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Razoabilidade, proporcionalidade, presunção de inocência: a investigação social em concurso, na visão do STJ

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​Em alguns concursos públicos – especialmente nos órgãos da área de segurança –, é comum a realização da etapa de investigação social, ou sindicância de vida pregressa, com o objetivo de avaliar se a conduta pessoal do candidato é compatível com o cargo que pretende ocupar.

Buscam-se, entre outras, informações sobre condenações criminais e uso de drogas. É imprescindível que os requisitos exigidos para a comprovação da idoneidade do candidato estejam perfeitamente discriminados no edital do certame, respeitando a natureza e a complexidade do cargo, conforme entendimento da administração pública.

Ao julgar casos sobre esse tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), respeitando a discricionariedade administrativa, avalia se a decisão que restringiu o ingresso do candidato na etapa de investigação social observou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e se os aspectos vinculados do ato administrativo estão em plena consonância com o ordenamento jurídico brasileiro.

Na sequência, alguns entendimentos sobre o assunto.

Omissão de informações autoriza eliminaçã​​o do concurso

Ao julgar o AgInt no RMS 60.984, a Primeira Turma reafirmou a jurisprudência do STJ no sentido de que a omissão em prestar informações exigidas pelo edital, na fase de investigação social ou de sindicância da vida pregressa, justifica a eliminação do candidato. A relatoria foi do ministro Benedito Gonçalves.

No caso, um candidato ao cargo de delegado da Polícia Civil teve sua inscrição cancelada na fase de investigação social do concurso, por ter omitido, no questionário de informações pessoais, que havia sido preso em flagrante e encaminhado ao Centro de Correição da Polícia Militar, além de já ter sofrido as penalidades de repreensão e suspensão de 30 dias em virtude de processo administrativo disciplinar.

Em mandado de segurança, o concorrente ao cargo alegou que, posteriormente à sua exclusão do certame, foi inocentado na ação penal que tramitou contra ele. Invocou a aplicação de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) segundo o qual “viola o princípio da presunção constitucional do estado de inocência a exclusão de certame público de candidato que, na fase de investigação social e criminal, responda a inquérito policial ou a ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Investigação social verifica adeq​​uação ao cargo

O ministro Benedito Gonçalves, rejeitando as alegações do candidato, destacou que a sua eliminação se deveu ao fato de ter omitido informações relevantes para a comissão avaliadora daquela etapa do concurso, em desconformidade com previsão contida no edital, não subsistindo, dessa forma, direito líquido e certo à convocação e nomeação.

O relator acrescentou que, embora o concorrente tenha complementado as informações do questionário em momento posterior, não o fez de forma integral, deixando de tratar de fatos desabonadores, os quais poderiam levar à conclusão de que ele não satisfazia as exigências para o cargo de delegado.

“A investigação social para admissão de candidato a cargos sensíveis, como o de delegado policial, não se restringe à aferição de existência ou não de condenações penais transitadas em julgado, abrangendo, também, a conduta moral e social do candidato, a fim de verificar a sua adequação ao cargo almejado, que requer retidão e probidade”, afirmou o magistrado.

Só trânsito em julgado afasta presunção de inocên​​cia

Recentemente, no julgamento do RMS 47.528, a Segunda Turma, seguindo a orientação do STF, deu provimento ao recurso de um candidato para reverter a sua eliminação de concurso para o cargo de policial civil de Mato Grosso do Sul, decorrente da existência de oito inquéritos e uma ação penal em andamento.

O colegiado entendeu que apenas as condenações penais com trânsito em julgado são capazes de constituir impedimento para que um cidadão ingresse, mediante concurso, nos quadros funcionais do estado.

A comissão examinadora considerou que o candidato havia praticado atos tipificados como ilícitos penais, com repercussão social negativa, e que isso comprometeria a segurança e a confiabilidade da instituição policial.

No voto que prevaleceu no julgamento, o ministro Mauro Campbell Marques ponderou que não se admite que “meros boletins de ocorrência, inquéritos policiais, termos circunstanciados de ocorrência ou ações penais em curso, sem condenação passada em julgado, possam ser utilizados como fatores impeditivos” do acesso ao cargo público, “tendo em vista o relevo dado ao princípio constitucional da presunção de inocência”.

Além disso, o magistrado lembrou que, no caso, seria indispensável para a configuração de antecedentes desabonadores a presença dos requisitos dispostos no RE 560.900, julgado pelo STF no regime da repercussão geral.

Cadastro de inadimplentes não impede cand​​idato

No julgamento do RMS 30.734, a Quinta Turma (que hoje é competente apenas para processos criminais) reformou decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) que manteve a exclusão de um candidato ao cargo de técnico penitenciário, reprovado na fase de sindicância de vida pregressa por causa do indiciamento em inquéritos policiais e do registro de anotações negativas em cadastro de proteção ao crédito.

Ao negar o mandado de segurança impetrado pelo candidato, o tribunal local levou em consideração a Lei Distrital 3.669/2005, que criou a carreira de atividades penitenciárias, cujo artigo 4º, parágrafo único, IV, exige a “comprovação de idoneidade e conduta ilibada na vida pública e na vida privada”.

Segundo a ministra Laurita Vaz, os inquéritos que embasaram a decisão do TJDFT deram origem a duas ações penais, que ainda estavam em andamento. Mesmo assim, por não terem gerado condenação definitiva, não poderiam impedir o candidato.

Em seu voto, a relatora destacou que fere o princípio da presunção de inocência e contraria a jurisprudência do STJ e do STF a reprovação de candidato, ainda na fase de investigação social, por ter sido verificada a existência de inquérito policial ou de ação penal não transitada em julgado.

Quanto ao cadastro de inadimplentes, a magistrada reconheceu que já houve decisão em sentido contrário no STJ, mas votou para que as anotações não pudessem interferir na avaliação do candidato. Para ela, “se nem as ações penais em curso podem alicerçar o ato de eliminação em concurso público na fase de investigação social, mostra-se desprovido de razoabilidade e proporcionalidade permitir-se que essa medida possa ser tomada com base no registro do nome do candidato em cadastro de serviço de proteção ao crédito”.

Transação penal não significa maus antece​​​dentes

A Quinta Turma, acompanhando o relator, ministro Felix Fischer, no RMS 28.851, entendeu que a transação penal homologada por fatos imputados ao candidato a concurso não é, por si só, capaz de gerar sua exclusão na fase de investigação social.

No caso analisado pelo órgão julgador, um aspirante ao cargo de agente penitenciário afirmou que, apesar de ter obtido êxito em todas as fases da disputa, foi reprovado na investigação social e criminal em virtude de transação penal homologada anteriormente, relativa a suposto cometimento de crime de baixo potencial ofensivo.

Ao proferir seu voto, o relator destacou que, entre os diversos efeitos da transação penal em benefício do acusado, como reconhecido pela doutrina, está a não imputação de reincidência nem de registro de maus antecedentes.

“A transação penal a que alude o artigo 76 da Lei 9.099/1995 não importa em condenação do autor do fato”, declarou o magistrado, para quem “revela-se ilegal o ato administrativo que tem o recorrente como não recomendado em virtude tão somente de haver celebrado transação penal”.

Apesar disso, Fischer lembrou que há independência entre as instâncias criminal e administrativa, de modo que a transação penal obtida pelo acusado não poderia ter o efeito automático de impedir a apuração do mesmo fato na esfera administrativa, nem a aplicação das penalidades correspondentes.

Falta de documentação obrigatória não é t​​olerada

No julgamento do  AgInt no RMS 63.700, a Primeira Turma manteve decisão monocrática do ministro Sérgio Kukina que negou provimento a recurso de candidato que deixou de entregar documentação obrigatória na fase de investigação social, implicando sua contraindicação nesta fase.

O candidato alegou que, após questionar sua desclassificação, obteve resposta que o induziu em erro e o impediu de esclarecer que os documentos em questão já tinham sido entregues.

Em seu voto, concordando com a fundamentação do tribunal de origem, Sérgio Kukina entendeu não haver ilegalidade ou abuso de poder na conduta da banca examinadora, pois ficou comprovado que o candidato deixou de apresentar a certidão dos cartórios de execução cível das cidades onde residia e onde havia residido nos últimos cinco anos, como exigido pelo edital.

“Ilegalidade haveria se, em manifesta violação da norma de regência, fosse o impetrante declarado aprovado, ou a ele se oferecesse a vedada dilação temporal para a apresentação dos documentos pessoais destinados a subsidiar a avaliação de idoneidade e conduta ilibada”, afirmou o magistrado.

O ministro considerou que não fazia sentido o argumento do candidato sobre indução em erro, pois os critérios e parâmetros para comprovação de idoneidade e conduta ilibada (investigação social) foram clara e previamente estipulados.

“A eliminação do candidato, executada em estrita conformidade com a prévia e expressa previsão editalícia, não caracteriza ilegalidade nem abuso de poder”, disse o relator.

Drogas na juventude, questão de razoabili​​dade

Ao analisar o AREsp 1.806.617, a Segunda Turma determinou a reintegração de candidato eliminado na fase de investigação social de concurso da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) porque havia usado drogas oito anos antes.

Segundo os autos, o candidato, ocupante do cargo de professor na rede pública, ao preencher formulário para o concurso da PMDF em 2019, relatou que foi usuário de drogas quando tinha 19 anos de idade e que não mais tinha esse hábito. Por isso, foi considerado “não recomendado” para assumir o posto de policial.

Na primeira instância, o juízo acolheu o pedido de reintegração, mas o TJDFT reformou a sentença por entender que a admissão de policial com histórico de dependência química está subordinada à discricionariedade da administração pública, de forma que o Judiciário não poderia rever o ato questionado, salvo em caso de ilegalidade.

Postura contraditória da administraçã​​​o pública

No STJ, o relator, ministro Og Fernandes, destacou que a corte, ao examinar casos envolvendo a eliminação de candidatos na fase de investigação social para as carreiras policiais, entende que a sindicância de vida pregressa deve estar amparada nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

“Impedir que o recorrente prossiga no certame público para ingresso nas fileiras da PMDF, além de revelar uma postura contraditória da própria administração pública – que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos quadros do serviço público distrital –, acaba por lhe aplicar uma sanção de caráter perpétuo, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social”, declarou o magistrado.

Quanto à tese de que o Judiciário não poderia rever o ato, o relator ressaltou que a discricionariedade conferida ao administrador não é imune ao controle do Poder Judiciário, notadamente diante dos atos que restringem direitos dos administrados, como a eliminação de concurso público, cabendo à Justiça reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo (competência, finalidade e forma), além da razoabilidade e da proporcionalidade.​​​  RMS 60984RMS 47528RMS 30734RMS 28851AREsp 1806617RMS 63700

FONTE:  STJ, 26 DE SETEMBRO DE 2021.

Sexta Turma anula pronúncia baseada apenas em elementos do inquérito não confirmados em juízo

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A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerando que a única prova sobre a autoria do crime foi um depoimento colhido em inquérito, anulou uma condenação por homicídio e despronunciou o réu. Por unanimidade, o colegiado entendeu que não é possível admitir a pronúncia do acusado sem provas produzidas em juízo. 

“Não havia prova idônea para fundamentar a decisão dos jurados, porquanto nada foi produzido em juízo, sob o crivo do contraditório, para sustentar a versão acusatória. Não foram arroladas testemunhas, e o réu, em seu interrogatório, negou as imputações feitas a ele”, observou o relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz.

O réu foi denunciado e pronunciado por supostamente ter esfaqueado a vítima após beberem e discutirem. No inquérito, a companheira da vítima teria dito que ela mencionou o nome do agressor antes de morrer. Contudo, em juízo – tanto na primeira quanto na segunda fase do procedimento do tribunal do júri –, essa testemunha não foi ouvida, e nenhum outro depoimento foi tomado.

Mesmo assim, os jurados condenaram o réu a seis anos de reclusão, por homicídio simples (artigo 121, caput, do Código Penal). O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) negou o recurso da defesa por entender que a condenação não foi contrária às provas dos autos.

Controvérsia diz respeito à admissibilidade da prova

Ao STJ, o réu pleiteou novo julgamento, alegando que a decisão dos jurados não teve respaldo nos autos, ante a ausência de prova judicializada que comprovasse a versão do Ministério Público, e que o acórdão do TJAM violou os artigos 155 e 593, inciso III, alínea d, e parágrafo 3º, do Código de Processo Penal.

Para o ministro Rogerio Schietti, a questão diz respeito à admissibilidade da prova. Não se trata de discutir se a condenação foi ou não contrária às provas – acrescentou –, mas de reconhecer que a decisão não poderia ter sido tomada apenas com apoio em indícios colhidos no inquérito policial, não confirmados em juízo.

O magistrado explicou que a instrução na primeira fase do procedimento do júri existe para que só sejam submetidos ao julgamento popular os casos em que houver a comprovação da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria.

Segundo ele, os elementos de informação produzidos na fase investigatória, sem a participação das partes, não podem, isoladamente, subsidiar a sentença de pronúncia (que manda o réu ao júri popular), muito menos uma condenação.

Nulidade absoluta antes mesmo do veredito

Schietti lembrou que esse era o entendimento da Sexta Turma até 2017, quando ele ficou vencido em um julgamento. Desde então, as duas turmas penais do STJ se alinharam na posição de que as provas do inquérito podiam ser suficientes para embasar a pronúncia.

Só em fevereiro deste ano, no julgamento do HC 589.270, acompanhando recente orientação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, a Sexta Turma voltou a considerar indispensáveis para a pronúncia os indícios apurados sob o contraditório na fase judicial.

Embora a defesa tenha pedido um novo julgamento, o relator concluiu que houve nulidade absoluta antes mesmo do veredito do conselho de sentença, o que impõe a anulação do processo desde a sentença de pronúncia – a qual, segundo ele, “já foi manifestamente despida de legitimidade”. Em seu voto, o ministro apontou, porém, que é possível a apresentação de nova denúncia contra o réu, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, desde que surja uma nova prova. REsp 1.932.774.​

FONTE:  STJ, 24 de setembro de 2021.

Motorista demitido por não renovar CNH não receberá férias e 13º salário proporcionais

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O ato foi considerado desídia, e ele foi dispensado por justa causa.

 A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho excluiu da condenação imposta à Transfarrapos Transportes Rodoviários de Cargas Ltda., de Bento Gonçalves (RS), o pagamento das férias e do 13º salário proporcionais a um motorista dispensado por justa causa, por não ter renovado sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Segundo os ministros, a empresa não está sujeita ao pagamento dessas parcelas no caso de dispensa justificada.

CNH vencida

Na reclamação trabalhista, o motorista alegava ter sido dispensado sem que tivesse cometido qualquer falta que justificasse a medida. Contudo, na contestação, a empresa afirmou que o motivo foi o fato de ele estar com a CNH vencida mesmo após o prazo de 30 dias previsto no Código de Trânsito Brasileiro, o que impossibilitava o exercício de suas funções. Segundo a Transfarrapos, ele fora alertado várias vezes para renovar o documento, mas nada fez, caracterizando a desídia (artigo 482, alínea “e”, da CLT).

Férias proporcionais

O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), embora legitimando a dispensa por justa causa, entenderam que era devido o pagamento de férias e do 13º proporcionais. O fundamento foi a Convenção 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante ao trabalhador o direito às férias proporcionais, independentemente do motivo da rescisão contratual.

Justa causa

O relator do recurso de revista da empresa, ministro Caputo Bastos, observou que a matéria não comporta mais discussão no TST, que solucionou a questão por meio da Súmula 171, entendendo que, mesmo após a edição da Convenção 132 da OIT, o empregado dispensado por justa causa não tem direito às férias proporcionais. “Do mesmo modo, o TST tem o entendimento de que, na hipótese de dispensa por justa causa, o empregador não está sujeito ao pagamento do 13º salário proporcional”, concluiu. A decisão foi unânime.  Processo: RR-22373-15.2017.5.04.0512

FONTE:  TST, 23 de setembro de 2021 – (MC, CF)

Traição em residência do casal gera dever de indenizar por danos morais; situação “atinge a honra subjetiva, ocasiona enorme angústia e profundo desgosto”, diz relator

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Uma mulher conseguiu na Justiça de São Paulo o direito de ser indenizada por danos morais pelo ex-marido que a traía no ambiente familiar. Em julgado recente, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP manteve a sentença do juiz Cassio Ortega de Andrade, da 3ª Vara Cível de Ribeirão Preto, e fixou o valor da reparação em R$ 20 mil.

Conforme consta nos autos, a autora, já desconfiada da infidelidade, solicitou aos vizinhos imagens das câmeras das residências e descobriu que o então marido havia levado outra mulher para a casa do casal, onde eles moravam com os três filhos. Ela alega que a circunstância ocasionou enorme angústia e desgosto.

Para o desembargador Natan Zelinschi de Arruda, relator do recurso, a simples traição ou relação extraconjugal não ensejaria indenização por danos morais, no entanto, o dever de reparar  advém “da insensatez do réu ao praticar tais atos no ambiente familiar, onde as partes moravam com os três filhos comuns”.

Segundo o magistrado, a mulher foi exposta a situação vexatória, haja vista o conhecimento de vizinhos sobre o ocorrido. “No mais, é óbvio que a situação sub judice altera o estado emocional, atinge a honra subjetiva, ocasiona enorme angústia e profundo desgosto, o que autoriza a fixação de danos morais em razão da excepcionalidade da situação, como bem observou o juiz sentenciante.”

A votação unânime teve a participação dos desembargadores Marcia Dalla Déa Barone e Alcides Leopoldo.

Dano moral nas relações de família

Para a juíza Ana Florinda Dantas, vice-presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o impacto da decisão é excelente. “Temos danos morais em todas as instâncias que a constituição assegura, e o Direito de Família não poderia ficar de fora. Contudo, é devida a indenização em casos em que realmente se configure [danos morais], para não causar um abalo nas relações familiares, e não monetizar as relações de afeto.”

A magistrada concorda com a sentença, e lembra que já decidiu de forma similar em casos recentes de traição no ambiente familiar. Em um deles, um senhor que traiu a esposa com uma cunhada; em outro, um senhor que traiu a esposa com a sogra do filho, tudo no mesmo ambiente familiar. Segundo a juíza, em casos como esses, há sim danos morais por atingir a honra e a imagem da pessoa traída. Desta forma, ela ressalta que decidiu pela condenação em todos os casos que atuou neste sentido.

FONTE: IBDFAM, 23 de setembro de 2021.

Em caso de duplo ajuizamento, custas são devidas em ambos os processos, mesmo com desistência antes da citação

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As custas podem ser cobradas pelo serviço público efetivamente prestado ou colocado à disposição do contribuinte e, em caso de duplo ajuizamento, elas são devidas em ambos os processos, independentemente de citação da parte contrária.

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por empresa executada que contestou o recolhimento de custas em um segundo processo após desistir de um primeiro em que havia recolhido a taxa. Por unanimidade, o colegiado considerou que, havendo processo, houve prestação de serviços públicos – custeados por taxa.

Relator do recurso, o ministro Og Fernandes afirmou que, em caso de desistência do processo, o artigo 90 do Código de Processo Civil (CPC) estabelece que o desistente é o responsável pelas despesas processuais. De acordo com o ministro, o encerramento do processo também exige a prestação do serviço público judicial, ainda que não haja análise do mérito da causa.

No caso dos autos, a executada alegou que teria oposto os primeiros embargos à execução fiscal equivocadamente, pois ainda não havia ocorrido penhora. Após garantia do juízo, a executada ajuizou novos embargos e apresentou o comprovante de recolhimento de custas do primeiro processo, no qual pediu desistência.

O juízo executante homologou a desistência, mas determinou novo recolhimento das custas no segundo processo, motivo pelo qual a executada recorreu da decisão alegando que, no primeiro processo, as custas seriam devidas apenas se houvesse sentença após a citação da outra parte.

Custas judiciais têm natureza jurídica de taxa

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão por entender que, apesar da desistência, o demandante movimentou a máquina judiciária, de forma que se materializou o fato gerador do tributo.

O ministro Og Fernandes explicou que o artigo 84 do Código de Processo Civil estabelece diversas verbas como despesa processual, tais como as custas dos atos processuais e a remuneração do assistente técnico.

Segundo o relator, as custas judiciais têm natureza jurídica de taxa e por isso representam um tributo, apesar de existir aparente confusão, dado que algumas legislações estaduais utilizam o termo genérico “custas”, enquanto outras usam “taxas judiciárias”.

O relator afirmou que, por serem taxa, as custas judiciais podem ser cobradas em razão do exercício do poder de polícia ou em razão do serviço público efetivamente prestado ou colocado à disposição do contribuinte – artigo 145, inciso II, da Constituição Federal.

Serviços públicos foram efetivamente prestados

“Ao se ajuizar determinada demanda, dá-se início ao processo. O encerramento desse processo exige a prestação do serviço público judicial, ainda que não se analise o mérito da causa”, explicou Og Fernandes.

No entender do ministro, após o ajuizamento da demanda já existe relação jurídica processual, ainda que linear, e a citação da parte contrária apenas amplia a relação jurídica. “Por conseguinte, o ajuizamento de um segundo processo de embargos gera um novo fato gerador do tributo”, afirmou.

O relator lembrou, ainda, que a discussão sobre as custas serem devidas somente no caso de o ato decisório ser especificamente uma sentença é irrelevante no caso concreto, pois a desistência dos primeiros embargos causou a prolação de sentença homologatória, o que tornou devido o tributo pelo serviço público judicial.  Recurso Especial 1.893.966.

FONTE:  STJ,  23 de setembro de 2021.

Juros de mora sobre cheque não apresentado incidem a partir do primeiro ato para satisfação do crédito

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A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, no caso de cheque prescrito não apresentado ao banco para pagamento, os juros de mora devem incidir a partir do primeiro ato do beneficiário tendente à satisfação do crédito, o que pode se dar por protesto, notificação extrajudicial ou pela citação.

A decisão teve origem em ação monitória para cobrança de cheque emitido em julho de 1993, cujo valor atualizado pela Taxa Referencial (TR) até outubro de 2007 correspondia a mais de R$ 5 milhões. O tribunal de segunda instância determinou que os juros incidissem a partir do vencimento (data de emissão) constante no cheque.

No recurso ao STJ, o réu sustentou que os juros devem incidir a partir do momento em que o devedor é constituído em mora – o qual, no caso, seria a citação na ação monitória.

Apresentação do cheque ao banco não é requisito para a cobrança

O relator, ministro Marco Buzzi, destacou que o STJ, ao julgar o REsp 1.556.834, no rito dos recursos repetitivos, fixou a tese de que, seja qual for a ação utilizada pelo portador para cobrança de cheque, os juros de mora incidem a partir da primeira apresentação à instituição financeira sacada ou à câmara de compensação – entendimento alinhado com o artigo 52, inciso II, da Lei 7.357/1985, a chamada Lei do Cheque.

Porém, o magistrado observou que o cheque não foi apresentado ao banco. A apresentação – acrescentou – não é indispensável para que se possa cobrar do emitente a dívida posta no cheque, mas, se ela ocorre, os juros têm incidência a partir dessa data, conforme a lei.

De acordo com Marco Buzzi, a questão central do recurso estava em saber se, não tendo havido a apresentação ao sistema bancário, “os encargos moratórios incidentes ficariam protraídos para termo futuro ou retroagiriam para a data do vencimento da dívida ou da assinatura do título”.

Inércia do credor não deve ser premiada

O relator ponderou que a tese do tribunal de origem, segundo a qual os juros devem incidir a partir do vencimento – no caso, da data de emissão –, contrasta com o mencionado dispositivo da Lei do Cheque, que é regra especial, e “não observa o instituto duty to mitigate the loss” (o dever de mitigar o próprio prejuízo).

“A inércia do credor jamais pode ser premiada, motivo pelo qual o termo inicial dos juros de mora deve levar em conta um ato concreto do interessado tendente a satisfazer o seu crédito”, destacou o ministro, lembrando que o credor deixou passarem mais de 15 anos para ajuizar a ação monitória do cheque prescrito.

Além disso, Marco Buzzi citou precedente recente em que a Corte Especial do STJ concluiu que “não é o meio judicial de cobrança da dívida que define o termo inicial dos juros moratórios nas relações contratuais, mas sim a natureza da obrigação ou a determinação legal de que haja interpelação judicial ou extrajudicial para a formal constituição do devedor em mora” (EAREsp 502.132).

Com base nessas premissas, o relator concluiu que “a melhor interpretação a ser dada quando o cheque não for apresentado à instituição financeira sacada, para a respectiva compensação, é aquela que reconhece o termo inicial dos juros de mora a partir do primeiro ato do credor no sentido de satisfazer o seu crédito, o que pode se dar pela apresentação, protesto, notificação extrajudicial ou, como no caso concreto, pela citação”.  REsp 1.768.022.

FONTE:  STJ, 23 de setembro de 2021

7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná – TJPR proferiu uma decisão inédita: por unanimidade, os desembargadores reconheceram que animais não-humanos podem constar como autores de ações judiciais na defesa de seus próprios direitos. A decisão foi favorável para Skype e Rambo, dois cães vítimas de maus-tratos.

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Uma organização em prol dos bichos de Cascavel, no interior do Paraná, serviu de meio para que os animais ingressassem na Justiça contra os antigos donos, que viajaram e os deixaram sozinhos por 29 dias. Skype e Rambo pediam pensão mensal para manutenção da própria vida digna, além de indenização por dano moral decorrente dos maus-tratos e da situação de abandono.

O processo foi extinto em primeiro grau, porque o juízo entendeu que os cães não têm capacidade para ser parte em processo. No recurso, o TJPR deu a decisão favorável. Agora, o caso voltará para a Justiça de origem a fim de que se dê prosseguimento ao feito. Nas redes sociais, a advogada e protetora Evelyne Paludo, que atuou no caso, classificou a decisão como um “precedente, uma quebra de paradigma e uma nova forma de olhar o Direito”.

Marco e conquista histórica

Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o professor Camilo Henrique Silva é coordenador do livro “Família multiespécie: Animais de estimação e direito”, pioneiro sobre o tema. A publicação, lançada em 2020 pela Editora Zakarewicz, foi uma parceria com Tereza Rodrigues Vieira, também membro do IBDFAM.

Para o especialista, a decisão da 7ª Câmara Cível do TJPR é um marco e uma conquista histórica para os animais não humanos na seara jurídica. “Aceitar o animal não humano como autor em demanda judicial é reconhecer sua condição de sujeito de direito. O posicionamento reforça a luta da advocacia animalista em prol dos animais não humanos e pontua, de forma clara, a importância do Direito Animal no Brasil.”

Segundo Camilo, há uma repercussão no Direito das Famílias justamente no tensionamento pelo reconhecimento dos interesses e dos direitos dos animais não humanos. “Se hoje temos a chamada ‘família multiespécie’, em que o animal de estimação é considerado um membro familiar, nada mais razoável é a defesa de seus interesses, em analogia aos dos demais integrantes humanos.”

“As relações jurídicas familiares precisam aceitar os direitos e interesses dos animais não humanos, como, por exemplo, a percepção de alimentos, regulamentação de guarda e visita, sucessão hereditária e testamentária. Portanto, a repercussão no Direito das Famílias é reconhecer a condição de sujeito de direito dos animais não humanos, e, a partir de então, criar condições favoráveis para a efetivação desses interesses, como no caso do Skype e do Rambo.”

Divergências no meio jurídico

A discussão, contudo, não está pacificada no meio jurídico. “A grande divergência é aceitar os animais não humanos como sujeitos de direitos. Essa discussão extrapola o aspecto legal, adentra na seara econômica, cultural, religiosa, social e política. Pelo âmbito do Direito Animal, não há, por enquanto, ressalvas a serem feitas na decisão, mas claramente ela desafia a sociedade brasileira a lidar com o paulatino reconhecimento dos direitos dos animais não humanos a partir do Poder Judiciário”, frisa Camilo.

O juiz Rafael Calmon comenta: “Lamentavelmente os entendimentos dos tribunais brasileiros não necessariamente vêm a favor desse entendimento esposado com brilhantismo pelo TJPR ao reconhecer a legitimidade animal para propositura de demandas judiciais”. O magistrado é autor do e-book “Pet não se partilha: se compartilha!”, sobre famílias multiespécies, lançado pela Saraiva Jur em julho.

“Estamos atravessando uma fase em que os animais estão deixando de ser considerados coisa mundo afora. O Brasil ainda não adotou de vez esse posicionamento, embora existam diversos projetos de lei em tramitação atribuindo uma modificação a seu estado, deixando de considerá-los ‘coisas’ ao menos para algumas relações.”

Virada de entendimento

Para Rafael Calmon, a decisão do TJPR é de grande importância para o ordenamento jurídico brasileiro. O magistrado frisa que está em curso uma “virada de entendimento” sobre o assunto, em que se abandona de vez o posicionamento expresso no Código Civil brasileiro, que ainda trata os animais como coisas.

“Legislações de diversos países do mundo ocidental já estão ‘descoisificando’ os animais para considerá-los como seres especiais, dotados de senciência. Há países que já avançaram ainda mais e reconhecem os animais não humanos como verdadeiros sujeitos de direito”, observa o juiz.  Processo: 0059204-56.2020.8.16.0000

FONTE:   IBDFAM, 23 de setembro de 2021.

Auxiliar de limpeza de hospital que perfurou dedo em agulha receberá indenização

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Ela teve de se submeter a tratamento para prevenir doenças como o HIV.

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de revista da Ecomax Prestação de Serviços Ltda. contra a condenação ao pagamento de indenização a uma auxiliar de serviços gerais que perfurou o dedo com uma agulha, durante a coleta do lixo hospitalar em uma unidade da rede da Hospitalis Núcleo Hospitalar, de Jandira (SP). Em razão do ferimento, ela teve de se submeter a tratamento médico para prevenir doenças infectocontagiosas, como o HIV.

Descarte incorreto

Na reclamação trabalhista, a empregada disse que a perfuração ocorrera em razão do descarte incorreto da agulha, utilizada no atendimento de algum paciente do hospital. Após o acidente, teve de tomar um “coquetel anti-HIV”, com efeitos colaterais fortíssimos. Pedia, por isso, indenização por dano moral. 

Medo de contaminação

O juízo da Vara do Trabalho de Jandira (SP) julgou improcedente a pretensão, por entender que o episódio não podia ser considerado acidente de trabalho, pois não teria causado lesão corporal ou perturbação funcional. 

A sentença, entretanto, foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que condenou a empresa ao pagamento de R$ 8 mil de indenização. Para o TRT, a culpa da empresa é inequívoca, pois os equipamentos de proteção individual (EPIs) fornecidos não foram suficientes para evitar o dano à integridade física da auxiliar. Ainda, de acordo com a decisão, o dano moral diz respeito ao sofrimento e à angústia decorrentes do risco de contaminação por doenças graves.

EPIs insuficientes

O relator do recurso de revista da empresa, ministro Claúdio Brandão, concluiu que o caso não tem transcendência econômica, social, política e jurídica, requisito para seu exame. Na sessão, ele chamou atenção para a importância do descarte correto do lixo hospitalar e do uso de equipamento adequado de proteção. “Vimos isso agora, com a covid-19, em que os dados mostram que, na área de saúde e enfermagem na cidade de Manaus (AM), o índice de óbitos relacionados ao trabalho cresceu 428% no biênio 2020/21 e o número de mortes no trabalho aumentou 33%”, exemplificou.  Processo: RR-1000163-05.2017.5.02.0351  – (DA/CF)

FONTE:  TST, 22 de setembro de 2021

Posse de utensílios para cultivo de maconha destinada a consumo próprio não justifica ação penal

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​​​O artigo 34 da Lei 11.343/2006, que pune a posse de equipamentos para a fabricação de entorpecentes, está vinculado ao narcotráfico, e não pode ser aplicado contra quem possui utensílios usados no cultivo de plantas destinadas à produção de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o trancamento parcial da ação penal contra um homem denunciado por possuir instrumentos usados no plantio de maconha e na extração de óleo de haxixe. Ele continuará a responder apenas pela posse de drogas para consumo próprio (artigo 28 da Lei de Drogas), pois tinha em depósito 5,8g de haxixe e oito plantas de maconha.

A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso em habeas corpus, explicou que o artigo 34 da lei tem o objetivo de punir os atos preparatórios para o tráfico de drogas (descrito no artigo 33). Em consequência, o crime do artigo 34 é absorvido pelo do artigo 33 quando as ações são praticadas no mesmo contexto, mas, segundo a ministra, ele também pode se configurar de forma autônoma, desde que fique provado que os equipamentos em poder do réu se destinavam a produzir drogas para o tráfico, representando risco para a saúde pública.

MP não denunciou o réu por tráfico

No caso em julgamento, porém, a relatora apontou que o próprio Ministério Público entendeu que os entorpecentes encontrados no local se destinavam ao consumo pessoal – tanto que o réu foi denunciado pelo artigo 28, e não pelo 33.

Em seu voto, a ministra ainda ressaltou que o réu apresentou receita médica estrangeira com a prescrição de uso do óleo da maconha. Ainda que essa prescrição não torne lícita a conduta de cultivar a planta e extrair o óleo no Brasil, ela comentou que tal circunstância reforça a conclusão de que os instrumentos realmente se destinavam à produção para uso próprio.

Para Laurita Vaz, embora o delito do artigo 34 da Lei de Drogas possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda por esse crime se a posse dos instrumentos constitui ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente, e não ao tráfico. A ministra destacou que o artigo 28 prevê tratamento mais brando para quem é usuário (advertência, prestação de serviços ou comparecimento a programa educativo), não se justificando punir com mais rigor as ações que antecedem o consumo pessoal.

“Se a própria legislação reconhece o menor potencial ofensivo da conduta do usuário que adquire drogas diretamente no mercado espúrio de entorpecentes, não há como evadir-se à conclusão de que também se encontra em situação de baixa periculosidade o agente que sequer fomentou o tráfico, haja vista ter cultivado pessoalmente a própria planta destinada à extração do óleo, para seu exclusivo consumo”, afirmou.

Risco de um contrassenso jurídico

A ministra observou também que o parágrafo 1º do artigo 28 da Lei de Drogas manda aplicar as mesmas penalidades mais brandas a quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

“Logo, considerando que as penas do artigo 28 da Lei de Drogas também são aplicadas para quem cultiva a planta destinada ao preparo de pequena quantidade de substância ou produto (óleo), seria um contrassenso jurídico que a posse de objetos destinados ao cultivo de planta psicotrópica, para uso pessoal, viesse a caracterizar um crime muito mais grave, equiparado a hediondo e punido com pena privativa de liberdade de três a dez anos de reclusão, além do pagamento de vultosa multa”, disse a ministra. 

Para a magistrada, quem cultiva uma planta, naturalmente, faz uso de ferramentas típicas de plantio, “razão pela qual se deve concluir que a posse de tais objetos está abrangida pela conduta típica prevista no parágrafo 1º do artigo 28 da Lei 11.343/2006 e, portanto, não é capaz de configurar delito autônomo”.  RHC 135617

FONTE:  STJ, 22 de setembro de 2021.

Desconsideração da personalidade jurídica de Eireli exige prévia instauração de incidente

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​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, sem a prévia instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica inversa, deferiu a penhora de bens de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli) para garantir o pagamento de dívidas contraídas pela pessoa natural que a titulariza.

Para a turma julgadora, a instauração prévia do incidente é indispensável tanto para autorizar a busca de bens pessoais do empresário, no caso de dívidas da empresa, quanto na situação inversa, em que se requer a penhora de patrimônio da empresa para quitar obrigações do empresário individual.

O TJSP considerou que, no caso da Eireli, a personalidade da empresa se confunde com a do empresário, de modo que o patrimônio responde indistintamente pelas dívidas de ambos. Segundo o tribunal, a firma individual é uma ficção jurídica, criada com a única finalidade de habilitar a pessoa física a praticar atos de comércio, concedendo-lhe tratamento especial de natureza fiscal.

Separação do patrimônio e da responsabilidade

Relatora do recurso especial, a ministra Nancy Andrighi explicou que o Código Civil de 2002, com as mudanças trazidas pela Lei 12.441/2011, passou a prever a figura da Eireli em seu artigo 44, e, no artigo 980-A, parágrafo 7º, estabeleceu que apenas o patrimônio dessa pessoa jurídica responderá por suas dívidas, sem se confundir jamais com o patrimônio da pessoa natural que a constituiu, salvo no caso de fraude.

Dessa forma, a ministra apontou que a constituição da Eireli cria uma separação de patrimônio – e também de responsabilidade – entre a pessoa jurídica e a pessoa natural que a titulariza.

“A aplicação do entendimento outrora firmado na jurisprudência desta corte, no tocante à ausência de distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa natural titular da firma individual, deve-se restringir à hipótese em que a pessoa natural realiza atividades empresariais por conta própria, assumindo, sozinha, a titularidade e o risco do negócio, mesmo que, para fins fiscais, se cadastre no CNPJ”, esclareceu a relatora.

Abuso justifica a desconsideração

Por outro lado, Nancy Andrighi ressaltou que, havendo indícios de abuso da autonomia patrimonial, a personalidade jurídica da Eireli pode ser desconsiderada, como forma de atingir os bens particulares do empresário individual e garantir o pagamento de dívidas contraídas pela empresa.

Do mesmo modo, afirmou, também se admite a desconsideração da personalidade jurídica de maneira inversa, quando se constatar a utilização abusiva, pela pessoa natural, da blindagem patrimonial conferida à Eireli – por exemplo, para ocultar seus bens pessoais.

Em ambos os casos, porém, a ministra entendeu ser imprescindível a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015.

“A observância de tal procedimento garante o exercício prévio do contraditório e da ampla defesa por parte da pessoa jurídica ou da pessoa natural que a constituiu, possibilitando a plena demonstração da presença, ou da ausência, dos pressupostos específicos para a superação momentânea da autonomia patrimonial”, concluiu a ministra, ao reformar o acórdão do TJSP e determinar o processamento do incidente na execução promovida contra o titular da Eireli.  REsp 1874256

FONTE:  STJ, 21 de setembro de 2021.