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Reprodução medicamente assistida heteróloga: distinção entre filiação e origem genética

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 * Nathalie Carvalho Cândido

INTRODUÇÃO

O direito ao planejamento familiar refere-se a todo cidadão, sendo assegurado constitucionalmente e regulamentado pela Lei nº. 9.263, de 12.01.96. Este direito é entendido como “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”. Essas ações são de função do Estado, e o Ministério da Saúde, preocupado em garantir os direitos de homens e mulheres em idade reprodutiva, lançou a Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, ampliando as ações voltadas ao projeto parental.

            Um dos eixos de ação dessa Política é a introdução das tecnologias de reprodução assistida no Sistema Único de Saúde. As técnicas de reprodução assistida se mostram necessárias, pois, segundo a Organização Mundial de Saúde, entre 8% e 15% dos casais têm algum problema de infertilidade, caracterizado como a incapacidade de engravidar após doze meses de relações sexuais regulares sem uso de contraceptivos. Existem várias técnicas de reprodução assistida e este trabalho abordará apenas a inseminação artificial heteróloga, cuja aplicação envolve aspectos éticos, morais e também efeitos jurídicos ainda não regulamentados pelo nosso ordenamento.

            A inseminação artificial heteróloga é a técnica de reprodução assistida que envolve a doação de gametas de terceiro anônimo estranho ao casal, seja por impossibilidade biológica do homem ou da mulher. É citada no artigo 1.597, V do Código Civil e regulamentada pela Resolução nº. 1.358 do Conselho Federal de Medicina. Embora não esteja expressamente citada na lei 9.263/96, é entendida como um dos processos de concepção cientificamente aceitos oferecidos de acordo com o art. 9º desta lei. Falta, entretanto, uma lei específica que melhor esclareça os efeitos de sua aplicação.

            Na utilização desta técnica, observa-se de um lado um doador que se propõe anônimo, oferecendo seus gametas para viabilizar o projeto parental de outrem e que nessa função não deseja desenvolver vínculos afetivos ou responsabilidades patrimoniais em relação ao ser gerado. No outro extremo, temos uma criança que, embora tenha mãe e pai, ao crescer poderá reclamar o direito de conhecer sua ascendência genética e quem sabe querer exigir direitos sucessórios do doador (a) que lhe possibilitou o nascimento.

Tem-se, então, um conflito entre o direito ao conhecimento da ascendência genética e o direito à intimidade, um problema que envolve os chamados direitos fundamentais de quarta geração e uma nova discussão a respeito do Direito de Família, todos revolucionados pelos progressos da engenharia genética.

            A evolução das manipulações genéticas bioengenheiradas modificou a idéia que até pouco tempo tinha-se de maternidade e paternidade. Os casais que nutriam a esperança de serem pais e que tinham problemas de infertilidade acharam nas várias técnicas de reprodução humana medicamente assistidas a realização de seus projetos, mas se encontraram diante de questões éticas, morais, jurídicas e psicológicas que exigiam respostas.

            Como todos os progressos científicos que envolvem a manipulação de material genético humano, as técnicas de reprodução assistidas instigaram inúmeras discussões não só no campo das ciências biológicas, como também no campo jurídico e é isso que torna o tema deste trabalho tão interessante quanto importante.

            O direito, apesar da dificuldade de regulamentar as técnicas científicas com a mesma rapidez com que elas surgem, não pode se abster de legislar e, assim, esclarecer a população sobre os efeitos da aplicação destas técnicas. Essa necessidade decorre do fato que estão envolvidos no caso em tela os princípios constitucionais que baseiam nosso Estado e nossa vida em sociedade.

No desenrolar do presente trabalho procura-se responder aos seguintes questionamentos: O ser gerado através de inseminação artificial heteróloga tem direito de conhecer sua ascendência genética? A ação de investigação de paternidade é o mecanismo adequado ao conhecimento da ascendência genética? Quais efeitos jurídicos são gerados pelo conhecimento da ascendência genética?

Tem-se como objetivo geral apresentar o conflito entre o direito à intimidade e o direito ao conhecimento da ascendência genética nos casos de reprodução assistida heteróloga, bem como examinar a diferença entre o estado de filiação e origem genética. Como objetivos específicos busca-se verificar se o direito ao conhecimento da verdade biológica se sobrepõe ao direito à intimidade nos casos de aplicação da técnica de reprodução assistida heteróloga, mostrar a ação de investigação de paternidade não é meio adequado para o conhecimento da origem genética e que no estado atual do direito o fator mais importante para definir a paternidade é a relação sócio-afetiva entre duas pessoas e não a carga genética do indivíduo, e, finalmente, examinar se o conhecimento da ascendência genética gera efeitos jurídicos que impeçam a formação de vínculos parentais em desacordo com as normas do Código Civil.

Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses são investigadas através de pesquisa bibliográfica. No que tange à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, pura, visto ser realizada apenas com o intuito de aumentar o conhecimento, sem transformação da realidade. Quanto à abordagem, é quantitativa, através da pesquisa de fatos e dados objetivos, e qualitativa, com a observação intensiva de determinados fenômenos sociais. Quanto aos objetivos, a pesquisa é exploratória, definindo objetivos e buscando maiores informações sobre o tema em questão, e descritiva, apresentando fatos, natureza, características, causas e relações com outros fatos.

            No primeiro capítulo, define-se o conceito de direitos reprodutivos e são abordados  seus antecedentes históricos, bem como sua efetivação no Brasil através das instituições de planejamento familiar. Demonstram-se as diferenças entre regulação de fecundidade, controle de natalidade e planejamento familiar. Apresentam-se as principais técnicas de reprodução medicamente assistida e os questionamentos jurídicos decorrentes da aplicação destas técnicas.

            No segundo capítulo, analisa-se a evolução dos conceitos de maternidade e paternidade desde os tempos romanos até a atualidade, apresentando as principais normas jurídicas que fundamentam o atual conceito destes institutos, diferenciando-os da origem genética do indivíduo.

            No terceiro capítulo, faz-se um estudo sobre os direitos fundamentais que baseiam o direito à intimidade dos doadores de gametas e o direito ao conhecimento da origem genética do indivíduo, como também sua colisão nos casos de reprodução assistida heteróloga. Apresenta-se como solução da colisão de direitos fundamentais o princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana.

            No quarto capítulo, procede-se à análise crítica dos projetos de lei que dispõem acerca da reprodução medicamente assistida. Discorre-se sobre o posicionamento doutrinário a respeito da ação adequada para o conhecimento da ascendência genética, e, por fim, sobre os efeitos do conhecimento da ascendência genética para todos os envolvidos.

            Os novos parâmetros jurídico-culturais da relação de paternidade são objetos desse estudo, que não objetiva responder a todas estas questões levantadas pela sociedade, mas sim fornecer informações sobre os valiosos estudos de juristas pioneiros acerca destas novas formas de entender as relações familiares e, conseqüentemente, ajudar os interessados a formular opiniões próprias sobre o assunto.

1.  DIREITOS REPRODUTIVOS

A criação do termo “Direitos Reprodutivos” é atribuído às feministas norte-americanas que, inicialmente, o usaram substituindo a expressão “saúde da mulher” em encontros promovidos por mulheres determinadas a ter um maior controle sobre sua capacidade reprodutiva.

Este termo foi considerado o mais adequado para sintetizar os direitos humanos relativos à concepção e à contracepção abordados na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento realizada em 1994 no Cairo. Hoje é compreendido como o direito de “todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência” (Plataforma do Cairo §7.3 apud CORRÊA et al, 2003, on-line).

Os Direitos Reprodutivos não devem ser confundidos com o direito de não ter filhos. Esse entendimento de Direitos Reprodutivos como simplesmente o direito de não ter filhos deve-se ao fato de que as mulheres, em sua luta pelo direito de regular sua fecundidade, se opuseram a leis que proibiam o uso de métodos contraceptivos e à Igreja, que sempre associou relacionamento sexual à procriação. Devemos notar que as mulheres defendiam não somente o direito de não ter nenhum filho, mas também de tê-los controlando seu número e a época do nascimento, já que filhos em excesso podem ser um “fardo” para as mães que suportam as atribuições domésticas e ainda o trabalho externo. Embora o acesso à contracepção seja, realmente, um aspecto dos Direitos Reprodutivos, não é o único.

Também não devemos confundir Direitos Reprodutivos com instrumentos de política populacional. Essa é a compreensão equivocada de alguns autores que o entendem mais como um controle de natalidade do que como direito ao planejamento familiar. A professora de Antropologia Gilda de Castro Rodrigues, em seu livro Planejamento Familiar (1990, p.9), escreve: “[…] Espero então analisar justamente as nuanças dessa política de planejamento familiar como um novo instrumento de dominação sobre um segmento social para o qual não se cogita participação em outras conquistas da sociedade moderna.”. Essa compreensão em parte se deve à imagem passada à sociedade brasileira nos anos sessenta, como será estudado nos próximos tópicos.

1.1 Antecedentes históricos dos direitos reprodutivos

Antes do surgimento das idéias sobre Direitos Reprodutivos, a sociedade já praticava regulação de fecundidade para adequar o número de nascimentos as disponibilidades de alimentos e outros recursos necessários à subsistência humana. Assim, nas épocas mais prósperas, a natalidade aumentava, enquanto que em épocas de escassez, a natalidade diminuía. Essa diminuição podia acontecer através do aborto ou do infanticídio, como afirma Gilda de Castro Rodrigues (1999, p.11):

[…] Ou seja, em qualquer lugar e desde o início do processo de humanização, a sociedade humana desenvolveu meios para promover ajustamentos entre seus índices de fertilidade e mortalidade com as disponibilidades materiais que houvessem no ambiente para garantir a sobrevivência das pessoas.

[…] O infanticídio deve ter sido a primeira interferência ao potencial reprodutivo, mas, à medida que o processo de simbolização foi envolvendo o comportamento humano, surgiram também a restrição sexual e o aborto provocado.

Com o surgimento das grandes cidades e certa estabilidade de recursos, a regulação de fecundidade evoluiu com as regras sociais e religiosas, e os homens passaram a impor condições para que fossem exercitadas as suas capacidades reprodutivas, como a exigência do casamento, por exemplo. Nesse momento histórico, a religiosidade presente nas civilizações antigas estimulava muito a natalidade, não sendo o fato de ter filhos algo decorrente da vontade das pessoas, mas sim uma verdadeira obrigação para com a família devido à necessidade da continuidade do culto aos mortos. Fustel de Coulanges[1], em sua obra A Cidade Antiga, escreve:

[…] cada pai esperava da sua posteridade a série de banquetes fúnebres que devia assegurar a seus manes repouso e felicidade. Essa opinião era o princípio fundamental do direito doméstico entre os antigos, derivando daí, em primeiro lugar, a regra de que cada família devia perpetuar-se para sempre. Os mortos tinham necessidade de que sua descendência não se extinguisse. No túmulo, onde viviam, não tinham outra preocupação. Seu único pensamento, como seu único interesse, era ter sempre um varão de seu sangue para levar-lhe ofertas ao túmulo […] Tocamos aqui em um dos caracteres mais notáveis da família antiga. A religião, que a formou, exige imperiosamente sua continuação […] O grande interesse da vida humana é continuar a descendência para continuar o culto.

Além do aspecto religioso, outro motivo que levava as taxas de natalidade a não diminuir muito era a exigência de um número elevado de trabalhadores nas atividades agropecuárias, o que fez com que a sociedade incentivasse a natalidade.

Embora o ideal reprodutivo variasse de acordo com a população, a religião e os Estados sempre tiveram uma conduta pró-natalista em decorrência do pensamento que o matrimônio tinha como objetivo maior a procriação. Nesta época, grandes filósofos como Platão e Aristóteles, associaram o crescente número de filhos ao aumento da pobreza e crimes, passando a defender atos de regulação de natalidade como infanticídio e aborto, apesar da posição oficial do Estado ser a favor da natalidade.

Com a Revolução Francesa e depois com a Revolução Industrial, impressionantemente o nível de pobreza aumentou e o inglês Thomas Robert Malthus, sem considerar o problema da concentração de renda, desenvolveu a Teoria Malthusiana que afirmava que o crescimento da população era associado ao crescimento da pobreza, pois a população cresce em progressão geométrica enquanto os alimentos cresciam em progressão aritmética. Segundo Edméia de Almeida et al. (2000, p.37) “a idéia de uma medicina social surgiu durante a Revolução Francesa, no século XVIII, porém, foi a Inglaterra que criou os primeiros mecanismos para transformá-la em uma política de Estado.”

No século dezenove, em países com problemas com superpopulação como os Estados Unidos e outros na Europa, a Teoria Malthusiana foi utilizada como fundamento para uma política de controle de natalidade. Essa política de controle de natalidade sempre foi muito criticada por atingir geralmente apenas as camadas de baixa renda, o que se caracteriza como discriminação social. Afirmam ainda estudiosos, como Gentil Corazza, Paulo de Tarso Almeida Paiva e Simone Wajnman, que o caminho para erradicação da pobreza é uma distribuição eqüitativa de renda, o que exige grandes transformações sociais, não simplesmente o controle da capacidade reprodutiva de uma classe social. Nesse sentido, defende a socióloga Dulce Xavier (apud SARMIENTO, 2006, on-line) que “poucos filhos não é sinônimo de desenvolvimento, já que a pobreza é conseqüência da má distribuição de renda”.

            Apesar de alguns Estados começarem a aceitar as idéias de controle de natalidade, a Igreja Católica, predominante na época, continuava a recriminar a utilização de contraceptivos e ainda no século dezenove, quando a idéia de controle de natalidade amadurecia, uma mulher chamada Annie Besant foi julgada e condenada por defender que as mulheres tinham direito de controlar sua maternidade em 1877, quando foi presa por distribuir a reimpressão de um panfleto do clínico Charles Knowlton, escrito em 1831, defendendo e ensinando a utilização dos métodos contraceptivos. O julgamento de Annie chamou os católicos para uma discussão acerca da utilização de métodos anticoncepcionais e deu-se um grande avanço quando, em 1951, o Papa Pio XII aprovou o chamado Calendário Ogino[2] por declarar que “a regulagem das nascenças, contrariamente àquilo a que se chama controle das nascenças, é compatível com a Lei de Deus” (1851 apud BATAILLE, 1967, p.42). Observa-se que o próprio Papa, autoridade católica máxima, fez diferença entre o controle de natalidade e a regulação de natalidade, como o fez João Evangelista dos Santos Alves em seu artigo Direitos Humanos, Sexualidade e Integridade na Transmissão da Vida ao dividir em três categorias os métodos programação de natalidade. São essas categorias:

I – Métodos que destroem a vida: aborto provocado (métodos criminosos – Antinatalismo);

II – Métodos que impossibilitam a vida, tornando infecundos os atos sexuais que seriam normalmente fecundos: anticoncepção ou contracepção (métodos artificiais – Controle de Natalidade);

III – Métodos que respeitam a vida e as fontes de vida: fisiológicos (Planejamento Familiar pelos Métodos Naturais, Paternidade Responsável). [3]

No início do século vinte, ainda não estava estabelecida a compreensão da contracepção como direito reprodutivo, para muitos a contracepção estava inserida na idéia de controle de natalidade. Segundo Ávila (1992, apud COELHO et al., 2000, p.39):

Três linhas de pensamento foram formadas nesse período: a das feministas, que consideravam a contracepção um direito fundamental; a dos neomalthusianos que a defendiam como meio para melhorar a situação de pobreza; e a dos eugenistas, que viam no controle de natalidade um caminho para melhorar a qualidade genética.

Na França, em 1955, surgiu o primeiro movimento objetivando a regularização do Direito ao planejamento familiar, sendo este considerado o Direito à regulação de fecundidade e não ao controle de natalidade. Foi neste momento que a compreensão de Direitos Reprodutivos começou a ganhar os contornos que hoje possui. 

1.2   Direitos reprodutivos e instituições de planejamento familiar no Brasil

Durante todo o século dezenove o Brasil se manteve afastado das discussões acerca de políticas de controle de natalidade, incentivando-a, já que os altos índices de mortalidade minavam o crescimento populacional. Entretanto, no século vinte, o crescimento demográfico aumentou devido às melhores condições sanitárias e o país começou a sofrer pressões dos países desenvolvidos para adotar políticas de controle de natalidade. Os países mais desenvolvidos continuavam a se apoiar na Teoria Malthusiana para justificar a interferência na capacidade reprodutiva das camadas mais pobres. O governo brasileiro se opôs aos interesses internacionais até que, nos anos sessenta, completamente dependente do capital estrangeiro, cedeu às “chantagens” externas, pois os Estados vinculavam a obtenção de empréstimos à adoção de políticas de controle populacional. De acordo com Edméia de Almeida et al. (2000, p.40):

Uma vez dependente do capital internacional, o Brasil se rendeu às entidades americanas consideradas de planejamento familiar, apesar da resistência de militares, da Igreja e do próprio governo, que justificavam a importância de uma grande população, tanto do ponto de vista estratégico como econômico.

Para facilitar a aceitação pela sociedade, houve uma propaganda do controle de natalidade como planejamento familiar e a criação de um órgão, o BEMFAM (Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar) em 1965. Esse órgão foi financiado por empresas internacionais e facilitava o acesso a métodos contraceptivos sem promover educação e muito menos prestar atendimento médico àqueles que se “beneficiavam” desses métodos. O governo brasileiro, embora não apoiasse as atividades das empresas privadas, adotava uma conduta completamente permissiva em relação ao seu funcionamento. A socióloga Maria José Duarte Osis (apud SARMIENTO, 2006, on-line) afirma que “logo nos anos 60 houve associação de planejamento familiar com política de controle de natalidade, enfatizado por países mais desenvolvidos que apontavam a causa da pobreza e do subdesenvolvimento era o número excessivo de filhos nos países mais pobres”.

Em 1975, por recomendação da Organização Mundial de Saúde, foi desenvolvido o PMI, Programa de Saúde Materno Infantil. Esse programa ainda possuía o mesmo aspecto controlador que a BEMFAM, mas oferecia atendimento médico àqueles casais ou mulheres que, após numerosas gestações, desejavam dispor de algum método de contracepção. Segundo Marques (apud COELHO et al., 2000, p.41), o PMI “acelerou as especializações, a tecnificação, a concentração médica nos grandes centros urbanos, a prática hospitalar, a impessoalidade, a multiplicidade de empregos e uma prática médica curativa em detrimento da preventiva”.

Na década de oitenta, os grupos feministas brasileiros acirraram os debates sobre natalidade no país, opondo-se fervorosamente tanto aos interesses controlistas estrangeiros quanto aos interesses natalistas do governo. O PAISM, Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, segundo Coelho et al. (2000, p.41), foi resultado da visão de diferentes grupos sociais, os feministas, demógrafos, cientistas sociais entre outros, sendo a primeira instituição brasileira que, de fato, oferecia serviços de planejamento familiar tendo como objetivos:

Atender a mulher, através de atividades de assistência integral clínico-ginecológica e educativa, voltadas para o aprimoramento do controle pré-natal, do parto e do puerpério; a abordagem dos problemas presentes desde a adolescência até a terceira idade; o controle das doenças transmitidas sexualmente, do câncer de cérvico-uterino e mamário e a assistência para concepção e contracepção.

Com os serviços oferecidos pelo PAISM os Direitos Reprodutivos passaram a ser efetivamente atendidos. São protegidos no Brasil por lei desde a Constituição Federal de 1988 que em seu art.226, § 7º dispõe sobre o planejamento familiar que vem a ser, segundo a Lei nº. 9.263, de 12 de janeiro de 1996, “o conjunto de ações de fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”.

Até hoje, apesar das políticas de planejamento familiar, muitos brasileiros continuam a associar planejamento familiar ao controle da natalidade. Isto em parte se deve ao fato que nos muitos municípios brasileiros em que existe atendimento de planejamento familiar, pouco ou nada é feito em termos de educação e de atendimento aos casos de infertilidade.

Os resultados do trabalho de pesquisa realizado por Ana Maria Costa (2006, on-line) que levam à seguinte conclusão a respeito da integralidade na atenção à saúde das mulheres no Brasil: “Os resultados denunciam a dissociação entre as práticas educativas e a rotina de atenção ao planejamento familiar; restrições qualitativas e quantitativas de acesso aos métodos contraceptivos e ainda a baixa oferta de atenção à infertilidade […]”.

O atendimento a infertilidade é um importante aspecto dos Direitos Reprodutivos, pois dados da Organização Mundial de Saúde, OMS, mostram que entre 8 e 15% dos casais tem problemas de infertilidade. Para garantir à população o exercício de seus direitos reprodutivos no que se refere à assistência à infertilidade foi que, em 2003, o Ministério da Saúde lançou a Política de Direitos Sexuais e Reprodutivos, para difundir ações de planejamento familiar entre os anos de 2005 e 2007, sendo um dos eixos dessa política é a introdução de tecnologias de reprodução assistida no Sistema Único de Saúde (SUS), tecnologias estas explanadas no tópico seguinte.

1.3   O projeto parental, reprodução assistida e biodireito

A vontade de ter filhos é inerente ao ser humano. Desde os tempos mais remotos a maternidade e a paternidade são valorizadas pela sociedade. Segundo Bee (1997 apud NASCIMENTO et al., 2006, on-line) “o papel de pai traz uma grande satisfação, um senso maior de propósito e autovalia e uma sensação de amadurecimento, bem como uma sensação de alegria que é compartilhada entre o marido e a mulher”.

Entretanto, devido a problemas de diversas origens, o desejo de ter um filho nem sempre pode ser realizado de forma natural. Embora as sanções para aqueles que não podem ter filhos não mais existam de forma pública, existe a sanção moral que homens e mulheres aplicam a si mesmos quando se deparam com a impossibilidade de gerar uma vida. De acordo com o ensinamento de Luci Helena Baraldo Mansur (2003, on-line):

Não querer um filho é diferente de querer e não ser capaz de ter. Se, por um lado, a limitação de uma mulher com problemas de fertilidade pode ser considerada apenas do ponto de vista físico e sua capacidade de amar avaliada como estando preservada, os termos técnicos "estéril" ou "infértil" carregam a noção pejorativa de que ela é vazia, seca e sem vida por dentro, colocando em cheque seu valor pessoal e feminilidade, através da avaliação de sua fecundidade

            Com a inserção dos direitos reprodutivos no elenco de direitos fundamentais, o tratamento para os casos de infertilidade passou a ser função também do Estado, como está determinado no parágrafo sétimo do art. 226 da Carta Magna, in verbis:

Art. 226.[…]

§7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

[…]

            A partir desse dispositivo constitucional, homens e mulheres que se sentiam prejudicados em seus direitos reprodutivos passaram a ter auxílio do Estado para colocar em prática o seu projeto parental, através das modernas técnicas de reprodução assistida cientificamente aceitas. Conforme entendimento de Sérgio Abdalla Semião (2000, p.161-162):

A revolução cultural ocorrida no início dos anos 60, tornou moralmente aceitável o sexo sem concepção, como também possibilitou a concepção sem sexo.

Um grande número de mulheres que não tinham esperanças de serem mães, por serem estéreis, homossexuais, estarem em pós-menopausa, casadas com homens também estéreis ou até mesmo, por não desejarem repartir o carinho de seus filhos com um pai conhecido, passaram a recorrer aos diversos métodos científicos da reprodução humana assistida.

            As técnicas de reprodução humana assistida que hoje tentam concretizar o projeto parental de inúmeras famílias são objeto de estudo científico há muito tempo. Segundo Alejandra Ana Rotania (2003, on-line), a descoberta, em 1770, de que a fecundação ocorre com a junção de esperma com óvulos pelo biólogo Spallanzani, foi o primeiro grande passo da ciência que favoreceu o desenvolvimento dessas técnicas. Apenas vinte e um anos depois foi realizado pelo cientista inglês Hunter o primeiro registro da experiência de reprodução assistida com a injeção de esperma do marido no útero de sua esposa. Em 1799 foi registrado o primeiro caso de gravidez resultante da técnica. Dessa primeira gravidez até hoje as pesquisas científicas campo da reprodução permitiram desenvolvimento de técnicas cada vez mais eficazes e seguras.

            As técnicas mais conhecidas de reprodução medicamente assistida são a inseminação artificial e a fertilização artificial. A inseminação artificial (IA) é a técnica mais antiga de reprodução assistida tendo sido utilizada pela primeira vez com sucesso em 1799 (ROTANIA, 2003, on-line). Consiste basicamente em inserir o esperma na cavidade uterina através da vagina por meios mecânicos, a partir dessa transferência a continuidade do processo reprodutivo ocorre naturalmente, podendo ou não resultar em uma gestação. Conforme a explicação de Regina Fiúza e Severo Hryniewicz (2000, p.92) “a técnica da Inseminação Assistida é relativamente simples e consiste na introdução do esperma na vagina, por meio de uma cânula. É a técnica mais antiga, que teve um longo processo de desenvolvimento e não causou grandes polêmicas desde que foi desenvolvida”.

De acordo com Luis Irajá (2004, p.261) esta técnica é indicada para os casos em que a mulher ou o homem possuem má formação dos órgãos sexuais, por motivo de impotência masculina, má formação dos espermatozóides que prejudique sua mobilidade (astenospermia), quantidade pequena de espermatozóides (oligoespermia) e até mesmo para selecionar o sexo da criança a fim de evitar doenças hereditárias ligadas ao sexo, como por exemplo, a hemofilia. A partir de 1954, o desenvolvimento da técnica de congelamento do esperma permitiu que pacientes que fossem se submeter aos tratamentos que prejudicassem sua fertilidade armazenassem seu sêmen para futuras inseminações (sauwen; Hryniewicz 2000, p. 93).

            Na técnica de fertilização artificial, diferentemente do que ocorre na inseminação artificial, a fecundação realiza-se extra corporalmente, in vitro e não in vivo. Por esse motivo que a técnica é mais conhecida como fecundação in vitro (FIV) ou ainda bebê de proveta (WELTER, 2003, p.219), pois a fecundação ocorre na proveta. O procedimento da fecundação in vitro é bem mais complexo que o da inseminação artificial: primeiro, com a estimulação hormonal, faz-se com que a mulher libere óvulos e, depois, retiram-se estes através de laparoscopia[4], incisão abdominal ou de forma transvaginal por controle ecográfico (Rotania, 2003, on-line). Coletam-se também os gametas masculinos do esperma obtido pela masturbação. Coletados os gametas colocam-se ambos em meio nutritivo que favoreça a fertilização.

            Obtido o zigoto é realizada pela técnica de transferência intratubária de zigotos, conhecida pela sigla inglesa ZIFT (Zigot intra-falopian transfer), que consiste na colocação desses zigotos resultantes para o interior das tubas uterinas (antes denominadas trompas de falópio) para que naturalmente ocorra a nidificação. Como explica Sergio Abdalla Semião (2000, p.169):

Após a fecundação, que é provocada artificialmente, o óvulo fecundado, já embrião, é transportado para a mulher, quando se espera que se dê a nidação, que é a fixação desse óvulo embrionário no endométrio (mucosa uterina), onde passará a se desenvolver a gestação, que nem sempre ocorre. Atualmente o êxito dessa técnica está em torno dos 26%, com algumas variações.

Pode-se também esperar que o zigoto incubado in vitro sofra as primeiras divisões até formar o embrião e só nesse estágio transferi-lo para o útero ou para as tubas uterinas. Esta técnica é chamada de fertilização in vitro seguida de transferência de embriões ou FIVETE. Conforme Luis Irajá (2004, p.262):

Temos também como técnica de RMA(s) a FIVETE, isto é, a Fertilização In Vitro Seguida de Transferência de Embriões; o zigoto ou zigotos continuam a ser incubados in vitro no mesmo meio em que surgiram, até que se dê a sua segmentação. O embrião ou embriões resultantes (no estágio de 2 a 8 células) são então transferidos para o útero ou para trompas.

A fertilização in vitro pode ser ainda seguida de uma maternidade de substituição, popularmente conhecida por “barriga de aluguel”, bastando para isso que o zigoto ou embrião seja transportado para as tubas ou útero de uma mulher saudável pela impossibilidade física da que forneceu os gametas. “A técnica vulgarmente conhecida como “barriga de aluguel”, ou gestação substituta, é na realidade um arranjo social quando uma mulher não pode realizar o ciclo da gestação em seu próprio útero. Trata-se de realizar uma FIV e transferir o embrião ao útero de uma mulher diferente da solicitante” (ROTANIA, 2003, on-line).

            A injeção intracitoplasmática (ICSI) é também uma técnica de fertilização artificial desenvolvida em 1993 para os casos em que mesmo colocando-se os gametas em meio propício para fecundação a fusão dos gametas não ocorria. Nesta técnica injeta-se um espermatozóide pré-selecionado no interior do óvulo com o auxílio de uma microagulha dez vezes mais fina que um fio de cabelo. É a técnica mais recomendada quando existem alterações na forma do espermatozóide que desfavoreça a fecundação segundo Alejandra Ana Rotania. Após a fusão procede-se à ZIFT, à FIVETE ou a gestação substituta dependendo do caso.

            Outra técnica de reprodução assistida é a transferência intratubária de gametas ou GIFT.  Assim como na inseminação artificial, a fecundação nesta técnica ocorre in vivo. Nesta técnica, os dois gametas, óvulo e espermatozóide, são coletados assim como na primeira etapa da fertilização in vitro e depois são transferidos para as tubas uterinas onde ocorre a fecundação. Esta técnica é indicada quando se desconhece a razão da impossibilidade da gravidez se dar de forma natural, “os defensores dessa técnica afirmam que seriam passíveis de tratamento, cerca de 40 % dos casos que, por motivo de patologia conhecida ou ainda desconhecida e nem sempre superáveis com a inseminação artificial, não alcançam a concepção” (SCRECCIA, 1996, p.417 apud SÁ JÚNIOR, 2004, p.261).

            Todas as técnicas citadas podem ser realizadas tanto com os gametas daqueles que desejam a criança quanto com gametas de doadores. No caso da reprodução assistida ser realizada com gametas do casal ela é chamada homóloga, caso seja realizada com gametas de terceiros ela é chamada heteróloga. No caso específico da inseminação artificial, apenas o espermatozóide pode ser de doador, enquanto nas outras técnicas podemos ter o óvulo também doado, por isso dividi-se a técnica em inseminação artificial com esperma do cônjuge, IAC, e inseminação artificial com esperma de doador, IAD.

            O desenvolvimento de técnicas de reprodução medicamente assistida (RMAs) trouxe grandes alegrias aos homens, mulheres e casais que desejavam filhos, mas que por diversos motivos não podiam gerá-los. Entretanto, o desenvolvimento científico que possibilitou esses “milagres” não poderia deixar de estar acompanhado por diversos questionamentos de ordem psicológica, moral, religiosa, científica e jurídica, uma vez que as técnicas de reprodução assistida envolvem vidas, tanto daqueles que desejam ser pais quanto daqueles que virão a ser filhos. Segundo Belmiro Pedro Welter (2003, p.209):

[…] é preciso transnacionalizar a ética universal na reprodução humana medicamente assistida, que reclama o cumprimento de alguns princípios para garantir o bem estar das pessoas que são os destinatários ou os participantes das pesquisas genéticas: o princípio da beneficência, da autonomia, da justiça e da dignidade da pessoa humana.

            Os princípios citados por Welter são os princípios da Bioética, considerada a “ética das ciências da vida”, segundo Maria Helena Diniz (2001, p.6):

Um novo domínio da reflexão que considera o ser humano em sua dignidade e condições éticas para uma vida humana digna, alertando a todos sobre as conseqüências nefastas de um avanço incontrolado da biotecnologia e sobre a necessidade de uma tomada de consciência dos desafios trazidos pelas ciências da vida.

            No que compete ao princípio da dignidade da pessoa humana devemos ressaltar a importância da bioética para o Direito, pois o Direito mostra-se como um sistema de resolução de conflitos, ou, diferentemente, pode apresentar-se como um sistema de preservação de direitos (BrauneR, 2003, on-line), dentre os quais o princípio da dignidade da pessoa humana, que é reconhecido como fundamental e como base para todo o ordenamento jurídico. O biodireito surge, então, dessa relação entre bioética e Direito, sendo, para Maria Helena Diniz “o estudo jurídico que, tomando por fontes imediatas à bioética e à biogenética, teria a vida por objeto principal” (1998, p.40 apud SÁ JÚNIOR, 2004, p. 260).

            De acordo com Sergio Abdalla Semião (2000, p. 165): “o biodireito e a bioética invadiram a vida dos casais inférteis que um filho ou, até mesmo, o direito a um filho, no entendimento de alguns”. Essa invasão ganha relevância quando se fala do biodireito em relação ao vínculo parental, pois “a procriação humana assistida perturba valores, crenças e representações que se julgavam intocáveis. Ela divorcia a sexualidade da reprodução, a concepção da filiação, a filiação biológica dos laços afetivos e educativos, a mãe biológica da mãe substituta” (SEMIÃO, 2000, p.168). Observam-se discussões especialmente nos casos de reprodução medicamente assistida heteróloga, tanto quanto à determinação do vínculo parental, já que na reprodução assistida homóloga as filiações afetivas e biológicas se confundem, quanto em relação ao anonimato do doador, que gera uma colisão de direitos fundamentais. A filiação no contexto das novas tecnologias reprodutivas será o objeto do estudo do próximo capítulo, enquanto a colisão de diretos fundamentais será abordada no capítulo subseqüente.

2.   FILIAÇÃO NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA

            O conceito etimológico de filiação é derivado do latim filiatio, termo que distinguia a relação de parentesco estabelecida entre pessoas que concederam a vida a um ente humano e este (Grunwald, 2003). Como se aufere do conceito do instituto, a percepção inicial da filiação tinha como fato originário a procriação, a relação sexual entre duas pessoas.  Conforme definição citada por Astried Brettas Grunwald (2003, on-line):

A filiação, pois, é fundada no fato da procriação, pelo qual se evidencia o estado de filho, indicativo do vínculo natural ou consangüíneo, firmado entre gerado e progenitores. É assim, a relação de parentesco entre pais e os filhos, considerados na ordem ascensional, destes para os primeiros, do qual também procedem, em ordem inversa, os estados de pai (paternidade) e de mãe (maternidade).

            Atualmente, o conceito de filiação já não é mais tão facilmente estruturado. As mudanças que o Direito de Família sofreu ao longo dos anos, principalmente em tempos de grandes avanços da biotecnologia, impõem novas formas de vivenciar e compreender as relações entre pais e filhos.

2.1   Das Espécies de Filiação

            A filiação, como vínculo de parentesco do filho em relação aos pais, envolve a idéia de paternidade e maternidade, como vínculo de parentesco dos pais em relação aos filhos. Conforme Andrada e Silva (1919, p.218 apud BARROS, 2005, p.56):

Filiação é a relação que o fato de procriação estabelece entre duas pessoas, das quais uma é nascida da outra. Considerada com respeito ao filho, esta relação toma particularmente o nome de filiação; com respeito ao pai, o de paternidade e com respeito à mãe o de maternidade.

            Então, para a análise da evolução histórica do conceito de filiação, é imprescindível analisar a evolução da idéia de paternidade e maternidade desde o Direito Romano até os dias atuais.

            O Direito de Família Romano entendia a instituição familiar como o conjunto de pessoas subordinadas ao paterfamilias, o pai de família, nota-se daí a característica básica da família romana: o patriarcalismo. Segundo o patriarcalismo, o chefe da família era o pater, chefe absoluto, pois somente a ele cabia o exercício dos seguintes direitos: dominica potestas sobre os escravos; dominiun sobre os bens; manus sobre a esposa; pratia potestas sobre os filhos e mancipium sobre as pessoas livres (TABOSA, 1999, p.166). Outra característica importante da família romana sempre foi a monogamia, assim, só se podia ter uma esposa ou um marido legalmente estabelecido através das justas núpcias, justae nuptiae, ou seja, o casamento legal.

            A paternidade no Direito Romano era atribuída àquele que era casado com a mãe, pois era o casamento que formava a família ao legalizar as relações sexuais que originavam os filhos. A maternidade era sempre certa, semper est certa mater, pois como assevera Lafayette (apud BARROS, 2005, p.57) revela-se por sinais exteriores, claros e positivos, como a gravidez e o parto, enquanto que a paternidade se resolvia através da presunção legal de que a criança concebida na constância do casamento tem como pai o marido de sua mãe, pois pater est quem nuptiae demonstrant. Como resume Grunwald (2003, on-line):

O casamento era então a base da formação da família, a legalização das relações sexuais de onde se originava a prole; até então o que originava a filiação era essa relação matrimonial de tal modo que os filhos havidos fora do casamento não faziam parte do núcleo familiar, não podiam nem mesmo ser registrados com o nome paterno sendo este casado.

            A discriminação da filiação em legítima e ilegítima tinha como base a situação dos progenitores. O parentesco legítimo, filiação legítima, existia quando o nascimento decorria de matrimônio legal, já o ilegítimo, se dividia em dois tipos: o parentesco natural, que existia entre o gerado e os genitores quando estes não eram casados legalmente embora não houvesse impedimentos para tal ato, e o parentesco espúrio, este ocorrendo quando o ser gerado tinha como pais pessoas que não eram legitimamente casadas por estarem, por exemplo, impedidas por já terem contraído justas núpcias, ou seja, o filho seria adulterino. O parentesco espúrio originado do adultério era estabelecido quando o marido questionava sua paternidade, entretanto, esta só podia ser questionada quando houvesse comprovação da não coabitação no período da concepção ou se provada a impotência do marido, pois existia a presunção de fidelidade da mulher, já que o pater tinha poder de fiscalizar sua mulher, sendo detentor do manus sobre a esposa. Fernanda Otoni de Barros explica citando Andrada e Silva (2005, p.58):

A regra que derivava a paternidade da relação matrimonial só poderia ser questionada se fosse comprovado não ter havido coabitação ao tempo da concepção legítima, mas se, pelo menos um dia, nesse tempo, os amantes tivessem se encontrado, não poderia ser questionada a legitimidade da paternidade. Outro caso que suportaria a contestação seria prova inequívoca pericial de impotência do marido. Pai é aquele com quem a mãe se deita, presumidamente, pelo assentimento social e legal, no tempo da constância do casamento.

Nem o adultério comprovado era capaz de derrubar a filiação legítima da paternidade. A prova do adultério não destruía a presunção legal da paternidade, porque, não obstante as relações criminosas da mulher com outra pessoa, o filho bem pode ser do marido, e, na dúvida prevalece a presunção em favor da legitimidade.

            As idéias de família, filiação, paternidade e maternidade que permeavam o Direito Romano chegaram praticamente intocadas até o legislador do Código Civil Brasileiro de 1916, Lei nº. 3.071, de 1º de janeiro de1916. No título V, sobre as relações de parentesco, o legislador destinou dois capítulos para filiação: o capítulo II, da filiação legítima, e o capítulo IV, do reconhecimento da filiação ilegítima. No tangente à filiação legítima, continua firme a presunção de paternidade, como se aduz da leitura do art.338:

Art.338. Presumem-se concebidos na constância do casamento:

I – os filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação.

            As possibilidades de contestar a paternidade permaneceram as mesmas do antigo Direito Romano, quais sejam: a prova da não coabitação ao tempo da concepção (art.340) e a prova da absoluta impotência (art.342). A prova do adultério continua não sendo suficiente para alegar contra legitimidade do filho e essa contestação continua sendo privativa do homem, como o era nos tempos romanos, nos quais se considerava que ao permitir que outros propusessem a ação estaria retirando-se do marido o direito de resguardar a sua dignidade e a honra da família, uma vez que envolve a denúncia de adultério (ANDRADA E SILVA, 1919, p.223 apud BARROS, 2005, p.58). A inovação trazida pelo código de 1916 foi a possibilidade de investigar a paternidade, dando aos filhos legitimados os mesmos direitos e deveres relativos aos filhos legítimos. Entretanto, essa investigação de paternidade só era possível quando o parentesco fosse natural e a legitimação não acontecesse por vontade do pai. Os filhos espúrios, fossem adulterinos, incestuosos ou sacrílegos, não podiam investigar sua paternidade.

            Com o Decreto-Lei nº. 4.737 de 1942 que tratava sobre a regularização da situação dos filhos naturais, os filhos adulterinos puderam ser reconhecidos após o desquite de seus pais, pois o artigo primeiro do Decreto-Lei determina que “o filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser reconhecido, ou demandar que se declare sua filiação”. De acordo com Caio Mário da Silva Pereira (1977, p. 40-41):

A cláusula circunstancial – “depois do desquite” – é modificativa de reconhecimento, e não da concepção, enquanto que a expressão “fora do matrimônio” é que se prende diretamente à geração […] pouco importa que o filho tenha sido gerado antes ou depois de dissolvida a sociedade conjugal; qualquer que seja a época de seu nascimento, poderá ser reconhecido após o desquite.

            A doutrina e jurisprudência entenderam que a partir desse Decreto-Lei, qualquer que fosse o motivo pelo qual a sociedade conjugal se dissolvesse, como por exemplo, a morte de um dos cônjuges ou a anulação do casamento, o filho adulterino poderia reclamar sua paternidade. Entretanto, não era qualquer filho adulterino. O filho adulterino a patre, ou seja, aquele que é filho de pai casado e mãe solteira, poderia reclamar sua paternidade, mas aqueles que fossem adulterinos a matre, cuja mãe é casada e o pai solteiro, ou ainda os filhos cujos dois progenitores fossem casados, não poderiam investigar sua paternidade uma vez que esta é resolvida pela presunção pater est quem nuptiae demonstrant, salvo prova de não coabitação ou tempo da concepção, ou prova de impotência absoluta, cabendo essa ação negatória de paternidade privativamente ao marido. Esse entendimento doutrinário e jurisprudencial foi efetivamente positivado em 1949, com a Lei nº. 883. Apesar disso, alguns tribunais passaram a permitir a investigação de paternidade que contrariasse a presunção em casos especiais, de acordo com Caio Mario da Silva Pereira (1991, p.140):

Sem quebrar o princípio, vem-se notando nos tribunais a tendência de considerar as situações de fato, em que, vigendo embora a sociedade conjugal, a presunção pater est se acha ostensivamente contrariada. […]

O Supremo Tribunal Federal tem tão repetidamente cogitado da espécie que já se considera jurisprudência sua apreciar a legitimidade ad causam do adulterino a matre em face das circunstâncias de fato […].

            A paternidade, então, era presumida desde os tempos romanos enquanto a maternidade sempre foi certa. Em 1953, as implicações da descoberta do DNA (ácido desoxirribonucléico) nos estudos jurídicos sobre o Direito de família modificaram a tradicional presunção de paternidade. Não que esta tenha deixado de existir, mas perdeu a força na medida em que as descobertas da biotecnologia possibilitaram descobrir, com um nível quase absoluto de certeza, o progenitor de cada indivíduo. Os exames laboratoriais de comparação do DNA, que carrega todo o código genético de todas as pessoas, tornaram-se o grande trunfo das ações de investigação de paternidade. Para Magda Guadalupe dos Santos (2001, p.245):

Acima de tudo, visava-se à identificação biológica do pai, reduzindo a Paternidade a uma simples seqüência de dados genéticos. A Filiação, por sua vez, equivalia ao mero fato do nascimento, moldando uma compreensão de família assentada apenas nos dados de consangüinidade e instituída a partir de uma unidade de caráter econômico e social.

            Surge então, o critério biológico de estabelecimento da filiação, que diferentemente do critério jurídico, considerado como “mentira jurídica pela paz social”, busca a “verdade real” da filiação. Nesse sentido, a proibição dos filhos adulterinos a matre e dos filhos bilateralmente adulterinos investigarem sua paternidade perdeu sua razão de ser quando testes laboratoriais puderam averiguar qual era o pai biológico. O teste de DNA foi um avanço nas ações de investigação de paternidade, mas quando confrontado com o princípio jurídico da presunção pater is est quem nuptia demostrant, foi motivo de conflito de opiniões. Uma vez que esta presunção era praticamente absoluta e que nem sempre os pais juridicamente estabelecidos queriam negar sua paternidade. Como ficaria a situação do filho quando, por exemplo, sua mãe admitia o adultério e o pai biológico queria reconhecê-lo após a dissolução da sociedade conjugal? Seria justo manter o pai civilmente estabelecido baseado na presunção jurídica quando o teste de DNA comprovasse a paternidade biológica de outro? Será que seria justo desconstituir a paternidade quando o filho havia vivido desde seu nascimento tendo como pai o presumido e este querendo manter o vínculo?

Esses questionamentos tiveram sua resposta com a promulgação da Constituição de 1988, do Código Civil de 2002, Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002, e do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990. Atualmente, a presunção de paternidade continua existindo positivada no atual Código Civil em seu art. 1597, in verbis:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido

 Esta presunção existe de forma absoluta, iuris et de iure, quanto às hipóteses dos incisos III, IV e V, entretanto, existe de forma relativa, iuris tantum, nos casos descritos nos incisos I, II, pois pode ser elidida pela prova da impotência marital (art. 1599). Além disso, a não propositura de ação de negatória de paternidade privativa do marido não obsta que o filho proponha a ação de investigação de paternidade, ou seja, embora caiba ao pai negar a paternidade, a investigação desta pode ser proposta mesmo quando o pai presumido não negue a filiação. Esse entendimento é corroborado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente quanto este dispõe em seu art.27 que “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.

A popularização do teste de DNA em ações investigatórias de paternidade facilitou a decisão dos juízes das varas de família de todo o Brasil que antes tinham que decidir baseando-se na verossimilhança dos fatos articulados, entretanto, a prova da verdade biológica não é suficiente para desconstituir a paternidade presumida, pois surgiu a idéia de uma nova espécie de filiação: a filiação socioafetiva. Segundo Eduardo de Oliveira Leite (2004, p.77):

O novo Código Civil realiza, aquilo que chamamos de “a passagem do modelo clássico para o modelo contemporâneo de filiação”. O que o novo Código Civil resgata, sem vacilações, é que a filiação pode decorrer de fontes plúrimas e não mais, exclusivamente biológica, como preconizava a proposta codificada de 1916. Agora, a filiação pode decorrer dos meros laços sanguíneos (parentesco natural), da mera adoção, ou eleição (parentesco civil), como da pura afeição (parentesco resultante das procriações artificiais).

A filiação socioafetiva se comprova através do estado de filho e garante os mesmos direitos e deveres da filiação natural, estando essa igualdade garantida constitucionalmente:

Art. 227

[…]

§ 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Portanto, baseados na idéia de família trazida pelos novos dispositivos legais, nas mudanças sociais e nos princípios de responsabilidade dos pais quanto aos filhos compreende-se atualmente o instituto da filiação como algo decorrente das relações afetivas entre pais e filhos. Este instituto pode ou não se confundir com a origem genética do indivíduo, o mais importante é o bem estar do indivíduo no âmbito familiar seja sua família consangüínea ou não. Citando ainda Eduardo Oliveira Leite (2004, p.77):

Relativizando as conquistas obtidas pela verdade genética (atualmente, plenamente garantidas através dos seguríssimos exames de DNA), as novas técnicas de reprodução revelam não só a fragilidades da verdade biológica, mas retomam a validade de novos princípios informadores da relação paterno-materno-filial, como é a verdade afetiva.

No tocante às técnicas de reprodução medicamente assistida, esse entendimento de paternidade e maternidade como algo decorrente das relações afetivas ganha relevância. Sabe-se que estes procedimentos podem ser realizados de forma heteróloga, ou seja, com a utilização de material genético de terceiros, portanto, num possível teste de DNA, a carga genética do indivíduo não será compatível com a do seu pai civil, pode até mesmo não ser compatível com a da própria mulher que o gerou, o que não pode ser utilizado como argumento para a desconstituição da paternidade nem de maternidade, pois estes institutos não se confundem com identidade genética.

2.2 O estado de filho na filiação socioafetiva decorrente das técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga

            Observam-se, atualmente, três modelos de filiação: o primeiro e mais antiga é o modelo tradicional, ou filiação presumida, que segue o critério jurídico, positivada no Código Civil de 2002 no art.1.597, derivada do casamento legal; o segundo é o científico, ou filiação biológica, geralmente determinada em sede de ação de investigação de paternidade e maternidade quando o genitor não quer reconhecer o vínculo de filiação espontaneamente no registro civil; O terceiro modelo representa a filiação socioafetiva, recentemente albergada nas decisões judiciais embora não esteja expressa em nenhum dispositivo legal de nosso ordenamento, que tem lugar nas relações baseadas no principio da afetividade das relações. Cada uma destas formas de se constituir o vínculo entre pais e filhos tem seu espaço próprio, mas em alguns casos elas podem coexistir quanto a uma mesma pessoa e nestes casos a jurisprudência deve decidir qual dos tipos de filiação deve prevalecer em detrimento da outra já que o mesmo indivíduo não pode ter “dois pais” nem “duas mães”.

            A Constituição de 1988 preconiza a igualdade dos filhos, independente de sua origem, portanto, independente também do tipo de filiação. Mas não se manifesta no caso delas coexistirem. Por exemplo: uma mulher solteira deseja um filho, mas não tem ovários, e por ser estéril, recorre a um banco de gametas para proceder a um tratamento de reprodução medicamente assistida com a técnica de fertilização in vitro seguida de transferência intratubária de embriões (FIVETE) e, tendo o filho, o cria. Depois, a doadora do óvulo, por um motivo de doença se torna estéril, e, descobrindo a criança concebida com seu óvulo, quer que seja decretada a sua maternidade alegando a maternidade biológica. Quem é realmente a mãe, a biológica ou a socioafetiva? De acordo com Tycho Brahe Fernandes (apud Aldrovandi, 2002, on-line):

Ante a possibilidade de um conflito de maternidade, é fundamental estabelecer juridicamente que a maternidade deverá cair sempre naquela que será a mãe socioafetiva, até porque o projeto de maternidade partiu dela ao escrever o seu direito constitucional do planejamento familiar.

Outros casos diferentes de conflito podem ocorrer. Quanto à maternidade viu-se que este conflito se resolve geralmente em favor da mãe socioafetiva, mas, e nos casos de conflito de paternidade em que o casal, por não ser unido em matrimônio, realiza o seu projeto parental com o auxílio de uma técnica de reprodução assistida heteróloga e depois o doador do sêmen quer reconhecer a criança concebida? Neste caso, não há presunção de paternidade do homem que consentiu na utilização da técnica, pois não há matrimônio. Os tribunais brasileiros, seguindo as disposições do Capítulo VII do Título VIII da Constituição Federal de 1988, que trata da família, da criança, do adolescente e do idoso, bem como as disposições da Lei nº. 8.069 de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), têm decidido pela filiação que representa maior benefício para criança de acordo com o princípio do maior interesse da criança. Vejamos os artigos 4º e 6º do ECA:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

[…]

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

            Assim, as decisões têm sido no sentido de apontar a paternidade e maternidade àqueles pais que podem garantir o melhor desenvolvimento do menor valendo-se para isso da aplicação do princípio do maior interesse da criança, como assevera Paulo Luiz Netto Lobo (2004, on-line):

O princípio impõe a predominância do interesse do filho, que norteará o julgador, o qual, ante o caso concreto, decidirá se a realização pessoal do menor estará assegurada entre os pais biológicos ou entre os não-biológicos. De toda forma, deve ser ponderada a convivência familiar, constitutiva da posse do estado de filiação, pois ela é prioridade absoluta da criança e do adolescente.

Nas palavras de Magda Guadalupe dos Santos (2001, p.248-249):

Em tempos mesmo de pós-modernidade dá-se, inclusive, a possibilidade de reprodução in vitro de um almejado filho, ampliando, de forma significativa, os parâmetros jurídico-culturais da relação entre pais e filhos […] Ungido pela dimensão do tempo, o direito assenta-se, pois, no estatuto simbólico da afeição, reconhecendo como pai aquele que uma durante uma vida soube proteger e zelar pelo filho, ensejando-lhe o acesso à sociabilidade, com ele repartindo seus projetos, construindo seu olhar sobre o mundo, dando-lhe seu nome e seu apreço. Reconhece-se àquele que registra, educa, ama e protege uma criança o direito de ser nomeado Pai de seu filho.

Então, como se aduz do texto, a verdadeira filiação nem sempre é a biológica. A verdade real da filiação surge, nos dizeres de Paulo Luiz Netto Lôbo (2004, on-line), “na dimensão cultural, social e afetiva, donde emerge o estado de filiação efetivamente constituído”. Segundo o autor “o direito deu um salto à frente do dado da natureza, construindo a filiação jurídica com outros elementos”. Esses outros elementos que compõem a filiação socioafetiva não foram determinados pelo legislador, mesmo porque o estado de filiação, considerado como a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, não é expresso na lei, mas se pode afirmar que três quesitos são pacificamente elencados pela doutrina: o nome, o trato e a fama.

O nome (nomem) se caracteriza pela utilização do nome de família do pai e da mãe pelo filho. O trato (tractatus) é a atenção dispensada pelos pais à pessoa do filho, revela-se no cuidado com a educação, alimentação, vestuário, enfim, pelo zelo com bem-estar do filho, não só através da assistência material, mas também da moral. Finalmente a fama (fama) que é exteriorização para o público do estado de filho.

Belmiro Pedro Welter, Paulo Luiz Netto Lobo, José Bernardo Ramos, Arnaldo Fonseca, entre outros autores, fazem parte da maioria doutrinária que indica que o elemento nome não é tão importante, isso por que, em tempos modernos, os indivíduos são reconhecidos pelo prenome e não pelo nome de família, que ao longo dos anos vem perdendo sua importância. Segundo Welter (2003, p.157) “a doutrina, em sua maioria, dispensa o requisito do nome, bastando a comprovação dos requisitos do tratamento e da reputação, visto que o filho é quase sempre identificado pelo prenome”. Por este motivo a falta do primeiro elemento não descaracteriza o estado de filho.

O segundo elemento, ao contrário do primeiro, é essencial para caracterização do estado. É através do tratamento deferido que se reconhece a relação afetiva existente, mas é importante observar que o tratamento na relação socioafetiva acontece de acordo com as possibilidades de cada família. Assim, não se pode descaracterizar o estado de filiação quando, por exemplo, o filho não tiver um plano de saúde sendo que o pai não tem condições financeiras de pagar um. Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo (2004, on-line):

Neste aspecto podem subsistir as assistências material e moral, ou então somente a material, ou a moral. Pois, para caracterização deste elemento deve-se levar em consideração a situação pessoal do suposto pai, quer dizer, pode ocorrer que o pai não tenha condições econômicas para prestar assistência ou então o filho dela não necessite. No caso da assistência moral, o pai pode ter dificuldades de expressar seus sentimentos ao filho, seja por temperamento,seja por conveniência.

 Quanto ao último quesito, a fama, esta relação entre pais e filho deve ser pública de maneira a convencer terceiros do vínculo da filiação. Com relação à fama, levando em consideração que a prova desta se faz através da oitiva de testemunhas, a doutrina se divide quanto à necessidade da unanimidade dos depoimentos. Segundo Eduardo dos Santos (1999) citado por Belmiro Pedro Welter (2003, p.160), “se não há unanimidade de juízos, é porque a reputação e o tratamento pela pretensa mãe (ou pai) são bem capazes de estar desviados”. Já o próprio Welter reputa esta idéia de unanimidade defendendo que deve ser analisada a boa-fé nos depoimentos.

 Então, na filiação derivada das técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga existem então duas formas de determinação de paternidade e maternidade: a forma presumida para os filhos nascidos na constância do casamento por força do inciso V do art. 1.597 do Código Civil. Na explicação de Guilherme Calmon (2003, p.18): “a vontade acoplada à existência do vínculo conjugal e ao êxito da técnica de procriação assistida heteróloga se mostra o elemento fundamental para o estabelecimento da paternidade que, desse modo, se torna certa, insuscetíveis de impugnação pelo marido”.

A segunda forma é relativa aos casais que não se uniram em matrimônio, cujos filhos, portanto, não terão a filiação enquadrada nos casos de filiação presumida, mas que procuram, de forma espontânea, um tratamento doloroso, caro e que acima de tudo apresenta riscos para a mulher, movidos pelo desejo de ter um filho que não veio de forma natural, são considerados pais socioafetivos com todos os direitos e deveres derivados do instituto, sem qualquer possibilidade da paternidade ou maternidade serem confundidas com a origem genética do indivíduo, pois aqueles que doaram os gametas para concepção do embrião não são obrigatoriamente pais, afinal, pais são aqueles que desejam e lutam pelo filho, torcendo pelo seu nascimento, cuidando do seu bem-estar e propiciando-lhe uma família.

2.3  O interesse do filho socioafetivo em conhecer sua ascendência genética.

            A filiação decorrente das técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga pode decorrer de uma presunção legal de acordo com o art. 1597, V do Código Civil de 2002, quando os requerentes do procedimento forem casados e estiverem de comum acordo quanto ao método, mas pode derivar também da relação afetiva entre a criança concebida pela técnica e a mulher solteira que lhe gerou, ou ainda entre a criança e o homem que socialmente o expõe como filho de acordo com os elementos que caracterizam o estado de filho, explanados no tópico anterior.

            Não se pode, porém, ao determinar a paternidade e maternidade da criança concebida através de uma técnica de reprodução heteróloga em favor dos pais socioafetivos, olvidar que além dos pais, a criança também tem interesses e que, entre estes interesses, pode estar o de conhecer sua ascendência genética. Em alguns casos, este desejo pode ter como causa a falta de um pai ou de uma mãe juridicamente estabelecido quando a técnica foi utilizada só por um indivíduo; pode também ser movido pela vontade de ver desconstituída a paternidade anteriormente estabelecida, seja por ambição material, seja por desentendimentos com os que lhe criaram; pode surgir da necessidade de se analisar o material genético de seu ascendente para preservar a saúde do filho socioafetivo; como pode também ter como partida a mera curiosidade sobre aquele ou aqueles que permitiram a concretização do projeto parental daqueles que reconhece como pais.

            Na primeira hipótese, em que o desejo de conhecer o doador é originado pela falta de um pai ou mãe juridicamente estabelecido, deve-se considerar a decisão da Constituição Federal de 1988 em reconhecer como entidade familiar a “comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (art. 226, § 4º, CF/88). Reconhecendo a família monoparental, seria absurdo excluir as pessoas solteiras da possibilidade de serem beneficiárias das técnicas de reprodução medicamente assistida, por isso que a Lei 9.263/96, que regulamenta o direito constitucional ao planejamento familiar, em seu art.3º dispõe:

Art. 3º. O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde.

Parágrafo único. As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que inclua, como atividades básicas, entre outras:

I – a assistência à concepção e contracepção;

[…] (grifou-se)

            Dada a possibilidade de solteiros se beneficiarem dos métodos, não são poucas as pessoas que possuem em seu registro de nascimento apenas o nome do pai ou da mãe. É natural que estas pessoas venham requerer judicialmente o conhecimento do pai ou da mãe que lhes falta, pois é sabido da importância das figuras paterna e materna no desenvolvimento pleno do indivíduo, uma vez que estes são referências de comportamento para os filhos, base indispensável da formação como ser humano. Entretanto, o reconhecimento do direito ao conhecimento da ascendência genética nestes casos não é pacífico, enquanto alguns doutrinadores reconhecem o direito do filho, outros não reconhecem. Para Silmara de Abreu Juny Chinelato (1996 apud MOREIRA FILHO, 2002, on-line):

Ter direito ao reconhecimento da origem genética não significa subjugação, discriminação ou preponderância da filiação biológica em face da filiação socioafetiva, pois tal entendimento só seria relevante quando tratamos da discussão travada em um conflito positivo de paternidade, mas, ao tratar de uma criança que não terá pai algum e desejando conhecer seus verdadeiros pais, nada mais lógico que se reconheça esse direito.

            Para a doutrinadora, no caso da ausência do pai, o filho tem direito ao conhecimento da origem genética. Importante se faz neste momento diferenciar o mero conhecimento de sua origem genética do reconhecimento de paternidade ou maternidade, pois conhecer o doador que possibilitou a aplicação da técnica de R.M.A. não implica necessariamente em impor vínculos familiares, o que é efeito próprio do reconhecimento de paternidade ou maternidade. Este é o entendimento também do jurista Paolo Vercellone que aceita o direito ao conhecimento dos filhos inseridos em famílias monoparentais, mas reconhece que este conhecimento não gera responsabilidades alimentares, por exemplo, ou quaisquer outras tipicamente paternas ou maternas. De acordo com a citação de Lílian Lúcia Graciano (2003, on-line):

Na obra do jurista italiano Paolo VERCELLONE, sobre direito familiar, nega a possibilidade do doador de esperma tornar-se pai do nascido, mas permite ao filho, ao atingir a maturidade, conhecer a pessoa de cujo corpo proveio o sêmen que participou de sua própria criação, e, portanto é responsável pelo seu nascimento e por seus caracteres genéticos. 

Mas existem, como dito, autores contrários ao posicionamento de Silmara de Abreu Juny Chinelato. Afirma esta parte da doutrina que o argumento em que se baseiam os defensores do direito ao conhecimento, que se funda nos direitos de personalidade, alegando a necessidade do ser gerado de forma heteróloga de conhecer sua origem como meio para formar sua própria identidade, não é forte o bastante, pois inúmeras crianças crescem em famílias monoparentais e formam sua identidade, de forma que o conhecimento da própria origem não é imprescindível elemento construtor da personalidade humana. Neste sentido, assevera Albertino Daniel de Melo citado por Belmiro Pedro Welter (2003, p.229): o filho não perde a sua identidade por não conhecer os pais genéticos, por que, “com a afirmação dos direitos da personalidade, é certo que a identidade se altera com o esforço pessoal-próprio, ganhando nova imagem, foros de honra, de intimidade, tudo isso com que a sociedade se engrandece”.

Passando à segunda possibilidade citada, o filho sociológico também pode desejar a desconstituição da paternidade ou maternidade anteriormente existente, no caso a socioafetiva, por interesses financeiros ou desentendimentos com as pessoas que o criaram. É comum, embora moralmente reprovável, que visando ganhos financeiros, sabendo o filho socioafetivo, seja através de que forma for, que o doador (a) é pessoa de posses, intente ação investigatória de paternidade para constituir um novo vínculo parental e desconstituir o anterior. Cumpre verificar nos casos concretos se há realmente paternidade ou maternidade estabelecida, isto por que João Baptista Villela (1999 apud SANTOS, 2001, p.251) deixa claro o escopo da ação investigatória de paternidade ao afirmar que “o direito ao reconhecimento tem-no, entretanto, todo aquele, e somente aquele, a quem falte o pai juridicamente estabelecido”, então, tendo em vista a função da ação, não poderia ser aceita a propositura de uma ação deste tipo quando já se estabeleceu a paternidade da pessoa, seja presumidamente, seja socioafetivamente.

Quanto aos desentendimentos que filhos socioafetivos possam vir a ter com seus pais, estes não podem ser aceitos como motivo para desconstituição da filiação socioafetiva, pois é natural que discussões e problemas surjam na convivência familiar, já que ninguém é tão parecido com outro que não tenha idéias diferentes que possam gerar conflitos. Mesmo que estes conflitos sejam tão absurdos ao ponto de descaracterizar o estado de filho, eles não irão se resolver através da atribuição da paternidade ou da maternidade ao doador (a).

A terceira hipótese, relativa à possibilidade da análise da ascendência genética se fazer útil à manutenção da vida do ser gerado, tem-se em conta a atual evolução da medicina que permite que doenças possam ser evitadas, reconhecidas e tratadas com eficiência quando se tem conhecimento da carga genética do indivíduo. De acordo com Guilherme de Oliveira (1998 apud WELTER, 2003, p.183): “o progresso dos meios de diagnóstico e dos meios terapêuticos das doenças genéticas tornou fundamental, em certos casos, conhecer os antecedentes biológicos de um indivíduo”. Nesse aspecto, uma das justificativas do projeto de lei do deputado José Carlos Araújo (2004, on-line) que prevê o direito ao conhecimento da origem genética, foi que “este direito, também, pode ser conveniente se o filho vier a sofrer alguma enfermidade vinculada a herança genética, ou então, queira prevenir tais doenças”.

A prevenção dessas doenças hereditárias pode ser evitada também impedindo a união matrimonial entre doador e a criança, ou ainda entre a criança e os parentes próximos do doador, uma vez que a freqüência de manifestação de doenças recessivas é maior quanto mais parecida for a carga genética dos indivíduos. E mesmo que fosse desconsiderada a possibilidade de doenças devido à semelhança das cargas genéticas, não se pode mensurar as implicações psicológicas que surgiriam da posterior descoberta pelo filho socioafetivo do casal que se casou com a filha do doador que lhe possibilitou o nascimento ao perceber que em outras circunstâncias esta seria considerada “meia-irmã” como se costuma denominar os irmãos em relação a um dos pais somente. Assim, o conhecimento à origem genética é defendido, também, como forma de manutenção dos impedimentos matrimoniais previstos no atual Código Civil.

Finalmente, quanto à última hipótese, em que existe a curiosidade acerca do doador ou doadores, pode-se afirmar que a doutrina vem reconhecendo este direito pelo mesmo motivo que reconhece o direito do filho inserido em família monoparental, ou seja, baseia-se na imperiosa necessidade psicológica de conhecer a ascendência como forma de compor a própria personalidade. Esse conhecimento, é preciso lembrar, não é aceito pacificamente na doutrina como já esclarecido.

Independente do motivo pelo qual surja o interesse da criança em conhecer sua ascendência genética existirá um empecilho à concretização de seu desejo: o anonimato do doador determinado na única regulamentação a respeito da aplicação das técnicas de reprodução medicamente assistida, que é a Resolução nº. 1.358 do Conselho Federal de Medicina, CFM, de 1992. No tocante à doação de gametas ou pré-embriões a resolução determina: “os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa” bem como “obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente pra médicos, resguardando-se a identidade civil do doador”.

Resta então, pelo menos em face da resolução do CFM, frustrado o intento dos filhos socioafetivos de conhecer os doadores, que alguns autores denominam “pai biológico”, embora seja uma expressão completamente equivocada dada a nova dimensão dos conceitos de filiação, maternidade e paternidade no atual direito de família. Tem-se então um conflito que vai além da determinação da filiação na reprodução assistida heteróloga: enquanto a resolução confere o direito ao anonimato do doador, fundado no direito fundamental à intimidade, a doutrina entende que o direito do ser gerado de conhecer sua ascendência genética faz parte da gama de direitos fundamentais de personalidade. O conflito envolve os dois direitos fundamentais cuja solução se percebe pela análise do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, tema que será abordado no próximo capítulo.

3.  OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA HETERÓLOGA

Os direitos fundamentais são direitos que visam à manutenção da vida humana de forma livre e digna. A origem desses direitos é largamente discutida pela doutrina, pois podem ser vislumbrados em diversas perspectivas. De acordo com Judicael Sudário Pinho (2002, p.78):

Os direitos fundamentais podem ser vistos em, pelo menos, três dimensões: perspectiva filosófica ou jusnaturalista (direito de todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares), perspectiva universalista ou internacionalista (direitos de todos os homens ou categorias de homens, em todos os lugares e em certo tempo) e perspectiva estatal ou constitucional (direitos dos homens – cidadãos – num determinado tempo e lugar, é dizer, num Estado concreto).

É pacífico, entretanto, que modernamente, os direitos fundamentais protegidos pelas diversas constituições no mundo têm como base a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Paris, 1948) cuja realização se deu pelos esforços da Organização das Nações Unidas, ONU. De acordo com Fábio Konder Comparato (apud BESSA, 2006, p.16) “os direitos fundamentais são direitos humanos reconhecidos como tais pelas autoridades às quais se atribui o poder de editar normas”.

Estes direitos, enquanto “guardiões” da dignidade da pessoa humana não se mantiveram estáticos no tempo, por isso mesmo, são classificados em quatro gerações de acordo com a abrangência de sua proteção. Segundo Celso de Mello, citado por Alexandre de Moraes (2002, p. 59):

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais, concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.

A quarta geração dos direitos fundamentais, não citada por Celso de Mello, é esclarecida por Regina Fiúza e Severo Hryniewicz (2000, p.74), que se baseiam nos ensinamentos de Norberto Bobbio. Segundo os autores: “neste fim de século estão surgindo os chamados direitos de quarta geração. Entre esses estão principalmente os que têm por finalidade normatizar os efeitos da revolução biotecnológica sobre a sociedade em geral”.

O ordenamento jurídico brasileiro acolhe diversos direitos humanos constitucionalmente garantidos como direitos fundamentais como forma de proteção ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art.1º, III, da Constituição Federal de 1988, inclusive direitos de quarta geração, que protegem as pessoas envolvidas em procedimentos biotecnológicos como o de aplicação de técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga. O direito à intimidade e o direito ao conhecimento da ascendência genética que serão analisados a seguir estão no rol destes direitos de quarta geração protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.

3.1  Direito à intimidade e direito ao conhecimento da ascendência genética

            O direito à intimidade e o direito ao conhecimento da ascendência genética são direitos fundamentais de personalidade garantidos pelo nosso ordenamento jurídico. São fundamentais porque são direitos humanos que o legislador recepcionou no ordenamento, e são de personalidade porque são direitos subjetivos atribuídos ao homem despido do seu tipo social (OLIVEIRA, 2004, p.115). A saber, direitos fundamentais e de personalidade não são sinônimos, pois estes últimos têm uma amplitude mais restrita que os primeiros, assim, todo direito de personalidade é fundamental, mas nem todos os direitos fundamentais são de personalidade.

            O direito à intimidade, que protege o anonimato do doador na reprodução assistida heteróloga determinado na Resolução nº. 1.358 do CFM, é previsto na Constituição Federal em seu art. 5º, X, que dispõe ser inviolável “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Edson Ferreira da Silva (apud STOCO, 2004, p.1641) dá ao direito à intimidade o seguinte conceito: “consiste no poder jurídico de subtrair do conhecimento alheio e de impedir qualquer forma de divulgação de aspectos da nossa existência que de acordo com os valores sociais vigentes interessa manter sob reserva”.

O estudioso Adriano De Cupis (apud DOTTI, 1980, p.24) divide o direito à intimidade quanto ao conteúdo em cinco grupos, quais sejam: direito à vida e à integridade física; direito à liberdade; direito à honra e à reserva; direito à identidade pessoal e direito moral. Dentre as matérias relativas ao direito de honra e reserva, existe o direito ao segredo, sobre o qual José Roberto Neves Amorim (2006, on-line) escreve:

Dentro de um aspecto geral da intimidade, as confidências íntimas de cada pessoa devem permanecer no recôndito de sua consciência até que ela resolva ou autorize a divulgação, correspondendo ao segredo ou sigilo. […] No âmbito privado, referente ao lar, à família, à correspondência, o sigilo guarda razões personalíssimas, caracterizando ato de intromissão a divulgação ou o uso indevido de confidências. Todos têm direito a reserva sobre o conhecimento de fatos pessoais íntimos.

            Compreende-se assim, que o doador ou doadora de gametas tem direito a manter este ato em segredo, ou seja, na intimidade, de forma que as outras pessoas dele não tenham conhecimento.

            Se por um lado é defendido o direito ao anonimato do doador na aplicação de técnica de R.M.A. heteróloga, por outro lado também é deferida proteção ao direito da criança de conhecer sua ascendência genética. Alguns autores defendem este direito fazendo referência ao princípio da dignidade da pessoa humana, como podemos citar Belmiro Pedro Welter (2003, p.229), que afirma: “[…] em qualquer caso, o filho, o pai e a mãe têm o direito de investigar e/ou de negar a paternidade ou a maternidade biológica, como parte integrante de seus direitos de cidadania e de dignidade de pessoa humana”. No entanto, o direito ao anonimato do doador também é protegido pelo princípio, uma vez que o direito à intimidade é um desdobramento dos direitos fundamentais que existe justamente para garantir a dignidade da pessoa humana.

Pode-se entender também o direito ao conhecimento da origem genética como decorrente do disposto no art. 227, § 6º da Constituição Federal de 1988, que indica que todos os filhos terão os mesmos direitos e qualificações, assim sendo, deve-se dar à criança gerada por reprodução assistida heteróloga o direito de saber sua origem da mesma forma que outro indivíduo nascido de relações sexuais tem conhecimento. Segundo entendimento de Tycho Brahe Fernandes (apud MORREIRA FILHO, 2002, on-line): "ao se negar a possibilidade do aforamento de ação investigatória por criança concebida por meio de uma das técnicas de reprodução assistida, em inaceitável discriminação se estará negando a ela o direito que é reconhecido a outra criança, nascida de relações sexuais".

Outro entendimento que defende o direito ao conhecimento da origem genética é fundado no direito de personalidade, tanto em relação ao direito à vida, quanto no que diz respeito ao direito à identidade. Quanto ao direito à vida e a integridade física, deve-se considerar a possibilidade, frente ao desenvolvimento da medicina nos últimos anos, de se evitar, reconhecer e curar doenças genéticas pela análise da ascendência biológica. Nesse sentido leciona Paulo Luiz Netto Lôbo (2004, on-line):

O objeto da tutela do direito ao conhecimento da origem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo saber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida.

            Quanto ao direito à identidade, afirma Marcílio José da Cunha Neto (2006, on-line): “Quanto ao filho, como direito inerente à sua personalidade, lhe é reservada a possibilidade de conhecer a identidade do doador. Isso se dá, em primeiro lugar, porque o direito à identidade é um direito personalíssimo e, portanto, insuscetível de obstaculização”.

            Enfim, não restam dúvidas que ambos os interesses, do doador e da criança, encontram guarida no texto constitucional, portanto temos uma colisão de direitos fundamentais.

3.2   A colisão de direitos fundamentais

             O Direito assenta-se em normas, normas estas divididas em princípios e regras. Os princípios são espécies do gênero norma, considerados “vigas mestras do ordenamento jurídico”, pois, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (1990 apud PINHO, 2002, p.68):

[…] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

            Consoante o ensinamento do doutrinador, os princípios é que dão uniformidade ao ordenamento jurídico e que mostram às demais espécies normativas o “caminho” a ser trilhado, daí a importância do estudo dos princípios. Ensina Paulo Bonavides que, "sem aprofundar a investigação acerca da função dos princípios nos ordenamentos jurídicos não é possível compreender a natureza, a essência e os rumos do constitucionalismo contemporâneo" (apud TOVAR, 2005, on-line).

Os princípios são normas mais genéricas que as regras, não dizem respeito a um fato específico, mas devem ser entendidos “como indicadores de opção pelo favorecimento de determinado valor, a ser levada em conta na apreciação jurídica de uma infinidade de fatos e situações possíveis […]” (PINHO, 2002, p.69). Este grau de abstração maior nos princípios que nas regras é extremamente importante na solução de conflitos: na coexistência de regras contrárias, verificamos uma antinomia sanável pela aplicação de critérios de especialidade, hierarquia, antiguidade, etc, em que uma excluirá a outra, enquanto que na existência de dois princípios opostos, não se pode utilizar estes critérios, uma vez que são gerais, não obedecem a uma hierarquia, bem como surgem ao mesmo tempo, por atuação do constituinte originário. Conforme o ensinamento de Canotilho (1993, p.168):

Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objetos de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas “exigências” ou “standards” que em primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade de regras contraditórias.

            Quando se trata de direitos fundamentais, embora estes não sejam princípios, deve-se aplicar a mesma forma de solução de conflito destes, uma vez que os direitos fundamentais, enquanto direitos destinados a manter a vida humana dentro dos valores de liberdade e dignidade, servem de alicerce ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, não podendo, assim, ser objeto de exclusão em caso de conflito. Importante observar que os direitos fundamentais são normas genéricas assim como os princípios, não sendo sua colisão caso de contrariedade, ou seja, um direito não é contrário ao outro, apenas opostos no caso concreto. Edílson Pereira de Farias (1996, p.41) explica:

Os princípios são utilizados para a tarefa importante de solucionar o conflito ou colisão de normas tão freqüentes nos ordenamentos jurídicos, devido à expansão dos direitos fundamentais e a outros valores constitucionais relevantes, ambos possuidores do caráter de princípios.

            Nos casos de colisão de direitos fundamentais existem três princípios que podem ser utilizados como parâmetros para que se verifique qual deve prevalecer: o princípio da unicidade da constituição e da concordância prática, o princípio da proporcionalidade e o princípio da dignidade da pessoa humana (BESSA, 2006, on-line). Através da aplicação do princípio da unicidade da constituição é possível perceber qual dos direitos deve ser mantido, sendo que o escolhido para o caso deve ser o ideal para harmonizar o texto constitucional. Conforme ensinamento de Edílson Pereira de Farias (1996, p. 98): “De acordo com o princípio da concordância prática, os direitos fundamentais e valores constitucionais deverão ser harmonizados […] por meio de juízo de ponderação que vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionalmente protegidos”.

            O princípio da proporcionalidade se aplica definindo qual dos princípios deve ser utilizado de acordo com os fins que se busca alcançar, ou seja, afasta-se um direito já que outro protege um bem superior e mais adequado para a situação. Segundo Carlos Affonso e Patrícia Regina (2006, on-line):

subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a um sistema de valoração, na medida em que ao se garantir um direito muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por determinada norma  apresenta conteúdo valorativamente superior ao restringido.

            Por último, quando não for possível alcançar a solução através da interpretação harmônica da constituição e pela valoração de direitos fundamentais, recorre-se ao princípio da dignidade da pessoa humana para definição do direito fundamental que deve se sobrepor. Como todos os direitos fundamentais objetivam a proteção da dignidade humana, mais justo é permanecer aquele que em maior grau defenda esta dignidade.

3.3   O princípio da dignidade da pessoa humana como forma de solução de conflitos

            A pessoa é a principal razão de ser do ordenamento jurídico, ela é, nos dizeres de Regina Fiúza e Severo Hryniewicz (2002, p. 61), “o valor absoluto”, isso porque é dotada de racionalidade, espiritualidade e superioridade física em relação aos demais seres. Por ser o valor da pessoa humana o motivo da existência de um ordenamento é que se deduz que as normas existam em benefício da pessoa, ou seja, a serviço de sua dignidade. É o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana a tradução jurídica do valor da pessoa humana.

            A importância do princípio da dignidade da pessoa humana na solução de conflitos de direitos fundamentais se apresenta na medida em que é ele que dá sentido ao leque de direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Edílson Pereira de Farias (1996, p.54) enuncia:

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. Aquele princípio é o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Dessarte, o extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados pelo título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

 

Assim, a colisão de direitos fundamentais que ocorre quando o âmbito da proteção de um invade o âmbito de proteção do outro, tem solução quando da análise do caso concreto se vislumbra qual deve ser o direito a se manter por ser o que mais protege a dignidade da pessoa. Como exposto, estes direitos são normas não passíveis de exclusão, não só pela equiparação aos princípios, mas também por serem cláusulas pétreas, entretanto, podem ser objetos de ponderação em caso de conflito, por isto, a afirmação de Ingo Wolfgang Sarlet (1998, p.364) de que: “intangível não é o direito fundamental em si, mas, sim, o seu conteúdo em dignidade da pessoa humana”, e ainda escreve:

[…] no plano da eficácia dos direitos fundamentais assume lugar de destaque o princípio da proporcionalidade e da harmonização dos valores em jogo, sugerindo-se que o limite seja, também aqui, reconduzido ao principio fundamental do respeito e da proteção da dignidade da pessoa humana, fio condutor de toda a ordem constitucional, sem o qual ela própria acabaria por renunciar à sua humanidade, perdendo até mesmo a sua razão de ser (p.374).

            Na colisão que toma forma pela aplicação das técnicas de reprodução assistida heteróloga, para definir se o interesse que deve prevalecer é o do ser gerado ou do doador, é preciso verificar em cada situação de conflito, o quanto em dignidade da pessoa humana o direito fundamental em questão protege. Foram apresentados os seguintes motivos pelos quais a criança desejaria conhecer o seu ascendente genético: a falta de um pai ou de uma mãe juridicamente estabelecido quando a técnica foi utilizada só por um indivíduo; a vontade de ver desconstituída a paternidade anteriormente estabelecida, seja por ambição material, seja por desentendimentos com os que lhe criaram; da necessidade de se analisar o material genético de seu ascendente para preservar a saúde do filho socioafetivo; a preocupação em evitar vínculos parentais em desconformidade com a moral e os costumes ou, finalmente, a mera curiosidade sobre aquele ou aqueles que permitiram a concretização do projeto parental daqueles que reconhece como pais.

            Nas hipóteses em que o desejo tem como fato gerador a falta de um pai ou mãe juridicamente estabelecido ou a curiosidade sobre seu doador, o interesse do filho em conhecer sua ascendência genética só deve prevalecer sobre o direito à intimidade do doador quando e se for comprovado que esse conhecimento seja uma necessidade psicológica do ser gerado. José Roberto Moreira Filho (2002, on-line) esclarece:

Ao legar ao filho o seu direito de conhecer a sua verdadeira identidade genética, estamos reconhecendo-lhe o exercício pleno de seu direito de personalidade e a possibilidade de buscar nos pais biológicos as explicações para as mais variadas dúvidas e questionamentos que surgem em sua vida, como, por exemplo, as explicações acerca da característica fenotípica, da índole e do comportamento social[…].

H. Scholler (apud SARLET, 1998, p.294), manifesta-se a respeito ao afirmar que “a dignidade da pessoa humana apenas estará assegurada quando for possível uma existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade”, assim, o direito da criança de conhecer suas origens é superior ao direito à intimidade por que, enquanto que a diminuição da proteção à intimidade no caso concreto pode gerar apenas poucos embaraços, o desconhecimento da ascendência genética pode interferir na vida do indivíduo causando-lhe seqüelas morais para o resto de sua existência.

Na hipótese de necessidade de se conhecer o ascendente para a preservação de sua vida é incontestável a superioridade em termos de importância do direito ao conhecimento da origem genética em detrimento do direito à intimidade. O resguardo de uma pessoa não pode ter um valor maior que a vida de outra, pois a vida é o maior bem da pessoa e que merece a mais ampla forma de proteção pelo ordenamento. Neste aspecto, a legislação pátria deve seguir o exemplo da lei sueca, que, segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama (apud ALMEIDA JÚNIOR, 2005, p. 95):

Apesar do anonimato dos doadores ser a regra em praticamente em todos os países que possuem legislação a respeito, atendendo aos interesses da criança ou do adolescente, a lei sueca exatamente não prevê o sigilo, o anonimato, tendo em vista a necessidade de prevenir doenças genéticas, além de permitir que a pessoa possa, com a maioridade, conhecer o genitor biológico.

Quanto à questão do conhecimento da origem para se evitar a formação de vínculos parentais em desacordo com as normas do Código Civil, Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior manifesta-se (2005, p.96):

[…] os filhos devem ter acesso aos dados biológicos do doador para descoberta de possível impedimento matrimonial, pois em se mantendo esse sigilo de forma absoluta, isso poderia redundar, futuramente, em relações incestuosas.

Sendo totalmente anônima a paternidade biológica, mantida sob a égide de um sigilo absoluto, nada impede que irmãos (filhos nascidos de material pertencente ao mesmo doador) ou mesmo o próprio doador e uma filha contraiam casamento por absoluta ignorância com relação as suas verdadeiras origens.

            Nesta hipótese, o direito à intimidade deve ser colocado em segundo plano mesmo porque podem existir situações em que o próprio doador terá interesse em saber se a pessoa com quem quer contrair vínculo foi ou não gerada a partir de seu material genético. O anonimato absoluto iria de encontro à dignidade da pessoa de forma absurda, se, após contrair núpcias, o casal descobrisse que existia algum impedimento de ordem moral para o casamento.

            Nas hipóteses até aqui mencionadas, a dignidade da pessoa humana é garantida pela manutenção do direito fundamental ao conhecimento e não do direito à intimidade. René Ariel Dotti (1980, p.73) explana sobre a prevalência de outros interesses frente ao direito à intimidade:

O direito à intimidade da vida privada tem um conteúdo extraordinariamente amplo e variável, em função do titular a que respeite, por outro lado, mesmo no plano da tutela do núcleo essencial da intimidade que se considera comum a toda pessoa humana, há que atender a que o direito à intimidade que se pretende tutelar, como qualquer outro, não é ilimitado, antes deve ser cercado pelas limitações inerentes à sua eventual subordinação a outros interesses superiores ou de igual valor.

            Entretanto, nas outras duas hipóteses, quais sejam: a de querer conhecer a identidade genética para desconstituir vínculo parental estabelecido por motivos financeiros ou descontentamento com a instituição familiar, é praticamente unânime a opinião dos doutrinadores em manter o anonimato do doador, pois nestes casos o conhecimento da origem genética não estaria defendendo a dignidade da pessoa humana, mas sim interesses financeiros pessoais do ser gerado ou mesmo estaria ferindo a dignidade dos pais estabelecidos se, após anos cuidando do filho, tivessem desconstituídas a maternidade e paternidade, num ato de ingratidão imensurável. Neste sentido Andréa Aldrovandi (on-line) cita motivos pelos quais o doutrinador Eduardo Oliveira Leite se manifesta a favor do anonimato do doador:

Pode haver maior respeito à dignidade humana no não conhecimento da origem genética de alguém, do que neste conhecimento.

Defender o direito à ação de investigação de paternidade contra o doador do sêmen seria defender que todas as crianças adotadas tenham direito a buscar sua origem genética.

[…]

O anonimato evita que, tanto o doador como a criança, procurem estabelecer relações com vistas a obtenção de meras vantagens pecuniárias.

            José Roberto Moreira Filho (2002, on-line), sobre o assunto, afirma:

O direito ao reconhecimento da origem genética não importa, igualmente, em desconstituição da filiação jurídica ou socioafetiva e apenas assegura a certeza da origem genética, a qual poderá ter preponderância ímpar para a pessoa que a busca e não poderá nunca ser renunciada por quem não seja o seu titular.

            Percebe-se, portanto, que o conhecimento da ascendência genética pode ser preponderante sobre o direito à intimidade do doador, pois é o direito que protege de forma mais ampla a dignidade da pessoa humana em alguns casos na utilização da reprodução assistida heteróloga, permitindo o desenvolvimento da personalidade da criança e a manutenção de sua vida. Esse direito, entretanto, está restrito há três situações, conforme a explanação de Belmiro Pedro Welter (2003, p. 232):

Em ambos os casos (doação de sêmen e/ou óvulo), a paternidade ou a maternidade também pode ser investigada, pois tanto o filho quanto o pai biológico têm o sagrado, natural e constitucional direito de saber a sua origem, a sua ancestralidade, que faz parte da personalidade e dos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Porém, essa investigação, se já existente a paternidade e/ou maternidade socioafetiva, estará restrita aos três efeitos jurídicos, quais sejam: 1. por necessidade psicológica ao conhecimento da origem genética; 2. para segregar os impedimentos do casamento; 3. para preservar a saúde e a vida dos pais e do filho biológico nas graves doenças genéticas.

            Deve-se lembrar que o direito ao conhecimento da ascendência genética é um direito e não um dever, assim, a criança não sentindo nunca a necessidade de conhecer suas origens não pode ser obrigado a conhecê-las, podendo permanecer, se assim desejar, na ignorância a respeito de sua ascendência. De acordo com Reinaldo Pereira (2003, p.87):

[…] é importante ter claro que o conhecimento da ascendência biológica é um verdadeiro direito, não é um dever. Em outras palavras, ninguém pode ser obrigado a conhecer sua ascendência biológica, mas todos os filhos têm o direito de conhecê-la caso o queiram, pouco importando a natureza de seus vínculos familiares (adoção tradicional, recurso às técnicas de reprodução medicamente assistida etc.)

Trata-se, no caso, do respeito à dignidade da pessoa humana na proteção da intimidade da pessoa física na espécie de direito à reserva, que, segundo René Ariel Dotti (1980, p.76) é reconhecido por Paulo Cunha como o “direito que cada um tem de se opor à investigação ou divulgação de quaisquer fatos a ela referentes, subtraindo-os ao conhecimento dos outros em particular e da curiosidade pública em geral”.

Infelizmente, o direito ao conhecimento da origem genética e o direito à intimidade determinados constitucionalmente não são efetivamente protegidos nos casos de reprodução assistida heteróloga. O tema, pela sua relevância, necessita de uma lei especial que regularize a situação de doadores e de receptores, bem como dos indivíduos havidos por meio destas técnicas. Alguns deputados, mobilizando-se pela melhoria de nosso ordenamento, lacunoso quanto às questões neste trabalho levantadas, apresentaram para votação projetos de lei dispondo sobre a reprodução assistida heteróloga que serão estudados no próximo capítulo.

4.   O CONHECIMENTO DA ASCENDÊNCIA GENÉTICA

            O presente trabalho buscou até agora apresentar os inúmeros posicionamentos doutrinários acerca da utilização das técnicas de reprodução assistida relativos às questões levantadas sobre a filiação e a possível identificação do doador de gametas. Muitos dos posicionamentos aqui mencionados contribuíram para a elaboração de projetos de lei apresentados por deputados e senadores com o objetivo de preencher as lacunas existentes no Código Civil em vigor a respeito da reprodução heteróloga.

            Importante se faz lembrar que muitas das questões jurídicas originadas pela aplicação das novas técnicas de reprodução não foram abordadas no Código Civil de 2002, Lei n°. 10.406/02, porque, à época da apresentação do Projeto de Lei que culminou com a promulgação do código, os legisladores não previram o avanço científico tão acelerado no campo da reprodução humana. O projeto, datado de 1975, tornou-se lacunoso não só por causa do desenvolvimento da medicina, como também pelo advento da Constituição Federal de 1988. De acordo com Guilherme Calmon (2003, p. 13):

O texto do projeto do Código Civil […] desde a apresentação na Câmara até a sua apresentação no Senado, decorreu período de tempo superior a vinte anos. Durante tal lapso temporal sobrevieram várias modificações de relevo no âmbito da regulamentação legislativa de vários institutos de direito civil, mas especialmente é imperioso destacar a promulgação da Constituição Federal em 05.10.1988 que, como se sabe, propiciou uma autêntica revolução no direito de família e em vários outros segmentos do direito civil. O texto da Constituição de 1988 gerou a inocuidade de inúmeras regras constantes do projeto do novo Código, inclusive por vício de inconstitucionalidade material. (grifo original)

            Além dos problemas relativos à demora na tramitação do projeto do Código Civil, também a omissão em legislar sobre aspectos da reprodução humana se deve a impedimentos de ordem formal. Segundo o relatório geral do Deputado Ricardo Fiúza (2000, apud GAMA, 2003, p.15):

Diz-se, por exemplo, que o projeto não versa sobre os direitos do nascituro fertilizado in vitro. O Prof. Miguel Reale, quando compareceu à primeira das muitas audiências públicas realizadas pela nossa Comissão Especial, respondeu a algumas dessas questões, afirmando que “novidades, como o filho de proveta, só podem ser objeto de leis especiais. Mesmo porque transcendem o campo do direito civil”.

            Em vista do limite formal à inclusão de normas para regulamentação da utilização de reprodução humana medicamente assistida, urgente é a publicação de uma lei que regule estes procedimentos, que já são uma realidade, com o fito de garantir a proteção dos interesses dos envolvidos, bem como os direitos fundamentais garantidos na Carta Magna de 1988. Adiante, far-se-á um estudo sobre os principais projetos apresentados na Câmara com principal foco no objeto de estudo deste trabalho, qual seja: a possibilidade da pessoa conhecer a identidade civil dos doadores de gametas que lhe possibilitou o nascimento e a constituição da paternidade e maternidade do ser gerado através da reprodução assistida heteróloga.

4.1   Projetos de lei sobre reprodução assistida

            Foram apresentados na Câmara vários projetos com o objetivo de regulamentar a reprodução humana medicamente assistida, entre eles: o Projeto de Lei n°.3638/97, de autoria do Deputado Luiz Moreira; o Projeto de Lei n°.90/99, escrito pelo Senador Lúcio Alcântara; o Projeto de Lei n°.1184/03, apresentado pelo Senador José Sarney; o Projeto de Lei n°.120/03 do Deputado Roberto Pessoa e também o Projeto de Lei n°.4686/04, do Deputado José Carlos Araújo.

            O projeto mais antigo, do Deputado Luiz Moreira, é uma cópia da Resolução do CFM n°. 1.358 de 1992. Este projeto defende o anonimato absoluto do doador, prevendo apenas a possibilidade de em casos de problemas de saúde da criança, as informações sejam fornecidas somente para médicos. Como defendido no capítulo três, o sigilo absoluto da identidade do doador fere o princípio da dignidade da pessoa humana nos casos em que fazendo a análise do caso concreto verifica-se a superioridade do interesse na quebra do sigilo em detrimento de sua manutenção.

            O projeto defendido pelo Senador Lúcio Alcântara traz várias inovações, sendo o projeto mais avançado no processo legislativo e estando em tramitação no Senado Federal. Por ter sido objeto de várias deliberações a redação original já foi alterada por duas vezes resultando em dois substitutivos, o primeiro de 1999 do Senador Roberto Requião e o segundo de 2001 do Senador Tião Viana.

            A redação original do projeto 90/99 previa em seu art. 1º, I como possíveis beneficiários das técnicas de reprodução assistida as mulheres ou casais que solicitassem do emprego da reprodução assistida. Sobre o artigo, vale ressaltar a discussão sobre a abrangência do acesso às técnicas: seria este restrito à concretização do projeto parental de um casal, ou poderia ser a reprodução realizada em favor de solteiros? A dúvida existe diante o reconhecimento por parte da Constituição Federal da família monoparental. Para Guiherme Calmon Nogueira Gama, bem como para Belmiro Pedro Welter, há de se decidir pela possibilidade da reprodução assistida ser favorável aos solteiros, porque não se pode contrariar os preceitos constitucionais que reconhecem a monoparentalidade e deixar de possibilitar o acesso às técnicas reprodutivas pelos solteiros. Opinião divergente tem o doutrinador Eduardo Oliveira Leite (apud ALDROVANDI, 2002, on-line) para o qual o acesso restrito das técnicas de R.M.A. garante à criança que será gerada o direito ao biparentesco. O primeiro substitutivo tentou limitar o acesso aos casais, mas não logrou êxito, pois a primeira redação, que permitia a utilização das técnicas pelos solteiros, foi mantida pelo segundo substitutivo que corrobora o entendimento da Lei nº. 9.263/96.

Deve-se perceber que no projeto original, a maternidade de substituição seria permitida, por isso, baseado na igualdade entre os sexos, deveriam ser também beneficiários os homens solteiros, o que não foi previsto. Apesar de ter mantido a redação original, o segundo substitutivo não mais permite, em seu art. 3º, a maternidade de substituição, o que torna infrutífera a discussão acerca da constitucionalidade da restrição de uso aos homens solteiros, uma vez que, por impossibilidades físicas e sem condições de recorrer ao popular “útero de aluguel”, mesmo que lhes possibilitassem a utilização das técnicas não haveria concretização do projeto parental por eles.

O Projeto de Lei 90/99 original prevê a necessidade do consentimento livre e esclarecido não só pelos beneficiários, como também dos doadores, que deveriam estar conscientes de sua eventual identificação civil por parte do ser gerado, como também da obrigatoriedade de reconhecimento da criança em casos previstos na lei (art.3°, §2°). A identificação civil poderia ocorrer quando a criança completasse a maioridade, ou a qualquer tempo em casos de falecimento de ambos os pais (art.12, caput). Já o reconhecimento poderia ocorrer se a criança não tivesse no registro a filiação relativa à pessoa do mesmo sexo do doador ou da mãe substituta (art. 12, §1º).

Interessante notar que o art. 12 prevê a possibilidade da criança não ter no registro o nome da mãe substituta como se esta fosse uma exceção, mas esta não é uma exceção e sim a regra, levando-se em consideração que a maternidade de substituição visa efetivar o projeto parental de uma mulher solteira ou casada, cujo nome é que irá configurar no registro de nascimento como a mãe. Considerando os beneficiários previstos no Projeto de Lei, não existiriam crianças geradas sem registro de mãe, já que os homens, como exposto anteriormente, não poderiam ser beneficiados.

Os dois substitutivos do projeto não albergam a necessidade do consentimento livre e esclarecido em relação ao reconhecimento, mas somente em relação à identificação (art.4º, § 2º). Isso porque, diferentemente do projeto original que prevê a paternidade e a maternidade como dos beneficiários, mas com algumas exceções, os projetos seguintes não apresentam nenhuma exceção à declaração de paternidade e maternidade plena aos beneficiários (art. 18 do substitutivo de 1999 e art.16 do substitutivo de 2001).

            Outras diferenças importantes são percebidas na evolução do projeto: o original dispunha que a identificação poderia ocorrer quando a criança completasse a maioridade, ou a qualquer tempo em casos de falecimento de ambos os pais. O substitutivo de 99, apesar de exigir a declaração de consentimento do doador de que ele poderá vir a ser identificado civilmente, não permite a identificação pela criança. Quando o primeiro substitutivo indica no art.9º, §2º, que o médico poderá entrevistar o doador, dispõe que deverá ser resguardada a identidade civil, então, compreende-se que essa entrevista deverá ser feita por outra forma que não pessoal ou que o médico é que poderá conhecer a identidade do doador e que deva omiti-la do paciente. Já o substitutivo de 2001 informa em seu art. 9º, §1º que a criança poderá a qualquer tempo conhecer a identidade do doador, inclusive através de representação ou assistência enquanto incapaz.

            O projeto e seus substitutivos determinam a obrigatoriedade de registros dos casos de reprodução assistida e de dados sobre o doador para caso de necessidade de informações aos médicos, como também para conhecimento de disponibilidade para transplante de órgãos. No original o período de registro era obrigatório por vinte e cinco anos, seus substitutivos aumentaram para o período de cinqüenta anos. O projeto original e seus substitutivos prevêem a possibilidade de consulta desses registros através do médico sem a necessidade da criança vir a conhecer seu ascendente. Embora no substitutivo de 99 essa possibilidade tenha sido prevista graças ao sigilo absoluto da identidade do doador, no projeto original e no substitutivo de 2001 essa possibilidade vem para concretizar o direito “de não saber”, pois, como já apresentado, o conhecimento da origem genética é direito e não dever, assim, o substitutivo de 2001 prevê duas possibilidades ao ser gerado: este poderá requerer a identificação do doador ou apenas a revelação dos dados acerca do doador para o médico.

            O Projeto de Lei 1184 de 2003 de autoria do Senador José Sarney é apenas uma reprodução do substitutivo de 2001 do Projeto de Lei n°90/99 do Senador Lúcio Alcântara. O Projeto de Lei n°. 120/03 do Deputado Roberto Pessoa objetiva o acréscimo do art. 6º – A na Lei 8560 de 1992, que trata da investigação de paternidade. Neste artigo é prevista a possibilidade da identidade dos doadores, sem ressalvas. Por fim, o Projeto de Lei n°. 4686 de 2004 do Deputado José Carlos Araújo é uma proposta e acréscimo do art. 1.597-A ao Código Civil, prevendo a identificação civil do doador a qualquer tempo, inclusive através de representante legal também sem nenhuma restrição. Apesar das disposições deste projeto serem parecidas com as do substitutivo de 2001 do projeto 90/99, deve-se lembrar das limitações formais das normas do Código Civil, então, provavelmente, esse projeto não será aceito pelo mesmo motivo que o assunto não foi abordado na redação original do Código: a reprodução humana é assunto que deve ser objeto de leis especiais.

4.2   Ação adequada à busca da origem genética

            Os projetos de lei, em sua maioria, defendem o sigilo do doador como regra que pode ser quebrada pela vontade expressa da criança em qualquer hipótese, embora tenha sido demonstrado no capítulo três do presente trabalho que não é sempre que o interesse em conhecer a origem genética deve prevalecer sobre o direito à intimidade. Apesar de permitirem o conhecimento da ascendência genética, de todos os projetos apresentados, apenas o projeto nº. 120/03 define a ação própria para esta identificação como sendo a ação investigatória de paternidade, mas também são encontrados posicionamentos no sentido de se considerar o habeas data, previsto constitucionalmente, a ação competente para a busca da ascendência biológica.

            O entendimento da doutrina é majoritário no sentido de reconhecer como meio adequado para o conhecimento da origem genética a ação de investigação de paternidade prevista na Lei nº. 8.560/92. Neste sentido Belmiro Pedro Welter (2003, p.230) defende a utilização da ação para efetivação do direito de se conhecer o doador, bem como Tycho Brahe Fernandes (apud ALDROVANDI, 2002, on-line), que defende que impedir a ação investigatória de paternidade é discriminação do filho originado de concepção heteróloga, e Álvaro Villaça Azevedo que indica, segundo Andréa Aldrovandi (2002, on-line), que “o filho gerado através de uma das técnicas de reprodução assistida poderá, a qualquer tempo, investigar a sua paternidade, devendo os responsáveis pelos dados do doador, fornecê-los, em segredo de justiça”.

Entretanto, é um posicionamento combatido com base em fortes argumentos. De acordo com Paulo Luiz Netto Lôbo (2004, on-line), para garantir a efetivação do direito fundamental do conhecimento da origem genética, não é preciso investigar a paternidade. Em suas palavras:

Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica […] Uma coisa é vindicar a origem genética, outra a investigação de paternidade. A paternidade deriva do estado de filiação, independente de origem (biológica ou não). O avanço da biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação artificial heteróloga, autorizada pelo marido […]. Nesse caso, o filho pode vindicar os dados genéticos do doador anônimo de sêmen que conste nos arquivos da instituição que o armazenou, para fins de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de atribuição de paternidade. Conseqüentemente, é inadequado o uso da ação de investigação de paternidade, para tal fim.

            Como escrito no capítulo dois deste trabalho, a filiação, em sua atual compreensão, diverge da origem biológica da pessoa, pois “a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo” (LÔBO, on-line). Com base nesta afirmação é que se pode defender a não utilização da ação de investigação de paternidade para o conhecimento da origem, pois se tratam de institutos diferentes.

            A paternidade e a maternidade são conseqüências do estado de pai e mãe, ou seja, decorrentes do fato do filho estar na posse do estado de filho daquelas pessoas. A filiação é comprovada pela certidão de nascimento, na qual, no caso da reprodução medicamente assistida heteróloga, deverá constar o nome dos beneficiários do processo. Assim, uma vez registradas a paternidade e a maternidade, não se pode modificar o estado de filiação salvo por erro ou falsidade deste registro. Neste sentido encontram-se as disposições do Código Civil de 2002:

Art. 1.603. A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil.

Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.

A Lei nº 8560 de 1992, que disciplina a ação investigatória, determina em seu art. 2º, que a ação investigatória tem lugar quando o filho não possui em seu registro de nascimento a paternidade estabelecida:

Art. 2º Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação.

            Tratando-se, portanto, do indivíduo que possui pai e mãe juridicamente estabelecidos, mesmo havendo possibilidade de propositura de ação investigatória, uma vez que o Estatuto da Criança e do Adolescente não prevê restrições, essa não deverá ter efeitos próprios da investigação de paternidade, em vista da paternidade já estar estabelecida e não existirem motivos para descaracterizá-la, principalmente quando se percebe a paternidade socioafetiva ganhando cada vez mais importância no momento de definição de parentesco. A ação deverá ter efeitos limitados ao conhecimento da ascendência genética.

            A investigação pode ocorrer na hipótese prevista na Lei nº.8560/92 se, sendo uma mulher solteira beneficiária da técnica de reprodução assistida heteróloga, esta registre a criança apenas em seu nome. Neste caso também a investigação deve ter efeito limitado ao conhecimento da origem genética, porque o doador não deve ser obrigado a arcar com os efeitos do reconhecimento, visto que o projeto parental é de autoria da mulher solteira e a criança concebida de sua responsabilidade. Neste aspecto, verifica-se a insuficiência da ação para buscar o conhecimento da origem, pois, entre as técnicas de reprodução heteróloga, está contida a possibilidade tanto da doação de gametas femininos quanto masculinos, daí, considerando-se a necessidade da criança concebida com óvulo doado buscar sua origem, esta busca não poderia acontecer através da investigação de paternidade.

            Além dos limites relacionados ao interesse de agir da pessoa que deseja reconhecer sua ascendência, considerando que esta, tendo pai, terá a ação que ser declarada de efeitos limitados, resta também prejudicado o argumento desta ação ser a ideal para o objetivo do conhecimento da origem pelo fato dos efeitos da ação serem opostos à real finalidade buscada, como se verifica na leitura do art. 1.616 do Código Civil de 2002:

Art. 1.616. A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.

            Percebe-se então, que o indivíduo que deseja buscar sua origem, mesmo sendo a ação possibilitada, os efeitos da sentença deverão ser limitados, pois ação investigatória de paternidade, quando julgada procedente, gera efeitos de reconhecimento, tanto morais quanto patrimoniais. Dentre os efeitos morais está a submissão ao pátrio poder (PEREIRA, 1977, p.151), atualmente entendido como poder familiar, cujo exercício compreende os seguintes direitos e deveres de acordo com o art. 1634 do Código Civil de 2002:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e educação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

            Conclui-se, assim, que a ação investigatória de paternidade se mostra imprestável para busca do conhecimento da origem genética, primeiramente por passar a impressão equivocada de que origem genética se confunde com o instituto da paternidade, segundo por não atender ao direito de todos aqueles que desejam o conhecimento de suas origens por não poder ser proposta para investigação da doadora de óvulos, e, finalmente, pelos seus efeitos de constituição de novo vínculo parental, desconstituindo o anterior e submetendo o investigando ao poder familiar do doador, o que é totalmente diferente do fim desejado. Infelizmente, uma vez que o ECA não prevê restrições à sua propositura e também pelo fato de não existir ação própria, a ação investigatória de paternidade vem sendo utilizada de forma equivocada por aqueles que desejam conhecer sua ascendência genética, sendo uma tendência concedê-la com efeitos limitados.

            O habeas data é ação prevista no art 5º, LXXII da Constituição Federal de 1988. Seu objetivo é levar ao conhecimento do impetrante dados relativos à pessoa do impetrante, constantes de arquivos, cujo órgão responsável tenha se negado a fornecer.

Art. 5º

[…]

LXXII – conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

Fernanda de Fraga Balan (2006, on-line) anuncia o entendimento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

O autor acredita que, para fazer valer esse direito, a criança gerada poderia valer-se do remédio constitucional do habeas data, previsto no artigo 5º, inciso LXXI, “a”, da Constituição Federal […].

O habeas data não se restringiria à Administração Pública, podendo atingir entidades que mantenham bancos de dados de caráter público; o que abrange casas de saúde, bancos de sêmen e de embriões e, fundamentalmente, as pessoas dos profissionais que se responsabilizaram pelo procedimento médico concernente à procriação assistida heteróloga.

            Assim como a investigação de paternidade, o habeas data também não deve considerado a ação própria para o conhecimento da ascendência genética por alguns motivos claros percebidos na análise do inciso LXXII do art.5º da Constituição Federal. Dois pontos devem ser analisados no artigo constitucional. O primeiro ponto a ser abordado é o objeto do conhecimento: “informações relativas à pessoa do impetrante”. Mesmo que as informações acerca da origem genética sejam relativas ao impetrante, na sua busca pede-se informações relativas à pessoa do doador, o que não pode ser fornecido através do habeas data.

            O segundo ponto controverso é a necessidade destes arquivos constarem “de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público”. Se a aplicação da técnica de reprodução medicamente assistida ocorreu em hospital público existirá o caráter público, o que não acontecerá se o procedimento se der em empresas particulares. Conforme explicação de Alexandre de Moraes (2002, p.157):

Poderão ser sujeitos passivos do habeas data as entidades governamentais, de administração pública direta ou indireta, bem como as instituições, entidades e pessoas jurídicas privadas que prestem serviços para o público ou de interesse público, e desde que detenham dados referentes às pessoas físicas ou jurídicas.

            Tem-se, portanto, como inadequada a propositura do habeas data com objetivo de se encontrar a origem genética, por dois motivos: pelas informações buscadas serem relativas também ao doador e não somente ao impetrante, como também pela não caracterização dos bancos de gametas e das empresas que utilizam as técnicas de reprodução assistida heteróloga como sendo de caráter público, primeiramente porque seus serviços são dirigidos para uma parcela específica da população e porque seus serviços não são de interesse público.

            Considerando que o direito fundamental ao conhecimento da ascendência genética deve ser preservado e que não existe no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma ação adequada para concretização deste direito, percebe-se uma urgência no sentido de concentrar esforços no legislativo para criação de ação própria que permita a efetivação deste direito constitucionalmente protegido. Inclusive, esta ação deverá conter limitações quando à possibilidade de sua propositura, sendo interessante que limite o conhecimento da origem genética aos casos em que o direito fundamental ao conhecimento se sobreponha ao direito à intimidade do doador, e não em todos os casos, como se entende da leitura do Projeto de Lei 90/99 na versão atual de 2001 do Senador Tião Viana.

4.3   Efeitos pessoais e patrimoniais do conhecimento da origem genética

            O projeto de Lei 90/99 de autoria do Senador Lúcio Alcântara, em sua redação original, previa a possibilidade de reconhecimento por parte do doador da criança através de reprodução assistida heteróloga, no caso do ser gerado não possuir o nome do pai no registro de nascimento. Deste reconhecimento derivaria uma série de direitos e deveres inerentes ao reconhecimento da paternidade ou maternidade. Este reconhecimento pelo doador era, porém, uma exceção, devendo em regra ser os beneficiários os responsáveis pela criança, pois é destes o projeto parental.

            Essa possibilidade de reconhecimento, entretanto, não se manteve nos dois substitutivos do projeto, que dispõem que não existirá qualquer vínculo ou direitos decorrentes da doação de gametas. Desse modo, o art. 19 do substitutivo de 99 e o art. 17 do substitutivo de 2001, prevêem como efeitos do conhecimento da ascendência genética apenas os impedimentos matrimoniais previstos no Código Civil em seu art. 1.521, in verbis:

Art. 1.521. Não podem casar:

I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II – os afins em linha reta;

III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V – o adotado com o filho do adotante;

VI – as pessoas casadas;

VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

            A determinação da atual versão do projeto está de acordo com o entendimento majoritário da doutrina da qual faz parte Belmiro Pedro Welter, Guilherme Calmon Nogueira Gama e Paulo Luiz Netto Lobo, que tem sido no sentido de vedar os efeitos típicos de reconhecimento de paternidade ou maternidade por ocasião do conhecimento da ascendência genética, exceto os impedimentos matrimoniais. Existe na opinião destes autores uma equiparação dos efeitos do conhecimento da origem genética aos efeitos da adoção, tanto que o Deputado José Carlos Araújo, no projeto de Lei nº. 4686/04 que objetiva o acréscimo do art. 1597-A ao Código Civil indica que “o conhecimento da verdade biológica impõe a implicação dos artigos 1521, 1596, 1626, 1628 (segunda parte) deste código”. O art. 1521 do Código Civil de 2002 contém os impedimentos matrimoniais, o 1596 dispõe sobre a igualdade dos filhos independente de origem, e os artigos 1626 e 1628 fazem parte do capítulo sobre adoção. Dispõem os artigos:

Art. 1.626. A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento.

Art. 1.628. Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante. (grifou-se)

José Carlos Araújo, em sua justificativa para o Projeto de Lei nº4686/04 afirma:

[…] não deverá haver nenhum vínculo, nem paternal, nem patrimonial , bem como direito sucessório entre a pessoa concebida por técnica medicamente assistida heteróloga e o doador de gametas. O conhecimento da origem genética não modifica em nada as relações jurídico- familiares que tal indivíduo possui com seus pais e sua família afetiva.         

Segundo Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior (2005, p.97) “não há parentesco entre o doador do sêmen e o concebido, e, por razão maior, não há que se falar em obrigação ou dever alimentar entre eles”. Importante as palavras de Guilherme Calmon (2003, p.22 e 23) sobre a relação entre reprodução assistida heteróloga e adoção:

[…] vários dispositivos que expressamente somente se referem à adoção deverão ser estendidos à procriação assistida heteróloga tendo como base o fundamento que ambos os institutos jurídicos, ou seja, a origem não-sangüínea para fins de parentesco civil[…] Entre as normas do Código Civil, destaca-se o art. 1.626: “ A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo os impedimentos para o casamento.[…]

            É, então, predominante o entendimento de não haver parentesco entre doador e a criança, mesmo quando esta venha a conhecer sua ascendência em sede de ação ainda não definida em lei, o que representa a inexistência de qualquer vínculo jurídico, obrigando somente doador e criança concebida a obedecerem aos impedimentos matrimoniais, ou seja, permanecem os vínculos naturais.

CONCLUSÃO

            O direito ao planejamento familiar, uma das formas de proteção aos direitos reprodutivos, está previsto no art.226, § 7º, da Carta Magna e, de acordo com a Lei nº. 9.693, de 11 de janeiro de 1996, garante a todos, homens, mulheres e casais, o acesso às técnicas de reprodução medicamente assistida como forma de concretizar seus projetos parentais, sem, contudo, determinar de forma mais aprofundada como deva ser a aplicação e quais os efeitos jurídicos que de sua utilização decorrem.

            Com as possibilidades trazidas pela biotecnologia, cujas pesquisas no campo da reprodução humana foram uma constante nos últimos anos, cada vez mais técnicas de concepção humana assistida são desenvolvidas e aplicadas mesmo sendo escassas as regulamentações sobre sua prática e efeitos.

            O desejo de ter um filho juntamente com as intenções lucrativas das empresas de engenharia genética fazem com que, a cada dia, várias crianças sejam concebidas através de reprodução assistida e criam uma situação fática que revoluciona as formas de compreender a família moderna e que clama pela promulgação de lei especial.

            O presente estudo versou sobre dois problemas decorrentes da aplicação das técnicas de reprodução medicamente assistida heteróloga: a possibilidade de haver o conhecimento da identidade do doador por parte da criança concebida, em vista do conflito entre o direito à intimidade do doador e o direito ao conhecimento da ascendência genética, bem como a determinação da ação adequada à busca da origem biológica, analisando, inclusive, os efeitos decorrentes desse conhecimento.

            Quanto à possibilidade da criança concebida por meio de algumas das técnicas de reprodução assistida heteróloga, importante foi, ao longo do trabalho, a análise da colisão de direitos fundamentais. À respeito, conclui-se que, pelo fato dos direitos fundamentais visarem a proteção à dignidade da pessoa humana, eles não podem ser objetos de exclusão, e sim, ponderação no caso concreto.

             Existem diversas formas de se garantir a dignidade da pessoa humana e nem sempre a forma de efetivar este direito fundamental é permitir à criança concebida por meio de reprodução heteróloga o conhecimento do doador que lhe possibilitou o nascimento. Assim, são hipóteses de possibilidade de se buscar a origem genética: a imperiosa necessidade psicológica, a necessidade de se preservar a saúde da criança e, por último, a averiguação de existência de impedimentos matrimoniais. Nos outros casos de aplicação das técnicas o direito fundamental a ser preservado é o da intimidade do doador, conservando a identidade deste no anonimato.

            Em relação à ação adequada à busca da origem genética, concluiu-se que a ação investigatória de paternidade não é a ideal. A ascendência genética não se confunde com a paternidade e para comprovar esta afirmação recorreu-se ao estudo dos três modelos de filiação, que em relação à determinação da filiação coexistem atualmente, sendo eles o tradicional, o científico e o socioafetivo.

            No modelo tradicional o critério é a presunção de paternidade ou maternidade em benefício do casal que a concebeu na constância do casamento. No científico o critério é o biológico, sendo considerado pai e mãe aqueles que passaram sua herança genética à criança concebida. Por fim, tem-se no modelo socioafetivo o critério afetivo, que define a paternidade ou maternidade me favor daqueles que desejaram e realizaram o projeto parental, independente de este ter se concretizado com material genético próprio ou de terceiros.

            Este último tem função importante de servir como solução para o conflito entre os modelos, isso porque, dentre todos, é o que melhor garante os interesses da criança, objetivo maior a ser buscado na determinação da filiação de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

            Assim, a ação investigatória de paternidade não deve ser utilizada para o conhecimento da verdade biológica por ter efeitos indesejados, quais sejam: a desconstituição da paternidade anterior e a declaração de uma nova paternidade, quando, em realidade, muitas vezes o objetivo desejado é apenas o conhecimento da origem e não extinção de vínculo já estabelecido.

            O habeas data também não se adequa à busca da origem, pois contém requisitos previstos constitucionalmente, tais como: a busca de dados deve ser relativa ao impetrante e os dados devem ser de arquivos públicos ou de caráter público, requisitos estes que não se verificam na intenção de se conhecer o doador.

            Percebe-se, portanto, que na ausência de uma ação prevista, deve o legislador criar um novo tipo de ação, que inclusive deve limitar a possibilidade de conhecimento da origem genética às hipóteses já elencadas e cujos efeitos se restrinjam à imposição de impedimentos matrimoniais, pois a união entre consanguíneos é moralmente condenada pela sociedade, desconsiderando qualquer vínculo jurídico entre doador e criança, uma vez que esta foi concebida para efetivação do projeto parental de outras pessoas.

            Conclui-se também pela necessidade de publicação de lei especial que regulamente a aplicação de técnicas de reprodução medicamente somente em pessoas com reais problemas de infertilidade, para que não se desvie da finalidade da Lei de Planejamento Familiar, que não visa criar novas formas de concepção, mas sim meios auxiliares para efetivação de direitos reprodutivos.

            Infelizmente não é possível, em sede de trabalho monográfico, exaurir a discussão em torno de assunto tão polêmico e interessante, que mobiliza doutrinadores de todo o mundo, mas espera-se ter contribuído, através do desenvolvimento da presente pesquisa, para difusão do assunto e futuros estudos a respeito do tema.

 

LIVROS:

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TABOSA, Argerson. Direito romano. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1999.

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______. Lei nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992. Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 dez. 1992.

______. Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o §7° do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providencias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 jan. 1996.

______. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1º jan. 1916.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

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Projeto de Lei 90(SUBSTITUTIVO) de 2001 de autoria do Senador Tião Viana. Dispõe sobre Reprodução Assistida. Disponível em: <http://www.ghente.org/doc_juridicos/pls90subst2.htm> . Acesso em: 20 ago.2006.

Projeto de Lei 120 de 2003 de autoria do Deputado Roberto Pessoa. Dispõe sobre a investigação e paternidade de pessoas nascidas de técnicas de reprodução assistida. Disponível em: <http://www.gente.org/doc_juridicos/pl120.htm>. Acesso em 20 ago. 2006.

Projeto de Lei 1184 de 2003 de autoria do Deputado José Sarney. Dispõe sobre reprodução assistida. Disponível em: <http://www.ghente.org/doc_juridicos/pl1184.htm>. Acesso em: 20 ago. 2006. 

Projeto de Lei 4686 de 2004 de autoria do Deputado José Carlos Araújo. Introduz art.1597-A à Lei 10.406, de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, assegurando o direito ao conhecimento da origem genética do ser gerado a partir de reprodução assistida, disciplina a sucessão e o vínculo parental, nas condições que menciona. Disponível em: <http://ghente.org/doc_juridicos/pl4686.htm>. Acesso em 14 mar. 2006.

Resolução nº. 1358 de 1992 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1992/1358_1992.htm>. Acesso em 14 mar. 2006.

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[1] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Editora das Américas S.A. – EDAMERIS: 1961. Tradução de Frderico Ozanam Pessoa de Barros. Disponível em: <http:// www.ebooksbrasil.org/eLibris/cidadeantiga.html#B3>. Acesso em: 22 de out. 2006.

[2] O Ogino-Knauss, Método do Ritmo, Calendário ou Tabelinha é um método natural de contracepção, que permite obter, mediante cálculos matemáticos, os dias de fertilidade do casal.

[3] Essas categorias não representam a atual idéia de planejamento familiar no Brasil, pois a Lei nº. 9.263/96 em seu artigo nove garante que, para o exercício pleno dos Direitos Reprodutivos, serão aceitos quaisquer métodos cientificamente aceitos, isso inclui os métodos artificiais citados na categoria II.

[4] Laparoscopia é um procedimento de exame e manipulação da cavidade abdominal através de instrumentos de ótica e/ou vídeo bem como de instrumentos cirúrgicos delicados que são introduzidos através de pequenos orifícios no abdome. É um procedimento cirúrgico realizado geralmente com anestesia geral.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Nathalie Carvalho Cândido:  Advogada em Fortaleza, Ceará – OAB nº.19206


REFERÊNCIAS

TJ aumenta indenização a médica vítima de estupro

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DECISÃO: * TJ-GO  –  O Estado de Goiás terá de indenizar por danos morais e materiais a médica-pediatra A.E.A.A., que foi vítima de estupro nas dependências do Hospital Materno Infantil, durante o plantão noturno de 7 de janeiro de 2001. A decisão, unânime, foi tomada hoje (24) pela da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás que,seguiu voto do desembargador-relator Walter Carlos Lemes e reformou decisão do juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiânia, elevando de R$ 30 mil para R$ 50 mil o reparo, por danos morais, a ser pago pelo Estado à médica. Por danos materiais, o colegiado condenou o agente público ao pagamento das perdas e danos sofridos pela pediatra, tomando por base sua renda mensal da época, cerca de R$ 2.927,54, corrigida monetariamente e a partir do ajuizamento da ação, acrescido de juros moratórios legais desde a citação. Na decisão de primeiro grau, o pedido relativo aos danos materiais foi negado sob o argumento de ausência de provas das despesas com acompanhamento psicológico, remédios ou com o tratamento de eventuais lesões sofridas, e a indenização por danos morais havia sido fixada R$ 30 mil.

No entanto, segundo Walter Carlos, o Estado deve ser responsabilizado pelos danos sofridos pela médica, uma vez que houve perda da sua capacidade de trabalho e redução significativa da sua renda ao pedir demissão do hospital. "O violento e repulsivo episódio que envolveu a apelante, dentro do ambiente de trabalho, trouxe-lhe grave trauma, pois (ela) não conseguiu mais fazer os plantões noturnos sozinha. Nada mais natural diante da selvageria que lhe fora praticada", frisou. Para o magistrado, a omissão do Estado no referido caso é evidente, já que, a seu ver, o agente público tem como dever preservar a integridade física não só dos usuários do hospital, mas também de seus funcionários. "A responsabilidade por omissão depende da prova do dolo ou culpa. No caso, está presente o nexo causal, isto é, a vinculação entre a atividade, ou omissão da administração, e o dano. O Estado tinha o dever de agir, mas não o fez deixando de tomar as providências compatíveis com a situação. Foi omissão já que tinha possibilidade de, agindo bem, sem falhas, impedir a prática do ato criminoso de terceiro dentro daquele hospital e suas possíveis consequências", asseverou.

Argumento

O relator lembrou que a "humilhação, a dor e o desespero" de uma pessoa que sofre tamanha violência geram direito à indenização. "Somente quem viveu tal situação é capaz de descrever e valorar o ‘terror’ passado. Daí o questionamento: o que são R$ 30 mil para uma jovem médica, casada, mãe, que, prestando serviços como pediatra em seu plantão habitual, sem mais nem menos, é atacada e estuprada dentro da sala destinada ao descanso das médicas? Nada paga a liberdade, a saúde e a integridade física de uma pessoa", ponderou. Com relação aos danos morais, reiterou que o arbitramento deve ser justo, pois em relação ao réu deve ter caráter exemplar, que reflita sobre sua ação, tendo também finalidade reparatória. "Nesse caso devem ser levados em consideração fatores de elevado peso como a gravidade da ofensa perpetrada, a intensidade da agressão, as circunstâncias do evento danoso e a repercussão do fato", ressaltou.

Segundo a ação, em 7 de janeiro de 2001 a pediatra, que prestava serviço no Hospital Materno Infantil desde 28 de abril de 1999, foi estuprada nas dependências do estabelecimento enquanto descansava no alojamento destinado às médicas. Consta dos autos, que ela foi atacada por um homem que trabalhava para uma empresa terceirizada prestadora de serviços e faxina para o hospital.

Ementa

A ementa recebeu a seguinte redação: "Duplo Grau de Jurisdição. Indenização. Responsabilidade Estatal. Dano Material. Comprovação. Dano Moral. Critérios de Auferição. Majoração. Possibilidade. Honorários Advocatícios. 1 – Na hipótese dos autos vai introduzindo pelas conseqüências negativas de ordem psíquica a que forma submetidos tanto a vítima, quanto seu esposo, face o estupro perpetrado em relação a 1ª apelante, ante a omissão do agente público de bem preservar a intangibilidade física, não só dos usuários do serviço do Hospital Materno Infantil, como também de seus funcionários. 2 – O violento e repulsivo episódio que envolveu a apelante, dentro do ambiente de trabalho, trouxe-lhe grave trauma, pois não conseguiu mais fazer os plantões noturnos sozinha, portanto, houve sim, peda da capacidade laborativa e a redução de sua renda, o que está comprovado pelo documentos dos autos. 3 – A indenização por dano moral, tem em relação aoréu caráter exemplar, que reflita sua ação causadora de tal dano, tendo também finalidade reparatória. Forçoso reconhecer, no caso em apreço, como fatores de elevado peso, a gravidade da ofensa perpetrada, a intensidade da agressão, as circunstâncias do evento danoso e a repercussão do fato, sendo pois cabível a majoração. 4 – O art. 20, do Código de Processo Civil, em seu parágrafo 4º, que nas causas onde for vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios devem ser fixados consoante apreciação equitativa do juiz. 5 – Remessa e apelos conhecidos, parcialmente provido o primeiro e provido o segundo". Duplo Grau de Jurisdição nº 14.991-2/195 (200701658031), de Goiânia.

 


FONTE:  TJ-GO, 24 de julho de 2007

Estado é condenado a realizar exame em paciente que teve câncer

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DECISÃO:  * TJ-MT – O Estado de Mato Grosso foi condenado a autorizar um paciente a realizar um raio-X contrastado (uretrocistogragia), exame necessário para obter diagnóstico completo após uma cirurgia de retirada de tumor na próstata. O paciente solicitou a realização do exame, mas como não houve manifestação da Central Estadual de Regulação, ele ajuizou ação cominatória de obrigação de fazer contra o Estado. A decisão foi tomada pelo juiz Márcio Aparecido Guedes, titular da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá, nesta segunda-feira (23 de julho). O Estado também foi condenado ao pagamento de verba honorária arbitrada em R$ 1,5 mil.

 

Informações contidas nos autos revelam que o paciente foi submetido à cirurgia para a remoção de um tumor na próstata. Após a intervenção, ao retirar a sonda colocada para a eliminação da urina, houve grande sangramento seguido de fortes dores. Ele retornou ao médico, onde foi submetido a nova cirurgia para uma melhor avaliação. Contudo, não obteve diagnóstico completo porque não havia feito o exame de raio-x contrastado.

Em sua contestação o Estado alegou que, como houve o deferimento de uma liminar, já estava tomando providências para a realização do exame e requereu a extinção do processo. Contudo, para o magistrado, o pedido de extinção do processo formulado pelo Estado, seguido do argumento de que cumpriu o dever-político constitucional ao atender o pleito do autor, não merece guarida. “Primeiro, porque o requerido só tomou providências a partir do momento que foi intimado da liminar deferida nestes autos. Segundo, porque os ofícios aportados nos autos não provam a realização do exame em comento, apenas informam que estão sendo tomadas providências para a sua realização”, destacou o juiz Márcio Aparecido Guedes.

Examinando o mérito do causa, o magistrado destacou que o ponto principal desta demanda é a garantia da realização de exame médico para um diagnóstico completo, necessário para a continuidade do tratamento médico do autor da ação. Ele ressaltou que qualquer omissão pelo Poder Público em proporcionar aos cidadãos realização de exames médicos necessários constitui em lesão a direito à vida.

Conforme o juiz Márcio Guedes, a Constituição Federal, em seu art. 6º, estabelece que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". Já o art. 196 dispõe que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

“Pela orientação pretoriana são responsáveis, solidariamente, a União, os Estados e os Municípios pelo fornecimento gratuito de medicamentos e exames para o tratamento da saúde de enfermos, comprovadamente hipossuficientes. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida”, frisou.

O magistrado explicou que o Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir em grave comportamento inconstitucional. “Impende asseverar que a União descentralizou os serviços de saúde, transferindo recursos para os Estados e Municípios, a fim de propiciar ao cidadão o efetivo exercício de seu direito à saúde. Incumbe, pois, ao Estado proporcionar meios, buscando proteger a saúde de sua população, descabendo-lhe, como no caso dos autos, em que, por injustificadas razões burocráticas, restringe aquele direito fundamental, dificultando a vida do cidadão que se vê forçado a buscar socorro judicial (…) Assim, seja com base nos preceptivos constitucionais invocados, de eficácia não programática, mas auto-executáveis, a presente ação é de inegável procedência”, finalizou.

  TJ-MT, 24 de julho de 2007

 


FONTE:

Uma visão mais ampla sobre o crime de abandono moral

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OPINIÃO:  * Luiz Guilherme Marques

A ENCICLOPÉDIA JURÍDICA LEIB SOIBELMAN consigna sobre o abandono moral:

(dir. pen.) Constitui crime permitir alguém que menor de 18 anos, sujeito a seu poder ou confiado a sua guarda ou vigilância, freqüente casa de jogo ou mal afamada, conviva com pessoa viciosa ou de má vida; freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza; resida ou trabalhe em casa de prostituição; mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública

Como se sabe, o Código Penal reflete a mentalidade do país na década de 1940. Há, portanto, atualmente, uma defasagem de mais de 60 anos.

Atendo-nos ao texto legal, podemos verificar que o legislador pretendia: afastar os menores de 18 anos das casas de jogos ou mal afamadas, da companhia de pessoas viciosas ou de má vida, da freqüência a espetáculos capazes de pervertê-los ou ofensivos ao pudor, da participação em representações de igual natureza, da residência ou trabalho em casa de prostituição, da mendicância ou de serviço a mendigo para excitar a comiseração pública.

A enumeração, em resumo, visava explicitar as situações de risco para a formação moral das crianças e jovens.

Parece-me que o legislador estava longe de se mostrar conhecedor das necessidades mais profundas do ser humano.

Simplesmente afastar crianças e jovens dessas situações extremas não significa realizar grande coisa pela sua formação moral…

Os casos enumerados no dispositivo penal representam atitudes de imoralidade extrema.

Para dizer a verdade, nunca vi, nesses quase 30 anos de vivência forense, nenhum processo criminal por abandono moral… Trata-se o dispositivo em apreço de verdadeira letra morta…

Mas existem outras formas de abandono moral além das enumeradas no Código Penal.

Uma criança ou jovem a quem seus responsáveis deixem de aconselhar, orientar através de bens exemplos e convivência sadia costumam, cedo ou tarde, apresentar quadros de desvio moral, talvez irreversível.

A criança e o jovem são pequeninas plantas sensíveis que, se não aguadas e adubadas na medida e da forma certas, têm sérias chances de fenecer.

Muitos responsáveis, infelizmente, descuram desse munus.

Muitos corruptos e corruptores são meros seguidores de pais ou assemelhados que vivem de expedientes escusos…

O desinteresse desses responsáveis faz muitos dos seus pupilos enveredarem por caminhos ínvios…

A prática da incomparável regra do Direito Romano do viver honestamente, dar a cada um o que é seu e não lesar a ninguém seria suficiente para a orientação moral de crianças e jovens. Todavia, é desacreditada por muitos responsáveis. Há muitos péssimos exemplos (inclusive entre as elites) de desonestidade na vida pública e na vida privada, injustiças cometidas contra terceiros e intenções claras de lesar outrem em situações várias. Tudo isso agride a sensibilidade natural das crianças e jovens, empurrando-os, indiretamente, para desacertos de vários tipos.

Representam verdadeiras situações de abandono moral. Infelizmente, o Código Penal parou no tempo e não ampliou o conceito do crime de abandono moral contemplando hipóteses mais condizentes com as exigências éticas do século XXI…

Verificam-se muitos casos desse tipo: crianças e jovens condenadas por pais ou assemelhados a penosas caracterizações de abandono moral não punido pelo Código Penal


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

LUIZ GUILHERME MARQUES:   Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de  Juiz de Fora (MG).
Site: www.artnet.com.br/~lgm

Justiça Gratuita também pode ser concedida a pessoas jurídicas

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DECISÃO: * TJ-MS – A Lei 1060/50, publicada durante o governo do então Presidente Eurico Gaspar Dutra, está em plena vigência, surtindo todos os efeitos legais. Seu objetivo é garantir o acesso ao Judiciário e a conseqüente prestação jurisdicional às pessoas desprovidas de condições econômicas e incapazes de arcar com as custas do processo.

Tal objetivo, modernamente, foi corroborado pela atual Constituição da República, em seu artigo 5º, LXXIV, ao assegurar que “O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. O que pode gerar controvérsia está em identificar quem pode ter legitimidade para pleitear tal benefício: se somente pessoas físicas ou se pessoas jurídicas também poderiam fazer jus à gratuidade da Justiça.

A referida lei (1060/50) não faz qualquer menção à possibilidade de se conceder a gratuidade às pessoas jurídicas, mas também não proíbe, favorecendo, à luz do texto legal, a interpretação de que bastaria existir a comprovação do estado de carência ou da impossibilidade de pagamento, para que pudesse ser concedida a isenção das custas processuais. E assim tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), bem como do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), conforme recentes decisões.

Em recurso interposto na Sessão de julgamentos da 4ª Turma Cível, de 24/07/2007, a Cassems (Caixa de Assistência dos Servidores do Estado de Mato Grosso do Sul), dentre outros pedidos, requereu que lhe fosse concedida a referida gratuidade, alegando que, embora se trate de pessoa jurídica, não possui fins lucrativos, inexistindo condições para o pagamento das custas do processo. Neste ponto, o recurso foi provido, com fulcro no entendimento predominante no STJ e neste mesmo TJMS.

Comprovação da necessidade – Tem prevalecido, igualmente, a idéia de que para a concessão do benefício às pessoas jurídicas, não basta que elas sejam de caráter filantrópico, assistencial e, portanto, sem fins lucrativos, mas entende-se, sob a óptica de várias decisões já proferidas por ambas as citadas cortes, que a pessoa jurídica também deve comprovar a real necessidade do benefício.

Nesse sentido, já decidiu o Ministro Francisco Falcão (STJ): “É pacífico o entendimento nesta Corte de que o benefício da justiça gratuita não se estende às pessoas jurídicas, exceto quando as mesmas exercem atividades de fins tipicamente filantrópicos ou de caráter beneficente, sendo indispensável a comprovação da situação de necessidade”.

Assim também já se manifestaram em seus votos os desembargadores Joenildo de Sousa Chaves (“O benefício da assistência judiciária gratuita pode ser deferido às pessoas jurídicas, desde que comprovada sua impossibilidade de arcar com os encargos do processo”, Processo nº 2006.016966-3); e Claudionor Miguel Abss Duarte (“É possível a concessão de assistência judiciária gratuita tanto para pessoa jurídica quanto para pessoa física, desde que comprovadamente hipossuficientes”, Processo nº 2004.012834-8).

Em suma, é fundamental que as pessoas jurídicas que, de fato, não possuam condições de pagar as custas do processo e necessitem do benefício da Justiça Gratuita, que comprovem tal situação nos autos, por meio de documentos hábeis à verificação inconteste da hipossuficiência econômica, por meio de demonstrativos contábeis, por exemplo, não bastando a simples alegação de carência de recursos financeiros.

  TJ-MS, 24 de julho de 2007

 


FONTE:

Prescrição Acidentária. A contagem do prazo se inicia com o reconhecimento da incapacidade pela Previdência

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  * Luiz Salvador

A doutrina e a jurisprudência têm entendimentos divergentes a respeito de qual seja a prescrição aplicável às ações de reparação por danos materiais e morais acidentários, agora de competência para julgar pela Justiça do Trabalho, por força da EC 45

Para os defensores da primeira corrente, a prescrição aplicável é a dos créditos trabalhistas previstas no art. 7º, inciso XXIX, que dispõe: “ação, quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.

Para os da segunda corrente, na qual nos incluímos, a prescrição não pode ser a trabalhista, posto que de crédito trabalhista stricto sensu não se trata. Estamos com a conclusão sintética do brilhante procurador de Campinas, Dr. Raimundo Simão de Mello, que com propriedade sintetiza: nem de crédito se trata, quanto mais de crédito trabalhista” (Prescrição do dano moral no Direito do Trabalho: um novo enfoque, site Jus Navegandi, link: jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6867).

André Araújo Molina, juiz do Trabalho em Mato Grosso (23ª Região), também integrante da segunda corrente, disponibiliza aos operadores e aplicadores do direito e à sociedade de modo geral excelente e aprofundado artigo publicado no site Jus Navegandi “A Prescrição das Ações de Responsabilidade Civil na Justiça do Trabalho” com conclusões ponderáveis, claras, objetivas, elucidadoras no sentido de estarem com a razão os seguidores da segunda corrente, não sendo a prescrição trabalhista a aplicável, posto que de crédito trabalhista stricto sensu não se trata.

Link: jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9698

A doutrina de Raimundo Simão de Mello orienta-se no sentido do entendimento de se tratar de direitos fundamentais imprescritíveis e ou quando não de se aplicar a prescrição do direito comum regulada pelo art. 205 do CC, já que não se trata de simples reparação de danos, mas de violação de um direito fundamental inerente à pessoa humana e aos direitos de personalidade, com assento constitucional, acima das categorias de direitos civis e ou trabalhistas, “Prescrição nas ações trabalhistas”LTR070, n.10, pg.1171.

A doutrina de JORGE LUIZ SOUTO MAIOR pondera que não se trata de “crédito trabalhista”, já que a própria Constituição especifica o instituto em questão como indenização:

"Sob o ponto de vista de nossa investigação, ademais, relevante notar que a própria Constituição especifica o instituto em questão como indenização e, por óbvio, indenização não é crédito que decorra da relação de trabalho, não se lhe podendo, também por esse motivo, fizer incidir a regra da prescrição trabalhista, prevista na mesma Constituição." (A Prescrição do Direito de Ação para Pleitear Indenização por Dano Moral e Material decorrente de Acidente do Trabalho, publicado no site da Associação dos Magistrados do Trabalho da 10ª Região, fev. de 2006).

Não se tratando de crédito, muito menos o trabalhista, acaso se entenda ser prescritível o direito, não tem este assento nem no disposto no art. 7º, inciso XXIX da CF, nem no art.206, § 3º, inciso V do Código Civil, mas sim no regramento disposto no art.205 do mesmo código civil: “A prescrição ocorre em 10 anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

Neste sentido, estamos com a doutrina de RAIMUNDO SIMÃO DE MELLO.

Ao julgar a questão deve ainda o magistrado ater-se ao regramento especial trazido pela legislação previdenciária (Lei de benefícios), 8.213 que em seu art.104 prescreve aplicação da prescrição quinquenária às ações referentes à prestação por acidentes do trabalho, contados do momento em que for reconhecida a incapacidade pela Previdência:

“Art. 104. As ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em 5 (cinco) anos, observado o disposto no art. 103 desta Lei, contados da data: I – do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária, verificada esta em perícia médica a cargo da Previdência Social; ou II – em que for reconhecida pela Previdência Social, a incapacidade permanente ou o agravamento das seqüelas do acidente”.

O Superior Tribunal de Justiça de há muito que aplica este entendimento, Súmula nº 278: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.

A jurisprudência mais progressista têm se posicionado de que a prescrição aplicável à hipótese não é a trabalhista:

“Indenização por Danos Morais – Prescrição – Observada a natureza civil do pedido de reparação por danos morais, pode-se concluir que a indenização deferida a tal título em lide cujo trâmite se deu na Justiça do Trabalho, não constitui crédito trabalhista, mas crédito de natureza civil resultante de ato praticado no curso da relação de trabalho. Assim, ainda que justificada a competência desta Especializada para processar a lide não resulta daí, automaticamente, a incidência da prescrição trabalhista. A circunstância de o fato gerador do crédito de natureza civil ter ocorrido na vigência do contrato de trabalho, e decorrer da prática de ato calunioso ou desonroso praticado por empregador contra trabalhador não transmuda a natureza do direito, uma vez que o dano moral se caracteriza pela projeção de um gravame na esfera da honra e da imagem do indivíduo, transcendendo os limites da condição de trabalhador do ofendido. Dessa forma, aplica-se, na hipótese, o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 177 do Código Civil, em observância ao art. 2.028 do novo Código Civil Brasileiro, e não o previsto no ordenamento jurídico-trabalhista, consagrado no artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal. Embargos conhecidos e providos. (TST – SDI I – ERR 08871/2002-900-02-00.4 – Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa – DJ 5.3.2004).

"PRESCRIÇÃO – DANO MORAL E MATERIAL TRABALHISTA – 1. O prazo de prescrição do direito de ação de reparação por dano moral e material trabalhista é o previsto no Código Civil. 2. À Justiça do Trabalho não se antepõe qualquer obstáculo para que aplique prazos prescricionais diversos dos previstos nas Leis trabalhistas, podendo valer-se das normas do Código Civil e da legislação esparsa. 3. De outro lado, embora o dano moral trabalhista encontre matizes específicos no Direito do Trabalho, a indenização propriamente dita resulta de normas de Direito Civil, ostentando, portanto, natureza de crédito não-trabalhista. 4. Por fim, a prescrição é um instituto de direito material e, portanto, não há como olvidar a inarredável vinculação entre a sede normativa da pretensão de direito material e as normas que regem o respectivo prazo prescricional. 5. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento." (TST – RR 1162/2002-014-03-00.1 – 1ª T. – Red. p/o Ac. Min. João Oreste Dalazen – DJU 11.11.2005).

O Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região analisando esta mesma questão decidiu que a prescrição aplicável em pleito de natureza civil é a do direito comum:

ACIDENTE DO TRABALHO. PRESCRIÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Pleito de reparação de natureza civil. Aplicação do disposto no art. 206, § 3º, V, e da parte final do art. 2.028, ambos do Novo Código Civil, com permissivo no parágrafo único do art. 8º da CLT. Direito de ação que não se encontra fulminado pela prescrição. Recurso provido” TRT- 4ª Região, RO 00396-2005-831-04-00-0, Relatora Cleusa Regina Halfen, decisão publicada no DJ/RS em 12/02/2007).

CONCLUSÃO.

Também em nosso entender o posicionamento correto quanto à prescrição aplicável nas ações de reparação por dano material e moral decorrente de uma relação trabalhista é a do direito comum e não é a trabalhista, a teor do permissivo autorizado pelo disposto no art. 205 do Novo Código Civil, de importação permitida com base no parágrafo único do art. 8º da CLT.

Não se trata de crédito trabalhista stricto sensu o direito buscado na ação de reparação por danos materiais e morais perante a Justiça do Trabalho, mas, sim, de indenização por violação a direitos fundamentais asseguradores da dignidade da pessoa humana,

Trata-se da garantia de mantença da vida com higidez física e moral. O empregador é devedor de saúde, sendo de sua responsabilidade assegurar ao trabalhador meio ambiente de trabalho equilibrado, livre de riscos ocupacionais e ou acidentários.

A indenização por dano material e moral não se confunde com o direito previdenciário do empregado ao benefício acidentário de encargo da Previdência. A par da obrigação patronal da contribuição obrigatória à constituição do fundo do seguro acidentário (SAT), mantêm-se o dever do empregador aos investimentos suficientes e necessários à prevenção a que os infortúnios laborais previsíveis deixem de acontecer, sendo o texto constitucional claro no sentido de que em caso de culpa pelo infortúnio é devida a reparação por dano material e moral, sem exclusão do direito pelo infortunado ao benefício auxílio-doença acidentário (B-91), de responsabilidade do INSS.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

LUIZ SALVADOR:  Advogado trabalhista no Paraná, diretor para assuntos legislativos da ABRAT, integrante do corpo técnico do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar)

E-mail: defesatrab@uol.com.br

Processo de conhecimento, definições e reformas do CPC

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  * Gisele Leite

Processo de conhecimento é aquele em que a tutela jurisdicional se exerce a mais genuína das missões: a de dizer o direito (ius dicere), a do poder de julgar.

É exatamente no processo de cognição que se desenvolve as grandes questões doutrinárias e o muito que estas contribuíram para conquistar a cidadania, o Estado de direito e a autonomia para o Direito Processual Civil nos domínios da ciência jurídica.

Teorias sobre a ação que defendiam a ação como direito autônomo, abstrato público gravitavam em torno da ação de conhecimento reconhecidamente tida como direito à sentença.

A doutrina da relação processual e dos pressupostos processuais foram inicialmente situados no campo da cognitio, tentando delimitar os limites entre o iudicium e a res in iudicium deducta, o processo e o litígio de direito material, as preliminares referentes à regularidade e eficácia do processo em face do meritum causae.

A ação é hoje concebida doutrinariamente como direito público abstrato de requerer a tutela jurisdicional do Estado, sempre que desta se precisar para a solução útil de determinada lide ou para declaração de uma afirmação de direito que se faz, não constitui modelo pacífico, tendo sido percorrido longo caminho, no curso da história, na qual foram múltiplas as concepções teóricas a respeito dela.

Num primeiro momento, a ação era tida como fenômeno abrangido pelo próprio direito material reclamado em juízo, segundo essa teoria chamada de civilista ou imanentista, a ação seria direito que o titular de certo direito tinha de pedir em juízo exatamente aquilo que lhe era devido em função de normas de direito material. A ação era considerada uma qualidade agregada ao próprio direito material, ou que seria este direito, de natureza substancial, em estado de reação a uma agressão que tivesse sofrido.

Atualmente a referida teoria é inaceitável e totalmente ultrapassada, pois que por essa tese só haveria ações julgadas procedentes, pois não se poderia cogitar da improcedência da ação decorrente de um direito efetivamente existente. Outro fator, se a impossibilidade de se justificar a ação declaratória, principalmente quando esta negar a existência do direito alegado.

Outra tese é a que concebeu a ação como direito concreto onde se identificava a tutela jurídica do Estado somente quando houvesse sentença favorável ao autor. Também hoje igualmente ultrapassada.

Em síntese, podemos definir o direito de ação como direito público, subjetivo e abstrato, de natureza constitucional, regulado pelo Código de Processo Civil, de pedir ao Estado-juiz o exercício da atividade jurisdicional no sentido de solucionar determinada lide.

Essa abstração, todavia, não é absoluta pois que para se exercer o direito de ação , ou seja, a possibilidade de se obter a sentença de mérito no processo de conhecimento, é indispensável observar e preencher todas condições da ação.

São elementos identificadores da ação: as partes (autor, réu), o pedido e a causa de pedir conforme bem expõe o art. 301 §2º do CPC. Pedido ou objeto é numa vertente processual o meio processual do qual a parte se serviu para veicular sua pretensão, é também vinculado ao direito material subjacente à pretensão. É em razão do pedido que se define o caso concreto, é o meio procedimental utilizado pela parte como também o bem jurídico perseguido pelo autor da ação.

Pedido é a providência que o autor espera do Estado-juiz e, deve resultar de petição inicial concludente e apta. É o pedido que traça os perímetros cognitivos da lide e, por isso, deve ser certo (não sendo aceitável que seja implícito). Deve ainda ser determinado, no sentido de informar com segurança quais os limites da pretensão do autor.

Pede o princípio da adstrição (da vinculação ou da congruência) que o pedido deva ser decidido dentro do que explicitamente foi requerido, sendo defeso ao julgador reconhecer mais ou menos e quiçá diferente do que se requer na petição (seja exordial, contestatória, do pedido contraposto, de reconvenção) enfim, de qualquer petição inaugural específica, conforme prevê a primeira parte do art. 293 do CPC.

A exceção ao princípio da adstrição consta exatamente na parte final do art. 293 do CPC, considerando implícito aquele pedido decorrente diretamente da lei ou da natureza do pedido principal.

Convém que os pedidos como manifestações de vontade tenha interpretação à luz dos princípios da efetividade e da economia processual. O pedido de indenização engloba perdas e danos de natureza material e moral. (vide AGA 468472/RJ, STJ, T1, Relator Min. Luiz Fux, DJ 02/06/2003, nesse mesmo sentido temos STJ REsp 284480/RJ e AGA 175842/SP).

São pedidos implícitos, portanto: originários – aqueles que genericamente estão embutidos no pedido, como por exemplo, a possibilidade de depositar as parcelas vincendas em obrigações de trato sucessivo em geral (art. 290 do CPC); a correção monetária (Lei 6.899/81), de juros legais de mora (arts. 404 e 407 do C.C.) em sentenças condenatórias.

O mesmo já não podemos dizer a respeito dos juros moratórios (art. 406 do C.C.) e até mesmo na execução se silente a sentença cognitiva, além da condenação das despesas processuais e em honorários advocatícios (art. 20 do CPC).

São pedidos implícitos decorrentes aqueles defluem da natureza jurídica do pedido e, seus consectários lógicos em face da causa de pedir, apresentada como pedido cominatório ( art. 461, § 4º e 5º do CPC).

Exemplificando temos: a declaração de nulidade de um ato, a declaração de nulidade dos atos deste decorrentes; a eventual compensação ou qualquer outro direito decorrente na ação de repetição de indébito, alimentos em ação investigatória de paternidade ou rescisão na ação revocatória (art. 138, § único da Lei 11.101/2005).

Vide ainda Súmula 277 do STJ que prevê que julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.

Assim, o pedido implícito decorrente da lei estará inserto na decisão mesmo quando não declarado expressamente. Não se pode confundir, no entanto, pedido implícito com condenação implícita. Posto que o primeiro é admissível seja decorrente de lei ou da natureza jurídica do pedido principal, e não cabendo jamais o segundo.

Pois a condenação implícita extrapola os limites do pedido enquanto baseado na causa de pedir apresentada, na exordial, sendo uma decisão ultra petita, ultrapassando os limites objetivos da coisa julgada, tornando-se inexeqüível.

A causa de pedir ou causa petendi é a razão do pedido, é o conjunto de fundamentos levados pelo autor (sejam fáticos, sejam jurídicos). O CPC brasileiro adotou a teoria da substanciação pela qual são necessárias, além da fundamentação jurídica, a alegação e descrição dos fatos sobre os quais incide o direito alegado.A fundamentação jurídica é, via de regra, a causa de pedir próxima, enquanto que o fato é a causa de pedir remota.

Deve-se o conceito de lide a Carnelutti, para ele os “bens da vida” são limitados, mas são ilimitadas as necessidades humanas. Chama-se interesse, a posição de determinada pessoa para satisfazer uma necessidade, em frente determinado bem. Daí, o conflito de interesses onde um (o réu) resiste à pretensão do requerente (do autor).

Foi Liebman que reformulou a teoria de Carnelutti onde aceita o conceito de lide como “conflito de interesses qualificado pela pretensão de um e a resistência de outro”.
A parte não formula apenas denúncia, mas formula pedido concreto, e neste pedido, se configura a lide. Enxerga Liebman a ação como poder jurídico recorrer a juízo.

Fazzalari nega, no entanto, ser o processo uma relação jurídica e, conceitua a ação como posição subjetiva, revelada por quem possa ser destinatário de determinado provimento.

Carnelutti identificou por algum tempo, o processo de conhecimento com a jurisdição, considerando existente na execução apenas processo, e não tutela jurisdicional executiva.

O processo de conhecimento é fundamental para o Direito Processual tanto quanto é o Direito das Obrigações primacial para o direito privado, notadamente o Direito Civil.

Na esfera procedimental também se registra a hegemonia do processo de conhecimento, além de constituir o procedimento ordinário como o modus faciendi padrão e supletivo das demais formas procedimentais, foi exatamente para operar nos atos de cognição que se instituiu o sistema da oralidade, com seus consectários lógicos como a concentração, imediatidade, a instrumentalidade das formas e a identidade física do juiz.

A cognitio tem por fim compor o litígio mediante a sentença. Apresentada a situação de fato de que se originou a lide, sobre esta incide o direito objetivo através da operação de ordem lógica, em que o juiz enquadra ou subsume os fatos no preceito ou preceitos jurídicos vigentes, aplicando-os concretamente ao litígio, com o pronunciamento decisório em que consubstancia a sentença.

É meta primordial do processo de cognição a decisão da lide para compô-la secundum ius. Diferentemente do que se dá na execução, onde o juiz por meio de atos de coação impõe efetivamente ao vencido o cumprimento da sanctio iuris destinada a reparar a violação cometida à ordem jurídica.

No processo de cognição, porém, o juiz recompõe a situação jurídica preexistente ao processo, reconstituindo assim os fatos alegados e aplicando sobre esses, as normas de direito objetivo, para que se solucione o litígio mediante a concretização dos preceitos que devem regular os interesses conflitantes.

Quando o juiz decide qual direito aplicável ao caso concreto, pratica ato de imperium e inteligência, define a situação jurídica do litígio com a concessão da tutela ao interesse realmente assegurado pelo direito objetivo vigente.

A sentença emerge de juízo lógico sobre fatos e normas aplicáveis, mas, contudo se projeta dentro e fora do processo, como ato estatal que impõe a vinculação definitiva dos litigantes, ao pronunciamento contido na sentença, seus efeitos e resultado.

A sentença é a lei para o caso concreto, produz a norma in concreto, a retira a partir da norma in abstracto, para o litígio que foi solucionado. O processo de conhecimento é basicamente um processo de sentença.

A sentença tem força de lei dentro do perímetro do caso concreto e, nas questões decididas conforme prevê o art. 468 do CPC. O litígio é a contenda, é a pretensão insatisfeita onde a sentença irá atuar compondo a lide, torna certo, o que antes era duvidoso e controverso.

Para finalmente decidir a lide, precisará o juiz de elementos que a descrevam e individualize essa lide, Portanto, é absolutamente essencial que o autor formule com clareza e precisão a sua pretensão. Para tanto, o autor usará como instrumento da demanda, a petição inicial onde descreverá fatos, sua cominação jurídica, sua pretensão insatisfeita e, apontará, o resultado que pretende obter através da sentença.

Por seu turno, o réu ou demandado irá apresentar seus fatos e direito através da peça contestatória ( que é contraposto negativo) e, justificará com essa porque não deve satisfazer a pretensão do autor, bem como aduzir sobre a não-admissibilidade da tutela jurisdicional.

Não basta apenas descrever os fatos e narrá-los em minúcias é curial demonstrar serem reais e verdadeiros, bem como convencer o juiz a respeito das normas jurídicas que cada qual invoca para alcançar a tutela jurisdicional dos respectivos interesses.

O processo de conhecimento se desenvolve por atos de postulação e atos instrutórios, ficando os primeiros com encargo de fixar e descrever o litígio e os interesses em conflito e, as controvérsias daí originadas; já os atos instrutórios se materializam através das provas, e vão demonstrar os fatos articulados e as controvérsias.

Desta forma, a cognitio se configura em três fases procedimentais bem nítidas: a fase postulatória, a fase instrutória e por fim, a fase decisória que resume o esquema básico do processo de conhecimento.

Em cada uma dessas fases, há atos processuais aptos a prover as conexões. Entre a fase postulatória e a fase instrutória, há o despacho saneador que fixará sobre quais atos vige a necessidade de verificação probatória, seja em audiência ou não.

O procedimento é o que exterioriza e materializa o processo de conhecimento e, para tanto, a lei processual designa procedimento comum (ordinário ou sumaríssimo) e, para outros, procedimentos especiais.

Sendo ampla a cognição pelo procedimento ordinário ou sumário, com ou sem incidentes o curso do procedimento, estrutura-se nessas três fases. Portanto, o processo de conhecimento é processo de sentença.

No sentido global adverte Ernane Fidélis dos Santos, o processo não comporta nenhuma divisão, permanece com sua feição própria e como meio de prestar tutela jurisdicional. Mas de acordo com seus objetivos, o processo apresenta três formas: de conhecimento, de execução e cautelar.

Lembrando que sentença foi um conceito alterado pela recente reforma do CPC sofrida em 2006. Repete didaticamente José Frederico Marques que o processo de conhecimento é processo de sentença. Sentença definitiva, de mérito, e não no sentido antigo do art. 162 § 1º do CPC. O sinal caracterizador do processo de conhecimento está na sentença como ato derradeiro em que o Estado presta a tutela jurisdicional.

Há sentença no processo de execução onde há também a cognitio. Alguns doutrinadores alegam que na execução há um parêntese de cognição. Eis o porquê o título executivo exibe concretamente liquidez, certeza e exigibilidade. O processo de conhecimento penetra na execução para que o juiz declare o direito, profira a sentença, a fim de apreciar o título executivo.

Já no processo cautelar, há igualmente a cognitio, mas é não -exauriente, há uma mistura de atos processuais de cognitio com atos de execução. O processo cautelar serve para assegurar o processo de conhecimento ou de execução, chamados de processos principais. O processo cautelar corre contra o tempo, portanto, seu procedimento é simplificado.

Quando há sentença em sentido estrito, na execução e no processo cautelar, nem por isso se pode deduzir dessa circunstância, que a sentença não é nota específica da cognitio. Sentença não definitiva pode haver em qualquer processo, uma vez que cabe ao juiz sempre examinar os pressupostos processuais e condições de ação (de admissibilidade da tutela jurisdicional).

No processo de conhecimento, a sentença é ato decisório que encerra a relação processual. Se, esta findar-se sem apreciação do mérito, a sentença embora encerre o processo, não constitui solução para o litígio. É a chamada sentença terminativa.

Se a cognição findar-se com pronunciamento sobre o mérito, a tutela jurisdicional está sendo prestada através de sentença a que se dá o nome de sentença definitiva. Não importa se é procedente ou improcedente o pedido articulado pelo autor.

No procedimento comum de conhecimento, a tutela jurisdicional é ampla e completa, existindo a chamada cognição plena, exauriente. Ao reverso do que pode ocorrer em alguns procedimentos especiais onde a cognitio é limitada, restrita ou não-exauriente.

Cognição plena é a que incide sobre o litígio, sem restrições, propiciando, por isso, ao juiz, que examine a lide que vai compor, em toda a sua extensão e profundidade, dentro, é claro, dos limites demarcados no pedido.

O processo de conhecimento é um processo de descobrimento do direito. Porém, há casos que a sentença só resta apenas “pôr em prática” esse direito já reconhecido, quer seja previsto numa sentença ou num título executivo extrajudicial, como por exemplo, uma nota promissória ou um contrato.

A pretensão do autor é confrontada com a defesa do réu, em pesquisa ampla e total: o juiz levará em conta todas alegações das partes quanto à pretensão, e a defesa do réu quanto às condições da ação, e quanto ao mérito, para decidir a lide de modo definitivo.

Alegação sem o estofo de comprovação, é alegação infundada e será irrelevante para o convencimento do juiz para decidir a causa. A sentença é que põe termo ao ofício de julgar do magistrado resolvendo ou não o processo. Reside aí a distinção entre sentença definitiva e sentença terminativa.

Quando houver prejudiciais consubstanciadas em relação jurídica que fundamenta o pedido do autor, esta também será apreciada, na cognitio do juiz, ainda que incidentalmente; mas se houver pedido declaratório incidental, acrescido à demanda do autor, ou à defesa do réu, a prejudicial constituirá objeto da iurisdictio e da decisão do magistrado, tal como a questão principal ( arts. 5, 325 e 470 do CPC).

Na cognição limitada ou restrita não há o exame total da lide, seja porque esta se enquadre num processo que sofre limitações. No mandado de segurança, a pretensão do autor contra o Estado somente será atendida se o direito subjetivo daquele for líquido e certo.

Caso contrário, terá de propor ação contra o Estado, através das vias processuais do procedimento comum. A cognitio do writ constitucional é incompleta: o juiz não estará apto a declarar, se o autor tem ou não direito contra o Estado e, sim, se existe ou não direito líquido e certo. A lide é encurtada, em sua projeção processual, o que torna incompleta a cognitio sobre a pretensão do autor contra o Estado.

Os procedimentos de cognição restrita diferem do procedimento sumaríssimo. O procedimento sumaríssimo veio no bojo da Carta Magna de 1988 em seu art. 98, I e, mais tarde veio a ser disciplinado pela Lei 9.099/95 com a criação dos Juizados Especiais.

É menor que o procedimento sumário e se orienta pelos critérios de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e, sempre que possível prima pela conciliação e a transação.

Este se distingue do procedimento ordinário, porque o movimento processual é mais rápido e o modus procedendi mais curto; aqueles, no entanto, se distinguem do procedimento comum por seu conteúdo.

O procedimento é imanente ao processo, bem alega Vicente Greco Filho: “Não há processo sem procedimento e não há procedimento que não se refira a um processo”.

No procedimento ordinário a cognição é sempre ampla, motivo pelo qual nos juízos especiais com procedimento sumário ou sumaríssimo é que se colocavam os casos de cognitio limitada.

A jurisdição no processo de cognição concede-se ao juiz aqueles poderes clássicos: a notio, a vocatio, a coertitio e o iudicium. A notio é o poder de conhecer uma lide ou causa, para ordenar os atos do processo.

Na notio, como bem leciona Hugo Alsina estão compreendidos os atos processuais de reunião do material de conhecimento, e ainda, os atos de instrução requeridos pelas partes, e aquelas outros que a lei o autoriza o juiz a praticar de ofício.

A vocatio, por outro lado, consiste no poder do juiz fazer comparecer em juízo todos aqueles cuja presença seja útil aos fins do processo (sejam partes, testemunhas, informantes ou peritos); e a coertitio é o poder conferido ao juiz de impor disciplina (usar de coerção) e ordem (até pela força se necessário) na prática dos atos processuais, bem como durante as sessões e audiências. Por fim, o conhecimento, consiste no poder de julgar (iudicium), isto é, proferir sentença definitiva a fim de solucionar o litígio.

Há também, a executio, que nada tem haver com a tutela jurisdicional de conhecimento.

O processo de conhecimento se instaura com a propositura da ação e, se considera proposta conforme os termos do art. 263 CPC, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída onde haja mais de uma vara.

A apresentação da petição inicial que representa o instrumento formal do pedido conexo à ação, forma-se a relação linear entre autor e o juiz, onde já existem os atos preambulares do processo, que depois de citado o réu, se angulariza e, por fim, assumindo finalmente seu traçado triangular.

A distribuição ou o despacho do juiz documenta a propositura da ação, estabelecendo o início do processo de conhecimento. A distribuição é ato processual que se liga ao registro. E este consiste na anotação e documentação das causas conforme prevê o art. 251 do CPC.

O processo começa por iniciativa das partes, cabe, portanto, ao autor propor a ação de conhecimento e levá-la à distribuição. Mas, o processo se desenvolve por impulso oficial, o distribuidor após documentar a entrega da peça exordial, e a enviará obrigatoriamente ao juiz pra deva conhecer do processo.

A distribuição está precipuamente ligada à organização judiciária e desta é dependente.
Despacho liminar é aquele que o juiz profere em relação à petição inicial, aonde vem exposto o pedido do autor com suas especificações e fundamentos (art. 282, III e IV do CPC), bem como requer a citação do réu (art. 282, VII do CPC).

Todavia, a petição inicial poderá ser indeferida como se vê do art. 295 do CPC, hipótese em que se dá o despacho liminar negativo, com o indeferimento do que foi requerido pelo autor e da citação do réu.

O despacho liminar positivo é simples ato ordinatório que determina a citação do réu, Aliás, o “cite-se “é mesmo despacho de mero expediente. É certo que nesse caso o juiz entende que existe viabilidade aparente do pedido do autor, mas seu conteúdo é tão-só a ordem de citação.

Com a angularização da relação jurídica processual, verifica-se o ajuizamento da petição. E, a partir daí tem aplicabilidade o art. 294 do CPC, deixa de fluir o prazo decadencial incidente na relação de direito material, interrompe-se a prescrição, na data do despacho, se houve a citação efetiva do réu ou demandada.

Há uma forma intermediária de despacho liminar, que é prevista no art. 284 do CPC que permite a emenda da inicial, e se descumprida a diligência, será então proferido o despacho negativo (art. 284, parágrafo único do CPC).

Como o processo é relação jurídica triangular somente depois de citado o demandado é que se completa e se estabiliza de vez que é a citação válida e regular que cria a litispendência (art. 219 do CPC).

Com a litispendência, o litígio se torna conteúdo de um processo, e reza o art. 268 do CPC Português a instância deve se manter a mesma: quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas em lei “.

Com a ius vocatio, o processo se torna actrum trium personarum, (ato de três personagens), com a conseqüente triangularização da relação jurídica processual. A litispendência que com a citação se forma, se fixa os elementos objetivos e subjetivos do litígio dentro do processo, com que se configura, o objetivo da tutela jurisdicional, ou res in iudicium deducta, e ainda se individualizam como partes, os sujeitos da relação processual envoltos na lide.

A litispendência individualiza objetiva e subjetivamente a lidem de forma que para essa lide, não pode ser pedida nova tutela jurisdicional (ne bis in idem), além disso, torna preventa a jurisdição, nesse caso, resta prevento o juízo que despachou, em primeiro lugar, a inicial.

Vigoram ainda outros efeitos jurídicos-materiais da citação: a purgação de mora, a litigiosidade da coisa e a interrupção do curso do prazo prescricional. Cabe, no entanto, às normas de direito material disciplinar quais efeitos da purgação de mora e da litigiosidade da coisa, bem como definir tais fatos jurídicos, o mesmo se refere ainda aos efeitos interruptivos da prescrição, que in ius vocatio provoca.

Estabilizada a relação processual, fica imutável o litígio conforme os termos do art. 264 do CPC. Arredado o conceito da litiscontestatio que sobreviveu ao curso evolutivo do direito processual. Substituiu-se pela litispendência, uma vez que se estabiliza o processo com a citação, em lugar de ser com a resposta do réu.

Com razão asseverava Niceto Alcalá-Zamora ao descrever que a litiscontestação e litispendência distinguem e separam áreas doutrinárias do Direito Processual Civil: aquela é signo das concepções privatísticas deste, outrora vicejaram, enquanto que a última não deslocando da citação para a contestação, o momento constitutivo da estabilidade do processo, é a marca específica das modernas concepções publicísticas.

E, prossegue o grande doutrinador: “Litispendência e litiscontestação, duas palavras com metade em comum, e cuja segunda parte serve de linha divisória de dois mundos processuais distintos”.

A tutela jurisdicional pedida pelo autor, ao ser prestada atinge seus fins, encerrando-se assim o processo. Todavia, também este se encerra, mesmo quando não haja prestação jurisdicional. E no processo de conhecimento, isto se verifica quando há extinção do feito mesmo sem sentença de mérito.

São as hipóteses do art. 267 do CPC, ao passo que outras são previstas no art. 269 do CPC trazem a extinção do processo com julgamento do mérito.

A declaração de inadmissibilidade da tutela jurisdicional pode ter lugar ao final do procedimento, como ainda em momento anteriores; e o mesmo se verifica quando a relação processual se encerra com a composição da lide.

Haverá extinção do processo sem apreciação do mérito, e, portanto, sem a entrega da prestação jurisdicional quando o juiz: a) profere, desde logo no início do procedimento, a sentença de indeferimento da petição inicial (art. 295 do CPC); b) profere sentença “conforme o estado do processo” declarando este findo (art. 329 combinado com art. 267 do CPC); c) pronuncia sentença, ao final do procedimento, sem julgamento do mérito.

Em outras fases do processo será possível a sentença, declarando encerrado o processo: a) quando o processo ficar parado por mais de um ano por negligência das partes, onde fica nítida a ausência de interesse processual das partes (art.267, II do CPC); quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de trinta dias (art. 267, III do CPC); quando houver pela convenção de arbitragem (conforme redação dada pela Lei 9.307 de 23.09.1996); quando o autor desistir da ação; quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal e, ainda, quando ocorrer confusão entre autor e réu.

As hipóteses previstas nos incisos IV, V e VI do art. 267 do CPC, o juiz reconhecerá de ofício, ou a requerimento da parte, no instante em que tomar ciência das circunstâncias impeditivas ali presentes.

Nos casos dos incisos VII até o X do art. 267 do CPC haverá pedido da parte, denunciando a convenção de arbitragem, ou desistindo da ação, ou acusando a confusão entre as partes, ou dando ciência da morte de titular do direito intransmissível.

O deferimento da petição inicial não possui efeito preclusivo, a matéria pertinente a esse indeferimento pode, ao depois, ser alegada e renovada. No entanto, a decisão proferida segundo o estado do processo, através de despacho saneador, dará causa à preclusão, se repetir argüição de preliminar anteriormente apontada pelo demandado. O mesmo se verificando com qualquer outra sentença proferida no curso do processo.

O encerramento com composição da lide é expresso pelo art. 269 do CPC, encerra-se o processo com a devida composição do litígio, sendo decisão de meritis. Poderá ocorrer quando: o juiz conhecer de plano a decadência ou prescrição e, mormente, não mais restrita aos direitos patrimoniais; quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; quando o réu reconhecer a procedência do pedido; quando as partes transigirem; quando o autor renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação.

Os atos dispositivos concertados pelas partes, quer sejam bilateral ou unilateral necessitam de ser homologados pelo juiz, através da sentença que se revestirá de título executivo judicial. É de fato julgamento de mérito, pois ocorre a efetiva composição da lide por meio do negócio jurídico processual.

O art. 158 do CPC (os atos das partes) não galga a extinção do feito, mas apenas das relações jurídicas existentes menores que se inserem no curso procedimental. E, tanto isso é veraz que o art. 269 do CPC exige expressamente que haja julgamento (isto é, sentença). O mesmo refere-se à desistência da ação que só produzirá efeito depois de devidamente homologada por sentença.

Quanto à composição pelo julgamento de mérito, o juiz proferirá a sentença após a instrução, quando pronunciar julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC). A conciliação devidamente reduzida a termo, será assinada pelas partes e homologada pelo juiz conforme o art. 449 do CPC, tudo ocorrendo na audiência de instrução e julgamento.

A relação jurídica processual se constitui pela propositura da ação, por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial até chegar seu fim com a sentença. Esta sentença pode ser de mérito (sentença definitiva) ou de extinção do feito sem apreciação do mérito (sentença terminativa). Por outro lado, o litígio poderá ser composto através de negócio jurídico processual homologado por sentença.

Normalmente finda o processo com a composição da lide, quando proferida a sentença de mérito, após a instrução probatória e os debates orais ou escritos, mas pode haver julgamento antecipado da lide, onde a sentença de mérito encerra o feito sem haver audiência de instrução e julgamento, logo após findar a fase postulatória.

Havendo negócio jurídico processual será indispensável a respectiva homologação judicial.

Poderá mesmo em caráter excepcional a extinção do processo ocorrer in limine, se indeferida a petição inicial. Nos casos de arquivamento o processo também se encerra de modo anormal.

Em síntese, a formação da relação processual se dá em duas etapas: a primeira com a propositura da ação, em que se tem como iniciada a formação da relação, nesse momento, esta é ainda linear (art. 263 do CPC); e, em segundo lugar, completa-se a relação, com a citação do réu (art. 219 do CPC). É fato que antes da citação a relação não está completada, não está triangularizada.

Pode-se dizer em verdade, que antes do segundo momento, não há processo em sua plenitude. Tanto assim que a citação é considerada pela maioria dos processualistas como pressuposto processual de existência.

Considerar-se-á pendente o processo que, após a citação posto que ainda não fez coisa julgada, ou seja, é passível de reexame. Uma ação é idêntica à outra conforme prevê o art. 301, § 2º, segunda parte do CPC, quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

A noção de relação processual, como mormente aceita nasceu na Alemanha (Adolph Wach), na segunda metade do século passado e, em sua formação triangular, no vértice se encontra sempre o Estado-juiz, o que ratifica o processo como encartado no direito público.

Concluindo, a relação jurídica processual reveste-se das seguintes características: a autonomia (posto que não se confunde com a relação de direito material que se discute no processo); a trilateralidade (autor, réu e juiz); pública; complexa (há recíprocos direitos e deveres e ônus) e dinâmica (desenvolve-se progressivamente até um ato final que é a sentença).

Desse modo, o processo não se caracteriza apenas como sucessão de atos, mas sobretudo, pela unidade jurídica que compreende relações e vínculos jurídicos que se produzem através do movimento processual.

Processo é método pelo qual se opera a jurisdição, é instrumento estatal manejado pelo juiz a fim de realizar a função de prestar a tutela jurisdicional seja qual for a natureza do conflito.

Os autos do processo são os atos documentados por escrito, e o procedimento é a forma material pela qual o processo se realiza em cada caso concreto.

Há três espécies distintas de processos:

I – o processo cautelar, que possui natureza auxiliar (acessória), buscando a situação de fato, a fim de garantir a efetividade do processo de conhecimento; formado pela cognição sumária, envolve uma “tutela de urgência” que tem como pressupostos o fumus boni iuris e o periculum in mora.

II – o processo de conhecimento ou de cognição cujo objetivo é a formação da norma jurídica concreta que deve disciplinar determinada situação, constitui atividade típica da jurisdição.

III – o processo de execução cujo objetivo é modificar a realidade, realizando o direito declarado do processo de conhecimento (título judicial); ou reconhecido pela lei (título extrajudicial), normalmente por meio de expropriação de bens do devedor.

Com a recente reforma do CPC sofrida a partir de 2006, passamos a ter um processo de conhecimento autoexecutável, não mais necessitando da nova propositura de ação executiva para se galgar o cumprimento de sentença líquida.

Hoje temos um procedimento de conhecimento que absorveu o processo de execução em hipóteses que na verdade somam a maioria dentro do nosso sistema. No mesmo processo em que se reconhecerá a obrigação, essa será efetivada.

A nova espécie de processo de conhecimento possui duas vertentes: a primeira nitidamente cognitiva e, a segunda executiva. Assim existem doutrinadores que afirmam categoricamente que o processo de conhecimento absorveu o processo de execução, não o recebendo como processo distinto, mas como mera fase deste. É o que chamamos de sincretização dos processos.

Há uma nítida tendência de reunir o que outrora era praticado em três processos distintos em um só.

No processo de conhecimento o procedimento subdivide-se em comum ou especial. E, o procedimento comum, por sua vez, também se biparte em ordinário e sumário.

O art. 271 do CPC aconselha a aplicação do procedimento cabível por exclusão, ou seja, sempre que não houver previsão expressa de procedimento especial, seja no próprio CPC, seja em leis extravagantes, o rito será o comum ou ordinário, ou ainda, o sumário.

A errônea escolha do procedimento poderá acarretar o indeferimento da petição inicial, caso não seja possível adaptar-se ao procedimento legalmente previsto (art. 295, V CPC), razão pela qual deve o advogado estar atento para verificar qual é o procedimento adequado para o caso concreto.

Não há prejuízo às partes e nem aos princípios informativos do direito processual a adaptação do procedimento sumário ao procedimento ordinário ou comum, posto que este é mais extenso, mais dilatado. Todavia, o reverso, do ordinário converter-se em sumário, poderá ocorrer o cerceamento de defesa, provocando assim grave violação do princípio do contraditório e do devido processo legal.

Não existe, contudo, a possibilidade de optar pelo procedimento da preferência do autor. A determinação do procedimento adequado é ditame de ordem pública do processo, é a chamada indisponibilidade do procedimento que leva o juiz a indeferir a petição exordial.

É excepcional a permissão de optar pelo procedimento ordinário como requisito para cumulação de demandas regidas por procedimentos diferentes (art.292, § 2º do CPC).

A tendência contemporânea processual é no sentido de atenuar os rigores das escolhas inadequadas, e só sancionar quando o rito inadequado acarretar prejuízo às partes, é a prevalência da regra da instrumentalidade das formas (art.245 do CPC), além disso, antes da eventual extinção do feito deve ser ouvido sempre o autor.

Independentemente do procedimento escolhido, é de se atentar ao benefício criado pela Lei 10.173 de 9 de janeiro de 2001 que acrescentou os arts. 1.211-A até o art. 1.211-C do CPC, que prevê prioridade na tramitação processual onde figura como parte pessoa com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos.

O procedimento comum ordinário é o padrão no processo de conhecimento, sendo que todos os outros procedimentos (sejam especiais ou sumário) são variações dele.

Os processualistas dividem o procedimento ordinário em quatro fases: fase postulatória, fase saneadora, fase instrutória e a fase decisória.

Atenção! No procedimento previsto pela Lei 9.099/1995 a audiência preliminar é obrigatória, significando a ausência das partes efeitos diferentes. Se for ausente o autor, acarretará o arquivamento do feito. Se for ausente injustificadamente o réu, será considerado revel, e se submeterá aos efeitos da confissão ficta (art. 319 do CPC). Curial é realmente ocorra a efetiva citação do demandado, do contrário, não há como se cogitar em revelia e nem mesmo nos efeitos da citação ficta.

A última fase que corresponde a sentença (arts. 458 e seguintes do CPC). Esta pode ser proferida na própria audiência de instrução e julgamento ou no prazo de dez (10) dias.

O procedimento comum sumário é notabilizado por sua maior celeridade em comparação com o procedimento ordinário. Onde os atos processuais são concentrados, havendo supressão ou abreviação de fases do rito comum ordinário, com o objetivo de tornar a prestação jurisdicional mais célere. No sumário a economia se dá pois ocorre a junção da fase saneadora com a fase probatória.

Segundo o art. 275 do CPC observar-se-á o procedimento sumário.

Há uma expressa observação de que esse procedimento não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas.

Nos recorda apropriamente Vicente Greco Filho que no sistema processual brasileiro o procedimento sumário é também de cognição plena e produz sentença de mérito com a mesma força e estabilidade da sentença produzida em procedimento ordinário.

A última fase do procedimento sumário correspondente a sentença (art. 281 do CPC). O juiz proferirá a sentença ou na própria audiência de instrução e julgamento ou no prazo de 10 (dez) dias.

As sentenças terminativas originam a coisa julgada formal (art. 267 do CPC) ações que podem ser novamente propostas. Ocorrerá conexão quando entre duas ações se verifica a igualdade entre o objeto ou a causa de pedir (art. 103 CPC) não extingue o processo, apenas alterar-lhe a competência.

Registre-se que o art. 280 do CPC com a redação da Lei 10.444/2002 declara que no procedimento sumário não são admissíveis a ação declaratória incidental e a intervenção de terceiros, salvo a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro.

A antecipação de tutela no processo de conhecimento foi introduzida pela Lei 8.952/94 postando uma forma de obter tutela de urgência , alterando o mecanismo lógico e natural do processo de cognição, qualquer que seja o procedimento, estabelecendo um novo tipo de tutela de urgência, que permite ao juiz, diante de provas não exaurientes e, por meio de decisão interlocutória fundamentada ( art. 273,§ 1º do CPC), conceder total ou parcialmente a tutela que, de regra, só deveria ser concedida ao final do processo, após encerramento da fase de instrução ( decisão de mérito), permitindo, desta forma, que o autor de imediato tenha satisfação da sua pretensão.

A antecipação da tutela se justifica na necessidade do Estado-juiz tem que tornar eficaz o processo, o que nem sempre é possível quando se tem que esperar longamente que ele pode demorara até que, finalmente, seja prolatada sentença, e esta se torne executável, após seu trânsito em julgado.

Note-se em tempo, que a antecipação de tutela em nada se confunde com as medidas cautelares, apesar de ambas serem tutelas de urgências, e possuam os mesmos pressupostos como o periculum in mora e o fumus boni iuris, buscam resguardar a efetividade do processo de conhecimento. Enquanto que a antecipação de tutela tem o efeito de possibilitar a imediata satisfação do direito material buscado na ação, embora constitua uma medida provisória e revogável (art. 273, § 4º do CPC).

Outras diferenças existem entre esses dois tipos de tutelas de urgência, mormente, quanto aos requisitos legais para concessão, existe prova inequívoca, ou ainda o juiz se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, que fique caracterizado o abuso de direito de defesa o manifesto propósito protelatório do réu.

É importante se lembrar que não se concederá tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Tem como limite o pedido formulado na exordial e pode ser pedida ou concedida em qualquer fase do processo, desde que ainda não se tenha prolatado a sentença.

É vedado que o juiz a conceda de ofício, o que se coaduna perfeitamente com o art. 2º do CPC que consagra o princípio da inércia da jurisdição.

Quanto aos demais requisitos para a antecipação da tutela, é inegável que a questão é tormentosa que envolve a chamada “prova inequívoca” bem como a que diz respeito ao convencimento do juiz quanto à verossimilhança das alegações da parte.

Sendo o juiz o autêntico destinatário da prova, seja qual for esta (documental, testemunhal, pericial) somente o magistrado poderá qualificá-la, avaliando profundamente seu caráter de certeza que lhe transmitem.

Mas, a prova inequívoca será aquela que se mostrar bastante para incutir no espírito do juiz que as alegações do autor são verdadeiras, ou, em outras palavras, aquela que convença o juiz de que há muita possibilidade, ou verossimilhança, de que as alegações do autor são verdadeiras, possibilitando a concessão fundamentada, de forma clara e precisa da tutela antecipada requerida.

Sem que haja risco de prejuízo pela não-concessão imediata da medida (periculum in mora), de forma que seja tutela conversível.

Com efeito, a irreversibilidade da tutela não se coaduna com o caráter, expressamente prevista no art. 273, § 4º do CPC, que é provimento provisório e eminentemente revogável.

Cândido Rangel Dinamarco assinala com sua habitual sagacidade que “o direito moderno não se satisfaz com a garantia da ação, como tal, e, por isso é que, procura extrair da formal garantia desta algo de substancial e mais profundo. O que importa não é oferecer ingresso em juízo, ou mesmo, julgamento de mérito (…) “.

“Indispensável é que, além de reduzir os resíduos de conflitos não jurisdicionalizáveis, possa o sistema processual oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações injustas e desfavoráveis. É a idéia de efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de resultados”.

O direito processual tem por objeto as posições ocupadas no processo pelos três sujeitos principais: juiz, autor e réu, bem como os atos que realizam e a relação jurídica existente entre eles.

O poder do juiz no processo é jurisdição, o autor atua com fundamento no que se chama ação, o réu exerce defesa e o método dessa cooperação entre esse três sujeitos é processo.

Jurisdição, ação, defesa e processo constituem, portanto o núcleo da ciência processual, ou seja, o núcleo do seu objeto material. Norteado pelo acesso à ordem jurídica justa revela o Estado moderno sua preocupação com o bem-comum, já pelo princípio do contraditório se traz o regime democrático representando a participação dos indivíduos como elemento de legitimação do exercício das decisões tomadas por quem exerce a jurisdição.

Ao cuidar da garantia do devido processo legal se traduz no fiel cumprimento do princípio da legalidade e da supremacia da Constituição.

O sistema processual possui como objetivo final que podemos chamar garantia-síntese é o acesso à justiça que se situa na jurisdição constitucional das liberdades.Três ondas renovatórias do direito processual brasileiro foram voltadas para:

a) a assistência jurídica integral dos necessitados;
b) à abrangência de certos conflitos supra-individuais antes excluídos de qualquer tutela em juízo ( direitos e interesses difusos e coletivos);
c) o aperfeiçoamento técnico dos mecanismos internos do processo (Mauro Cappelletti).

No Brasil se fez sentir, pela criação dos juizados especiais, a instituição da ação civil pública de cunho coletivo a defender valores ambientais e de consumidor, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, a ação popular e a mentalidade dos juízes agora mais voltada para valores sociais reais.

As reformas do CPC foram a resposta da doutrina e da população que requeriam maior efetividade processual capaz de bem atender ao trinômio qualidade – tempestividade – efetividade.

O pensamento jurídico-processual brasileiro sofreu notória influência de Enrico Tullio Liebman que imprimiu verdadeiro cunho científico com empenho no estudo da ação, dos pressupostos processuais como categoria autônoma e distinta das condições da ação, pela afirmação do processo como relação jurídica entre seus sujeitos principais, pela clara distinção entre sentença de mérito e a meramente terminativa, pela visão da coisa julgada como imutabilidade dos efeitos da sentença e, ainda a nítida diferença entre os processos de conhecimento e da execução, e o conceito funcional do título executivo.

A doutrina brasileira tem como certa a trilogia sobre as questões na composição do processo pelo juiz, cabendo a este decidir sobre pressupostos processuais, requisitos de regularidade processual, sobre a ação (suas condições) e sobre o mérito (os fatos, o valor da prova e direito material).

Diferentemente da tendência européia moderna que é mais no sentido do binômio (pressupostos processuais e mérito).

A cultura processual brasileira padece de um paradoxo metodológico decorrente da aceitação de conceitos e propostas técnicas hauridas dos mestres europeus, principalmente alemães e italianos, ao mesmo tempo em que a fórmula político-constitucional de separação de poderes que tem muito mais do modelo norte-americano.

No Brasil como também no common law o controle da Administração é feito por juízes do poder judiciário, sendo inexistente o contencioso administrativo que nos principais países europeus existe.

Há um exagerado apego doutrinário ao conceito de lide que vem caracterizar esse paradoxo. O conceito de conflito não é cristalino em doutrina, é o elemento substancial da lide que representa conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida (Carnelutti). O conflito é caracterizado pela pretensão a um bem ou situação da vida.

O significado do vocábulo composição tem acepção de regramento com estabelecimento da norma que disciplina o conflito de interesses. Compor a lide significa criar a norma que a resolve, na dicção de Francesco Carnelutti.

Nesse sentido o juiz não compõe a lide, posto que não cria a norma do litígio, reconhece sua existência e revela os direitos e obrigações eventualmente emergentes no caso concreto. A composição consiste em produzir resultados práticos socialmente úteis, representados pela concreta atribuição de bens ou definição de condutas permitidas ou vedadas, ou seja, pela eliminação do conflito e pacificação dos litigantes.

Também as pessoas em conflito através da autocomposição ou heterocomposição não criam normas, simplesmente dirimem o conflito, pondo-lhe fim.

Por fim a crise jurídica no direito processual trouxa para o acesso à justiça, os meios alternativos de jurisdição como arbitragem, mediação e conciliação.

No processo de conhecimento é tipicamente estruturado para produzir o julgamento da pretensão, o provimento final é a sentença do mérito, com que o juiz a julga procedente, ou improcedente, ou procedente em parte (art. 459 do CPC).

Provimento é ato imperativo de exercício do poder em situação concreta, é sentença. Mas, é conceito amplo do direito público não simplesmente confinado ao processo jurisdicional.

O CPC recomenda expressamente o procedimento ordinário para o processo de conhecimento em primeiro grau de jurisdição sempre que não haja regra específica optando por outro procedimento, e manda também que este principie coma petição inicial, citação do réu, prazo para resposta, audiência preliminar, eventual prova pericial ou testemunhal, audiência de instrução e julgamento e findando com a prolação de uma sentença.

O processo de conhecimento pelas vias ordinárias incluem cognição plena, contraditório desde o início, instrução mais delongada ou menos conforme o caso, e, por fim, sentença de mérito.

O processo de conhecimento tem como mola propulsora a prova, a concessão de tutela jurisdicional pela sentença de mérito constitui sempre um julgamento, feito com base em regra de direito material, da decisão sobre as pretensões trazidas a juízo.

A prova é importante meio processual destinado a perquirir a verdade, exatamente para conhecer a causa. Todos os pontos sobre os quais o juiz busca inteirar-se o suficiente para afinal formar o objeto do conhecimento.

Na cognição sumária que se limita à investigação das alegações trazidas pelo autor, diferindo-se para o futuro o eventual exame dos fundamentos de defesa (como por exemplo, no processo monitório). Ou se contenta com exame menos apurado e profundo das alegações a serem consideradas no julgamento conforme ocorre no processo dos juizados especiais.

Nos juizados especiais cíveis, nas causas de menor complexidade que se apóia num modo especialíssimo de como ali se relacionam os sujeitos do processo, sendo um processo dotado de grande liberdade formal, oralidade e maiores poderes para o juiz. Perante os juizados especiais realizam-se processos cognitivos e executivos.

A tutela cognitiva sofre uma crise de certeza, daí haver um arsenal capaz de complementar na medida do possível o grau de verificação e verossimilhança dos fatos para que possa daí o juiz extrair seu livre convencimento. Nesse arsenal encontram-se as presunções, indícios, confissão ficta e etc.

O processo de conhecimento ou declaratório em sentido amplo provoca o juízo, em seu sentido mais restrito e próprio, através de instauração, o órgão jurisdicional é chamado a julgar, declarando qual das partes tem razão. O objeto do processo de conhecimento é a pretensão ao provimento declaratório chamado de sentença de mérito.

A sentença de mérito coroando o processo de cognição, formula positiva ou negativamente a regra jurídica especial do caso concreto, concluirá pela procedência se acolher a pretensão do autor; concluirá pela improcedência, quando a rejeitar.

Os processos de conhecimento também se subclassificam, de acordo com a natureza do provimento pretendido pelo autor, em três categorias: a) processo meramente declaratório; b) processo condenatório; c) processo constitutivo.

Todas as sentenças declaratórias em lato sensu (sentença de mérito) contêm declaração da regra jurídica substancial concreta; a meramente declaratória limita-se à declaração sobre a existência ou não de certa relação jurídica ou situação jurídica; enquanto que a condenatória além de declarar o direito, aplica a sanção executiva; a constitutiva, além de declarar modifica a relação jurídica substancial.

A condenação e a constituição só se configuram quando as sentenças acolhem a pretensão do autor, porque, se a rejeitam, são sentenças declaratórias negativas.

O processo meramente declaratório visa apenas à declaração da existência ou não da relação jurídica, excepcionalmente, a lei pode prever a declaração de meros fatos. A incerteza jurídica determina ou pode determinar a eclosão de um conflito entre as pessoas; existe, portanto um estado de incerteza jurídica um conflito atual ou pelo menos o perigo de conflito.

A regra geral ampara o pedido meramente declaratório conforme se vê do art. 4º do CPC, cujo inciso II indica a única possibilidade de mera declaração de um fato (falsidade documental). Temos como exemplos específicos de sentenças civis meramente declaratórias as proferidas em processos de usucapião (tendente a declarar a aquisição de propriedade) ou de nulidade de ato jurídico. Outro caso: protestada uma duplicata sem aceite, dirige-se ao juiz o suposto devedor, dizendo que nada deve e pedindo sentença declaratória negativa da existência do débito.

Ada Pellegrini Grinover aponta que no processo penal são exemplos de sentenças meramente declaratórias a que concede hábeas corpus previsto no art. 648, inc. VII do CPP (a qual declara a inexistência da relação jurídica consubstanciada no direito de punir) ou o habeas corpus prevê (que declara o reconhecimento do direito de liberdade), bem como a sentença que declara extinta a punibilidade (art.61, do CPP).

A sentença meramente declaratória será positiva ou negativa, consoante declare a existência ou a inexistência da relação jurídica. Serão também meramente declaratórias de natureza negativa quando rejeitam o pedido do autor (com exceção da ação declaratória negativa em que a rejeição tem conteúdo declaratório positivo).

É fato que com a sentença presta-se o provimento declaratório invocado. De forma, mesmo quando nega a existência da relação jurídica, ou quando nega procedência ao pedido do autor, a sentença declaratória se manifesta positivamente, firmando uma posição quanto à tutela jurisdicional invocada.

Se o autor quiser depois exigir a satisfação do direito que a sentença tornou certo, deverá propor nova ação, de natureza condenatória. Vale, portanto, a sentença declaratória como preceito, tendo efeito normativo no que concerne à existência ou inexistência da relação jurídica entre as partes.

A sentença condenatória impõe a sanção que não se confunde com a sanção de direito material (medida de agravamento da situação do obrigado inadimplente), consiste em possibilitar o acesso processual de execução forçada. É a sentença condenatória entre as demais espécies de sentença, a única que participa do estabelecimento, a favor do autor, de um novo direito de ação (ação executiva ou executória), que é o direito à tutela jurisdicional executiva.

Tanto na seara cível como na penal, o processo condenatório é, sem dúvida, o mais freqüente.

Pelo processo constitutivo chega-se a peculiar declaração a todas as sentenças de mérito (provimentos jurisdicionais de conhecimento) com o acréscimo da modificação de uma situação jurídico anterior, criando-se uma nova. É constitutiva pois constitui , modifica ou extingue relação jurídica ou situação jurídica. E para que procede à constituição é mister que antes a sentença declare que ocorrem as condições legais que autorizam a isso.

É o próprio ordenamento jurídico que condiciona o efeito jurídico da sentença. Existem as sentenças constitutivas necessária quando o ordenamento jurídico só admite a constituição, modificação ou desconstituição do estado ou relação jurídica por via jurisdicional ( é o caso da anulação do casamento), mas deixou de o ser no caso de separação judicial amigável, sem filhos menores, e de divórcio que pode atualmente redundar de acordo homologado em cartório.

A sentença constitutiva não-necessária são aquelas que galgar certos efeitos jurídicos que também poderiam ser conseguidos extrajudicialmente, é o caso de rescisão de contrato por inadimplente, a anulação dos atos jurídicos.

Ao lado da sentença meramente declaratória, constitutiva e condenatória, como desdobramento desta última, existem as sentenças mandamentais e executivas lato sensu, que se distinguem da condenatória pura porque a atuação concreta do comando da sentença não depende de um processo executivo ex intervallo.

A ordem judicial da sentença mandamental e a eficácia própria da sentença executiva lato sensu não dependem, para sua concretização, de processo de execução autônomo, como ocorre para a sentença condenatória pura.

Importante aspecto relativo ao processo de conhecimento é o que consiste em determinar se a sentença produz efeitos jurídicos para o futuro (ex nunc), ou se, ao contrário, pode reportar-se ao passado (ex tunc).

O fato de às vezes a sentença atingir situações anteriores a ela própria (art. 158 do CPC) não significa, todavia, que seja retroativa. Ao contrário, a sentença tem efeitos retardados em relação à possibilidade de autotutela imediata e é para corrigir esse retardamento que pode ter efeitos ex tunc.

A regra geral é que as sentenças condenatórias e declaratórias produzem efeitos ex tunc, enquanto a constitutiva só produz efeitos para o futuro. Excepcionalmente, porém, a sentença condenatória pode ter efeitos ex nunc (como na ação de despejo, cuja sentença não projeta efeitos pretéritos) e, ainda excepcionalmente, algumas constitutivas têm efeitos reportados à data da propositura (como por exemplo: ação para rescisão de contrato por inadimplemento).

A sentença não mais suscetível de reforma por meio de recursos transita em julgado, tornando-se imutável dentro do processo, configura o que chamamos de coisa juglada formal.

É a imutabilidade como ato processual, advinda da preclusão das impugnações e dos recursos. A coisa julgada formal é considerada a preclusão máxima, a extinção do direito ao processo.

A coisa julgada formal é pressuposto da coisa julgada material. Enquanto a primeira torna-se imutável dentro do processo, a segunda torna imutáveis os efeitos produzidos por esta e lançados fora do processo.

A mais viva e atual doutrina enxerga a coisa julgada formal e a material, não mais como efeitos da sentença, mas como qualidades da sentença e de seus efeitos, uma e outros tornados imutáveis.

A eficácia natural da sentença vale erga omnes, enquanto que a autoridade da coisa julgada somente existe entre as partes. Só as sentenças de mérito ( ou seja a que acolhe ou não o pedido do autor), decidindo quanto á pretensão do autor, produzem a coisa julgada material.

Por outro lado, parte da doutrina entende que mesmo as sentenças de mérito cobertas pela autoridade da coisa julgada material, podem ser revistas em casos excepcionalíssimos, nos quais se relativiza a coisa julgada bem como a prevalência de valores humanos, políticos, morais etc. de envergadura maior do que os valores que foram objeto da decisão.

A relativização da coisa julgada é tese extremamente polêmica nascida no Superior Tribunal de Justiça (Min. José Delgado), e que mesmo entre os que a aceitam, só é defendida para casos realmente extraordinários.

Tal tese parte da premissa de que nenhum valor constitucional é absoluto, devendo todos estes ser sistematicamente interpretados de forma harmoniosa e, conseqüentemente, aplicando-se à coisa julgada o princípio da proporcionalidade, utilizado para o caso de colisão de princípios constitucionais.

Por esse princípio, deve-se dar prevalência ao princípio que no caso concreto se mostre mais intimamente associado à índole do sistema constitucional. Assim, segundo parte da doutrina seria possível considerar a coisa julgada, em processo próprio, para que prevaleça outro bem constitucionalmente tutelado, de índole material.

 

GISELE LEITE:  Formada em Direito pela UFRJ, em Pedagogia pela UERJ, Mestre em Direito, em Filosofia, professora universitária da Universidade Veiga de Almeida e outras do Rio de Janeiro.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

Multiplicar presídios?

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OPINIÃO:   * João Baptista Herkenhoff

         Vejo, com espanto, o orgulho de Governadores de Estado e Ministros da Justiça quando anunciam a construção de novos presídios, estaduais ou federais.

         São presídios cada vez maiores, sofisticados, com instrumental de segurança e até com a brutalidade do isolamento total do preso, com um bilhetinho colocado embaixo da porta: “transforme-se em fera”.

         Até que presídios poderiam ser inaugurados desde que houvesse, na oportunidade, uma ressalva solene: “que pena, estamos inaugurando mais um presídio”.

         Entretanto, não é em clima de pesar que se inauguram prisões, mas em clima de festa.

         Rousseau, debruçando-se sobre a realidade de seu tempo, disse que “abrir uma escola é fechar um presídio”. Sua sentença permanece atual e ganha mais vigor ainda em nossa época.

         Imaginemos a multiplicação de escolas neste país: escolas de excelente qualidade, escolas de tempo integral, escolas onde a criança ou o adolescente estude, brinque, alimente-se, sinta-se integrada ao mundo, tenha a abertura de horizontes, seja feliz.

         Imaginemos um país onde o professor seja valorizado, onde se considere o professor como o mais nobre profissional, tão importante quanto o Presidente da República ou o Governador do Estado, exaltado em prosa e verso, digno de uma remuneração que lhe permita viver com tranqüilidade, comprar livros, viajar, participar de congressos, aperfeiçoar-se.

         Escolas excelentes constroem personalidades integradas, previnem transvios, democratizam a sociedade, combatem as discriminações, são a esperança de um povo.

         Prisões marginalizam seres humanos, dilaceram personalidades, produzem o crime, fecham o futuro.

         Dante, na “Divina Comédia”, colocou uma frase na porta do Inferno advertindo aos que ali entrassem. Que deixassem de fora a esperança. (“Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”).

         Podemos colocar a frase de Dante na porta das prisões: “vocês que entram deixem do lado de fora a esperança”.

         Há, sem dúvida, prisões péssimas e prisões menos ruins. Prisão boa acredito que não haja. Nunca vi, em minha vida, alguém pleiteando ingresso numa prisão.

         Há uma gama de alternativas para reduzir o aprisionamento de pessoas a casos extremos. Com um acompanhamento sério por pessoal competente, com a participação direta e pessoal dos magistrados, tanto na concessão de oportunidades que substituam o encarceramento, quanto no acompanhamento posterior da vida dos beneficiados, resultados surpreendentes podem ser alcançados.

         Abertura de escolas ótimas para todos os brasileiros, destinação das verbas de presídios para escolas, educação como prioridade nacional, respeito à pessoa humana… Que belo programa para o Brasil.


REFERÊNCIA BIOGRAFICA

 

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo – professor do Mestrado em Direito, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.joaobaptista.com

 

Estabilidade no Serviço Público

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 *Leandro Cadenas Prado

Sumario: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Aspectos históricos da estabilidade. 4. Estabilidade na atual Constituição Federal 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.

1. Introdução

A garantia de plena satisfação dos princípios basilares da Administração Pública necessariamente está atrelada às garantias funcionais disponibilizadas aos Servidores Públicos, verdadeiros longa manus do Estado, representado que é por tão qualificada classe de trabalhadores neste país.

Entre outras, enquadra-se a estabilidade no serviço público como uma das importantes garantias à correta execução das funções do Estado, minimizando as possibilidades de intervenções externas odiosas, que têm por interesses outros que não o bem estar social.

 

Dois conceitos que não se confundem são os da estabilidade e o da efetividade. O primeiro, no dizer de Cretella Júnior, ”refere-se ao servidor público que, preenchendo os requisitos legais e estatutários, não pode perder o cargo”, exceto pelas formas previstas na Constituição Federal.

No que concerne à efetividade, seguindo magistério do mesmo doutrinador, ”é característica do provimento de certos cargos, que assim devem ser providos”.  A efetividade é do cargo, é outorgada. A estabilidade é do servidor, é adquirida.

Sobre esse assunto, ainda acrescente-se a sempre oportuna lição de José Afonso da Silva: ”Estabilidade significa que o servidor não pode ser demitido sem processo administrativo ou judicial; é uma garantia constitucional do funcionário; é vínculo ao serviço público, não ao cargo. A efetividade é vínculo do funcionário ao cargo: diz respeito à titularidade de atribuições de responsabilidades específicas de um cargo”.

Esse instituto, no Estado brasileiro, evoluiu, o que é percebido claramente ao se estudar cada uma das Constituições.

3. Aspectos históricos da estabilidade

Já houve um tempo em que laborar na atividade pública não exigia mais que uma indicação de alguém influente na repartição, sem haver necessidade de demonstrar a capacidade por meio de concurso público ou qualquer outra forma de seleção.

Naqueles dias, o quadro funcional era cambiante ao bel prazer da autoridade constituída, que efetivava as substituições sempre que julgada, subjetivamente, conveniente.

Nas duas primeiras constituições do Estado brasileiro independente (1824 e 1891), eram responsáveis, os servidores, por abusos e omissões incorridos no exercício do cargo (1824, art. 179, XXIX e 1891, art. 82), porém não havia qualquer previsão de estabilidade em seu texto. Assim, o que se via era a exigência de determinadas condutas, sem lhes proporcionar qualquer garantia.
Com o advento da Constituição em 1934, passou-se a exigir, para a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas, o concurso público de provas ou títulos (art. 170, § 2º). Aos nomeados em virtude de concurso de provas, garantiu-se o direito à estabilidade após dois anos. Todos os demais alcançariam idêntica garantia aos 10 anos de efetivo exercício (art. 169).



Tal previsão foi repetida pelas seguintes, em 1937 e 1946, sendo que esta reduziu para cinco anos de exercício a estabilidade àqueles funcionários efetivos nomeados sem concurso (art. 188).

Importante alteração foi introduzida pela Constituição de 1967, ao garantir a estabilidade apenas aos que fossem nomeados através de concurso público de provas ou de provas e títulos, após decorridos dois anos (art. 99). Em 1988 surgiu uma nova Constituição, mantendo essa previsão, com as alterações incluídas pela Emenda Constitucional nº 19/1998.

4. Estabilidade na atual Constituição Federal

Vê-se que o instituto da estabilidade está há tempos presente no ordenamento pátrio, reforçando o rol de garantias indispensáveis ao exercício da função pública.



A certeza de manter-se no cargo é o que impulsiona cada um dos servidores a bem executar suas tarefas, independente das pressões que possa vir a sofrer. Se sobrepõe o interesse público aos interesses escusos de alguns poucos, que poderiam tentar impedir ou alterar a ação dos representantes do Estado.

Contudo, há que se destacar, tal ´privilégio´ não é, tampouco deve ser, absoluto. Encontra seus limites claramente delineados na atual Constituição Federal, promulgada em 1988.

O interesse público, princípio basilar do Direito Administrativo, há que prevalecer em todas as circunstâncias.

Nesse mote, julgou por bem o constituinte, prever algumas situações em que a estabilidade do servidor público será atacada, como consolidado nos artigos 41, § 1º e 169, § 4º, da CF/1988.

O mesmo princípio citado alhures justifica ambas as situações: de um lado, a estabilidade indispensável à atividade pública, de outro, a necessidade inarredável de ser rompido tal vínculo com o Estado, em situações próprias.

A regra atual é que os servidores públicos, após três anos de efetivo exercício e aprovados no estágio probatório, adquirirão estabilidade, só podendo ser desconsiderada nos casos expressamente previstos no corpo da CF/1988 (art. 41). Ressalte-se que tal garantia se restringe aos cargos de provimento efetivo. Por sua própria natureza, os cargos de nomeação e exoneração ad nutum, também chamados em comissão, não são alcançados por tal previsão constitucional.

5. Conclusão

Nota-se que o instituto em análise visa tão somente o benefício e interesse público, à medida que garante ao servidor o livre exercício de suas atribuições, minimizando os efeitos de possíveis ingerências externas.

Destarte, para a consecução dos objetivos institucionais, tal garantia funcional não pode ser descartada, sob pena de se inviabilizar todo o funcionamento da Administração Pública. Como não se trata de um benefício pessoal, deve sim ser relativizado, com vistas às correções nos quadros funcionais, sempre que necessárias.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Leandro Cadenas Prado:
é Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, professor de Direito Constitucional, Administrativo e Penal em cursos preparatórios em diversas cidades do país. É também autor, entre outras, de diversas obras publicadas pela Editora Impetus, como Servidores Públicos Federais, 6ª edição, Resumo de Direito Penal – Parte Geral, 2ª edição e Provas Ilícitas no Processo Penal.

2. Conceito

Revista íntima dos empregados

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* Sergio Bushatsky

             Qual a responsabilidade decorrente da prática empresarial, consistente na revista de empregados?

            Esta prática configura dano moral? 2) esta prática configura infração à legislação trabalhista? 3) qual o entendimento jurisprudencial? 4) sopesados tais elementos, a prática real da das empresas gera dano e impele à indenização?

            Tenta-se aqui expor o tema, sob o enfoque de que é absurdo imputar responsabilidade quando não haja culpa e tudo se conduza com regularidade de conduta, configurando-se a legitima proteção de direito.

II – Qual a “revista íntima” por vezes apenada pelos Tribunais?

A “revista íntima” genericamente rechaçada é aquela exercida de maneira vexatória, em situações de extremo constrangimento, com invasão do direito à intimidade, tema levado a estatura constitucional por força do artigo 5º, inciso X. Nesses preceitos estão garantidas as vedações de tratamento desumano e degradante, assim como preservadas a intimidade e a honra.

 Já se encontram julgados que exemplificam de forma bem nítida quais são as práticas abusivas

Como exemplo, uma transportadora de valores foi condenada a reparar um ex-empregado em R$ 13 mil por dano moral. Motivo: o ex-funcionário, que trabalhava como auxiliar de tesouraria era obrigado a ficar totalmente nu para ser revistado. O trabalhador era colocado numa sala com paredes de vidro que proporcionava visão da revista a todas as pessoas que estivessem do lado fora.

A transportadora foi condenada pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). O relator considerou que “a revista do empregado não pode resultar em injustificada invasão de privacidade, pois são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, direitos estes assegurados por norma de status constitucional (artigo 5º, inciso X da Constituição Federal de 1988)”, acrescentando que “ o constrangimento causado por uma nudez infligida por terceiro, como provado no caso sob exame, é patente e impõe a correspondente reparação à vítima”.

Em outro caso se alcançou a seguinte decisão: “Dano moral – ocorrência – revista abusiva – provado nos autos que a reclamada obrigava os empregados a se despirem para revista ao final do expediente, o que era presenciado pelos demais empregados e até por transeuntes da rua, abusiva e ilegal é a sua atitude, o que gera para o empregado direito ao recebimento da indenização por danos morais[1].

 Em um terceiro exemplo[2], foi decidido: “É aceitável e até, infelizmente, necessária, a revista íntima de empregados que manuseiam diariamente grandes quantias de dinheiro, posto que esse procedimento desafie a dignidade humana que, em muitos casos, não resiste a tal espécie de tentação. O que não se pode aceitar, contudo, é a colocação de dois colegas de trabalho nus, lado a lado, para que eles sejam "vistoriados" por vários vigilantes que se revezam ao longo da semana e, ainda por cima, fazem brincadeiras sobre suas características físicas. Dessa maneira, chegamos à situação de uma "revista coletiva", que não pode ser tolerada já que não estamos lidando com gado, mas com seres humanos”.

 Portanto, os tribunais vedam as práticas abusivas, tais como: revista coletiva, nudez, tocar no funcionário, expor o funcionário a vários vigilantes, enfim situações claramente vexatórias.

 Vistas as proibições acima descritas, todas óbvias, é preciso analisar se é realmente abusiva cada prática, caso a caso.

 São comuns as inspeções realizadas da seguinte forma: 1) os funcionários são sorteados de maneira aleatória, sem discriminação; 2) somente o funcionário e o fiscal, do mesmo sexo, ingressam em uma sala reservada, por poucos instantes, onde 3) o funcionário não é tocado e nem necessita despir-se, somente afastando um pouco a blusa e um pouco a calça, para mostrar se carrega alguma peça furtada.

 Resta claro que essa última e corriqueira forma de inspeção tem a observância de critérios objetivos, não discriminatórios, estabelecidos de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, somente no âmbito da empresa e sem nenhuma publicidade, sem atitudes vexatórias, em sistema de sorteio, na saída do trabalho, em local reservado, realizada por pessoa do mesmo sexo, de caráter impessoal.  

 Deve-se frisar a inexistência de caráter pessoal na vistoria, registrando-se que estas hão de obedecer ao principio da aleatoriedade, sem contato físico ou exposição do trabalhador a qualquer situação constrangedora. Desta forma, não existirá caráter discriminatório na inspeção realizada. 

                   A vistoria deve ocorrer em local apropriado, por intermédio de empregado especifico para tal função, por pessoas do mesmo sexo, evitando constrangimento e exposição dos empregados a situações ridículas.

 Portanto, a vistoria realizada pela empregadora, ocorrendo através de controle visual, não sofre qualquer limitação legal. O limite legal, convencionado e moral é a dignidade e a intimidade do trabalhador, que devem ser plenamente respeitadas.

 Tais vistorias visarão única e exclusivamente a proteção do patrimônio do empregador, sem infração ao direito pessoal indisponível de seus empregados, os quais manterão sua intimidade inviolada e totalmente preservada.

 III – A Jurisprudência autoriza a revista – O julgamento de casos semelhantes

 A revista pessoal realizada de maneira proporcional e razoável, não vexatória, é francamente autorizada pela jurisprudência como forma de fiscalizar e proteger o patrimônio do empregador, como se vê:

“DANO MORAL. PROVA PRECÁRIA. Não comprovado nos autos que a revista a que era submetido o empregado tinha caráter vexatório, não há como reconhecer eventual dano moral a justificar a indenização pretendida. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial[3].”   

            Cada caso é um caso, cada ramo empresarial tem suas peculiaridades. O ramo da , confecção de roupa íntima, tomado aqui por exemplo, já foi apreciado por nossos Tribunais, que alcançaram as seguintes conclusões:

 PODER JUDICIÁRIO – Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região –ACÓRDÃO Nº:  20020186546. Nº de Pauta:043 – PROCESSO TRT/SP Nº:  20010290456 RECURSO ORDINÁRIO  – 01 VT de Mauá . RECORRENTE:  VALISÉRE INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA – RECORRIDO:  MARTA SALVADOR – EMENTA – “Dano  moral.  Revista em procedimento de segurança. Não enseja reparação por dano moral   a   revista  pessoal,  quando  é  necessária   e   inevitável  diante  das  circunstâncias      específicas, em  procedimento  rotineiro de segurança, em empregados   aleatoriamente  escolhidos, sem  discriminações, de forma reservada, sem  excessos  e realizada por pessoa do mesmo   sexo.   Direito   assegurado  ao empregador    e a qualquer um – que é o de  proteger  seu  patrimônio, desde que exercido  nos  limites  e de forma a não agredir a dignidade do trabalhador.  ACORDAM    os    Juízes   da  1ª TURMA do  Tribunal  Regional do Trabalho  da  Segunda  Região  em: por  unanimidade  de  votos, dar provimento ao recurso, para rejeitar integralmente o pedido. Custas por reversão.”  RENATO MEHANNA KHAMIS – PRESIDENTE REGIMENTAL  – EDUARDO DE AZEVEDO SILVA RELATOR

PODER JUDICIÁRIO – Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região ACÓRDÃO Nº: 20040034091- Nº de Pauta:035- PROCESSO TRT/SP Nº:  00379200136102000 RECURSO ORDINÁRIO  – 01 VT de Mauá   RECORRENTE:  VALISÉRE INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA – RECORRIDO:  SHEILA FERREIRA DA SILVA    EMENTA  – DANO MORAL,   FÁBRICA  DE  LINGERIE    REVISTA.  “A  revista levada a efeito sem constrangimento  e sem qualquer objetivo desmerecedor, v.g., com discriminação de certos empregados,traduz  atos contidos no  poder  de  comando  do empregador em defesa   do   patrimônio.   Em  sendo  o material      produzido     de     fácil portabilidade,   dada  a  sua  leveza  e  pequenez,  não  pode  a  empresa  correr   riscos.  A revista, em tais casos, é uma exigência   que   em  nada  desmerece  a funcionária.   Inexiste   aí,   qualquer  constrangimento  a  dar  suporte ao dano moral.   O instituto é por demais importante para que seja transformado em  espécie de panacéia. ACORDAM    os    Juízes   da  6ª TURMA do  Tribunal  Regional do Trabalho  da  Segunda  Região  em: por   unanimidade   de  votos,  DESCARTAR  a  preliminar  de incompetência "ratione materiae" e no mérito, por maioria de votos,   vencido   o  Juiz  Roberto  Barros  da  Silva,  dar provimento  ao  recurso  para  absolver  a    de  qualquer condenação  neste processo. Custas pela autora sobre o valor da causa”. FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRAPRESIDENTE E RELATOR

PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – ACÓRDÃO Nº:  20020168157  Nº de Pauta:237  PROCESSO TRT/SP Nº:  20010097257   RECURSO ORDINÁRIO  – 01 VT de Mauá   RECORRENTE:  VALISERE INDUSTRIA E COMERCIO LTDA   RECORRIDO:  MARCIA MARIA  – EMENTA  “Dano  moral.  Revista em procedimento de segurança. Não enseja reparação por dano moral   a   revista  pessoal,  quando  é  necessária   e   inevitável  diante  das   circunstâncias      específicas,      em   procedimento  rotineiro de segurança, em   empregados   aleatoriamente  escolhidos sem  discriminações, de forma reservada sem  excessos  e realizada por pessoa do mesmo   sexo.   Direito   assegurado  ao   empregador    e a qualquer um – que é o de  proteger  seu  patrimômio, desde que  exercido  nos  limites  e de forma a não agredir a dignidade do trabalhador. ACORDAM    os    Juízes   da  1ª TURMA   do  Tribunal  Regional do Trabalho  da  Segunda  Região  em: por  unanimidade  de  votos, dar provimento ao recurso, para rejeitar integralmente o pedido. Custas por reversão.”  MARIA INÊS MOURA SANTOS ALVES DA CUNHA   – PRESIDENTA   EDUARDO DE AZEVEDO SILVARELATOR

IV – A caracterização do ato ilícito. 

            O “ato ilícito” tem como elementos essenciais e imprescindíveis para sua configuração, a presença de: a) fato lesivo, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência; b) ocorrência de um dano; c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente.

             Portanto, desde que a obrigação de indenizar é conseqüência jurídica do ato ilícito, que deverá estar devidamente comprovado e configurado, desde que a culpa deve ser provada de forma incontestável (a culpa jamais poderá ser presumida, relembre-se, exceto em casos expressamente referidos pela legislação), desde que a comprovação da culpa cabe exclusivamente ao Autor da ação (na exatidão do artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil), há de ser pesquisada a presença desses elementos em cada postulação.

             Portanto, a responsabilidade civil somente decorre da culpa provada. Não se pode pleitear indenização, sob alegação da existência de dano causado com base em hipóteses ou presunções.

             Aí, portanto, um primeiro aspecto a ser cuidado nessas ações, em especial diante da compreensão jurisprudencial.                             

V – Se a revista é discreta,  não existe dano moral.

             Autores dessa sorte de demanda, ora cuidada, buscam indenização por danos morais, merecendo acrescente-se mais um óbice a desideratos do gênero, nas situações em que tais revistas sejam realizadas discretamente, sem publicidade.

             Se não é pública, não ocorre “alterabilidade” a ser examinada na questão, a que a doutrina faz menção, para pesquisar a ocorrência de danos morais. A personalidade do empregado, bem como sua imagem, não são atingidas, essa a real rotina.

             Cuida-se de um óbice às pretensões indenizatórias; a discrição e a razoabilidade reforçam a inexistência de dano moral: não se configura nessas inspeções sigilosas, qualquer relação com a sociedade.

 VI – A exacerbada pretensão de indenização por dano moral encontra resistência doutrinária

             Na verdade, essas ações buscam o enriquecimento de seus autores, jamais sua indenização. E, a esse propósito, a resistência à exacerbada reparabilidade do dano moral funda-se em um grande número de razões apontadas pelos doutrinadores, uns e outros mais apegados a este ou àquele fundamento, embora sempre concordes em linhas gerais.

             PIRES DE LIMA[4], em arrojado trabalho apontou algumas das principais objeções à indenização por danos morais: 1) Falta de um efeito penoso durável; 2) A incerteza, nessa espécie de danos, de um verdadeiro direito violado; 3) A dificuldade de descobrir-se a existência do dano.                     

         “Sem a clara demonstração dos danos morais e sua valoração, não é possível a reparação. Não se dá ao juiz o poder de exercício, no caso concreto, de sua jurisdição”, como já concluiu Jaques Bushatsky[5].

                 Por essa razão, a despeito da Constituição Federal acolher a indenização do dano moral, esta deve vir fundada em elementos essencial para justifica-la. Neste sentido, a jurisprudência e a doutrina não discrepam. Lê-se no corpo do V. acórdão relatado pelo Desembargador OLAVO SILVEIRA[6]:

É imperioso lembrar que o dano moral só se justifica quando o ilícito resulte de ato doloso, em que a carga de repercussão ou perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentidos e nos afetos de uma pessoa, se reflita como decorrência de repulsa ao ato intencional do autor do crime. Tal carga, à evidência, não pode ser encontrada num delito culposo, especialmente como no caso, sem demonstração de culpa, em qualquer de suas modalidades e ressalte-se, duvidosa até a prova da ocorrência do apontado erro médico.” (SIC)

              Aí mais um empeço às pretensões ora discutidas. De resto, em cada caso, é necessário indagar: 1) qual o fato concreto? 2) Qual o nexo causal? 3) Que cálculo se fez para lançar o valor pleiteado?

 VII – Conseqüências econômicas  imediatamente experimentadas pelas Empresas acionadas

             Saliente-se que a questão da gratuidade da ação para reclamantes, decorrente de lei, há de ser sopesada com os custos suportados pelos Reclamados, objeto de um sem números de manifestações, inclusive de entidades de classes e da Associação dos Advogados de São Paulo.

                É de se ver que a sistemática atual impede ao Réu, o razoável acesso à Justiça. De fato, eventual recurso ofertado pelo Réu dependerá do recolhimento de preparo com valor significativo.

                Concluiu por unanimidade a 4a Câmara de Direito Privado do TJSP[7] que: “ O Poder Judiciário, no caso, não deve olvidar as tentativas que se repetem com inusitada freqüência de procurar inviabilizar a defesa e igualmente eventual via recursal diante da obrigatoriedade do recolhimento de custas, por meio de atribuição de valores exagerados à pretensão inicial.”

                É quanto leva a mais esta anotação: ao aquilatar-se acerca de tais ações, não poderá ser deslembrada a posição da empresa acionada, os custos que deverá suportar para sua defesa.

             Ações judiciais que aleguem danos não existentes,  trazem às reclamadas, sérios desconfortos, graves prejuízos, abalos. Colocam em dúvida a seriedade dessas empresas, injustamente. Podem destruí-las, pois cada uma delas sobrevive graças à sua idoneidade.

 VIII – Como é calculada a indenização por danos morais?

             Logo de inicio assevere-se que não há prática ensejadora de dano moral, no caso. No entanto, pondera-se que quando se trata de reparar danos extrapatrimoniais, por envolver aspectos eminentemente subjetivos, não é tarefa fácil a fixação do quantum, porque o prejuízo se situa na esfera da honra, da imagem e da dignidade da pessoa humana.

              Os juízes têm utilizado o sistema “aberto” para estipular uma quantia justa e proporcional, ou seja, não se aplica uma tabela genérica, mas é apreciado o caso especifico posto em julgamento.

             Cientes dessa dificuldade, doutrinadores e membros dos Tribunais pátrios vêm tentando traçar os contornos desta espécie de indenização, estabelecendo premissas e fixando critérios que devem nortear a avaliação da chamada “dor moral”.

             O primeiro aspecto que se deve ter em mente, portanto, é o fato de que o ressarcimento do dano moral não possui caráter de enriquecimento, mas tão-somente visa compensar o sofrimento porventura experimentado pelas vítimas. Em outras palavras, o que se pretende com eventual indenização não é dar aos lesados vantagens econômicas, a ponto de propiciar o seu enriquecimento, mas lhes proporcionar uma compensação pela ofensa que tiver sido eventualmente causada à sua integridade física, honra ou dignidade.

             A fixação do valor do dano moral deve guardar efetiva correlação com o dano sofrido. Observam-se determinados parâmetros, dentre os quais, a repercussão daquela ofensa no meio em que vivem, bem como as circunstâncias que deram origem ao evento danoso, para a quantificação do dano moral. A este respeito, os ensinamentos de CLAYTON REIS ao citar ANTONIO MONTENEGRO e WILSON MELO DA SILVA:

 Para avaliar o dano moral”, ressalta Antonio Montenegro com prudência, “haver-se-á de levar em consideração, em primeiro lugar, a posição social e cultural do ofensor e do ofendido. Para isso deve-se ter em vista o homo medius, de sensibilidade ético-social normal. É preciso, portanto, idear o homem médio para que, conhecendo o seu perfil, tenhamos condições e elementos para a fixação dos fatores que concorrerão para o arbitramento do quantum indenizatório”.

                Wilson Melo da Silva estabelece uma forma para se construir esse homem médio, ao ensinar: “O tipo médio de homem sensível de cada classe seria o daquele cidadão que estivesse à igual distância do estóico e do homem de coração seco de que fala Rippert, e do homem de sensibilidade extremada e doentia.”[8]  

                No caso sob apreciação, diante desta lição, cabe a pergunta: um trabalhador em confecções teria realmente atingida a sua sensibilidade ético-social ao ser sorteado, aleatoriamente, para uma inspeção?

                A fixação do quantum indenizatório, portanto, deve ser feita com extrema prudência, de forma a não se tornar uma fonte geradora de riqueza. A condenação de dano moral em valores elevados cria uma distorção no sistema de reparação, estimulando a busca despropositada do Poder Judiciário, para obter vantagens econômicas absurdas e desmedidas.

                A jurisprudência já emitiu entendimento sobre este aspecto[9]:

“Indenização pelo dano moral. Fixação do valor. O valor da indenização postulada deve ser fixado por arbitramento, nos moldes do art. 944, com a exceção contida no art. 953, parágrafo único, ambos do Código Civil de 2002, aplicados subsidiariamente ao Direito do Trabalho, por força do art. 8º, da CLT. Os parâmetros para o julgador consistem na observância – conjunta – da condição econômica das partes, do não enriquecimento sem causa do lesado e do caráter pedagógico da pena aplicada. Também para a fixação de tal montante, como já se pronunciou o C. TST em vários julgados, deve-se buscar a proporcionalidade e a razoabilidade entre a quantia estabelecida e a ofensa sofrida pelo trabalhador.” (grifo nosso).

                A fixação do quantum indenizatório, deve ser feita com extrema prudência, de forma a não se tornar uma fonte geradora de ganho fácil. A condenação de indenização por dano moral em valores elevados cria uma distorção no sistema de reparação, estimulando a busca despropositada do Poder Judiciário, para obter vantagens econômicas absurdas e desmedidas. Esclarecido esse aspecto, são lembrados alguns julgados em que houve morte de pessoa querida, compilados em obra de CHRISTINO ALMEIDA DO VALLE [10]:

 “DANO MORAL – ACIDENTE FERROVIÁRIO – MORTE DE FILHO MAIOR — ABALO MORAL PRESUMIDO EM RAZÃO DO VÍNCULO DE FILIAÇÃO — DESNECESSIDADE DE PROVA — VALORAÇÃO PECUNIÁRIA SEM CARÁTER INDENIZATÓRIO — REPARAÇÃO FIXADA EM VINTE SALÁRIOS MÍNIMOS”.

“INTERPRETAÇÃO DA LEI — OBSERVÂNCIA DE SUA FINALIDADE ATUAL — DISTINÇÃO ENTRE MENS LEGISLATORIS E MENS LEGIS — LICC., ART. 5º — CPC, ART. 335. (Embs. Infs. na Ap. Cív. 32.078 — Embtes.: 1) Rede Ferroviária Federal S.A. (S.R.J.): 2) M.P.R. (Recurso Adesivo) — Embdos. Os mesmos — Rel.: Juiz Paulo Roberto –TARJ)”

“DANO MORAL — ACIDENTE FERROVIÁRIO — MORTE DE FILHO MENOR — AÇÃO AJUIZADA TREZE ANOS DEPOIS DO EVENTO — INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO EM FACE DA NATUREZA NÃO ALIMENTAR DO PEDIDO — DANOS MATERIAIS NÃO DEMONSTRADOS — REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS FIXADA EM DEZ SALÁRIOS MÍNIMOS — CCB, ART. 177 — SÚMULA 491/STF. (Embs. Infs. na Ap. Cív. 41.264 — Embte.: J. E. — Embda. Rede Ferroviária Federal S/A. (STU-RJ) — Rel.: Juiz Carlos Motta — TARJ).”.

“CORREÇÃO MONETÁRIA — RESPONSABILIDADE CIVIL — ATO ILÍCITO — INCIDÊNCIA DESDE A VIGÊNCIA DA LEI 6.899/8, E NÃO A PARTIR DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. (Ap. Cív. 16.422 — Rio de Janeiro – Ap”tes.: M.S. e LIGHT — Apdas.: As mesmas — Rels.: Des. Antonio Assumpção —  TJRJ)”

“DANO MORAL — INCÊNDIO EM EDIFÍCIO — MORTE DA FILHA DA AUTORA EM RAZÃO DE A PORTA, QUE DAVA ACESSO AO TERRAÇO DO PRÉDIO EM CHAMAS, ESTAR TRANCADA — PENSÃO, PELO TEMPO PROVÁVEL DE SOBREVIDA, FIXADA NA METADE DOS GANHOS LABORAIS DA VÍTIMA — DANO MORAL REPARADO COM DOZE SALÁRIOS MÍNIMOS.”

“DENUNCIAÇÃO DA LIDE — RESPONSABILIDADE CIVIL — INCÊNDIO EM EDIFÍCIO — CONDOMÍNIO RÉU QUE DENUNCIA A EMPRESA EM CUJOS ESCRITÓRIOS, POR NEGLIGÊNCIA, ECLODIU O FOGO — HIPÓTESE QUE, A RIGOR, SERIA DE CHAMAMENTO AO PROCESSO — RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE DENUNCIANTE E DENUNCIADO — CCB, ARTS. 913, 1.518 E 1.519 — CPC, ARTS. 76 E 77, III. (Ap. Cív. 4.852/88 — Aptes. 1) M.A.L. e 2) General Eletric do Brasil S/A — Apdos.: 1) Os mesmos e 2) Cond. Ed. Andorinha — Rel. Des. Antonio Assumpção – TJRS)”

               São certezas que hão de ser trazidas para a análise, para concluir que  estupendos valores não devem ser fixados, sob pena de irritar-se toda a legislação pertinente e gerar o enriquecimento sem causa.

               Nota-se: os Tribunais fixaram a indenização de 12 salários mínimos (R$ 4.200,00) no caso de horrível falecimento em incêndio.

IX – O artigo 373 – A da CLT

               Um último aspecto: o artigo 373-A da Consolidação das Leis do Trabalho proíbe a revista íntima em empregadas ou funcionárias. É permitido diante da lei, proceder a tais revistas nos empregados, pois não há proibição nesse sentido como bem apurou Sergio Pinto Martins. [11]

                E esta anotação, frise-se, diz respeito à “revista íntima”, em nada se referindo às inspeções cogitadas neste estudo.

 X – Conclusão 

               Diante dessa breve exposição, pode-se concluir: 

A prática da revista não configura dano moral, se for razoável, se não implicar em constrangimento ou vexames. 

Esta prática não configura infração à legislação trabalhista e existem dois pontos a se ressaltar: 1º) a proibição legal é de revista íntima e; 2º) que tal ocorra em empregadas ou funcionárias. Atentando-se para o segundo ponto, ficaram excluídos da proteção legal, os empregados e os funcionários.

 3) Como visto, a jurisprudência veda os abusos, mas permite, porquanto necessária, a revista razoável.

 Sopesados tais elementos, a prática real da “revista” não gera dano e não impele à indenização, se for distinta das situações cuidadas na jurisprudência  condenatória.

 Cumpre uma observação: caso se prove, num ou outro evento, prática danosa e indenizável, a indenização jamais poderia, esta é a nossa conclusão diante da jurisprudência e da doutrina, alcançar patamar extraordinário ante a remuneração do ofendido ou superior ao decretado, pelos Tribunais, em casos notoriamente mais graves.



NOTAS

[1] TRT – 3º Região – 4ª turma- RO 5310/97- rel. Luiz Koury

[2] TRIBUNAL: 3ª Região, RO Nº: 01328, ANO: 2005, NÚMERO ÚNICO PROC: RO – 01328-2005-013-03-00-6, 8ª Turma, DJMG DATA: 06-05-2006 PG: 34 RELATORA Cleube de Freitas Pereira -IINDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REVISTA ÍNTIMA

[3] DANO MORAL E MATERIAL Acórdão: 20060996417, Turma: 12, Data Pub.: 15/12/2006, Processo: 20060278263 Relator: NELSON NAZAR ,RECURSO ORDINÁRIO – Tribunal Regional do Trabalho – 2º Região.

[4]Revista Forense, vol. 83, pág. 218.

[5] Revista da Procuradoria Geral do Estado, SP, vol. 63/64, 2006, p. 309

[6]Apelação nº 181.514-1/1 – 4º Câmara, julg. 11.2.93, acórdão assim ementado: DANO MORAL – Indenização – Erro médico – Fato não comprovado – Verba, ademais, que se justifica quando o ilícito resulte de ato doloso e não culposo – Improcedência da ação decretada – Declaração de votos. Consta do acórdão a indicação doutrinária: “Nesse sentido a lição de Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 19ª ed., Saraiva, 1984, 3/413; Sílvio Rodrigues, Direito Civil, 8ª ed., Saraiva, IV/227-9 n. 69, ao sustentarem que a regra do art. 1.537 indenização por homicídio e, assim, não pode ser ampliada. Esse entendimento é acompanhado pela jurisprudência (cf. Teresa Ancona Lopes de Magalhães, em Responsabilidade Civil, coord. de Yussef Said Cahali, 1ª ed., Saraiva, 1984, n. 7, p. 324; Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 2ª ed., Forense, 1990, n. 252, p. 339).”(SIC)

[7] relator, Desembargador JACOBINA RABELLO, ao julgar o Agravo de Instrumento n° 313 575 de Guarulhos (Agte.: REINALDO HOLZCHUH; Agda. INDÚSTRIA DE MEIAS SCALINA LTDA.)

[8] in “Dano Moral”, Ed. Forense, 2ª ed., pg. 83-84

[9] DANO MORAL E MATERIAL Acórdão: 20060945936, Turma: 11, Data Pub.: 19/12/2006 Processo: 20060310213 Relator: MARIA APARECIDA DUENHAS

[10] Dano Moral Doutrina, Modelos e Jurisprudência; Rio de Janeiro; Aide Editora; 1993; 1ª edição

[11]  Martins, Sergio Pinto: Comentários à CLT – 6ª Edição – Ed. Atlas.