Home Blog Page 33

Plano de saúde terá de cobrir criopreservação de óvulos de paciente até o fim da quimioterapia

0

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação de uma operadora de plano de saúde a pagar procedimento de congelamento (criopreservação) dos óvulos de uma paciente fértil, até o fim de seu tratamento quimioterápico contra câncer de mama. Para o colegiado, a criopreservação, nesse caso, é parte do tratamento, pois visa preservar a capacidade reprodutiva da paciente, tendo em vista a possibilidade de falência dos ovários após a quimioterapia.

A operadora se recusou a pagar o congelamento dos óvulos sob a justificativa de que esse procedimento não seria de cobertura obrigatória, segundo a Resolução Normativa 387/2016 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Nas instâncias ordinárias, o plano foi condenado a prestar integralmente a cobertura, ao argumento de que o procedimento solicitado pela paciente tem como objetivo minimizar as sequelas da quimioterapia sobre o seu sistema reprodutivo, não se confundindo com a inseminação artificial, para a qual a legislação não prevê cobertura obrigatória.

Procedimento excl​​uído

Em seu voto, o ministro relator do recurso especial, Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que, de fato, a inseminação artificial é procedimento excluído do rol de coberturas obrigatórias, conforme o artigo 10, inciso III, da Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde).

Ao disciplinar a abrangência das hipóteses de exclusão da cobertura obrigatória, a Resolução Normativa 387/2016 da ANS inseriu no conceito de inseminação artificial a manipulação de oócitos, o que incluiria os óvulos (oócitos em fase final de maturação). Logo, a exclusão alcançaria a criopreservação, que é o congelamento dos oócitos para manipulação e fertilização futura.

Sanseverino salientou que, aparentemente, a exclusão entraria em conflito com a norma da LPS que determina a cobertura obrigatória de procedimentos relativos ao planejamento familiar, porém rememorou que, ao enfrentar tal questão, o STJ entendeu que a norma geral sobre planejamento familiar não revogou a norma específica que excluiu de cobertura a inseminação artificial.

Efeitos colat​​erais

O relator destacou que, como anotado pelo tribunal de origem, o pedido de criopreservação contido nos autos é peculiar, pois o mais comum é que o procedimento seja pleiteado por paciente já acometida por infertilidade – hipótese que, seguramente, não está abrangida pela cobertura obrigatória.

Para o relator – também em concordância com a segunda instância –, o fato de a criopreservação ter sido pedida com a finalidade de evitar um dos efeitos adversos da quimioterapia (a falência ovariana) faz com que ele possa ser englobado no próprio tratamento, por força do artigo 35-F da Lei 9.656/1998. “O objetivo de todo tratamento médico, além de curar a doença, é não causar mal – primum, non nocere (primeiro, não prejudicar) –, conforme enuncia um dos princípios milenares da medicina”, afirmou.

À luz desse princípio e diante das particularidades do caso, disse o ministro, o artigo 35-F da Lei dos Planos de Saúde deve ser interpretado no sentido de que a obrigatoriedade de cobertura do tratamento quimioterápico abrange também a prevenção de seus efeitos colaterais.

Alinha​​mento de voto

Sanseverino declarou que estava inclinado a votar para que a operadora fosse obrigada a cobrir apenas a punção dos oócitos, deixando para a beneficiária do plano arcar com os procedimentos a partir daí, os quais – segundo seu entendimento inicial – estariam inseridos em um contexto de reprodução assistida e, portanto, fora da cobertura.

Porém, aderiu ao voto-vista da ministra Nancy Andrighi, em que a magistrada ponderou que a retirada dos oócitos do corpo da paciente seria procedimento inútil se não fosse seguido imediatamente do congelamento, sendo mais prudente condenar a operadora a custear a criopreservação dos óvulos até a alta do tratamento de quimioterapia. REsp 1.815.796-RJ


FONTE:  STJ, 22 de julho de 2020.

ENTENDENDO O CPC – POST nº 04 – Ação e Jurisdição

0

POST  nº 04 – Professor Clovis Brasil Pereira

1.  Conceito

Jurisdição indica a presença de duas palavras unidas: juris (direito) e dictio (dizer), sendo o poder de dizer o direito. Se constitui numa das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares do direito em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça.

É o  poder-dever do Estado de aplicar o direito ao caso concreto submetido pelas partes, através da atividade exercida pelos seus órgãos investidos (juízes).  É mediante a função da jurisdição que o Estado busca a realização prática e efetiva da norma legal, “ora declarando a lei ao caso concreto, ora impondo coativamente as medidas tendentes à satisfação efetiva da lei.

2. Caracteristicas da Jurisdição

A Doutrina clássica enumera algumas características próprias da Jurisdição, que emergem da própria Constituição, e dos princípios insertos nas Normas Fundamentais e da Aplicação das Normas Processuais contidas no CPC, das quais se destacam:

  1. Primeira: é atividade substitutiva, pois o Estado, atuando coativamente, substitui a vontade do individuo. Uma vez provocado, e decidido o conflito, as partes têm que se submeter à decisão judicial adotada.
  2. Segunda: é atividade instrumental, pois é um instrumento de atuação do direito material; ela é um meio da realização do direito.
  3. Terceira: é atividade declarativa ou executiva, uma vez que declara a vontade concreta da lei ou executa o comando estabelecido na sentença ou em outro título executivo reconhecido legalmente (títulos extrajudiciais).
  4. Quarta: é atividade desinteressada e provocada. É inerte, sendo indispensável que seja provocada por um dos conflitantes. Embora interesse ao Estado a solução do conflito, para a pacificação social, este não interessado, a priori, na solução em favor dessa ou daquela parte.
  5. Quinta: decorre normalmente de uma situação de litígio – exceto no caso da jurisdição voluntária, quando o juiz exerce praticamente uma atividade homologatória, pois não há resolução do conflito propriamente dito.
  6. Sexta: traz em seu bojo a idéia da definitividade da decisão proferida por um dos órgãos jurisdicionais, fazendo o que se denomina, coisa julgada.

3.  Princípios da Jurisdição

Na atividade da Jurisdição, são observados determinados princípios, que sobejam do próprio texto constitucional, e do CPC, e que devem prevalecer na atividade jurisdicional exercida pelo Estado através do Poder Judiciário, a saber:

  1. Inevitabilidade: a jurisdição é forma de exercício do poder estatal, e o cumprimento de suas decisões não pode ser evitado pelas partes, sob pena de cumprimento coercitivo (pela via executiva).
  2. Indeclinabilidade: segundo a constituição federal nenhuma lesão de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário; assim quando provocado, tem o estado o dever de solucionar os conflitos de interesse.
  3. Investidura: somente os agentes investidos do poder estatal de aplicar o direito ao caso concreto (julgar) é que podem exercer a jurisdição. A investidura se dá mediante prévia aprovação em concursos públicos de títulos e conhecimento jurídico e pela nomeação direta, por ato do chefe do Poder Executivo, de pessoas com prévia experiência e notável saber jurídico, como nos casos de ingresso na magistratura pelo quinto constitucional ou nomeação de ministros dos tribunais superiores.
  4. Indelegabilidade: a jurisdição não pode ser objeto de delegação pelo agente que a exerce com exclusividade.
  5. Inércia: a jurisdição não pode ser exercida de ofício pelos agentes detentores da investidura, dependendo sempre da provocação das partes.
  6. Aderência: o exercício da jurisdição, por força do princípio da territorialidade da lei processual, deve estar sempre vinculada a uma prévia delimitação territorial.
  7. Unicidade: embora se fale em jurisdição civil e penal, Justiça Federal e Estadual, esta classificação não passa de mera divisão de caráter administrativo, mas o poder-dever do estado, é na sua essência uno e indivisível.

A jurisdição na lição da consagrada Doutrinadora Ada Pelegrini Grenover, “é a função que o Estado exerce quando substitui a vontade dos titulares dos interesses em conflito pela vontade do direito objetivo que rege a controvérsia apresentada, promovendo a pacificação individual das partes e da sociedade.”

Para o doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves, “a jurisdição pode ser entendida como a atuação estatal visando à aplicação do direito objetivo ao caso concreto, resolvendo-se com definitividade uma situação de crise jurídica e gerando com tal solução a pacificação social.”

Resumindo,  a jurisdição é a capacidade do Estado de decidir imperativamente e impor decisões, através do Poder Judiciário, que tem a exclusividade na prestação jurisdicional.

4.  Jurisdição e Ação no CPC

A atividade decorrente do poder-dever do Estado, de exercer a Jurisdição, se afirma através do ajuizamento de ações pelos interessados, e que devem observar determinados pressupostos e condições para sua validade.

O CPC vigente, fiel às características e aos princípios que devem ser observados para o exercício da Jurisdição, assim prevê:

Art. 16.  A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código.

Assim, de acordo com o texto legal, e na esteira da lição dos dois conceitos acima referidos,  compete aos juízes e tribunais a aplicação do Direito Civil, consoante as normas civis e processuais civis, em território nacional.

O artigo 17, trata das condições da ação, estabelecendo os pressupostos para o exercício da Jurisdição, para  o ajuizamento de ações no âmbito do Poder Judiciário, ao estabelecer:

Art. 17.  Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade. 

Significa que toda ação interposta, ou mesmo a defesa do requerido, por  contestação e  econvenção , bem como os interesses de terceiros, através de procedimentos próprios, deve observar tais pressupostos de interesse e legitimidade.

Tais pressupostos podem ser assim compreendidos:

  1. Interesse: emerge do binômio necessidade e utilidade, que significam a necessidade da atividade jurisdicional ser imprescindível para o desfecho da controvérsia apresentada pela parte, bem como na utilidade, que se traduz na adequação dos meios processuais utilizados ao pedido formulado;
  1. Legitimidade: tem relação direta entre a coincidência entre o autor e o réu da relação processual e os titulares da relação jurídica de direito material exposta no processo, visto que a eventual sentença judicial, que venha ser proferida, gera  efeitos perante as partes interessadas, destinatários do resultado proferido na sentença.

Ainda com relação à legitimidade, o art. 18 do CPC prevê especificamente, que a legitimidade se restringe ao direito de  pleitear direito próprio, não podendo ser invocada, com regra,  para pleitear direito de terceiro. Senão vejamos:

 Art. 18.  Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. 

Parágrafo único.  Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial. 

Portanto, não poderá integrar a lide para pleitear algum direito, na forma do art. 18, se o litigante não tiver legitimidade para pleitear direito, em consonância com o art. 17, CPC.

Em prosseguimento, o art.  19 do CPC delimita como requisitos para o exercício de ação, alguns requisitos a saber:

Art. 19.  O interesse do autor pode limitar-se à declaração:

I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica; 

II – da autenticidade ou da falsidade de documento.

Assim, o chamado interesse jurídico, pode se cingir a uma declaração dos fatos, desde que reste comprovado o que for alegado pela parte.  Nesses termos, uma relação jurídica invocada, já será suficiente para início da atuação jurisdicional., e deverá, obviamente,  se comprovada no decorrer da ação, antes da decisão final do mérito.

Por fim, o art. 20, do CPC, trata da possibilidade de uma ação judicial ter simplesmente a função declaratória, sem entrar no julgamento do mérito da demanda.  Assim prescreve o referido artigo:

 Art. 20.  É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito. 

Mesmo que se trate de caso em que tenha ocorrido violação de direito, é viável ajuizar ação apenas com o objetivo de ter um fato declarado, ou o reconhecimento de uma relação jurídica, sem conseqüências pelo menos naquela ação, além da declaração.  Posteriormente, o direito reconhecido e declarado, poderá ser objeto de ação própria.


CANAL YOUTUBE “ENTENDENDO O CPC – No VIDEO nº 07 comentaremos o presente Post.

Diagnostico e inclusão dos autistas

0

Clarice Maria de Jesus D´Urso

No mês de junho(18) celebramos o Dia do Orgulho Autista no sentido de valorizarmos as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Calcula-se que no mundo, o TEA ocorra na proporção de 70 casos para cada 10 mil habitantes, sendo quatro vezes mais frequentes entre meninos, por esse motivo o autismo é associado a cor azul. No Brasil há 2 milhões de pessoas com TEAe no mundo, 70 milhões que precisam de atenção.

O autismo é uma síndrome comportamental que compromete o desenvolvimento motor e psiconeurológico, dificultando o entendimento, a linguagem e interação social da criança. O tratamento envolve profissionais de fonoaudiologia, psicoterapia comportamento, neurologia, fisioterapia etc.

Nem todo mundo sabe, mas no Brasil as leis vêm avançando no sentido de garantir a inclusão do autista. Há a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei 12.764/12), que garante direitos einclusão escolar sem custos e a Lei 13.977/20, que criou a Carteira de Identificação do portador de TEA, que assegura atenção à saúde, educação e assistência social aos autistas.

O reconhecimento por parte dos familiares e cuidadores dos sintomas manifestos pela criança autista é fundamental para que se chegue a um diagnóstico precoce, iniciando o tratamento. Os sintomas mais comuns envolvem dificuldades de comunicação vernal e não verbal,movimentos estereotipados e dificuldades com a interatividade social, entre outros.

A possível revelação de um diagnóstico de autismo tem forte impacto sobre toda a família, que inclui a etapa da negação, além de muitos sentimentos de insegurança, culpa e frustração. Há uma ruptura dos planos que foram pensados pela família para a vida daquela criança. Uma mãe e um pai têm dificuldades de aceitar que um filho tem “algo de diferente”.

Mesmo diante do diagnóstico de que uma criança é autista, a negação é comum, muitas vezes porque a maioria dos pais não sabe o que efetivamente é o autismo e diante do desconhecido a síndrome se agiganta e torna tudo mais difícil. Por isso, o conhecimento sobre a doença e tratamentos ajuda a família nesse processo de aceitação do diagnóstico.

Importante dizer que não existe um exame específico para diagnosticar o TEA é laboratorial identificado por um profissional especializado, como neuropediatra ou psiquiatra infantil. É realizada uma avaliação da criança com base em critério internacionais do TEA, bem como uma entrevista com os pais. Existe uma orientação que esta avaliação deve ser feita preferencialmente entre 18 e 24 meses, ou seja, entre um ano e meio de idade a dois anos de idade, mesmo que existam poucos sinais. No Brasil o SUS já faz esse tipo de exame, a família comparece ao posto da UBS e lá ela éorientada.

O Centro de Controle e Prevenção Doenças classifica o TEA em três níveis principais, conforme a intensidade e maneiras como o doente se comporta. No nível 1 conhecido como leve o paciente tem dificuldade para iniciar uma relação social, pois tem pouco interesse em interagiralém de ter problemas de planejamento e organização. Já o nível 2 que é o médio o paciente tem uma situação mais grave de deficiência nas relações sociais e na comunicação verbal e não verbal.O nível 3 grau grave o autista temenorme dificuldade em qualquer comunicação inclusive para interagir socialmente com prejuízos no funcionamento motor.

Torna-se fundamental que a comunicação do diagnóstico seja o mais transparente possível para que os pais não criem expectativas falsas sobre a dimensão do problemae a evolução clínica da criança. Em contraponto, a comunicação do TEA não deve ser uma coisa protocolar, sem sentimentos, respeitoe compreensão sobre o momento vivido pela família, que passará a viver um cotidiano mais estressante e terá de se adaptar a conviver com uma doença crônica e caminhar a passos largos para aaceitação e o apoiamento.

Infelizmente a medicina ainda não descobriu uma cura para o autismo, é uma condição permanente, porém existem terapias para amenizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida desse doente. Como falamos os pais devem procurar ajuda especializada de psicólogos, terapeutas, buscando compreender melhor a nova situação. Atualmente já existem instituições e grupos de apoios para as famílias dos autistas.

Além da questão de saúde, a família também terá de trabalhar com uma possível discriminação dentro e fora do ambiente familiar e escolar, porque muitas pessoas se sentem incomodadas com a presença de um autista por puro preconceito e isso precisa ser em trabalhado para não resultar em conflitos ou em uma superproteção da criança, o que também seria danoso para sua inclusão social.


BIOGRAFIA DA AUTORA:  Bacharel em Direito com Especialização “Lato Sensu” em Direito Penal e Processo Penal pela UniFMU, Mestre pela UniFMU na Sociedade da Informação, Conciliadora na área da família pela Escola Paulista da Magistratura do Estado de São Paulo, Membro da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas – ABMCJ e Conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Membro Titular do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfego de Pessoas e Irradicação ao Trabalho Escravo da Secretária de Justiça e Cidadania do Estado de São  Paulo, Coordenadora de Ação Social da OAB/SP por 2 gestões, Diretora do São Paulo Woman’s Club – Clube Paulistano de Senhoras, Membro do Comitê Estadual de Vigilância a Morte  Materna, Infantil e Fetal da Secretaria da Saúde do Estado e autora de várias Cartilhas e vários artigos.

São cabíveis embargos de terceiro na defesa de posse originada de cessão de direitos hereditários

0

​​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que reconheceu a legitimidade de terceiro para opor embargos contra a penhora de um imóvel objeto de sucessivas cessões de direitos hereditários. Na época da cessão original, segundo os autos, acreditava-se que as cedentes eram as únicas sucessoras do falecido, mas, posteriormente, dois outros herdeiros foram reconhecidos em investigação de paternidade e questionaram a negociação do imóvel ainda não partilhado.

“Embora controvertida a matéria tanto na doutrina como na jurisprudência dos tribunais, o fato de não ser a cessão de direitos hereditários sobre bem individualizado eivada de nulidade, mas apenas ineficaz em relação aos coerdeiros que com ela não anuíram, é o quanto basta para, na via dos embargos de terceiro, assegurar à cessionária a manutenção de sua posse”, afirmou o relator do recurso especial, ministro Villas Bôas Cueva.

Os direitos hereditários sobre o imóvel foram cedidos a um casal por duas herdeiras, mediante escritura pública firmada em 1997. Por meio de instrumentos particulares, esses direitos foram transferidos do casal para uma mulher, em 2000, e desta para a atual possuidora – autora dos embargos de terceiro –, em 2005.

O inventário foi aberto em 1987, tendo como herdeiras apenas as duas cedentes. Em 1992, duas pessoas ajuizaram ação de investigação de paternidade, cuja procedência foi confirmada em segundo grau em agosto de 1997. As partes foram intimadas do resultado em 1998.

Em 2002, um dos herdeiros reconhecidos posteriormente e o espólio do outro ajuizaram ação de prestação de contas contra as duas primeiras herdeiras, na qual as rés foram condenadas a pagar mais de R$ 2 milhões. A penhora do imóvel objeto dos embargos de terceiro foi determinada nesse processo.

Negócio váli​​do

O juiz de primeiro grau julgou improcedentes os embargos de terceiro, mas o TJSP reformou a sentença e levantou a penhora por entender que, na época do negócio, as cedentes eram as únicas herdeiras do falecido e, nessa condição, poderiam ter feito a cessão do imóvel, pois não haveria prejuízo a outro herdeiro.

Para o TJSP, como não se sabia de outros herdeiros ao tempo da cessão, o caso dos autos não caracteriza negócio jurídico nulo, mas, sim, negócio jurídico válido, cuja eficácia em relação aos credores está sujeita ao sistema legal relativo à solução de embargos de terceiro, em que se destaca a proteção à boa-fé do adquirente e possuidor.

Por meio de recurso especial, o espólio do herdeiro reconhecido tardiamente alegou que houve venda do imóvel – procedimento distinto da cessão de direitos hereditários – antes da finalização da partilha, sem autorização judicial e após o trânsito em julgado da sentença na ação de investigação de paternidade.

Segundo o recorrente, a embargante dispensou a obtenção de certidões que poderiam atestar a real situação do imóvel no momento em que adquiriu os direitos sobre ele, as quais, inclusive, indicariam a existência de ação em segredo de Justiça – como é o caso da investigação de paternidade.

Eficácia condicion​​ada

O ministro Villas Bôas Cueva explicou que, nos termos do artigo 1.791 do Código Civil de 2002, até a partilha, o direito dos coerdeiros quanto à posse e à propriedade da herança é indivisível. Todavia, no mesmo CC/2002, o artigo 1.793 estabelece que o direito à sucessão aberta, assim como a parte na herança de que disponha o coerdeiro, pode ser objeto de cessão por meio de escritura pública.

“No caso em apreço, não se operou a alienação do imóvel penhorado, mas, sim, a cessão dos direitos hereditários que recaem sobre ele. A questão, portanto, deve ser analisada sob a ótica da existência, da validade e da eficácia do negócio jurídico”, resumiu o ministro.

Com base na doutrina, Villas Bôas Cueva ressaltou que a cessão de direitos sobre bem singular –  desde que celebrada por escritura pública e sem envolver direito de incapazes – não é negócio jurídico nulo nem inválido, ficando a sua eficácia condicionada à efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente no momento da partilha.

Além disso, segundo o ministro, se o negócio for celebrado pelo único herdeiro, ou havendo a concordância de todos os coerdeiros, a transação é válida e eficaz desde o princípio, independentemente de autorização judicial. Como consequência, se o negócio não é nulo, mas tem apenas a eficácia suspensa, o relator apontou que a cessão de direitos hereditários sobre o bem viabiliza a transmissão da posse, que pode ser defendida por meio de embargos de terceiro.

Villas Bôas Cueva observou que, como estabelecido na Súmula 84 do STJ, admite-se a oposição de embargos de terceiro com base na alegação de posse resultante de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que sem registro em cartório. Tal entendimento, segundo ele, “também deve ser aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público de cessão de direitos hereditários”.

Ação em ​​segredo

Na hipótese dos autos, o relator enfatizou que a cessão originária de direitos hereditários sobre o imóvel ocorreu mediante escritura pública lavrada em janeiro de 1997, quando ainda estava pendente apelação no processo de investigação de paternidade, a qual foi julgada apenas em agosto daquele ano.

“Referida demanda, conforme admitido pelo próprio recorrente, tramitou em segredo de Justiça, fato que, a despeito de não inviabilizar por completo, dificulta sobremaneira o conhecimento acerca da existência de demandas contra aquelas que aparentavam ser as únicas herdeiras, notadamente se os autores da ação de investigação de paternidade não se preocuparam em prenotar a existência da referida demanda nas matrículas dos imóveis que integram o acervo dos bens deixados pelo falecido”, concluiu o ministro ao manter o acórdão do TJSP.    REsp 1809548


FONTE:  STJ, 14 de julho de 2020.

Propostas para enfrentamento do desequilíbrio contratual na Pandemia

0

*Clovis Brasil Pereira

SUMÁRIO:  1. Introdução    2. O que pode ser feito frente à Pandemia do Covid-19    3. Medidas cabíveis para vencer os efeitos da Pandemia   4. Teorias possíveis para discussão na revisão ou resolução dos contratos    5. Teoria da Imprevisão    6. Teoria da  Onerosidade Excessiva     7. Teoria da quebra da base objetiva    8. Conclusão.

1. Introdução

O inadimplemento dos contratos e suas conseqüências, tem sido um  tema tormentoso que tem trazido preocupações às s pessoas em geral,em razão da crise sanitária que chegou ao Brasil, depois de se alastrar pelo mundo.

A preocupação maior emergiu do reconhecimento o estado de emergência pelo Poder Executivo, com aval do Congresso Nacional, desde 20 de março de 2020, e que praticamente paralisou a atividade econômica  no pais, em todos os setores, seja público ou privado, notadamente em razão da recomendação das autoridades sanitárias e científicas, capitaneadas pela Organização Mundial da Saúde, de isolamento ou distanciamento social, como forma de se evitar o alastramento do Covid-19 simultaneamente pelo território nacional, inviabilizando o atendimento de emergência indispensável, e que faria com que todo o sistema de saúde entrasse em colapso, por falta de estrutura material e humana para o pleno atendimento das pessoas infectadas.

Essas restrições, e o medo que se abateu sobre a população brasileira, pelo repentino avanço do Covid-19, acabou atingindo o comércio de forma global, trazendo  consequências brutais para a economia, uma vez que estamos em vias de enfrentar uma recessão econômica sem precedentes, com reflexos diretos  na economia nacional e no relacionamento com a economia mundial, afetando diretamente os negócios jurídicos estabelecidos anteriormente à 20 de março de 2020, com reflexos no tempo presente, cujo estado de emergência tem previsão de duração até 31 de dezembro de 2020, e no futuro, no chamado período pós pandemia.

Surge então o clamor por medidas que possam ser tomadas no âmbito das relações jurídicas, diante do cenário cinzento pelo qual estamos passando

2.  O que pode ser feito frente à Pandemia do Covid-19

Diante da triste realidade que estamos enfrentando, estamos nos propondo fazer  um apanhado de medidas que podem ser tomadas na esfera jurídica, com o fim precípuo de amenizar os efeitos nefastos provocados pelo Covid-19, na relações contratuais em geral, que envolvem os contratos de natureza civil, tendo como exemplos, os contratos de Empréstimos, de Financiamento de veículos e de imóveis, de empréstimo pessoal,  nos contratos de Locação residencial  e comercial, de Prestação de serviços em geral, só para citar alguns exemplos.

É sabido que os reflexos da paralisação da economia, atinge também os Contrato de Trabalho e as relações empregador-empregado, com preocupante reflexo nas relações sociais, face a diminuição da oferta de emprego, e consequentemente o aumento de desempregados, que anteriormente a declaração da Pandemia, já atingia 12 milhões de trabalhadores.

3.  Medidas cabíveis para vencer os efeitos da Pandemia

O Covid-19 pegou os brasileiros de surpresa, pois ninguém podia imaginar em 2018, 2019 e mesmo até fevereiro de 2020, quando da elaboração de contratos que obrigaram as pessoas em geral, que viveríamos uma crise econômica, um verdadeiro caos nas relações jurídicas, a partir de março do corrente ano.  Essa nova realidade estabelecida, desestabilizou todos os planejamentos de custos, receita, e investimentos planejados pelos investidores em geral, desde o pequeno, o médio ou grande empresário.

Esse desequilíbrio, que acabou levando desde  o micro empresário ao empresário de grande porte, ao inadimplemento das obrigações contratuais, pela impossibilidade do cumprimento daquilo que foi anteriormente contratado, é que está a merecer um tratamento especial, para evitar o total desequilíbrio nas relações econômicas, trabalhistas e o danoso reflexo social derivado da Pandemia.

A solução para propiciar o reequilíbrio nas relações jurídicas nos contratos, podemos encontrar no Código Civil Brasil, através de vários dispositivos, a começar pelo caso fortuito e a força maior como excludentes de responsabilidade, definindo que a possibilidade de cumprir a prestação é um elemento essencial da obrigação.

A diploma legal, estabelece que uma relação obrigacional é formada por sujeito, objeto, prestação e possibilidade (artigo 104, II, do Código Civil).

Por sua vez, o mesmo Código Civil prevê no art. 393 que:

Artigo 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

 Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.

O art. 393, na verdade, não diferencia o caso fortuito  da força maior, conforme se deprende da leitura do indigitado artigo, exigindo em ambos os casos, alguns requisitos para sua confifuração e reconhecimento, tais como:

      1. Elemento externo.
      2. Inevitabilidade
      3. Impossibilidade de cumprir.

Segundo Arnoldo Medeiros da Fonseca, deve-se levar em consideração, no exame do caso concreto, se há “impossibilidade absoluta ou objetiva, seja permanente ou temporária, total ou parcial, natural ou jurídica”.

Segundo a previsão do artigo 393, do Código Civil, o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes do caso fortuito ou força maior. Indaga-se então: a prestação deixará de existir, ou permanece, não recair nos efeitos da mora?

No caso da responsabilidade contratual, o artigo 393 do Código Civil não deve ser interpretado de forma idêntica para a responsabilidade extracontratual e contratual, uma vez que esta função social (artigo 421 do Código Civil e artigo 5º do Decreto-Lei nº 4.657/42) e paridade, ainda que relativa, entre os contratantes, já que se encontram em situações equivalentes.

Arnoldo Medeiros da Fonseca, no  Direito Contratual, onde há vínculo prévio, apresenta algumas propostas, tais como:

      • Se a impossibilidade é total e permanente, dá-se a extinção do vínculo obrigacional, sem mora.
      • Se apenas é total e temporária, mantém-se o vínculo e se retira a mora.
      • Se for parcial, poderá o credor exigir parte da prestação.

Na ótica do referido doutrinador, numa situação assemelhada ao regime de emergência provocado pelo Covid-19, em que a atividade econômica ficou estagnada, sendo tal paralisação considerada como de caso fortuito ou força maior, apresentam-se duas propostas para solução:

a) Na primeira, na perspectiva do vínculo, retira-se o direito potestativo do credor em rompê-lo unilateralmente em razão da falta de prestação do devedor, que se tornou impossível, porque não há mora. Mantém-se essa potestatividade apenas àquele que está diante da impossibilidade, para não agravar ainda mais sua situação econômica, se assim o desejar.

b)  Na segunda, na perspectiva da prestação do devedor, analisando-se o caso concreto, se:

I. a impossibilidade for total, postergam-se as prestações vencidas para outro momento; ou

II. se parcial, reduz-se a prestação cumprindo-a em parte. A análise é caso a caso, repita-se.

Na hipótese de ser reconhecida a impossibilidade total ou parcial da prestação, o que obviamente poderá ser declarada em procedimento judicial, com amplo contraditório, não haverá mora pelo devedor e, por isso, não recairão as respectivas consequências, quais sejam:

      1. multa (artigo 408 do Código Civil);
      2. juros ou correção (artigo 389 do Código Civil);
      3. cláusula resolutiva (artigo 474 do Código Civil);
      4. busca e apreensão (artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/69);
      5. leilão extrajudicial (artigo 27 da Lei nº 9.514/97);
      6. despejo (artigo 59 da Lei nº 8.245/91), dentre outras.

O devedor continuará obrigado ao pagamento das prestações que não adimpliu, suspendendo-se a exigibilidade temporariamente.

Exemplificando, num contrato de locação com finalidade comercial, se ficar comprovada a impossibilidade do pagamento do valor locatício, pela proibição da venda de determinados produtos (no caso de SP, as padarias e lanchonetes foram proibidas de servir lanches e refeições no balcão), reduzindo drasticamente a receita, poderá o locatário obter a suspensão do pagamento do aluguel se a impossibilidade for total, ou obter sua redução, se for parcial.

Nas duas hipóteses,  não haverá mora, e portanto, não haverá resolução contratual ou despejo.

4. Teorias possíveis para discussão na revisão ou resolução dos contratos 

Destacam-se três teorias que podem ser discutidas nos litígios que busquem   dar equilíbrio às relações contratuais, com apoio no Código Civil ou Código do Consumidor,  seja através da revisão das cláusulas contratuais, ou a simples  resolução do contrtato, que passamos a examinar de forma sucinta.

5. Teoria da Imprevisão

No exame do desequilíbrio da relação contratual, podemos ainda, à luz do que dispõe o Código Civil Brasileiro, admitir a revisão contratual, pela teoria da Imprevisão, segundo seu art. 317 do Código Civil de 2002, que assevera:

“Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.

Na lição do Prof. Elpídio Donizetti, em co-autoria com o Prof. Fellipe Quintella, in Curso de Direito Civil, são quatro os pressupostos da revisão contratual por aplicação da teoria da imprevisão:

  • que se trate de contrato comutativode execução diferida ou continuada;
  • que, quando da execução, tenha havido alteração das circunstâncias fáticas vigentes à época da contratação;
  • que essa alteração fosse inesperada e imprevisívelquando da celebração do contrato;
  • por fim, que a alteração tenha promovido desequilíbrio entre as prestações.

 

6.  Teoria da Onerosidade Excessiva

 Essa teoria está firmada com base no  art. 478 do Código brasileiro de 2002, que prevê

“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”

Na sequência, o art. 479, assevera, em obediência ao  princípio da conservação do negócio jurídico, que:

“A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.”

Temos assim na legislação civil, que a Teoria da Onerosidade Excessiva, admite a resolução do contrato (que significa a sua extinção sem cumprimento), a pedido da parte prejudicada, ou a sua revisão, se a parte beneficiada se dispor a oferecer o restabelecimento do equilíbrio contratual.

Conforme restou explicado na obra do Prof. Elpidio, já referida, em caso de  aplicação da teoria da onerosidade excessiva, além dos pressupostos para a aplicação da teoria da imprevisão, exige-se, ainda, que se demonstre:

  • uma situação de grande vantagem para um contratante;
  • em contrapartida, uma situação de onerosidade excessiva para o outro”.

7. Teoria da quebra da base objetiva

Essa teoria tem aplicação especificamente nos contratos que tratam de relação de consumo, com a aplicação do Código do Consumidor, e para sua aplicação, basta que haja um fato superveniente que onere o contrato, seja ele previsível ou imprevisível, podendo o consumidor pedir a revisão judicial do contrato.

É importante ressaltar, que a legislação consumeirista, com suporte nos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio do contrato (art. 4º, III), da vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I), que decorre da necessidade de aplicação concreta do princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF), garante ai consumidor, pela sua vulnerabilidade reconhecida expressa no CDC, o direito de modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, bem como assegura o direito à revisão das cláusulas em função de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Para buscar tal revisão, invocando a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico, importa saber se o fato alterou de maneira objetiva as bases nas quais as partes contrataram, de maneira a modificar o ambiente econômico inicialmente existente.

Tais fatos supervenientes, segundo a previsão do Código de Defesa do Consumidor, não precisam ser extraordinários, imprevisíveis ou mesmo anormais, cabendo ao juiz  aferir tais fatos de maneira objetiva, sendo prudente observar tal fato superveniente, não decorreu por culpa do próprio consumidor, sob pena do mesmo estar se beneficiando da própria torpeza.

É ilustrativa a lição de Nelson Nery Júnior e Tosa Maria de Andrade Nery, in Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, que defende que o Código de Defesa do Consumidor, tem como meta e objetivo a manutenção do contrato, assim expressando:

“CDC. Manutenção do contrato. Nas relações de consumo, reguladas pelo CDC, a conseqüência que o sistema dá quando verificada a onerosidade excessiva não é o da resolução do contrato de consumo, mas o da revisão e modificação da cláusula ensejadora da referida onerosidade, mantendo-se o contrato (princípio da conservação contratual).”

Segundo os festejados autores,  a modificação será feita mediante sentença determinativa, na qual juiz não substitui, mas integra o negócio jurídico em situação assemelhada à da jurisdição voluntária, na forma do art. 1.103, do CPC, então vigente.

Dessa forma, é importante ressaltar que para a teoria do rompimento da base objetiva do negócio jurídico, é suficiente a prova de que o fato alterou de maneira objetiva as bases nas quais as partes contrataram, de maneira a modificar o ambiente econômico inicialmente existente, e por essa razão, entende-se como aplicável tal teoria, nos contratos de relação de consumo em geral.

8. Conclusão

Concluindo, temos em apertada síntese, que havendo alteração imprevisível das circunstâncias do momento da contratação durante o curso de contrato de execução continuada ou diferida, que cause desequilíbrio entre as prestações, pode a parte prejudicada pleitear a revisão do contrato, por aplicação da teoria da imprevisão (art. 317 do CC/02), ou na teoria da quebra da base objetiva, para os contratos que tratem de relação do consumido, à luz do que dispõe o CDC.

Se o  desequilíbrio for tal monta que torne o contrato excessivamente oneroso para uma das partes, e ao mesmo tempo, excessivamente vantajoso para a outra parte,  pode a parte prejudicada, pleitear a resolução do contrato, por aplicação da teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC/02), restando neste caso extinto o contrato sem seu cumprimento.

 

No entanto, se a parte beneficiada se dispuser a restabelecer o equilíbrio entre as prestações, poderá o juiz, à luz do princípio da conservação do negócio jurídico e com fundamento no art. 479 do Código, e no artigo 6º do CDC, declarar a revisão do contrato, em vez de resolvê-lo, o que em determinadas circunstância, e diante da paralisia da atividade econômica, poderá ser prejudicial para ambos os contratantes.

 

Acreditamos, que a melhor solução para proporcionar o reequilíbrio nas relações contratuais, neste momento de grave crise econômica, e de futuro incerto para a economia nacional e mundial, é  a tentativa de solução amigável dos conflitos nascidos em decorrência do inadimplemento das obrigações, que devem ser buscadas preferencialmente pela mediação, conciliação ou mesmo arbitragem, evitando a judicialização em massa, e que demandariam custos excessivos, o desgaste nas relações entre os contratantes, e de futuro incerto, em fase da notória morosidade da  solução dos conflitos, pelo Poder Judiciário.

Segunda Seção admite impressão digital como assinatura válida em testamento particular

0

​A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão por maioria de votos, admitiu ser válido um testamento particular que, mesmo não tendo sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital.

Para o colegiado, nos processos sobre sucessão testamentária, o objetivo a ser alcançado deve ser a preservação da manifestação de última vontade do falecido, de modo que as formalidades legais devem ser examinadas à luz dessa diretriz máxima. Assim, cada situação deve ser analisada individualmente, para que se verifique se a ausência de alguma formalidade é suficiente para comprometer a validade do testamento, em confronto com os demais elementos de prova, sob pena de ser frustrado o real desejo do testador.

A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, explicou que a jurisprudência do STJ permite, excepcionalmente, a relativização de algumas das formalidades exigidas pelo Código Civil no âmbito do direito sucessório.

“A regra segundo a qual a assinatura de próprio punho é requisito de validade do testamento particular traz consigo a presunção de que aquela é a real vontade do testador, tratando-se, todavia, de uma presunção juris tantum, admitindo-se a prova de que, se porventura ausente a assinatura nos moldes exigidos pela lei, ainda assim era aquela a real vontade do testador”, afirmou.

Flexib​​ilização

A controvérsia analisada pela Segunda Seção teve origem em ação para confirmar um testamento particular lavrado em 2013 por uma mulher em favor de uma de suas herdeiras.

Em primeiro grau, o juiz confirmou a validade do testamento, sob o argumento de que não existia vício formal grave e que era válida a impressão digital como assinatura da falecida, diante do depoimento de testemunhas do ato, inclusive em relação à lucidez da testadora.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou a sentença sob o fundamento de que a substituição da assinatura de próprio punho pela impressão digital faz com que o testamento não preencha todos os requisitos de validade exigidos pelo artigo 1.876 do Código Civil de 2002.

Ao analisar o recurso especial da herdeira beneficiária do testamento, a ministra Nancy Andrighi comentou que o Poder Judiciário não deve se imiscuir nas disposições testamentárias – com exceção apenas daquilo que for estritamente necessário para confirmar que a disposição dos bens retratada no documento corresponde efetivamente ao desejo do testador.

A ministra lembrou que, em processos analisados anteriormente pelo STJ, foram abrandadas as formalidades previstas no artigo 1.876 do CC/2002, como no REsp 701.917, no qual se admitiu, excepcionalmente, a relativização das exigências legais no tocante à quantidade de testemunhas para se reconhecer a validade do testamento particular.

Vício fo​rmal

No caso em julgamento, a despeito da ausência de assinatura de próprio punho e de ter sido o testamento lavrado manualmente, apenas com a aposição da impressão digital, a relatora ressaltou que não há dúvida acerca da manifestação de última vontade da testadora, que, embora sofrendo com limitações físicas, não tinha nenhuma restrição cognitiva.

“A fundamentação adotada pelo acórdão recorrido para não confirmar o testamento, a propósito, está assentada exclusivamente no referido vício formal. Não controvertem as partes, ademais, quanto ao fato de que a testadora, ao tempo da lavratura do testamento, que se deu dez meses antes de seu falecimento, possuía esclerose múltipla geradora de limitações físicas, sem prejuízo da sua capacidade cognitiva e de sua lucidez”, observou.

Para Nancy Andrighi, uma interpretação histórico-evolutiva do conceito de assinatura mostra que a sociedade moderna tem se individualizado e se identificado de diferentes maneiras, muitas distintas da assinatura tradicional.

Nesse novo cenário, em que a identificação pessoal tem sido realizada por tokenslogins, senhas e certificações digitais, além de sistemas de reconhecimento facial e ocular, e no qual se admite até a celebração de negócios complexos e vultosos por meios virtuais, a relatora enfatizou que “o papel e a caneta esferográfica perdem diariamente o seu valor”, devendo a real manifestação de vontade ser examinada em conjunto com os elementos disponíveis.   REsp 1633254


FONTE:  STJ,  15 de julho de 2020.

PENSÃO ALIMENTÍCIA: É possível a realização de acordo para exonerar devedor de pensão alimentícia das parcelas vencidas

0

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a um recurso do Ministério Público por entender que é possível a realização de acordo com a finalidade de liberar o devedor de pensão alimentícia das parcelas vencidas que vinham sendo executadas judicialmente. Tal acordo, para os ministros, não viola o caráter irrenunciável do direito aos alimentos.

O colegiado manteve decisão de segunda instância que validou o acordo firmado entre a mãe e o pai de duas crianças, que envolveu a desistência em relação a 15 parcelas mensais de pensão alimentícia não pagas. A mãe havia ajuizado a ação de execução de alimentos, mas, com o acordo, o tribunal estadual extinguiu o processo.

Para o Ministério Público, no entanto, o caráter irrenunciável e personalíssimo dos alimentos não permitiria que a mãe abrisse mão de cobrar os valores de que as filhas menores de idade são credoras. O MP apontou a existência de conflito de interesses entre mãe e filhas, e defendeu a nomeação de um curador especial.

Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso, a extinção da execução em virtude da celebração do acordo em que o débito foi exonerado não resultou em prejuízo para as crianças, pois não houve renúncia aos alimentos indispensáveis ao seu sustento, mas apenas quanto à dívida acumulada.

“As partes transacionaram somente o crédito das parcelas específicas dos alimentos executados, em relação aos quais inexiste óbice legal”, explicou o relator.

Direito irrenunciável

Villas Bôas Cueva afirmou que a vedação legal à renúncia decorre da natureza protetiva do instituto dos alimentos, mas essa irrenunciabilidade atinge apenas o direito, e não o seu exercício.

De acordo com o ministro, a redação do artigo 1.707 do Código Civil permite compreender que o direito aos alimentos presentes e futuros é irrenunciável, mas tal regra não se aplica às prestações vencidas, pois o credor pode deixar de exercer seu direito.

O MP, segundo o relator, não indicou a existência de prejuízo para o sustento das crianças em decorrência da celebração do acordo, não havendo motivos para impor empecilhos à transação.

“Ademais, destaca-se que, especialmente no âmbito do direito de família, é salutar o estímulo à autonomia das partes para a realização de acordo, de autocomposição, como instrumento para se alcançar o equilíbrio e a manutenção dos vínculos afetivos”, concluiu.

Sobre a necessidade de nomeação do curador, o relator considerou que esse ponto não poderia ser analisado no STJ porque a matéria não chegou a ser discutida pelo tribunal estadual – incidindo, portanto, a Súmula 211.


FONTE:  STJ, 13 DE JULHO DE 2020.

 

 

COVID-19: Justiça suspende temporariamente o contato presencial entre um pai e seus filhos devido à pandemia

0

COVID-19: Justiça suspende temporariamente o contato presencial entre um pai e seus filhos devido à pandemia
Convivência deve ser realizada diariamente por videochamadas, protegendo os menores, que são portadores de doenças crônicas
Na Justiça, uma mãe pediu a suspensão das visitas feitas pelo pai aos filhos durante a pandemia da COVID-19, pois as crianças integram o grupo de risco e o pai, por questões profissionais, não estaria em isolamento domiciliar. Ao analisar o caso, a Juíza da 2ª Vara de Família e Sucessões de Curitiba concedeu o pedido de tutela de urgência e suspendeu o convívio paterno presencial, inicialmente, por 30 dias. Em contrapartida, estabeleceu que a convivência do pai com os filhos seja realizada de forma diária e livre por meio de videochamadas.

“É inegável a importância da convivência dos genitores com os filhos, porém, é imprescindível que o convívio ocorra de forma saudável, garantindo que os menores estejam protegidos em todos os aspectos. Com o agravamento dos riscos resultantes da pandemia ocasionada pelo coronavírus (COVID-19), impõe-se, em alguns casos, a readequação da convivência, visando sempre o melhor interesse da criança, ponderou a magistrada.


FONTE:  TJPR, 14 de julho de 2020.

EFEITOS DA CONTRADITA: Fotos e mensagens em redes sociais podem comprovar amizade íntima e comprometer dopoimentos judiciais

0

A amizade íntima comprovada por meio de fotos e mensagens que denotem um grau mais elevado de afinidade em redes sociais configura, por si só, fato capaz de comprometer a legitimidade de um depoimento. 

A amizade íntima comprovada por meio de fotos e mensagens que denotem um grau mais elevado de afinidade em redes sociais configura, por si só, fato capaz de comprometer a legitimidade de um depoimento. Com essa tese, a Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) reformou sentença para acolher a contradita de uma testemunha em uma ação trabalhista, de modo que o depoimento passe a ser apreciado na condição de informante do Juízo. A Turma concluiu que, nesse caso, não se trata de hipótese de nulidade da sentença.

Redes sociais

Uma auxiliar administrativa havia apresentado ação trabalhista contra uma empresa do ramo de alimentação. Para a instrução do processo, em que pedia diversas verbas trabalhistas, como horas extras e adicional de periculosidade, a trabalhadora pediu a oitiva de uma colega de trabalho. A defesa da empresa apresentou conteúdo de postagens nas redes sociais e pediu o reconhecimento da suspeição da testemunha para o Juízo da Vara do Trabalho de Catalão (GO), alegando que ela e a auxiliar eram amigas íntimas.

O juiz do trabalho, ao sentenciar, observou que as informações da testemunha eram pouco confiáveis devido à amizade com a autora, todavia corroboravam as demais provas existentes nos autos. A ação trabalhista foi julgada parcialmente procedente. Com o objetivo de anular parte da sentença, a empresa recorreu ao TRT argumentando que o depoimento da testemunha deveria ser desconsiderado por ser amiga íntima da reclamante.

Amizade íntima

Em seu voto, o relator do recurso ordinário, desembargador Eugênio Cesário, considerou como informação o depoimento feito pela testemunha. Ele entendeu que a própria depoente e as provas nos autos comprovaram a amizade estreita entre a parte e a testemunha. Para chegar a essa conclusão, Eugênio Cesário observou que amigos íntimos são as pessoas ligadas por afeição e confiança. “De se dizer que nem todo amigo é amigo íntimo”, ponderou.

O desembargador considerou que o ato de adicionar pessoas em listas de amigos nas redes sociais não configura, por si só, amizade íntima. Ele destacou que para demonstrar a amizade virtual entre a parte e a testemunha, é necessário provar a amizade íntima, ainda que esta seja obtida mediante conversas e fotos extraídas destes meios de comunicação.

Eugênio Cesário ponderou ser possível extrair a prova de amizade íntima entre pessoas, demonstrando-se a eventual troca de mensagens afetuosas através das redes sociais, que denotem um grau mais elevado de afinidade. No caso, as fotos juntadas aos autos, retiradas da página da rede social da autora, demonstraram que a testemunha convivia com a parte fora do ambiente de trabalho, havendo inclusive declarações afetuosas feitas pela autora para o filho da testemunha.

“Aliás, a própria testemunha confessou tal fato, ao dizer em audiência que ‘à época em que trabalharam juntas, considerava a reclamante uma amiga, porque tinham proximidade por irem e retornarem juntas do trabalho’”, destacou. Eugênio Cesário reputou que uma amizade não deixa de existir somente pelo fato de os amigos não trabalharem mais no mesmo ambiente, na medida em que o afastamento pode reduzir o contato entre eles, sendo que apenas outra circunstância mais grave é capaz de abalar os laços de amizade firmados.


FONTE: TRT-GO, 18ª Região, 15 de julho de 2020.

Depoimento especial: a difícil missão de ouvir crianças e adolescentes vítimas de violência

0

A violência sexual contra crianças e adolescentes é um crime mais recorrente do que se imagina. No ano passado, o Disque 100, canal de denúncia do Governo Federal, registrou 17 mil ocorrências deste tipo, das quais 760 eram de Santa Catarina. Essa violência silenciosa, sem testemunhas, não deixa marcas no corpo em 96% dos casos e, quase sempre, a palavra da vítima é a única prova possível. Mas como ouvir essa criança sem lhe causar mais sofrimento? Quais técnicas utilizar para que ela acesse a memória e possa contar o que aconteceu?

Essas perguntas e as diversas dificuldades enfrentadas no momento da inquirição das vítimas motivaram o então juiz, hoje desembargador José Antônio Daltoé, da 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, a idealizar um método diferente que, num primeiro momento, ainda em 2003, ganhou o nome de “depoimento sem dano”. A partir daí, ele e diversos profissionais de todo o Brasil, incluindo magistrados catarinenses, começam a pensar uma nova maneira de ouvir as vítimas de violência, incluindo as violências física, psicológica, institucional e sexual.

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça edita a Recomendação nº 33 para que os Tribunais de Justiça implementem “sistemas apropriados para a tomada de depoimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes”. Desde então, o termo utilizado deixou de ser depoimento sem dano e passou a ser depoimento especial. Em Santa Catarina, este novo procedimento ganha destaque por meio do juiz Klauss Corrêa de Souza. Após assumir a titularidade da Vara Criminal da comarca de Braço do Norte em 2012, ele passa a realizar a oitiva de forma mais humanizada, com o objetivo principal de proteger a criança. O depoimento, percebe Klauss, deveria ser num ambiente separado, neutro, amigável e livre de distrações.

Assim, inspirado em experiências internacionais, a ideia prosperou e virou a Lei nº 13.431/2017 que, entre outros avanços, instituiu o depoimento especial no país e aperfeiçoou o Estatuto da Criança e do Adolescente que completou 30 anos na segunda-feira (13/7). Realizado por técnicos capacitados, o depoimento especial é uma entrevista investigativa centrada no relato livre, sem interrupções, com dois objetivos específicos: permitir que a criança acesse na memória o episódio e fale tudo o que lembra sobre ele.

O foco, porém, não é apenas a produção de possíveis provas, mas o cuidado com a criança e com o adolescente. Por isso, a maneira como se faz a entrevista se tornou tão importante nos últimos anos. Só técnicos capacitados estão aptos para a tarefa e devem seguir protocolos científicos, eficientes e seguros. O psicólogo forense Ricardo Luiz De Bom Maria elenca aspectos importantes no procedimento:  deve ser baseado na escuta e não na inquirição; não se pode, de maneira nenhuma, sugestionar a vítima, por isso é importante fazer perguntas abertas; deve-se respeitar o tempo e o ritmo de quem está falando, aceitando as pausas e o silêncio. “A entrevista”, esclarece Bom Maria, “é um direito e não um dever da criança ou do adolescente”.

Além de romper paradigmas processuais, o depoimento especial trouxe duas mudanças consideráveis: diminuiu o número de vezes em que a criança é ouvida no processo e diminuiu o tempo entre a denúncia e a oitiva. A Justiça catarinense, seguindo um protocolo científico, com base na psicologia do testemunho, já realiza essas entrevistas em 87 comarcas – isso representa 78% do Estado. Com de salas estruturadas e equipadas, sem interferência de ruídos externos, mesas de som e câmeras de vídeo, as comarcas dispõem de 116 profissionais capacitados.

Levantamento da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude (Ceij) contabilizou 944 depoimentos especiais realizados em 2019. “O mais importante para nós, o ponto principal do nosso projeto, é a capacitação dos técnicos”, enfatiza a psicóloga Helena Berton Eidt, da Ceij. Esses técnicos, servidores do Judiciário, participam de um curso de 56 horas, em três etapas, mesclando teoria e prática. Eles são psicólogos, assistentes sociais ou oficiais da Infância e Juventude, geralmente com formação em Direito.

Punir e tratar esses agressores é muito importante. Mas dar atenção maior à vítima e, acima de tudo, protegê-la, é fundamental para enfrentar e lidar com esta realidade, presente em todos os países e em todas as classes sociais.  Como resumiu o juiz Luciano Fernandes da Silva, da comarca de Ponte Serrada, no Oeste catarinense, “a gravidade dos crimes e a fragilidade das vítimas fazem todo o nosso esforço valer a pena”.

Por Fernando Evangelista / Núcleo de Comunicação Institucional do PJSC


FONTE:  TJSC, 14 de julho de 2020.