar a atuação administrativa e financeira dos demais órgãos daquele poder, bem como de supervisionar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes,  muito tem se debatido a respeito dos limites da independência do judiciário, e da possibilidade de fiscalização de seus atos administrativos, sem que isso represente quebra de sua autonomia na função jurisdicional.

A polêmica se agravou, no ano de 2011, quando a Ministra Eliana Calmon, do STJ, na função de corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), trouxe a público, a suspeita de operações financeiras “atípicas”, com indícios de irregularidades, abrangendo nos últimos 10 anos – entre 2000 e 2010 – valores em torno de R$ 856 milhões  de reais, envolvendo 3.426 magistrados e servidores do Judiciário.

Detectados  indícios de irregularidades,  ao que se sabe, pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), o órgão de inteligência financeira do Ministério da Fazenda, a Ministra corregedora do CNJ enviou relatório ao Presidente do STF, pedido de investigação sobre a vida financeira de juízes, desembargadores e demais servidores, relacionados em operações financeiras atípicas e em descompasso com os rendimentos percebidos portais agentes públicos nos últimos dez anos.

Foi o suficiente, assim que tais suspeitas vieram a público, com grande alarde pela imprensa, para que três entidades ligadas aos juízes, Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, e Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, procurassem de pronto o Supremo Tribunal Federal, intentando ação judicial, mais propriamente o Mandado de Segurança nº 31085,  pleiteando uma decisão  liminar,  visando a suspensão de imediato das investigações propostas pela Ministra corregedora do CNJ, ação esta que obteve prontamente a pretendida suspensão, através de decisão liminar concedida pelo Ministro Ricardo Lewandowski.

Troca de acusações entre Magistrados abalam a credibilidade do Poder Judiciário

Acirrou-se então, o debate entre os membros do Poder Judiciário, diretamente envolvidos nas noticias de eventuais irregularidades, expandindo-se prontamente nos diversos segmentos da sociedade brasileira, numa discussão muito oportuna, que acabará por certo dando novos contornos ao papel que o Poder Judiciário deve efetivamente desempenhar  na sua função precípua, da prestação jurisdicional, em contraste com a sua independência,   e o direito que a sociedade brasileira  tem de ter acesso às operações financeiras dos magistrados e servidores públicos, para detectar eventuais desvios de conduta.

De um lado o pedido de investigação feito pela Ministra Eliane Calmon, seguido de um recado endereçado aos juizes que se rebelaram contra a investigação do CNJ: “Eles não vão conseguir me desmoralizar”.  A Ministra afirmou que “Eu estou vendo a serpente nascer, não posso me calar”.

Rebatendo as críticas feitas pelo Ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que comparou a corregedora com um xerife, Eliana Calmon reafirmou:  “Os tempos mudaram e eles não se aperceberam, não querem aceitar. Mas é um momento que eu tenho que ter cuidado para não causar certo apressamento do Supremo, deixar que ele (STF) decida sem dizer: ’ah, mas ela fez isso e aquilo outro, ela é falastrona , é midiática’. Então eu estou quieta. As coisas estão muito claras”, disse.

As críticas mais ácidas vieram do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, para quem o pedido de investigação solicitado pela corregedora é uma “devassa” na vida  de magistrados e servidores do Poder Judiciário. Justificou o representante dos juizes  que “A corregedora do CNJ (ministra Eliana Calmon) e nenhum brasileiro, por mais popular e glamoroso que seja, pode estar acima da Constituição, acima das leis, ou do Supremo Tribunal Federal”.

Asseverou ainda Calandra: “Temos uma Constituição e, por isso, as pessoas não podem nas mãos o dever de fazer justiça”.

É praxe no Poder Judiciário, exigir que todos os servidores e magistrados apresentem, logo após a apresentação da Declaração Anual do Imposto de Renda à Receita Federal, que exibam cópia do documento ao setor de Recursos Humanos dos respectivos Tribunais, no prazo de até 30 dias.

Recente manifestação do Desembargador Pedro Valls Feu Rosa, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, confirmou ser obrigatória a declaração de bens dos magistrados no âmbito daquele Tribunal, e pode ser punido quem não apresentar documento.

No mesmo sentido foi a declaração feita pelo Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Ivan Sartori, que  anotou que  todos os juízes têm prazo de 30 dias para entregarem cópias de suas declarações de Imposto de Renda. Cerca de 300 magistrados não cumpriram a obrigação. Quem resistir poderá ser alvo de “providências mais drásticas”, como a retenção de vencimentos. “Houve uma certa omissão na fiscalização, mas é desculpável.”

Em outros Tribunais, é público e notório que tal exigência é praxe, sob pena inclusive, de bloqueio do pagamento dos vencimentos, quando se trata ao menos dos servidores do Poder Judiciário.

Sabe-se agora, que muitos juízes não apresentaram tais documentos, passando em branco a exigência administrativa, em favor da transparência exigida pela sociedade, na atividade dos integrantes do Poder Judiciário.

O simples pedido de investigação feita pela corregedoria do CNJ, não nos parece que represente ofensa ao sigilo fiscal dos pretensos magistrados e funcionários públicos sob suspeita, e muito menos, uma “devassa” em suas vidas particulares, como alardeou o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Nelson Calandra, um dos signatários da ação intentada perante o STF.

Como bem esclareceu a Ministra Eliana Calmon, a relação dos eventuais “suspeitos” não veio a público com os nomes e CPFs, não  configurando-se a alegada quebra do sigilo fiscal invocada pelos Magistrados, que agem, ao que parece, movidos por inegável e deplorável corporativismo.

É bom ressaltar que o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador  Ivan Sartori, que teve acesso ao relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), quando visitou a Ministra corregedora, declarou  que não houve quebra de sigilo bancário. Segundo ele, o relatório não contém nomes. “Por ali não teve quebra de sigilo”, afirmou. “Não sei se há outros documentos, então não posso afirmar”, ponderou.

A quem deve servir  a independência do Poder Judiciário?

Uma indagação que merece reflexão profunda, no desencadear dessa polêmica, é a quem deve servir e interessar a independência do Poder Judiciário.

Certamente não deve ser aos juizes ou servidores  que estão sob suspeita de operações financeiras irregulares. A propalada independência, deve servir à sociedade, para que veja no Poder Judiciário, o último guardião de  suas aspirações legítimas, onde possa fazer o resgate de seus direitos desrespeitados. Jamais para camuflar eventuais ilicitudes, acobertadas por atitudes e desmandos que não se coadunam com a ética e a moralidade, exigidas dos agentes públicos, seja eles quem forem.

Imaginemos que  a  dúvida sobre a movimentação irregular de recursos financeiros, ao longo de 10 anos, pairasse sobre políticos em geral, ou funcionários públicos de outros poderes que não do Judiciário, quais seriam as conseqüências mais concretas?   O próprio Poder Judiciário, já teria autorizado busca e apreensões de pessoas e coisas, determinado a suspensão de direitos políticos, cassado mandatos de políticos eleitos pela vontade popular, dentre outras ações tão conhecidas de todos.

Porque não pode ser feito o mesmo com os magistrados suspeitos de movimentações financeiras estranhas, atípicas?  Estão os magistrados, por acaso,  acima das Leis, que eles próprios tem a obrigação constitucional de fazer cumpri-las?

Certamente, que a resposta da sociedade brasileira,  de forma geral, é NÃO!!!

Irregularidades no CNJ não apagam  denúncias contra os Magistrados

Repentinamente, com a ação firme da Ministra Eliana Calmon, surgiram denúncias de irregularidades em contratos firmados pelo CNJ, sem licitação, de concorrências sob suspeitas, e com valores muitas vezes maiores do que o valor real.

Por certo, essas irregularidades ora denunciadas, devem também ser apuradas, o que não elide o Poder Judiciário, de cortar na própria carne, se necessário for, pois ilicitudes, se comprovadas, devem ser combatidas e punidas em todas as esferas do Poder.   O que não se pode admitir, é tolerar que  irregularidades aconteçam no Judiciário, simplesmente porque  o CNJ, também as comete.

Aliás, é bom ressaltar que ambos pertencem à mesma esfera de Poder, e que o presidente do CNJ é exatamente o mesmo presidente do STF, Ministro César Peluso,  a quem caberia tomar pulso firme  no combate de qualquer suspeita de ilicitude, e preservar a transparência na gestão das coisas do judiciário.

O que pode resultar da atuação do CNJ

O que o CNJ está questionando, são as  atitude dos juízes, que se rebelaram contra a transparência exigida pela sociedade, sobre transações financeiras tidas como “atípicas”, e por isso, suspeitas.

Os Magistrados, particularmente, tem uma função constitucional muito particular, com garantias excepcionais, e por essa razão, devem se subordinar à regras específicas, demonstrando comportamento ético ímpar, e por isso, exemplar.

Deve valer para eles, a máxima registrada na História, sobre a mulher de César: Não  basta ser  honesto.  Tem que parecer honesto!!!

No mais, quem não deve, não teme. Ora, se o patrimônio dos juízes e servidores do Poder Judiciário, teve origem nos vencimentos percebidos pelo exercício da atividade jurisdicional, ou em negociações regulares, ao longo do tempo, porque tentar esconder a origem das operações financeiras decorrentes de  tais vencimentos ou recursos?

Em favor da transparência efetiva no Poder Judiciário, seria salutar que todos os magistrados do Brasil, seguissem o exemplo de um grupo de Juízes do Rio de Janeiro, que ofereceram ao Tribunal, a abertura dos respectivos sigilos fiscais.

Foi um gesto simbólico, porém, muito significativo,  que  poderia ser seguido pelos demais, pelo Brasil afora, e por certo, com tal gesto, estaríamos abrindo a  suposta “caixa-preta” que envolve o Judiciário Brasileiro, e que por ação ou omissão de poucos, acaba por atingir a grande maioria honrada dos magistrados que integram o Poder Judiciário, indispensável à sobrevivência do Estado Democrático de Direito, e da própria sociedade brasileira.

Em favor da moralidade e da ética, valores essenciais que devem primar no meio social, e impulsionar a atividade do Poder Judiciário, é chegada a hora da transparência sem trevas, onde a verdade se sobreponha, sem armadilhas ou camuflagens,  a velar as atividades dos juízes e servidores responsáveis pela prestação jurisdicional.

Somente assim, estaremos recuperando a confiança no Poder Judiciário, Poder que tem que estar acima de qualquer suspeita, valorizando a prestação jurisdicional e contribuindo de forma decisiva e efetiva para a construção de uma sociedade mais justa, ética e humana.

Concurso Público: “O que fazer com nosso cérebro?”

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É possível que o baixo índice de aprovação em concursos públicos seja um episódio que não tenha a dimensão e a transcendência que parece. É possível. Também pode ser o contrário: que por razões nada difíceis de imaginar muitas das instituições de ensino jurídico (universitárias e extra-universitárias) de nossos dias já não se dedicam a preparar os estudantes a pensar mais além das fronteiras traçadas por determinadas ilusões paroquianas e provincianas, senão para conseguir, sem demora, a gratificação “imediata” de um emprego ou cargo qualquer, isto é, para fazer-se com umas aptidões que respondam melhor às necessidades de um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo. Os estudantes são clientes aos que há que gratificar com professores orientados ao serviço.

É a denominada tirania do prático, uma sombria danse macabre cuja clave do êxito alcança seu ápice através dos cursos preparatórios, dos cursos online e telepresenciais, dos vídeos-aula, das retas finais, dos extensivos e intensivos, das maratonas, etc., consumíveis por todos e a todas as idades, em todo momento, em casa, fora de casa e à distância. Consequência: massivas doses de lições enlatadas servidas com eficiência e assombrosa rapidez e estudantes que se esforçam como robots por copiar tudo o que “ensina” o professor. Já não temos que preocupar-nos com o fato de que nossos graduados olvidem os bons conhecimentos jurídicos, porque provavelmente nunca chegarão a aprendê-los.

E o que salta à vista, por mais que insistam em negá-lo grande parte das instituições de ensino com responsabilidades na formação desses profissionais, desde as universitárias até as extra-universitárias passando pelos que efetivamente dispõem dos instrumentos para tanto (os docentes), é que, já faz algum tempo, alcançamos sobre essa questão uma situação de stress, reprovável e feia. Assim que deveria preocupar a atitude dessas instituições quando, ainda diante do atual panorama, continuam a insistir em um modelo de educação e formação que não trata de impedir um perfil de profissional propenso ao automatismo, à memorização, ao descaso ou desconhecimento teórico, às explicações ad hoc e, em determinadas ocasiões, carente de um mínimo sentido de adequada preparação acerca das teorias e fundamentos que para o conhecimento do Direito efetivamente importam.

Podemos continuar fazendo o que fazemos quando se sabe que o sistema atual de ensino jurídico é abertamente atentatório à atividade de ensinar a pensar e a formar bom conhecimento? Podemos seguir priorizando um tipo de ensino cuja principal finalidade consiste no encargo de informar, de maneira esteriotipada, “mastigada” e massificada sobre “tudo” o que ao Direito concerne (quanto mais, melhor)? Não, não cremos que podemos seguir como estamos; não podemos continuar aprovando tudo isso com gesto bovino. Se pretendemos, professores e alunos, ser realmente indivíduos comprometidos com um tipo de aprendizado interessante e significativo, temos que atuar como tais.

Mas um compromisso desse calibre requer, entre outras habilidades compartidas, um esforço por admitir que quanto mais compreendermos o funcionamento do cérebro, quanto mais saibamos acerca de nós mesmos, melhor estaremos preparados para enfrentar os retos vitais impostos pelo processo de ensino e aprendizagem. Que ajudará substancialmente a tarefa de ensinar e aprender uma adequada e séria aquisição de informações ou noções básicas sobre o cérebro, sobre como aprende o cérebro, que não é e nem funciona como um computador. É um órgão vivo plástico, dinâmico, variável, projetivo, associativo, ativo e avaliativo de maneira autônoma, uma estrutura extraordinariamente complexa feita de carne e cultura, com suas sinapses, com determinismos genéticos e azares meio ambientais, com processos eletroquímicos e físicos dos neurônios, e que às vezes nos ‘engana’.

Enfim, aceitar a evidência de que, para bem ou para mal, se aprende com o cérebro e que não é possível pensar sem utilizar o sistema neuronal do cérebro. Somos seres neuronais e, como tal, não podemos pensar e aprender qualquer coisa, senão unicamente o que nos permite nosso “cérebro encarnado”: nossa estrutura e funcionamento cerebral limita, conforma e faz possível a forma e o tipo de aprendizado que somos capazes de compreender e realizar (Lakoff, 2012).E nada disso exige conhecimentos avançados sobre o cérebro; o único que se necessita para entender como aprende em realidade o cérebro é uma mente analítica aberta e um esforço por tornar-se um leitor informado.

Dizer que não é necessário entender o cérebro para ser capaz de ensinar (e aprender), é como afirmar que um médico não precisa entender o corpo para tratá-lo. Afinal, que dúvida cabe de que as bases cerebrais resultam indispensáveis para o aprendizado? Quem seria capaz de negar o fato de que todo e qualquer aprendizado tem lugar de algum modo no cérebro? Um ser que carecesse de cérebro não poderia ser ensinado e muito menos aprender. O aprendizado, como experiência humana que é, há de ter uma base cerebral; e as estruturas que servem de base a esta experiência, uma vez ativadas, sem dúvida a reproduzem. Com esta afirmação não dizemos nada novo. Simplesmente constatamos que assim ocorre em todas as experiências de que o ser humano é capaz. Se não possuísse estruturas cerebrais capazes de dar lugar à experiência de aprender, esta simplesmente não poderia produzir-se.

A questão é, pois, saber como ativá-las adequadamente (mediante estímulos apropriados) e, com essa intenção, evitar, a todo custo, um tipo de ensino que implique exclusivamente em adestrar o indivíduo para que atue da forma que deseja o professor, ainda que este se proponha com o adestramento lograr o que ele crê que é “bom” ou “útil” para o aluno. Por quê? Porque educar significa simplesmente ajudar a extrair o melhor de uma pessoa para que possa levar adiante, desde sua autonomia, seu próprio estilo e ritmo de estudo, para entender que cada cérebro é único, que não há uma técnica “universal” para estudar, que o método correto (para estudar) é o que melhor se adapta aos interesses, oportunidades, necessidades e recursos cognitivo-afetivos próprios de cada pessoa e que as redes neuronais desenvolvem conexões diversas segundo a decisão pessoal de cada sujeito, de acordo com o uso de sua liberdade autotélica.

Neste momento em que a investigação começa a abrir nossa “caixa misteriosa”, constitui um ato de imperdoável imprudência afirmar que não tem nenhuma implicação, negar e/ou ignorar a conexão entre o desenvolvimento e organização das áreas corticais do cérebro e os processos de ensino e aprendizagem. Conhecer melhor as bases cerebrais do aprendizado, portanto, longe de ser outro lixo intelectual mediático e episódico, parece ser um dos urgentes projetos pendentes dos novos tempos. E aqui começa o problema: o de saber discernir até donde chegam as contribuições positivas e onde começam os limites do que sabemos hoje sobre como aprende o cérebro humano.

A razão é simples: a denominada “neurocultura” está fazendo com que a cada dia que passa apareçam novos “educadores” (“motivadores”, “turbinadores de cérebro” e “expertos em” ou “super campeões de” concursos públicos) com mirabolantes promessas de aniquilação de antigos flagelos relativos ao aprendizado, como a desmotivação, a auto-estima, o poder da mente, a capacidade ou a perda de memória, entre muitos outros. Todo um conjunto de promessas permeadas por uma confusa miscelânea de verdades, semi-verdades e mentiras; promessas que, fazendo bom uso do chamado “efeito guru” (Sperber), gritam para os mais crédulos desde sensacionalistas livros, revistas, blogs, artigos, palestras…, inspirados em e/ou manipulando uma prolífica fonte de mitos e distorcidas crenças que normalmente vem intercalada com falsos matizes psicológicos e com afirmações que contradizem frontalmente algumas evidências científicas.

Ninguém duvida do fato de que as bases cerebrais resultam indispensáveis para o aprendizado, que a causa mais direta ou imediata do aprendizado deve estar arraigada em uma variação da função cerebral e que é necessário construir e manter uma relação com nosso cérebro dirigida a ajudá-lo (ajudar-nos) a desenvolver-se corretamente para o nosso próprio bem-estar. Tão pouco existem dúvidas de que nos últimos anos os progressos neurocientíficos no conhecimento do cérebro introduziram modificações profundas em noções fundamentais a respeito da natureza humana, relativizaram algumas crenças, desmitificaram dogmas e lançaram novas luzes sobre questões antigas acerca do comportamento humano, da racionalidade, da consciência, da moralidade, do bem e do mal, do livre-arbítrio, do aprendizado, da memória, das relações entre os indivíduos… A lista seria muito larga. Pouco a pouco, o cérebro, motor do conhecimento e fonte de todo comportamento humano, começa a compreender-se a si mesmo.

O problema é que, em que pese o extraordinário de todos esses avanços, ainda estamos no começo de semelhante processo, isto é, que só percorremos muito pouco do longo caminho para uma compreensão fundamental do cérebro. A investigação na área da neurociência está dando seus primeiros passos e novos estudos refutam, com frequência, as mais recentes descobertas[1]. Nem sequer sabemos como codificam a informação os neurônios; e isso é muito não saber. (Churchland). Da mesma forma, parece que nos custa demasiado admitir, como explica Linden, que sendo nosso cérebro o produto de um desenho acidental, limitado pela evolução, é um “Kludge, um diseño a la vez ineficiente, falto de elegancia e incomprensible que, sin embargo, funciona”. 

Seja como for, o certo é que não somente (ainda) resulta muito difícil especificar relações diretas entre os descobrimentos das neurociências e os diferentes aspectos da estrutura e funcionamento do cérebro, senão que também é necessário atuar com muita cautela quando um salto técnico assim permite levar a cabo análises e detecções impossíveis com anterioridade. Consequentemente é um equívoco pensar que há algo de especial e exclusivo nas afirmações que utilizam temas como “turbinar” o cérebro, o poder da mente, o aprendizado, a inteligência, a memória, a motivação, etc., para vender-nos conselhos ou técnicas de estudo poucas vezes fundamentados cientificamente.

Por exemplo, entendemos perfeitamente que estar motivado é fundamental para alcançar o logro em qualquer campo de atividade. Mas dizer que é necessário motivação não é muito dizer. Teríamos, primeiro, que voltar ao ensino personalizado: quem teria que ser um gênio compassivo e atencioso, ademais de psicólogo intuitivo e hiperativo (no bom sentido do termo), seria o professor. Mas colocar-se na pele de tantos alunos e em suas mentes para encontrar o que é o que motiva a cada um e saber como explorar suas qualidades e habilidades individuais (inatas e adquiridas) de forma ótima parece ser, sem dúvida, uma tarefa completamente estranha à forma de ensino, massificado, distante, “democratizado”, desvinculado e despersonalizado a que estamos acostumados[2].

Ademais – e sempre insistimos neste aspecto -, o bom conhecimento gerado por um aprendizado significativo é um logro, uma atividade ou tarefa na qual, além de constante prática, o indivíduo há de estar presente e de experimentá-la (ativamente) em primeira pessoa. Não assistimos a cursos sobre como andar ou como falar; simplesmente o intentamos uma e outra vez. Um bom pai nos ajuda ao longo deste processo. Não lemos ou não nos limitamos a atender aos conselhos dos demais sobre como se toca o violino nem pensamos em como se joga ao futebol. Praticamos e um bom treinador (compassivo, comprometido e entregado) simplesmente nos ajuda a melhorar.

Somente por meio da experiência concreta de estudar, focando nossa atenção e praticando de forma repetida que, com o tempo e a constância, os conhecimentos adquiridos vão modelando nossas estruturas cerebrais (nossas redes neuronais) sem dar-nos conta nem quando nem como, mas que resultarão em novas exigências para o pensamento e em novas maneiras de organizar nossas idéias (uma vez que se estabelecem novas conexões entre os neurônios implicados). Um tipo de conhecimento que convertemos em familiares, que adquire seu sentido ao longo de um incessante e ativo processo de aprendizagem.

Assim que a pergunta sobre “o que fazer com nosso cérebro?” não é uma pergunta reservada aos “motivadores”, aos “turbinadores”, aos educadores e aos cientistas; é uma pergunta para todos e que tem por finalidade fazer surgir em todos nós o sentido de uma comprometida e iniludível responsabilidade pessoal por nosso próprio aprendizado. Se o cérebro é uma “obra”, nós somos seu sujeito, autor e resultado ao mesmo tempo. Um tipo de compromisso que implica aceitar conscientemente o fato de que nosso papel no processo de aprendizagem é o de dar-se conta e reconhecer que embora seja com o cérebro, e só com ele, que aprendemos, nossa capacidade para aprender (e memorizar) não é somente um produto da cognição e emoção que emergem de nosso cérebro, senão também de respostas que damos às exigências culturais e de nossas experiências pessoais e interpessoais.

Do que resulta, afortunadamente, que há boas razões para ser otimistas e, com muito trabalho, esforço pessoal, estóica resistência e entusiasmada determinação, dedicar-nos a “hacer nuestro próprio cerebro” ( que é nossa obra), a lançar-nos ao “desafio plástico” e configurar, com autonomia, nossa própria e singular capacidade para aprender e recordar. Referimo-nos aqui – de forma muito simplificada – à inata capacidade do cérebro para aprender e, portanto, para cambiar-se a si mesmo, a que se denomina neuroplasticidade. Em contra do que postula o mito do cérebro imutável, uma das melhores contribuições das neurociências consiste em haver descoberto que o cérebro muda de uma maneira real e física em resposta a cada experiência, a cada novo pensamento e, principalmente, a cada novo conhecimento aprendido ou habilidade adquirida.

Isso implica que podemos cultivar nosso cérebro, que gozamos da capacidade de adaptar-nos a novas circunstâncias e de adquirir informação até a etapa final da vida (ainda que essa capacidade diminua com a idade). E mais: a plasticidade do cérebro depende do quanto se usa e em que sentido, com o qual trabalhá-lo não somente é possível, senão também recomendável. E uma vez que os mecanismos de aprendizagem e memória são os que fazem que tal coisa ocorra, pode-se dizer que as estruturas do cérebro tornam possível o aprendizado e, ao mesmo tempo, que o aprendizado modifica essas estruturas e também seu funcionamento.

O que significa que em questão de aquisição de sólidos conhecimentos o cérebro se fortalece principalmente durante e mediante o aprendizado contínuo, que quanto mais se exercita a mente com estudo e aprendizado, mais células cerebrais e mais comunicações (conexões sinápticas) entre elas se desenvolverão. Aprender é um processo de construção de redes ou conexões sinápticas; recordar é manter ou fortalecer essas conexões. Portanto, da próxima vez que o leitor estiver estudando, poderá imaginar que seu cérebro está estabelecendo novas conexões à medida que se enfrenta ao desafio, se concentra no que está aprendendo e estuda com atenção. E ao final de cada dia de estudo mentalmente ativo e atento, poderá ter a certeza de que estará com um cérebro cujos neurônios estão conectados de forma ligeiramente distinta a como o estavam quando se despertou pela manhã.

Daí que não há que descuidar-se do fato de que embora a atenção seja o recurso mais escasso da mente, é o umbral para absorver o que estudamos: somos e aprendemos aquilo que nos interessa. Estar atento significa simplesmente ter controle sobre a atenção: poder colocá-la donde se deseja e deixá-la ali fixa, até que nos decidimos dedicá-la a outra coisa. A atenção voluntária e focada é a única atividade que nos permite aprender de forma segura, sólida e duradoura, e constitui o ingrediente clave para um bom rendimento. Quando a atenção está fixa, também o está nossa mente: não se encontra distraída nem sequestrada por qualquer coisa que lhe chegue à consciência, senão estável, assentada e imperturbável.

A atividade consciente produz a atenção, e a atenção está relacionada com a plasticidade cerebral. Quando nos concentramos, é a atenção que nos permite alterar literalmente a mente e o cérebro em relação com a nova informação. E ainda que diferentes o perfil pessoal relacionado com a capacidade de atenção, empenhar-se em desenvolver um maior controle sobre a atenção quiçá seja a maneira mais poderosa de adquirir um determinado conhecimento, consolidá-lo e armazená-lo em nosso cérebro, para poder utilizá-lo no momento em que o necessitarmos.

Por outro lado, e não menos importante, é entender que somente a prática constante transforma o aprendizado em algo sólido. Se aprendemos mediante associação, memorizamos mediante a repetição. Quando centramos toda nossa atenção no que estamos estudando e o praticamos de forma repetida, persistente e com um esforço ascético, interiorizamos os novos conhecimentos e começamos a convertê-los em familiares. A repetição contínua, elemento essencial da prática, aperfeiçoa a memória do conhecimento correspondente, de modo que ao final se pode obter uma excelência que transmite a profunda satisfação pessoal e a confiança nas próprias capacidades e possibilidades intelectuais. Quer dizer, nada distinto da sentença de Aristóteles de que “a excelência não é um ato, senão um hábito” que devemos utilizar e aperfeiçoar dia a dia para servir a algo que cremos que vai mais além de nós mesmos.

Estas são, apenas, algumas das orientações básicas extraídas do que já sabemos sobre como aprende o cérebro. Mas, transformadas em ações diárias, em hábito ou prática virtuosa, se acumulam com o tempo e acabam provocando grandes diferenças no modo e nos métodos que elegemos para alcançar desempenhar um papel essencial, ativo, comprometido e carregado de responsabilidade sobre nosso próprio aprendizado. O potencial para aprender habilidades novas e para melhorar as que já temos é amplo, e seguramente dispomos das condições necessárias para aproveitá-lo e desenvolvê-lo. Contudo, isso requer, de mais está dizer, que pensemos claramente sobre nossa própria experiência (única e intransferível), que questionemos nossas suposições, que saibamos distinguir o que sabemos bem do que só cremos saber que seja certo e, o mais importante, que desafiemos a todo aquele que se dedique a predicar discursos supérfluos sobre o cérebro[3]. Em suma: há que decifrar-se, cultivar-se, palpar os próprios limites, questionar tudo e fazer da experiência vivida de estudar/aprender o que ninguém tenha feito antes.

Por último, diremos que não temos nenhuma dúvida de que, a longo prazo, as ciências do cérebro e da mente, com seus instigantes, extremamente inovadores e em certa medida distantes e perturbadores descobrimentos, nos brindarão relevantes e esclarecedoras respostas ao “problema” do processo de aprendizagem e trarão consigo a promessa de cruciais aplicações práticas no âmbito da educação. Por outro lado, também diremos que parece-nos insensato esperar até que toda a investigação esteja concluída e ter a “certeza absoluta” de como funciona o cérebro para começar a operar com o que já sabemos acerca de “como aprendemos”. Nossa compreensão atual, embora parcial e revisável, do modo como funcionam determinados mecanismos cognitivos e emocionais de aprendizagem já nos capacita, desde agora, a delinear e aplicar algumas estratégias compatíveis com o modo como o cérebro aprende melhor.

Mas sempre com uma condição: que em um terreno tão delicado como o da investigação neurocientífica haverá de tomá-los em conta com muita seriedade e prudência, porque, às vezes, o que “nos mete em problemas não são as coisas que ignoramos; são as coisas que sabemos e não são assim” (Artemus Ward). E aqui vai um conselho: embora cada pessoa ajuste sua visão do mundo e da vida à medida de seus desejos, cuidado com os indivíduos que carecem de “ouvido” para as coisas da ciência, porque a mais cega subjetividade é o “critério de verdade”: dado que o sinto assim, assim é; marca de fábrica do pensamento infantil.

O que queremos dizer é que, pelo menos diante das atuais limitações e carências da investigação neurobiológica, parece de todo razoável evitar deixar-se seduzir pelas licenças poéticas ou pelo uso abusivo e charlatão de quimeras acerca do poder da mente, da capacidade do cérebro para aprender e memorizar, do controle motivacional, etc., sob pena de corrermos o risco de perder-nos nos desvarios de uma mente vagabunda ou de extraviar-nos em uma selva de falsas idéias.

Da mesma forma como a religião condena aos humanos a uma minoria de idade permanente, assim também muitos dos grandes mitos sobre “como aprende o cérebro” não somente podem fazer-nos perceber como irrefutavelmente reais as mais disparatadas e nauseabundas fábulas sobre nosso cérebro, senão que também podem levar-nos a tomar decisões poucos acertadas em nossa vida cotidiana de estudantes. Neste preciso momento, basta com saber que já contamos com um cérebro/mente com todo o imprescindível para desenvolver nossa capacidade de aprender e memorizar o que necessitamos e, dessa forma, aprovarmos em qualquer concurso público. Só falta que dediquemos tempo e esforço para usar adequadamente esse poder, para atuar livremente e “fazer nosso próprio cérebro”.

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NOTAS

[1] Tudo isso, diga-se de passagem, dentro de uma perspectiva evolucionista que intenta investigar os antecedentes do cérebro humano no passado evolutivo da espécie seguindo as contribuições da neurobiologia, da biologia evolutiva, da antropologia evolutiva, da psicologia evolucionista, da etologia,… enfim, das ciências que buscam entender em que consiste a natureza humana.

[2] Aliás, neste particular, bastaria com recordar a Madre Teresa: “Si miro a la masa, nunca haré nada. Si miro a una persona, actuaré”.

[3] Aos que Chabris e Simons denominam “neurocháchara” ou “porno cerebral”: um conjunto de idéias “que pueden inducirnos a pensar que hemos aprendido sobre el cerebro más de lo que en realidad lo hicimos, […] y que pueden servir más como una herramienta de ventas para su ´ciencia´ que como verdadero instrumento cognitivo”.

 

BIBLIOGRAFIA MÍNIMA

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LindenThe Accidental Mind: How Brain Evolution Has Given Us Love, Memory, Dreams, and God. Cambridge, MA: Belknap Press of Harvard University Press., D. (2007).

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Sperber, D. (2010) The Guru Effect. Review of Philosophy and Psychology, 12(1), 129-592

REFERÊNCIAS BIOGRÁFICAS

ATAHUALPA FERNANDEZ: Membro do Ministério Público da União /MPT; Pós-doutor em Teoría Social, Ética y Economia pela Universidade Pompeu Fabra/Barcelona/Espanha; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política pela Universidade de Barcelona/Espanha; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas pela Universidade de Coimbra/Portugal; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha; Especialista em Direito Público pela UFPa./Brasil; Pós-doutorado emNeurociencia Cognitiva – Universitat de les Illes Balears/Eapanha; Professor Colaborador Honorífico (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB.

MARLY FERNANDEZ: Doutora em Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes Balears- UIB/Espanha; Mestra em Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears- UIB/Espanha; Mestra em Teoría del Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ Espanha; Pós-doutorado (Filogènesi de la moral y Evolució ontogènica)/ Laboratório de Sistemática Humana- UIB/Espanha;Investigadora da Universitat de les Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/Espanha.

As alegrias de um aposentado

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Nem todas as pessoas reagem da mesma forma diante da aposentadoria. Alguns celebram este fato com alegria, o que me parece muito salutar. Outros recebem a aposentadoria como epílogo, com um certo sofrimento, atitude que não é de forma alguma aconselhável. De minha parte tive um sentimento de vazio quando me aposentei de todo. Senti-me desprovido de uma identidade profissional. Depois superei este sentimento, como vou contar nesta página.

Ao preencher a ficha de um hotel, em Santa Catarina, diante do ítemprofissão, acudiu-me a dúvida. Que profissão vou colocar aqui? Juiz aposentado, professor aposentado? Isto não é profissão. A condição de aposentado não desmerece ninguém. Pelo contrario, é muito honroso conquistar uma aposentadoria após décadas de trabalho. Contudo, a situação de aposentado não define uma profissão.

Instantaneamente veio a inspiração e escrevi: Professor itinerante. Não que já fosse realmente um professor itinerante, mas aquela auto-constatação traçou para mim um roteiro pós-aposentadoria: eu seria um professor itinerante.

É isso que tenho sido. Ando a rodar pelo meu Estado e pelo Brasil ministrando seminários e proferindo palestras. Nessa minha itinerância percorri todos os Estados brasileiros, exceto Tocantins e Amapá.

As palestras têm abrangido um leque variado de assuntos: Literatura, Direito, Ética, Experiência de vida.

Se o aposentado sentir-se feliz, sorvendo simplesmente a aposentadoria, essa atitude não merece qualquer reparo. Ele fez jus ao que se chama ócio com dignidade (otium cum dignitate).

O pedagogo tcheco Comenius ensina:

“No ócio, paramos para pensar. Ou seja, no ócio paramos externamente para correr no labirinto do autoconhecimento, para investigar nossa condição de seres humanos. Não se trata de passar o tempo, de perder o tempo, mas de penetrar no tempo (no instante eterno) para mergulhar no essencial. Não é tempo perdido, é sagrado e consagrado. Tempo humanizador.”

Usei o verbo no presente do indicativo – Comenius ensina, e não no passado – Comenius ensinou, embora se trate de um escritor morto, porque a sabedoria não morre.

Se quem se aposentou pode desfrutar da aposentadoria serenamente e com espírito livre, numa situação inversa haveremos de ponderar que a aposentadoria não tem de, necessariamente, marcar um encerramento de atividades.

É também saudável continuar trabalhando se essa atividade suplementar traz alegria. O aposentado tem experiência e pode transmitir experiência, o que resulta num benefício para a sociedade.

Triste é constatar que, em algumas situações, a aposentadoria é insuficiente para os gastos da pessoa e de sua família obrigando o aposentado a trabalhar para complementar o parco benefício que lhe é pago. Nestas hipóteses, estamos diante de uma injustiça, de um grande desrespeito ao valor do trabalho e à dignidade da pessoa humana.

Os pífios proventos, que castigam algumas categorias de aposentados, atentam contra a Constituição Federal, pois que esta assegura aos aposentados em geral a irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 194, parágrafo único, inciso IV). Sempre que se aumenta a diferença entre o que ganham ativos e inativos agride-se a Constituição na sua letra e no seu espírito. Se nos socorrem os princípios de Justiça Social que alimentam a Constituição, jamais a Administração discriminará o aposentado, mormente no que se refere a proventos. Se alguma diferença devesse ser estabelecida entre ativos e inativos seria para aquinhoar com favorecimento os inativos, uma vez que a idade provecta cria gastos com saúde que normalmente não alcançam os servidores mais jovens.

No meu caso não continuei trabalhando para suplementar renda, mas sim para atender um apelo existencial.

Gosto de viajar, não tenho medo de avião, alegra-me conhecer lugares e pessoas, minha mulher também gosta e aí vamos nós, dois aposentados, desbravando o Brasil.

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff, 76 anos, magistrado aposentado, professor itinerante e escritor. Autor de: Dilemas de um juiz, a aventura obrigatória(GZ Editora, Rio) e Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

GUARDA COMPARTILHADA: Negado pedido de pensão alimentícia em guarda compartilhada

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DECISÃO: TJRS* – A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) negou pedido de alimentos provisórios, no valor de R$ 2,5 mil, requeridos pela mãe de uma criança que se encontra em situação de guarda compartilhada.

Caso

Após o divórcio, foi determinada pelo Juizado Regional da Infância e Juventude da Comarca de Santa Cruz do Sul, em caráter provisório, a guarda compartilhada da criança, atualmente com dois anos de idade.

Ficou estabelecido que ela deve passar 15 dias do mês com a mãe e os outros 15 dias com o pai.

 

O pedido de pagamento de alimentos pelo pai foi negado.

A mãe recorreu ao TJRS, argumentando que seu salário não possibilita arcar com todos os gastos e que guarda é, em verdade, por ela exercida. Sustentou que a decisão em caráter provisório da guarda compartilhada não exonera o pai do cumprimento da obrigação alimentar e, por isso, requereu alimentos provisórios no valor de R$ 2,5 mil.

 

Decisão

 

Segundo a Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro, que relatou o recurso, a guarda compartilhada não é motivo suficiente, por si só, para impedir a fixação de alimentos provisórios. Porém, no caso em questão, considerou que ambos os genitores exercem atividade laborativa e não são extraordinários os gastos da filha, cabendo a ambos os genitores arcar com as despesas no período em que a menina se encontra sob seus cuidados.

FONTE: TJRS, 15 de janeiro de 2015.