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ENTENDENDO O CPC: POST Nº 03 – Normas Processuais Civis – PARTE III

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POST  nº 03 – PARTE III  – Professor Clovis Brasil Pereira

Faremos uma revisão das principais regras processuais contidas no CPC, Lei nº 13.105/2015, que serão abordados em postagens sequenciais, com duas publicações semanais.  Os temas aqui mencionados, serão comentados em VÍDEOS que serão postados no CANAL do YOUTUBE a partir de 15/07/2020.


Nesta ocasião, vamos completar o exame dos artigos do CPC que tratam das Normas Processuais Civis.

Sem dúvida, o artigo 7º é um dos mais importantes, uma vez que contempla vários princípios constitucionais, que garantem  aos litigantes, a isonomia, a igualdade processual, o amplo contraditório e a ampla defesa, ao asseverar que:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. 

Tal dispositivo processual, recepciona amplamente o art. 5º, caput, bem como o inciso LV,  da Constituição Federal, que assim prescrevem::

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O Art. 8º que examinaremos a seguir, determina ao juiz, que ao julgar tenha em mente atender aos fins sociais e às exigências do bem comum que devem ser buscados numa relação jurídica, ao estabelecer:

Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Destaca-se nesse dispositivo processual, que a atividade judicial teve buscar, além da busca dos fins sociais e do bem comum, a promoção da dignidade humana, princípio fundamental contido na Constituição Federal, e à qual o Código de Processo Civil está submetido por força do seu artigo 1º.

Referido artigo prevê expressamente alguns princípios que por interpretação da Constituição, e atentos aos fundamentos constitucionais da dignidade humana e da cidadania, eram levados em conta pela Jurisprudência Pátria, mas que não vinham previstos de forma expressa na lei maior, tais como:  a proporcionalidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência, princípios estes  de fundamental importância para a busca da almejada justiça nos litígios intentados perante o Poder Judiciário.

O art. 9º do Código de Processo Civil, reforça o contido no art. 7º, ao reafirmar a importância do amplo contraditório, ressalvando algumas exceções, nas hipóteses que exige uma pronta intervenção do Poder Judiciário, que pode conceder tutela de urgência, por ordem liminar,  para assegurar o direito no caso de risco de seu perecimento, e que assim prevê:

Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único.  O disposto no caput não se aplica:
I – à tutela provisória de urgência;
II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III – à decisão prevista no art. 701.

Mesmo nas hipóteses que o Juiz está autorizado a conceder tutela provisória de urgência ou de evidência, o amplo contraditório é assegurado, podendo as liminares eventualmente concedidas, serem revistas pelo próprio juiz prolator da decisão, ou por meio de recurso próprio, sendo assim respeitado o contraditório exigido no Estatuto Processual.

Por fim, encerrando esta abordagem sobre as Normas Processuais Civis, temos o artigo 10, que estabelece:

Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Este artigo reforça tudo o que foi dito a respeito do contraditório e a ampla defesa, impossibilitando as chamadas decisões de surpresa, uma vez que sobre todas as questões trazidas ao processo, deve ser dado oportunidade à parte contrária para ter oportunidade de se manifestar.

Esse princípio do contraditório é tão incisivo no CPC, que o legislador lembrou que até nas matérias em que o juiz deva decidir de ofício, deve antes dar oportunidade da parte adversa se manifestar.

Encerrando, temos que as regras processuais contidas nas Normas Processuais Civis, contemplam amplamente todos os princípios constitucionais relacionados ao Processo Civil, assegurando de forma expressa o direito a todos os princípios garantidos no texto constitucional.

É importante asseverar, que o desrespeito à tais princípios processuais, agora podem ser objeto de questionamento através da via do Recurso Especial, por afronta aos artigos mencionados, e ofensa à Lei Ordinária, e concomitantemente, pela via do Recurso Extraordinário, desde que presentes os pressupostos de admissibilidade de tais recursos perante os Tribunais Superiores.


No POST nº 04,   trataremos da Ação e Jurisdição

 Racismo e Injúria Racial no Ordenamento Jurídico

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Luciana Maria de Freitas 

Resumo

O presente artigo tem como finalidade de esclarecer a diferença entre o crime de racismo tem a sua previsão legal na Lei 7.716/89, já o crime de injúria racial ou qualificada, está definida pelo art. 140, § 3° do Código Penal. O crime de racismo está previsto no art. 5°, XLII da Constituição Federal.

Palavras-chaves: Racismo. Injúria Racial. Imprescritível.


Introdução 

A Constituição de 1988 determina, em seu art. 5°, XLII, que o racismo é inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, portanto o agente neste caso não tem direito a uma fiança, bem como irá responder pelo crime independente pelo tempo em que tenha ocorrido. Ao dizer que o racismo é inafiançável significa que o acusado não poderá responder ao processo em liberdade mediante o pagamento de fiança. Já ele sendo imprescritível que dizer que pode passar o tempo que for da data do crime que mesmo assim quando o acusado for pego o Estado tomará as devidas medidas para o julgamento do mesmo.

Reza o artigo 5º, XLII, da CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Com o advento da Lei 7.716/89, deu uma nova redação à Lei Afonso Arinos, definindo desde então quais atos seriam punidos em decorrência de crimes de preconceito de raça ou cor, e não mais como mera contravenção penal como era na norma anterior.

A Lei nº. 9.459/1997 inclui ainda os termos etnia, religião. E somente no ano de 2003 que surgiu a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) inseriu-se a referência à pessoa idosa ou portadora de deficiência. Em junho de 2019 o STF enquadrou homofobia e transfobia como crimes de racismo ao reconhecer omissão legislativa. (ADO 26/DF).

Conceito de Racismo

Racismo é uma conduta discriminatória dirigida a determinado grupo social, por causa de sua raça, etnia, cor, religião ou origem. “O tratamento desigual, injusto e, muitas vezes, violento dado a um grupo de pessoas ocorre em razão da falsa crença de que existem raças superiores às demais. ” (grifo nosso).

Por este motivo, o legislador deu um tratamento rigoroso ao crime de racismo, sendo ele imprescritível e inafiançável.

O crime de racismo está previsto em lei especial, a Lei 7.716/89, veio para punir certas condutas discriminatórias dirigidas a um determinado grupo ou coletividade, tais ações como:  recusar ou impedir acesso a estabelecimentos comercial,  negando-se a servir, atender ou receber cliente, impedir acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa pública ou privada, impedir o acesso ou uso de transportes públicos são consideradas racismo.

Conforme previsto no art. .20 da Lei de Racismo:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Pois bem, o crime de racismo, a ação penal é pública incondicionada, ou seja, compete exclusivamente ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. Porque a ofensa atingiu a coletividade e não apenas um indivíduo.

Por exemplo: proibir a entrada de pessoas negras em determinado estabelecimento.

O racismo está atrelado às questões da dignidade da pessoa humana, da igualdade substancial, da proibição de comportamento degradante e, principalmente, da não segregação.

Segundo Adilson Moreira, em sua obra: O que é racismo recreativo?

 O conceito de racismo recreativo designa uma política cultural que utiliza o humor para expressar hostilidade em relação a minorias raciais. O humor racista opera como um mecanismo cultural que propaga o racismo, mas que ao mesmo tempo permite que pessoas brancas possam manter uma imagem positiva de si mesmas. Elas conseguem então propagar a ideia de que o racismo não tem relevância social.

O racismo recreativo existe dentro de uma nação altamente hierárquica e profundamente racista que formulou uma narrativa cultural de cordialidade racial. Ele reproduz estigmas raciais que legitimam uma estrutura social discriminatória, ao mesmo tempo em que encobre o papel essencial da raça na construção das disparidades entre negros e brancos.   

 Conceito de Injúria

 É a ofensa à honra subjetiva de alguém (decoro ou dignidade) manifestada pelo desrespeito ou desprezo por parte do agente. Honra subjetiva é o sentimento que cada pessoa tem sobre seus próprios atributos morais, físicos e intelectuais.

Injúria qualificada

A Lei 9.459/1997 acrescentou-se uma qualificadora ao artigo 140 do Código Penal, estabelecendo o §3°, consistente na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, e somente no ano de 2003 que surgiu a Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) inseriu-se a referência à pessoa idosa ou portadora de deficiência.  A lei prevê uma pena mais grave, em razão da maior reprovabilidade da conduta.

Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena – reclusão de um a três anos e multa.

Para caracterizar o crime de injúria racial é necessário que o agente tenha a intenção de ofender e diminuir à vítima com xingamentos que estão relacionados à raça, cor, etnia, religião ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.  Trata-se de crime contra honra. Os crimes contra a honra são aqueles nos qual o bem jurídico tutelado é a honra do ofendido, seja em sua dimensão subjetiva ou objetiva:

Honra subjetiva é o sentimento que cada pessoa tem sobre seus próprios atributos morais, físicos e intelectuais.

Por exemplo: ofender verbalmente uma pessoa por causa da cor da pele, chamando a pessoa de “macaco”.

Aqui se trata de crime de ação penal pública condicionada à representação do ofendido.

A injúria racial é afiançável e prescritível (posição majoritária). Atenção ao Posicionamento do STF.

Caso da Maju Coutinho

O fato ocorreu em 2015, quando a jornalista Maria Julia Coutinho, foi alvo de vários comentários racistas na página oficial do “Jornal Nacional” no Facebook, com xingamentos e fazendo piadas com a cor da pele.  E somente em 09 de março de 2020, dois homens foram condenados pelos crimes de racismo e injúria racial praticados contra a jornalista.

Para o juiz, ficou clara a intenção do grupo em buscar notoriedade com os ataques. “O ataque racista, desse modo, não estaria restrito a um gueto ou ao submundo da internet no qual transitavam os acusados. Ao atacar figura pública emblemática, os réus visavam – e de alguma forma obtiveram – ampla repercussão de suas mensagens segregacionistas. ” O magistrado ressaltou, ainda, que restaram provados os crimes de racismo e injúria racial. “O racismo, no caso, deu-se em sua forma qualificada, eis que as frases de ódio racial e de cor foram publicadas na página virtual do Jornal Nacional da Rede Globo, ou seja, em ambiente de amplo acesso ao público. Está caracterizado também o crime de injúria racial. ”

Imprescritibilidade do Crime de Injúria Racial

Vejamos:

  • Entendimento Doutrinário:

A doutrina sempre defendeu a tese de que o crime de Injúria Racial não se confundia com o crime de racismo, tratando-se de institutos diferentes, com bens jurídicos diferentes etc. Dessa forma, o crime de injúria racial é prescritível e afiançável.

Porém esse entendimento doutrinário não prevalece, uma vez que o STF e STJ entendem que a Injúria Racial é crime imprescritível.

  • Entendimento Jurisprudencial:
  • Superior Tribunal de Justiça – Em 2015, o STJ entendeu de modo totalmente diverso da doutrina, afirmando que o crime de injúria racial é imprescritível e inafiançável. (AgRg no AREsp 686.965/DF, 6ªT.STJ, DJe 31/08/2015)
  • Supremo Tribunal Federal – No mês de junho de 2018, no julgamento do Recurso Extraordinário N. 983.531, o STF ratificou a decisão do STJ (2015), passando a equiparar o crime de racismo previsto na Lei 7.716/89 ao crime de injúria racial, previsto no Código Penal. Desta forma, o crime de injúria racial é imprescritível e inafiançável. 

Considerações Finais

O presente artigo buscou diferenciar o crime de racismo e injúria qualificada, sob a luz do nosso Ordenamento Jurídico.

O racismo existe desde a escravidão, e a população negra foi marcada por lutas e conquistas, com o passar do tempo surgiram leis de combate à discriminação, bem como o direito individual e coletivo. Embora que, na pratica tem muito a melhorar para o cumprimento dessas leis.  A Lei Afonso Arinos foi à primeira norma contra o racismo no Brasil, depois veio a Lei do Racismo.

Nos dias de hoje o racismo e injuria racial tem crescido muito. E com as redes sociais as Fake News, vem ganhando força, para que a pessoa pratique tal conduta preconceituosa. Contribuindo assim, para os aumentos de denuncias e punições.  É o famoso racismo on-line.

O caso da apresentadora Maju Coutinho é um exemplo de que crimes como esses não passam impunes.

Por tanto, é preciso que a sociedade enxergue a gravidade de tais condutas e a importância das punições mais rigorosas.  Só assim, é possível acreditar em um mundo melhor.  Onde as pessoas de fato serão julgadas pelas suas atitudes e não pela cor da pele.

O racismo é crime e qualquer tipo de preconceito baseado na idéia da existência de superioridade de raça, manifestações de ódio, aversão e discriminação que difundem segregação, coação, agressão, intimidação. Difamação ou exposição de pessoa ou grupo que a lei prevê. Passível de punição como violação dos Direitos Humanos.

Quando se fala em combater o racismo e a aplicação da lei, o que se quer é o reconhecimento dos negros como cidadãos comuns e que a sociedade não julgue pelo simples fato da cor, bem como aqueles que praticarem o crime de racismo e injuria sejam punidos na forma da lei.

Vale ressaltar, que é fundamental o combate aos comportamentos segregacionistas, através das políticas públicas de conscientização da existência do preconceito, sendo a educação a maior ferramenta para dialogar com o assunto como: racismo, homofobia, entre outras discriminações.

De acordo com o STF, os crimes previstos na Lei 7.716/89, são aplicados também aos casos de homofobia e transfobia (ADO 26/DF), bem como os crimes de racismo são imprescritíveis. No caso da injuria racial, o STF equiparou ao crime de racismo, tornando assim imprescritível também. (RE 983.531/DF).

Já na injuria racial são agressões verbais direcionadas a uma pessoa, com a intenção de abalar o psicológico da pessoa que está sendo agredida. Utilizando elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Diante dessa realidade dos ataques racistas nas redes sociais, torna-se bem claro que a injúria racial seja inafiançável. Até porque em grande parte, os agressores pagam à fiança e não ficam presos, e com isso fica aquela sensação de impunidade.  O racismo segrega a injúria racial ofende. Ambos são crimes.

REFERENCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 20 jun. 2020.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 20 jun. 2020.

BRASIL. Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7716.htm. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7716.htm. Acesso em: 20 jun. 2020.

http://www.direito.mppr.mp.br/2018/06/20604,37/STF-admite-a-injuria-racial-como-crime-imprescritivel.html

https://www.cartacapital.com.br/justica/adilson-moreira-o-humor-racista-e-um-tipo-de-discurso-de-odio/

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/09/tj-de-sp-condena-dois-homens-por-racismo-e-injuria-racial-contra-a-jornalista-maju-coutinho.ghtml


 BIOGRAFIA DA AUTORA

LUCIANA MARIA DE FREITAS:  Bacharela em Direito pela Universidade Camilo Castelo Branco. Pós-Graduada em Direito Penal e Processo Penal no Complexo Educacional Damásio de Jesus.

 

Direito dos contratos & pandemia

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*Gisele Leite

O contexto histórico-social contemporâneo é bastante desafiador, ainda mais perante a presente crise sanitária em face do Covid-19, somada à crise institucional que vivenciamos perante no cenário político brasileiro.

O Direito Civil brasileiro notadamente apegado à tradição dos postulados da modernidade e sempre atendeu com maior relevância aos direitos fundamentais de primeira geração[1] e, seus institutos previstos no Código Civil brasileiro de 2002 que buscavam cercar a propriedade com o máximo de proteção jurídica possível contra as interferências estatais e, ainda, conferir estabilidade ao uso, gozo e fruição desta.

Mas a realidade revelou a imperiosa necessidade de haver a intervenção estatal promovendo o chamado dirigismo contratual[2] com o fim de proteger a dignidade humana. Afinal, há princípios de ordem pública cuja finalidade é o valorar o humano principalmente através da funcionalização dos contratos.

As teorias revisionais com fundamento na cláusula geral da rebus sic stantibus que passou a mitigar o pacta sunt servanda. O presente texto pretende debater a flexibilização da obrigatoriedade dos contratos diante da atual pandemia de coronavírus.

A pandemia[3] dentro do contexto geral é classificada como força maior, sendo de todo irresistível apesar de ser relativamente previsível. A pandemia atingiu e ainda atinge com variado grau de gravidade os mais diversos setores da economia brasileira, e quiçá mundial, impedindo ou mesmo gerando dificuldades para pessoas físicas, pessoas jurídicas para cumprirem seus contratos. Segundo Norberto Bobbio, vivemos em uma sociedade pautada no contrato e em sua obra intitulada “Crise de La Democrazia e Neocontratualismo” de 1984 onde trabalhou com o conceito de neocontratualismo[4]. Inicialmente o contrato deveria ser honrado sempre, sendo irrelevante a alteração das condições, qualquer que seja a interferência externa.

Com o tempo, atenuou-se a rigidez desse postulado e, os contratos de prestação prolongada no tempo, passaram a serem sujeitos às incertezas do futuro e, advindo lei para o estabelecimento de mecanismos de reequilíbrio contratual, com fundamento na vedação ao enriquecimento sem causa.

Assim, os contratos afetados não podem submeter-se a inflexibilidade do pacta sunt servanda, aplicando-se o princípio do rebus sic stantibus que prega que o contrato só se mantém nas mesmas condições pactuadas enquanto as coisas permanecerem do mesmo modo. De sorte que a excessiva onerosidade provocada por evento posterior imprevisível ou irresistível impõe forçosa revisão de cláusulas que constituíam a base do negócio. Restituindo-se o equilíbrio contratual existente no status quo ante.

O novo contexto da legalidade civil-constitucional pressupõe a justificação da normatividade regulada por parâmetros de avaliação de atos, atividades e comportamentos nas relações jurídicas. A cláusula rebus sic stantibus então revela que a relação contratual de trato sucessivo deve permanecer tal e qual a sua celebração e, desta derivavam várias teorias revisionais que tanto influenciaram o direito pátrio.

A teoria da imprevisão surgiu da fusão da cláusula rebus sic stantibus e do elemento interpretativo imprevisão, no qual essa se torna elemento protagonista. A teoria da imprevisão funciona como regra de justiça do manter o equilíbrio[5] dentro das relações contratuais, sendo conservante da comutatividade contratual[6].

Por motivos éticos e morais, procura-se uma relação contratual saudável onde deve viger a proporção entre a vantagem auferida e o sacrifício equivalente. Assim pela teoria da imprevisão em face dos contratos comutativos e de execução diferida, a rebus sic stantibus que determina que o contrato apenas tenha força obrigatória enquanto persistirem os suportes fáticos que lhes serviram de fundamento.

Assim, as excepcionais mudanças no quadro fático que gerem desproporção entre vantagens e sacrifícios entre os contratantes, pode propiciar a resolução ou revisão contratual. A doutrina aponta que a onerosidade deve se abater sobre o devedor e, o acontecimento situar-se fora da álea normal dos contratos daquela espécie.

A teoria da quebra da base objetiva é de origem inglesa, mas fartamente aceita pelo direito alemão e, basta haver o rompimento da equivalência entre as prestações contratuais ou ainda a frustração da finalidade do contrato para admitir a sua revisão, não sendo necessário arguir a imprevisibilidade do fato superveniente.

A teoria em comento difere da teoria da imprevisão pois admite que o contrato tenha base objetiva que corresponde a um conjunto de circunstâncias cuja existência sustenta o contrato e que seriam indispensáveis para que os contratantes atinjam seu objetivo.

De sorte que pela teoria da quebra da base objetiva, se estas se perdem ipso facto, o contrato deixa ter razão de existir.  Em Portugal, tal revisão contratual é prevista em cláusula aberta que tem por fim permitir que a jurisprudência dê soluções justas conforme o caso concreto e conforme o abalo sofrido no equilíbrio promovido pelas alterações das circunstâncias em que foram os contratos celebrados (vide art. 252, nº2 do Código Civil Português).
Diferentemente o Código Civil brasileiro de 2002 consagrou a teoria da imprevisão e, análise de julgados de nossos Tribunais revela que nem sempre foi assim. Na jurisprudência brasileira, a teoria da quebra da base objetiva do contrato era aplicada mesmo antes de sua previsão expressa no CDC.

Largamente considerada nos contratos imobiliários celebrados em moeda em curso forçado que era o cruzado num sistema caracterizado pela instabilidade monetária e, por forte intervenção estatal na tentativa de controlar a inflação.

Primeiramente, a dita teoria no direito pátrio fora reconhecida em desfavor do consumidor e, isso se inverteu com o surgimento do CDC que a positivou no ordenamento jurídico pátrio.  A teoria em comento dispensa a imprevisibilidade do fato superveniente e desequilibrador das prestações contratuais, podendo ser invocada em qualquer contrato desde que a modificação das circunstâncias iniciais, ainda que previsíveis, comprometendo o pacta sunt servanda e, também a segurança jurídica.

Já em 2003, pelo Código Civil de 2002 entrou em vigor a teoria da imprevisão por meio do artigo 478 para os contratos de execução continuada ou diferida, quando houver onerosidade excessiva, em decorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, podendo o devedor pedir a resolução do contrato.

A onerosidade deve advir de extrema vantagem econômica para o outro contratante e, nesse sentido o Enunciado 175 do CJF/STJ apontava que a imprevisibilidade e extraordinariedade eram fatores de desequilíbrio contratual e nas consequências, mas não apenas, inlitteris: 175 – Art. 478: A menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz.

Outros Enunciados 365 e 366 do CJF/STJ, in litteris:

Enunciado 365:  A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.Referência Legislativa: Norma: Código Civil 2002 – Lei n. 10.406/2002;ART: 478.

O art.479 C.C. apenas concede ao réu a faculdade de manter o contrato em plano revisional, desde que concorde em modificar equitativamente as cláusulas contratuais. A revisão contratual é prestigiada pelo princípio da conservação dos contratos e da função social dos contratos.

Enunciado 366: O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.Referência Legislativa:  Norma: Código Civil 2002 – Lei n. 10.406/2002; ART: 478.

Enunciado 176: Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.Referência Legislativa:  Norma: Código Civil 2002 – Lei n. 10.406/2002; ART: 478.

Enunciado 367 CJF/STJ: Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada sua vontade e observado o contraditório.Referência Legislativa: Norma: Código Civil 2002 – Lei n. 10.406/2002; ART: 479.

Isso não significa que a liberdade contratual fique superada pois a autonomia privada, só pode ser exercida dentro dos limites de valores fundamentais da CF/1988, o que exige, respeito, lealdade, eticidade e socialmente dos contratantes.

A cláusula geral da função social dos contratos viabiliza que a obrigação de realização de parcelamento de débitos. Enfim, a hermenêutica contratual deve convergir com a constitucional, principalmente no que tange aos direitos, fundamentais como a dignidade da pessoa humana, do trabalho e da livre iniciativa e da solidariedade. Consagra o fim econômico do contrato de modo justo e equânime, e, não ignora a liberdade de contratar e o pacta sunt servanda.

Portanto, em face a pandemia diante da quebra da base do negócio jurídico é possível promover a revisão contratual no sentido de tornar exequível o contrato e o cumprimento obrigacional.

Referências:

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Único. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

______________. Manual de Responsabilidade Civil. Volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

SCHEREIBER, Anderson; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando; LEITE, Marco Aurélio Berra; DELGADO, Mário Luiz. Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

[1] Os direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão são os direitos individuais com caráter negativo por exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal destinatário. Alguns exemplos são: o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religiosa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros. Tais direitos foram os primeiros a serem conquistados pela humanidade e se relacionam à luta pela liberdade e segurança do indivíduo perante o Estado. São direitos básicos dos indivíduos relacionados à sua liberdade em vários aspectos. De fato, a primeira geração dos direitos seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté), que tiveram origem com as relações burguesas.

[2] O dirigismo contratual é princípio limitador da autonomia da vontade das partes contratantes, por intervenção do Estado, em função de fins sociais e das exigências do bem comum, este advém da necessidade de equilibrar o individualismo contratual, pois um dos princípios bases das relações contratuais é autonomia das partes de contratar ou não de forma consensual, que quase fosse absoluta, cada indivíduo buscaria apenas o interesse próprio causando consequências e desvantagens na relação contratual para uma das partes. Um dos princípios basilares da relação contratual é a autonomia da parte de contratar ou não de forma consensual. Todavia, aponta o artigo 421 do C.C. que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Isso mostra que essa autonomia da vontade não pode ser absoluta, eis que a mesma possui uma limitação; o dirigismo contratualsobrepondo os direitos coletivos acima dos interesses individuais. Os tribunais lentamente passaram a admitir tal intervenção, como se verifica em poucas decisões do STF, das décadas de 1950 e 1960.  Com a chegada do Código de Defesa do Consumidor, passou-se a adotar como forma de resolução do contrato a teoria da imprevisão, que permite a revisão dos contratos quando ocorrer a onerosidade excessiva, coibindo os institutos da lesão, do abuso do direito e do enriquecimento sem causa, que são praticados ostensivamente no mercado atual, por meio dos contratos de adesão.

[3]Como circunstância imprevisível e irresistível, o Coronavírus pode ser classificado como hipótese de caso fortuito ou força maior e, assim, invocar o art. 393 do CC: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”.

[4] Bobbio aparece como um dos mais profícuos colaboradores do neocontratualismo. O fio condutor de Bobbio é a ideia de que democracia e socialismo são termos diametralmente opostos, ou seja, o autor italiano cria um paradoxo, no qual, sem democracia não haveria socialismo, mas com socialismo não haveria democracia. Parece que Bobbio sofreu influência de um dos grandes pensadores da escola clássica de economia política, John Stuart Mill, quando prefere fazer convite constante ao consenso, a repactuação, do que partir para o conflito ou confronto. Buscou assim como Mill uma combinação entre teorias que expressam visões dicotômicas de mundo, isto é, promover a conciliação entre o liberalismo (capital) e socialismo (trabalho). Diferentemente de Marx, que afirmou que para superar o modo de produção capitalista e toda exploração e alienação gerada por este, seria necessário tomar o capital e trabalho como forças antagônicas e contraditórias.

[5] Em outra passagem, seu art. 478 do C.C. dispõe: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato”. A imprevisibilidade futura autoriza a revisão do contrato.

[6]O Código Civil, ao prever a teoria da imprevisão, com base no princípio rebus sic stantibus, estatuiu em seu art. 317: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação”. Não mencionou a irresistibilidade (força maior), contentando-se com a imprevisibilidade (caso fortuito).


 

ENTENDENDO O CPC: POST Nº 02 – Normas Processuais Civis – PARTE II

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POST  nº 02 – PARTE II  – Professor Clovis Brasil Pereira

Faremos uma revisão das principais regras processuais contidas no CPC, Lei nº 13.105/2015, que serão abordados em postagens sequenciais, com duas publicações semanais.  Os temas aqui mencionados, serão comentados em VÍDEOS que serão postados no CANAL do YOUTUBE a partir de 15/07/2020.


Na sequência do exame das Normas Processuais Civis, vamos analisar o art. 4º, do CPC, que assevera:

      • Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfatíva.

Esse artigo recepciona integralmente  o direito fundamental previsto no Art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, introduzido na lei maior pela reforma do Poder Judiciário, EC 45/2004, que dispõe:

      • LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Embora referido dispositivo seja muito subjetivo, pois não se imagina que a prestação jurisdicional  seja morosa por vontade dos agentes que atuam no processo, mas sim por entraves burocráticos, processuais e grande volume de processos em andamento, é importante registrar que o CPC vigente, estimula a solução de conflitos pela mediação, conciliação, autorizando a proliferação dos CEJUSCs para buscar tal objetivo.

O princípio da boa-fé, que atinge todos os envolvidos no processo judicial, vem sacramentado no Art. 5º do Novo CPC, que assim especifica:

      • Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Tal normal básica inserida no CPC, alicerça as punições previstas para os litigantes de atuam co manifesta má-fé (arts. 79 a 81) e os que praticam atos que atentam contra à dignidade da justiça (art.  art. 77, incisos IV e VI; art. 100, parágrafo único; art. 161, parágrafo único; art. 334, § 8º; art. 903, § 6º).  A boa-fé é o mínimo que se espera dos integrantes da relação jurídica processual, que buscam a solução de um conflito, envolvendo  no contexto deste princípio, além das partes, as testemunhas ou os que forem obrigados a apresentação de documentos e aos auxiliares da justiça, em geral , tais como os serventuários, os oficiais de justiça, os peritos, entre outros.

É ilustrativo o V. Acordão proferido pelo STJ, pela  3ª Turma, no RHC 99.606/SP, que teve como Relatora a  Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/11/2018, publicado em 20/11/2018, portanto já na vigência do atual Estatuto Processual, que assim decidiu:

      • “O princípio da boa-fé processual impõe aos envolvidos na relação jurídica processual deveres de conduta, relacionados à noção de ordem pública e à de função social de qualquer bem ou atividade jurídica.”

O Art. 6º do CPC, que vem a seguir, guarda uma relação estreita com o artigo 5º, ao preconizar que todas as partes envolvidas no processo devem agir atentos ao princípio da cooperação, ao prever:

      • Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

A cooperação no curso da tramitação de um processo judicial, passou  ser a partir da entrada em vigor do CPC vigente, um dever de todos os sujeitos do Processo.

Segundo o mesmo Acórdão proferido no STJ, no RHC 99.606/SP, já mencionado, julgado em 13/11/2018, é assim entendido o princípio da cooperação:

      • “O princípio da cooperação é desdobramento do princípio da boa-fé processual, que consagrou a superação do modelo adversarial vigente no modelo do anterior CPC, impondo aos litigantes e ao juiz a busca da solução integral, harmônica, pacífica e que melhor atenda aos interesses dos litigantes.”

Entendemos que um exemplo da aplicação do princípio da cooperação,  nesta fase tormentosa que atravessamos com a pandemia provocada pelo Covid-19, é o esforço que está sendo exigido de todos, litigantes, advogados, testemunhas, dentre outros, para participação nas audiências por teleconferência, embora em certas ocasiões seja uma atribuição bem onerosa e dificultosa para os envolvidos.

Outro exemplo pontificado no CPC, está contido no art. 805, que trata do processo de execução, que assim disciplina:

      • Art. 805.  Quando por vários meios o exeqüente puder promover a execução, p juiz mandará que se faça pelo meio menos gravoso para o executado.

Portanto, entendemos que os artigos 5º e 6º do CPC, que tratam dos novos princípios constantes das Normas Processuais Civis, (boa-fé e cooperação) interagem entre si, e devem ser perseguidos no curso de uma relação jurídica processual.


No POST nº 03, abordaremos os artigos 7º. 8º, 9º e 10º do CPC.

“Vulnerabilidade das crianças durante a pandemia” Dia 13 de julho – 30 anos do ECA

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*Clarice Maria de Jesus D´Urso

O isolamento social e o confinamento em casa durante a pandemia de Covid-19 têm aumentado o risco de violência física, sexual e psicológica contra crianças, embora estejam dentro de casa, onde deveriam estar mais protegidas de agressões e abusos. O alerta vem sendo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), ligado à ONU, e tem mobilizado órgãos de proteção de crianças e adolescentes em todo o mundo.

As escolas foram fechadas e não há atividades de lazer e esportivas, muitas vezes nem dentro de prédios residenciais, levando a população infantil a permanecer o tempo todo dentro de casa, resultando em um aumento de violência doméstica, com amplitude de castigos físicos e espancamentos com chinelos, cintos, etc.

Muitos fatores que atingem os adultos em confinamento impactam sobre as crianças, como o stress da crise econômica (desemprego, falta de renda, dificuldade de subsistência) e sanitária (temor da contaminação, cuidados extras) demandados pela Covid-19,pode agravar os conflitos entre pais e filhos dentro de casa.

A questão do abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes é preocupante porque esse tipo de crime atinge  crianças até 12 anos, vítimas de pessoas com as quais convivem, como os próprios pais, padrastos, tios, avós ou outras pessoas do ambiente familiar.

Precisamos realizar um esforço de toda a família para criar um ambiente de segurança para todas as crianças e adolescentes nesses tempos de confinamento, por serem os mais vulneráveis e precisam ser emocionalmenteamparados e poupados de qualquer tipo de agressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) reconhece as crianças e adolescentes como sujeitos de direito e dá efetividade ao Art. 227, da Constituição Federal, que estabelece ser dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e adolescente direito à saúde, alimentação, educação,alémde colocá-los a alvo de toda forma de violência e crueldade.

A Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, que completa 30 anos, considera criança a pessoa até doze de idade incompletos, e adolescentes entre doze e dezoito anos de idade e gozam de todos os direitos inerentes ao ser humano.

A criança e o adolescente devem contar com uma “rede de proteção” que são ações articuladas e integradas do governo municipal, estadual e federal, bem como dos poderes constituídos que tem por finalidade à prevenção de ameaças e violências principalmente neste momento de pandemia.

É importante que todos participem desse esforço voltadopropiciar segurança às crianças nessa fase de crise sanitária e denunciem casosde violência sofrida por crianças e adolescentes, que tenhamtido conhecimento ou presenciado, por meio do Disque 100, onde a denúncia pode ser anônima.

Nesses tempos de pandemia, também temos visto que o trabalho dos Conselhos Tutelares (art. 131 do ECA) e das Varas de Proteção à Infância e Juventude têm perdido capilaridade por conta das limitações impostas pela atuação presencial.Nesse momento crítico, o trabalho dos conselheiros tutelares e juízes da infância é ainda mais importante na adoção de medidas de proteção, acompanhamento e atendimento às crianças vítimas de abusos.

O Conselho Tutelar é o legitimo representante da sociedade por zelar pela defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes conforme previsto no ECA. O Conselho deve existir em cada município e será composto decinco membros, escolhidos pela comunidade para mandato de três anos. Porém na pratica a sociedade pouco conhece as suas funções e competência.

É fundamental ter essa rede de proteção às crianças e adolescentes, como já alertou o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescente (Conanda), para que os serviços essenciais sejam mantidos para coibir a violência e tornar a quarentena imposta pelo novo coronavírus menos traumática aos mais vulneráveis.

Após 30 anos podemos dizer que a lei é boa, estabeleceu como sujeito de direitos à criança e o adolescente, mas o ECA a exemplo de outras leis nunca foi totalmente implementado por falta de estrutura e vontade política.Alterar simplesmente a lei não é solução, precisamos pensar em políticas públicas e o que é necessário para que ela se cumpra de forma plena.


BIOGRAFIA DA AUTORA

CLARICE MARIA DE JESUS D’URSO:  Bacharel em Direito com Especialização “Lato Sensu” em Direito Penal e Processo Penal pela UniFMU, Mestre pela UniFMU na Sociedade da informação , Conciliadora na área da família pela Escola Paulista da Magistratura do Estado de São Paulo, Membro da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas – ABMCJ e Conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo e autora de várias Cartilhas e vários artigos

 

ROTEIRO PROLEGIS nº 04: Normas de Direito Objetivo e Direito Subjetivo 

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 Anotações de aula do Prof. Clovis Brasil Pereira

1. Direito Objetivo e Direito Subjetivo

Existe uma estreita  relação entre o direito objetivo e o direito subjetivo.

  • O direito objetivo representa o direito propriamente dito; o bem de vida que pode ser tutelado pela atuação do Estado na garantia da Jurisdição.

Está representado nas normas que disciplinam o direito material, o bem a ser perseguido pela parte, quando ocorrer o conflito.

Dita as regras abstratas, que se tornam concretas no momento em que ocorre o fato que se enquadra na previsão legal, automaticamente, sem qualquer participação do juiz.

Exemplo: o direito de propriedade,  que é garantido na Constituição Federal e no Código Civil, normas de direito material.

  • O direito subjetivo representa o meio pronto e eficaz para a realização do direito material.

O direito subjetivo se manifesta através do processo, e visa apenas à atuação do direito objetivo.  Este somente se  torna obrigação, quando  através de um processo (direito subjetivo) surge  um mandamento, uma sentença judicial, que soluciona a lide e põe fim ao conflito.

O processo contribui para criar o direito objetivo, e seu principal produto, a sentença,  integra-se na lei.

O ordenamento jurídico se completa a partir da Constituição e da lei, até a sentença. E a sentença, juntamente com as leis, os decretos, os contratos, os atos jurídicos, formam o ordenamento jurídico como um todo.

O direito objetivo não subsiste sem o direito subjetivo, e ambos  se completam.  Assim:

  • Normas de direito material são aquelas que criam, regem e extinguem as relações jurídicas, dizem o que é lícito e o que é ilícito, etc., fora do juízo; são as normas de direito civil, penal, tributário, administrativo, etc.; disciplinam as relações jurídicas entre as pessoas, estabelecendo seus direitos e obrigações
  • Normas de direito processual são as que se referem às atividades que têm lugar perante o Judiciário, embora também criem, rejam, modifiquem e extingam relações jurídicas, mas sempre em juízo. Daí se afirmar que o direito processual é instrumental em relação ao direito material;  regulam as relações jurídicas no âmbito do processo, instituindo regras de como as partes devem comportar-se em juízo para usufruírem do direito material.
  • Assim, para o direito civil, temos o processo civil; para o direito penal, o processo penal; para o direito do trabalho, o processo do trabalho.
  • Em caso de omissões no processo do trabalho e penal, aplica-se de forma automática e subsidiária, o processo civil.
  1. Fontes das Normas e sua interpretação

Fontes das normas processuais:  nas fontes do direito encontramos  a origem das normas jurídicas.   Para o direito processual destacam-se as seguintes fontes:

  1. a) A Constituição: é a fonte precípua de emanação de normas de qualquer ramo do direito, já que dela os demais dispositivos irão extrair elementos para sua validade e eficácia.

Na Constituição são comuns as referências a normas de natureza processual, que darão substratos a todas as demais normas infraconstitucionais. Ex.: as normas processuais enumeradas no art. 5º, LVI, LIX, LX; art. 22, I; Art. 24.

  1. b) Leis infraconstitucionais em geral: nos Códigos em geral, há normas ordinárias que versam sobre a matéria constitucional – CPC, CPP, PPM, CLT, CTN
  2. c) Usos e costumes: consiste na utilização reiterada de determinada prática, que acaba por criar, no seio da sociedade, uma conduta padronizada, no caso de natureza processual. Normalmente é incorporada futuramente nos textos legais.
  3. d) Negócio jurídico: em menor importância, devido as normas processuais serem cogentes, temos o negócio jurídico como fonte de direito processual. Trata-se de ato bilateral que cria, modifica ou extingue direitos. Face a natureza pública do processo, o negócio jurídico será fonte reduzida do direito processual.
  4. Interpretação da norma processual: as regras jurídicas trazem em si mesma a razão de sua existência. A interpretação das normas, significa buscar o alcance e o sentido das expressões do direito.

Segundo a doutrina: “Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, mediante a exata extensão e a possibilidade de sua aplicação a um caso concreto. Consiste, portanto, em determinar-lhe o sentido, chamado também, pensamento, espírito ou vontade da lei” – Arnaldo Sussekind, Delio Maranhão e Segadas Vianna, Instituições de Direito do Trabalho.

Segundo Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e aplicação do direito, “Interpretar é explicar, esclarecer, dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém”.


 

ROTEIRO PROLEGIS nº 003:  Jurisdição

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*Anotações de aula do Prof. Clovis Brasil Pereira

1. Conceito

Jurisdição: indica a presença de duas palavras unidas: juris (direito) e dictio (dizer);  é o poder de dizer o direito;

  • é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares do direito em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça.
  • é o poder-dever do Estado de aplicar o direito ao caso concreto submetido pelas partes, através da atividade exercida pelos seus órgãos investidos (juizes).
  • é mediante a função da jurisdição que o Estado busca a realização prática e efetiva da norma legal, “ora declarando a lei ao caso concreto, ora impondo coativamente as medidas tendentes à satisfação efetiva da lei.

2. Características da Jurisdição

  • primeira:  é atividade substitutiva, pois o Estado, atuando coativamente, substitui a vontade do individuo. Uma vez provocado, e decidido o conflito, as partes têm que se submeter à decisão judicial adotada.
  • segunda: é atividade instrumental, pois é um instrumento de atuação do direito material; ela é um meio da realização do direito.
  • terceira: é atividade declarativa ou executiva, uma vez que declara a vontade concreta da lei ou executa o comando estabelecido na sentença ou em outro título executivo reconhecido legalmente (títulos extrajudiciais).
  • quarta: é atividade desinteressada e provocada. É inerte, sendo indispensável que seja provocada por um dos conflitantes. Embora interesse ao Estado a solução do conflito, para a pacificação social, este não interessado, a priori, na solução em favor dessa ou daquela parte.
  • quinta: decorre normalmente de uma situação de litígio – exceto no caso da jurisdição voluntária.
  • sexta: traz em seu bojo a idéia da definitividade da decisão proferida por um dos órgãos jurisdicionais, fazendo o que se denomina, coisa julgada.
  1. Princípios da Jurisdição 
  • Inevitabilidade: a jurisdição é forma de exercício do poder estatal, e o cumprimento de suas decisões não pode ser evitado pelas partes, sob pena de cumprimento coercitivo (pela via executiva).
  • Indeclinabilidade: segundo a constituição federal nenhuma lesão de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário; assim quando provocado, tem o estado o dever de solucionar os conflitos de interesse.
  • Investidura: somente os agentes investidos do poder estatal de aplicar o direito ao caso concreto (julgar) é que podem exercer a jurisdição.  A investidura se dá mediante prévia aprovação em concursos públicos de títulos e conhecimento jurídico e pela nomeação direta, por ato do chefe do Poder Executivo, de pessoas com prévia experiência e notável saber jurídico, como nos casos de ingresso na magistratura pelo quinto constitucional ou nomeação de ministros dos tribunais superiores.
  • Indelegabilidade: a jurisdição não pode ser objeto de delegação pelo agente que a exerce com exclusividade.
  • Inércia: a jurisdição não pode ser exercida de ofício pelos agentes detentores da investidura, dependendo sempre da provocação das partes.
  • Aderência: o exercício da jurisdição, por força do princípio da territorialidade da lei processual, deve estar sempre vinculada a uma prévia delimitação territorial.
  • Unicidade: embora se fale em jurisdição civil e penal, Justiça Federal e Estadual, esta classificação não passa de mera divisão de caráter administrativo, mas o poder-dever do estado, é na sua essência uno e indivisível.

4. Espécies de Jurisdição

A jurisdição civil (art. 16 do Código de Processo Civil, divide-se em:

  • Contenciosa:  é a atividade inerente ao Poder Judiciário, com o Estado-juiz atuando substitutivamente às partes na solução dos conflitos, mediante o proferimento de sentença de mérito que aplique o direito ao caso concreto.
  • Voluntária:  corresponde a uma atividade de administração pública de interesses privados; não existem partes litigantes, mas sim interessados na produção dos efeitos do negócio jurídico formal, não existindo pois sentença de mérito, mas mera homologação formal do acordo de vontades.

QUADRO COMPARATIVO

JURISDIÇÃO CONTENCIOSA

JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

Lide

acordo de vontades

Partes

interessados

sentença de mérito

homologação

função jurisdicional

atribuição administrativa

Exemplos: consignação em pagamento, prestação de contas, ações possessórias.

Exemplos: separação consensual, alvarás, interdição,  execução de testamentos.

ROTEIRO PROLEGIS nº 001: Princípios Processuais na Constituição Federal

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*Anotações de aula do Prof. Clovis Brasil pereira

1. Princípios

Segundo José Cretella Jr., “princípio é uma  proposição que se põe na base das ciências, informando estas ciências”.

Os princípios tanto nos auxiliam na compreensão  do conteúdo e extensão do comando inserido nas normas jurídicas quanto, em caso de lacuna, atuam como fator de integração dessa omissão.

 2. Princípios processuais no Texto Constitucional

  1. a) Devido processo legal – art. 5º, LIV: é indispensável a presença de três condições:
  • o desenvolvimento do processo perante juiz imparcial e independente: garantias constitucionais dos magistrados – irredutibilidade de subsídios, inamovibilidade e vitaliciedade – art. 95, I, II e III, CF; 
  • amplo acesso ao judiciário: 5º, LXXIV (justiça gratuita), isenção de custas nas ações populares e no hábeas data (art. 5º, LXXVII) 
  • preservação do contraditório (ou ampla defesa): art. 5º, LV – consiste na possibilidade de uma das partes se manifestar contrariamente à pretensão deduzida pela outra parte, podendo inclusive apresentar contraprova.
  • é a possibilidade de utilização pelas partes de todos os meios e recursos legais previstos para a defesa de seus interesses e direitos postos em juízo.
  • deve vigorar durante toda a relação jurídico-processual.
  • significa obediência às normas legais insertas na Constituição e legislação em geral, e engloba o respeito a outros preceitos constitucionais.
  • pelo princípio, ninguém pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem que tenha sido submetido a um julgamento prolatado com base no instrumento estatal adequado previsto em lei para a solução do conflito. Ex.: observância de um procedimento judicial específico; negativa de seguimento de recurso judicial.  
  1. b) Da igualdade (isonomia): 5º, caput e inc. I; vem expresso no art. 125, I do Código de Processo Civil – trata da aplicação dos poderes assistenciais do juiz;  deve existir “paridade das armas no processo”.
  • Não significa apenas tratar todos, de forma igual, pois isso pode ser injusto, uma vez que nem todos tem as mesmas condições sociais, econômicas, culturais e técnicas.
  • Significa “tratar os iguais igualmente, e os desiguais desigualmente, na medida da sua desigualdade”. Ex.: Código do Consumidor, Lei de Assistência Judiciária.
  1. c) Do Juiz natural: o processamento e o julgamento das causas deve se dar perante juiz investido do poder jurisdicional, com a competência devidamente indicada pela CF; vedação expressa aos tribunais de exceção – art. 5º, XXXVII e LIII.
  1. d) Da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF) – os órgãos da jurisdição devem motivar de forma explícita todos os seus atos decisórios, para que assegure às partes o conhecimento das razões do convencimento do juiz (a única exceção é para as decisões do Tribunal do Júri).
  1. e) Da publicidade (arts. 5º LX, e 93, IX) – todos os atos devem ter publicidade, como forma de controle da atividade jurisdicional pelas partes e garantia de lisura do procedimento.

– Exceção para os casos de interesse social ou a defesa da intimidade (art. 11 e 189 caput, I e II, CPC).

  1. f) Do duplo grau de jurisdição: possibilidade de recurso da parte vencida.  Toda a decisão judicial está sujeita, como regra, ao reexame por instância superior, através de recurso apropriado garantido ao prejudicado (sucumbente).
  • embora haja divergência doutrinária, este princípio não aparece literalmente expresso na CF, mas está implícito dentre os demais princípios constitucionais.

 

ROTEIRO PROLEGIS Nº 002: Vida em Sociedade: necessidade, interesse, conflito e pretensão

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*Anotações de aula do Prof. Clovis Brasil Pereira 

Introdução 

“O homem, é um animal político, e nasce com tendência a viver em sociedade” (Aristóteles).

Os grupamentos humanos, mesmo que rudimentares, somente podem ser entendidos com um mínimo de organização, pois comunidade sem organização é algo inconcebível.

Também não se concebe organização, sem Direito.

Num grupamento social, o homem tem,  em síntese: 

1) Necessidade:   o homem depende de certos elementos, para sobreviver, e para aperfeiçoar-se social, política e culturalmente.

Daí emerge o conceito de BEM, OU BEM DE VIDA, e sua utilidade.

Para Carnelutti, bem é o ente capaz de satisfazer a uma necessidade do homem.

Temos bens materiais (água, alimento, vestuário, etc) e bens imateriais (paz, liberdade, honra, amor).

Assim, de um lado, temos o homem com suas necessidades; e de outro, os bens com sua utilidade.

A necessidade e a utilidade despertam o interesse do homem pelo gozo dos bens da vida.

2)  Interesse:  segundo Ugo Rocco, “é um juízo formulado por um sujeito acerca de uma necessidade, sobre a utilidade ou sobre o valor de um bem, enquanto meio para a satisfação dessa necessidade”.

Para Carnelutti,  o interesse não é um juízo, mas uma posição do homem, precisamente a “posição favorável à satisfação de uma necessidade”.   É uma relação entre o ente (homem) que experimenta a necessidade e o ente (bem) apto a satisfazê-la.

Segundo Arruda Alvim, “conquanto não se deva negar que o interesse é uma posição, esta é necessariamente precedida de um juízo, desde que o homem é um ser racional”.

O interesse pode ser:  

  1. a) Individual, quando voltado para um só indivíduo;
  2. b) Coletivo, quando voltado para um grupo social.

3) Conflito:  como os bens são limitados, e as necessidades humanas são ilimitadas, surgem entre os homens, relativamente a determinados bens, choque de forças, que se caracterizam em conflito de interesses.

Para Carnelutti, ocorre conflito entre dois interesses, quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade excluí, ou limita, a situação favorável à satisfação de outra necessidade. 

Conflito pode ser: 

  1. a) Subjetivo: ocorre quando alguém tem necessidade de alimentar-se e vestir-se, mas possui dinheiro apenas a uma delas. O conflito se resolve com o sacrifício do interesse menor em favor do maior. Feita a opção, cessa o conflito.
  2. b) Intersubjetivo: entre interesses de duas pessoas. Merece especial atenção do Estado, pelo perigo que representa de uma solução violenta, quando ambos os interessados recorrem à força, para fazer com que seu interesse prevaleça sobre o interesse do outro.

O conflito de interesses  tende a diluir-se no meio social; se isso não acontece, leva os contendores a disputar determinado bem de vida, para a satisfação de suas necessidades, delineando-se aí uma “pretensão”. 

4) Pretensão:  para Carnelutti, o conflito pode dar lugar a uma atitude da vontade de um dos sujeitos, caracterizada na “exigência de subordinação do interesse de outrem ao interesse próprio”. Essa exigência chama-se pretensão.

Esta é um modo de ser do direito (subjetivo), que tende a fazer-se valer frente a quem não o respeita, ou, em geral, o discute.

Quando aquele cujo interesse deveria ser subordinado não concorda com essa subordinação, ele opõe, então, resistência à pretensão.

A resistência pode consistir em que, sem lesionar o interesse, o adversário contesta a pretensão, ou pelo contrário, sem contestar a pretensão, lesiona o interesse.

Pode acontecer que diante da pretensão de um dos sujeitos, o titular do interesse oposto decida pela subordinação, caso em que basta a pretensão para determinar a resolução pacífica do conflito.

Quando, porém, à pretensão do titular de um dos interesses em conflito, opõe o outro a resistência, o conflito assume as feições de uma verdadeira lide.

Segundo Carnelutti,  lide é o “conflito de interesse, qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro”.

O conceito de lide não é um conceito essencialmente processual; por isso muitos doutrinadores entendem que trata-se de um conceito mais sociológico do que jurídico, pois todo o processo pressupõe uma lide, mas nem toda lide desemboca, necessariamente, num processo.

A lide precisa ser solucionada, em favor da paz social e a própria estrutura do Estado; o conflito de interesses é o germe de desagregação da sociedade.

5. Formas de Resolução dos Conflitos

Conflitos de interesses:  é uma lide, enquanto uma das pessoas formula contra a outra, uma pretensão e esta outra opõe-lhe uma resistência”. – Carnelutti

 Podem ser decididos: 

  1. a)     pelos próprios litigantes
  • forma parcial: pela  autodefesa ou  autocomposição 
  1. b) por terceiros, alheios ao processo
  • forma imparcial, através de processo judicial

6) Autodefesa

  • significa defesa própria, ou defesa de si mesmo
  • era o meio primitivo de defesa, para sobrevivência, e caracterizava-se pela “razão do sujeito mais forte”.  Notabiliza-se pela:
  • ausência de um juiz, distinto das partes litigantes; e
  • a imposição da decisão por uma das partes à outra

Exemplos de autodefesa no direito moderno:

  • a legítima defesa, no âmbito penal;
  • o direito de greve (no âmbito trabalhista).

Obs.:  mesmo não sendo chamado o juiz, não fica afastada a possibilidade do processo; o Estado-juiz pode ser chamado a exercer o controle do ato, e o fará através de processo.     

7)  Autocomposição

  • significa a solução ou decisão do litígio por obra dos próprios litigantes
  • aparece como uma expressão “altruísta”, pois traduz atitudes de renúncia ou reconhecimento em favor do adversário.

Exemplo: “A” desiste de reclamar o pagamento de seu crédito, perante “B”, ou aceita receber parcela menor, perdoando o restante do débito.

  1. Formas de autocomposição:
  • renúncia (ou desistência);
  • submissão (ou reconhecimento);
  • transação

      Pode ser unilateral (a e b); ou  bilateral  (c).

A espontaneidade, que deveria ser o requisito essencial da autocomposição, pode estar ausente; muitas vezes, a desigual resistência econômica dos litigantes, a lentidão e a carestia dos procedimentos, dentre outras causas, conduzem as partes a autocomposição, que são, no fundo, verdadeiras rendições.

  1. O processo como meio de solução da lide

Arbitragem:  outra modalidade utilizada para solução de conflitos, com o decorrer do tempo, passou ser a arbitragem, onde a solução dos conflitos era entregue a terceira pessoa, desinteressada do objeto da disputa entre os contendores, surgindo então a arbitragem facultativa.

Era exercida pelos sacerdotes, e devido à formação místico-religiosa dos povos antigos, sua decisão era a manifestação viva da vontade divina; depois, passou a ser entregue aos mais idosos do grupo social (anciãos), na crença de que eles conheciam os costumes de seus antepassados, e estavam em melhores condições de decidir o conflito.

De facultativa, a arbitragem, pelas vantagens que oferece, torna-se com o tempo, obrigatória, e com o arbitramento obrigatório, surge o processo como última etapa na solução dos métodos compositivos do litígio.

Na atualidade, no ordenamento jurídico brasileiro, a Arbitragem é facultativa, regulamentada pela Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

Processo: é o instrumento de que se serve o Estado para, no exercício da função jurisdicional, resolver os conflitos de interesses solucionando-os.

No processo, a lide é resolvida por um terceiro sujeito, que é juiz, o qual dele participa na qualidade de órgão estatal, investido de jurisdição, imparcial e equidistante dos interesses das partes, mediante a aplicação da lei.


ENTENDENDO O CPC: Normas Processuais Civis – PARTE I – POST nº 01

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Iniciamos hoje (11/07/2020) uma revisão das principais regras processuais contidas no CPC, Lei nº 13.105/2015, que serão abordados em postagens sequenciais, com duas publicações semanais.  Os temas aqui mencionados, serão comentados em VÍDEOS que serão postados no CANAL do YOUTUBE a partir de 15/07/2020.


POST  nº 01 – PARTE I  – Professor Clovis Brasil Pereira

O Código de Processo Civil, em vigor desde 17 de março de 2016, em seu  primeiro capítulo, enumera  os princípios sob o quais se formula a legislação processual, através das Normas Processuais Fundamentais.

O Art. 1º, se mostra fundamental, ao incorporar todos os princípios constitucionais relacionados ao processo civil, determinando que seja interpretado à luz do que dispõe a Constituição Federal, ao prever expressamente: 

      • Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. 

Significa no nosso entendimento, que eventual decisão judicial que mitigue  Princípios Constitucionais, onde em tese, cabia exclusivamente o Recurso Extraordinário ao STF (CF, art.102, inciso III), pela redação do CPC vigente, podemos invocar tal desrespeito, primeiro ao STJ, através de Recurso Especial (CF, art. 105, inciso III).

O art. 2º trata do princípio dispositivo e do impulso oficial,  repetindo a  norma contida no art. 262, do CPC revogado, de 1973, asseverando que todo o processo judicial nasce sempre por iniciativa dos jurisdicionados,  cabendo ao Poder Judicial, o dever do impulso oficial, sob o qual se desenvolverá.

      • Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

Essa determinação não exclui  o dever de ação das partes, sob pena de configuração de  perempção (art. 485, V), e comporta exceção, tendo como exemplo o  IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, conforme a previsão do art. 977 do CPC.

A arbitragem (Lei 9.307/96), a conciliação e a mediação, como meios de solução consensual de conflitos, são estimulados pelo art. 3º do CPC, reforçando ainda o principio constitucional da garantia do amplo acesso dos jurisdicionados ao Poder Judiciário, prevendo expressamente:

      • Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
      • § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
        § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
      • 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Assegura o direito de todos ao acesso à justiça e de verem as suas demandas atendidas pelo poder público.  Assim,  o Poder Judiciário não pode se omitir  em apreciar ameaças ou lesões a direito que a ele sejam levadas por meio de um provimento jurisdicional;.Obviamente que o juiz está liberado do apreciação da lide no caso de impedimento (art. 144) e suspeição do juiz (art. 145), e mesmo nestas hipóteses,  o Poder Judiciário mão está isento de julgar uma causa iniciada, através da distrivuição da ação par outro magistrado, devendo oferecer, uma resposta à sociedade.

Referida disposição contida no CPC esta em perfeita sintonia com  a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXV, que prevê:

      • CF, art. 5ºXXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Quanto ao estímulo às formas alternativas de resolução de conflito sempre que possível, visa a menor duração dos processos, uma vez que, através de uma composição, as partes evitam o trâmite judicial, considerando a alta demanda do Poder Judiciário.

Essa disposição reafirma o dever de estímulo às formas de solução consensual de conflitos, como a mediação e a conciliação entre as partes litigantes. Para tanto,  o CPC vigente  dispõe que, iniciada a audiência de instrução e julgamento, o juiz tentará conciliar as partes, ainda que já se tenha empregado método anterior de resolução consensual. No mesmo sentido. o legislador estabeleceu , ainda, a realização da audiência de conciliação ou de mediação logo após o recebimento da inicial na forma do art. 334 do Novo CPC, estimulando a criação de CEJUSC em todas as U idades Jurisdicionais.


OBSERVAÇÃO:  No POST nº 02, abordaremos os artigos 4º. 5º e 6º do CPC.