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Função social do solo urbano

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João Baptista Herkenhoff 

Estive em Porto Alegre participando de um seminário sobre a problemática habitacional e a função social da propriedade. Lá estávamos, em maioria, profissionais que labutam na área do Direito. Daí que nos postamos diante dos desafios na aplicação dos instrumentos legais sobre a função social da propriedade.

Em matéria de habitação, o principal problema era e continua sendo o grande adensamento nas cidades. Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgados neste mês, a falta de coleta de esgoto alcança 34 milhões e 500 mil pessoas nas áreas urbanas do Brasil. Treze milhões e duzentas mil pessoas vivem em unidades superlotadas.  O IPEA constata ainda uma grande desigualdade entre as regiões do país. A proporção da população urbana que não conta com serviços sanitários é seis vezes maior no Norte e mais de quatro vezes superior no Nordeste do que no Sudeste. Também com relação à raça, os dados do IPEA colocam um dado chocante. Os serviços de água, esgoto e coleta de resíduos oferecidos à população branca suplantam em quase o dobro os mesmos serviços prestados à população negra.

 

Líderes religiosos, psicanalistas, humanistas, urbanistas e poetas debruçaram-se sobre a questão da moradia e suas implicações existenciais.

O Conselho Mundial de Igrejas, que é um plenário ecumênico, declarou que nenhum direito é possível sem certas garantias básicas dentre as quais destaca a da habitação decente.

Erich Fromm, o notável psicanalista humanista, assinalou que as relações entre os indivíduos perderam o caráter direto para adquirir um conteúdo de manipulação e instrumentalidade. Esse fenômeno ocorre porque as cidades perderam a substância humana.

 

Carlos Drummond de Andrade poetou: “no cimento, nem traço da pena dos homens. As famílias se fecham em células estanques. Há muito se acabaram os homens.”

 

O urbanista Louis Virth sentenciou: “uma civilização pode ser julgada pelas condições mínimas de moradia que tolera”.

 

Determinada parcela da população mora convenientemente, e nisso não há nenhum reparo a fazer. Mas todos deveriam desfrutar desse benefício. Morar dignamente é um direito universal. Se até o João de Barro tem sua casinha, o ser humano pode ficar ao relento ou habitar de uma forma agressiva ao corpo e à mente, sem conforto, sem condições de higiene?

 

Cumpre proclamar que todas as pessoas têm o “direito de morar”.

Dorival Caymmi, em samba inspirado, expressou a angústia de não ter um teto:

 

“Eu não tenho onde morar

É por isso que eu moro na areia

Mas eu não tenho onde morar

É por isso que eu moro na areia.

Eu nasci pequenininho

Como todo mundo nasceu

Todo mundo mora direito

Quem mora torto sou eu.”

 

Junho, mês de São João, meu patrono, reserva-me sempre encontros que me fazem crescer. Desafia-me para vôos. Não posso me acomodar. Convoca-me a manter na alma a chama. Devo colocar um tijolo, o tijolo que me cabe na construção coletiva.


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da UFES – professor do Mestrado em Direito, e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Explicar o Direito: para além do modelo episódico dominante

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Atahualpa Fernandez  e  *Atahualpa Fernandez Bisneto  

Explicar o Direito 

A doutrina jurídica tradicional, e em particular a filosofia do direito, se interrogam desde sempre acerca do modo como as regras sociais e as normas jurídicas surgem e se impõe na sociedade, ao que se acrescenta a questão relativa à maneira como essas regras e normas se legitimam. Também se manteve durante séculos a tese de que o ser humano é sociável por natureza e, portanto, somente na sociedade organizada alcançava o indivíduo humano sua mais plena e perfeita realização. Assim, as normas e a organização sócio-política seriam uma seqüela necessária do próprio ser do homem, a dimensão ou componente imanente de sua natureza moral e racional. 

Com a chegada da época moderna entra em crise essa justificação teleológica e metafísica da ordem social e de suas normas. O ser humano deixa de ver-se como puro autor racional de um guión pré-escrito e prescrito com anterioridade e se torna autor de sua própria vida e suas realizações sociais. Manter-se-á até nossos dias a idéia comum de que não há sociedade sem normas, mas as normas já não são mais a expressão de nenhum fim (teleológico ou transcendente) pré-estabelecido, senão um produto propriamente humano, evolucionado, contingente e variável.

A correlação entre normas jurídicas e natureza humana se torna explícita e a questão da origem, evolução e natureza dessa natureza (humana) e de seus produtos normativos (sócio-adaptativos) passa a constituir um problema teórico e central das mais modernas filosofias e teorias sociais normativas. Frente ao tradicional desdobramento do sujeito em indivíduo moral (ou quase divino) e ser genérico portador de uma racionalidade quase que absoluta, o sujeito moderno se concebe ao mesmo tempo como o resultado de um processo biológico de hominização e um processo histórico de humanização.

Já não somos portavozes de uma racionalidade (ou divindade) de alguma forma transcendente que se nos impõe e converte nossas vidas e agrupações em realização de um fim predeterminado, senão uma espécie que descobriu que determinados comportamentos e vínculos sociais são necessários para resolver problemas adaptativos relativos à sobrevivência, ao êxito reprodutivo e à vida em comunidade, e aceitou a necessidade de assegurá-los e controlá-los mediante um conjunto de normas e regras de conduta. O sujeito moral deixa seu lugar ao ser humano produto da evolução por seleção natural.

O problema da tradição jurídica filosófica e da ciência do direito (ainda predominantes) é o de que trabalham muitas vezes como se os humanos só tivessem cultura, uma variedade significativa e nenhuma história evolutiva. De fato, no âmbito do jurídico quase sempre se relega a um segundo plano – ou simplesmente se desconsidera – a devida atenção à evolução da natureza humana e à estrutura e ao funcionamento material do cérebro humano como fonte dos instintos e predisposições que permitem criar e explorar os vínculos sociais relacionais que lá estão. Não há que estranhar-se, pois, de que o processo de realização do direito (de elaboração, interpretação e aplicação) seja um dos mais problemáticos e contestados publicamente de todas as empresas jusfilosóficas. E uma vez que tanto o direito como a ética carecem das bases de conhecimento verificável da natureza humana necessários para obter predições de causa e efeito e juízos justos baseados nelas, necessitamos, para compor o conteúdo e a função do direito, tratar de descobrir como podemos ou devemos fazê-lo a partir do estabelecimento de vínculos com a natureza humana.

Aliás, diga-se de passo, um dos “fetiches” mais comuns é o de assegurar – principalmente para os alunos dos cursos jurídicos – uma concepção ontológica substancial do direito que reside, em última instância, em “algo” predeterminado (ou vinculado de forma absoluta) por uma indefinida e indecifrável “natureza” considerada sempre igual, por um sistema universal e imutável de princípios e valores ou, com mais atualidade, pela expressão da juridicidade oferecida por um corpo de normas (o ordenamento jurídico) postas pelo legislador, isto é, como um sistema autônomo de leis (im-) postas (com anterioridade) pelo poder (seja este de que natureza for: religiosa, econômica, militar, política, etc.).

E não somente isso. Os operadores jurídicos, quando abordam o estudo do comportamento humano e do direito, têm o costume de falar de diversos tipos de explicações: sociológicas, antropológicas, normativas, axiológicas e outras, apropriadas às perspectivas de cada uma das respectivas disciplinas e áreas de conhecimento, quer dizer, sem sequer considerarem a (real) possibilidade de que exista somente uma classe de explicação para a compreensão da juridicidade na sua projeção metodológica. Mas tal explicação unitária de base existe. Desde o ponto de vista teórico é possível imaginar uma explicação que atravesse as escalas do espaço, do tempo e da complexidade unindo os fatos aparentemente inconciliáveis do social e do natural, sempre e quando se parta de um cenário mais credível da emergência do fenômeno jurídico devidamente sustentado em um modelo darwiniano sensato sobre a natureza humana – que não é uma construção social pós-moderna, senão uma construção natural muito antiga que  recapitula a história filogenética da linhagem humana.

 

Dito de outro modo – e em termos muito gerais –, de que os grupos humanos atuais nasceram a partir de grupos de Homo erectus, e estes a partir de grupos de Australopithecus, e estes, por sua vez, de antepassados comuns aos humanos e chipanzés que, não obstante serem de maneira provável uns animais com uma certa vida social, nasceram da sociedade de um  elo perdido entre símios e macacos, e assim por diante, até chegar ao ponto em que começamos, como uma espécie de animal essencialmente social, prioritariamente moral, particularmente cultural e decididamente diferente. Em síntese, de que para uma compreensão mais adequada do comportamento humano normativo é necessário ver a vida ética e social humana como um produto da história evolutiva que nos precede, com antecedentes em outras espécies. Longe de ser uma tábula rasa difusa, a arquitetura cognitiva humana, altamente diferenciada e especializada, é um mosaico de vestígios cognitivos dos estágios antigos da evolução humana, previamente adquiridos por nossos ancestrais hominídeos.

E embora não haja uma resposta simples à pergunta de se a moralidade (o direito e a justiça) é um fenômeno cultural ou um fenômeno biológico, o certo é que a importância da mútua relação entre evolução biológica e a emergência de uma conduta moral e jurídica mais complexa, nos momentos em que a espécie humana estava desenvolvendo suas capacidades cognitivas e a linguagem articulada, parece estar fora de qualquer dúvida razoável: o processo evolutivo proporcionou ao ser humano a habilidade e os requisitos para desenvolver uma moralidade (que por sua vez deu origem a juridicidade), assim como um conjunto de necessidades, de emoções e de desejos básicos que, com o passo do tempo, deram lugar a nossa atual e astronomicamente grande riqueza moral e jurídico-normativa.

Daí que se nos atemos aos modelos standard do atual discurso jurídico é  possível inferir que estes resultam insuficientes, enquanto que:  a) descuidam ou  não tratam em absoluto de aspectos muito importantes do problema da legitimação do direito a partir de uma prévia concepção acerca da natureza humana e de sua história evolutiva ; b)  não oferecem um método que permita, por um lado, analisar adequadamente nossas capacidades, habilidades e limitações ao levar a cabo a operacionalização dos processos  racionais  de argumentação jurídica e, por outro lado, avaliar seus resultados e  impactos  no que se refere às nossas intuições e  emoções morais (tanto as culturalmente formadas como, e principalmente, as de raiz  biológica); e  c)  têm um interesse muito limitado (se é que contam com algum)  para o contexto humano de  factibilidade ou  aplicabilidade das propostas que lhes servem de fundamento,  ao tempo que resultam  escassamente críticos em relação aos modos de articulação e as conseqüências dos  vínculos sociais relacionais (de autoridade, de comunidade, de igualdade e de proporcionalidade) por meio dos quais os humanos constroem estilos aprovados de interação e de estrutura social.

Pois bem, esse parece ser o ponto central a partir do qual se deve estabelecer o debate entre a tendência naturalista da melhor ciência contemporânea e a tradição dos filósofos e teóricos do direito que, não obstante, insistem em sustentar que é possível outorgar à cultura a parte que  corresponde a natureza e, dessa forma, em não admitir a continuidade entre o reino animal e o mundo humano, entre o universo da natureza e o da cultura, isto é, essa parte de animalidade que há em nós e que toda uma tradição religiosa e filosófica pretendeu (e continua pretendendo) ocultar. Em resumo, deixando de falar do que realmente importa e que tanto gosta de ocultar-se sob o manto perverso de eufemismos e abstrações. O real é sempre mais importante que os devaneios, as idiossincrasias e as ficções filosóficas : descendemos de animais que viveram em comunidade durante milhões de anos; o mítico  “contrato social” estava já inventado muito antes de que a espécie humana aparecesse sobre o planeta, e nenhuma referência à moral, ao direito ou à “natureza humana” pode silenciar estas raízes.

E não se trata, depois de tudo, de um problema de pouca importância, de um mero exercício mental para os juristas e os filósofos acadêmicos. A eleição de uma das duas formas de abordar o direito supõe uma grande e relevante diferença  no modo como nos vemos a nós mesmos como espécie, estabelece uma medida para a legitimidade e a autoridade do direito e dos enunciados normativos, e determina, em última instância, a conduta e o sentido do raciocínio prático ético-jurídico.

 

Explicamos: as faculdades de direito parecem estar, na atualidade, submetidas a uma espécie de aliança ímpia tácita entre a verborréia relativista pós-moderna e pós-estruturalista, anti-científica e anti-racionalista, e uma retórica autocomplacente, pretendidamente muito “científica”, dominada sobretudo por um positivismo e/ou jusnaturalismo substancial ontológico e pela teoria da eleição racional: enquanto os pós-modernos fogem da realidade social, científica e política com delirantes imposturas ("tudo é texto" e truanices parecidas), os outros, os "científicos", os “filósofos dos direitos humanos” fogem da realidade social e científica construindo triviais pseudomodelos teóricos que não passam, com frequência, de grotescas paródias argumentativas sem qualquer escrutínio empírico minimamente sério, senão carentes da menor autoconsciência respeito da realidade biológica que nos constitui, dos problemas filosóficos e neuropsicológicos profundos que implica qualquer teoria da ação intencional humana, e em particular, de uma teoria da racionalidade reformada. Enfim, por uma completa falta de precisão relativa a adesão de seus respectivos discursos à natureza humana.

 

É nessa paisagem cognitivamente hostil à realidade por parte das faculdades de direito que os juristas fiéis à “pureza do direito” parecem estar sempre imunes a toda argumentação que não se ajuste ao seu sistema de crenças, um tipo de resistência construída durante anos de adoutrinamento universitário. Não há dúvida de que a sabedoria herdada  é assombrosa, fascinante e inteligente. Mas se baseia principalmente em suposições, como sabemos pela informação científica e histórica atual. Ao longo da história humana, vários foram os autores que elaboraram teorias morais e jurídicas, interpretações e histórias sobre o que significa ser humano, sobre o que significa existir e sobre como devemos viver. Tudo isso forma  parte de nosso rico passado.

 

Não obstante, a crua e dura realidade é que essas idéias férteis, metafóricas e atrativas – já sejam filosóficas ou religiosas – são meros relatos, se bem alguns mais demonstráveis que outros. O que realmente resulta insólito é que se siga questionando a existência da natureza humana, quando os novos dados proporcionam bases científicas e históricas para fundamentar novos modos de entender a natureza e nosso passado evolutivo. Sabemos que existe algo que denominamos natureza humana, com qualidades físicas e manifestações inatas e inevitáveis em muitas e diversas situações. Sabemos que algumas propriedades fixas da mente são inatas, que todos os seres humanos possuem certas destrezas e habilidades das que carecem outros animais, e que tudo isso conforma a condição humana. E hoje sabemos que somos o resultado de um processo evolutivo que, para bem ou para mal, modelou nossa espécie. Somos animais éticos. O resto das histórias acerca de nossas origens e de nossa natureza não são mais que isso: histórias que consolam, enganam e até motivam, mas histórias ao fim e ao cabo.

 

Essa a razão pela qual defendemos a idéia de que já é chegada a hora de voltar a definir o que é um ser humano, de recuperar e redefinir em que consiste a natureza humana ou simplesmente de aceitar que os humanos são muito mais do que um mero produto de fatores sócio-culturais. E ainda que muitas perguntas sigam sem resposta – e dada a resistência a aceitar que as respostas a certas perguntas de uma disciplina possam vir de outros campos de investigação -, podemos pelo menos aduzir novas razões para sustentar ou refutar explicações que até agora permanecem no limbo da filosofia e da ciência do direito. O que nos ensinam do mundo jurídico é minúsculo em comparação com a imensidade do real que ainda somos incapazes de perceber. Talvez por isso não resulte ser uma tarefa fácil transcender as fronteiras e as limitações dos “dogmas do momento” aos quais, de uma maneira ou outra, continuamos atrapados. Afinal, as idéias que soem prosperar são as que contribuem a conservar os sistemas que lhes permitem ser transmitidas.

 

O problema é que vivemos sempre graças a uma atividade fisiológica que podemos dirigir mediante conteúdos que vão mais além da fisiologia ou da cultura. Pertencemos a dois mundos: o mundo do corpo/cérebro (dos quais emerge a mente) e o mundo das criações culturais fundadas na atividade neuronal (uma sincronia em rede), mas que a transcendem. Isso somos. Depois, dispomos de normas de conduta bem afinadas porque nos permitem maximizar nossa capacidade de predizer, controlar e modelar o comportamento social respeito à reação dos membros de uma determinada comunidade. E nada disso deveria surpreender uma vez que são duas as capacidades humanas que funcionam como fatores particularmente determinantes na formação e transmissão das normas jurídicas: a primeira, provavelmente compartida com outros animais, é a busca incessante de causas e efeitos; a segunda, o raciocínio ou juízo social – insolitamente desenvolvida nos humanos -, que consiste na capacidade de pensar nas pessoas e nos motivos que lhes levam a atuar (o que os cientistas chamam “teoria da mente”).

A combinação dessas capacidades gerou certas características da função mental que formam parte da crença ético-jurídica: nossa capacidade para fazer abstrações e deduções causais e para inferir intenções não percibidas. Dessa forma, o direito se torna possível quando o impulso de encontrar e inferir explicações causais se combina com a capacidade – e a propensão – de nossos cérebros de subministrar níveis avançados de cognição social. Juntas, estas duas capacidades nos permitem gerar complexas idéias culturais que vão desde pôr multas aos condutores por haver cruzado com o semáforo em vermelho até a justiça. E uma vez que a sociedade usa leis para encorajar as pessoas a se comportar diferentemente do que elas se comportariam na falta de normas, esse propósito fundamental não somente torna o direito altamente dependente da compreensão das múltiplas causas do comportamento humano, como, e na mesma medida,  faz com  que  quanto melhor for esse entendimento da natureza humana, melhor o direito poderá atingir seus propósitos.

Assim entendido, o problema passa a ser o de dar respostas satisfatórias às seguintes perguntas: Qual é a função do direito no contexto da existência humana? Qual a razão das normas jurídicas (e morais) e por que são universais? Qual é a explicação acerca de como é possível que tenhamos invariavelmente, enquanto espécie, regras respeitantes à maneira como nos devemos conduzir?

 

Pois bem, começaremos por argumentar, em primeiro lugar, sobre a necessidade de se admitir que o direito não é um fim em si mesmo, senão um instrumento ou artefato cultural, uma invenção humana, que deveríamos procurar modelar e utilizar inteligentemente para alcançar propósitos ético-políticos que vão mais além do próprio direito: uma certa paz, uma certa liberdade, igualdade e fraternidade, enfim, uma certa justiça.

 

O direito não é mais nem menos que uma estratégia sócio-adaptativa – cada vez mais complexa, mas sempre notavelmente deficiente – empregada para articular argumentativamente – de fato, nem sempre com justiça –, por meio da virtude da prudência, os vínculos sociais relacionais elementares através dos quais os homens constroem estilos aprovados de interação e estrutura social. Um artefato cultural que deveria ser manipulado para desenhar um modelo normativo e institucional que evite, em um entorno social prenhado de assimetrias e desigualdades, a dominação e a interferência arbitrária recíprocas e, na mesma medida, garantindo certa igualdade material, permita, estimule e assegure a titulariedade e o exercício de direitos (e o cumprimento de deveres) de todo ponto inalienáveis e que habilitam publicamente a existência dos cidadãos como indivíduos plenamente livres.

 

Por outro lado, diremos que o desenvolvimento dos sistemas normativos implicou processos causais gerados pelas inevitáveis colisões de interesses próprios da coexistência social e em vista da necessidade de inferir os estados mentais, de controlar e de predizer o comportamento dos indivíduos, isto é, de antecipar as consequências do comportamento dos demais em empresas que requerem a competição ou a cooperação de vários indivíduos. Dito de outro modo, criamos um sistema complexo de justiça e de normas de conduta para canalizar nossa tendência à “agressão” decorrente da falta de reciprocidade e dos defeitos que emergem dos vínculos sociais relacionais que estabelecemos ao longo de nossa secular existência.

 

Tais normas, por resolverem determinados problemas sócio-adaptativos práticos, modelam e separam os campos em que os interesses individuais, sempre a partir das reações do outro, podem ser válidos, social e legitimamente exercidos, isto é, plasmam publicamente não somente nossa capacidade (e necessidade) de predizer e controlar o comportamento dos demais senão também o de justificar e coordenar recíproca e mutuamente, em um determinado entorno sócio-cultural, nossas ações e interações sociais. Estes artefatos, se plasmam grande parte de nossas intuições e emoções morais, não são construções arbitrárias, senão que servem ao importante propósito de, por meio de juízos de valor, tornar a ação coletiva possível – o que, em certa medida, vem a ser confirmado pela recente descoberta das chamadas “neuronas espelho” que, longe de ser uma mera curiosidade, parecem ser muito importantes para compreender a maioria dos aspectos da natureza humana, como a avaliação dos atos e intenções dos demais decorrente de nossa capacidade de elaborar uma “teoria da mente” para prever o comportamento de nossos congêneres.

Daí a razão pela qual as normas jurídicas não são simplesmente um conjunto de regras faladas, escritas ou formalizadas destinadas a constituir uma razão (determinante e/ou moral) para o atuar dos indivíduos. Em vez disso, as normas representam a formalização de regras de condutas sociais sobre as quais uma alta percentagem de pessoas concorda, que refletem as inclinações comportamentais e oferecem benefícios potenciais e eficientes àqueles que as seguem: quando as pessoas não reconhecem ou não acreditam nesses benefícios potenciais, as normas são, com frequência, não somente ignoradas ou desobedecidas – pois carecem de legitimidade e de contornos culturalmente  aceitáveis em termos de uma comum, consensual e intuitiva concepção de justiça -, senão que seu cumprimento fica condicionado a um critério de autoridade que lhes impõem por meio da “força bruta”.

Claro que, de uma maneira geral, resulta impossível fixar uma origem do direito, nem mesmo se o entendemos da maneira mais ampla e flexível imaginável. Mas temos sustentado que essa origem tem que ver com um desafio adaptativo que os seres humanos tiveram que afrontar: um desafio que nasceu da necessidade humana de entender e valorar o comportamento de seus congêneres, de responder a ele, de predizê-lo e de manipulá-lo e, a partir disso, de estabelecer e regular as mais complexas relações da vida em grupo. Outras espécies como a do chimpanzé tem pressões seletivas muito similares e, ainda assim, não desenvolveram nossos sistemas de normas estabelecidos através de códigos explícitos. Cabem poucas dúvidas, pois, acerca do caráter do direito como ferramenta destinada a resolver conflitos grupais e de manter vivo um limite (ainda que  mínimo) de altruísmo e cooperação entre os membros de nossa espécie. Mas o carater distintivo não significa que o direito (assim como a moral) se veja livre de qualquer tipo de fator ou influência que provem das circunstâncias específicas em que se produziu a evolução coordenada do cérebro humano, dos grupos de hominídeos e de suas soluções culturais.

Sob esta perspectiva, parece razoável supor que os perversos defeitos teóricos de que ainda padecem a filosofia e a ciência do direito decorre principalmente do desprezo ao fato de que o comportamento individual se origina a partir da intercessão de nosso sofisticado programa ontogenético cognitivo e do entorno sócio-cultural em que movemos nossa existência, ou seja, de que o comportamento humano está guiado, fundamentalmente, por nossa arquitetura cogntiva inata cuja gênese deverá então ser reintegrada na história evolutiva própria de nossa espécie.

Estas considerações podem ajudar a compreender o fenômeno presente da moralidade e juridicidade humana sem desligá-lo de suas origens e, sobretudo, sem hipostasiá-lo como o elemento essencial de nossa descontinuidade com o mundo animal. As descobertas provenientes de outras áreas do conhecimento oferecem razões poderosas que dão conta da falsidade da concepção comum da psicologia (e da racionalidade) humana e o alcance que isso pode chegar a ter para o atual edificio teórico e metodológico da ciência juridica, para a concepção acerca do homem como causa e fim do direito, e consequentemente, para a tarefa do jurista-interprete de dar “vida hermenêutica” ao direito positivo.

E isso tem grande importância para a filosofia e a ciência do direito pois, de não ser assim, de  não se encontrar restringido cognitivo-causalmente o domínio das preferências humanas (que impõe constrições significativas para a percepção e o  armazenamento discriminatório de representações sócio-culturais e que conforma o repertório de padrões de atividade de nosso cérebro dos quais emerge nossa conduta), se pode perfeitamente admitir a alteração da natureza humana  em qualquer sentido que se deseje e, em igual medida, negar a primera e básica premissa da contribuição científica  de que o Homo sapiens  é uma espécie biológica cuja evolução foi  forjada pelas contigências da seleção natural  em um ambiente enriquecido por relações sócio-culturais e de que temos um cérebro (herdado por via do processo evolutivo) gerado para enfrentar-se a realidades tangíveis e equipado com as ferramentas  necessárias para, como um verdadeiro motor semântico ou uma máquina de fabricar modelos da mente de outras pessoas, manipular os significados e  procesar  as informações sociais relevantes para resolver  os problemas de nosso coexistir evolutivo.

Também se podem dar passos para uma compreensão das condições de possibilidade e limites do fenômeno jurídico, procurando sempre chegar a soluções menos injustas e moralmente aceitáveis se se atende ao princípio ético – extraído diretamente de nossas intuições e emoções morais mais profundas – segundo o qual o direito deve ser manipulado de tal maneira que suas consequências sejam sempre compatíveis com a maior possibilidade de evitar ou diminuir a miséria e o sofrimento humano (ou seja, que não se produza sofrimento quando seja possível prevení-lo, e que aquele que é inevitável se minimize e grave com moderação aos membros individuais da sociedade, aos cidadãos).

Por certo que isso implica numa perspectiva inter ou transdisciplinar cuja idéia básica, transcendendo os estritos limites de uma interdisciplinariedade restrita às ciências humanas,  consiste em  propor que várias disciplinas contidas nas ciências sociais e do comportamento tornem-se mutuamente coerentes e compatíveis com o que é conhecido nas ciências naturais, ou seja, um leque de explicações que se complementem nos diversos níveis de análise  e que sejam todas mutuamente compatíveis. Esse diálogo (perspectiva ou postura) ou reconciliação epistemológica pressupõe simultaneamente uma reforma das estruturas do pensamento – para usar a expressão de Edgar Morin: o verdadeiramente importante não é justapor os aportes das diversas ciências, senão o de enlaçá-los, de saber mover-se entre saberes compartimentados e uma vontade de integrá-los, de contextualizá-los ou globalizá-los.

Somente uma nova estrutura de pensamento pode permitir-nos conceber as ciências como conjunção, como implicação mútua, o que se costuma ver como disjuntiva: o ser humano considerado simultaneamente como um ser biológico, cultural, psicológico e social. E já existem numerosos modelos procedentes das ciências da vida que integram os comportamientos sociais como consequência de determinados traços derivados do ser humano. O objetivo consiste em detectar a presença em nossa espécie — essencialmente social e relacional — de certas estratégias sócio-adaptativas que apareceram graças a que contribuíram à sobrevivência e ao êxito reprodutivo. É mais: sem tais estratégias surgidas durante o longo período de nossa história evolutiva para resolver problemas evolutivos, nossa espécie não poderia haver conseguido prosperar.

Compreender a natureza humana, sua limitada racionalidade, suas emoções e seus sentimentos parece ser o melhor caminho para que se possa formular um desenho institucional e normativo que, reduzindo o sofrimento humano, permita a cada um viver com o outro na busca de uma humanidade comum. E em que pese o fato de que a tendência para a separação entre o material e o espiritual tem levado, todavia, a que se absolutizem alguns desses valores – desligando-os das suas origens e das razões específicas que os viram nascer e apresentando-os como de essência espiritual, como uma transcendência que ultrapassa o próprio homem -, o direito somente adquire uma base segura quando se vincula à nossa arquitetura cognitiva altamente diferenciada e especializada, quer dizer, a partir da natureza humana unificada e fundamentada na herança genética e desenvolvida em um entorno cultural. Poder-se-ia dizer, pois, que os códigos da espécie humana são  uma conseqüência peculiar de nossa própria humanidade, e que esta, por sua vez, “constitui o fundamento de toda a unidade cultural”.

 

Em resumo: a moral (e consequentemente o direito), mais que uma invenção recente, é parte da natureza humana e está evolutivamente enraizada na socialidade dos mamíferos (ainda que a tendência a medir cuidadosamente nossas ações frente ao que poderíamos ou deveríamos haver feito, nosso diálogo interior que eleva o comportamento moral a um nível de abstração e autoreflexão seja uma característica singularmente humana). E embora o processo de seleção natural não tenha especificado nossas normas e valores morais, nos há dotado de uma estrutura neuronal psicológica com determinadas tendências e habilidades necessárias para desenvolver uma bússola interna que tenha em conta tanto nossos próprios interesses como os interesses da comunidade em seu conjunto.

 

De fato, se se borrasse o conjunto de cérebros humanos da face da terra, a moral e o direito desapareceriam ao mesmo tempo. As normas de conduta (morais ou jurídicas) e teorias jurídicas seguiriam plasmadas em livros guardados em estantes de bibliotecas abandonadas. Todas estas obras do gênio humano não teriam já a oportunidade de viver cada vez que uma mirada humana recai sobre elas. A moral e o direito não existem mais que no cérebro do homem ao que vai dirigido e que somente ele é capaz de produzir e compreender. Somente os cidadãos individuais têm direito ou sentido de justiça e bondade, e as têm precisamente em seu cérebro, na forma de representações plasmadas em suas conexões neuronais. Toda nossa conduta, nossa cultura e nossa vida social, tudo quanto fazemos, pensamos e sentimos, depende de nosso cérebro. O cérebro é a sede de nossas idéias e emoções, de nossos temores e esperanças, do prazer e do sofrimento, da linguagem, da moral, do direito e da personalidade. Se em algum órgão se manifesta a natureza humana em todo o seu esplendor, é sem dúvida em nosso volumoso cérebro. O resto é mitologia.

E como, pessoalmente, acreditamos que a realidade é real e que a ciência é um modo excelente de perceber como essa realidade funciona, o que pretendemos deixar claro é que essa nova “estrutura de pensamento” dirigida a uma reconciliação epistemológica não somente põe em cheque uma grande porção dos logros teóricos tradicionais da filosofia e da ciência do direito, como, e muito particularmente, possibilita uma revisão das bases ontológicas e metodológicas do fenômeno jurídico a partir de uma concepção mais empírica e robusta acerca da natureza humana.

A partir daí, a iniludível natureza humana serviria para impor o que poderíamos chamar as “regras do jogo”, mas não o resultado final. O mais significativo, não obstante, da aproximação naturalista é a possibilidade de fixar, dentro dessas regras do jogo, certos valores de alto rango que se deduzem do caráter e do sentido do direito como instrumento, uma estratégia sócio-adaptativa, para a convivência social. Por muito que a diversidade cultural e a facilidade da aculturação permitam impor de partida quase qualquer regra jurídica – e a História nos mostra todo um catálogo de propostas que levam a situações monstruosas – as regras “aberrantes” acabam por resultar, no fundo, como ilegítimas, porque contrárias às intuições e emoções morais fixadas pela seleção natural. Pese a seu enfoque não evolucionista, a Teoria da Justiça de Rawls se baseia precisamente nesse suposto.

Para além do modelo episódico dominante

É certo que ainda não conseguimos resolver o problema da mútua relação entre o natural e o cultural, ou seja, os meios pelos qual a evolução biológica e a cultura influíram sobre a natureza humana, e vice-versa. Mas para entender a condição humana – e o direito é parte dessa condição e a sua idéia (idéia de direito) é o resultado da idéia do homem – há de compreender ao mesmo tempo os genes, a mente e a cultura, e não por separado a maneira tradicional da ciência e as humanidades: a dinâmica, em conjunto, entre os genes e o entorno é o que constitui e configura o ser humano; e é o cérebro o que nos permite analisar, raciocinar, formular teorias e juízos de valor, interagir com os demais e adaptar-nos a todos os contextos.

Algo passa com as ciências sociais e, nomeadamente, com a ciência do direito. E é já um tanto ridículo a esta altura seguir falando de sua “imaturidade”, porquanto já não há motivos para este tipo de argumentação: nem são mais jovens que as ciências naturais, nem pode dizer-se tampouco que seus cultivadores tenham sido espíritos menos refinados ou avisados que os que se dedicaram a cultivar as ciências naturais. A filosofia e a ciência do direito não podem oferecer uma explicação ou uma descrição do “direito real”, do fenômeno jurídico ou da racionalidade jurídica, nem menos esgotar-se nelas, porque sua perspectiva não é primordialmente explicativa nem descritiva, senão normativa. Podem e devem aprender coisas das ciências da vida e da mente, na medida em que somente uma compreensão realista da natureza humana, considerada sob uma ótica muito mais empírica e respeitosa com os métodos científicos, poderá levar-nos a reconstruir as melhores e mais profundas teorias acerca do direito e de sua função na constituição da sociedade.

Dito de outro modo, o direito adquirirá um grau maior de rigor enquanto se reconheçam e se explorem suas relações naturais com um panorama científico mais amplo (um novo panorama intelectual que antes parecia distante, estranho e pouco pertinente). Os mecanismos cognitivos são  adaptações que se produziram ao longo da evolução através do funcionamento da seleção natural e que adquiriram formas particulares para solucionar problemas adaptativos de larga duração  relacionados com a complexidade de uma existência, de uma vida,  essencialmente social.

Por conseguinte, já não mais parece lícito e razoável construir-se  castelos normativos “no ar”  acerca da boa ontologia, da boa metodologia, da boa sociedade ou do direito justo. Porque uma teoria jurídica (o mesmo que uma teoria normativa da sociedade justa, ou uma teoria normativa e metodológica da adequada realização do direito), para que suas propostas  programáticas e pragmáticas sejam reputadas  “aceitáveis”, têm antes que conseguir o  nihil  obstat, o certificado de legitimidade, das ciências mais sólidas dedicadas a aportar uma explicação científica da mente, do cérebro e da natureza humana que os mitos aos que estão chamadas (e destinadas) a substituir. E o mais curioso de tudo é o fato de que sabemos que isso, embora incoveniente, é verdadeiro, mas insistimos em arquivar naquela pasta mental em que todos nós guardamos as verdades inegáveis que não se ajustam aos nossos sistemas de crenças.

Einstein disse certa vez que uma motivação importante para se construir novas teorias é um “esforço em direção à unificação e à simplificação”. E porque o direito é complexo demais para poder ser forçado a ir para o leito procustiano de teorias herméticas e desconectadas, nossa tese é a de que os novos avanços da ciência cognitiva, da neurociência cognitiva, da primatologia, da antropologia evolutiva, da genética do comportamento e da psicologia evolucionista – enfim, das ciências da vida e da mente – permitirá uma melhor compreensão da mente, do cérebro e da natureza humana e trará consigo a promessa de cruciais aplicações práticas no âmbito da compreensão do fenômeno jurídico, de sua interpretação e aplicação prático-concreta: constituem uma oportunidade para refinar nossos valores e juízos ético-jurídicos, assim como estabelecer novos parâmetros ontológicos e critérios metodológicos sobre cimentos mais firmes e consistentes.

Assim que estamos firmemente convencidos de que chegou o momento de transladar o problema do direito a um plano distinto e mais frutífero. E ainda que uma perspectiva naturalista não possa determinar se o câmbio é adequado nem que medidas devem ser adotadas para criar, em caso de optar por ela, um desejado câmbio, seguramente poderá servir para informar sobre uma questão de fundamental relevância prático-concreta: quem operacionaliza o direito pode procurar atuar em consonância com a natureza humana ou bem em contra essa natureza, mas é mais provável que alcance soluções eficazes (consentidas e controláveis) modificando o ambiente em que se desenvolve a natureza humana  do que empenhando-se na impossível tarefa de alterar a própria natureza humana.

O objetivo de uma boa formação jurídica deveria ser o de fomentar a virtude de compreender melhor a natureza humana e, a partir daí, tratar de fomentar a elaboração de um desenho institucional e normativo que permita a cada um conviver (a viver) com o outro na busca de uma humanidade comum: o modo como se cultivem determinados traços de nossa natureza e a forma como se ajustem à realidade configuram naturalmente o grande segredo do fenômeno jurídico, da justiça, do homem como causa, princípio e fim do direito e, consequentemente, para a dimensão essencialmente humana da tarefa de elaborar, interpretar, justificar e aplicar o direito. Enfim, de um direito que há de servir à natureza humana e não ao contrário.

Depois de tudo, longe de ser inimiga das teorias tradicionais, essa nova postura naturalista é um aliado indispensável das mesmas. Não se trata de subestimar o abundante trabalho realizado até o momento no campo do pensamento jurídico e de sua realização prático-concreta em prol de uma alternativa adaptacionista, senão mais bem assentar dito trabalho sobre os cimentos que merece: uma visão realista, naturalista, potencialmente unificada do lugar que ocupamos na natureza.

E se nada disso for suficiente, talvez não seja nenhum exagero recordar que há poucas coisas mais perigosas que a certeza jurídica endogâmica.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

Atahualpa Fernandez:  Pós-doutor  em Teoría Social, Ética y Economia /Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política / Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California,Santa Barbara; Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha; Especialista em Direito Público /UFPa.; Professor Colaborador (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana/ Laboratório de Sistemática Humana); Membro do MPU (aposentado).  

Atahualpa Fernandez Bisneto:   Doutorando em Direito Público (Ciências Criminais) e em Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears/UIB ; Research Scholar en el Laboratorio de Sistemática Humana/UIB.

Inglaterra rediscute a descriminalização da maconha

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* Luiz Flávio Gomes 

A criminalização da posse de drogas para uso próprio é um tema muito complexo. Há vários modelos de política criminal nesse assunto. Os Estados Unidos se posicionam claramente pela criminalização (droga é um problema de Direito penal). Na Europa (de um modo geral) o assunto é tratado como uma questão de saúde pública (e particular). Lá se adota a política da redução de danos. Não se trata de um tema de competência da Justiça penal. A polícia não tem muito que fazer em relação ao usuário de drogas (que deve ser encaminhado para tratamento, quando o caso).

 

No Brasil temos o seguinte: a Lei 6.368/1976 enfocava esse fato como crime e o punia com pena de prisão (de seis meses a dois anos de detenção). Depois da Lei 11.343/2006 (no seu art. 28 passou a cominar penas alternativas, abandonando a velha política da pena de prisão) surgiu uma grande polêmica na doutrina e na jurisprudência. Três posições se destacam: (a) do STF (Primeira Turma – RE 430.105-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence), entendendo que se trata de crime; (b) Luiz Flávio Gomes admitindo que se trata de uma infração penal sui generis  (cf. GOMES et alii, Lei de Drogas Comentada, 2.e.d, São Paulo:RT, 2007, p. 145 e ss.) e (c) Alice Bianchini (para quem o fato não é crime nem pertence ao Direito penal).

 

A 6ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (rel. José Henrique R. Torres) considerou que portar droga para uso próprio não é delito (caso Ronaldo Lopes – O Estado de S. Paulo de 23.05.08, p. A1). Mas se trata de um julgado minoritário. 

 

Particularmente no diz respeito à maconha a Europa (quase unanimemente) não segue a política norte-americana (de repressão penal e policial). O porte para uso da maconha é visto como infração puramente administrativa. Em outras palavras: o porte de maconha para uso próprio foi descriminalizado.

 

O atual Governo britânico, entretanto (de tendência direitista, conservadora), acaba de voltar atrás em sua política de descriminalização da maconha. Walter Oppenheimer (em EL PAÍS de 08.05.08, p. 38) informa que o Governo tomou essa decisão, que agora vai para o Parlamento. A palavra final é do Parlamento, que pode (ou não) reclassificar a maconha (que na atualidade está no grupo C: drogas leves). Pretende-se que ela volte para o grupo B (drogas intermediárias).

 

Por quais motivos o governo conservador inglês atual deseja a mudança? Por razões políticas, puramente (ou seja: conquista de mais votos, simpatia com a mídia conservadora, satisfação dos votantes repressivos etc.). O Conselho Assessor sobre o Mal Uso de Drogas não concorda com essa alteração de posição. Para ele não há razão técnica ou científica para modificar a política de descriminalização da maconha. Sua periculosidade continua idêntica a um tranqüilizante e nada tem a ver com as drogas pesadas (cocaína, LSD, heroína, crack etc.). De outro lado, a maconha tem pouca importância no desenvolvimento de enfermidades psicotrópicas.

 

Na origem da descriminalização da maconha está a posição da própria polícia inglesa que dizia: porque perder tanto tempo com o usuário de drogas, se existem crimes graves que devem merecer a sua atenção. O retrocesso inglês, destarte, fundamenta-se numa orientação política (conservadora). A mídia que segue esta linha vinha fazendo muitas críticas à política (liberal) do governo anterior. O atual governo, assim, está jogando para essa mídia, para a parte conservadora da população.

 

A maior crítica contra essa nova postura (repressiva) do governo inglês reside na sua falta de base científica. Dizem: “se é para seguir a mídia conservadora, troquem os conselhos assessores por donos dos respectivos jornais”.

 

Conclusão: é impressionante como a política criminal não consegue se desvincular da política partidária e ideológica. Cada pessoa, cada partido, tem sua visão do mundo. Assumido o poder, troca-se a política anterior para satisfazer seus interesses partidários. Nem sempre a ciência e a razoabilidade guiam as decisões governamentais. O vai-e-vem na questão das drogas reflete bem essa pendularidade das políticas públicas. Enquanto isso o chamado homo sapiens continua sabendo muito pouco sobre elas, sobre a prevenção do seu uso etc. De uma verdadeira política preventiva sobre o uso de drogas não se tem notícia. No dia em que se alcançar isso vai ser possível liberar totalmente a droga (como já se liberou o cigarro, a bebida alcoólica etc.). 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

LUIZ FLÁVIO GOMES:  Professor Doutor em Direito penal pela Universidade de Madri e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG ( www.lfg.com.br)


PLANO DE SAÚDE CANCELADO OFENDE DIREITO DO CONSUMIDORBradesco Saúde deverá restabelecer plano cancelado de forma ilegal

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DECISÃO:  * TJ-MT  –  A empresa Bradesco Saúde S.A. foi condenada a restabelecer, com as devidas coberturas e sem qualquer tipo de carência, o contrato de prestação de serviços médicos e hospitalares de duas pessoas que tiveram seu plano de saúde cancelado unilateralmente após a morte do pai, titular do plano. A empresa também foi condenada a pagar R$ 7 mil de indenização por dano moral e R$ 350 por danos materiais (valor referente a uma consulta particular paga por um dos reclamantes), acrescidos de juros e correção monetária a partir da decisão. A sentença foi proferida pelo juiz Yale Sabo Mendes, titular do Juizado Especial Cível do bairro Planalto, em Cuiabá. 

Na inicial, os reclamantes afirmaram que são clientes da Bradesco Saúde há mais de cinco anos, e após a morte do titular do plano, a empresa cancelou unilateralmente e indevidamente o plano, sem nenhuma notificação. Um dos dependentes teve que arcar com os custos de uma consulta em São Paulo (SP) e mesmo após o cancelamento, continuaram a receber faturas do plano de saúde, que foram quitadas.

Em contestação, a empresa alegou, em síntese, que o cancelamento do seguro saúde ocorreu de forma legal diante da morte do titular, conforme determina o contrato celebrado entre as partes, e que por isso inexiste qualquer tipo de dano a ser indenizável.

Segundo o magistrado, apesar de a empresa ré ter afirmado que fez a devida comunicação, ela nada comprovou, "tomando uma atitude draconiana de simplesmente cancelar o contrato com a reclamante, e pior, ainda continuou recebendo as faturas dos meses subseqüentes, portanto ela possui obrigação para com os seus clientes/consumidores", frisou.

Conforme o juiz Yale Mendes, a responsabilidade pelas vendas e/ou prestação de serviços para clientes é da empresa que fornece diretamente ou disponibiliza os seus produtos. Ele explicou que verificada a ocorrência de abusividade e/ou ilegalidade da cláusula da suspensão ou denúncia unilateral do contrato, torna-se possível a revisão desde o início da relação negocial.

No presente caso deverá o reclamante socorrer-se do Código de Defesa do Consumidor Pátrio, logo, tenho que o Contrato de Prestação de Serviços Médicos Hospitalares deve ser restabelecido, com a cobertura dos serviços aos autores pela parte reclamada, sem qualquer tipo de carência, ressalvando apenas a não aplicação da cláusula supra considerada ilegal", assinalou.

Transitada em julgado, caso o condenado não efetue o pagamento no prazo de 15 dias, ao montante da condenação será acrescido multa no percentual de 10%. Caso não cumpra a determinação, foi fixada multa diária para a empresa de R$ 300.  A sentença, passível de recurso, foi proferida nesta segunda-feira (16 de junho).

 

FONTE:  TJ-MT,  18 de junho de 2008.

 

 


EM PLANO DE SAÚDE, CLÁUSULA ABUSIVA É DECLARADA NULA
Juiz proíbe aumento de prestação no plano de saúde por mudança na faixa etária

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DECISÃO:  * TJ-DFT  –  O juiz da 4ª Vara Cível de Brasília proferiu decisão contra a Amil Assistência Médica Internacional, declarando nula cláusula contratual que prevê o aumento da prestação no plano de saúde por mudança na faixa etária e fixando multa de 10 mil reais por dia de descumprimento.

A decisão foi proferida em ação declaratória, na qual a requerente sustenta que firmou com a Amil contrato de prestação e serviços de assistência à saúde, em abril de 2002, categoria especial, na modalidade individual. Por esse contrato a requerente pagava até o mês de março de 2008 a quantia de R$ 517,19 mensais, valor que após o reajuste financeiro anual previsto no contrato (de 5,6%), passou à importância de R$ 546,18.

No entanto, completados 60 anos de idade, a requerente mudou de faixa etária e foi surpreendida com novo reajuste, da ordem de 56,1%, o que elevou a mensalidade do plano de saúde para R$ 973,45.

Necessitando da assistência médica e há anos pagando rigorosamente as mensalidades, com muito sacrifício, a requerente, que é aposentada pelo INSS e percebe benefício de R$ 826,00, viu-se impossibilitada de continuar cumprindo o contrato, visto que tal situação não só comprometeria seu orçamento, mas não seria suficiente sequer para mantê-lo.

Após análise dos autos, o magistrado considerou nula por abusividade a cláusula que aumenta a prestação por mudança de faixa etária, citando ainda jurisprudência do TJDFT que entende ser “aplicável, aos contratos firmados antes do advento do estatuto do idoso, a proibição de se cobrar valores diferenciados nos planos de saúde em razão da idade, eis que se trata de norma de ordem pública”.

A Amil ainda não foi comunicada judicialmente da decisão.  Nº do processo: 2008.01.1.069437-7

 


 

FONTE:  TJ-DFT,  17 de junho de 2008.

INADIMPLEMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIAPrisão pode ser decretada com atraso de uma parcela da pensão

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DECISÃO:  * TJ-MT  –  É juridicamente possível a Ação de Execução de Pensão Alimentícia sob pena de prisão com base em uma única parcela vencida, não havendo necessidade de se aguardar o vencimento de no mínimo três parcelas para o ajuizamento da ação. Com essa conclusão, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso negou provimento ao recurso de um cidadão de Colíder (735 km) que foi citado judicialmente a pagar no prazo de três dias a parcela de uma pensão alimentícia que estava vencida, sob pena de prisão.   

Em seus argumentos, o agravante sustentou que o pedido formulado na Ação de Execução de Prestação de Alimentos movida pela agravada em Primeira Instância é juridicamente impossível. Ele explicou que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o débito alimentar autorizador da prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo (Súmula no. 309).

No entendimento da relatora, juíza substituta de Segundo Grau, Clarice Claudino da Silva, a prisão civil por falta de pagamento das prestações alimentícias se dá não somente em razão das parcelas vencidas no momento de sua propositura, mas igualmente daquelas que forem vencendo no curso do processo. No entanto, conforme a relatora, a súmula mencionada sedimentou o entendimento de que, para a decretação da prisão civil, seriam de até três prestações vencidas, anteriores ao ajuizamento da execução. Essa decisão é para evitar a coação e até mesmo a prisão por dívida vencida por lapso além daquele que representa necessidade atual e premente do alimentante, e que justificaria a medida extrema de privação da liberdade do devedor solvente.

"Sendo assim, não há que se falar em impossibilidade jurídica do pedido formulado pela exeqüente. (…) Equivocado está o agravante em sua interpretação do enunciado em referência, o qual assegura, ao devedor o direito de ser demandado sob pena de prisão quando estiver inadimplente com, no máximo três prestações vencidas, e isto com o evidente propósito de evitar prisão civil por dívidas antigas, que fogem do caráter emergencial dos alimentos, e não o contrário", relatou a juíza.          

A relatora observou ainda que com os argumentos dos agravantes, evidencia que ele tão-somente busca se esquivar da decretação da prisão civil a ser ordenada pelo Juízo a quo, pois a esta altura diversas parcelas dos alimentos já estão vencidas, de modo que os seus argumentos não se sustentam.

Acompanharam o voto do relator os desembargadores Donato Fortunato Ojeda (1º. vogal) e Carlos Alberto Alves da Rocha (2º vogal). 

Entenda a Súmula – O teor da súmula 309 do STJ dispõe que "o débito alimentar que autoriza a prisão do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo".

 

FONTE:  TJ-MT,  17 de junho de 2008.


EXECUÇÃO DE HIPOTECA EXIGE CITAÇÃO DO DEVEDORTJ-MG condiciona penhora a citação judicial

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DECISÃO:  * TJ-MG  – Decisão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negou recurso impetrado pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e proibiu a execução de uma hipoteca sem que o proprietário do imóvel seja citado judicialmente. A decisão mantém a sentença proferida pelo juiz de primeiro grau, que embargou a execução da penhora realizada sobre o imóvel pertencente a F. B. M., dado como garantia em um contrato de concessão de crédito industrial.

De acordo com os autos, a proprietária penhorou o imóvel para garantir o financiamento a uma terceira pessoa. Com o não pagamento da dívida, o BDMG ordenou a execução da hipoteca. A proprietária do imóvel dado como garantia entendeu, no entanto, que a simples intimação dando conta da possibilidade de execução da penhora não dava ao banco o direito de levá-la a termo.

No entendimento do desembargador Silas Vieira, relator do processo, o juiz de primeiro grau agiu corretamente ao embargar a execução da hipoteca sem que a proprietária do imóvel fosse citada. “Vale dizer que a mera intimação dando ciência da penhora não supre a falta de citação por se tratarem de institutos diversos, bem como matéria de ordem pública. Portanto, para que se viabilize a penhora, mister a inclusão dos intervenientes hipotecários na lide, sob pena de nulidade”, afirmou o relator.

Ele citou ainda o disposto no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será privado de seus bens sem a observância do devido processo legal”. Assim, para o desembargador, a penhora só pode ser executada se os proprietários do imóvel dado como garantia forem incluídos no processo judicial.

Acompanharam o relator os desembargadores Manuel Saramago e Albergaria Costa.  Processo: 1.0024.98.155101-3/001(1)

FONTE:  TJ-MG,  16 de junho de 2008.

 

 


 

CARACTERIZAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIOPrestação de serviços descontínua, mas permanente, gera vínculo empregatício

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DECISÃO:  * TRT-MG  –   A Turma Recursal de Juiz de Fora manteve sentença que deferiu as verbas típicas da relação empregatícia a um vigilante que fazia a segurança de eventos e festas organizados pela reclamada, rejeitando a alegação de que a prestação de serviços teria se dado de forma eventual e temporária. 

A juíza convocada Maria Cristina Diniz Caixeta, relatora do recurso da reclamada, concluiu que, mesmo descontínua, a prestação de serviços atendia à atividade-fim do empregador, que é oferecer segurança para eventos. Portanto, é inaceitável a alegação de que o trabalho teria sido contratado por necessidade meramente eventual.

No processo ficou comprovado que os serviços eram prestados regularmente, sendo que o reclamante deveria aguardar a convocação para o trabalho em eventos e, caso recusasse, não mais seria chamado pela empresa. Após um ano e dois meses de trabalho, o reclamante foi dispensado sem ter sua CTPS assinada e sem receber verbas rescisórias.

A relatora explica que a prestação de serviços era descontínua, porque não incluía todos os dias da semana, mas tinha caráter permanente e, portanto, não pode ser considerado eventual. “Neste caso, o trabalho correspondia ao padrão dos fins normais do empreendimento, caracterizando, portanto, a relação de emprego” – finaliza.

Assim, concluindo que o reclamante não foi admitido para evento isolado, pois a prestação de serviços tinha caráter definitivo, a Turma confirmou decisão de 1ª Instância que declarou o vínculo de emprego e determinou a anotação do contrato de trabalho na CTPS do reclamante, com o conseqüente pagamento de todas as verbas rescisórias devidas.  (RO nº 01363-2007-038-03-00-3 )

 

FONTE:  TRT-MG,  16 de junho de 2008.

 


PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDEPortador de Câncer receberá medicamentos gratuitos

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DECISÃO:  * TJ-RN  –  O aposentado pelo INSS J.F.L., que é portador de câncer de cólon com metástase hepática, conquistou o direito de receber, de forma gratuita, o medicamento AVASTIN 100, a ser fornecido pela Secretaria de Saúde Pública do Estado do RN enquanto durar o tratamento. Tal medicamento tem por finalidade auxiliar no tratamento de tumor hepático metastático, de que J.F.L. é portador. 

A conquista se deu graças a concessão de Mandado de Segurança com Pedido de Liminar pelo Pleno do TJ, à unanimidade de votos, que acatou o voto do relator, desembargador Saraiva Sobrinho.  

O aposentado resolveu ingressar com a ação porque afirma não possuir condições financeiras de arcar com o alto custo para aquisição do remédio, já que é aposentado do INSS, acrescentando que a Secretaria de Saúde do Estado se recusa a disponibilizá-lo, em razão do mesmo não figurar no elenco dos produtos contidos na Portaria 1318, do Ministério da Saúde.

O Estado do RN defendeu a ausência de direito líquido do aposentado, ante a necessidade de instrução probatória (dever de provar). Alegou ainda que encontra impossibilidade de atender o pedido em virtude da medicação solicitada não estar contemplada na Portaria 1.318/ 2002, do Ministério da Saúde, não se permitindo “aplicar os recursos do governo Federal, fora dos parâmetros da Portaria 12318/2002, sob pena de responder ante o Tribunal de Contas da União /ou de sofrer penalidades administrativas dessas decorrentes”.

Já o autor da ação prestou informações que dão conta da solicitação, em caráter de urgência, da compra do medicamento.

O relator entendeu que, ao contrário do argumentado pelo Estado, o direito em debate encontra-se amplamente amparado na Constituição Federal, na Constituição Estadual e em lei infraconstitucional, além de estar pacificado no âmbito dos Tribunais Brasileiros, inclusive no TJRN, dentre os direitos fundamentais do cidadão, o direito à vida, previsto pelo art. 5º, caput, da CF, bem como no direito à saúde estatuído nos seus arts. 6º e 196.

Portanto, entende o relator, torna-se desnecessária a alegação do Estado de que não pode fornecer o medicamento por não constar no rol dos medicamentos elencados pela Portaria nº 1318/2002, principalmente quando a documentação anexas aos autos demonstra tanto a imprescindibilidade do uso do medicamento Avastin 100 pelo paciente, como a falta de condições econômicas do mesmo em adquirí-lo, devendo, assim, o Estado garantir os meios necessários para disponibilizá-lo, como imperativo de ordem constitucional, decorrente da aplicabilidade dos dispositivos legais invocados. “Inconteste, pois, o direito líquido e certo do impetrante ao fornecimento da medicação de que necessita de forma contínua…”.

 

FONTE:  TJ-RN,  18 de junho de 2008.


PROLEGIS 014 – APOSTILA: RECURSOS PREVISTOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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RECURSOS PREVISTOS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Resumo de aula do Prof. Clovis B. Pereira

 


 

OS  RECURSOS  EM  ESPÉCIE 

1.  RECURSO DE APELAÇÃO

É  o  recurso ordinário, cabível contra as sentenças proferidas na primeira instância, que julguem ou não o mérito das questões. 

Segundo o artigo 162, parágrafo 1º, do CPC, Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269, do CPC. 

Por sua vez, os casos de extinção do processo, sem resolução do mérito, vem previstos no artigo 267, incisos I ao XI, e com o resolução  de mérito, no artigo 269, incisos I ao V, do CPC.   

Na apelação, a parte sucumbente pode voltar a discutir todas as questões discutidas na primeira instância, tanto as de fato quanto as de direito, renovando-se integralmente o exame da causa, excluindo-se apenas, as questões decididas antes da sentença, em relação as quais tenha ocorrido a preclusão. 

O tribunal  fica limitado à vontade  do apelante em impugnar a Sentença, não podendo reformá-la na parte em que o recorrente não manifestou seu desejo de revisá-la. 

Na apelação se faz- um julgamento, renovando o exame da causa e conferindo-se o acerto ou erro da sentença, procedendo-se então a correção do que o tribunal entender desacertado, dentro do que foi objeto do recurso. 

Efeitos do recurso

A regra geral, é que o recurso de apelação seja recebido nos dois efeitos (devolutivo e suspensivo). As exceções ficam por conta dos casos previstos no artigo 520, do CPC, quando a apelação será recebida somente no efeito devolutivo, e que:  

I  – homologar a divisão ou demarcação;

II – condenar à prestação de alimentos;

III – revogado pela Lei 11.232/05;

IV – decidir o processo  cautelar;

V – rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes.

            VI – julgar  procedente o pedido de instituição de arbitragem;

VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.

Forma procedimental

Será interposta por petição escrita, no prazo de quinze dias,  contados da intimação da decisão, e segue o procedimento preconizado nos artigos 513 ao 521, do CPC, cabendo à parte contrária, em igual prazo, apresentar as contra-razões ao recurso, quando então a apelação subirá ao tribunal  “ad quem” para julgamento.

Do preparo do recurso

O recorrente, por ocasião da interposição do recurso deve fazer o recolhimento e a comprovação do preparo do recurso, bem como do porte de retorno, sob pena de deserção (art.511). 

            Da retratação do Juiz prolator da Sentença

           Observa-se, que em princípio, depois de proferida a sentença, não pode mais o juiz de primeira instância, modificá-la, salvo no caso da sentença que indeferir o processamento do pedido inicial.  

Neste caso, segundo o artigo 296, do CPC ,  “indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua decisão”.

 

2.  RECURSO DE AGRAVO

O recurso de agravo cabe  de decisão interlocutória,    que por sua vez,  é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão  incidente (artigo 162, § 2º, CPC). 

O recurso de agravo pode ser  na forma retida ou por instrumento.  dez dias, contados da  intimação da decisão atacada, e segue o procedimento preconizado nos artigos 522 ao 529, do CPC. 

            2.a –  AGRAVO RETIDO

            O agravo retido é interposto perante o próprio juízo recorrido, sendo esta a modalidade de agravo tido como regra, na atualidade (art. 522).

            O Código de Processo Civil elenca algumas hipóteses, em que o agravo deve ser interposto na forma retida: quando interposto das decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante (art. 523, § 3º).

            A lei excepciona, no entanto, algumas situações em que o recurso pode ser interposto na forma de agravo de instrumento, ou seja: quanto se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebido, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

           O agravo retido,  na verdade,  tem como objetivo principal, evitar a preclusão ao prejudicado pela decisão interlocutória desfavorável.

             O agravo retido, por sua vez, independe de preparo – parágrafo único, art. 522.

            Quando a parte interpõe o agravo retido, o recurso fica retido nos autos. Posteriormente, na hipótese de ocorrer a interposição  do recurso de apelação, o agravante  deve  requerer expressamente, nas razões do recurso,  que o Tribunal conheça, preliminarmente do agravo retido, sob pena deste restar prejudicado.

            Sendo acolhido e provido o agravo,  o recurso de apelação perderá seu objeto, e não será apreciado,  retornando os autos ao Juízo "a quo" para o que couber no tocante ao recurso de agravo.

            Interporto o agravo retido,   pode o juiz, ouvida a parte contrária no prazo de 10 dias, reformar sua decisão.

            

             2.b – AGRAVO DE INSTRUMENTO

            O agravo de instrumento, como já se disse acima, é de aplicação restrita, limitando-se aos casos de urgência, sendo admitido apenas quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

           Prazo de interposição

           O prazo para interposição do recurso de agravo de instrumento, é  de 10 (dez) dias, contados da intimação da decisão proferida.

Requisitos e procedimento

O agravo de instrumento  será interposto perante o tribunal competente, através de petição com os seguintes requisitos, conforme a previsão do art. 524: 

I –   a exposição do fato e do direito; 

II –  as razões do pedido de reforma da decisão;

III – o nome e o endereço completo dos advogados, constantes do processo.

O recurso,  por sua vez, será instruído, conforme o artigo 525: 

I – obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado;

II – facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis. 

O recorrente deverá protocolar o agravo diretamente no tribunal, ou postá-lo no correio sob registro com aviso de recebimento, e nos três dias seguintes, deve requerer  a  juntada nos autos do processo do juízo recorrido, de cópia da petição do agravo e do comprovante da sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso, importando o não cumprimento desta disposição, na inadmissibilidade do agravo (parágrafo único, do artigo 526). 

Conforme o artigo 527, do CPC,  após a distribuição do recurso de agravo de instrumento no tribunal, será   distribuído incontinente, o relator, que: 

I –  negar-lhe-á seguimento liminarmente, nos casos do art. 557.

 Este dispositivo contempla as seguintes hipóteses: o recurso for manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante ndo respectivo tribunal, so Supremo Tribunal Federal, ou deTribunal Superior.

Indeferido o processamento do agravo, cabe agravo regimental ao órgão competente para julgamento do recurso, no prazo de 5 (cinco) dias, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá prosseguimento (§ 1º, art. 557).

II – poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente; 

III.   poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão  recursal, comunicando ao juiz sua decisão; 

IV.   poderá requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias;

V.  mandará  intimar o agravado, na mesma oportunidade, por oficio dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes; nas comarcas sede de tribunal, e naquelas cujo expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á pelo órgão oficial;

VI – ultimadas as providências referidas nos incisos I a V, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias. 

Para a resposta do recurso, o agravado observará o procedimento do parágrafo 2º, do artigo 525, do CPC. 

            Após  a formação do agravo, caberá ao relator a 30 (trinta) dias, pedir dia para julgamento, conforme a previsão do artigo 528, do CPC. Na hipótese do juiz recorrido comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo (art. 529). 

           

             3.  EMBARGOS   INFRINGENTES

Conforme o artigo 530, do CPC,  é o recurso cabível na segunda instância, quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência. 

É indispensável portanto, para que o Acórdão seja embargável, que tenha ocorrido um voto vencido no julgamento. 

O recurso será interposto no prazo de 15 (quinze) dias, abrindo-se vista ao recorrido para contra-razões; após, o relator do acórdão embargado apreciará a admissibilidade do recurso, conforme a  previsão do artigo 531 do CPC. 

No caso do relator indeferir o seu processamento, caberá ao recorrente interpor recurso de agravo, dirigido ao órgão competente para o julgamento do recurso,  conforme o artigo 532. 

Admitidos os embargos, serão processados e julgados conforme dispuser o regimento do tribunal (art. 533). A escolha do relator recairá, quando possível,  em juiz que não tenha participado do julgamento da apelação ou da ação rescisória. 

            Caso a norma regimental determine a escolha de novo relator, esta recairá, se possível, em juiz que não haja participado do julgamento anterior. 

Após a impugnação, serão os autos conclusos ao relator e ao revisor pelo prazo de quinze dias para cada um,  entrando a seguir na pauta para julgamento. 

4.  EMBARGOS  DE  DECLARAÇÃO

É o recurso cabível quando ocorrer obscuridade ou contradição, e também quando for omitido ponto sobre o qual a Sentença ou Acórdão deveriam pronunciar-se, conforme a previsão do artigo 535, do CPC. 

Ocorrendo o primeiro caso, os embargos tem por finalidade explicativa, ou seja dar o verdadeiro entendimento da Sentença. Havendo omissão, a finalidade é de completar o julgamento que foi parcial. 

Entende-se por obscuridade, o defeito consistente na difícil compreensão do texto da Sentença ou Acórdão. 

A contradição é a afirmação conflitante, quer na fundamentação, quer entre a fundamentação e a conclusão. 

A correção nestes casos, não leva a uma modificação do conteúdo da decisão atacada, mas apenas a um esclarecimento do que vem nele contido. 

No caso de omissão, a Sentença ou Acórdão são complementados, passando a resolver questão não decidida, posta pelas partes na discussão do litígio. Neste caso a Sentença pode ter efeito modificativo. 

O prazo para interposição dos embargos de declaração, é de 5 dias, contados da publicação da Sentença ou Acórdão, cabendo ao juiz ao qual o recurso é dirigido, em igual prazo decidi-lo. 

O recurso não está sujeito a preparo e não é respondido pela parte contrária, pois é dirigido diretamente ao juízo prolator da decisão.

 A interposição dos embargos de declaração interrompe o prazo para a interposição de outro recurso, conforme a previsão do artigo 538, do CPC, o que significa dizer, que após a decisão dos embargos, os prazos para os demais recursos recomeçam em sua integridade. 

Se o recurso por tido como meramente protelatório (art. 538, parágrafo único), poderá ser aplicada ao recorrente a pena  de multa de até 1% sobre o valor da causa, e no caso de reiteração, a multa poderá ser de até 10%, ficando condicionada a possibilidade de interposição de outro recurso, ao depósito respectivo da multa eventualmente aplicada. 

 

5.  RECURSO   ORDINÁRIO

A teor do que dispõe o artigo 539, do CPC, serão julgados em recurso ordinário: 

I – pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, os  habeas data e os mandados  de injunção decididos em única instância pelos tribunais superiores, quando denegatória a decisão; 

II – pelo Superior Tribunal de Justiça: 

a) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais do Estado e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; 

b) as causas que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, e outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País. 

Quanto ao procedimento e aos requisitos de admissibilidade, no juízo de origem, pelo disposto no artigo 540, do Código de Processo Civil, o recurso ordinário segue as disposições dos Capítulos II (APELAÇÃO) e III (AGRAVO), do Título X (DOS RECURSOS), e no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, o disposto nos respectivos regimentos internos.  

6.    RECURSOS   “ESPECIAL”  E  “EXTRAORDINÁRIO” 

Os recursos especial e extraordinário, são admitidos, consoante a previsão expressa na Constituição Federal outorgada em 1988, nos seguintes casos: 

I – o RECURSO ESPECIAL,  a ser interposto perante o Superior Tribunal de justiça, conforme o artigo 105, III, quando a decisão:  

a)   contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; 

b)  julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;           

c). der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (tribunais de Estados diferentes). 

II – o RECURSO EXTRAORDINÁRIO, a ser interposto perante o Supremo Federal Tribunal, conforme o artigo 102, III, quando a decisão: 

a)  contrariar dispositivo da Constituição Federal; 

b)  declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; 

c)  julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal.    

A diferença básica entre o recurso especial e o extraordinário, é que o primeiro, será interposto nas matérias tidas como infraconstitucionais, enquanto que o segundo, fica restrito à matéria constitucional. 

O recurso extraordinário e o especial, cabíveis nos casos acima  enumerados, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, no prazo de 15 dias, contados a partir da intimação do Acórdão recorrido, em petições escritas e distintas, que conterão, em obediência ao artigo 541, do CPC: 

I-   a exposição do fato e do direito; 

II-  a demonstração do cabimento do recurso interposto; 

III-  as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

 Os dois recursos serão recebidos apenas no efeito devolutivo (art. 542, parágrafo 2º), o que significa dizer, que a interposição dos mesmos, não obstará a execução da decisão recorrida. 

No caso dos dois recursos serem admitidos, ambos serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça. Após concluído o julgamento do recurso especial, de competência do STJ, os autos serão remetidos ao STJ, que tem competência para apreciar e julgar o recurso extraordinário, se este não restar prejudicado. 

Se os recursos não forem admitidos, caberá ao recorrente interpor recurso de agravo, no prazo de 10 dias, para o STF ou STJ, conforme o caso, devendo o recurso, obrigatoriamente, conter os documentos relacionados no parágrafo 1º,  do artigo 544, ou seja: cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação,  da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão  agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. 

As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal (art. 544, § 1º, final). 

A petição do agravo será dirigida ao presidente do tribunal de origem, não dependendo do pagamento de custas e despesas postais. A seguir, o agravado será intimado, para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta, bem como juntar os documentos que quiser. Após, o recurso subirá ao tribunal superior, onde será processado na forma regimental, conforme o § 2º, do art. 544. 

Sendo provido o recurso de agravo, e se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito do recurso especial, o relator determinará sua conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso, conforme a previsão do parágrafo 3º, do art. 544, sendo o mesmo procedimento adotado, no agravo interposto contra denegação de recurso extraordinário, salvo quando, na mesma causa, houver recurso especial admitido e que deva ser julgado em  primeiro lugar ( parágrafo 4º, do mesmo artigo.).

Da decisão do relator que não admitir o agravo de instrumento, negar-lhe provimento ou reformar o acórdão recorrido, caberá agravo no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, conforme artigo 545 do CPC.

Por fim, é importante ser observado, que no julgamento dos recursos especial e extraordinário, somente será admitida a discussão de matéria de direito,  desde que prequestionada em todas as  instâncias inferiores sendo vedado o reexame de matéria de fato e de prova, por essa via recursal.

Esse fato, justifica a dificuldade de se obter o conhecimento de um recurso especial ou extraordinário, já que os tribunais tem sido muito rígidos na apreciação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, notadamente, porque as questões suscitadas, muitas vezes não foram devidamente prequestionadas desde a sentença inicial, na primeira instância, quando qualquer omissão, deveria desde logo, ter sido suprida através dos componentes embargos declaratórios, e assim por diante.

 

7.     EMBARGOS  DE  DIVERGÊNCIA  EM  RECURSOS “ESPECIAL”  E “EXTRAORDINÁRIO”

 Referido recurso, introduzido na lei processual, em artigo 496, através da Lei 8.950/94, tem por objeto, uniformizar a jurisprudência do STJ e do STF, evitando assim, que o mesmo tribunal, ao analisar a mesma questão de direito, decidida de forma diversa. 

O prazo para interposição do referido recurso, é de 15 dias, a partir da intimação da decisão, conforme o artigo 508, do CPC, sendo embargável, pelo que dispõe o artigo 546, do mesmo estatuto processual, a decisão da turma que: 

I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial; 

II – em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário.

Por fim, conforme a previsão do parágrafo único de aludido artigo 546, observar-se-á, no recurso de embargos, o procedimento estabelecido no regimento interno dos respectivos tribunais.