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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: STJ – Quinta Turma afasta insignificância em caso de médico acusado de receber sem trabalhar

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​​Por considerar que o princípio da insignificância não pode ser aplicado na hipótese de crime que causa prejuízo aos cofres públicos, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o prosseguimento de ação penal que apura estelionato qualificado supostamente cometido por um médico de hospital vinculado à Universidade do Rio Grande do Sul. Segundo a acusação, ele teria registrado seu ponto e se retirado do local sem cumprir a carga horária.

A denúncia, apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF), afirma que o delito teria sido praticado pelo médico em conjunto com outros profissionais de saúde do hospital, entre 2014 e 2015.

No pedido de habeas corpus, a defesa do médico alegou que a acusação do MPF – apesar de mencionar o período no qual o crime teria ocorrido –, não apontou objetivamente em que momento haveria a obtenção de vantagem indevida nem descreveu concretamente qual seria o prejuízo causado ao erário.

Ainda segundo a defesa, o próprio hospital, em processo administrativo disciplinar, concluiu não ter havido danos aos cofres públicos, já que o médico teria cumprido a jornada de trabalho em horário diferente daquele registrado no ponto, o que resultaria em ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal, em razão do princípio da fragmentariedade do direito penal.

Instâncias indepen​​dentes

O ministro Joel Ilan Paciornik, relator, afirmou que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar o pedido de trancamento do processo, concluiu que a denúncia do MPF descreveu concretamente o recebimento de vantagem ilícita pelo médico, consistente na remuneração sem o cumprimento da jornada de trabalho estabelecida para o servidor público federal.

Segundo o relator, a denúncia também delimitou o período em que teriam ocorrido as supostas condutas ilegais, apresentando documentos que permitem cálculo do prejuízo ao erário. “Em outras palavras, foi estabelecido um liame entre a conduta e o tipo penal imputado, permitindo-lhe o exercício da ampla defesa”, declarou.

Além disso, Joel Paciornik lembrou que o resultado favorável em processo administrativo disciplinar não afasta a possibilidade de recebimento da denúncia na esfera penal, em razão da independência dessas instâncias.

Verbas fe​​​derais

Em seu voto, o ministro também destacou que a jurisprudência do STJ não tem admitido a incidência do princípio da insignificância – inspirado na fragmentariedade do direito penal – no caso de prejuízo aos cofres públicos, por entender que há maior reprovabilidade da conduta criminosa.

“Incabível o pedido de trancamento da ação penal sob o fundamento de inexistência de prejuízo expressivo para a vítima, porquanto, em se tratando de hospital universitário, os pagamentos aos médicos são provenientes de verbas federais”, concluiu o ministro ao determinar o prosseguimento da ação.   HC 548869


FONTE:  STJ, 24 de junho de 2020.

GARANTIA CONSTITUCIONAL: Princípio do juiz natural, uma garantia de imparcialidade

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​​​O princípio do juiz natural – consagrado em todas as constituições brasileiras, exceto na de 1937 – constitui uma garantia de limitação dos poderes do Estado, que não pode instituir juízo ou tribunal de exceção para julgar determinadas matérias nem criar juízo ou tribunal para processar e julgar um caso específico.

A Constituição Federal de 1988 determina em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. E acrescenta: “XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção”; “LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

Na Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário –, o artigo 8º preceitua que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um “juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei”.

Segundo a doutrina, o princípio do juiz natural se refere à existência de juízo adequado para o julgamento de determinada demanda, conforme as regras de fixação de competência, e à proibição de juízos extraordinários ou tribunais de exceção constituídos após os fatos.

Assim, fica assegurado ao acusado o direito ao processo perante autoridade competente de acordo com a legislação em vigor – estando vedada, em consequência, a instituição de juízo posterior ao fato em investigação.

Basilar para a formação do processo penal, o princípio do juiz natural é motivo de uma série de questionamentos judiciais, especialmente por partes que alegam violação a esse princípio. Confira, na sequência, algumas situações em que o STJ precisou se pronunciar sobre alegações de violação ao juiz natural, notadamente na esfera penal.

Juízes c​onvocados

Tanto para o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto para o STJ, não infringe o princípio do juiz natural o julgamento de recurso por câmara composta majoritariamente por juízes federais convocados.

Na RE 597.133, o STF firmou o entendimento de que o julgamento de recursos por órgãos fracionários de tribunais compostos majoritariamente por magistrados de primeiro grau convocados não viola o princípio constitucional do juiz natural, além de ser autorizado no âmbito da Justiça Federal pela Lei 9.788/1999.

Da mesma maneira, o STJ entende que a substituição de desembargador por juiz convocado não incorre em violação do princípio do juiz natural, desde que dentro dos parâmetros legais e com observância das disposições estabelecidas na Constituição Federal.

No julgamento de um habeas corpus pela Quinta Turma (caso que tramitou em segredo de justiça), o relator, ministro Nefi Cordeiro, explicou que a convocação de magistrados de primeiro grau para substituir desembargadores funcionalmente afastados ou ampliar extraordinariamente o número de julgadores do órgão, quando acontece, se dá no interesse objetivo da jurisdição.

Ele acrescentou que o objetivo da medida é trazer mais celeridade à prestação jurisdicional e que a distribuição dos processos é feita sempre aleatoriamente.

“Independentemente do número de juízes convocados participantes do julgamento, sua atuação dá-se nas mesmas condições dos desembargadores, válida sendo sua plena atuação jurisdicional”, afirmou.

Para Nefi Cordeiro, a atribuição genérica de processos a juízes que atuam em auxílio aos tribunais não viola o devido processo legal, seja qual for o número de convocados, bem como não viola o juízo natural; é, na verdade, simples gestão do trabalho dos julgadores em órgão jurisdicional.

Mudança na comp​​osição

O STJ também entende que não há ofensa ao juiz natural nem cerceamento de defesa quando ocorre alteração da composição do órgão julgador.

Ao analisar o HC 331.881, a Quinta Turma consignou que eventuais mudanças na composição do órgão julgador não comprometem a competência para analisar embargos de declaração opostos contra suas decisões.

“Os embargos de declaração devem ser apreciados pelo órgão julgador da decisão embargada, independentemente da alteração de sua composição, o que não ofende o princípio do juiz natural e excepciona o princípio da identidade física do juiz”, afirmou o relator, ministro Felix Fischer.

Mutirão c​​​arcerário

No julgamento do HC 449.361, a Quinta Turma fixou entendimento no sentido de que não viola o juiz natural a designação de magistrados para, em mutirão carcerário, atuar em ações criminais e execuções penais.

Para o colegiado, os mutirões de julgamento possibilitam decisões mais céleres sem que haja violação da segurança jurídica ou desrespeito ao juízo competente para a apreciação das causas.

No julgamento, a turma restabeleceu decisões concessivas de progressão de regime, proferidas em mutirão, que haviam sido anuladas pela Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) em razão de suposta incompetência do juiz.

“No caso concreto, não houve escolha de magistrados para julgamento deste ou daquele processo. Pelo contrário, a designação se deu de maneira ampla e indiscriminada para a atuação em período certo de tempo, de modo a conferir eficiência à prestação jurisdicional e efetividade ao princípio da duração razoável dos processos”, afirmou o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.

O ministro destacou ainda que o STJ vem entendendo que não ofende o princípio do juiz natural a designação de magistrados de primeiro grau para atuar em tribunais, em regime de mutirão, em processos distribuídos de forma genérica.

Segundo o relator, no caso analisado, houve a modificação do juiz, mas não do juízo competente, e a alteração não ocorreu para beneficiar pessoas determinadas, tendo em vista que os novos juízes responsáveis pelo mutirão tinham a incumbência de dar andamento a todas as ações criminais e execuções penais previstas em instrução normativa do próprio TJPR.

Novas ​​varas

Igualmente, para o STJ, não viola o princípio do juiz natural a redistribuição de processos realizada em função da instalação de novas varas de igual competência, no estrito cumprimento da norma de regência e com a finalidade de nivelar por igual o acervo de feitos, especialmente nos processos que ainda estão na fase de inquérito.

O entendimento foi confirmado pela ministra Laurita Vaz durante o julgamento do HC 102.193, que questionava a redistribuição de processos entre juízos com as mesmas competências materiais e que dividiam entre si uma única base territorial.

Segundo a ministra, a redistribuição acontece dentro da estrita norma legal, com o objetivo de igualar os acervos dos juízos novos e dos já existentes, visando dar maior celeridade ao processo.

“A redistribuição do feito decorrente da criação de nova vara não viola o princípio do juiz natural, uma vez que a garantia constitucional permite posteriores alterações da organização judiciária”, afirmou.

Também o STF – esclareceu a ministra – já se manifestou no sentido da inexistência de violação ao juiz natural pela redistribuição do feito em virtude de mudança na organização judiciária, uma vez que o artigo 96 da Constituição assegura aos tribunais o direito de dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais.

Medi​​​das cautelares

Não subsiste a tese de violação ao princípio do juiz natural quando o magistrado competente para conduzir as investigações delega sua competência para decidir sobre as medidas cautelares relacionadas ao inquérito, decidiu a Sexta Turma no RHC 112.336.

O caso julgado envolveu o juiz corregedor da Justiça Militar de São Paulo, competente para atuar nos procedimentos administrativos instaurados para apurar responsabilidades de policiais militares suspeitos de ilícitos criminais.

Em razão da complexidade do feito, o juiz corregedor delegou ao juízo da 1ª Auditoria Militar a competência para decidir sobre medidas cautelares relacionadas ao inquérito – inclusive os decretos de prisão preventiva –, retornando os autos, após a audiência de custódia, ao órgão competente para conduzir a investigação, o qual convalidou os atos decisórios.

Os acusados alegaram violação ao princípio do juiz natural, sob o argumento de que as medidas cautelares e as conduções coercitivas foram determinadas por autoridade incompetente, uma vez que os incidentes suscitados durante o inquérito policial militar são de competência do juiz corregedor.

Ao negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, a relatora do caso, ministra Laurita Vaz, frisou que não houve a demonstração de mácula nas decisões que deferiram a prisão preventiva e a busca e apreensão proferidas pelo juízo de primeiro grau.

Para a relatora, não foi desrespeitado o princípio do juiz natural, pois, no caso, o magistrado competente para conduzir as investigações delegou a competência para decidir sobre as medidas cautelares na forma permitida pela organização judiciária do estado de São Paulo.

Segundo a ministra Laurita, a jurisprudência é uníssona no sentido de que, tanto nos casos de nulidade relativa quanto nos casos de nulidade absoluta, o reconhecimento de vício que enseje a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo, sem o qual convalida-se o ato.

Supressão de instânc​​​ia

Por outro lado, para o STJ, viola os princípios do juiz natural, do devido processo legal, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição a decisão do Tribunal de Justiça que condena, analisando o mérito da ação penal em apelação interposta pelo Ministério Público contra simples rejeição da denúncia.

No caso julgado pela Sexta Turma (HC 299.605), a decisão de primeira instância reconheceu que a denúncia não tinha justa causa porque, naquele momento, não havia a constituição definitiva do crédito tributário junto à Receita Federal, motivo pelo qual não poderia prosseguir a ação penal quanto ao crime de descaminho – e, por causa da cadeia delitiva, a análise dos demais crimes imputados na denúncia estaria prejudicada.

Assim, a decisão de primeiro grau, sem enfrentar o mérito da ação penal, e alinhada ao entendimento jurisprudencial que admitia o descaminho como crime material, reconheceu que a ausência da constituição do crédito tributário fulminava a ação penal por ausência de justa causa.

No entanto, a segunda instância, ao julgar o recurso do Ministério Público, considerou desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário para configurar o crime de descaminho e condenou o acusado.

O relator do habeas corpus no STJ, ministro Nefi Cordeiro, destacou que o acórdão questionado, ao julgar a apelação contra a sentença que rejeitou a denúncia, foi além do mero recebimento da denúncia, e entrou no mérito da causa para condenar o réu. “Caberia ao tribunal local tão somente prover o recurso, para o processamento penal regular”, explicou.

Após reconhecer a supressão de instância e a consequente violação ao princípio do juiz natural, a turma concedeu o habeas corpus e anulou o acórdão proferido em segunda instância, na parte que analisou o mérito da causa.

Decisão da presidên​​cia

Regimento Interno do STJ, em seu artigo 21-E, V, permite ao presidente do STJ, em decisão monocrática, não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tiver impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida – o que não ofende os princípios do juiz natural e da colegialidade.

Na análise de embargos de declaração no AREsp 1.470.972, a Quinta Turma concluiu que não houve ofensa ao juiz natural na decisão monocrática da presidência do STJ que não conheceu do agravo em recurso especial. A parte ingressou com agravo regimental contra a decisão da presidência, mas o recurso foi desprovido pelo colegiado.

Nos embargos de declaração, a parte insistiu que o relator deveria ter sido designado por sorteio, entre os ministros que integram a seção competente.

Para o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do caso na Quinta Turma, não procede a indicada ofensa ao princípio do juiz natural, pois, de acordo com o regimento interno da corte, é atribuição do presidente, antes da distribuição dos processos, não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tiver impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida.

Sustentações o​​rais

Outra importante questão sobre o tema foi decidida em 2018 pela Corte Especial: o ministro que não tiver acompanhado o início de um julgamento com sustentações orais não poderá participar de sua continuação.

A tese formulada pelo colegiado teve por base os princípios do juiz natural e da não surpresa nos julgamentos. A decisão foi tomada, por maioria, em questão de ordem suscitada no julgamento do EREsp 1.447.624.

Durante os debates da questão de ordem, o ministro Og Fernandes – um dos que entenderam pela impossibilidade de habilitação posterior do magistrado – afirmou que o artigo 5º da Constituição prevê, como resultado do princípio do juiz natural, que ninguém poderá ser sentenciado senão pela autoridade competente, o que representa a garantia de um julgamento técnico e isento.

Na mesma linha, o ministro Raul Araújo apontou que, no devido processo legal, as partes não podem ser surpreendidas em relação ao andamento da ação. Segundo o ministro, a não surpresa também se aplica aos juízes que participarão do julgamento após o seu início. Em consequência, afirmou, os interessados devem ter conhecimento dos integrantes do julgamento quando ele for retomado.

“Não podemos admitir a livre alteração de quórum, tanto nesta corte superior quanto em instâncias ordinárias, dando margem à violação do juiz natural. Com mais ênfase, a impossibilidade deve existir quando há sustentação oral, já que seria uma desconsideração com a advocacia e com a possibilidade de o advogado influenciar o resultado dos julgamentos”, afirmou Raul Araújo.

HC 331881HC 449361HC 102193RHC 112336HC 299605AREsp 1470972EREsp 1447624


FONTE:  21 de junho de 2020.

FRAUDE CONSTATADA: TST anula sentença por indícios de ter havido conluio entre ex-empregado e herdeiros de empresa

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Segundo os autos, foi forjada a existência de relação empregatícia com o objetivo de impedir a partilha regular dos bens do de cujus.

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT), que pedia a anulação de sentença exarada pela 1ª Vara do Trabalho de Rosário do Sul-RS, sob a afirmação de ter havido fraude trabalhista. O colegiado disse haver fortes indícios de que parte dos herdeiros de um fazendeiro tenha fraudado a existência de relação empregatícia com o objetivo de impedir a partilha regular dos bens do falecido.

Conflito de interesses

O caso envolve os espólios de um empregado falecido em março de 2008 e de um fazendeiro morto na década de 80. Na ação trabalhista ajuizada em 1996, o empregado disse que trabalhou em serviços de lavoura de arroz em uma das fazendas da família a partir de 1979, sendo que, após a morte do fazendeiro, continuou trabalhando para o espólio até novembro de 1993, quando foi despedido sem justa causa e sem receber seus direitos.

Lide sumulada

A sentença foi prolatada em 1996, tendo o empregado recebido todas as verbas trabalhistas pleiteadas. Todavia, segundo apurado pelo MPT, tudo não passou de lide simulada entre o empregado e dois dos quatro herdeiros do fazendeiro. A instituição disse, na época, ter encontrado indícios de conluio entre o empregado e a parte da sucessão do empresário falecido, em que foi ajuizada ação trabalhista requerendo o pagamento de parcelas típicas da relação de emprego. O objetivo, de acordo com o MPT, era burlar direitos sucessórios.

MPT

Na ação rescisória, a instituição relaciona mais de treze indícios de que teria havido a fraude, cujo principal beneficiário seria um dos herdeiros. O MPT pediu a anulação da sentença ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região-RS, mas o pedido foi julgado improcedente.

Desavenças

Na interpretação do TRT, a alegada tentativa de alguns dos herdeiros de conservarem ou adquirirem os bens “mais valiosos” do espólio se aproximava mais das desavenças havidas no próprio processo de inventário, do que de uma possível colusão. A decisão afirmou ainda que não houve terceiro prejudicado e que a sucessão executada apresentou defesa em todas as fases do processo na reclamação trabalhista.

Fortes indícios

Já para o relator do recurso do MPT no TST, ministro Douglas Alencar Rodrigues, a conclusão foi de ocorrência de colusão, revelada por fatos como, na reclamação trabalhista, o empregado ter dito que manteve relação empregatícia com o fazendeiro e, após sua morte, com os seus sucessores, e não ter sido anexada qualquer prova documental dessa relação de emprego. Também o fato de a sucessão, representada à época por uma das herdeiras, ter contestado genericamente os pedidos do empregado, não ter complementado a defesa e deixado vencer prazos processuais.

Fraude à lei

Na avaliação do ministro, o Regional, ao analisar o pedido de rescisão feito pelo MPT, não percebeu que as disputas travadas entre os herdeiros, “fartamente evidenciadas nos autos” e reconhecidas em sua própria decisão, poderiam desaguar na prática do conluio verificado no feito originário, em fraude à lei e em prejuízo dos herdeiros inocentes.

Ao acolher o pedido do MPT para rescindir a sentença, o relator afirmou que não há dúvida de que o caso dos autos amolda-se ao inciso III do art. 485 do CPC de 1973, “pois presentes indícios suficientes para configuração da colusão”, na medida em que o empregado e alguns dos herdeiros do fazendeiro simularam conflito de interesse com o propósito de fraudar a lei, com utilização do aparato judiciário. Processo: RO-398-28.2011.5.04.0000


FONTE:  TST, 24 de junho de 2020.

NULIDADE DA CITAÇÃO: É nula citação postal de pessoa física se mandado foi recebido por terceiro

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A 3ª turma do STJ proveu recurso contra acórdão do TJ/SP para declarar nula citação postal em ação monitória uma vez que o mandado citatório contra o réu, pessoa física, foi recebido por terceiro.

No caso, o acórdão paulista considerou válida a citação pois foi entregue no estabelecimento comercial do qual o recorrente é sócio administrador.

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou no voto que a citação de pessoa física pelo correio se dá com a entrega da carta citatória diretamente ao citando, cuja assinatura deverá constar no respectivo aviso de recebimento, sob pena de nulidade do ato, nos termos do que dispõe o CPC/15.

Entretanto, no caso dos autos, a carta citatória não foi entregue ao recorrente, mas sim à pessoa estranha ao feito, o que o relator entendeu como “clara violação” ao comando legal.

Bellizze ressaltou que o fato de a citação postal ter sido enviada ao estabelecimento comercial onde o recorrente exerce suas atividades não é suficiente para afastar a norma processual, sobretudo porque não há como se ter certeza de que o réu tenha efetivamente tomado ciência da ação monitória contra si ajuizada.

A possibilidade da carta de citação ser recebida por terceira pessoa somente ocorre quando o citando for pessoa jurídica, nos termos do disposto no § 2º do art. 248 do CPC/2015, ou nos casos em que, nos condomínios edilícios ou loteamentos com controle de acesso, a entrega do mandado for feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento da  correspondência, conforme estabelece o § 4º do referido dispositivo legal, hipóteses, contudo, que não se subsumem ao presente caso.

A decisão do colegiado foi unânime.  Processo: REsp 1.840.466


FONTE:  Migalhas, 23 de junho de 2020.

 

 

DANO MORAL:  Imobiliárias devem reparar casal por má prestação de serviço

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Indenização de R$ 5 mil pela troca de fechadura sem autorização dos novos proprietários

As empresas Fox Imóveis e Ribeiro de Morais Imóveis terão de pagar a um casal indenização de R$ 5 mil por danos morais, por terem trocado a fechadura do imóvel vendido aos dois sem a autorização dos novos proprietários. A decisão é da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Proprietários foram surpreendidos, no momento da mudança, pela troca de fechadura

O casal afirmou no processo que foi surpreendido com a troca da fechadura no momento da mudança.

Eles disseram ainda que, durante a negociação, os corretores indicaram uma vaga de garagem que seria dividida com a síndica do condomínio, o que justificaria o valor do imóvel. No entanto, depois da compra, verificaram que as vagas não são vinculadas aos apartamentos individualmente, mas pertencem a todos os moradores.

Por sua vez, as empresas alegaram que no contrato não há observação sobre vaga de garagem e solicitaram que a antiga proprietária e vendedora do imóvel também fosse parte na ação.

A antiga proprietária sustentou que houve falha na prestação dos serviços por parte das empresas, porque os documentos não informavam que existiria vaga exclusiva para o proprietário do imóvel.

Sentença

Em primeira instância, o juiz André Luiz Tonello de Almeida, da 14ª Vara Cível de Belo Horizonte, determinou o pagamento de indenização de R$ 5 mil por danos morais, no que se refere à troca da fechadura, que impediu a mudança.

Sobre a questão da garagem, segundo o magistrado, não ficou comprovado que as empresas alegaram a existência de vaga exclusiva para cada condômino.

Assim, apenas as corretoras foram condenadas a pagar a indenização.

“Verifico que o ocorrido ultrapassou o mero dissabor, atingindo a honra do casal, pois, ao tentar efetuar a mudança, não obtiveram êxito, passando por uma situação constrangedora. Precisaram elaborar boletim de ocorrência, bem como chamar um chaveiro para regularizar a situação”, afirmou o juiz.

Recurso

Inconformadas, as empresas recorreram alegando que não houve danos morais, o que afastaria o seu dever de indenizar. No entanto, o relator, desembargador Valdez Leite Machado, manteve a sentença.

Para o magistrado, “a troca injustificada da fechadura do imóvel vendido, sem qualquer aviso, configura dano moral, principalmente porque impediu a mudança que estava sendo realizada”.

Ele entendeu que o valor de R$ 5 mil estava de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

As desembargadoras Evangelina Castilho Duarte e Cláudia Maia votaram de acordo com o relator.


FONTE:  TJMG, 10 de junho de 2020.

Considerações sobre as Audiências Virtuais, em tempo de Pandemia

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  • Clovis Brasil Pereira

SUMÁRIO:    1. Introdução      2. O Covid-19 inviabiliza os atos presenciais no Forum  3. Uma discussão necessária: a legalidade das audiências virtuais  4. Normativos legais  que  disciplinam e autorizam a realização das audiências    5.  Responsabilidade pelos meios tecnológicos para garantir sua realização   6. Oitiva das testemunhas: problemas possíveis   7. Recusa do advogado em participar da audiência   8.  Princípio da Cooperação previsto expressamente no CPC   9.  Dificuldades à serem superadas  para a consagração das audiências virtuais    10.  Roteiro para participar da audiência virtual pelo “MICROSOFT TEAMS” em SP   11. O futuro das audiências virtuais, pós Pandemia.

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1. Introdução

Com a crise sanitária provocada pelo Covid-19, que já provocou mais de 50.000 óbitos e mais de um milhão de infectados já contabilizados no Brasil, tivemos reflexos diretos no âmbito da atividade jurisdicional, e desde março de 2.020, quando do reconhecimento da Pandemia pela OMS, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, adotou algumas providências que impctaram diretamente as atividades do Poder Judiciário.

Inicialmente foram suspensos todos os prazos judiciais, e posteriormente, no mês de maio, ocorreu a liberação da tramitação dos processos digitais, sendo que os processos físicos ainda estão suspensos até 30 de junho de 2.020. Foram liberadas através da Resolução 314, a realiza de audiências de conciliação ou de instrução, através de videoconferência, cabendo a cada Tribunal disciplinar a realização das mesmas nos limites de suas respectivas jurisdições.

Vivemos atualmente uma nova realidade, uma vez que toda novidade implantada repentinamente, acaba causando uma certa inquietação nos agentes envolvidos, envolvendo a Magistratura, o Ministério público, os Advogados, os funcionários em geral, bem como os próprios jurisdicionados.

Nestas considerações abordaremos os principais aspectos envolvidos, notadamente quanto a legalidade de tais audiências, das nulidades que podem ser geradas, das dificuldades para coleta da prova oral, bem como outras nuances decorrentes da implantação dessa nova modalidade, inclusive quanto ao seu futuro após a Pandemia, que preocupa especialmente  a comunidade jurídica e  a sociedade brasileira em geral.

2. O Covid-19 inviabiliza os atos presenciais no Forum

Um dos reflexos direto da Pandemia, é a recomendação para o distanciamento social, com a suspensão de reuniões que possam ocasionar contatos diretos entre as pessoas, para evitar que o vírus artinja um número maior de pessoas.

Com base nessa nova e triste realidade, foram suspensas as audiências realizadas nos  próprios do Poder Judiciário, em todas as esferas e Instâncias, o que praticamente inviabilizou num primeiro momento as atividades jurisdicionais, salvo medidas urgentes que exigiam a pronta intervenção em caráter provisório.

O que vivos então, foi uma inquietação generalizada entre os advogados, juízes e promotores, pois a comunidade jurídica em geral não estava preparada para o enfrentamento de uma crise sanitária e humanitária de proporções incalculáveis, e de futuro tão incerto como essa que estamos vivenciando.

O grande dilema que logo surgiu, foi em relação às audiências, muitas já designadas para instrução dos processos, e que foram suspensas inicialmente sem previsão para futura realização, prejudicando de forma inconteste os direitos buscados pelas pessoas envolvidas nos processos ajuizados, situação que passou a exigir uma pronta alternativa para suprir as dificuldades então surgidas, um verdadeiro dilema, ou seja, as audiências ficariam totalmente prejudicadas, ou se buscaria uma alternativa para suprir as dificuldades trazidas pelo distanciamento social?

Inicialmente, tivemos muitas resistências, próprias das mudanças que ocorrem na vida em sociedade. Assim foi quando veio a obrigatoriedade do uso de segurança, na proibição de se fumar em locais fechados,  no uso obrigatório da cadeira de bebê nos veículos, lembram?

O mesmo acontece agora com as audiências virtuais.  Estamos frente a  novos  paradigmas, com resistências inclusive no plano cultural, e ante  a  carência de ferramentas tecnológicas por parte dos envolvidos, notadamente os jurisdicionados. Enfim, toda a inovação causa em princípio uma certa inquietação, que por certo será vencida em pouco tempo, com diálogo e bom senso que deverão ao final prevalecer notadamente no meio jurídico.

3. Uma discussão necessária:  A legalidade das audiências virtuais

Uma discussão que tem ganho relevância na comunidade jurídica, é a legalidade das audiências virtuais, por videoconferência, que passaram a prevalecer após a decretação do estado de emergência, em razão do reconhecimento da PANDEMIA, que tem ceifado milhares de vidas humanas no Brasil e pelo mundo afora.

4.  Normativos legais que disciplinam e autorizam a realização das audiências

Temos um conjunto normativo que veremos a seguir, que ao nosso ver, asseguram a legalidade das chamadas audiências virtuais, e que justificam a adoção da referida modalidade, pelo menos temporariamente enquanto perdurarem os efeitos da PANDEMIA, e que destacamos abaixo

4.1.  CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A base legal encontra-se na Constituição Federal, que contempla princípios constitucionais que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica, para promoção dos pleitos jurisdicionais através do processo judicial, tais como:

  1. princípio do devido processo legal: 5.º, LIV – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”;
  2. princípios do contraditório e da ampla defesa: 5.º, LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”;
  3. inadmissibilidade de provas ilícitas: 5.º, LVI – “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”;
  4. princípio do juiz natural: 5.º, LIII – “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”; e art. 5.º XXXVII – “não haverá juízo ou tribunal de exceção”;
  5. princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional: 5.º, XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”;
  6. princípio da razoável duração do processo: 5.º, LXXVIII – “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”;
  7. Ininterrupção da atividade jurisdicional: 93, XII – “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente.

4.2.  DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

O Código de Processo Civil – Lei 13.105 – em vigor desde 2016, representa em avanço na preservação dos direitos constitucionais assegurados na lei maior, recepcionando de forma efetiva e até mais ampliada, tais princípios e garantias na tramitação do processo civil.  Destacam-se:

Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil , observando-se as disposições deste Código.

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:   I – à tutela provisória de urgência;   II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;    III – à decisão prevista no art. 701 .

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código.

4.3.   Lei 11.419/2006  – DA INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAl

Em dezembro de 2006, foi dado o primeiro passo, pelo Congresso Nacional, ao aprovar a Lei 11.419, no sentido da utilização de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, viabilizando a implantação da nova modalidade aos processos civil, penal e trabalhista, bem como nos Juizados Especiais, em todos os graus de jurisdição.

Disciplinou também a utilização do uso de certificados judiciais para assinatura dos documentos do processo, bem como validação de assinaturas digitais  pelos cadastros feitos perante o Poder Judiciário.

Embora tenham se passado 14 anos, pouco foi feito para implementação dessa  lei, na sua integridade em todos os níveis do Poder Judiciário, o que muito teria contribuído para efetividade do princípio constitucional da razoável duração do processo.

No Estado de São Paulo, por exemplo, o processo eletrônico teve início em 2012, avançando paulatinamente pelas diferentes Unidades da Federação, encontrando-se ainda, em algumas localidades mais afastadas do território nacional, em sua fase embrionária, carecendo de recursos e meios tecnológicos para sua implementação de forma integral.

Um dos aspectos que foi descuidado na sua implantação, foi a regulamentação para a prática das audiências judiciais por meio de videoconferência, tanto para as audiência de tentativa de conciliação, quanto para as audiências de instrução. Tivessem os agentes públicos e a comunidade jurídica se mobilizado para implantar de forma efetiva a prática dos atos judiciais por meio eletrônico, não teríamos o açodamento ocorrido no início de 2020, pela chegada do indesejado COVID-19, quando tivemos de cerrar fileiras para viabilizar as audiências virtuais, face ao isolamento social determinado pelas autoridades.

Eis os principais dispositivos da referida lei 11.419/2006:

Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.

  • Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.
  • Para o disposto nesta Lei, considera-se:

I – meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;

II – transmissão eletrônica toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores;

III – assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:

a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;

b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

4.4.   Resolução 314/2020  –  CNJ

Em conformidade com os dispositivos constitucionais, e notamente com amparo no art. 196, do Código de Processo Civil, coube ao CNJ e aos respectivos Tribunais na segunda Instância e Instâncias Superiores, disciplinar no âmbito da cada esfera, a partir de 04 de maio de 2020, quando findou o período de suspensão dos prazos no âmbito do Poder Judiciário, regras procedimentais para garantia do acesso à justiça, direito consagrado aos jurisdicionados, com a preservação do devido processo legal e da ampla defesa,  disciplinando no art. 3º, e parágrafos, regras mínimas para implantação das audiências virtuais, a saber:

Art. 3º Os processos judiciais e administrativos em todos os graus de jurisdição, exceto aqueles em trâmite no Supremo Tribunal Federal e no âmbito da Justiça Eleitoral, que tramitem em meio eletrônico, terão os prazos processuais retomados, sem qualquer tipo de escalonamento, a partir do dia 4 de maio de 2020, sendo vedada a designação de atos presenciais.

  • Os prazos processuais já iniciados serão retomados no estado em que se encontravam no momento da suspensão, sendo restituídos por tempo igual ao que faltava para sua complementação (CPC, art. 22l).
  • Os atos processuais que eventualmente não puderem ser praticados pelo meio eletrônico ou virtual, por absoluta impossibilidade técnica ou prática a ser apontada por qualquer dos envolvidos no ato, devidamente justificada nos autos, deverão ser adiados e certificados pela serventia, após decisão fundamentada do magistrado.
  • Os prazos processuais para apresentação de contestação, impugnação ao cumprimento de sentença, embargos à execução, defesas preliminares de natureza cível, trabalhista e criminal, inclusive quando praticados em audiência, e outros que exijam a coleta prévia de elementos de prova por parte dos advogados, defensores e procuradores juntamente às partes e assistidos, somente serão suspensos, se, durante a sua fluência, a parte informar ao juízo competente a impossibilidade de prática do ato, o prazo será considerado suspenso na data do protocolo da petição com essa informação.

Assim, quando um ato processual não puder ser praticado por meio eletrônico ou virtual, por absoluta impossibilidade técnica ou prática a ser apontada, justificadamente, por qualquer dos envolvidos no ato, o juiz, por decisão fundamentada, poderá ou não determinar o adiamento do ato.

Todavia, quanto a determinados atos processuais, como “apresentação de contestação, impugnação ao cumprimento de sentença, embargos à execução, defesas preliminares de natureza cível, trabalhista e criminal, inclusive quando praticados em audiência, e outros que exijam a coleta prévia de elementos de prova”, partindo da presunção de que a pandemia gera  prejuízo para a sua regular prática, determina a Resolução 314/2020 que, para a suspensão do respectivo prazo, bastará a mera alegação da parte ou do advogado, na sua fluência, de que está impossibilitado de praticar o ato (art. 3º, § 3º), sem que o juiz possa, ainda que motivadamente, indeferir o pedido nesses casos expressamente previstos.

Esse foi o entendimento do Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao julgar, na 15ª Sessão extraordinária, realizada no dia 25/05/2020, o Pedido de Providências nº 0003594-51.2020.2.00.0000 proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal (OAB-DF).

4.5.  PROVIMENTO CSM Nº 2557/2020, de 12/05/2020

No Tribunal de Justiça de São Paulo, o seu Conselho Superior da Magistratura, disciplinou a aplicação da Resolução 314/2020,  na sua jurisdição, editando o Provimento CSM nº 2557, nos termos seguintes:

O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, no uso de suas atribuições legais (artigo 16, XVII, do RITJSP),  

CONSIDERANDO que a atividade jurisdicional é essencial e ininterrupta, nos termos do art. 93, XII da Constituição Federal, devendo assegurar-se sua continuidade durante o Sistema Remoto de Trabalho, sempre que possível, por meios eletrônicos ou virtuais, o que também se aplica às audiências;

CONSIDERANDO que, nos termos do art. 3º, §2º, da Resolução CNJ no 314/2020, e do art. 2º, §1º, do Provimento CSM no 2554/2020, compete às partes apontar as impossibilidades técnicas ou práticas que eventualmente impeçam a realização dos atos processuais por meio eletrônico ou virtual, cabendo ao juiz, na sequência, decidir fundamentadamente acerca da matéria;

CONSIDERANDO que a regra do art. 6º, §3º, da Resolução CNJ no 314/2020, não condiciona a realização das audiências por videoconferência em primeiro grau de jurisdição, durante o período do Sistema Remoto de Trabalho, ao prévio consentimento das partes;

RESOLVE:

Art. 1º. O §4º do art. 2º do Provimento CSM no 2554/2020 passa a contar com a seguinte redação:

“Art. 2º. ………………………………………………………………………..

  • 4º. Poderão ser realizadas audiências por videoconferência, observada, nesse caso, a possibilidade de intimação e de participação das partes e testemunhas no ato, por meio do link de acesso da gravação junto ao Microsoft OneDrive, a ser disponibilizado pelo juízo, observadas as demais disposições dos Comunicados CG nº 284/2020 e nº 323/2020.”

Entendemos assim, que à luz do que prevê a Constituição Federal, o CPC, a Lei 11.419/2006, e as Resoluções emanadas do CNJ e dos respectivos Conselhos  Superiores da Magistratura, tais disposições, respeitada a hierarquia legal prevista entre referidos instrumentos legais, e em face dos efeitos restritivos pela PANDEMIA que assola o pais, e ainda, com a decretação do estado de emergência aprovado pelo Poder Legislativo Federal, que prevalece em caráter excepcional, e temporariamente, a autorização legal para a realização das audiências virtuais que estamos vivenciando.

Obviamente, que tais disposições, notadamente as  de natureza administrativa, deverão ser melhor aprimoradas, mediante ampla discussão entre os agentes envolvidos (magistratura, Ministério  Público e Advocacia), e posterior aprovação pelo poder competente, o Poder Legislativo.

5.  Responsabilidade pelos meios tecnológicos para garantir sua realização

Uma das preocupações palpitantes no seio da advocacia, é a ocorrência de nulidade de atos processuais praticados nas audiências virtuais, e o momento em que tais nulidades devem ser alegadas, para não tragam prejuízos aos jurisdicionados.

Por certo, não é porque estamos numa situação de emergência, que o regramento processual possa ser desrespeitado, notadamente quando atentam contra o devido processo legal, o efetivo contraditório, e a impossibilidade de produção das provas pertinentes à solução do litígio, e ainda, atentem contra a forma procedimental estabelecida no Código  de Processo Civil.

Obviamente que as alegações de eventuais nulidades, devem ocorrer após a ocorrência destas, e não por simples presunção ou pressentimento, destacando-se nessas possíveis nulidades, a arguição da incomunicabilidade das testemunhas e a mitigação dos princípios constitucionais aplicados no âmbito do processo.

A alegação de eventuais nulidades, deve ocorrer, quando possível, de pronto pelo advogado, fazendo constar no termo de audiência a irregularidade constatada.  No entanto, se a nulidade for constatada posteriormente, através do exame detalhada das imagens e vídeo gravados por ocasião da audiência, entendemos que a partir desse momento, devem os advogados e o Ministério Público, este quando chamado à atuar no processo (art. 178, CPC), fazê-lo expressamente nos autos,  sob pena de preclusão, notadamente quando se tratar de nulidade relativa.

Ressalte-se, por fim, que os atos praticados no decorrer de uma audiência virtual, são gravados e ficam disponíveis às partes, atendendo ao princípio da publicidade garantido na legislação.

6. Oitiva das testemunhas: problemas possíveis

 Sem dúvida nenhuma, o maior problema apontado pela comunidade jurídica, notadamente a advocacia, é a oitava das testemunhas  a que merece maior preocupação, devido às formalidades estabelecidas no estatuto processual, uma vez que na audiência virtual, as testemunhas estarão, em regra,  nas suas residências, ou excepcionalmente, no escritório do respectivo advogado, e portanto fora do ambiente do Poder Judiciário.

Por essa razão, poderão surgir problemas passiveis de gerar nulidades, quando de suas oitivas, tais como:

  • Identificação das testemunhas (art. 457, CPC), e tomada de compromisso (art. 458):  a identificação da testemunha  deve ser acompanhada da advertência pelo Juiz, que o depoimento está sendo gravado, devendo o depoente ter postura ética  condizente com a importância do ato, além de que pode incorrer em sanção penal quem faz afirmação falsa, cala ou oculta a verdade (parágrafo único);
  • Oferecimento de contradita e a prova da ocorrência do impedimento: a contradita é facultada ao advogado da parte, na forma do art. 457, § 1º, que estabelece:  “É lícito à parte contraditar a testemunha, arguindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição, bem como, caso a testemunha negue os fatos que lhe são imputados, provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até 3 (três), apresentadas no ato e inquiridas em separado.” 
  •  A dúvida é como viabilizar essa contradita, uma vez que o advogado terá que prová-la através de testemunhas, que poderão estar em suas residências, desconhecendo a forma de acessar a Plataforma onde está ocorrendo a audiência virtual.
  • A incomunicabilidade das testemunhas: Aferir se a incomunicabilidade foi respeitada ou não, é tarefa tormentosa, pois poderá a testemunha de louvar de “colinhas”, apontamentos colocados à distância, de ponto eletrônico ou mesmo de orientação por pessoas que estejam fora do alcance da câmera, cochichando e orientando o que deve ser falado pela testemunha.    Por certo, o juiz condutor da audiência e os advogados devem ter atenção redobrada para constatar eventuais irregularidades e denunciá-las, no ato quando visíveis, ou após o exame do áudio e do vídeo da filmagem da audiência, para  requerimento da nulidade do ato.
  • Assinatura pelas testemunhas dos seus depoimentos: segundo o art. 460, do CPC,  “O depoimento poderá ser documentado por meio de gravação.”  Já o parágrafo 1º prescreve:  “Quando digitado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, o depoimento será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores.”

 Por sua vez, o parágrafo 3º faz menção ao autos eletrônicos, que devem seguir a regulamentação do CPC, que especifica:  “Tratando-se de autos eletrônicos, observar-se-á o disposto neste Código e na legislação específica sobre a prática eletrônica de atos processuais.” 

Ocorre que o CPC não regulamenta as audiências virtuais, e a Lei 11.469/2006, que trata do processo eletrônico, estabelece  no art. 1º,  § 2º,  III, letras “a” e “b”,  a   identificação inequívoca do signatário, através: “a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica” ou  “b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

Poderemos neste caso tomar o depoimento apenas das  testemunhas portadoras de Certificado Digital, ou das que tiverem feito o  cadastro prévio no Portal do Poder Judiciário. Desrespeitar essa disposição, no meu entendimento,  afronta ao artigo 1º e seus parágrafos e incisos da Lei 11.469, o que poderá ensejar a alegação de nulidade por afronta ao expresso texto legal.

  • Testemunha sem condições técnicas para participar da audiência: é notório que grande parte da população, notadamente os jurisdicionados que são protegidos pela gratuidade da justiça, muitas vezes não possuem condições  adequadas  para participação de uma audiência virtual, tais como equipamento, banco de dados de internet, e mesmo domínio da ferramenta tecnológica disponibilizada pelo Tribunal.  Nesse caso, parece-nos inviável a realização da audiência virtual, sob risco de afronta ao devido processo legal,  contraditório e ampla defesa
  • Impossibilidade de locomoção das testemunhas: por fim, temos a hipótese da testemunha não poder se locomover para o escritório do  advogado da parte ou para a residência da própria parte. Neste caso, se ela não tiver meios de participar da audiência, haverá flagrante prejuízo para a parte produzir prova necessária para sustentar o direito perseguido.

Alinhamos assim várias situações para reflexão, que podem se constituir em transtorno para alcançarmos os resultados almejados quando da realização das audiências telepresenciais, e cujas respostas serão construídas no decorrer do tempo.

7. Recusa do advogado em participar da audiência

Assim como as testemunhas tem dificuldades para participar das audiências, muitos advogados também compartilham dessas mesmas dificuldades, pois nem todos possuem meios confiáveis, tais como equipamento, acesso à internet que garanta a consistência na transmissão de dados, espaço físico em seus escritórios para receber as partes e testemunhas, quando necessário.

Ao contrário dos Juízes e Promotores que são aquinhoados com equipamentos de qualidade, providos pelo Poder Público, os advogados lutam constantemente para promover as necessidades básicas para prover seu local de trabalho, notadamente os profissionais em início de carreira, quando as dificuldades são mais notadas.

Neste caso, atento ao princípio da boa-fé, preconizada no artigo 5º do CPC, cabe ao advogado declinar da realização da audiência virtual, por falta de condições técnicas, o que deve ser atendido pelo Juiz condutor do processo, atento ao princípio mencionado.

Obviamente, se o juiz não atender à negativa do advogado em participar da audiência, o que deverá ser feito em decisão fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal, c.c. art. 489, § 1º, CPC) poderá este se utilizar do recurso processual próprio, conforme consta do rol do art. 994, do CPC, dependendo da natureza da decisão adotada.

8. Princípio da Cooperação previsto expressamente no CPC

Para realização das audiências por teleconferência, o respeito ao principio da Cooperação, previsto expressamente no art. 6º do Código de Processo Civil,  é de primordial importância, que assim estabelece: “Todos os sujeitos  do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em prazo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

Ao fazer referência a todos os sujeitos do processo, claro está que tal obrigação engloba as atuações dos Juizes, dos integrantes do Ministério Público, dos Advogados, das Partes e demais participantes, que devem atuar afirmativamente, atentos ao princípio da boa-fé, para a consumação dos atos processuais, incluindo os praticados para a preparação e a realização das audiências virtuais.

9.  Dificuldades à serem superadas para a consagração das audiências virtuais

  • Precisamos de uma regulamentação legislativa específica e pormenorizada, discutida previamente por todos os agentes do processo, para definir um procedimento homogêneo para todo o Poder judiciário, na condução dos processos eletrônicos e particularmente, para a realização das audiências virtuais.
  • Definição de uma Plataforma própria do Poder Judiciário, de simples manuseio, em língua portuguesa, para garantir o acesso mais amplo aos jurisdicionados, lembrando que o 192, do CPC, expressamente prevê, “Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso da língua portuguesa”.
  • Observa-se que em algumas plataformas utilizadas pelo Poder Judiciário, a linguagem de orientação ao acesso é em língua inglesa, o que inviabiliza o entendimento de muitos usuários que não tenho conhecimento da língua estrangeira, sendo esse um fato grave, precisa ser contornado, através da criação de uma plataforma própria desenvolvida especificamente para o Judiciário, em consonância com o aludido 192, do CPC.
  • Criação de espaços coletivos próprios (escolas, sindicatos, clubes, dentre outros0 para realização das audiências, pois muitas vezes os jurisdicionados não tem condições de garantir os meios mínimos para participar dos eventos virtuais, por falta de equipamento, sem acesso à internet, falta de domínio da tecnologia, dentre outras.

10. Roteiro para participar da audiência virtual pelo “MICROSOFT TEAMS” em SP

Apresentamos  a seguir um roteiro simplificado do procedimento para o acesso às audiências virtuais, no âmbito da Justiça Estadual do Estado de São Paulo:

  • A participação à audiência virtual pode ser realizada de diversas formas, não necessitando da instalação da ferramenta para uso pelo computador ou laptop.
  • Também é possível participar da audiência virtual a partir de um celular, utilizando o aplicativo “Microsoft Teams”. Juntamente com o e-mail do agendamento da audiência virtual é disponibilizado um link para acessar à sala virtual de audiência. Basta clicar sobre o link “Ingressar em Reunião do Microsoft Teams”.
  • Caso a participação na audiência virtual for ser realizada a partir de um celular, com acesso à internet, o link para acesso à audiência virtual poderá ser visualizado conforme imagens que aparecem nos respectivos aparelhos (pode variar de acordo com o modelo do aparelho):
  • É possível que você, ao acessar a audiência virtual no dia e horário agendados, permaneça no lobby, aguardando o seu momento de ingresso. Assim que chegar o seu momento de participar da audiência, um servidor do Tribunal de Justiça irá autorizar a sua entrada.
  • Tenha em mãos o seu documento de identificação pessoal com foto. Ele será necessário durante a sua participação na audiência virtual.
  • Na hipótese de ser solicitado que você aguarde, durante a audiência, o servidor do Tribunal de Justiça irá remover você da reunião. Neste caso, aguarde até que o servidor solicite o seu reingresso.
  • Somente quando isso acontecer, clique em “Reingressar”. Desde que haja autorização do juiz, caso a sua participação na audiência seja realizada apenas através de áudio (sem exibição da sua imagem), fique atento aos botões que indicam o modo de ingresso e de reingresso à audiência virtual.  Utilize a opção que desabilita o vídeo, no momento do ingresso.
  • Utilize a opção “Apenas voz” no momento do reingresso. Caso haja alguma indisponibilidade de conexão durante a audiência virtual, permaneça aguardando o restabelecimento da conexão ou outra orientação do funcionário do Tribunal.

11.  O  futuro das audiências virtuais, pós Pandemia

Um assunto que começa aflorar nas discussões no meio jurídico, é sobre o futuro das audiências virtuais, quando cessarem os efeitos  do Covid-19, e possibilite a retomada das atividades presenciais no Poder Judiciário, ora suspensas por força de Resolução do CNJ.

Com a experiência que vamos adquirir e vivenciar neste período, que medeia entre mais 4 a 6 meses, segundo estimativas dos especialistas em infectologia, acredito que na sequência, vamos conviver com um sistema híbrido das audiências virtuais, ou seja, serão perpetuadas para a audiências de Conciliação e Mediação, e no cumprimento de Cartas Precatórias ou mesmo Cartas Rogatórias.

As audiências de Mediação e Conciliação, são de procedimento simplificado, e envolve um número reduzido de pessoas, onde não se discute o conflito em si, nem se faz produção de provas, mas sim, se busca a solução do litígio por meio de acordo que atenda os interesses das partes.

Importante ressaltar ainda, que referidas audiências normalmente tem sido realizadas, já de algum tempo, por mediadores ou conciliadores, muitas vezes pelos CEJUSCs, sem a presença dos magistrados, que posteriormente analisam os termos de acordos e fazem a devida homologação.

Com relação às cartas precatórias e rogatórias, poderão ser cumpridas mais rapidamente, com a oitiva dos interessados, nas comarcas ou nos paises deprecados, onde estejam residindo, através do próprio juízo deprecante.

Neste caso, entendemos perfeitamente viável essa modalidade de audiência, pois o Juiz que colherá os depoimentos conhece detalhadamente dos fatos do processo, e a oitiva poderá ser mais eficaz para instrução da ação e consequentemente, possibilitará um melhor resultado processual.

Mas sem dúvida, o maior ganho será na diminuição da morosidade do processo, pois é sabido que muito tempo é perdido quando se faz necessário a oitiva de testemunhas em Comarca distinta da que tramita o feito, com a demora por vezes de 6 a 12 meses para cumprimento da carta pelo Juízo deprecado.

Em outras audiências onde ocorrerá a oitiva de uma ou duas testemunhas, ou se colherá o depoimento de peritos e assistentes técnicos, também entendemos viável a continuidade das audiências por videoconferência.

Nos demais casos, em que a instrução processual demandará a tomada de depoimentos de várias testemunhas, acreditamos que a forma presencial será a mais indicada, para maior eficácia na resolução dos conflitos e assegurar plena segurança jurídica.

Por fim, urge um aperfeiçoamento na forma procedimental, através de legislação eficaz, bem como o aparelhamento do Poder Judiciário, dando-lhe condições de eficiência em recursos humanos e tecnológicos  primordial para o futuro das audiências virtuais.

BIOGRAFIA

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, especialista em processo civil, mestre em direito, professor universitário em cursos de direito, na graduação e pós graduação, colaborador de revistas e sites jurídicos com publicação de artigos, autor do livro “O Cotidiano e o Direito”, editor responsável do site jurídico  www.prolegis.com.br.

 

Mesmo sob suspeita de adoção irregular, interesse da criança justifica manutenção com mãe afetiva

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​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou uma liminar e concedeu habeas corpus para revogar a decisão que determinou o acolhimento institucional de um bebê de um ano e seis meses, por entender que, mesmo havendo fortes indícios de irregularidades na adoção, a transferência para um abrigo, no caso, não é a solução mais recomendada.

De acordo com a ministra Isabel Gallotti, relatora, deve prevalecer o princípio do melhor interesse do menor, que conviveu desde o nascimento com a mãe registral, passando poucos dias no abrigo.

No curso da ação de nulidade do registro civil do bebê, uma decisão do tribunal estadual determinou a suspensão do poder familiar e o acolhimento institucional, por considerar fortes indícios de adoção irregular decorrente de falsidade nas declarações para o registro de nascimento, bem como suspeita de pagamento pela criança.

O habeas corpus dirigido ao STJ questionou essa decisão, sustentando que o acolhimento institucional foi determinado exclusivamente com base em “suposições e deduções oriundas de declarações infundadas” do Ministério Público relativas à falsidade do registro civil.

O pedido menciona que a criança não corre risco, que ela sofre por não estar convivendo com a mãe afetiva e que é infundada a afirmação de que teria havido pagamento pelo bebê.

Uma decisão da presidência do STJ, em regime de plantão, deferiu a liminar para que a criança ficasse com a mãe afetiva até o julgamento do mérito do habeas corpus.

Acusações grav​​es

Ao julgar o mérito do pedido, a ministra Isabel Gallotti afirmou que são graves e embasados os indícios de adoção irregular. Ela mencionou trechos em que o juízo de primeiro grau se refere a possível pagamento feito à mãe biológica e a uma união supostamente falsa entre a mãe biológica e a afetiva para o fim de registrar a criança.

Ainda assim, e apesar de não haver ilegalidade no acolhimento temporário em abrigo, a ministra concluiu que as peculiaridades do caso justificam a concessão do habeas corpus para manter o bebê com a mãe afetiva.

A criança foi entregue irregularmente para a mãe registral logo após o nascimento – relatou Isabel Gallotti –, e a decisão liminar de acolhimento institucional somente foi proferida quando ela contava com oito meses de vida. Atualmente, por força da liminar deferida pela presidência do STJ, permanece no convívio da família registral há mais de um ano e meio, sendo que em todo esse período passou poucos dias no abrigo.

A ministra destacou que a mãe registral e sua companheira estão inscritas no cadastro nacional de adoção e não há menção de risco algum à integridade física e psicológica do menor.

“Na linha de precedentes de ambas as turmas que compõem a Segunda Seção do STJ, penso que o acolhimento institucional ou a colocação em família substituta temporária, dadas as peculiaridades do caso, não atendem ao melhor interesse da criança”, declarou.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.


FONTE:  STJ, 12 de junho de 2020.

Especialistas acreditam que o trabalho infantil no Brasil pode aumentar como reflexo da pandemia do coronavírus

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Ainda são incertas as consequências de um mundo pós-pandemia da Covid-19, mas alguns especialistas são unânimes ao concordar que a crise econômica e social deve agravar ainda mais a situação de crianças e adolescentes que são obrigados a trabalhar no Brasil e em outros vários países do mundo. As conclusões surgiram, nesta sexta-feira (12/6), durante a transmissão do webinário “Covid-19: Agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil” no canal oficial do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no YouTube.

O evento marcou o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil e faz parte da campanha nacional que uniu a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).

Dados divulgados esta semana pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) mostram que,  apenas na América Latina e no Caribe, cerca de 326 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos devem buscar trabalho como resultado da crise econômica e social de um mundo pós-coronavírus.

Segundo a ex-diretora do escritório da OIT no Brasil e ex-diretora da Divisão de Desenvolvimento Social da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Laís Abramo, a nova onda de desemprego levará milhares de famílias de volta à pobreza e à extrema pobreza obrigando jovens a saírem em busca de dinheiro para contribuir no sustento da família. “Temos uma expectativa, apenas para o Brasil, de volta de mais de 10 milhões de famílias para a pobreza ou a extrema pobreza. Além disso, a realidade dessas famílias não vai se recuperar com a retomada da economia, e os reflexos nefastos podem durar décadas”, pontuou.

A coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho e ministra do TST, Kátia Arruda, trouxe a realidade vivida em alguns países da África. Muitos deles passaram, nos últimos anos, por epidemias de ebola e agora sofrem com altas taxas de violência doméstica e sexual contra crianças e adolescentes, além dos vácuos no período escolar ou simplesmente o abandono completo da escola.

“No Brasil, as escolas particulares estão funcionando quase que na totalidade durante a pandemia da Covid-19, mas essa não é a realidade das escolas públicas. Muitas vezes, essas crianças só comiam na escola, com a merenda escolar, e, agora, não têm mais esse alimento. Então, tudo isso reverbera no desenvolvimento dessas crianças e afetará o futuro de cada uma delas”, destacou a ministra do TST.

Retrocesso

Em sua fala, a procuradora do Trabalho Ana Maria Villa Real detalhou os avanços que o Brasil apresentou no combate ao trabalho infantil nos últimos 30 anos, como mudanças na legislação, criação de órgãos próprios de fiscalização e criação de políticas públicas, resultando na retirada de mais de 100 milhões de jovens dessa situação entre 1995 e 2002. No entanto, de acordo com ela, os retrocessos já são visíveis com a falta de coleta de dados sobre a situação atual do Brasil. “O trabalho infantil é uma das consequências da pobreza e isso não vai ser resolvido com o Estado mínimo. O Estado deve criar, sim, condições para que as famílias saiam da pobreza e da extrema pobreza. É preciso reforçar programas e criar outras iniciativas. Não é só fazer reparos sociais, mas resolver a raiz do problema”, destacou.

Coordenação

Para o auditor-fiscal do trabalho Antônio Mendonça, que participou do terceiro painel do webinário, as ações de fiscalização contra o trabalho infantil só se tornam eficazes quando coordenadas com outras iniciativas de diferentes setores da Administração Pública. “A questão do trabalho de crianças e de adolescentes não é apenas a questão trabalhista. Temos cenários de violência, de pobreza, questões familiares e sociais. Apenas ações de combate não surtem o efeito”, enfatizou, ao lembrar que o Brasil tem um passado de vitória, já que conseguiu retirar mais de 10 milhões de crianças e adolescentes do trabalho infantil nos últimos 15 anos.

Essa coordenação entre setores de governo e também a participação do terceiro setor é a forma de combater o trabalho infantil, na visão da líder de projetos do Laboratório de Educação da Fundação Roberto Marinho, Maria Corrêa e Castro. “É preciso que haja compromisso de todos pra sairmos dessa situação”.

Racismo

A mestra em Filosofia Política e escritora Djamila Ribeiro também participou do webinário “Covid-19: Agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil” e trouxe a questão racial para o debate. De acordo com ela, qualquer discussão sobre o trabalho infantil no Brasil precisa, obrigatoriamente, abranger o histórico escravocrata e as diversas consequências na construção social do País.

“Os dados mostram que as crianças e adolescentes que trabalham são, predominantemente, negras. Cerca de 70,4%. O Brasil foi um dos últimos países da América a libertar os escravos. É preciso entender esse histórico para romper esse círculo de exclusão. O direito à infância de meninos e meninas negras foi sonegado desde sempre, e essas crianças foram e continuam sendo criminalizadas”, destacou a Djamila Ribeiro.

Segundo a secretária-executiva do FNPETI, Isa Oliveira, o trabalho doméstico infantil é uma das formas onde esse recorte racial e de gênero fica mais evidente no Brasil. Ela destaca que essa realidade expõe crianças e adolescentes a maus tratos físicos, psicológicos e sexuais, além de comprometer a escolarização desses jovens. “Há uma parcela considerável da sociedade brasileira, inclusive formada por políticos e pessoas influentes, que naturaliza o trabalho infantil. Essas pessoas repetem e compartilham afirmações falsas e de senso comum, que revelam uma negação da proteção integral dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes”, enfatizou.

Realidade

Pelo menos 2,4 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalham no Brasil, segundo dados coletados em 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mais da metade desse total ainda realiza tarefas domésticas quando volta para casa. O IBGE destaca ainda que o trabalho infantil afeta, principalmente, meninas e meninos negros e se concentra nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Dados da ONU mostram que, no mundo, esse número era de 152 milhões de crianças trabalhando em atividades, muitas vezes, perigosas e insalubres em 2016.

Debate ocorreu durante transmissão de webinário no canal oficial do TST no YouTube.


FONTE: TST, 12 de junho de 2020.    

CONDOMÍNIO EDILÍCIO: Não há ilegalidade na taxa de condomínio mais alta para apartamento com fração ideal maior

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​A convenção condominial pode instituir, para apartamentos maiores, o pagamento de taxa de condomínio mais alta, vinculada à fração ideal da unidade.

Com base no inciso I do artigo 1.336 do Código Civil, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso dos proprietários de uma cobertura que questionavam a obrigação de pagar a taxa de condomínio e as despesas extras em dobro. O colegiado reafirmou a jurisprudência segundo a qual é legal a cobrança pela fração ideal do imóvel, caso seja esta a decisão dos condôminos.

Os proprietários ajuizaram ação para rever o valor da taxa, apontando a impossibilidade de pagar em dobro pelo simples fato de a unidade estar localizada na cobertura do edifício.

O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que a cobrança se justifica porque a fração ideal do terreno e das partes comuns correspondente à cobertura (com área total de 519,12m², incluindo três vagas de garagem) é de 20%, enquanto a das demais unidades (269,56m², com duas vagas) é de 10%.

No recurso especial, os proprietários alegaram enriquecimento sem causa dos outros condôminos, afirmando que “as despesas decorrentes da conservação ou utilização das partes e coisas comuns não possuem qualquer relação com o tamanho ou mesmo com a fração ideal dos apartamentos, devendo todas as unidades arcarem com os custos na mesma proporção”. Eles disseram ainda que seu imóvel tem área interna similar à dos demais, diferindo apenas pela existência de um lavabo.

Fraç​​ão ideal

O ministro Villas Bôas Cueva, relator, lembrou que é dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio na proporção da fração ideal, salvo disposição diferente na convenção.

“Por opção legislativa, em regra, a divisão do valor da taxa condominial se dá com base na fração ideal da unidade imobiliária, podendo a convenção estabelecer de maneira diversa”, explicou o ministro ao mencionar precedentes nesse mesmo sentido.

Segundo ele, se a convenção estipula o rateio das despesas com base na fração ideal – exatamente o caso analisado –, não há violação de lei federal.

Villas Bôas Cueva comentou que se a construtora, em vez de edificar apartamentos maiores – como costumam ser as coberturas –, utilizasse a mesma área para duas ou mais unidades, cada uma delas pagaria individualmente a cota condominial.

Por fim, o ministro observou que, segundo consta do processo, uma assembleia realizada em 2015 pelos condôminos rejeitou a proposta de rateio das despesas de forma igualitária.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1778522

FONTE:  STJ, 10 de junho de 2020.

Princípio da não surpresa: a busca por um contraditório efetivo

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Importante decisão do STJ, a respeito de tema relevante do Direito Processual Civil

​​​​O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) trouxe em seu artigo 10 o chamado princípio da não surpresa: o juiz não poderá decidir com base em fundamento sobre o qual não se tenha dado às partes a oportunidade de se manifestar, mesmo que se trate de matéria que deva ser decidida de ofício.

artigo 7º dispõe sobre o tema ao definir que é assegurada às partes paridade de tratamento, tendo o juiz o importante papel de zelar pelo efetivo contraditório. Já o artigo 9º define que “não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”.

Nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, ao proferir seu voto no REsp 1.755.266, a intenção do CPC/2015 foi “permitir que as partes, para além da ciência do processo, tenham a possibilidade de participar efetivamente dele, com real influência no resultado da causa”.

No mesmo voto, o magistrado destacou a preocupação latente do novo CPC com o princípio do contraditório, previsto no artigo 5º, LV, da Constituição de 1988.

“Em busca de um contraditório efetivo, o normativo previu a paridade de tratamento, o direito a ser ouvido, bem como o direito de se manifestar amplamente sobre o substrato fático que respalda a causa de pedir e o pedido, além das questões de ordem pública, cognoscíveis de ofício, não podendo o magistrado decidir sobre circunstâncias advindas de suas próprias investigações, sem que antes venha a dar conhecimento às partes”, salientou Salomão.

Segurança ju​rídica

No STJ, o tema – que norteia a atuação de todo o Poder Judiciário – é frequente. Os julgamentos enfrentam a questão sob diversos aspectos, mas a intenção é sempre assegurar que todas as partes possam ser ouvidas e preservar, dentro dos ditames legais, os direitos e garantias fundamentais, inclusive a dignidade da pessoa humana – princípio legitimado tanto na ordem nacional quanto no plano internacional.

Conforme a própria Exposição de Motivos do CPC/2015, a função das normas sobre a não surpresa é garantir efetividade às garantias constitucionais, “tornando ‘segura’ a vida dos jurisdicionados, de modo que estes sejam poupados de ‘surpresas’, podendo sempre prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua conduta”.

Antes d​​o CPC/2015

Embora o princípio da não surpresa tenha aparecido expressamente no ordenamento jurídico brasileiro com o CPC/2015, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento do REsp 1.725.225, votou pela possibilidade de sua aplicação em processos regidos pelo CPC/1973.

Acompanhando o voto do relator, a Terceira Turma reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia considerado uma apelação deserta pelo fato de a complementação do preparo ter sido feita sem correção monetária. Para os ministros, o fato de não ter havido menção à necessidade de atualização monetária no despacho que determinou a complementação da taxa judiciária deu margem à surpresa processual.

Segundo Sanseverino, o artigo 10 do CPC/2015 não tinha correspondente no CPC/1973, mas mesmo assim “o princípio da não surpresa era possível de ser extraído daquele ordenamento processual, embora não com tamanha magnitude”.

O relator mencionou precedente de relatoria da ministra Nancy Andrighi (REsp 1.178.562) no qual a magistrada, rememorando voto de sua lavra no REsp 963.977, destacou que “o processo civil muito comumente vem sendo distorcido de forma a prestar enorme desserviço ao Estado Democrático de Direito, deixando de ser instrumento da justiça para se tornar terreno incerto, recheado de armadilhas e percalços, onde só se aventuram aqueles que não têm mais nada a perder”.

“A razoabilidade deve ser aliada do Poder Judiciário nessa tarefa, de forma que se alcance efetiva distribuição de justiça. Não se devem impor surpresas processuais, pois estas só prejudicam a parte que tem razão no mérito da disputa”, completou Nancy Andrighi.

Lei não invoc​​​ada

Em 2017, ao julgar embargos de declaração no REsp 1.280.825, a Quarta Turma seguiu, por unanimidade, o entendimento da relatora, ministra Isabel Gallotti, no sentido de que aplicar lei não invocada pelas partes não ofende o princípio da não surpresa.

O caso envolveu o prazo prescricional em ação que discutia ilícito contratual. No julgamento da causa, foi aplicado o artigo 205 do Código Civil (prescrição em dez anos) – o qual não foi impugnado –, em vez do artigo 206, parágrafo 3º, V, também do CC (prescrição em três anos) – considerado pelas partes como o correto.

Em embargos de declaração, alegou-se que a decisão violou o princípio da não surpresa, ao adotar fundamento jamais cogitado por todos aqueles que, até então, haviam discutido a controvérsia.

Em seu voto, a ministra destacou que “o fundamento ao qual se refere o artigo 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico – circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação –, não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria)”.

Isabel Gallotti ressaltou ainda que a aplicação do princípio da não surpresa não impõe ao juiz o dever de informar previamente às partes os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame do processo.

Falta de intim​​ação

No julgamento de agravo interno no AREsp 1.468.820, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma decidiu que não existe afronta ao princípio da não surpresa quando o julgador, examinando os fatos expostos na petição inicial, aplica o entendimento jurídico que considerada coerente para a causa.

O agravo interno foi interposto contra decisão monocrática do relator que manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) segundo o qual não é causa automática de nulidade – pois exige demonstração de prejuízo – a falta de intimação para prévia manifestação das partes sobre o pedido de inversão do ônus da prova.

A parte recorrente sustentou que houve violação dos princípios da não surpresa, do contraditório e da ampla defesa.

Ao analisar a alegada afronta ao princípio da não surpresa em virtude da ausência de intimação, Bellizze destacou que, conforme a jurisprudência do STJ, “a nulidade processual só deve ser declarada quando ficar comprovado prejuízo para a parte que a alega, em cumprimento ao princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo)”, podendo o juiz, depois de examinar os autos, aplicar o entendimento que considerar mais adequado ao processo. 

Resultado prev​​isto

No julgamento do RMS 54.566, a Segunda Turma entendeu que não cabe alegar surpresa se o resultado da lide se encontra previsto objetivamente no ordenamento disciplinador do instrumento processual utilizado e se insere no âmbito do desdobramento causal, possível e natural da controvérsia.

A decisão teve origem em mandado de segurança impetrado por uma candidata aprovada em concurso público com o objetivo de assegurar sua nomeação e posse em cargo de professora de língua portuguesa.

A impetrante alegou que foi aprovada em 19º lugar no concurso com 19 vagas, mas que foi preterida na assunção do cargo em favor do preenchimento do quadro com profissionais temporários admitidos mediante processo seletivo instaurado durante a validade do concurso.

No tribunal de origem, o processo foi extinto sem resolução do mérito, sob a fundamentação de que não constava dos autos prova pré-constituída do direito líquido e certo da impetrante. A candidata recorreu ao STJ, sustentando violação do princípio da não surpresa, já que não foi chamada a se manifestar sobre a decisão.

Ao proferir seu voto, o relator, ministro Herman Benjamin, afirmou que não se pode falar em surpresa no caso, visto que “a necessidade de prova pré-constituída do direito líquido e certo da impetrante era perfeitamente previsível e cogitável pelas partes, pois inerente a pressuposto formal contido no artigo 1º da Lei 12.016/2009, que rege a via estreita do mandado de segurança”.

“Cuida-se de simples exercício dos brocados iura novit curia e da mihi factumdabo tibi ius“, concluiu o relator.

Julgamento int​​errompido

Outra importante questão sobre o tema foi decidida em 2018 pela Corte Especial, que entendeu que o ministro que não acompanhou o início de um julgamento com sustentações orais não pode participar de sua continuação.

O colegiado fundamentou a decisão – que se deu por maioria, em questão de ordem nos EREsp 1.447.624 – no respeito aos princípios do juiz natural e da não surpresa nos julgamentos. Na ocasião, a ministra Laurita Vaz, então presidente do STJ, afirmou que “o defensor deve saber, desde o início, qual é o quórum para o julgamento de seu processo”.

O ministro Raul Araújo, ao proferir seu voto, afirmou que, no devido processo legal, as partes não podem ser surpreendidas em relação ao andamento da ação. Da mesma forma – acrescentou –, a não surpresa também se aplica aos juízes que participarão do julgamento após o seu início.

REsp 1755266REsp 1725225REsp 1178562REsp 963977REsp 1280825AREsp 468820RMS 54566EREsp 1447624


FONTE:   STJ,  14 de junho de 2020.