POST nº 04 – Professor Clovis Brasil Pereira
1. Conceito
Jurisdição indica a presença de duas palavras unidas: juris (direito) e dictio (dizer), sendo o poder de dizer o direito. Se constitui numa das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares do direito em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça.
É o poder-dever do Estado de aplicar o direito ao caso concreto submetido pelas partes, através da atividade exercida pelos seus órgãos investidos (juízes). É mediante a função da jurisdição que o Estado busca a realização prática e efetiva da norma legal, “ora declarando a lei ao caso concreto, ora impondo coativamente as medidas tendentes à satisfação efetiva da lei.
2. Caracteristicas da Jurisdição
A Doutrina clássica enumera algumas características próprias da Jurisdição, que emergem da própria Constituição, e dos princípios insertos nas Normas Fundamentais e da Aplicação das Normas Processuais contidas no CPC, das quais se destacam:
- Primeira: é atividade substitutiva, pois o Estado, atuando coativamente, substitui a vontade do individuo. Uma vez provocado, e decidido o conflito, as partes têm que se submeter à decisão judicial adotada.
- Segunda: é atividade instrumental, pois é um instrumento de atuação do direito material; ela é um meio da realização do direito.
- Terceira: é atividade declarativa ou executiva, uma vez que declara a vontade concreta da lei ou executa o comando estabelecido na sentença ou em outro título executivo reconhecido legalmente (títulos extrajudiciais).
- Quarta: é atividade desinteressada e provocada. É inerte, sendo indispensável que seja provocada por um dos conflitantes. Embora interesse ao Estado a solução do conflito, para a pacificação social, este não interessado, a priori, na solução em favor dessa ou daquela parte.
- Quinta: decorre normalmente de uma situação de litígio – exceto no caso da jurisdição voluntária, quando o juiz exerce praticamente uma atividade homologatória, pois não há resolução do conflito propriamente dito.
- Sexta: traz em seu bojo a idéia da definitividade da decisão proferida por um dos órgãos jurisdicionais, fazendo o que se denomina, coisa julgada.
3. Princípios da Jurisdição
Na atividade da Jurisdição, são observados determinados princípios, que sobejam do próprio texto constitucional, e do CPC, e que devem prevalecer na atividade jurisdicional exercida pelo Estado através do Poder Judiciário, a saber:
- Inevitabilidade: a jurisdição é forma de exercício do poder estatal, e o cumprimento de suas decisões não pode ser evitado pelas partes, sob pena de cumprimento coercitivo (pela via executiva).
- Indeclinabilidade: segundo a constituição federal nenhuma lesão de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário; assim quando provocado, tem o estado o dever de solucionar os conflitos de interesse.
- Investidura: somente os agentes investidos do poder estatal de aplicar o direito ao caso concreto (julgar) é que podem exercer a jurisdição. A investidura se dá mediante prévia aprovação em concursos públicos de títulos e conhecimento jurídico e pela nomeação direta, por ato do chefe do Poder Executivo, de pessoas com prévia experiência e notável saber jurídico, como nos casos de ingresso na magistratura pelo quinto constitucional ou nomeação de ministros dos tribunais superiores.
- Indelegabilidade: a jurisdição não pode ser objeto de delegação pelo agente que a exerce com exclusividade.
- Inércia: a jurisdição não pode ser exercida de ofício pelos agentes detentores da investidura, dependendo sempre da provocação das partes.
- Aderência: o exercício da jurisdição, por força do princípio da territorialidade da lei processual, deve estar sempre vinculada a uma prévia delimitação territorial.
- Unicidade: embora se fale em jurisdição civil e penal, Justiça Federal e Estadual, esta classificação não passa de mera divisão de caráter administrativo, mas o poder-dever do estado, é na sua essência uno e indivisível.
A jurisdição na lição da consagrada Doutrinadora Ada Pelegrini Grenover, “é a função que o Estado exerce quando substitui a vontade dos titulares dos interesses em conflito pela vontade do direito objetivo que rege a controvérsia apresentada, promovendo a pacificação individual das partes e da sociedade.”
Para o doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves, “a jurisdição pode ser entendida como a atuação estatal visando à aplicação do direito objetivo ao caso concreto, resolvendo-se com definitividade uma situação de crise jurídica e gerando com tal solução a pacificação social.”
Resumindo, a jurisdição é a capacidade do Estado de decidir imperativamente e impor decisões, através do Poder Judiciário, que tem a exclusividade na prestação jurisdicional.
4. Jurisdição e Ação no CPC
A atividade decorrente do poder-dever do Estado, de exercer a Jurisdição, se afirma através do ajuizamento de ações pelos interessados, e que devem observar determinados pressupostos e condições para sua validade.
O CPC vigente, fiel às características e aos princípios que devem ser observados para o exercício da Jurisdição, assim prevê:
Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código.
Assim, de acordo com o texto legal, e na esteira da lição dos dois conceitos acima referidos, compete aos juízes e tribunais a aplicação do Direito Civil, consoante as normas civis e processuais civis, em território nacional.
O artigo 17, trata das condições da ação, estabelecendo os pressupostos para o exercício da Jurisdição, para o ajuizamento de ações no âmbito do Poder Judiciário, ao estabelecer:
Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade.
Significa que toda ação interposta, ou mesmo a defesa do requerido, por contestação e econvenção , bem como os interesses de terceiros, através de procedimentos próprios, deve observar tais pressupostos de interesse e legitimidade.
Tais pressupostos podem ser assim compreendidos:
- Interesse: emerge do binômio necessidade e utilidade, que significam a necessidade da atividade jurisdicional ser imprescindível para o desfecho da controvérsia apresentada pela parte, bem como na utilidade, que se traduz na adequação dos meios processuais utilizados ao pedido formulado;
- Legitimidade: tem relação direta entre a coincidência entre o autor e o réu da relação processual e os titulares da relação jurídica de direito material exposta no processo, visto que a eventual sentença judicial, que venha ser proferida, gera efeitos perante as partes interessadas, destinatários do resultado proferido na sentença.
Ainda com relação à legitimidade, o art. 18 do CPC prevê especificamente, que a legitimidade se restringe ao direito de pleitear direito próprio, não podendo ser invocada, com regra, para pleitear direito de terceiro. Senão vejamos:
Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.
Portanto, não poderá integrar a lide para pleitear algum direito, na forma do art. 18, se o litigante não tiver legitimidade para pleitear direito, em consonância com o art. 17, CPC.
Em prosseguimento, o art. 19 do CPC delimita como requisitos para o exercício de ação, alguns requisitos a saber:
Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica;
II – da autenticidade ou da falsidade de documento.
Assim, o chamado interesse jurídico, pode se cingir a uma declaração dos fatos, desde que reste comprovado o que for alegado pela parte. Nesses termos, uma relação jurídica invocada, já será suficiente para início da atuação jurisdicional., e deverá, obviamente, se comprovada no decorrer da ação, antes da decisão final do mérito.
Por fim, o art. 20, do CPC, trata da possibilidade de uma ação judicial ter simplesmente a função declaratória, sem entrar no julgamento do mérito da demanda. Assim prescreve o referido artigo:
Art. 20. É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.
Mesmo que se trate de caso em que tenha ocorrido violação de direito, é viável ajuizar ação apenas com o objetivo de ter um fato declarado, ou o reconhecimento de uma relação jurídica, sem conseqüências pelo menos naquela ação, além da declaração. Posteriormente, o direito reconhecido e declarado, poderá ser objeto de ação própria.