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Terceiro Setor e Recursos Públicos: Um olhar sobre as Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

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* Leonardo Freire Pereira

 

Sumário:  Introdução. 1. Antecedentes: a passagem do Estado Liberal para o Estado Social. 1.1. A falência dos modelos e o surgimento de um Estado Subsidiário. 1.2. A privatização das atividades sociais do Estado. 2. A atuação do terceiro setor: generalidades. 2.1. Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). 2.2. Destinação de recursos públicos para o setor privado e a necessidade de Licitação. Conclusões finais: a recente experiência brasileira. Referências bibliográficas.

 

 


Introdução

O estudo do Terceiro Setor[1], atualmente, é tema efervescente não só nas escolas de Direito, em razão do amplo espectro que envolve seu funcionamento, que vai desde a descentralização das atividades típicas do Estado, em todos os níveis federativos, até o desenvolvimento de uma consciência de responsabilidade social das empresas privadas.

Nesse sentido:

O campo de estudos do terceiro setor é uma das áreas mais novas e verdadeiramente multidisciplinares das Ciências Sociais, unindo pesquisadores de disciplinas como Economia, Sociologia, Ciência Política e áreas acadêmicas aplicadas como Serviço Social, Saúde Pública e Administração. O estudo do terceiro setor é uma área de conhecimento nova tanto no Brasil quanto no resto do mundo. No Brasil, as escolas de Administração começaram a debruçar-se recentemente sobre o tema. Neste país, o terceiro setor não é um tema extensivamente pesquisado, existindo ainda poucos estudos empíricos abrangentes, e um número insignificante, até recentemente, com enfoque organizacional. Nos Estados Unidos, com a tradição de um nonprofit sector firmemente enraizada, os primeiros estudos remontam apenas à década de sessenta, e pouco foi escrito sobre o tema antes do início da década de oitenta, sendo que a maior parte da produção existente provém dos anos noventa, um piscar de olhos em termos de história da ciência. Mesmo assim, o terceiro setor já mereceu a atenção de estudiosos do mainstream da Administração, como Philip Kotler e mesmo de Peter Drucker, um dos reconhecidos "pais" da Administração moderna. Michael O’Neill relata que, em 1977, Columbia University estabeleceu o primeiro instituto e programa acadêmico em nonprofit management, seguido por outras ao longo dos anos oitenta e noventa, chegando, em 1997, a 49 programas nos Estados Unidos, um no Canadá, um na Inglaterra e um na Austrália e 433 disciplinas oferecidas em mais de 100 universidades.[2]

 Entende-se por Terceiro Setor, o conjunto de Organizações Não Governamentais, ou seja, de entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos. Dentre as chamadas ONGs, temos as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sobre as quais discorreremos mais adiante.

 Como é cediço, compete à Administração Pública a salvaguarda do bem-estar social e, como essa função não vem sendo desempenhada diretamente de maneira satisfatória, surge espaço para o fomento do Terceiro Setor, no desenvolvimento daquelas atividades de interesse público, cuja realização não é exclusiva do Estado, mas pode ser exercida em colaboração com o mesmo. Daí a plausível justificativa para a transferência de recursos públicos para entidades privadas, como forma de incentivo.

A capacidade de mobilização social do Terceiro Setor, com a arregimentação de grupos sociais heterogêneos, numa atmosfera de democratização, é apontada como um dos motivos da expansão do modelo.

Para Andres Pablo FALCONER, “mais do que um conceito rigoroso ou um modelo solidamente fundamentado em teoria – organizacional política ou sociológica – terceiro setor, no Brasil, é uma idéia-força, um espaço mobilizador de reflexão, de recursos e, sobretudo, de ação”[3]. 

1.     Antecedentes: a passagem do Estado Liberal para o Estado Social 

Com a degradação do liberalismo e o agravamento da desigualdade social, surge a repulsa àquele Estado mínimo, não-intervencionista e a necessidade de se criar um novo modelo capaz de assegurar os chamados direitos sociais e econômicos.

 Essa tendência, como se sabe, surge a partir do século XIX, com a Constituição Mexicana (1917), a Revolução Soviética (1918) e, finalmente, a Constituição de Weimar, o marco fundamental, em 1919.

 A partir dessa tendência intervencionista surge, também, o que Maria Sylvia Zanella DI PIETRO chama de “burocratização do mundo”[4]. E essa burocratização surge porque o Estado tem um crescimento desmedido, a medida que, diferente do modelo anterior, passa a se fazer presente no dia-a-dia dos indivíduos. Essa tendência, ainda de acordo com DI PIETRO, fortaleceu por demais o Poder Executivo, ferindo o princípio da separação de poderes e tornando a prestação estatal ineficiente e o Estado dispendioso.

 Especificamente em relação ao modelo brasileiro de gestão dos direitos econômicos e sociais, DI PIETRO afirma:

O fracasso do chamado Estado Social de Direito é evidente. No Brasil, a exemplo do que ocorre em muitos outros países, não houve a mínima possibilidade de que milhões de brasileiros tivessem garantidos direitos sociais dos mais elementares, como saúde, educação, previdência social, moradia. Grande parte da população não tem assegurado o direito a uma existência digna.[5]

 No mesmo sentido, anota Paulo MODESTO:[6]

É sabido que o Estado atualmente não tem condições de monopolizar a prestação direta, executiva, do todos os serviços sociais de interesse coletivo. Estes podem ser executados por outros sujeitos, como associações de usuários, fundações ou organizações não governamentais sem fins lucrativos, sob acompanhamento e financiamento do Estado. Não prover diretamente o serviço não quer dizer tornar-se irresponsável perante essas necessidades sociais básicas. Não se trata de reduzir o Estado a mero ente regulador. O Estado apenas regulador é o Estado Mínimo, utopia conservadora insustentável ante as desigualdades das sociedades atuais. Não é este o Estado que se espera resulte das reformas em curso em todo mundo. O Estado deve ser regulador e promotor dos serviços sociais básicos e econômicos estratégicos. Precisa garantir a prestação de serviços de saúde de forma universal, mas não deter o domínio de todos os hospitais necessários; precisa assegurar o oferecimento de ensino de qualidade aos cidadãos, mas não estatizar todo o ensino. Os serviços sociais devem ser fortemente financiados pelo Estado, assegurados de forma imparcial pelo Estado, mas não necessariamente realizados pelo aparato do Estado. 

                        Apresenta-se, portanto, a idéia de subsidiariedade, sustentada pelo chamado Terceiro Setor. 

1.1.  A falência dos modelos anteriores e o surgimento  de um Estado Subsidiário 

Assim, com as desigualdades criadas pelo Estado Liberal e o inchamento ineficiente criado pelo Estado Social, surgiria a necessidade de um modelo alternativo, que pudesse, ao mesmo tempo, enxugar a máquina pública e prover os serviços sociais.

 Surge, assim, o chamado Estado Subsidiário, abrindo as portas para a atuação do chamado Terceiro Setor, numa tênue linha que divide o Estado (primeiro setor) e o Mercado (segundo setor), já que se constitui de entidades com personalidade essencialmente privada, mas exerce atividades essencialmente públicas.[7]

 A partir da década de 90, o Terceiro Setor apresenta uma matriz humanista, com viés voluntarista e filantrópico, tudo com o objetivo de diminuir as injustiças sociais.[8]  

1.2.   A privatização das atividades sociais do Estado

 O Estado Subsidiário têm por finalidade garantir a execução de políticas públicas, fomentando, para tanto, a iniciativa privada de interesse público, ou seja, que atenda a necessidades coletivas que não possam ser atendidas pelo Estado.

 E, se por um lado a máquina pública reclama reformas, por outro, a sociedade reclama a prestação dos serviços essenciais, como sistematiza Maria Sylvia Zanella DI PIETRO[9]:

Devem ficar a cargo do Estado as atividades que lhe são próprias como ente soberano, consideradas indelegáveis ao particular (segurança, defesa, justiça, relações exteriores, legislação, polícia); e devem ser regidas pelo princípio da subsidiariedade as atividades sociais (educação, saúde, pesquisa, cultura, assistência) e econômicas (industriais, comerciais, financeiras) as quais o Estado só deve exercer em caráter supletivo da iniciativa privada, quando ela for deficiente.

                       Na mesma esteira, a doutrina de Maria João ESTORNINHO[10] enumera motivos capazes de justificar a atuação do Terceiro Setor:

·         agilidade na criação e gestão de atividades administrativas instrumentais;

·         descentralização do poder de gestão e administração da coisa pública;

·         limites da responsabilidade próprios e autônomos;

·         menor ingerência política;

·         legalidade, porém com flexibilização das regras públicas de organização dos instrumentos de ação;

·         processos decisórios ágeis e desburocratizados;

·         economia de mercado (competição);

·         fatores econômicos, como rentabilidade, controle de despesas (economia), diversificação sistemática de funções (bens e serviços);

·         simplificação dos recursos humanos aplicados à prestação contratual (não de servidor público);

·         fatores financeiros, como financiamentos privados, redução dos custos administrativos, vantagens fiscais;

·         cooperação com outros entes organizacionais (públicos e privados), que é o fenômeno típico do terceiro setor, principalmente pelo maior acesso (e apelo participativo) da sociedade civil; e

·         cooperação internacional (especialmente nos setores de pesquisa e intercâmbio cultural).

 De fato, com as reformas administrativas implementadas a partir de 1995, essa onda privatista teve início, inaugurando uma nova fase de prestação de serviços públicos, a qual só teria efetividade com a conformação de novas instituições jurídicas, podendo ser fomentadas pelo Poder Público, mas desvinculadas da Administração, mesmo da Indireta. 

                         É um modelo que garante a realização dos serviços públicos, através de parcerias entre os entes públicos e a iniciativa privada, o que garante um considerável elemento de mobilização social.

           É o que diz Adriana MAURANO[11]:

O processo de desestatização se caracterizou pelo incremento da prestação indireta, pois aumentaram as delegações destes serviços. A forma indireta se caracteriza, basicamente, por quatro diferentes modalidades, a saber: concessão, permissão, autorização e terceirização. Nestas formas, as empresas atuam como uma "longa manus" do poder estatal, atuando em setores de responsabilidade do Estado. Sobre todas as formas paira uma mais abrangente, que diz respeito a todas, chamada de desregulamentação – que visava a desburocratização, mas que acabou por gerar novas regulamentações. Em resumo, nesta nova fase, o Estado não é mais o único provedor de serviços públicos, pois com a quebra do monopólio estatal, estes foram delegados à iniciativa privada.

 Carlos Vasconcelos DOMINGUES[12], ao citar Claus Offe, discorre sobre as mais diversas formas de identificação das entidades do Terceiro Setor, o que corrobora com entendimentos enumerados acima:

Com o surgimento de novas formas de prestação de serviços públicos – sendo identificadas por alguns autores 36 alternativas – verifica-se a superação da tradicional dicotomia entre o setor público e o privado. Assiste-se assim, à superação do modelo monístico que se sustentava, de forma mutuamente excludente, ora sobre o estado, ora sobre o mercado, ora sobre a comunidade, como garantidor da ordem e da coesão social. O modelo monístico cede lugar à emergência de novos arranjos institucionais que conjugam aqueles três elementos básicos da ordem social. Segundo este modelo híbrido, no qual os papéis do estado, do mercado e da comunidade se delimitam e se definem a partir do debate político e da participação social, não é possível excluir-se um desses elementos da construção da ordem social, o que se contrapõe aos princípios neoliberais de prevalência do mercado.

Deste modo, no capitalismo contemporâneo, além das formas tradicionais de propriedade – a estatal e a privada –, surge a propriedade pública não-estatal, constituída pelas organizações sem fins lucrativos, cuja ação está orientada para o atendimento do interesse público.

 

2.      A atuação do Terceiro Setor: generalidades 

Entre as entidades do Terceiro Setor podem ser mencionadas as de utilidade pública, as entidades filantrópicas, os serviços sociais autônomos, as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

 Apesar de cada uma ter suas especificidades, as entidades do Terceiro Setor, basicamente, têm as seguintes características:[13]

·         são pessoas jurídicas de direito privado;

·         criadas pela iniciativa privada;

·         desempenham atividade de interesse público, atuando paralelamente ao Estado na área dos serviços sociais (como saúde, cultura, assistência etc.);

·         atuam sem fins lucrativos;

·         muitas vezes têm vínculo jurídico com o Estado, que exerce em relação a elas a atividade de fomento;

·         sujeitam-se a controle estatal quando recebem algum tipo de incentivo ou ajuda financeira.

 Como fatores de insegurança jurídica que atrapalham o avanço desse Estado Subsidiário, temos a ineficiência e lentidão do Poder Legislativo na Reforma do Estado, o fortalecimento da figura dos chefes do Executivo e a deficiência do Judiciário, extremamente moroso e finalista.[14] 

Outros riscos decorreriam do surgimento de entidades paraestatais aparelhadas pelo Estado e “livres das amarras do direito administrativo, especialmente licitação e concurso público”[15], sujeitando-se apenas a um controle exercido pela própria sociedade, e esse controle de resultados nem sempre ocorre de maneira satisfatória. 

Não obstante a existência desses obstáculos, verificamos um crescente incentivo na transferência das atividades de interesse público para ambientes não estatais, com uma sociedade mais bem organizada e otimizada, tomando parte na consecução de objetivos coletivos. 

2.1.   Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)

 Num cenário de reforma administrativa, surgem as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, inseridas no Terceiro Setor, mas com características próprias, já que não possuem natureza eminentemente privada, nem tampouco pública. Essas organizações foram introduzidas no Terceiro Setor muito recentemente, através da edição das Leis 9.637/98 e 9.790/99, respectivamente.

 Robério Nunes dos ANJOS FILHO[16], ao tratar do modelo das organizações sociais brasileiras, faz uma analogia aos modelos estrangeiros:

As organizações sociais, ao que tudo indica, foram inspiradas em instituições estrangeiras análogas, especialmente nas quangos – quasi non-governmental organizations, entidades autônomas desenvolvidas principalmente após a Segunda Guerra Mundial (embora a presença de alguns órgãos semi-independentes seja verificada há séculos no governo britânico), nas quais se transformaram as universidades e hospitais públicos do Reino Unido. Outros países europeus adotaram este tipo de instituição, que terminou por se espalhar pelo mundo, alcançando também, por exemplo, a Austrália e a Nova Zelândia. Tais entidades são voltadas para áreas sociais, recebem recursos públicos, firmam relação contratual com o Estado e submetem-se a exigências relativas à composição do seus órgãos de deliberação.

 O autor menciona, ainda, a dificuldade doutrinária na identificação das quangos, mas aponta três características fundamentais presentes nas mesmas: “o recebimento de dinheiro público; a atuação em atividades de interesse público; e não se tratar de órgão cuja direção seja entregue a um gestor diretamente eleito”[17].

 MODESTO[18], ao traçar características dessas organizações sociais, estabelece similitudes e divergências entre os dois modelos tratados nesse capítulo:

Os traços comuns são os seguintes: 1. a iniciativa privada voluntária na sua criação e na sua constituição; 2. a existência de limites gerais à livre constituição e funcionamento dos órgãos de direção ou gerência como requisito para o exercício de ato posterior de reconhecimento ou qualificação; 3. a afetação a uma finalidade de interesse público ou socialmente relevante; 4. o recebimento de favores especiais, subsídios isenções e contribuições do Estado; 5. a submissão a uma vigilância especial e a limitações de ordem administrativa que vão alem do simples poder de polícia exercido sobre as demais pessoas privadas; 6. sujeição do controle do Tribunal de Contas e à fiscalização do Ministério Público; 7. a necessidade de reconhecimento formal por parte do Estado, segundo um procedimento especial regulado por lei; 8. a destinação legal do patrimônio social a outra entidade de mesma natureza, em caso de extinção da entidade, não sendo permitido seja o patrimônio repartido entre os membros da instituição; e 9. a submissão ao regime jurídico das pessoas de direito privado, com derrogações de direito público.

Os traços diferenciais básicos são os seguintes: 1.os estatutos das organizações sociais devem prever e adotar determinado modelo de composição para os seus órgãos de deliberação superior, inclusive prevendo a participação necessária de representantes do Estado, como requisito para permitir o ato posterior de qualificação pelo Poder Público; 2. o trespasse de bens e recursos públicos nas organizações sociais está condicionado à assinatura de contratos de gestão com os órgãos competentes da administração pública federal; 3. o estatuto da organização social deve prever, também como um requisito da qualificação, sujeição da entidade à publicação anual no Diário Oficial da União do relatório de execução do acordo ou contrato de gestão (relatório gerencial das atividades desenvolvidas, apoiadas pelo Poder Público, e não apenas do relatório formal da contabilidade da entidade); 4. o estatuto deve prever, como requisito de qualificação, regras rígidas de reforma das finalidade sociais, bem como normas para a definição impessoal das regras a serem adotadas para a remuneração do pessoal da entidade e para o sistema de compras; 5. o estatuto ainda deve prever que a entidade estará sujeita a controle externo de resultados, periódico e a posteriori, realizado por comissão de avaliação composta por especialistas de notória qualificação, especialmente destinado à verificação do cumprimento do contrato ou acordo de gestão firmado com o Poder Público; 6. as entidades qualificadas como organizações sociais poderão utilizar bens materiais e recursos humanos de entidades extintas do Estado, desde que a extinção tenha sido realizada por lei específica; 7. as entidades qualificadas poderão também absorver atividades e contratos de entidades extintas, também quando autorizados por lei, bem como os seus símbolos designativos, desde que estes sejam seguidos obrigatoriamente do símbolo OS.

 Em trabalho abordando as Organizações Sociais, Jayme BALEEIRO NETO[19] apresenta um quadro comparativo entre as OS e as OSCIP:

 

OS

OSCIP

Definição legal

Lei n.º 9.637/98

Lei n.º 9.790/99

Tipo de instrumento previsto para recebimento de recursos públicos

Contrato de Gestão (art. 5º)

Termo de Parceria (art. 9)

Ato de Qualificação

Discricionário – emitido pelo poder executivo

Vinculado – emitido pelo Ministério da Justiça (Certificado arts. 5º e 6º)

Finalidades

Escopo restrito: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento  tecnológico, meio ambiente, cultura e saúde (art. 1º)

Escopo de ação amplo, incluindo as finalidades das OS, mais: assistência social, Segurança alimentar e nutricional, voluntariado, desenvolvimento econômico e social, direitos civis e outros valores universais (art. 3º),

Vínculo com a Administração Pública

Mais estreito, normalmente nascem da publicização de serviços prestados pelo poder público (art. 20). Há membros do poder público no Conselho de Administração (art.2º, I, ‘c’) Recebem créditos orçamentários específicos e bens e servidores públicos cedidos (art.12 a 14). O próprio Contrato de Gestão estreita esse vínculo

Não há vínculo (arts. 1º e 2º) com o poder Público até a celebração do Termo de Parceria. O vínculo é de interesse público, se extinta, seu patrimônio deve ser transferido para outra OSCIP ( art. 4º, IV)

Licitações

Regulamento próprio – (art. 17 da lei 9.637/98) obedecendo a princípios da Administração Pública (art. 7 da Lei 9.637/98)

Regulamento próprio – (art. 14 da lei 9.790/99) obedecendo a princípios da Administração Pública (art. 4, inciso I, da Lei 9.970/99)

Prestação de Contas

Prestam contas também diretamente ao TCU – IN 12/96, alterada pela Decisão n.º 592/98,

Prestam contas ao poder Público anualmente, na vigência do Termo de Parceria (art. 4º, VII, art. 10, §2º,V); em princípio essa prestação de contas deverá ser feita diretamente aos órgãos repassadores dos recursos, à semelhança do procedimentos adotados para os convênios

Controle Social (conselhos, publicações de relatórios, etc.)

Órgão repassador dos recursos (supervisor), prestação anual de contas, comitês de avaliação, TCU (em caso de irregularidades) – art. 2º, I, ‘d’, ‘f’, art. 8º, art. 9º, da Lei 9.637/98. Conselho de Política Pública, art. 10, § 1º

Art. 4º, VII, ‘b’, ‘d’, art. 10, § 2º, art. 12, da Lei 9.790/99.

Auditorias, art. 4º, VII, ‘c’.

                      Ao tratar do tema, Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, critica frontalmente alguns aspectos do modelo criado para as OS, como a discricionariedade para concessão do título de organização social e a possibilidade dessas entidades receberem “bens públicos, dotações orçamentárias e servidores públicos, a custa do erário, sem processo regular em que se assegure igualdade a quaisquer interessados em obter tais benesses”[20], o que representaria inconstitucionalidade patente.

                       A corroborar com a inconstitucionalidade da Lei 9.637/98, Jayme BALEEIRO NETO[21] indica a propositura de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, pelo Partido dos Trabalhadores[22] e pela Ordem dos Advogados do Brasil[23]. Apesar das ações terem sido distribuídas no final do ano de 1998, ambas ainda não foram decididas, sequer, liminarmente.

                        As inconstitucionalidades apontadas por BANDEIRA DE MELLO[24], no que tange a atribuição do qualificativo, não são verificadas no formato jurídico das OSCIP, especificamente no que tange a concessão do título, uma vez que se trata de ato vinculado.

 Para finalizar esse tema, recorremos, novamente, às lições de Paulo MODESTO[25], que afirma que o título de organização social é conseqüência da atuação de determinada entidade e não um requisito para sua existência:

O título de organização social, conferido pelo poder público, faz incidir sobre as instituições reconhecidas um plexo de disposições jurídicas especiais, que asseguram vantagens e sujeições incomuns para as tradicionais pessoas jurídicas qualificadas pelo título de utilidade pública. Em qualquer dos dois títulos referidos, porém, dá-se um plus à personalidade jurídica das entidades privadas, que passam a gozar de benefícios especiais não extensíveis às demais pessoas jurídicas privadas (benefícios tributários e vantagens administrativas diversas).

A todo rigor, portanto, nenhuma entidade é constituída como organização social. Ser organização social não se pode traduzir em uma qualidade adquirida, resultado de um ato formal de reconhecimento do Poder Público, facultativo e eventual, semelhante em muitos aspectos à qualificação deferida às instituições privadas sem fins lucrativos quando recebem o título de utilidade pública.

 

2.2.  Destinação de recursos públicos para o setor  privado e a necessidade da licitação

                        Para garantir o controle das entidades do Terceiro Setor, o Poder Público deve se utilizar de instrumentos que se configurem capazes de estipular os recursos humanos e materiais com os quais a entidade deve dispor, para alcançar seus objetivos.[26]  

                         A fiscalização da execução dos contratos é feita pela ponderação da atuação das entidades, em consonância com os insumos disponibilizados para tanto. Nesse contexto, a não obtenção dos resultados previstos no contrato de gestão gera o bloqueio do repasse das verbas públicas.[27] 

                           É o contrato de gestão que vincula o Terceiro Setor aos programas governamentais, como bem anota Glauco Martins GUERRA[28]:

O contrato de gestão estabelece a ligação entre o núcleo estratégico do Estado (que define os objetivos ou metas a serem cumpridos e os fiscaliza) e os demais setores da sociedade civil, deixando de regrar a atividade social não exclusiva do Estado por lei (em que há relação de mando e subordinação), em troca de uma disciplina normativa elaborada mediante instrumento contratual (típico do Direito Civil), em que há relação de coordenação e cooperação. É a substituição do sistema de controle baseado no princípio da legalidade e na supremacia do interesse público sobre o privado, pelo controle baseado no princípio da consensualidade, nas quais as metas são negociadas e preestabelecidas pelas partes.

 O que ocorre, nos contratos de gestão, é a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, de forma que “é necessário demonstrar que todo valor repassado foi utilizado na consecução daquele resultado”[29], pois os insumos destinados ao Terceiro Setor têm característica de dinheiro público.

 No que tange os contratos administrativos com as entidades do Terceiro Setor, Odete MEDAUAR[30] expõe a necessidade de procedimento licitatório para sua formalização:

(…) se a administração resolver realizar convênio para resultado e finalidade que poderão ser alcançados por muitos, deverá ser realizada licitação ou se abrir a possibilidade de conveniar sem limitação, atendidas as condições fixadas genericamente; se assim não for, haverá ensejo para burla, acobertada pela acepção muito ampla que se queira dar aos convênios. Alguns casos ocorrem na prática, nos quais, a título de convênio, obras são contratadas sem licitação e pessoas são investidas em funções e empregos públicos sem concurso ou seleção. 

E nem poderia ser diferente, pois, diferentemente dos particulares que possuem a liberdade de contratar com quem e nas condições que desejarem, o Poder Público deve se submeter a um rigoroso processo de escolha das melhores condições para contratar, visando precipuamente ao interesse público, buscando, sempre, dois objetivos distintos, quais sejam, proporcionar às entidades públicas a possibilidade da realização do negócio mais vantajoso para a coletividade, e assegurar aos administrados a oportunidade de participar nos negócios das referidas entidades.[31]

 Convém salientar que dentre esses negócios se incluem os convênios, sendo, portanto, indiscutível a exigência da realização de licitação na escolha da entidade a ser conveniada.

 O contrato de gestão possui características próprias dos contratos administrativos, todavia, em razão das entidades do Terceiro Setor não possuírem fins lucrativos, inexiste o equilíbrio econômico-financeiro. Assim, a natureza do contrato de gestão se aproxima muito da dos convênios.

E dessa maneira, os contratos de gestão podem ser distratados pela sua própria expiração ou, ainda, por ato unilateral da Administração, com larga margem de discricionariedade do agente público.

                  Conclusões finais: a recente experiência brasileira

 Em trabalho apresentado no final de 2002 [n. 28], Glauco Martins GUERRA[32] apontou o crescimento do Terceiro Setor, verificando que havia “250 mil organizações não-governamentais inscritas e cadastradas, atuando no território nacional”. Apontou, ainda, que “essas entidades, nas mais diversas áreas de atuação e especialidade, tinham movimentação de R$ 12 bilhões anuais, o que representa 1,5% do PIB brasileiro”, o que o levou a concluir que o Terceiro Setor no Brasil passa por um processo de profissionalização.

 Como exemplo dessa profissionalização, o autor aponta a entidade Viva Rio[33], que surgiu, em 1993, com o objetivo de atuar com projetos sociais capazes de diminuir as causas da crescente onda de violência vivenciada pela população da cidade do Rio de Janeiro.

 Por conta de sua atuação social, a entidade conseguiu uma forte mobilização da sociedade fluminense, a partir do que, ganhou uma grande exposição na mídia nacional, atuando com projetos nas áreas de direitos humanos, segurança pública, desenvolvimento comunitário, educação, esportes e meio ambiente. 

Com objetivos semelhantes aos da Viva Rio, foi fundado em 1997, após a realização do seminário São Paulo sem Medo, o Instituto São Paulo Contra a Violência, uma entidade não governamental e sem fins lucrativos, com ações voltadas para “quatro áreas estratégicas: a) melhoria dos serviços de segurança pública; b) melhoria dos serviços de justiça criminal; c) melhoria do sistema penitenciário; e d) desenvolvimento de políticas sociais e urbanas de prevenção”[34].

 A penetração social dessa entidade também é bastante significativa, a ponto do Governo do Estado de São Paulo fomentar, através dessa ONG, o chamado Disque-Denúncia, um serviço essencial que conta com alto grau de credibilidade, junto à opinião pública, registrando números significativos em sua atuação.

Com 545.520 denúncias e 26.839 ligações que deram em sucesso até março de 2007, os resultados são surpreendentes: a) 25.025 prisões flagrantes; b) 91 seqüestros solucionados; c) 3.116 fugitivos recapturados; d) 4.689 armas e munições apreendidas; e) 1.647 veículos recuperados; f) 1.511 casos de furtos de energia resolvidos; g) 1.481 postos flagrados com combustíveis adulterados; h) 237 empresas flagradas em sonegação fiscal; i) 232 cargas recuperadas.[35]

 Na concepção de Estado Subsidiário, todavia, esse tipo de atividade não caberia, em hipótese alguma, ao Terceiro Setor. Aliás, nem mesmo num Estado Mínimo, as atividades relacionadas com a segurança pública poderiam ser delegadas a entidades particulares.[36]

 O fato é que a disseminação das entidades do Terceiro Setor irradia seus efeitos e faz surgir uma série de atividades paralelas, responsáveis pelo assessoramento – jurídico e político – dessas ONGs. Levando-se em conta que, não raramente, essas assessorias representam fins ilegítimos, bem como nem sempre se utilizam de meios ortodoxos para obtenção de seus objetivos, o Terceiro Setor começa a sofrer uma certa crise de confiabilidade. 

                          Nesse contexto, foi apresentado requerimento e instaurada, no Senado Federal, a chamada CPI das ONGs, com o objetivo de

Apurar, no prazo de cento e vinte dias, a liberação, pelo Governo Federal, de recursos públicos para organizações não governamentais – ONGs – e para organizações da sociedade civil de interesse público – OSCIPs, bem como a utilização, por essas entidades, desses recursos e de outros por elas recebidos do exterior, a partir do ano de 1999 até o ano de 2006.[37]

 Essa comissão, que teve sua composição definida no último dia 5 de junho, conta com onze parlamentares que, nos próximos dias, devem eleger os membros da Mesa – presidente, vice-presidente e relator –, para que se iniciem os trabalhos de investigação. 

Referências bibliográficas

 ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. A Prestação dos serviços não-exclusivos na reforma administrativa. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2001.

BALEEIRO NETO, Jayme. As Organizações Sociais e o Controle dos Tribunais de Contas. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2002.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

CITADINI, Antônio Roque. Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas, 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 3. ed. 1999.

______. “O cidadão e sua defesa. A ‘Res Publica’ e sua defesa” In: Seminário Internacional Sociedade e a Reforma do Estado. São Paulo, 1998. Disponível em: <http://www.mp.gov.br/arquivos_down/seges/publicacoes/reforma/seminario/pietro.pdf.> Acesso em: 3.abr.2007.

______. As Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Publico. Palestra, São Paulo. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/pls/portal/url/item/2225ec202fbaa08ce040a8c02c01601f.> Acesso em: 17.abr.2007.

DOMINGUES, Carlos Vasconcelos. O controle externo e os novos modelos de gestão de serviços públicos: As organizações sociais. Salvador: TCE, 2000.

ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o Direito Privado – Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1999.

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  _______________________________

 NOTAS:

[1] De acordo com Cíntia LIESENBERG, “Em nome do Terceiro Setor”, In: Líbero, ano VI, n. 12, São Paulo: Casper Líbero, 2003, p. 87: “a expressão ‘terceiro setor’ foi importada para o vocabulário brasileiro para designar atividades que falam em nome do interesse público, sem fins lucrativos e desenvolvidas pela sociedade civil. Traduzida do inglês – third sector, tem utilização recente, foi aplicada pela primeira vez por pesquisadores nos Estados Unidos na década de 70 e, na Europa, nos anos 80”. Disponível em: <http://www.facasper.com.br/pos/libero/libero12/Em%20nome%20do%20terceiro%20setor%2086-95.pdf.> Acesso em: 10.jun.2007.

[2] Michael O’NEILL, Nonprofit Management Education: History, Current Issues and the Future. In: Michael O’NEILL & Kathleen FLETCHER (eds.), Nonprofit Management Education: U.S. and World Perspectives. Westport: Praeger, 1998, apud Andres Pablo FALCONER, A promessa do Terceiro Setor: um Estudo sobre a Construção do Papel das Organizações Sem Fins Lucrativos e do seu Campo de Gestão, p. 3, 1999. Disponível em: <http://www.lasociedadcivil.org/uploads/ciberteca/andres_falconer.pdf.> Acesso em: 5.jun.2007.

[3] Op. cit., p. 4.

[4] “O cidadão e sua defesa. A ‘Res Publica’ e sua defesa”. In: Seminário Internacional Sociedade e a Reforma do Estado. São Paulo, 1998, p. 2. Disponível em: <http://www.mp.gov.br/arquivos_down/seges/publicacoes/reforma/seminario/pietro.pdf.> Acesso em: 3.abr.2007.

[5] Idem.

[6] “Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil”. In: Revista de Direito Administrativo, n. 214, Rio: Renovar, 1998, p. 59.

[7] cf. FALCONER, op. cit., p. 3: “A emergência do terceiro setor representa, em tese, uma mudança de orientação profunda e inédita no Brasil no que diz respeito ao papel do Estado e do Mercado e, em particular, à forma de participação do cidadão na esfera pública. Isto tem levado à aceitação crescente da ampliação do conceito de público como não exclusivamente sinônimo de estatal: ‘público não-estatal’.”

[8] Nesse período, o Terceiro Setor passa a ser visto de maneira diferente, mas seu núcleo concepcional já ecoava, há muito, com obras sociais realizadas por particulares, como por exemplo, as Santas Casas de Misericórdia.

[9] Parcerias na Administração Pública, 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, pp. 37-38.

[10] A fuga para o Direito Privado – Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1999, pp. 47-48.

[11] A redefinição do papel do Estado e a introdução de novas figuras jurídicas no Direito brasileiro. Jus Navigandi: Teresina, ano 9, n. 531, 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6073.> Acesso em: 10.jun. 2007.

[12] O controle externo e os novos modelos de gestão de serviços públicos: As organizações sociais. Salvador: TCE, 2000, p. 141.

[13] DI PIETRO. As Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Publico. Palestra, São Paulo. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/pls/portal/url/item/2225ec202fbaa08ce040a8c02c01601f.> Acesso em: 17.abr.2007.

[14] cf. DI PIETRO, O cidadão e sua defesa. A “Res Publica” e sua defesa, p. 3.

[15] Idem.

[16] A Prestação dos serviços não-exclusivos na reforma administrativa. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2001, pp. 152-153.

[17] Idem.

[18] Op. cit., pp. 61-62.

[19] As Organizações Sociais e o Controle dos Tribunais de Contas. Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2002, p. 36

[20] Curso de Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 217.

[21] Op. cit., p. 43.

[22] ADI-1923, promovida em dezembro de 1998. Rel. Min. Ilmar Galvão. Fundamentação Constitucional: art. 5º, XVII e XVIII; art. 22, XXVII; art. 23, I, II, III, IV, VI, VII; art. 37, II, XXI; art. 40, I, III, “a” a “d” e § 4º; art. 049, X; art. 70; art. 71, II, III; art. 74, I, II, III, IV, §§ 1º e 2º; art. 129, I, II, III; art. 169, § 1º, I, II; art. 175, caput; art. 194, caput e parágrafo único; art. 196; art. 197; art. 199, § 1º; art. 205; art. 206, III, IV, VI; art. 208, I a VII, §§ 1º e 2º; art. 211, § 1º; art. 213, I, II; art. 215, caput; art. 216, I a V e § 1º; art. 218, §§ 1º, 2º, 3º e 5º; art. 225, § 1º, I, II, V e VII; e art. 209. Disponível em: <www.stf.gov.br/jurisprudencia>. Acesso em: 7.jun.2007.

[23] ADI-1943, promovida em dezembro de 1998. Rel. Min. Ilmar Galvão. Fundamentação Constitucional: art. 1º; art. 5º, caput e inc. I; art. 37, caput e incisos; art. 39; art. 84, II; art. 100; art. 167, IV; art. 175, caput; art. 196; art. 205; art. 215; art. 216, §§ 1º e 2º; art. 218, § 5º; e art. 218, § 1º <Disponível em: www.stf.gov.br/jurisprudencia.> Acesso em: 7.jun.2007.

[24] Ao distinguir as OS e as OSCIP, o autor (op. cit., p. 218) indica pontos que considera relevantes: “a) atribuição do qualificativo não é, como naquelas, discricionária, mas vinculada e aberta a qualquer sujeito que preencha os requisitos indicados; não prevê o trespasse de servidores públicos para nelas prestar serviço; b) não celebram ‘contratos de gestão’ com o poder Público, mas ‘termos de parceria’, conquanto, tal como neles, seja especificado um programa a cumprir, com metas e prazos fiscalizados, além da obrigação de um relatório final, o que os faz mais distintos, entre si, pelo nome do que pelo regime; c) os vínculos em questão não são condicionantes para a qualificação da entidade como tal, ao contrário do que ocorre com as ‘organizações sociais’; d) o Poder Público não participa de seus quadros diretivos, ao contrário do que ocorre naquelas, e e) o objeto da atividade delas é muito mais amplo, compreendendo, inclusive, finalidades de benemerência social, ao passo que as ‘organizações sociais’ prosseguem apenas atividades de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde”.

[25] Op. cit., p. 60.

[26] No mesmo sentido, Hely Lopes MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 386: “acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivo comum dos partícipes.”

[27] Verificada a malversação dos recursos públicos, além do bloqueio do repasse, os responsáveis pela execução do contrato respondem por eventual ato de improbidade.

[28] Apontamentos sobre o Terceiro Setor no Brasil: Breve Análise Jurídica. Monografia, São Paulo: USP, 2002, p. 38. Disponível em:

 <http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev21Art17.pdf.> Acesso em: 12.jun.2007.

[29] Toshio MUKAI, Direito Administrativo Sistematizado, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 402.

[30] Direito Administrativo Moderno, 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 273.

No mesmo sentido, Antônio Roque CITADINI, Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas, 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 467.

[31] cf. BANDEIRA DE MELLO, op. cit., pp. 466-468.

[32] Op. cit., p. 42.

[33] Disponível em: <www.vivario.org.br.> Acesso em: 10.jun.2007.

[34] Disponível em: <http://www.spcv.org.br/content/view/2/3/.> Acesso em: 10.jun.2007.

[35] Disponível em: <http://www.spcv.org.br/content/view/7/1/.> Acesso em: 10.jun.2007.

[36] cf. DI PIETRO, Parcerias na Administração Pública, p. 38: “No caso dos serviços públicos típicos do Estado, prevalecem os procedimentos e princípios próprios do redime jurídico administrativo ou de direito público.”

[37] Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Comissoes/consComCPI.asp?com=1382.> Acesso em 9.jun.2007. 


 REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

LEONARDO FREIRE PEREIRA:  Advogado. Especialista em Direitos da Cidadania. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, na condição de bolsista da CAPES/MEC. Doutorando em Direito do Estado na Faculdade de Direito da USP. Professor de Direito Constitucional e Direito do Consumidor nos cursos de Graduação da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL) e Universidade Guarulhos (UNG). Ministrou aulas nos cursos de Pós-Graduação lato sensu do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA), Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG), Instituto de Educação e Cidadania (IEC) e União Educacional do Norte (UNINORTE). Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos. Diretor do Procon de Guarulhos. Coordenador dos Procons Municipais da Macro Região Metropolitana de São Paulo. E-mail: lfreirepereira@usp.br.

 

Efetividade da tutela penal do meio ambiente: a busca do “ponto de equilíbrio” em Direito Penal Ambiental [1]

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* Lélio Braga Calhau 

SUMÁRIO: 1. Notas introdutórias – 2. Direito Penal ambiental: um modelo cheio de contradições – 3. A efetividade na tutela penal ambiental: a busca pelo ponto de equilíbrio – 4. Crime ambiental e Juizado Especial Criminal – 5. Conclusões.  – 6. Referências bibliográficas.

1. Notas introdutórias. 

O meio ambiente, bem jurídico tutelado constitucionalmente[2], enfrenta hoje uma importante discussão sobre a efetividade[3] da sua proteção jurídica, seja ela: civil, administrativa ou penal.

 Segundo Ulrich Beck, a natureza já não pode ser pensada sem a sociedade e a sociedade já não pode ser pensada sem a natureza. As teorias sociais do século XIX (e também sua modificação no século XX) pensaram a natureza essencialmente como algo dado, destinado a se submeter, para tanto, como algo contraposto, estranho, como não-social.[4]

 O dano e o impacto ambiental se desenvolvem de forma paulatina, destruindo os ecossistemas, as relações estabelecidas entre as espécies, a biodiversidade e todo o equilíbrio natural da biota. Por outro lado, a extensão desses danos consegue alcançar o complexo de relações humanas e os conhecimentos ancestrais, e até mesmo as práticas quotidianas. Assim, em razão dos impactos ambientais causados de maneira antrópica, surgem as vítimas, desde o cidadão atingido pelo acidente, passando-se pela localidade, regionalidade a até mesmo pelo país como um todo, no caso de um acidente de grandes proporções.[5]

 O direito ambiental surge como resposta à necessidade, cada vez mais sentida, de pôr um freio à devastação do ambiente em escala planetária, embalada por duas ideologias – a do progresso, derivada do racionalismo iluminista, e a do desenvolvimento econômico, concebida no chamado Primeiro Mundo -, ambas arrimadas na concepção mecanicista da ciência, a qual, mercê dos êxitos tecnológicos que propiciou, mudou rapidamente a compreensão e a mesma face do mundo.[6] Nesse contexto, cobra especial relevância a eleição dos mecanismos institucionais a pôr em marcha e que possibilitem a adoção de um modelo sustentável de desenvolvimento.[7] Os estudos de impacto ambiental exigidos para a concessão da licença são prévios e necessários para garantir que o meio ambiente seja preservado com a atividade econômica e que nas próximas gerações possa estar ainda preservado. O que os garimpeiros estão fazendo e aqui pretendem ver legalizada é a exploração predatória.

 Em entrevista recente, Antonio Herman Benjamim, um dos precursores do Direito Ambiental no Brasil, ao ser indagado sobre a efetividade das leis ambientais no Brasil, assim respondeu: “Essa efetividade ainda é vaga. A lei é boa, mas sua aplicação é ruim. Precisamos criar mecanismos que propiciem uma boa aplicação da lei e o fortalecimento das instituições que têm responsabilidade”.[8]

 O problema é agravado pela ainda existente falta de identidade do Direito Penal Ambiental e da inexistência de uma jurisprudência consolidada sob a égide da Lei 9605/98, sendo que a maioria dos delitos ambientais tramita pelos juizados especiais criminais e suas respectivas turmas recursais.

 Nesse contexto, verificamos, ainda, a lamentável falta de compromisso ambiental por parte de alguns aplicadores do direito (juízes, promotores, advogados, policiais etc) que tratam das questões ambientais com a visão privatística do século XIX, gerando decisões inócuas que refletem uma legislação penal ambiental já confusa.

 Tal fato, não é novidade no universo jurídico brasileiro, pois temos como exemplo próximo a Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), que ao ser sancionado  encheu a população de esperança que o histórico de violência no trânsito brasileiro seria amenizado. Os caminhos traçados pelo Poder Judiciário[9] (e em específico pelo Supremo Tribunal Federal) esvaziaram a aplicação das poucas normas penais incriminadoras de trânsito e acabaram quase que totalmente com a efetividade penal daquela lei.[10]

 A dificuldade de se encontrar e desenvolver um ponto de equilíbrio, verdadeiro divisor dos interesses que existem entre a proteção dos direitos individuais e o da coletividade, talvez, seja um dos maiores causadores dessa falta de efetividade na aplicação da tutela penal ambiental no Brasil. 

2. Direito Penal Ambiental: um modelo cheio de contradições. 

A conhecida incapacidade do Direito Administrativo e do Direito Civil de lidarem satisfatoriamente com o problema da degradação ambiental acabou provocando o incremento da tutela penal ambiental nas últimas décadas em vários países. 

Muito embora deva ficar com o Direito Administrativo a maior parcela de responsabilidade do meio ambiente, verdade é que bem jurídico de tamanha envergadura não pode, muitas vezes, prescindir da proteção do Direito Penal. Deve este, é óbvio, ser utilizado minimamente, observado o princípio da intervenção mínima, mas não se poderá jamais prescindir do uso da lei penal, quando se sentir não bastar a sanção administrativa para a evitação de resultados extremamente danosos para a natureza.[11]      

A imposição de sanções administrativas e civis quando houvesse violação da legislação ambiental vinham se revelando, de certa forma, eficientes para os casos em concreto, mas insuficientes para desacelerar o processo de degradação ambiental. Condutas comprovadamente lesivas ao ambiente nem sempre encontravam adequação típica, e quando isso ocorria, na maioria das vezes caracterizava simples contravenção, em especial quando o objeto jurídico era a flora.[12] A experiência brasileira mostra uma omissão enorme da Administração Pública na imposição de sanções administrativas diante das agressões ambientais.[13] São comuns os casos de prefeitos nas cidades pequenas que se omitem de aplicar o Código Florestal na zona urbana, ora negligenciando a fiscalização, ora incentivando as pessoas a esgotarem os recursos ambientais em troca de apoio político. 

No tocante específico do Direito Penal Ambiental, o que se constata é que o mesmo vive de forma permanente um constante atrito entre princípios do Direito Penal e do Direito Ambiental. A criminalização[14] das infrações ambientais cresceu na década de 70 e 80. Isso ocorreu em diversos países, fruto de pressões dos movimentos sociais. Segundo Elena Larrauri a partir de então o que se observa com desânimo é a facilidade com que os movimentos progressistas recorrem ao direito penal. Grupos de direitos humanos, anti-raciais, ecologistas, de mulheres, trabalhadores, reclamavam a introdução de novos tipos penais: movimentos feministas chegam a exigir a introdução de novos delitos e maiores penas para os crimes contra as mulheres; os ecologistas reivindicam a criação de novos tipos penais e a aplicação dos existentes para proteger o meio ambiente etc.[15] 

Ensina Eladio Lecey que o Direito Ambiental Penal[16] incrimina não apenas o colocar em risco a vida, a saúde dos indivíduos e a perpetuação da espécie humana, mas o atentar contra a própria natureza, bem que, por si mesmo, deve ser preservado e objeto de tutela, pelo que representa às gerações presentes e futuras.[17] A partir desta preocupante realidade e do reconhecimento de que a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental do homem e essencial para sua sadia qualidade de vida, o legislador lança mão da ultima ratio, convocando o Direito Penal para buscar dar efetividade à sua proteção.[18] 

Essas incoerências e falhas não são características específicas da tutela penal ambiental no Brasil. O que se vê é a mesma coisa em outras legislações. É esse o comentário sobre a tutela penal ambiental na França de M. J. Littmann-Martin: “Multiplicidade de incriminações e incoerências freqüentes das sanções são traços distintivos desse direito repressivo heterogêneo. Ao que se acresce, ainda, um particularismo desfavorável aos delinqüentes ecológicos e um papel específico reconhecido às associações de proteção da natureza”.[19]  

Algumas características do Direito Penal Ambiental os distanciam claramente do modelo do Direito Penal Clássico. São elas: existência de um número elevado de normas penais incriminadoras com elementos normativos do tipo, utilização costumeira dos crimes de perigo (abstrato[20] ou concreto),  etc. Todavia, o simples fato das características comuns do Direito Penal Ambiental se afastarem do modelo clássico, não o caracteriza por si como inconstitucional, desnecessário ou abusivo. A proximidade com as ciências biológicas e a necessidade permanente de socorro a conceitos científicos e técnicos não torna por si só o Direito Penal Ambiental um modelo desviado do Direito Penal comum. 

A tendência da moderna ciência penal é voltada para conceber o crime ecológico como crime de perigo.[21] Obtém-se dessa forma a confortadora perspectiva de avançar a fronteira protetora de bens e valores, merecedores de especial tutela. De um ponto de vista político-criminal, portanto, o recurso aos crimes de perigo permite realizar conjuntamente finalidades de repressão e prevenção, sendo certo que o progresso da vida moderna está aumentando em demasia as oportunidades de perigo comum, não estando a sociedade em condições de refrear certas atividades perigosas, tidas como essenciais do desenvolvimento que se processa. Em tal contexto, torna-se evidente que uma técnica normativa assentada na incriminação do perigo é mais adequada a enfrentar as ameaças multíplices trazidas de muitas partes e por meios estranhos ao sistema ecológico.[22]

3. A efetividade na tutela penal ambiental: a busca pelo ponto de equilíbrio. 

A falta de efetividade da tutela penal ambiental possui diversas causas. A insuficiente técnica legislativa, descaso ou falta de compromisso ambiental de alguns aplicadores do direito, pouca clareza e certeza sobre limites de um grande número de conceitos indeterminados[23] são apenas alguns dos pontos que podemos citar inicialmente. 

Márcia Elayne Berbich de Moraes, critica a in(eficiência) do Direito Penal moderno para a tutela do meio ambiente, analisando aspectos da Lei 9605/98, conclui que: a) a seleção processual penal dos crimes ambientais reflete o caráter simbólico da Lei 9605/98, uma vez que não demonstra estar responsabilizando os verdadeiros poluidores e apenas estar atingindo determinados segmentos da população; b) esse tipo de seleção desvirtua o Direito Penal para uma função educativa ou coercitiva, transformando-o num instrumento funcionalista; c) existe uma “capa protetora” ou “fator de invisibilidade” que é negociado com as empresas potencialmente poluidoras junto ao Estado, no sentido de permissão para poluir, uma vez que a atual situação de nosso ecossistema demonstra sério desequilíbrio, deixando ainda mais evidente a “irresponsabilidade organizada” do Estado; d) a situação agrava-se com a dificuldade frente ao envolvimento científico que a solução do problema acarreta, uma vez que é necessário um verdadeiro “domínio do saber”para se conseguir o estabelecimento de novos critérios de licenciamento ambiental.[24] 

O respeito absoluto aos direitos fundamentais do cidadão não pode servir de escudo para a prática de crimes. A postura radical de alguns minimalistas que, mesmo frente a fenômenos como o crime organizado, lavagem de capitais, corrupção no poder público etc, ainda tentam impedir a criação de leis para o controle dessas manifestações mais específicas da criminalidade, reflete uma posição extremamente conservadora, inclusive, recebendo suas idéias pouco apoio junto ao Poder Legislativo. Alguns penalistas querem que o controle da criminalidade seja realizado como em 1789, o que se revela totalmente ineficaz e impróprio para a sociedade atual.

 A existência de um modelo efetivo de Direito Penal Ambiental não revela um rompimento com o Direito Penal clássico, mas, apenas, uma adequação da tutela penal em uma área que anteriormente não atuava. Negar a necessidade da utilização das normas penais no controle da criminalidade ambiental é uma postura inócua, reacionária e que só interessa aos infratores contumazes[25] (em muitos casos aliados ao poder econômico e político).

 Entretanto, tal utilização não pode descambar para o abuso. Mesmo sendo utilizado na proteção penal ambiental, não pode o Direito Penal Ambiental deixar sua característica de ultima ratio. Daí a importância de se encontrar um ponto de equilíbrio na aplicação do Direito Penal Ambiental.[26]

 Boa parte dos crimes ambientais, assim como aqueles do colarinho branco, não chega às instâncias judiciais, pela constante e interdependente negociação entre o Estado e empresas. O argumento habitualmente utilizado, neste caso, é o de que as empresas proporcionam o desenvolvimento sustentável, uma vez que dão empregos; assim, a esfera ambiental deve interagir com o crescimento sócio-econômico sem abrir mão dos benefícios aos cidadãos locais. Isso é refletido nos licenciamentos ambientais.[27]

 Desse modo, quando da ação da polícia na vigilância ou, até mesmo, investigação do crime ambiental, já existe o licenciamento concedido para poluir dentro de critérios técnicos e científicos muito pouco questionados pela mídia ou população em geral. Tal como a negociação que a Polícia faz com determinados tipos de crime e criminosos como o exemplo do jogo do bicho, os aparelhos de licenciamento ambiental fazem a negociação entre estado e empresas potencialmente poluidoras, mas sempre geradoras de empregos, votos e propulsores da economia em geral.[28] 

4. Crime ambiental e Juizado Especial Criminal. 

Um número elevado de crimes ambientais tramita pelos Juizados e Turmas Recursais Criminais. Em sendo enquadrados nas Leis Federais 9.099/95 e 10.259/01, são considerados crimes de pequeno potencial ofensivo, e acabam gerando Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs), e em geral, não se iniciam com inquéritos policiais.  

Situação que poderá ser enfrentada com certa freqüência nas infrações ambientais será a de fatos complexos, cuja apuração demandará investigações minuciosas e que irão requerer maior tempo. Deverá ser aplicado, então, o artigo 77, parágrafo 2º, da Lei dos Juizados Especiais Criminais. Citado dispositivo dispõe que se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação das peças existentes ao Juízo Comum, na forma do parágrafo único do artigo 66 da Lei 9099/95. No juízo comum, adotar-se-ão os procedimentos do Código de Processo Penal.[29] Isso acaba gerando maior trâmite no procedimento de apuração, pois a perícia é fundamental para a avaliação da medida a ser tomada quando da ocorrência do crime ambiental. Não havendo acordo, o feito tramita primeiro pelo juizado especial criminal, é dada baixa no sistema de controle do Poder Judiciário e o mesmo passa a tramitar na justiça criminal ordinária. 

O procedimento, em muitos casos, demanda perícia e deveria ser remetido diretamente para a Justiça Comum, para que a mesma fosse produzida e posteriormente apresentada á Justiça, pois, é prejudicial ao acusado ser intimado para a audiência preliminar sem a confirmação (quando necessária) de que houve crime ambiental. 

No mesmo sentido, como o Promotor de Justiça pode aplicar as peculiaridades dos artigos 27[30] e 28[31] da Lei 9605/98 sem a realização prévia da perícia apontando o valor do dano ou a medida ambiental a ser adotada? Com relação direta ou não a esse fenômeno, o que se vê é uma enxurrada de arquivamentos neste momento processual, com os famosos pareceres e sentenças chapinhas, perfeitamente formais no plano jurídico, mas, desconectados com a realidade ambiental. Diversos promotores e juízes alegam insignificância, política criminal, perdão judicial etc, tudo no intuito de se livrar do processo (digo: problema ambiental), que, para muitos, não seria o caso de se transformarem em processo, pois, entendem, que deveria ser resolvido na seara administrativa. Alguns advogados atuam nos juizados especiais criminais, em sentido contrário ao dos seus princípios. Dificultam sempre que podem o andamento processual do juizado especial criminal, não fazem acordos nunca e incentivam quase sempre seus clientes a não aceitarem a transação penal e suspensão condicional do processo, mesmo quando sabem claramente que o mesmo é culpado, com o intuito de cobrar mais caro, tentando provocar um recurso de apelação posterior, para cobrarem mais honorários ao final.  

5. Conclusões. 

5. 1 O Direito Penal Ambiental é mecanismo de suma importância para a proteção do meio ambiente no Brasil, devendo sua aplicação e interpretação ser integrada á proteção civil e administrativa. 

5.2  A criminalização das infrações ambientais mais graves é necessária, mas deve respeitar o caráter de ultima ratio do Direito Penal, devendo ser evitada quando puder ser solucionada na esfera administrativa ou cível.

 5.3  O aplicador do direito deve pautar pela efetividade na aplicação das normas penais incriminadoras ambientais, evitando entendimentos que retirem a eficácia das normas do Direito Penal Ambiental. Nesse sentido, o princípio da razoabilidade deve ser aplicado sempre, mas levando também em consideração a necessidade de se preservar o meio ambiente para as gerações futuras.

 5.4.  Deve, então, o aplicador do direito sempre procurar o ponto de equilíbrio na interpretação das normas penais incriminadoras ambientais, evitando interpretações que esvaziem o conteúdo das mesmas.  

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PAZZAGLINI FILHO, Marino; MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio; VAGGIONE, Luiz Fernando. Juizado Especial Criminal – aspectos práticos da Lei 9099/95, 3ª ed,  São Paulo, Atlas, 1999.

PIERANGELI, José Henrique. Escritos jurídicos penais – 2ª ed, São Paulo, RT, 1999.

SABSAY, Daniel Alberto. La problemática ambiental y del desarrollo sostenible en el marco de la democracia participativa. Revista de Direito Ambiental, 22, São Paulo, RT, abril-junho de 1001.

SÍCOLI, José Carlos Meloni. A tutela penal do meio ambiente. Revista de Direito Penal Ambiental, 9, ano 3, São Paulo, RT, janeiro-março de 1998.



[1] Tese apresentada e aprovada por unanimidade no II Congresso Nacional do Ministério Público e da Magistratura para o Meio Ambiente, realizado em Araxá (MG), de 1º a 3 de setembro de 2004, pela ABRAMPA – Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente.

[2] Artigo 225 da Constituição Federal de 1988- Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[3] Segundo o Dicionário Eletrônico Aurélio o significado de efetividade provém de [De efetivo + -(i) dade.]. Substantivo feminino. 1. Qualidade de efetivo; 2.     Atividade real; resultado verdadeiro: 3. Realidade, existência.

[4] BECK, Ulrich. La sociedad del riego – hacia una nueva modernidad. Tradución de Jorge Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa Borras. Barcelona, Paidós, 1998, p. 89.

[5] CARRERA, Francisco. Vitimologia e meio ambiente – o planeta Terra em xeque – as infrações ambientais, o dano e o abuso de poder in Vitimologia no terceiro milênio. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 78.

[6] AZEVEDO, Plauto Faraco de. Do direito ambiental – reflexões sobre seu sentido e aplicação. Revista de Direito Ambiental, 19, ano 5, São Paulo, RT, julho-setembro de 2000, p. 54-55.

[7] SABSAY, Daniel Alberto. La problemática ambiental y del desarrollo sostenible en el marco de la democracia participativa. Revista de Direito Ambiental, 22, São Paulo, RT, abril-junho de 1001, p. 38.

[8] BENJAMIN, Antonio Herman. Temos uma das mais completas leis ambientais do mundo. Mas a aplicação não é plena. Jornal da ABRAMPA. Belo Horizonte, ano 1, julho de 2004, p. 5.

[9] Nesse sentido, temos o coerente registro de Antonio Herman Benjamim: “O Judiciário brasileiro, de maneira geral, tem sido sensível às questões ambientais. Claro que é um processo longo de conscientização dos juízes e tribunais. O conflito ambiental, muitas vezes, põe em xeque paradigmas jurídicos consolidados no país há centenas de anos.  Não devemos, portanto, esperar que os juízes se desfaçam de amarras e preceitos ultrapassados sem o auxílio de cursos de atualização e especialização nos temas ambientais. Todos nós, especialistas em Direito Ambiental, temos, assim, uma certa parcela de responsabilidade quando alei é mal aplicada ou mal compreendida pelo juiz, pouco familiarizado com ela.”BENJAMIN, op. cit., p. 5.

[10] Em que pesem os entendimentos adotados (alguns não são seguidos nem pelas cortes constitucionais de países de primeiro mundo), o país ficou claramente no prejuízo. Nunca se feriu ou matou tanto no trânsito como agora. Ora embriagados, ora envolvidos em rachas, o desprezo pela vida humana quase sempre termina com o pagamento de cestas-básicas na Justiça Criminal.A proporcionalidade (tão apregoada pelos minimalistas) passa longe quando tratamos de trânsito e meio ambiente no Brasil.

[11] PIERANGELI, José Henrique. Escritos jurídicos penais – 2ª. ed, São Paulo, RT, 1999, p. 215.

[12] BUGALHO, Nelson Roberto. Crime de poluição, do artigo 54 da Lei 9.605/98. Revista de Direito Ambiental , 11, ano 3, São Paulo, RT, julho-setembro de 1998, p. 15.

[13] MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 10ª ed, São Paulo, Malheiros, 2002, p. 651.

[14] Alguns desses princípios em tese manifestam interesses antagônicos. Podemos citar o exemplo do princípio ambiental da precaução e seu antagonismo com o princípio penal da insignificância.

[15] LARRAURI, Elena. La herencia de la criminologia crítica. Ciudad de Mexico, Siglo Veintiuno editores, 1992, p. 217.

[16] O autor prefere a expressão Direito Penal Ambiental à de Direito Penal Ambiental, demonstrando, mais uma vez, um viés ambientalista em seu raciocínio jurídico.

[17] LECEY, Eladio. Novos direitos e juizados especiais. A proteção do meio ambiente e os Juizados Especiais Criminais. Revista de Direito Ambiental, 15, ano 4, São Paulo, RT, julho-setembro de 1999, p. 11.

[18] SÍCOLI, José Carlos Meloni. A tutela penal do meio ambiente. Revista de Direito Penal Ambiental 9, ano 3, São Paulo, RT, janeiro-março de 1998, p. 131.

[19] LITTMANN-MARTIN, M.J. A proteção penal do ambiente no direito francês. Tradução de Luiz Régis Prado. Revista de Direito Ambiental, 5, ano 2, São Paulo, RT, janeiro-março de 1997, p.43. 

[20] Em recente seminário no Brasil, em Porto Alegre, no mês de abril de 2003, o penalista alemão Gunther Jakobs defendeu a plena constitucionalidade dos delitos de perigo abstrato.

[21] MILARÉ, Édis; COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito Penal Ambiental – comentários à lei 9605/98. Campinas, Millennium, 2002, p. 1,

[22] MILARÉ; COSTA JÚNIOR, p.1.

[23] Ex: o conceito de floresta.

[24] MORAES, Márcia Elayne Berbich de. A (in)eficiência  do Direito Penal Moderno para a Tutela do meio Ambiente na Sociedade de Risco (Lei 9605/98). Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 187.

[25] Avalia-se que o tráfico de animais é a terceira maior movimentação ilícita do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas.

[26] Nesse sentido a lição de Rogério Greco: “Não se educa a sociedade através do Direito Penal. O raciocínio do Direito Penal máximo nos conduz, obrigatoriamente,  à sua falta de credibilidade. Quantos mais infrações penais, menores são as possibilidades de serem efetivamente punidas as condutas infratoras, tornando-o ainda mais seletivo e maior a cifra negra.  GRECO, Rogério. Direito Penal do equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. Dissertação de Mestrado, UFMG, julho de 2004, p. 16.

[27] MORAES, op. cit, p. 187.

[28] MORAES, op. cit., p. 187-188.

[29] PAZZAGLINI FILHO, Marino; MORAES, Alexandre de; SMANIO, Gianpaolo Poggio; VAGGIONE, Luiz Fernando. Juizado Especial Criminal – aspectos práticos da Lei 9099/95, 3ª ed,  São Paulo, Atlas, 1999, p.  130.

[30] Artigo 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

[31] Artigo 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações: I – a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do § 1° do mesmo artigo; II – na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a reparação, o prazo de suspensão do processo será prorrogado, até o período máximo previsto no artigo referido no caput, acrescido de mais um ano, com suspensão do prazo da prescrição; III – no período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos II, III e IV do § 1° do artigo mencionado no caput; IV – findo o prazo de prorrogação, proceder-se-á à lavratura de novo laudo de constatação de reparação do dano ambiental, podendo, conforme seu resultado, ser novamente prorrogado o período de suspensão, até o máximo previsto no inciso II deste artigo, observado o disposto no inciso III; V – esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de punibilidade dependerá de laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências necessárias à reparação integral do dano.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Lélio Braga Calhau: Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.  Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha).  Mestre em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho (RJ). Conselheiro do ICP Instituto de Ciências Penais do Estado de Minas Gerais  Professor de Direito Penal da UNIVALE – Universidade Vale do Rio Doce.

Principais mudanças na nova Lei de Falência

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* Clovis Brasil Pereira

Sumário:  1. Introdução        2.   Princípios que nortearam a nova lei        3.   A recuperação da empresas e o fim da concordata        4.  Recuperação judicial ou extrajudicial  das empresas      5.  Os créditos trabalhistas têm preferência apenas parcial       6.  Bancos conquistaram a preferência sobre o fisco       7.   A administração da empresa em regime de recuperação                8.  Conclusão 

 


1.  Introdução

Demorou 11 anos a tramitação na Câmara dos Deputados e Senado,  da denominada “Nova Lei de Falências” que substituiu o Dec.-Lei nº 7.661/45, que por sua vez, disciplinou por 60 anos o processo falimentar, incluindo as Concordatas Preventiva e Suspensiva, facultadas ao devedor comerciante.

Era óbvio  o esgotamento do modelo de procedimento previsto no aludido Decreto-Lei para as empresas em processo falimentar. Referida legislação foi elaborada na época em que o Brasil tinha um paupérrimo parque industrial e comercial, e ainda a economia amargava os reflexos da 2ª Guerra Mundial. Note-se ainda que o país saía de um longo período ditatorial, personificado pelo chamado “Estado Novo”, em que a legislação era praticamente imposta pelo Poder Executivo.

Ao longo dos 60 anos de vigência, muitas mudanças ocorreram, quer por alteração da legislação, quer pela dinâmica da Jurisprudência, que foi ajustando as  relações entre o falido ou concordatário e seus credores, na medida em que a legislação era omissa ou se distanciava da nova realidade econômica que então se desenhava.

Finalmente, o Projeto de Lei original nº 4.376/1993, de iniciativa do Poder Executivo, depois de idas e vindas entre uma casa legislativa e outra, em razão de emendas e substitutivos que eram sugeridos, e ainda,  da forte pressão das entidades representativas do comércio, da indústria, das instituições financeiras e demais setores interessados, restou aprovado.

A  Lei nº 11.101/05 recebeu a sanção do Presidente da República, começando sua vigência  em 10 de junho de 2005,  cujas mudanças principais, são a seguir  analisadas neste breve estudo.

2.  Princípios que nortearam a nova lei

O Projeto de Lei original, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, após 10 anos de debates com os segmentos interessados, incluindo o Poder Judiciário, as entidades representativas dos advogados, com destaque para a Ordem dos Advogados do Brasil, AASP (Associação dos Advogados de São Paulo) e IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), dentre outras.

Posteriormente,  o texto aprovado pelos deputados foi remetido ao Senado, onde teve  como relator o então  senador  Ramez Tebet.  Inúmeras alterações foram feitas naquela casa legislativa, sendo mantida, todavia, a coluna dorsal consubstanciada na recuperação das empresas,  que era um velho sonho acalentado pela classe empresarial e financeira do país.

No relatório do PLC nº 71/2003, o relator destacou onze princípios que deveriam orientar a nova lei a ser aprovada, assim enumerados:

·          Preservação da empresa;

·          Separação dos conceitos de empresa e de empresário;

·          Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis;

·          Proteção aos trabalhadores;

·          Redução do custo do crédito no Brasil;

·          Celeridade e eficiência dos processos judiciais;

·          Segurança jurídica;

·          Participação ativa dos credores;

·          Maximização do valor dos ativos do falido;

·          Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte;

·          Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial.

Tais princípios nortearam o texto final do Projeto aprovado pelo Senado em 6 de junho de 2004. Posteriormente, foi  submetido novamente à Câmara dos Deputados, face às alterações lá introduzidas, onde foi relator o deputado Osvaldo Biolchi, sendo finalmente aprovado em 14 de dezembro de 2004, ao apagar das luzes daquele ano legislativo.

3.  A recuperação das empresas e o fim da concordata

O novo diploma legal dá ênfase especial para a recuperação  judicial e extrajudicial das empresas. Assim, as empresas em dificuldade de liquidez, poderão fazer um projeto de recuperação, sem solução de continuidade de suas atividades, e sem comprometimento das características, prazo  e valores dos créditos constituídos.

A recuperação das empresas substituiu a concordata, que era uma prerrogativa dada aos devedores comerciantes, em dificuldades, para recuperarem a empresa, e sua concessão dependia do atendimento de determinados requisitos e pressupostos, e dava um fôlego aos comerciantes, para pagar, em condições privilegiadas, no prazo de até dois anos suas dívidas.

O comerciante decidia unilateralmente sobre o pedido e a forma de pagamento, e sujeitava todos os credores quirografários, independentemente de sua concordância. O que invariavelmente ocorria é que a concordata privilegiava um determinado comerciante, e, em contrapartida,   levava seus credores ao regime falimentar, notadamente as empresas de pequeno porte, ou as que centralizavam suas operações comerciais em poucos clientes.

Estima-se que entre 70 a 80% das empresas em regime de concordata acabavam indo à falência, em razão da debilidade financeira ou ainda empurradas pelas crises econômicas cíclicas que ocorreram no Brasil, ou por problemas internos, ou pelas crises mundiais e seus reflexos,  determinados pelos efeitos da globalização da  economia.

Não podemos ainda deixar de observar, para não cair na vala da ingenuidade,   que muitos comerciantes, movidos por má-fé,  se aproveitavam dos efeitos do chamado “favor legal”, como era conhecida a Concordata, e acabavam desviando recursos, mudando de ramo, constituindo novas empresas, desmantelando as estruturas das empresas em dificuldades, levando-as à falência, com prejuízos significativos aos credores, ao fisco, e principalmente aos ex-funcionários, com reflexos negativos  para toda  a sociedade.

4.  Recuperação judicial ou extrajudicial das empresas

Pelas considerações feitas pelo relator do Projeto de Lei nº 71/2003, no Senado, “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, e dos interesses dos credores, promovendo assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Fiel a esse princípio que deu ênfase às vantagens da programação de sua recuperação,  agora as empresas poderão optar por dois caminhos para sua reestruturação, e superação das dificuldades:

Um, é a chamada recuperação extrajudicial, na qual são chamados apenas os credores mais expressivos para renegociarem seus créditos, com objetivo de possibilitar a reestruturação da empresa, sem comprometer suas características, prazo e valores dos créditos dos demais credores, de menor expressão no passivo da empresa.

Outra modalidade, é a recuperação judicial, que pode ser realizada de maneira mais rígida e formal, sob a condução e controle do Poder Judiciário.  A recuperação neste caso, será programada e decidida, em princípio, pelos próprios credores, que formarão, opcionalmente,   o chamado comitê de credores, em que prevalecerá  a vontade da maioria, na aprovação do programa. Na hipótese do plano de recuperação não alcançar a aprovação, ou não atingir as metas almejadas, caberá ao juiz decretar a falência da empresa.

Na hipótese se não ser criado o comitê de credores, caberá ao administrador judicial, ou ao próprio juiz, deliberar sobre a fiscalização das atividades do devedor.

No planejamento de recuperação podem ser programadas formas previstas no artigo 50 da Lei 11.101/05, das quais destacamos,  a  capitalização da empresa, com a venda de parte da empresa, venda de ativos, renegociação e alongamento de prazos, cisão, incorporação e fusão de sociedade, alteração do controle societário, dentre outros,  para o fim de melhorar o seu desempenho.

No caso do plano de recuperação judicial ser aceito pelo juiz, ficam suspensas as ações de execução dos credores pelo prazo de 180 dias, podendo esse prazo ser prorrogado por mais 90 dias.

Agora, a nova lei não estabelece um prazo fixo para a recuperação judicial da empresa, podendo este ser projetado no plano de recuperação,  sendo essa uma modificação importante em relação ao processo de concordata, que previa um prazo de até dois anos, com pagamento de 40% dos créditos no primeiro ano, e 60%, no segundo ano.

5.  Os créditos trabalhistas têm prioridade apenas parcial

Uma inovação trazida na legislação é o tratamento dado aos créditos trabalhistas, no caso de falência da empresa. Pelo revogado DL 7.661/45, estes créditos detinham a preferência sobre os demais, ou seja, depois de devidamente comprovados e reconhecidos pela Justiça do Trabalho, assumiam a preferência no Quadro Geral de Credores, independentemente de seu valor.

Pela lei em vigor, essa preferência ganhou um limite, um teto, no valor equivalente a 150 salários mínimos, o que representa hoje, o valor de R$ 57.000,00. O saldo remanescente será disputado pelos ex-funcionários da falida, em condições de igualdade, com os demais credores quirografários, e que são preteridos aos credores privilegiados, garantidos por bens móveis e imóveis e créditos tributários em geral.

Sem dúvida, essa alteração foi, a nosso ver, um retrocesso no que tange aos direitos dos trabalhadores das empresas, principalmente para  os mais antigos, que acumularam ao longo do tempo créditos oriundos de direitos trabalhistas com a empresa, e foram preteridos pelo  legislador na partilha dos créditos da falida.

Na prática, acreditamos  que os trabalhadores da falida acabarão recebendo apenas o valor máximo de R$ 57.000,00, referente aos 150 salários mínimos, já que pouca chance terão os créditos remanescentes, classificados como quirografários,  de serem honrados,  tal como tem sido historicamente o desfecho desses créditos nas ações falimentares.

6.  Bancos conquistaram a preferência sobre o fisco

As instituições financeiras ganharam a preferência sobre o fisco, pela lei em vigor, ao contrário do que ocorria com o DL 7.661/45, que colocava os créditos tributários em situação preferencial no Quadro Geral de Credores, perdendo então apenas para os créditos de natureza trabalhista.

Pela nova sistemática, que vigora desde 10 de junho de 2005, os bancos que concederem empréstimos com garantia real às empresas que vierem a falir terão preferência sobre o fisco, não existindo limitações, neste caso,   quanto ao valor.

Essa disposição representa um privilégio dado aos bancos, e uma garantia de recuperação dos créditos concedidos, uma vez que é prática comum das instituições financeiras a vinculação de bens móveis (máquinas em geral) e imóveis da empresa em garantia de alienação fiduciária e hipoteca em seu favor, nos contratos de financiamento formalizados, além das garantias pessoais comumente agregadas.

A grande expectativa que fica em aberto, junto aos empresários em geral, e a opinião pública, é se essa nova determinação legal, acarretará, de forma concreta, a diminuição dos juros bancários cobrados das empresas para investimento ou capital de giro, e mesmo para as pessoas  em geral, que utilizam o cheque especial, o cartão de crédito, empréstimo pessoal e o crédito ao consumidor, uma vez  a desculpa e a justificativa dada pelos bancos para as altas taxas de juros vigentes é a grande inadimplência nos empréstimos concedidos às empresas, e a falta de garantia dada pela legislação anterior, para recuperação dos seus ativos, no caso da decretação da falência.

Ao que parece, os primeiros sinais são positivos neste sentido, uma vez que saímos de uma taxa de juros Selic de 26,5%, para 11,5%, com tendência de queda para o futuro.

Agora, a tendência será a diminuição da inadimplência junto aos bancos, pelas empresas em recuperação, ou mesmo as que vierem a falir, o que não justificará, a médio e longo prazo, pelo menos, a manutenção da alta e extorsiva taxa de juros cobradas dos empresários e da população em geral pelas instituições financeiras.

7.  A administração da empresa em recuperação judicial

Após a aprovação do plano de recuperação pelos credores, este é submetido à homologação judicial, cabendo ao juiz a nomeação de um administrador. A este cabe a tarefa de gerir os negócios da empresa em processo de recuperação, a seguir o planejamento estabelecido pelo comitê de credores, em decisão proferida pela maioria de seus integrantes.

Certamente, sendo uma figura nova criada pelo legislador, o administrador terá funções mais relevantes que a do síndico ou do comissário, notadamente no processo de reorganização e replanejamento das empresas em processo de recuperação. 

A figura do administrador judicial, que tem seu trabalho fiscalizado pelo juiz e pelo comitê de credores, exigirá uma atuação arrojada, transparente, para sanear as despesas e melhorar a receita e o desempenho geral da empresa, injetando novas técnicas, aporte de capitais, entrada de novos sócios, ou mesmo fusão ou incorporação de empresas, desde que previstas no plano de recuperação previamente homologado pelo juiz.

Seus deveres vêm expressos no artigo 22, inciso I, letras a até i, para a recuperação judicial e na falência;   inciso  II, letras a, b, c, d, para a recuperação judicial; e inciso III, letras a até r, para a falência.

A escolha do administrador é de suma importância, e deve recair preferencialmente entre administradores de empresa, contadores, economistas, ou mesmo advogados com experiência empresarial e no ramo das finanças.

8.   Considerações finais

É grande a expectativa entre os empresários em geral, e a comunidade financeira sobre os reflexos e os efeitos a curto, médio e longo prazo da denominada “Nova Lei de Falência”, aprovada após longa batalha na Câmara dos Deputados e Senado, e que veio atender os reclamos desses segmentos.

A eficiência da lei demandará uma nova postura das empresas, seus mandatários, os trabalhadores e seus órgãos representativos, e os credores em geral, em que se procurará, por certo, a todo custo, se evitar a decretação da falência da empresa, já que este instituto se mostra perverso, principalmente para os trabalhadores que vêm minguar postos de trabalho, com conseqüências sociais nefastas aos próprios empregados, à economia do país, e à sociedade em geral.

Também exigirá um melhor aparelhamento do próprio Poder Judiciário, uma vez que se trata de matéria especializada, para a qual os magistrados não foram previamente  preparados para executá-la.  No mais, os próprios funcionários do Poder Judiciário conviverão com uma nova situação que foge ao dia-a-dia das atividades forenses, o que certamente demandará treinamento adequado.

Por fim, dentre tantas dúvidas que pairam sobre o novo texto legal, quanto aos efeitos de sua aplicação, está a que diz respeito ao tratamento que receberão as empresas de pequeno e médio porte, no processo de recuperação. Temos receio que as grandes empresas, em condições de custear e disponibilizar uma forte estrutura de pessoal técnico especializado, tais como consultores empresariais, financeiros e econômicos, peritos, dentre outros,  poderão vir a dominar os comitês de credores a serem instalados, com a supremacia de sua vontade sobre os demais, de menor porte, com risco de  prejuízos para estes, que não terão como se sobrepor, ante a pressão econômica que poderão sofrer.

Esta, porém, é uma questão importante, que demandará observação e vigilância, nos primeiros momentos de vigência da lei. Eventuais desajustes e abusos, se ocorrerem, terão que ser contidos pelo Poder Judiciário, a quem cabe,  em última análise, na prestação jurisdicional, a preservação do equilíbrio de interesses, em obediência ao princípio da igualdade, decantada no equilíbrio de forças entre os contendores, em respeito ao mandamento expresso no artigo 125, I, do Código de Processo Civil.

Por fim, parece que os primeiros reflexos da nova lei de falência, tem se mostrado positivos, pois o número de pedido de falências tem diminuído acentuadamente, possivelmente, em decorrência da melhoria dos indicadores econômicos que têm sido divulgados ultimamente, em que se destacam a aceleração da produção e a melhoria do nível de emprego. 

A indagação é se essa melhoria pode ser ou não creditada, em parte, aos efeitos produzidos pela  Lei 11.101/05,  que já completa dois anos de vigência.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

CLOVIS BRASIL PEREIRA: Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito,  Professor Universitário;  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor dos sites jurídicos www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br 

 


Da responsabilidade civil da celebridade pelo produto ou serviço anunciado

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* Tarlei Lemos Pereira 

“Celebridade”, na definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é a qualidade de célebre, que tem grande fama ou notoriedade (in Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª edição, Editora Nova Fronteira, p. 378). Trata-se, portanto, de gênero do qual são espécies os artistas e as pessoas públicas.

Freqüentemente, vemos e ouvimos nos meios de comunicação, comerciais nos quais celebridades apresentam e recomendam a aquisição de um produto ou de um serviço, inclusive garantindo, por vezes, os resultados prometidos nos anúncios. Em virtude de serem pessoas conhecidas, respeitadas e queridas pelo povo ou por um determinado grupo social, tais anúncios ganham força e credibilidade na mídia, justamente pelo fato de terem sido divulgados com a participação de pessoas “célebres”.

Inúmeros são os anúncios publicitários que contam com a participação de celebridades, quer na televisão, no rádio ou nos jornais. Anuncia-se de tudo: cigarros, bebidas alcoólicas, produtos de beleza e emagrecimento, vitaminas, aparelhos de ginástica, remédios etc.

A vontade dos anunciantes de dar vazão ao consumismo desenfreado é tão grande que chegam, de forma contraditória, a vincular a imagem de esportistas ao vício do tabagismo, como ocorre, v.g., nos anúncios de cigarros veiculados na Fórmula 1.

É certo que um bom comercial deve ser persuasivo, sendo necessário, para tanto, uma somatória de fatores, como o preço e a qualidade do produto, a fonte por meio da qual ele é divulgado, bem como a figura do apresentador da mensagem.

Obviamente, o ser humano tem um quadro geral de referências adquirido ao longo da vida, composto de suas crenças, comportamentos sociais, morais e culturais, e, por isso, a atitude das pessoas tende a ser direcionada, em maior extensão, à aceitação de mensagens publicitárias que reforcem suas convicções pessoais. Assim, talvez falará mais alto ao consciente ou subconsciente do rico, a possibilidade de manter o status em que vive, com a aquisição de novos bens duráveis que comporão o seu patrimônio, ao passo em que ao pobre ou menos afortunado restará a esperança e o desejo de poder vir um dia a adquirir produtos que, hoje, sua parca remuneração não lhe permite comprar. Atentos a tudo isso, os anunciantes certamente direcionarão os comerciais de determinados gêneros alimentícios, por exemplo, a uma ou outra classe social, afinal o produto “arroz branco”, prato diário de milhões de brasileiros, será muito mais saboroso se degustado com um acompanhamento refinado ou em um restaurante chique freqüentado por consumidores de paladar exigente.

Sem dúvida, boa parte da credibilidade do produto pode ser reforçada ou não pela credibilidade do apresentador da mensagem (celebridade). Vale dizer, a credibilidade que o apresentador desperta nas pessoas é transferida imediatamente para o comercial, razão pela qual, a nosso ver, a celebridade não poderá deixar de ser responsabilizada, na órbita civil, por eventuais danos causados aos consumidores, nem mesmo poderá se escudar ou transferir a responsabilidade às agências publicitárias. Em outras palavras, a celebridade torna-se verdadeira “garante” do produto ou serviço anunciado.

Tal se dá com fundamento na Lei nº 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), dando-se destaque para artigo 4º, III, VI; artigo 6º, II, III, IV, VI; parágrafo único do artigo 7º; parágrafo primeiro do artigo 25; artigo 29; artigo 30; artigo 31; artigo 36; artigo 37; e artigo 39, IV.

Quem não se lembrará do comercial para divulgação do medicamento “Apracur”, apresentado pelo ator “P.A.”, onde se cantava “Apracur, prá curar – Prá curar, Apracur”, quando, em verdade, o produto não apresentava nenhuma propriedade terapêutica? Ou, ainda mais memorável, da vitamina Vitasay, apresentada por “E.A.N.” (o atleta do século), por meio do qual se dava a entender que qualquer pessoa que tomasse os comprimidos regularmente tornar-se-ia um superatleta? Ainda, do produto Grecin 2000, apresentado pela belíssima atriz “V.F.”, insinuando que com o fim dos cabelos grisalhos, qualquer homem poderia conquistar a mulher dos seus sonhos?

Realmente a lista das aberrações publicitárias estreladas por celebridades em desfavor ou efetivo prejuízo dos consumidores seria enorme e, por certo, não teria espaço dentro do escopo do presente trabalho. De qualquer sorte, vem-nos à memória, outrossim, o comercial apresentado tempos atrás pelo ator “A.F.”, sobre investimento em gado, relativo às “Fazendas Reunidas Boi Gordo”. Naquela ocasião, não dava o ator qualquer informação sobre os riscos do negócio, como se estes simplesmente não existissem. Tivessem sido prestadas tais informações, por certo muitos dos interessados teriam outro comportamento. Com efeito, o empreendimento foi à bancarrota e, de “gordo” mesmo, só o cachê do ator, que prosseguiu o seu trabalho alheio aos acontecimentos e à repercussão jurídica dos seus atos. Melhor comportamento não teve a empresa Danone, que veiculava comercial onde se afirmava que o “Danoninho vale por um bifinho”, induzindo milhares de mães a substituir a carne da alimentação de seus filhos pelo iogurte anunciado.

Ao que parece, no mundo das denominadas “celebridades” não há limites para o merchandise ou para a publicidade enganosa, o que teria levado o apresentador “C.P.”, certa vez, a declarar, de forma empolgada e vibrante, que “toda vez que eu falo de algum produto, boto minha participação no bolso”.

Lobriga-se à evidência, que caberá ao Poder Judiciário restabelecer a ordem jurídica, sempre que houver lesão aos mais comezinhos direitos dos consumidores, mormente à luz dos ditames do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.  

 

TARLEI LEMOS PEREIRA:  é advogado em São Paulo  – tarlei@francaribeiro.com.br


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

O advogado e suas prerrogativas cerceadas – a limitação de horários do acesso do advogado ao magistrado e a prestação jurisdicional.

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* Paulo Roberto Pontes Duarte

A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito. Rudolf Von Ihering[1] 

Trata-se, o presente artigo, um exame sobre a limitação de horários do acesso do advogado ao magistrado e a prestação jurisdicional. Para tanto, este artigo utiliza como alicerce teórico a decisão monocrática do Conselho Superior de Justiça,[2] pelo Pedido de Providência nº 1.465 formulado pelo juiz de direito da 1º Vara criminal da Comarca de Mossoró – RN, Dr. José Armando Ponte Dias Júnior.

Em resumo, o requerente argüiu duas questões: 1º – Se pode o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, a prolação de despachos(…); 2º – O magistrado é sempre obrigado  a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho?   

Ocorre que, no dia a dia na labuta advocatícia nos Fóruns, temos observado constantemente a dificuldade do jurisdicionado ter o acesso[3] ao magistrado através de seu advogado.

Impende destacar, portanto, antes de transcrevermos a decisão do Conselho Nacional do Justiça, analisaremos algumas considerações pontuais sobre a especifica prerrogativa do advogado de ser recebido pelo magistrado em seu gabinete. Ainda, abordaremos, nosso entendimento sobre a postura do juiz de direito perante o advogado.

Assim, discorremos sobre o tema de forma crítica, com o amparo jurisprudencial e doutrinário demonstrando que as prerrogativas do advogado devem ser respeitadas, haja vista, a oportunidade de falar com o magistrado reservadamente,  deve ser preservada por imposição legal.

Preambularmente, urge salientar a Lei federal nº 8.906/94 que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem do Advogados do Brasil no capítulo II que deixa consignado no art. 6º: “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíproco”. 

Por isso, pertinente o destaque feito pelo Desembargador José Renato Nalini: 

Parceiros na realização da justiça, acorrentados às mesmas deficiências do sistema judicial, frutos de única formação jurídica, arcaica e obsoleta, juízes e advogados têm o dever ético de compartilhar angústias e tentar construir a Justiça ideal. E se isso possível não for, ao menos deverão esquecer mesquinharias no relacionamento para a edificação da Justiça possível, deixando a surdez moral, que não é sensível ao clamor do povo, por uma justiça ágil, célere e efetiva, à qual todos tenham acesso e na qual todos possam confiar (Ética Geral e das Profissões, pág. 258. 2002).

Com efeito, o advogado é essencial à administração da Justiça4, pois no seu serviço privado presta serviço público à nação, exercendo uma função social quando proporciona ao cidadão a defesa dos seus interesses na prestação jurisdicional, em especial, os direitos e garantias fundamentais a que a Lei Maior se refere.

Portanto, registramos que, se não há hierarquia entre os profissionais do direito, as prerrogativas do advogado devem ser respeitadas, como veremos a seguir o que dispõe a Lei:

Art. 7º São direitos do advogado:

..

VIII – dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada;

É preciso apontar que, não estamos argumentado que o advogado pode invadir o cartório ou o próprio gabinete do magistrado. E sim, dirigir-se  com urbanidade deste os serventuários do Poder Judiciário até o juiz de direito, com o intuito de exercer sua profissão na defesa dos direitos de seu cliente.

Afinal, advocacia vem do latim advocatio, que quer dizer assistência, consulta judiciária, defesa de uma tese entre outros. 

No tema, com a habitual precisão, ensina Roberto Armando Ramos de Aguiar:

Daí podemos dizer que a origem da advocacia enquanto representação está ligada a necessidades públicas, como às da liberdade, tutela ou qualquer ameaça aos direitos da sociedade. Logo, a advocacia, além  de vicária e monopolista, é um exercício originariamente público (A crise da advocacia no Brasil:diagnóstico e perspectivas, pág. 24. ano 1989).

Por imperioso, a Constituição da República de 1988, pela primeira vez, em nosso ordenamento jurídico, declarou a advocacia como funções essencial à Justiça, o que deve, evidentemente ser valorizado num Estado Democrático de Direito.

Sobre as noções gerais da função do advogado trazemos a baila a melhor doutrina, se não vejamos: 

Como mister da advocacia se insere na variada gama de atividades fundadas nos conhecimentos especializados das ciências jurídicas, o advogado aparece como integrante da categoria dos juristas, tendo perante a sociedade a sua função específica e participando, ao lado dos demais, do trabalho de promover a observância da ordem jurídica e o acesso dos seus clientes à ordem jurídica justa (Teoria Geral do Processo. Grinover, Ada Pellegrini. Dinamarco. Cândido Rangel. Araújo Cintra, Antônio Carlos de. 2002. pág. 220).

Urge salientar, o magistrado é um servidor público, não é nem mais nem menos do que um advogado ou qualquer outro profissional do direito, pois cada um tem sua função definida e regulamentada, seja ela Carta Fundamental ou pela legislação infraconstitucional. O juiz de direito é aquele que representa o Estado na prestação jurisdicional com competência em aplicar a lei a um caso concreto.

Diga-se, ainda, a Ordem dos Advogados do Brasil é tão importante ao candidato a nobre carreira da adjucatura que por imposição constitucional5 deverá participar do concurso público.

A propósito, a irrepreensível lição do então Desembargador Edgard Moura Bittencourt:

A magistratura precisa seduzir os jovens física, moral e mentalmente sadios; mas necessita, também e sobretudo, orientá-los e conhece-los previamente, a fim  de não seja conquistada por simples carreiristas e por neuróticos que, na função, venham compensar com complexo de superioridade a inferioridade de sua compleição íntima (O juiz, pág. 74. 1982).

Ao cuidar do tema sobre a prestação jurisdicional com notável saber jurídico, preleciona Nalini:

Algo que poderia fazer com que o juiz abreviasse o tempo dos processos seria o compromisso ético de solucionar as lides postas sob sua apreciação, na certeza de que revestem aflições humanas. O Judiciário conhece apenas uma dimensão do tempo: o passado. Ante uma ocorrência qualquer, busca-se reconstruí-la mediante utilização de uma ciência reconstrutiva  – o processo – e a melhor decisão será a capaz de reconstituir o status quo (Opit. Cit. Pág. 303).

Como se nota, mostra-se imprescindível na atualidade, não apenas os magistrados como também os membros do Ministério Público uma formação humanista, que não se restrinja a sólidos conhecimentos da dogmática jurídica,  mas que tenham consciência e humildade, pois a advocacia é fundamental numa relação processual, que por sinal, norteada pelo devido processo legal, como princípio constitucional do cidadão de ser representado por um advogado. 

A propósito, dentre outros, vejam-se os venerandos acórdãos:

ADMINISTATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELIMITAÇÃO DE HORÁRIO PARA ATENDIMENTO A ADVOGADOS. ILEGALIDADE. ART. 7º, INCISO VIII DA LEI Nº 8.906/94. PRECEDENTES. 1. a delimitação de horário para atendimento a advogados pelo magistrado viola o art. 7º, inciso VIII da Lei nº7 8.906/94. 2. recurso ordinário provido. (STJ, 2º turma, RMS nº 15706/PA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, in DJ 07/11/2005, pág. 166).

Nesse compasso: 

ADVOGADO – DIREITO DE ENTREVISTAR-SE COM MAGISTRADO – FIXAÇÃO DE HORÁRIO – ILEGALIDADE – LEI nº 8.906/94 art. 7º, VIII. É nula, por ofender ao art. 7º, inciso VIII da Lei nº 8.906/94 a portaria que estabelece horários de atendimento de advogado pelo juiz (STJ, 1º Turma, RMS nº 13262/SC, Rel.Min. Humberto Gomes de Barros, in DJ 30/09/2002, p. 157).

Vale, ainda, transcrever as palavras de Roberto A. R. Aguiar:

O advogado é o pólo interessado, não como agente de defesa de pretensões próprias, mas no sagrado múnus de defesa de postulações de direitos alheios. Todas as cadeiras de ética profissional evidenciam o caráter desinteressado do advogado, destacando que ele é remunerado mas não procura lucro (Opit. Cit. Pág. 47). 

Nesta esteira, devemos considerar que, o advogado quando procura o magistrado em seu gabinete para tratar de algo relevante sobre um caso ou um processo, mais exercer seu direito, está sim, exercendo sua profissão com a única finalidade – defender os interesses de seu cliente.

Para concluir, como resposta à consulta, decidiu o CNJ, nos seguintes termos: 1º NÃO PODE o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos(…). 2º – o magistrado é SEMPRE OBRIGADO a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença(…).

De mais a mais, somos sim, escudados pela Carta Política de 88 auxiliares da  Justiça em razão de nossa função social e com muita dignidade. Por outro lado, nós advogados não somos auxiliares dos magistrados, assim, constituí um dever funcional dos juizes de direito em receberem  os causídicos em seus gabinetes. E mais, aqueles que negarem, configura-se ilegalidade, agindo como abuso de autoridade como dispõe a Lei nº 4.898/65. 

Por fim, sem embargo, o exercício da advocacia deve ser valorizado. Reflita, caro leito, o juiz, na prestação jurisdicional é inerte, precisa ser provocado. Vejamos o quanto as teses criadas pelos advogados provocam aprimoramento das decisões dos tribunais, o quanto a advocacia enriquece a evolução da jurisprudência. Pensamos todos…



NOTAS

[1] Ihering, Rudolf Von. A luta pelo Direito. Editora Claret. São Paulo, pág. 24, 2006.

[2] Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução,sendo: (…)

Artigo inserido na Constituição Federal do 1988 através da E menta Constitucional nº 45.

[3] Art. 5, inciso XXXV – a lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

4 Art. 133º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988.

   Art. 2º da Lei federal nº 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil

5  Art. 93.

I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica  e obedecendo-se, ns nomeações, à ordem de classificação;

 

BIBLIOGRAFIA:

AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. A crise da advocacia no Brasil: diagnóstico  perspectivas. Editora Alfa-omega, São Paulo, 1989.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

____. Lei federal nº 8.609/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.

BITTENCOURT, Edgard de Moura. O juiz. 2º ed. Editora Leud, São Paulo, 1982.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Grinover, Ada Pellegrini. Dinamarco, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 18º edição. editora Malheiros, São Paulo, 2002. 

NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 3º ed. rev. e amp. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Paulo Roberto Pontes Duarte:  Advogado OAB/SC nº 23.533. Formado na EPAMPSC – Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público de Santa Catarina. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal. Membro da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB de Santa Catarina; Pesquisador do NEPI – Núcleo de Estudos Sobre Preconceito e Intolerância

E:mail – paulo-diver@bol.com.br    paulo_diver@hotmail.com

 

  

 

 


A omissão inconstitucional do estado brasileiro ao não regulamentar as relações patrimoniais entre conviventes homossexuais

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* Jorge Luis de Camargo

A Constituição Federal de 1988, no Título I, dos Princípios Fundamentais prevê, no artigo 1º, inciso III, que a “Dignidade da Pessoa Humana” é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Dentro do mesmo Título e no artigo 3º, consta como um dos objetivos da República, “promover o bem de todos, sem preconceitos e outras formas de discriminação”.

Já no Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, consta no artigo 5º, inciso I, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos estabelecidos pela própria Constituição”.

 Por sua vez, o Art. 226, deixa claro que “a família é a base da sociedade” e “tem especial proteção do estado”, isto é, não define família como sendo a união entre um homem e uma mulher, como faz na conceituação de união estável,  ( §3º, Art.226). 

Além dos pontos constitucionais acima já expostos, temos que observar que as relações homossexuais não passam de mais uma de tantas outras opções que a democracia assegura ao homem livre, tanto como: decidir em quem votar ou como contar o cabelo, por exemplo.

Trata-se, de escolha que pertence ao aspecto privado do indivíduo e que somente a ele interessa, posto que não ofende a qualquer bem juridicamente relevante, restando resguardado por mais de um direito fundamental, mais precisamente o da inviolabilidade da vida privada, previsto no inciso X, do artigo 5º da Constituição Federal. 

Considerando que tratar-se de escolha que pertence tão somente ao aspecto íntimo do cidadão, indubitavelmente que temos que considerá-lo como uma parcela do seu livre decidir e que não pode sofrer intervenção estatal.

Ora, considerando-se então a liberdade de escolha da opção sexual como um dos aspectos da dignidade do ser humano, com amplo amparo constitucional, não seria exagerado considerá-lo como um dos integrantes do rol de direitos humanos a ser defendido pelos órgãos estatais.

Destarte, partindo-se do ponto de vista resumidamente acima exposto, conclui-se que não deveria haver qualquer discriminação pelo fato de o cidadão ter feito uma opção sexual diferente daquela adotada pela maioria.

Ocorre que não é esta a situação atual no estado brasileiro, seja pela discriminação e violência praticada pela própria sociedade ou mesmo pelos meios de comunicação, seja pela conveniente omissão do legislador ao não regular minimamente esse fato social que envolve relações entre cidadãos brasileiros iguais a outros.

Desta forma, temos claro que a opção sexual é um direito inerente à pessoa, podendo ser considerado um aspecto dos direitos humanos e que não deveria sofrer qualquer restrição ou impedimento estatal, todavia, observamos que os homossexuais diuturnamente, sofrem restrições em decorrência da não regulamentação desse fato social, tornando-se, portanto, um direito legítimo e garantido constitucionalmente, mas sem a devida regulamentação legislativa, ou seja, sem efetividade. 

A não regulamentação dos efeitos decorrentes da convivência homossexual, acarreta enormes dificuldades para aqueles que vivem esse tipo de relação, mais principalmente quando do fim da convivência, conforme passamos a expor:

Cessada a relação entre os conviventes homossexuais, sendo ambos vivos, necessária a partilha dos bens adquiridos na constância da relação, seja pelo fato de terem sido adquiridos pelo fruto do trabalho de ambos, seja pelo fato de que um permaneceu cuidando da residência para o sucesso profissional do outro, ou seja, nos mesmos moldes do que acorre das relações de União Estável entre um homem e uma mulher.

Ocorre, que se a convivência se deu entre pessoas de sexo diferente há regulamentação legislativa, todavia, sendo ambos do mesmo sexo, praticamente inexiste amparo legal que dê qualquer segurança jurídica acerca de eventual partilha de bens, posto que as situações serão resolvidas, caso a caso,   pela jurisprudência, o que acarreta a elevada incerteza e insegurança jurídica  nos demandantes.

Quando um dos conviventes vem a falecer, sem deixar testamento, a situação do sobrevivente piora e muito, principalmente se tiver que disputar quinhão com herdeiro legal, pois a este há previsão legal e àquele não, fazendo com que as soluções possivelmente sejam delegadas ao Judiciário e após longo, custoso e em muitos casos dolorosos processos.

Apresentados os problemas, temos que é dever do Estado promover o bem e o desenvolvimento de todos, e isto não pode, de forma alguma, ser considerado apenas uma boa norma constitucional, sob pena de ineficácia absoluta do mandamento proveniente do poder constituinte originário.

Assim, havendo omissão do legislador em regular importante fenômeno social, temos que considerar também que este Poder está em mora e que em razão dela, inúmeras pessoas estão sofrendo severas conseqüências patrimoniais e pessoais, sendo que o fator principal da mora é a discriminação sofrida em detrimento da opção sexual adotada.

Note-se, que este artigo não se justifica apenas pelo fato de que o legislador federal está em mora, mas sim pelo fato de que esta mora decorre da opção sexual adotada pele cidadão, isto é, se heterossexual é amparado pela legislação de regulamentação da União Estável ( Leis 8.971/94 e 9.278/96), se homossexual por nenhuma norma jurídica.

A discriminação sexual é tão evidente, que nada impediria que as regras das leis da união estável, por analogia, fossem aplicadas àqueles que vivem relacionamento homoafetivo, o que revela um fator de discriminação sem amparo constitucional que o dê validade.

O fato de que a omissão legislativa não atinge apenas um grupo de pessoas, mas sim um número indeterminado e indeterminável, permite considerarmos como sendo um direito difuso, ou melhor, uma omissão legislativa que atinge direitos difusos.

Desta forma, a solução para a atual mora legislativa estaria no uso de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, pelo Ministério Público Federal ou o uso de outro remédio constitucional, como a Mandado de Injunção (Art. 5º, LXXI) ou a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental ( Art. 102,§ 1º)  por aqueles que se sentirem lesados.

Justificaria o uso da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, em razão da inércia do estado em dar total regulamentação a vários dispositivos constitucionais, principalmente os artigos: 1º, inciso III; 3º, inciso IV; 5º “ caput” e inciso I, 226 “ caput” e § 4º, ou seja, temos que corretamente considerar tais normas constitucionais como sendo de eficácia limitada, ainda que programáticas.

Ademais, seria indispensável que o Supremo Tribunal Federal, a partir de sua nova composição, repensasse o seu atual posicionamento acerca da natureza do provimento dado na Ação Dieta de Inconstitucionalidade por Omissão e no Mandado de Injunção, dando a eles natureza concretista, para assegurar o exercício do direito ainda não regulamentado.

Por todo o exposto, temos que a solução para a atual mora legislativa está na mudança de posição do Supremo Tribunal Federal, acerca da natureza das decisões proferidas nas ações constitucionais acima indicadas, como meio de sanar a omissão inconstitucional do estado, que incentiva maior discriminação, pois ele próprio discrimina seus filhos em razão da opção sexual adotada, tudo para regulamentar esse atual e importante fato da sociedade.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JORGE LUIS DE CAMARGO: O autor é Procurador Federal, Ex- Juiz de Direito no estado da Bahia, Professor de Direito Constitucional das Faculdades Integradas de Ourinhos-SP

jorgecamargo@uol.com.br

 


Títulos extrajudiciais exeqüíveis na Justiça do Trabalho

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*Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho 

SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – Títulos executivos extrajudiciais no processo do trabalho; 3 – Execução de multas administrativas na Justiça do Trabalho; 4 – Considerações finais; 5 – Bibliografia. 

1 – INTRODUÇÃO

Como salientam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, os títulos executivos extrajudiciais nada mais são do que "pedaços de papel" ou "documentos" que fazem concluir que provavelmente um direito existe. Eles diferem de outros da mesma natureza apenas em razão de o legislador, levando em consideração a probabilidade da existência desse direito e o fato de ele não poder demorar muito tempo para ser concretamente realizado, atribuir-lhes uma qualidade que dispensa o credor de propor ação de conhecimento e possibilita o imediato aforamento da ação de execução. Com isso permite-se a pronta agressão do patrimônio do devedor através da penhora [01].

Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial dominante, o Processo do Trabalho, como inicialmente idealizado, não previa a hipótese de execução de títulos extrajudiciais. Esta conclusão alicerçava-se na literalidade do artigo 876 da CLT original que previa execução na Justiça do Trabalho apenas para os casos de decisões e acordos lá proferidos ou celebrados. Analisando-o em sua versão inicial, Manoel Antônio Teixeira Filho destacou que o legislador deliberadamente não incluiu os títulos extrajudiciais no elenco dos executivos. O fundamento de sua conclusão residia na observação de que texto consolidado surgiu quando já em vigor o Código de Processo Civil de 1939, onde estavam previstas as denominadas ações executivas, baseadas em títulos extrajudiciais (art. 298). Em seu entendimento, se o legislador trabalhista tinha conhecimento desta classe de ações e optou por não incorporá-las ao texto da CLT, limitando-se, ao contrário, a atribuir executoriedade apenas aos títulos judiciais, o fez de caso pensado e não por omissão [02]. Referido autor apontava ainda razões de ordem prática para não aceitar a execução de título executivo extrajudicial, como se depreende da seguinte passagem:

Ainda que nos fosse possível ignorar, por inteiro, a manifestação literal do art. 876 da CLT – e a clareza que ele espelha – razões de ordem prática recomendariam a inadmissibilidade da execução lastreada em títulos extrajudiciais, pois a aparente celeridade na satisfação do crédito, que eles propiciariam (pela eliminação da fase de conhecimento), seria, em muitos casos, comprometida pelas inevitáveis controvérsias que se estabeleceriam a propósito da regularidade formal do título, da origem da causa debendi e o mais; comprovada que fosse a inexigibilidade do título, a execução seria declarada nula (CPC, art. 618, I), com absoluta perda de tempo para o credor e dispêndio inútil de atividade jurisdicional, cabendo ao empregado, diante disso, ajuizar ação ordinária ("reclamação", sic) para, provando no processo cognitivo o seu crédito, munir-se, agora sim, de um título judicial que o habilitará a promover a correspondente execução forçada [03].

Com o advento da Lei n. 9.958/00 esta discussão perdeu força. Referida norma modificou o artigo 876 da CLT para possibilitar expressamente que os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia, inquestionavelmente títulos executivos extrajudiciais, fossem executados na justiça especializada. A partir de então passou a haver consenso acerca da possibilidade de execução de título extrajudicial na Justiça do Trabalho. A discussão remanescente passou a ser quanto a taxatividade ou não do rol legal. Em outras palavras, passou-se a discutir se outros títulos judiciais previstos no artigo 585 do CPC, poderiam ser executados na Justiça Especializada, o que será objeto de estudo neste trabalho.

A Emenda Constitucional n. 45 gerou novas discussões acerca do rol de títulos exeqüíveis na Justiça do Trabalho. A partir da nova redação do artigo 114, VIII do texto constitucional, muitos magistrados e renomados juristas passaram a defender que a execução de multas administrativas passou para o âmbito da Justiça Laboral. Este entendimento, que também será analisado ao longo deste texto, resulta em um aumento significativo não apenas de hipóteses, mas também de número de execuções de títulos executivos judiciais na Justiça Especializada.

Por tudo isto, há que se reconhecer que esta modalidade de execução vem demandando um estudo mais aprofundado. Sobretudo porque, pelas questões históricas antes apontadas, a doutrina juslaboralista sempre dedicou pouca atenção ao estudo do tema.


2 – TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS NO PROCESSO DO TRABALHO

Como inicialmente destacado, a Lei n. 9.958/00 pôs fim às controvérsias acerca da possibilidade de execução de títulos executivos extrajudiciais na Justiça. Após as alterações por ele promovidas, a discussão direcionou-se para a taxatividade ou não do rol do artigo 876. Seria possível executar, por aplicação subsidiária, outros títulos executivos previstos no artigo 585 do CPC, quando com relações de trabalho (relações de emprego, antes da EC 45)?

Carlos Henrique Bezerra Leite, defende que os demais títulos extrajudiciais previstos no artigo acima referido, ainda que decorrentes da relação empregatícia, continuam a depender de uma sentença que lhes confira força executiva para serem executados na Justiça do Trabalho, tendo em vista a regra procedimental instituída pela IN 27/2005 do C. TST [04]. Não obstante a respeitabilidade de seu autor, não há como se partilhar desta opinião.

Uma vez aberto o caminho para o ajuizamento de execuções de títulos extrajudiciais na Justiça do Trabalho e diante da lacuna na CLT, não há razão para não se aceitar que as hipóteses previstas na legislação processual comum sejam utilizadas também no processo do trabalho quando compatíveis com seus princípios. Interpretando teleologicamente a lei 9.958/00, percebe-se que ausência de referência a outros títulos executivos extrajudiciais é lacunosa e não proposital. Com efeito, referida norma teve por escopo instituir as Comissões de Conciliação Prévia, visando com isso apresentar uma solução alternativa de solução dos conflitos trabalhistas que reduzisse o elevado número de demandas ajuizadas na Justiça do Trabalho. Para que esta medida se tornasse efetiva dotou os termos lavrados nestas comissões de eficácia executiva, fazendo o mesmo em relação aos termos de ajustamento de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho. Ora, se a alteração legal visou justamente criar mecanismos de desafogar o assoberbado Poder Judiciário Trabalhista, uma interpretação que permita a utilização de outros títulos executivos extrajudiciais por aplicação subsidiária do CPC, não pode ser tida como incompatível com o processo do trabalho. Afinal, executar diretamente outros títulos ajuda a reduzir a morosidade dos processos trabalhistas e, por conseguinte, o alto volume de processos inconclusos na medida em que as execuções de título extrajudicial são bem mais céleres do que as reclamações que seriam levadas a cabo caso elas não fossem admitidas. Esta é também a opinião de Manoel Antônio Teixeira Filho, segundo quem "A numeração dos títulos executivos extrajudiciais, constante do art. 876, não é exaustiva" [05].

Feita esta conclusão, cumpre analisar individualmente as hipóteses de títulos executivos previstas no rol do artigo 585 do CPC. Manoel Antônio Teixeira Filho defende que a exceção das hipóteses dos incisos VI, VII e VIII, as demais não seriam aplicáveis ao processo do trabalho, em razão da incompetência ratione materiae da Justiça do Trabalho [06]. Esta interpretação, contudo, mostra-se demasiadamente restritiva, razão pela qual com ela não se pode concordar.

Confrontando os títulos previstos em todos os incisos do referido artigo do CPC com os princípios do processo do trabalho e com a competência material da Justiça Especializada, há que se concluir pela impossibilidade de nela serem executados contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida; o crédito decorrente de foro e laudêmio; o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio (artigo 585, III, IV, V do CPC com a redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). A explicação é simples. É praticamente impossível que estes títulos tenham consignações que demonstrem haver ligação entre o valor a ser pago e determinada relação de trabalho.

Contudo, não há razão plausível para que não se aceite a execução de escritura pública ou de documento particular subscrito pelo empregador e por mais duas testemunhas estipulando o compromisso de pagar a determinado empregado um bônus caso atinja meta previamente estabelecida. Tampouco se justifica a recusa em executar, na Justiça do Trabalho, o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial. Sobretudo agora que a sua competência alberga as relações de trabalho, categoria na qual se insere, inquestionavelmente, estes serviços. A este respeito, mostram-se valiosos os seguintes ensinamentos de Manoel Antônio Teixeira Filho:

Se esses horários (sic. Leia-se honorários) constarem de sentença condenatória, a execução será fundada em título judicial. O inciso VI, do art. 585, do CPC, trata, porém, de título extrajudicial, motivo por que não se alude à condenação, e sim, aprovação judicial do crédito. Ocorrendo de o Juiz do Trabalho vir a aprovar, fora da sentença, os honoráios (sic) do perito, do tradutor ou do intérprete), estará, em tese, aberta a possibilidade de esse honorários serem cobrados na Justiça do Trabalho – contanto que os serviços desses profissionais tenham sido prestados em causa da competência desta Justiça Especializada [07].

Os ensinamentos do Professor paranaense merecem, data venia, alguns reparos. Ao contrário do que concluíra o preclaro jurista, parece claro que após a Emenda Constitucional 45 a Justiça do Trabalho passou a ser competente para apreciar todas as demandas concernentes à cobrança de honorários do perito, do tradutor ou do intérprete que não constarem do dispositivo sentencial, independentemente do órgão jurisdicional junto a qual os serviços correspondentes tenham sido prestados. A explicação é simples, trata-se de uma relação de trabalho não estatutário. E a competência para a apreciação das lides decorrentes destas, nos termos da nova redação do artigo 114, I da Constituição Federal, é da Justiça do Trabalho.

Outra possibilidade de execução de título extrajudicial na Justiça do Trabalho seria o acordo firmado pelos advogados da empresa e do empregado para, por exemplo, a quitação dos débitos relativos ao contrato de trabalho. Conquanto seja certo que referido acordo não poderá resultar na quitação plena do contrato de trabalho, consoante entendimento jurisprudencial dominante, nada impede que o empregado prefira executá-lo de imediato, sem discutir outros débitos, a ter que ajuizar uma reclamação trabalhista. Isto sem falar que a Lei nº 11.382 de 2006 inseriu o inciso VIII do referido artigo possibilitando que lei posterior atribua a determinado negócio a qualidade de título executivo extrajudicial, nada impedindo que sejam criados títulos exeqüíveis na Justiça do Trabalho.

Ademais, as multas aplicadas pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho são inseridas na certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, o que as torna título executivo extrajudicial. Neste sentido é o magistério de Manoel Antônio Teixeira Filho, segundo quem:

Se a Delegacia Regional do Trabalho, por exemplo, impuser multa a determinado empregador, esta deverá ser cobrada na forma da Lei n. 6.830/80, que dispõe sobre a execução judicial da dívida ativa da Fazenda Pública. E a precitada norma legal estabelece, no art. 6º, que a petição inicial "deverá ser instruída com a Certidão da Divida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita". Esta certidão constitui, pis, título, título executivo extrajudicial [08].

E, como se verá no tópico a seguir, já se aceita a competência da Justiça do Trabalho para executá-las.

Por fim, há que se ressaltar que, em uma primeira análise não seria exeqüível na Justiça do Trabalho a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque. A explicação é simples. A sua execução na Justiça Especializada demandaria cognição acerca de sua derivação de uma relação de trabalho. E uma cognição desta intensidade se mostra incompatível com o procedimento executivo. Nestes casos, embora eles não caracterizem títulos executivos extrajudiciais, certamente podem ser considerados documentos aptos a ensejar o ajuizamento de ação monitória. Como leciona Estêvão Mallet "A prova escrita, referida pelo legislador apenas no singular, não precisa necessariamente resumir-se a um único documento. Poderá resultar da combinação de distintos documentos" [09]. Neste caso bastaria que se ajuizasse a ação monitória juntando a letra de câmbio, nota promissória, duplicata, debênture, ou cheque ao contrato de trabalho ou qualquer outro documento que deixe transparecer que ela visava pagar obrigação decorrente de relação de trabalho.


3 – EXECUÇÃO DE MULTAS ADMINISTRATIVAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Após a Emenda Constitucional n. 45 o artigo 114 da Constituição Federal passou a contar com um inciso VIII que assevera competir à Justiça do Trabalho processar e julgar "as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho". Muito embora o texto legal fale em "ações" e não em "execuções" relativas às penalidades administrativas, a doutrina vem, com acerto, se posicionando em sentido contrário. Irrepreensível neste ponto se mostra o entendimento de Carlos Henrique Bezerra Leite:

em virtude do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, "qualquer ação", seja ela de cognição, cautelar ou executiva, que tenha por objeto matérias relacionadas a penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização do trabalho. Logo, por ser a ação de execução fiscal uma espécie do gênero "ação", parece-nos que não há como olvidar que a Justiça do Trabalho é agora a competente para processá-la e julgá-la [10].

Interpretar referido dispositivo de outra forma constituir-se-ia em desconsiderar o objetivo do legislador constituinte derivado ao inserir referido dispositivo. Como salienta Estêvão Mallet há que se considerar na interpretação deste dispositivo a finalidade da previsão legal, contida no artigo 114, inciso VII, ou seja, o problema que com ela se quis resolver. E este, segundo o mesmo autor, consiste em afastar a inconsistência e desarmonia provocada pelo fato de a competência mais restrita da Justiça do Trabalho abrir a indesejável possibilidade de, sobre o mesmo fato, surgirem provimentos divergentes, emanados de órgãos judiciários diferentes, sem espaço para uniformizá-los [11]. Em remate, afirmou o Professor da Universidade de São Paulo que "a finalidade da nova hipótese de competência leva a afirmar-se que a própria execução fiscal das multas e dos valores deve ser feita perante a Justiça do Trabalho, admitindo-se a discussão da legalidade do lançamento em embargos do executado" [12].

Outro festejado processualista do trabalho, o magistrado Marcos Neves Fava, ponderou ser incoerente, para dizer o mínimo, "exigir dos litigantes que se defendessem ou postulassem, perante a Justiça do Trabalho, mas que, consolidada a obrigação de pagamento da dívida, aforassem – ou se defendessem – perante a Justiça Federal, durante a execução" [13].

Além de em evitar decisões conflitantes, o legislador constituinte buscou também, ao transferir a execução das multas aplicadas pela Fiscalização das Relações de Trabalho, para a Justiça Especializada, "o interesse da União, no recolhimento dos valores impostos aos transgressores da legislação trabalhista, o que não vem, historicamente, sendo bem realizado pela Justiça Federal, premida pelo abarrotamento de processos" [14]. Segundo Fava, este entendimento decorre do sucesso reconhecidamente alcançado pela execução das contribuições sociais, inovação trazida pela Emenda Constitucional n. 20/98, depôs regulada pela Lei n. 10.035 [15]. As suspeitas do referido autor são corroboradas pela existência de Projeto de Emenda Constitucional que visa acrescentar o inciso XI ao art. 114 da CF que, uma vez aprovado, possibilitará que a Justiça do Trabalho execute, de ofício, as multas por infração à legislação trabalhista, reconhecida em sentença que proferir.

Inquestionável, portanto, que as execuções de multas aplicadas pelos Órgãos de Fiscalização do Trabalho passaram para a Competência da Justiça do Trabalho.


4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A partir do estudo feito até aqui foi possível se chegar as seguintes conclusões:

1) O rol de títulos executivos extrajudiciais do artigo 876 da CLT é exemplificativo e não taxativo. Esta é a conclusão a que se chega interpretando teleologicamente a Lei 9.958/00 que alterou a sua redação, eis que esta norma objetivou diminuir o número de reclamações ajuizadas no Judiciário Trabalhista. E um aumento no leque de títulos executivos extrajudiciais ajuda a reduzir a morosidade dos processos trabalhistas e, por conseguinte, o alto volume de processos inconclusos, porquanto a sua execução é bem mais célere do que as reclamações que seriam levadas a cabo caso estas não fosse admitidas. Perfeitamente possível, portanto, a aplicação subsidiária do rol do artigo 585 do CPC ao Processo do Trabalho, quando compatível com os princípios e com a competência material da Justiça especializada;

2) Com a Emenda Constitucional n. 45/04, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para a execução de multas aplicadas pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho. Esta conclusão se afina com as finalidades da referida alteração constitucional, pois afasta a inconsistência e desarmonia provocada pelo fato pela possibilidade de provimentos divergentes, emanados de órgãos judiciários diferentes, existentes quando esta competência era da Justiça Federal, e assegura o recolhimento dos valores impostos aos transgressores da legislação trabalhista, que antes nem sempre ocorria;


5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1) FAVA, Marcos Neves. As ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho – Primeira leitura do art. 114, VII, da Constituição da República. . In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 345/361;

2) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2007;

3) MALLET, Estêvão. Apontamentos sobre a Competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n. 45. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 70/91;

4) ________________. Procedimento monitório no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2000;

5) MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006;

6) MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro, Forense, 1991, n. 287;

7) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução de título extrajudicial. Breves apontamentos à lei n.11.382/06 sob a perspectiva do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 46.

8) ________________________________. Execução no processo do trabalho. 6ª ed. São Paulo: LTr, 1998.


Notas

01 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 74.

02 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no processo do trabalho. 6ª ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 169.

03 Ibidem..

04 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 294.

05 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução de título extrajudicial. Breves apontamentos à lei n.11.382/06 sob a perspectiva do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 46.

06 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução de título extrajudicial. Breves apontamentos à lei n.11.382/06 sob a perspectiva do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 46.

07 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução de título extrajudicial. Breves apontamentos à lei n.11.382/06 sob a perspectiva do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 46.

08 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução de título extrajudicial. Breves apontamentos à lei n.11.382/06 sob a perspectiva do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 46.

09 MALLET, Estêvão. Procedimento monitório no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p.65.

10 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 237. No mesmo sentido é o entendimento de Marcos Neves Fava, segundo quem "a competência para o gênero "ações" induz, por corolário lógico, a da espécie "execução". As ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho – Primeira leitura do art. 114, VII, da Constituição da República.. In: COUTINHO, Gijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 354

11 MALLET, Estêvão. Apontamentos sobre a Competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n. 45. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 84/85.

12 Ibid, p. 86.

13 FAVA, Marcos Neves. As ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos Órgãos de Fiscalização das Relações de Trabalho – Primeira leitura do art. 114, VII, da Constituição da República. In: COUTINHO, Gijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves. Justiça do Trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTr, 2005, pp. 354.

14 Ibid, p. 345.

15 Ibidem.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho:  advogado em São Paulo (SP), especialista em Direito do Trabalho, mestrando em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo

 


RACISMO É CRIME: Justiça condena professor por racismo contra povo judeu

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DECISÃO:   *TJ-SC – O juiz Geraldo Corrêa Bastos, da comarca de Lages, condenou o professor Volnei Perin Della Giustina à pena de dois anos de reclusão – que poderão ser cumpridos em regime aberto – e ao pagamento de 10 dias-multa, por crime de racismo.  

Com o auxílio de um aluno, Volnei criou um site na internet com textos e relatos preconceituosos contra o povo judeu.  

Os textos, em geral, enaltecem a figura do líder nazista Adolf Hitler. “As personalidades mundiais em diferentes tempos já alertaram do perigo judaico.  

O maior líder que a raça humana pôde produzir logo após Jesus Cristo; Adolf Hitler trabalhou muito bem a questão judaica (que foi totalmente deturpada). 

O povo judeu sem dúvida possui geneticamente no seu ‘ser’ características intrínsecas de ser altamente egoísta (…)”, diz um dos trechos. Para o magistrado, não há dúvidas quanto ao crime cometido pelo professor. 

 “O que se vê é um claro propósito de glorificar a figura de Hitler, em seu fracassado objetivo de eliminar a população judia do mundo, incitando, assim, seus seguidores a concluir o fim perseguido, ao se manter acesa a chama de uma doutrina política odiosa”, anotou o juiz em sua sentença. 

 A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, que consistem em prestação de serviços à comunidade durante um ano e fornecimento de quatro cestas básicas mensais e sucessivas, equivalentes a meio salário-mínimo cada uma (R$ 190), que serão destinadas ao Asilo Menino Deus.  Processo  03905015603-7. 


 

FONTE:  TJ-SC, 08 de novembro de 2007.

 

 

OBRIGAÇÃO DA UNIÃO: Tratamento de câncer é responsabilidade da União

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DECISÃO:  * TJ-RS – É da União a obrigação de tratar todos os tipos de câncer e fornecer a medicação quimioterápica. Por isso, a 21ª Câmara Cível do TJRS confirmou de forma unânime sentença que reconheceu a ilegitimidade passiva do Estado do Rio Grande do Sul para custear o tratamento.

 A ação foi movida por portadora de câncer de mama, requerendo que o Estado fosse condenado a fornecer o medicamento. O custo médio é de R$ 7 mil ao mês, dependendo da dosagem prescrita, com custo total estimado em cerca de R$ 135 mil. Diante da sentença que extinguiu o processo na Comarca de Pelotas, a autora apelou ao TJ.

Explicou o relator do recurso, Desembargador Marco Aurélio Heinz, que, no âmbito do SUS, a União é responsável pelo tratamento de todos os tipos de câncer e, conseqüentemente, pelo fornecimento de medicamento quimioterápico.

“Compete ao Instituto Nacional do Câncer, órgão do Ministério da Saúde, o tratamento médico-assistencial de neoplasias malignas e afecções correlatas”, afirmou. Esclareceu que os serviços vinculados ao SUS são cadastrados pelo Ministério da Saúde como CACONs – Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, de acordo com as Portarias nºs 2.439 e 741/05.

O magistrado apontou, ainda, precedente no mesmo sentido da 22ª Câmara Cível do TJRS.

Acompanharam o relator a Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro e o Desembargador Genaro José Baroni Borges.  O julgamento foi realizado nessa quarta-feira (7/11).  Proc. 70021630132 

 


FONTE:  TJ-RS, 08 de novembro de 2007.

A intervenção penal na degradação ao meio ambiente: até que ponto um direito repressivo pode contribuir ao desenvolvimento sustentável e evitar um dano ambiental.

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* Paulo Roberto Pontes Duarte

“Parca é a consciência coletiva que pesa sobre o nosso belo planeta. Os que poderiam conscientizar a humanidade desfrutam gaiamente a viajem em seu Titanic de ilusões. Mal sabem que podemos ir ao encontro de um iceberg ecológico que nos fará afundar celeremente” (Leonardo Boff. Saber Cuidar, p. 133).

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito de meio ambiente. 3. Desenvolvimento sustentável. 4. Dano ambiental.  5. Direito penal. 5.1 Responsabilização penal. 6.Considerações finais. 7. Bibliografia.

 


 

1. Introdução

                                                               O fito do presente artigo possui como teleologia a reflexão da comunidade jurídica, como também àqueles que possuem interesse pessoal ou profissional sobre o Direito Ambiental, em especial a tutela do meio ambiente.

No Tocante ao seu objeto optamos pela reflexão do Direito Penal, este, como sabemos possui cunho repressivo, ganhando relevância em nosso arcabouço jurídico com sua inserção no Direito Ambiental. Ou seja, buscando a responsabilização  do infrator pelo Direito Ambiental.

Com efeito, o Direito é um fenômeno que não pode ser vislumbrado de forma fragmentada, deve ser interligado; mas até que ponto o direito subjetivo do Estado de punir pode contribuir na preservação do meio ambiente?

A Carta Política de 88 ao prescrever no capítulo VI – Do meio ambiente inseriu em nosso ordenamento jurídico a responsabilidade não apenas da pessoa física mas também da pessoa jurídica  aos infratores que cometerem condutas lesivas ao meio ambiente no âmbito administrativo e penal.

Conclui-se, portanto, o mandato repressivo é amparado pela Lei Maior, muito embora a doutrina diverge sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, em razão da teoria tradicional do Direito Penal, haja vista imperar no direito repressivo o princípio da culpabilidade.

O objeto das normas penais são as condutas humanas. Não obstante nossa legislação ambiental  é considera como uma das mais avançadas do mundo, a exemplo a Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/98. Mas seriam suficientes para evitar um dano ambiental, poderiam contribuir ao desenvolvimento humano equilibrado? Ao desenvolvimento sustentável?

Por fim, a questão do meio ambiente equilibrado é assunto de extrema relevância não apenas ao nosso país como a toda Gaia. Assim, consideramos pertinente o estudo proposto pois o Direito[1] não oferece a solução de todos os problemas da humanidade, mas possui função primordial ao desenvolvimento humano, a exemplo os tratados internacionais, onde há a participação de não apenas uma sociedade e sim diversas nações.

Por conseguinte, nós operadores do Direito participamos assiduamente do processo social e democrático;  sendo formadores de opinião. Desse modo devemos contribuir de alguma forma na reflexão do estudo jurídico como também na defesa ambiental, pois protegendo  o meio ambiente estamos defendendo a raça humana, o ecossistema social e natural, inclusive para as futuras gerações.  

2. Conceito de meio ambiente 

Primeiramente é profícuo esclarecer que a terminologia “meio ambiente” é mal empregada. Trata-se de um pleonasmo, pois ambiente já traz em seu conteúdo a idéia de âmbito que circunda. Assim há uma redundância, o que seria desnecessário a palavra “meio”. 

Não obstante, o conceito normativo de meio ambiente encontra-se estabelecido na lei infraconstitucional nº 6.938/81 que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente.

Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

                                                                I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Nessa perspectiva acrescenta Celso Antonio Pacheco Fiorrilo: “Em face da sistematização dada pela Constituição Federal de 1988, podemos tranqüilamente afirmar que o conceito de meio ambiente dado pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente foi recepcionado. Isso porque a Carta Magna de 1988 buscou tutelar não só o meio ambiente natural, mas também o artificial, o cultural e o do trabalho.”[2]

Marcelo Abelha Rodrigues, por sua vez, aduz: “Deflui-se do que foi exposto que o conceito de meio ambiente previsto no art. 3, I da Lei nº 6.938/81 tem for finalidade (aspecto teleológico) a proteção, abrigo e a preservação de todas as formas de vida, sendo que para se chegar a esse desiderato, deve-se resguardar o equilíbrio do ecossistema (conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem química, física e biológica).”[3]

Para Paulo de Bessa Antunes, a conceituação normativa de meio ambiente merece crítica: “O conceito estabelecido na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – PNUMA também merece crítica, pois, como se pode perceber, o seu  conteúdo não está voltado para um aspecto fundamental do problema ambiental que, é exatamente, o aspecto humano. A definição legal considera o meio ambiente do ponto de vista puramente biológico e não do ponto de vista social, que no caso, é fundamental”. [4]

Um aspecto que temos que considerar é que, a referida Lei é de 31 de agosto de 1981, apenas 9 anos após a Conferência das Nações Unidas de 1972 realizada em Estocolmo.[5] Assim, na década de 80  pouco se questionava a degradação do meio ambiente como na atualidade.

Urge mencionar, também, que era através desta lei que o Ministério Público começou a intervir na proteção ambiental no âmbito cível, pois a LACP – Lei da Ação Civil Pública nº 7.347 é 13 de julho de 1985.[6]

Por fim, sobre a conceituação jurídica do meio ambiente observou-se ser indeterminada, no entanto o meio ambiente pode ser classificado por diversos aspectos como: meio ambiente natural ou físico, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente do trabalho. 

3. Desenvolvimento sustentável 

De fato, podemos afirmar que o termo desenvolvimento sustentável é um princípio constitucional do direito ambiental haja vista estar esculpido na Carta Maior  de 1988. Assim: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado…, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (grifamos).

Como sabemos, os recursos ambientais não são inesgotáveis, o que na atualidade torna-se inadmissível que as atividades econômicas ignorem esta realidade. Portanto, o que é necessário ao desenvolvimento humano equilibrado é a necessidade de conscientização ambiental entre a economia e o meio ambiente, em muito especial o  natural pois qualquer alteração em sua constituição podem ter conseqüências de grande monta, inclusive irreversíveis.   

Ao cuidar do tema acrescenta José Renato Nalini: “Preservação e progresso não são ideais incompatíveis. A tutela do ambiente é perfeitamente conciliável com a necessidade de o Brasil progredir. Nesse país de paradoxos, pode parecer sofisticação preocuparem-se alguns com o desenvolvimento sustentável, alternativa de criação de riquezas sem destruir os suportes dessa criação.” [7] 

                                                               Esse quadro, observado aqui alhures, fez com que o legislador constituinte de 1988 desse novo tratamento as atividades econômicas, ou seja, a livre concorrência e a defesa do meio ambiente devem andar lado a lado, é o que dispõe o art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VI – defesa do meio ambiente”.

Comentando sobre o princípio, observa Marcelo Rodrigues Abelha: “Dentro da visão ambiental, o desenvolvimento sustentado está diretamente relacionado com o direito à manutenção da qualidade de vida  através da conservação dos bens ambientais existentes em nosso planeta. Exatamente por isso, o texto maior estabelece a regra de que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é apenas dos habitantes atuais, mas também dos futuros e potenciais, em fim, das próximas gerações”. [8]

Como visto, o princípio do desenvolvimento sustentável visa se comprometer não apenas com as necessidades presentes e sim as gerações futuras o que não objetiva impedir o desenvolvimento econômico, a idéia principal é garantir uma qualidade de vida digna.

4. Dano ambiental 

Podemos identificar o dano ambiental como uma lesão a um bem ambiental[9], este, protegido pelo ordenamento jurídico. 

Vale mencionar, como visto, que o conceito de meio ambiente é aberto, o mesmo ocorre ao conceituação de dano ambiental.

Vejamos o que prescreve Édis Milaré sobre o instituto: “Essa, provavelmente, a razão de não ter a lei brasileira, ao contrário de outras, conceituando, às expressas, o dano ambiental. Nada obstante, delimitaram-se as noções de degradação de qualidade ambiental – “a alteração adversa das características do meio ambiente”[10] – e de poluição – “ a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudicarem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos” [11].[12]

Marcelo Abelha Rodrigues, adota este conceito: “Tendo em vista que o dano é uma lesão a um bem jurídico, podemos dizer que existe o dano ambiental quando há lesão ao equilíbrio ecológico decorrente de  afetação adversa dos componentes ambientais. Essa lesão pode gerar um desequilíbrio ao ecossistema social ou natural, mas sempre a partir da lesão ao equilíbrio ecológico, que é o bem jurídico tutelado pelo direito ambiental. Exatamente porque o meio ambiente (e seus componentes e fatores) constitui um bem jurídico autônomo, imaterial, difuso, incindível, de uso comum de todos, a lesão que o atinge será, ipso facto, uma lesão difusa e indivisível, cuja reparação será, igualmente, erga omnes. [13]

Em boa escrita sobre a matéria, destacamos Paulo de Bessa Antunes: “Os Tribunais brasileiros têm tido uma compreensão extremamente restritiva do conceito de dano ambiental e, por conseqüência, do bem jurídico meio ambiente. Em geral, eles têm adotado um a postura que exige o dano real e não apenas o dano potencial. Parece-me que não tem sido aplicado e observado o princípio da cautela em matéria ambiental que, como se sabe, é um dos princípios basilares do Direito Ambiental(…) A grande dificuldade, evidentemente, não está nas sanções penais e administrativas, mas na obrigação de reparar o dano. Em que consiste tal obrigação? A prática judicial brasileira ainda não nos oferece uma resposta segura. Tem havido uma certa divergência entre as diversas Cortes de Justiça existentes no País[14]  (grifamos).

No nosso sentir, portanto, o dano ambiental poderá ter conseqüências patrimoniais e extrapatrimoniais, o que sendo comprovado a degradação ambiental[15] o causador do dano poderá ser responsabilizado no âmbito cível[16] através da teoria da responsabilidade civil. O que em tese, não haveria necessidade de intervir a tutela penal ambiental.

 5. Direito penal 

Podemos considerar que, desde que o homem necessitou viver em sociedade em qualquer civilização de alguma forma incidiu o Direito Penal, que por sinal é reflexo da violência, com a conseqüente criminalização.

A propósito, preambularmente podemos afirmar, em nosso país não há criminosos e sim pessoas criminalizadas, haja vista nosso sistema penal ser seletivo pois o Direito Penal atinge rigorosamente aos menos favorecidos. O que por outro lado, legitima a pequena parte da população que detém o poder, seja político ou financeiro, distantes do poder punitivo estatal.

Portanto, o delito é uma criação legislativa, pois o tipo penal só existe se houver tipificação em nosso ordenamento jurídico.[17] Muito embora, diuturnamente os meios de comunicação, que principalmente na  atualidade, sustentam que a criminalidade é um fenômeno social, induzindo a população na sua grande maioria com pouca escolaridade que deve-se agravar as penas; e se fizer uma pesquisa para grande maioria da sociedade aos  “crimes hediondos” é viável como retribuição ao mal cometido a pena de morte ou prisão perpétua.

De forma resumida Magalhães Noronha define o que é o Direito Penal:”Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos de natureza criminal e as medidas aplicáveis a que os pratica”.[18] 

Acrescenta-se que, o delito é uma ofensa não apenas a um indivíduo e sim a toda a sociedade. O Estado por sua vez, é o titular o jus puniendi, sendo responsável pela harmonia social, havendo violação a bens tutelados pelo Estado, este possui o direito subjetivo de exercer a persecutio criminis para punir o autor do crime.

Na lição de Heleno Cláudio Fragoso: “A função básica do Direito Penal é a defesa social. Ela se realiza através da chamada tutela jurídica: mecanismo  com o qual se ameaça com uma sanção jurídica (no caso, a pena criminal) a transgressão de um preceito, formulado para evitar dano ou perigo a um valor da vida social (bem jurídico). Procura-se assim uma defesa que opera através da ameaça penal a todos os destinatários da norma, bem como pela efetiva aplicação da pena ao transgressor e por sua execução.”[19]

Com efeito, sabemos que não existe tutela a qualquer bem jurídico sem a intervenção do Estado, logo, este possui o monopólio legal punitivo, mesmo nos casos de ação penal privada. Assim, o Direito Penal é um ramo do direito público interno onde a tutela jurídica possui como finalidade a coletividade.

                                                                 Na concepção de Cezar Roberto Bittencourt, o Direito Penal pode ser considerado como um conjunto de normas e princípios que possuem como finalidade a convivência humana, onde, havendo violação a um bem jurídico[20] tutelado pelo Estado haverá como conseqüência infrações penais ao autor do fato delituoso uma sanção penal.

 Desse modo, conceitua: “O Direito Penal apresenta-se como um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança”.[21] 

 Não obstante Fernando Capez, aduz que a função do Direito Penal é ético-social tendo como missão: “É proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social, tais como a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade etc., denominados bens jurídicos. Essa proteção é exercida não apenas pela intimidação coletiva, mais conhecida como prevenção geral e exercida mediante a difusão do temor aos possíveis infratores do risco da sanção penal, mas sobretudo pela celebração de compromissos éticos entre o Estado e o indivíduo, pelos quais se consiga o respeito às normas, menos por receio de punição e mais pela convicção da sua necessidade e justiça.”[22]

 Entretanto, com muita propriedade, adverte o autor:

 “ Nesse instante, de pouco adianta o recrudescimento e a draconização de leis penais, porque o indivíduo tenderá sempre ao descumprimento, adotando postura individualista  e canalizando sua força intelectual para subtrai-se aos mecanismos de coerção.” [23]

 Por fim, o poder público utiliza o Direito Penal como mecanismo de coerção, criando e aplicando normas aos indivíduos que violarem um bem jurídico tutelado pelo Estado, tendo como conseqüência a aplicação de uma sanção de forma retribuitiva, uma pena ao agente que comete o fato delituoso. 

5.1 A responsabilidade penal 

No mundo contemporâneo pretende-se redimensionar a aplicação do Direito Penal utilizando-o para evitar que o homem comete condutas lesivas a fauna a flora e ao meio ambiente em geral.

A propósito, em sede preservação ambiental com o advento da Constituição Cidadã, a intenção do legislador constituinte foi dar uma contribuição enérgica no combate a degradação ao ambiente, buscando garantir a coletividade como também as gerações futuras uma qualidade de vida com dignidade.

Assim, descrevemos:Art. 225:Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum ao povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Comentando sobre o referido artigo, assevera José Afonso da Silva:”O capítulo do meio ambiente é um dos mais importantes e avançados da Constituição de 1988(…) Em verdade, para assegurar o direito fundamental à vida. As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada(…).”[24]

                                                              Por sua vez, aduz Édis Milaré:”Primeiramente, cria-se um direito constitucional fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Como direito fundamental, o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado é indisponível. Ressalta-se que essa indisponibilidade vem acentuada na Constituição Federal pelo fato de mencionar-se que a preservação do meio ambiente deve ser feita no interesse não só das presentes, como igualmente das futuras gerações. Estabeleceu-se, por via de conseqüência, um dever não apenas moral, como também jurídico, e de natureza constitucional, para as gerações atuais de transmitir esse ‘patrimônio’ambiental às gerações que nos sucederem e nas melhores condições do ponto de vista do equilíbrio ecológico”.[25] 

  Pois bem, a Carta Política de 88 inseriu em seu art. 225, § 3º a responsabilização penal no âmbito ambiental.

 Assim é o parágrafo 3º da Lei Maior: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, as sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano”.

 Sobre este mandato normativo constitucional penal discorre Paulo de Bessa Antunes: “(…) encontra ressonância em muitas normas de natureza infraconstitucional que são definidoras de condutas típicas e puníveis. Os crimes e contravenções praticados contra o meio ambiente estão previstos tanto no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais(…). Percebe-se, portanto, que do ponto de vista formal não existe uma unidade normativa. No Direito Penal ambiental brasileiro não existe, portanto uma proteção uniforme e sistematizada dos diversos bens jurídicos tutelados e das condutas típicas pertinentes ao meio ambiente. “[26]

 No que tange a matéria do meio ambiente, a preocupação do legislador originário foi tanta que, não se limitou apenas a destinar um capítulo a meio ambiente, e sim, inseriu uma posição constitucional de uma tutela ambiental, tornado-se possível a responsabilização inclusive das pessoas jurídicas, o que é ao mesmo tempo inovador e polemico sua possibilidade.

Tratando-se da responsabilidade de um fato delituoso por uma pessoa física não há qualquer dificuldade na aplicação de uma sanção penal. Entretanto, no que diz respeito a pessoa jurídica existe divergências doutrinarias e jurisprudenciais, pois no Direito Penal tradicional vigora o princípio da culpabilidade, composta da imputabilidade,[27] o potencial de consciência[28] e exigibilidade de conduta diversa.[29]

 Por outro lado, o Direito Penal contemporâneo rompeu esta visão. A propósito o STJ no Recurso Especial nº 564960, tendo como Relator o Ministro Gilson Dipp onde teve como recorrente o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, reconheceu a Egrégia Corte  a possibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica.[30]

 Assim, trata-se de uma criminalização não convencional ou  ainda, podemos dizer que trata-se de uma neocriminalização, tendo como principal vertente a deficiência de responsabilizar os infratores no âmbito administrativo, sejam eles diretores ou gerentes das pessoas jurídicas que cometem as condutas lesivas ao meio ambiente.    

A propósito, com o intuito buscar a preservação do meio ambiente surgiu em nosso ordenamento  jurídico a Lei federal nº 9.605/98 conhecida como lei dos crimes ambientais, diga-se também, de natureza híbrida, pois em seu bojo traz a responsabilização do causador do dano ambiental no âmbito administrativo e repressivo. 

Oportuno ressaltar, que a referida lei trouxe no seu art. 3º a responsabilização  da pessoa jurídica[31], de forma coerente como dispõe Carta Fundamental de 1988. 

Sobre a Lei de Crimes Ambientais Édis Milaré acrescenta: “Nada obstante, entendemos que o referido diploma, embora não seja o melhor possível, apresentado, ao contrário, defeitos perfeitamente evitáveis, ainda assim representa um avanço político na proteção do meio ambiente, por inaugurar uma sistematização da punição administrativa com severas sanções e por tipificar organicamente os crimes ecológicos, inclusive na modalidade culposa.” [32]

Ainda, sobre o referido diploma legal destaca Luiz Regis Prado: “Primeiramente, convém observar que a lei buscou dar um tratamento penal unívoco à matéria, aglutinando os vários elementos que compõem o meio ambiente, em favor de uma harmonização das normas incriminadoras e de suas respectivas penas. Não deixa, assim, de preencher uma lacuna, quase sempre resultante de enfoque setorial e isolado. Da mesma forma, é de se reconhecer que com o recente texto legal afirma-se, claramente, ao lado da criminalidade tradicional – numa situação de eqüipolêmica -, idéia de injusto penal ambiental, fruto de uma sensibilidade social emergente”. [33]  

Por fim, sobre a Lei de Crimes Ambientais, podemos concluir que cumpriu duas importantes missões, sendo elas: deu efetividade ao mandamento constitucional de apenar as condutas criminosas realizadas contra o meio ambiente e, ainda, atendeu as recomendações inseridas na Carta da Terra e na Agenda 21 aprovadas na conferência do Rio de Janeiro em 1992.[34]    

6. Considerações finais 

Convém destacar, que o direito penal deve possuir caráter fragmentário, ou seja, a proteção ambiental através da instrumentação penal na defesa do meio ambiente deve ser o último recurso jurídico a ser utilizado na busca de um ecossistema equilibrado.

Ressalta-se, o que discorre Luís Paulo Sirvinkas: “A tendência mundial é a descriminalização dos tipos penais. A moderna doutrina vem sustentando que a pena, no futuro, não mais será necessária. Trata-se do denominado abolicionismo penal. A evolução do direito penal se deu exatamente no que tange à pena(…) Seja como for, na aplicação da pena o juiz deve sempre atentar para a dignidade da pessoa humana, que também é preceito constitucional. Como o sistema penal está falido, a pena tornou-se inócua e não mais cumpre o seu papel ressocializador. Não existe sistema penal perfeito. Hoje se procura dar mais valor ao homem e não ao  seu patrimônio. É inadmissível valorar mais intensamente o patrimônio individual(…).[35]

Notamos, ademais, através dos tempos, o sistema penal em nada contribui ao desenvolvimento do homem de forma sustentável,muito pelo contrário, o direito penal por seu um sistema de normas seletivas, que só punem os menos favorecidos em nossa sociedade só oferecerá um pseudo recurso de proteção ambiental não garantido que a conduta humana perpetue os danos ambientais e muito menos contribua no desenvolvimento sustentável. 

Pertinente, ainda, como considerações finais, trazer a baila um trecho de uma obra escrita no século XVIII. Assim, para Cesare Beccaria: “É preferível prevenir os delitos a ter que puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repara-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior som de bem-estar possível e livra-los de todos os pesares que lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males dessa existência” (grifos não estão no original).[36]  

Devemos concluir, portanto, que a responsabilização em matéria ambiental, “dano ecológico” é objetiva, assim, o causador do dano deve ser responsabilizado mas no âmbito cível e não na esfera criminal pois neste, como pode-se observar pelos tipos penais inseridos na Lei nº 9.605/98 dificilmente um empreendedor, um empresário ou qualquer outro acusado de dano ambiental com poder aquisitivo ou político será punido e privado de liberdade.

Ainda, através de uma possível responsabilização penal, de nada evitará um dano ambiental, caso a uma conduta seja considera como crime em nosso ordenamento jurídico e muito menos contribuirá a um desenvolvimento sustentável sua tipificação. 

Também no âmbito criminal   não haverá garantias de uma efetiva aplicação da tutela ambiental haja vista, depois do dano causado o mais prudente é uma indenização a ser arbitrada pelo Juízo Cível, de preferência numa Vara Especializada, onde o Magistrado possua melhores condições de julgar fatos atinentes ao Direito Ambiental.   Em matéria de meio ambiente é fundamental inserirmos na mentalidade não apenas dos operadores do direito, mas de toda a coletividade o princípio da precaução, pois trata-se de mudança de comportamento, de forma simples, podemos dizer: educação ambiental, aplicação de um mandamento constitucional. 

7. Bibliografia

Antunes, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro. Ed. Lúmen Júris Ltda., 1996.

Bittencourt, Cezar Roberto. Manual de Direito penal: parte geral. Vol. 1, 6º ed. rev. atual. São Paulo, ed. Saraiva, 2000.

Capez, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol 1. 4º ed. rev. e atual. São Paulo, Ed. Saraiva, 2002.

Ferraz Junior, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4º ed. São Paulo, 2003.

Fiorrillo, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4º ed. ampl. São Paulo. Ed. Saraiva, 2003.

Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: A nova parte geral. 14 ed. rev. e atual por Fernando Fragoso, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1992.

Leme Machado, Paulo Afonso. Direito Ambiental Brasileiro. 5º ed. rev. atual e ampl. São Paulo, ed. Malheiros, 1995.

Barros, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal: parte geral. Vol 1. São Paulo. Ed. Saraiva, 1999.

Beccaria Cesare. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo. Martin Claret, 2000.

Mancuso, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: Lei (7.347/85 e legislação complementar) 6º ed. rev. e atual. São Paulo. 1999.

Milaré, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4º ed. rev. e atual e ampl. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

Nalini, José Renato. Ética ambiental. 2º ed. Ed. Milennium. Campinas, 2003.

Prado, Luiz Regis. Direito Penal do ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurança (com análise da Lei nº 11.105/2005) São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

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Rodrigues, Marcelo Abelha. Instituições de Direito Ambiental. Vol. 1. São Paulo. Ed. Max Limonad, 2002.

Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15º ed. São Paulo. Ed. Malheiros Ltda. 1998.

Sirvinskas, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à lei nº 9.605/99, de 12 de fevereiro de 1998. São Paulo, ed. Saraiva, 1998.

Zaffaroni, Eugenio Raúl. Pierangeli, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro:parte geral. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 1997.




NOTAS

[1] O direito é um dos fenômenos mais notáveis na vida humana. Compreende-lo é compreender uma parte de nós mesmos. É saber em parte por que obedecemos, por que mandamos, por que indignamos, por que aspiramos a mudar em nome de ideais, por que em nome de ideais conservamos as coisas como estão. Ser livre é estar no direito e, no entanto, o direito também nos oprime e tira-nos a liberdade (Tercio Sampaio Ferraz Junior, 2003. pág. 21).

[2] Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 2003, pág. 19.

[3] Instituições de Direito Ambiental: parte geral, 2002.  pág. 52.

[4] Direito Ambiental, 1996, pág. 40.

[5] Promovida pela ONU e contando com a participação de 113 países. A Conferência foi resultado da percepção da nações ricas e industrializadas da degradação ambiental causada pelo modelo de crescimento econômico e progressiva escassez de recursos naturais. (Milaré, 2005, pág. 50).

[6] Considerando-se o desiderato perseguido na ação civil pública, a partir de seu preâmbulo – responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, aos consumidores e ao patrimônio cultural e natural do País, assim como qualquer outro interesse difuso ou coletivo – constata-se que o ideal seria a execução específica, de maneira que se repusesse o bem ou interesse lesado no seu statu quo ante (Mancuso, 1999. pa. 29).

[7] Ética Ambiental, 2003. pág. 143.

[8] Instituições de Direito Ambiental:parte geral, 2002, pág. 136.

[9] Bem ambiental é um valor difuso, imaterial ou material, que serve de objeto mediato a relações jurídicas de natureza ambiental (Rui Carvalho Piva, Bem Ambiental.pág. 114).

[10] Lei 6.938/81, art. 3º , II – Que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente

[11] Lei 6.938/81, art. 3º, III.

[12] Édis Milaré. Direito do Ambiente, 2005, pág. 734.

[13] Marcelo Rodrigues  Abelha. Instituições de Direito Ambiental: parte geral. 2002, pág. 210.

[14] Paulo de Bessa Antunes. Direito Ambiental. 1996, pág. 120/121.

[15] Esgotamento ou destruição de um recurso potencialmente renovável, como o solo, pastagem, floresta ou vida selvagem por sua utilização num ritmo mais rápido do que o seu reabastecimento natural (José Renato Nalini, 2003. pág. 293).

[16] Art. 14 – (…)

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

 [17] Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal – CF/88, Art. 5º, inciso XXXIX.Mesmo texto do art. 1º do Código Penal – conhecido como princípio da reserva legal.

[18] Direito Penal: Introdução e Parte Geral, 1988, pág. 04.

 [19] Lições de Direito Penal, 1.992. pág. 04.  

 [20] Dito de uma forma mais simples: os bens jurídicos são os direitos que temos a dispor de certos objetos. Quando uma conduta nos impede ou perturba a disposição desses objetos, esta conduta afeta o bem jurídico, e algumas destas condutas estão proibidas pela norma que gera o tipo penal (Zaffaroni, 1997, pág. 465).

[21] Manual de Direito Penal: parte geral.pág. 02.

[22] Curso de Direito Penal: parte geral, 2002, pág. 01.

 [23] Opit. Cit. Pág. 03.

[24] Direito Constitucional Positivo, 1999, pág. 808/809.

 [25] Direito do Ambiente, 2005, pág. 188/189.

 [26] Direito Ambiental, 1996, pág. 312.

[27] Imputável é o homem que, ao tempo da conduta, apresenta maturidade mental para entender o caráter criminoso do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento (Barros, 1999. pág. 291).

[28] Tal princípio tem seu fundamento em uma exigência de caráter prático. A ordem jurídica não poderia substituir sem que as leis se tornassem obrigatórias desde a sua publicação. Não seria possível, sem prejuízo do equilíbrio e da segurança que dinamam do direito constituído, que a todo momento houvesse necessidade de indagações a respeito do conhecimento e da exata compreensão por parte dos interessados com relação ao preceptum legis aplicável (Capez, 2002, pág. 285).

[29] Assim, de acordo com a concepção normativa, a culpabilidade é excluída toda a vez que não se pode exigir do agente uma conduta diferente daquela efetivamente realizada (Barros, 1999. pág. 321).

[30]CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR.(…) A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais surge, assim, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção da prática de tais crimes, função essencial da política ambiental, que clama por preservação. (…) É incabível, de fato, a aplicação da teoria do delito tradicional à pessoa jurídica, o que não pode ser considerado um obstáculo à sua responsabilização, pois o direito é uma ciência dinâmica, cujos conceitos jurídicos variam de acordo com um critério normativo e não naturalístico (…) ( julgado em 02 de junho de 2005).

[31] Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

[32]  Opit. Cit. Pág. 8

[33] Direito Penal do Ambiente, 2005, pág. 176.

[34] Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, realizou-se a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Cúpula da Terra-, sobre o patrocínio das Nações Unidas.  

[35] Tutela Penal do Meio Ambiente, 1998. pág. 15.

[36] Cessare Beccaria. Dos Delitos e Das Penas, 2000. pa´g. 101.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

PAULO ROBERTO PONTES DUARTE Advogado,  OAB/SC 23.533; Formado na Epampsc – Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público de Santa Catarina;  Pós graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal –  EPAMPSC/UNIVALI; Membro da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB de Santa Catarina; Pesquisador do NEPI – Núcleo de Estudos Sobre Preconceito e Intolerância