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Delineamentos do Direito Civil Contemporâneo brasileiro.

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A constitucionalização do Direito Civil funciona como garantia de eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Enfim, o principal objetivo é identifica através de estudo exploratório, as características do Direito Civil contemporâneo e, que justificam sua constitucionalização do Direito Civil, bem como a irradiante eficácia dos direitos fundamentais e sua influência na ciência jurídica, permitindo analisar os direitos fundamentais que restringem a manifestação de vontade de particulares.

Enfim, a constitucionalização do ordenamento jurídico consolida a supremacia das Constituições e a força normativa dos princípios e valores  nestes contidos, é um fenômeno que vem sendo observado desde as mudanças sociais que ocorreram no século XX, perfazendo a transição do Estado Liberal para o Estado Social[1].

Cabe destacar que o Estado Liberal[2] surgira exatamente para pôr fim ao Estado Absolutista preconizando a dissociação entre o Estado e a economia e a liberdade política. E, no Estado Social deu-se a disseminação dos ideais e valores de justiça social, igualdade e equidade com o fito de garantir os direitos sociais dos cidadãos.

Somado a isso, os ideias de democracia, o que redunda no Estado Democrático de Direito[3] que pode ser definido como o governo do povo, limitado pelo direito e, com o propósito de concretização dos interesses da coletividade.

Em filosofia política, a teorização do Estado tem como pilares os contratualistas Hobbes, Locke e Rousseau, que, por diferentes linhas de pensamento,  apontavam que o Estado é necessário para manter a ordem social e mediar os conflitos entre indivíduos.

No Estado Democrático de Direito, as leis são criadas por representantes da população e, por conseguinte, da vontade geral. Seu princípio básico é sintetizado por Abraham Lincoln na máxima: “governo do povo, pelo povo e para o povo”.

Assim, o Estado Democrático de Direito vai além da democracia  representativa de escolha periódica dos governantes, ele requer a participação popular efetiva e constante nas decisões políticas, de modo a conduzi-las  a fim promoverem justiça social. Portanto, os valores de liberdade política e de igualdade política, nesse regime, devem caminhar juntos.

A Constituição Federal Brasileira de 1988, construída com base em um amplo debate público envolvendo a participação de muitos segmentos sociais,  em seu Artigo 1º, diz:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Essa Constituição, também chamada de Constituição Cidadã, ampliou de maneira inédita os direitos sociais e políticos dos brasileiros. Todavia, sua efetivação ao longo de sua vigência ainda se apresenta incompleta em muitos aspectos. Ampliá-la requer maior participação nos mecanismos de decisão política para que direitos assegurados em lei tornem-se conquistas concretas.

Segundo a Oriana Piske e Antonio Benites Saracho, in litteris: “O Estado Liberal representou o término do Estado absolutista -, no qual o soberano muitas vezes, abusava do poder-, passando para a busca da liberdade individual burguesa. As desigualdades socioeconômico-culturais, cada vez mais intensas levaram ao surgimento do Estado Social em razão da miséria  gerada pelo extremado liberalismo-burguês.  O liberalismo, não garantiu a liberdade e a igualdade de todos os homens, com sua característica marcante  do individualismo exacerbado, na busca do lucro exagerado e inescrupuloso dos donos das fábricas e das minas em detrimento do trabalho dos operários  e das crianças, não se revelou instrumento de Justiça social”. (In: BARBOSA, Oriana de A. Barbosa e SARACHO, Antonio B. Estado Democrático de Direito – Superação do Estado Liberal e do Estado Social. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2018/estado-democratico-de-direito-superacao-do-estado-liberal-e-do-estado-social-juiza-oriana-piske Acesso em 04.03.2022).

Já por outro lado, no modelo do Estado Social há uma hipertrofia do que é público e uma atrofia do privado. O Estado, nessa modulação, cresce, acentuadamente, para atender às infinitas demandas sociais, para ocupar o espaço que o paradigma liberal havia deixado como esfera de não-intervenção. Desta forma, o público passa a ser identificado como estatal.

O paradigma social passa a entrar em crise por não conseguir atender a toda sorte de demandas sociais, caminhando para o endividamento público,  gerando grave crise de déficit de cidadania e de democracia. O paradigma social propôs a cidadania. Contudo, gerou tudo menos cidadania.

No paradigma do Estado Democrático de Direito, a temática cidadania apresenta inestimável protagonismo e é representada como um processo,  como direito de efetiva participação do cidadão na conformação das decisões públicas.

Sublinhe-se que, para ser considerado Estado Democrático  de Direito, é fundamental que o mesmo tenha uma estrutura política concebida sob a tripartição dos poderes e consagre os direitos e as garantias constitucionais.  Quando o princípio da separação de poderes constitui-se na máxima garantia de preservação da Constituição democrática, liberal,  pluralista e humanista.

As grandes mudanças que surgiram após a revolução industrial do Século XIX, bem como a revolução tecnológica do século XX, foram decisivas na construção  das bases de uma sociedade consumista, ascendendo cada vez mais os interesses coletivos e difusos no confronto com os interesses meramente individuais.

Reflexo desse quadro, os conflitos ganharam novas dimensões, requerendo equacionamentos eficazes, soluções mais efetivas, um processo mais ágil e um  Judiciário[4] mais eficiente, dinâmico e participativo na tutela dos direitos fundamentais do homem.

Sendo curial é a lição deixada por Paulo Bonavides, ao afirmar que os direitos fundamentais[5] são a sintaxe da liberdade nas Constituições. Com eles, o constitucionalismo do Século XX logrou a sua posição mais consistente, mais nítida, mais característica.

Em razão disso, torna-se conveniente introduzir talvez, nesse espaço teórico, o conceito do juiz social, enquanto consectário derradeiro de uma teoria material da Constituição, e sobretudo da legitimidade do Estado Social e seus postulados de justiça, inspirados na universalidade,  eficácia e aplicação imediata dos direitos fundamentais.

Ensinou Paulo Bonavides que “a história dos direitos humanos – direitos fundamentais de três gerações[6] sucessivas e cumulativas, a saber, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos – é a história mesma da liberdade moderna, da separação e limitação de poderes, da criação de mecanismos que auxiliam o homem a concretizar valores cuja identidade jaz primeiro na sociedade e não nas esferas do poder estatal.”

Wolkmer (2001), quando, ao discorrer sobre os quatro ciclos abrangidos pelo paradigma jurídico moderno, esclarece: O Direito escrito e formalizado da moderna sociedade burguês-capitalista alcança o apogeu com sua sistematização científica, representada pela Dogmática Jurídica.

O paradigma da Dogmática Jurídica forja-se sobre proposições legais abstratas, impessoais e coercitivas, formuladas pelo monopólio de um poder Público centralizado (o Estado), interpretadas e aplicadas por órgãos (Judiciário) e por funcionários (os juízes)

O ilustre doutrinador (2001), constata a decadência desse paradigma: nos anos 60/70 do século XX: “Embora a dogmática jurídica estatal se revele, teoricamente, resguardada pelo invólucro da cientificidade, competência, segurança, na prática intensifica-se a gradual perda de sua  funcionalidade e de sua eficácia”.

Celso Fernandes Campilongo (1994), ao asseverar que: “Exagerando na distinção: o Estado liberal formula uma teoria da norma jurídica;  o Estado social constrói uma teoria do ordenamento jurídico; e o Estado pós-social enfrenta o desafio da construção de uma teoria do pluralismo jurídico”.

Em “Objetividade e neutralidade: os limites do possível”, Luís Alberto Barroso(2004) discorre sobre a matéria: Desde que o iluminismo consagrou o primado da razão, com o abandono de dogmas e de preconceitos, o mundo construído pela ciência aspira à objetividade.

As conclusões divulgadas por um membro da comunidade científica devem poder ser verificadas e comprovadas pelos demais. A racionalidade do conhecimento procura despojá-lo das crenças e emoções subjetivas, puramente voluntaristas, para torná-lo impessoal na medida do possível.

A medida do possível variará imensamente e em poucas áreas  enfrentará dificuldades como no direito. É que a ciência jurídica, ao contrário das ciências exatas, não lida com fenômenos que se ordenem independentemente  da atividade do cientista.

E assim, tanto no momento de elaboração quanto no de interpretação da norma hão de se projetar a visão subjetiva, as crenças e os valores do intérprete[7].

Em meio a esse contexto, foi promulgada no país, a Constituição Federal de 1988 que tem o objetivo de instituir o Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

Tais princípios fundamentais constitucionais têm o condão de constituir uma sociedade mais justa e reduzir as diferenças sociais, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo primeiro da Carta Magna, sendo um dos principais sustentáculos de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Essa conjuntura influenciou todos os ramos de Direito e, consagrou o texto constitucional como primacial paradigma a ser seguido para promover a efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo que o Direito Civil igualmente passou a ser interpretado e aplicado à luz dos valores constitucionais vigentes.

Deve-se para melhor esclarecimento sobre o tema prover a leitura de doutrinadores como Paulo Lôbo, Gustavo Tepedino, J.M. Leoni Lopes de Oliveira, Paulo Bonavides, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Flávio Tartuce, Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco e, principalmente, observar atentamente o fenômeno partindo da apreciação da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas e, sua possível restrição que sua aplicação produz na manifestação de vontade de particular. e

Eis que a máxima “hominum causa omne ius constitutum est”, oriunda do direito romano, ainda continua válido. E, significa que todo o direito é constituído à causa do homem, o que simboliza que a pessoa é o centro das atenções jurídicas, ou seja, o ser humano é o destinatário final e principal de toda norma. Afinal, o direito é pensado e aplicado para todos os homens.

Enfim, as pessoas são criadoras e destinatárias das normas jurídicas. Portanto, são o componente fundamental do Direito que, por sua vez, tem o propósito de reconhecer a dignidade humana prestando a mais completa e incondicional tutela jurídica.

Em verdade, o conceito de dignidade humana é deveras complexo sendo desenvolvido ao longo da trajetória histórica e conforme a diversidade de valores e culturas presentes na sociedade humana. O excelente doutrinador Ingo Sarlet conceitua a dignidade humana à partir de perspectiva jurídica. In litteris:

“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humana que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas parte de uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (In: SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.62).

Segundo André de Carvalho Ramos, a dignidade humana é qualidade inerente ao ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, o assegurando condições materiais mínimas de sobrevivência.

Trata-se, portanto, de um atributo que o indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo, etc. Nos diplomas internacionais e nacionais, a dignidade humana é inscrita como princípio geral ou fundamental. Assim, o Estado deve proteger a dignidade humana.

Fundamentação: Artigos 1º, inciso III, 170, 226, § 7º, 227, 230, da Constituição Federal; artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos; Artigo 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos; “In: RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018).

Ao longo do século XX, a dignidade da pessoa humana se tornou um princípio presente em diversos documentos constitucionais e tratados internacionais, começando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e se espalhando pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (1976) e pelas constituições de Itália (1947, art. 3º), Alemanha (1949, art. 1º), Portugal (1976, art. 1º), Espanha (1978, art. 10), Grécia (1975, art. 7º), Peru (1979, art. 1º), Chile (1980), Paraguai (1992, art. 1º), Bélgica (após a revisão de 1994, art. 23) e Venezuela (1999, art. 3º), dentre diversos outros pactos, tratados, declarações e constituições. O conteúdo dos textos é bastante semelhante. Em geral, eles dizem que as pessoas têm a mesma dignidade, que esse é o parâmetro principal da ação estatal e/ou que o objetivo principal do Estado é promover a dignidade humana, como se vê na Constituição Brasileira de 1988.

versão moderna da dignidade se desenvolveu a partir de três marcos fundamentais: (a) o marco religioso, resultado da tradição judaico-cristã; (b) o marco filosófico, a tradição ligada ao Iluminismo; e (c) o marco histórico, uma resposta aos atos da Segunda Guerra Mundial (BARROSO, 2013, p. 14-15). Da primeira tradição vem a ideia de que os seres humanos ocupam um lugar especial na realidade porque foram feitos à imagem e semelhança de um ser superior.

Já o segundo marco fornece a principal justificativa não religiosa da dignidade da pessoa humana, sintetizada pelo filósofo iluminista Immanuel Kant ainda no século XVIII. Segundo ele (KANT, 1980, p. 74-78), o ser humano possui dignidade porque é capaz de dar fins a si mesmo, em vez de se submeter às suas inclinações.

Por isso, ele deve ser visto como um fim em si mesmo, não como meio para a realização de projetos alheios. Essa capacidade de dar normas a si mesmo é a autonomia, em contraposição à heteronomia.

Mas, para que não se reduza às suas inclinações, é preciso agir de acordo com a razão, de acordo com o dever, isto é, segundo o imperativo categórico, de maneira que a máxima de sua vontade possa ser tomada como lei universal (KANT, 1980, p. 74-77).

Segundo Kant, a dignidade é a característica do que não tem preço, isto é, do que não pode ser trocado por nada equivalente. E o fundamento da dignidade é a autonomia, a capacidade de dar leis a si mesmo, em outras palavras, a moralidade entendida como a capacidade de agir de acordo com a lei moral:

Ora a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela lhe é possível ser membro legislador no reino dos fins.

Portanto a moralidade, e a humanidade enquanto capaz de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade. A destreza e a diligência no trabalho têm um preço venal; a argúcia de espírito, a imaginação viva e as fantasias têm um preço de sentimento; pelo contrário, a lealdade nas promessas, o bem-querer fundado em princípios (e não no instinto) têm um valor íntimo.

A natureza bem como a arte nada contêm que à sua falta se possa pôr em seu lugar, pois que o seu valor não reside nos efeitos que delas derivam, na vantagem e utilidade que criam, mas sim nas intenções, isto é, nas máximas da vontade sempre prestes a manifestar-se desta maneira por ações, ainda que o êxito as não favorecesse. […] Esta apreciação dá, pois, a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. (KANT, 1980, p. 78, grifos nossos).

Para Macklin (2003, p. 1419-1420), a dignidade é um conceito “inútil” para a bioética e pode ser substituído sem qualquer perda de conteúdo pelo conceito de autonomia pessoal, que tem a vantagem de ser mais preciso.

A defesa da dignidade seria “mero slogan” e uma “repetição vaga de noções já existentes”. De acordo com ela, o uso corriqueiro do termo “dignidade” como fundamento para se evitar determinadas práticas médicas permanece apenas por influência da religião, especialmente da Igreja Católica.

Segundo Macklin (2003, p. 1419-1420), nesses casos, o que se consegue com o apelo à dignidade seria conseguido de maneira mais simples apelando-se ao respeito pela autonomia das pessoas, um conceito mais claro do que a dignidade porque não apela a uma propriedade intrínseca sobre a qual não se oferecem explicações adicionais.

Segundo a definição kantiana de dignidade (adotada por Barroso e outros, como se verá abaixo), a autonomia é mesmo o elemento central da dignidade. Contudo, muitos doutrinadores (inclusive Barroso) acrescentam à ideia de autonomia a ideia de valor intrínseco, que é o objeto da crítica de Macklin, pois é a parte mais obscura da noção de dignidade.

A diferença está em que alguns pesquisadores consideram que é possível ter dignidade sem ter autonomia, desde que se considere que a entidade em questão possua valor intrínseco (p. ex., o caso do feto, do cadáver e do paciente em estado terminal), enquanto outros, como Macklin, consideram que só faz sentido falar em dignidade quando há autonomia ou a expectativa dela (como no caso de alguém dormindo ou de uma criança).

Para essa segunda vertente, dado que o segundo conceito é mais claro do que o primeiro, é melhor se restringir ao conceito de autonomia – atitude predominante entre os pesquisadores acadêmicos na área de bioética.

A literatura jurídica contemporânea se alinha a esse mesmo entendimento, ao considerar, de forma pacífica, o princípio da dignidade da pessoa humana como o “valor máximo” ou o “supremo alicerce” do ordenamento jurídico brasileiro (Tepedino, 2001, p. 48; Moraes, 2003, p. 83; Silva, 1998) e da ordem jurídica internacional (Piovesan, 2005).

O problema em utilizar o termo de maneira absoluta é que, ainda que a disposição a sacrificar qualquer coisa em favor da mínima chance de salvar alguém seja adequada no âmbito privado, essa não é a atitude mais adequada para lidar com recursos públicos escassos.

Nesses casos, a relação custo-efetividade e a equidade devem também ser levadas em consideração, sob pena de desperdiçar recursos públicos ou privilegiar alguns cidadãos em detrimento de outros – ofendendo, portanto, a própria igualdade de consideração, a motivação por detrás do respeito à dignidade humana.

Em vista de tais imprecisões conceituais e abusos, Barroso (2013) propõe três elementos para garantir a unidade e a objetividade da dignidade humana: (a) o valor intrínseco, (b) a autonomia e (c) o valor comunitário.

O valor intrínseco, oposto a um valor adquirido, possui caráter ontológico, pois está presente na natureza do ser humano, do ser enquanto ser, independentemente de suas determinações particulares. Essa perspectiva toma o indivíduo como um fim em si mesmo e, em última análise, abstrai o ser humano de seus atributos pessoais (aplica-se tanto a recém-nascidos quanto a pessoas senis ou com determinado grau de deficiência mental). A dignidade é um atributo que nasceria com a pessoa e que não poderia ser perdido, alienado ou renunciado.

O segundo elemento que compõe a dignidade, segundo Barroso (2013), é a já mencionada noção kantiana de autonomia (ou autonomia pessoal), o fato de que as pessoas são capazes de dar normas para si mesmas. Esse elemento dá dignidade às pessoas na medida em que elas são capazes de agir livremente, o que significa buscar realizar seus projetos de vida da forma que melhor desejarem, de acordo com sua visão do que é o bem e o correto, sendo capazes de resistir às tentações, coisa que os animais não humanos supostamente não são capazes de fazer.

O terceiro elemento da dignidade apresentado por Barroso (2013) é o valor comunitário, o papel da comunidade e do Estado no estabelecimento de crenças e metas coletivas[8].

Nesse sentido, a dignidade seria uma restrição à autonomia individual, uma limitação a direitos e liberdades individuais em prol da dignidade de outros e de valores socialmente compartilhados. De acordo com Barroso, essas intervenções do Estado e da comunidade são legítimas apenas quando há um direito fundamental de outras pessoas sendo atingido ou há dano potencial para a própria pessoa, pressupondo que haja consenso social sobre a matéria.

É possível verificar que a Constituição Federal brasileira de 1988 não instituiu o princípio da dignidade da pessoa humana, posto que esta já vinha de construção histórica, porém, veio a consagrar sua relevância ao lhe reconhecer como valor supremo do alicerce de toda ordem jurídica democrática. É um princípio unificador dos direitos fundamentais.

Um importante aspecto do Direito Civil Contemporâneo é o fim da vetusta dicotomia existente entre direito público e direito privado. É sabido que cabe ao direito público regular os interesses gerais da coletividade através do Estado que, em regra, ocupa posição de supremacia. Enquanto o Direito Privado cabe regular os interesses privados, incidindo sobre as relações do cidadão comum, em condições de igualdade entre as partes.

Enfim, na doutrina Norberto Bobbio, colhemos que sendo o direito um ordenamento de relações sociais, a grande dicotomia público/privado duplica-se, primeiramente, na distinção de dois tipos de relações sociais: “entre iguais e desiguais. O Estado, ou qualquer outra sociedade organizada onde existe uma esfera pública, não importa se total ou parcial, é caracterizado por relações de subordinação entre governantes e governados, ou melhor, entre detentores do poder de comando e destinatário do dever de obediência, que são relações entre desiguais; a sociedade natural tal como descrita pelos jusnaturalistas, ou a sociedade de mercado na idealização dos economistas clássicos, na medida em que são elevadas a modelo de uma esfera privada contraposta à esfera pública, são caracterizadas por relações entre iguais ou de coordenação”. (In: BOBBIO, N. A grande dicotomia público/privado. In: Estado, governo sociedade para uma teoria geral política. Tradução por Marco Aurélio Nogueira. 4ª edição. Rio de Janeiro: Paz &Terra, 1995, p. 13-14).

Quando havia o Estado Liberal marcou-se período de crassa liberdade e grande acúmulo de riquezas, e nesse modelo, aqueles em melhores condições financeiras começaram a explorar os menos favorecidos, dando início a fase de grandes desequilíbrios econômicos e grandes injustiças sociais. E, ensinou Paulo Lôbo, houve duas etapas evolutivas do movimento liberal e do Estado Liberal, a saber: a primeira, referente a conquista da liberdade e, a segunda, a da exploração da liberdade.

E, nesse contexto gerou-se expressiva insatisfação pelo mundo inteiro, especialmente, no mundo ocidental, levando o modelo de Estado Liberal ao declínio e, dando início ao Estado Social, no qual o governo passou a intervir nas relações privadas com o fim de reduzir as desigualdades sociais e, então, promover a justiça social.

A noção contemporânea de justiça social é ancorada em princípios morais e em política  fundamentada nos valores de igualdade e solidariedade, começou a se desenvolver a partir do século XIX.

E, tal ideia estava ligada à buscava de equilíbrio social, de forma que todas as pessoas que compõem a sociedade tenham os mesmos direitos. A sociedade justa é aquela comprometida com a garantia de direitos básicos como educação, saúde, trabalho, acesso à justiça e, etc.

Com a globalização, a partir do fim do século XX, um conjunto de problemas sociais ganharam destaque. O processo de integração econômica e cultural de diferentes nações agravou ainda mais as desigualdades sociais.

Portanto, a globalização é reflexo da Terceira Revolução Industrial que está firmada no desenvolvimento da ascensão da tecnologia da informação vêm reduzindo o número de trabalhadores nas empresas, aumentando o desemprego estrutural e a precarização das condições de trabalho. E, tal realidade vem produzindo uma série de problemas sociais, tais como a violência urbana, a pobreza, a vulnerabilidade e a invisibilidade dos necessitados.

A justiça social consiste no compromisso do Estado e instituições não governamentais em buscar mecanismos para compensar as desigualdades sociais geradas pelo mercado e pelas diferenças sociais. Um dos doutrinadores que melhor e definiu os elementos para alcançar esse princípio foi John Rawls e estabeleceu três pontos cruciais para galgar um princípio de equidade: 1. garantia das liberdades fundamentais para todos; 2. igualdade de oportunidades; 3. manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos.

A ideia de justiça social[9] como um dos principais objetivos para promover o crescimento de uma nação para além das questões econômicas. E, nesse lógica, compreende-se que a justiça social é mecanismo que busca fornecer o que cada cidadão tem por direito, assegurando as liberdades políticas e os direitos básicos, por isso, é curial oferecer transparência no âmbito público e privado e gerar maiores oportunidades sociais.

 

É de extrema relevância que o Código Civil não se confunde com o Direito Civil, em si, sendo que este último é bem mais abrangente. E, segundo Paulo Lôbo (2015), o Código Civil não é propriamente um código e, sim das principais relações de direito privado. É certo que o Direito Civil é o alicerce do Direito Privado, e rege todas as relações jurídicas dos indivíduos desde seu nascimento até sua morte.

A organicidade dos códigos pode ser comparada ao funcionamento do corpo humano, no qual existem órgão responsáveis por fazer o todo funcionar, daí ser primordial que os órgãos funcionem em harmonia entre si.

A codificação é uma tendência que objetiva a facilitar a compreensão total do assunto abordado, organizando e unificando a matéria.  Em verdade, a codificação teve papel destacado no desmoronamento do velho regime, que se ancorava na autoridade e no status social. O Direito da época exigia normas certas, claras e precisas para a segurança dos negócios e para definição das conquistas liberais, conseguidas com a Revolução, em especial, a defesa da propriedade individual, o que resultou na codificação civil moderna.

E, ainda segundo Paulo Lôbo, a codificação teve por pressupostos o sujeito de direitos adquiridos abstraído de suas reais condições de poder, enquanto o constitucionalismo liberal partiu justamente da vontade em limitar os reais detentores do poder político.

Neste cenário, as codificações liberais atuam como transformação revolucionária contra a tradição, sendo que outras civilizações fora da Europa adotaram os códigos modernos europeus para se transformarem em nações mais modernas e progressistas.

A codificação no país foi processo longo que teve início com a Independência em 1822 e, se encerrou tempos depois da Proclamação da República.

Durante longo período, o Brasil não estava absolutamente independente de Portugal, posto que havia legislação que vigeu durante o império que eram as Ordenações Filipinas que eram influenciadas pelo direito romano, direito canônico e os costumes de povos germânicos que invadiram a península ibérica.

Apenas com a Constituição Imperial de 1824, o Brasil passou a ter legislação própria e, já previa a criação de um Código Civil e um Código Criminal. Esse último fora editado em 180 e o Código Processual Criminal, em 1850. Porém, o Código Civil somente fora editado quase um século depois.

Em 1858, Augusto Teixeira de Freitas[10] realizou a Consolidação das Leis Civis que fora tentativa de agrupar as leis civis num complexo que seria responsável por preencher a lacuna do Código Civil.

Foi, inicialmente, contratado pelo governo imperial para elaborar o projeto de Código Civil cujo esboço terminou não sendo aprovado. E, até o final do império, em 1889, o Brasil não possui um Código Civil.

Entretanto, o “Esbôço” do eminente doutrinador foi, lamentavelmente, rejeitado pelo Governo e, em 1872, rescindiu-se o contrato firmado com o jurista.

Mesmo diante deste episódio, em 1876, ele publicou o “Prontuário das Leis Civis”; em 1877, editou um “Aditamento à Consolidação das Leis Civis”; em 1882, o “Formulário dos Contratos e Testamentos” e as “Regras de Direito Civil”. Em 1883, o Brasil termina sendo agraciado com a obra “Vocabulário Jurídico”.

Pronto o “Esboço de Freitas”, a Comissão Revisora composta por Paulino José Soares de Sousa, Nabuco, Ribas, Brás Henriques, Marcelino de Brito, Áreas,

Alberto Soares e Figueira de Mello, teve início incansável debate. Como era comum naquela época (meados do século XIX), a polêmica era acerba, resvalando pelo campo pessoal. A incontinência verbal e o duelar com as palavras eram de tal forma intensa, que já não mais era atacado o trabalho, mas o seu autor.

A cada crítica, Teixeira de Freitas, que não media esforços em defender suas opiniões até às últimas consequências, tinha de elaborar trabalho escrito, defendendo o ponto de vista do Esboço. Esse trabalho fatigou seu corpo e oberou o espírito.

Inconcluso, o Esboço de Freitas continha 4.908 artigos. Em quatro meses de trabalho, tendo o próprio Teixeira de Freitas como integrante,  a Comissão analisou apenas os quinze primeiros artigos. Os debates eram tão estéreis que Teixeira de Freitas tanto que se queixou a Nabuco de Araújo, dizendo que,  a prosseguir naquela marcha, nem em cem anos o trabalho seria concluído, e sequer o Esboço seria convertido em Código Civil.

Malogrado o Esboço enquanto projeto de Código Civil, a Argentina não perdeu tempo. Em 1869, o país vizinho recebeu seu Código Civil, elaborado pelo jurista

Vélez Sársfield que não negou que a sua codificação foi decalcada do Esboço de Teixeira de Freitas. Na verdade, a obra de Teixeira de Freitas era tão completa  que o jurista argentino Vélez Sársfield praticamente traduziu o Esboço de Freitas para o espanhol e apresentou essa tradução como Projeto de Código Civil

Argentino, o qual foi aprovado e vigora na Argentina até hoje. Como se houvesse uma solidariedade sul-americana, e a partir do Código Civil Argentino, o Esboço de Freitas foi seguido por outras nações Latino-Americanas  como o Paraguai e, em parte, o Uruguai.

Essa posição adotada pelo codificador Argentino foi, contudo, alvo de duras críticas baseadas nas concepções de  Montesquieu, que afirmava que as condições físicas em que vivem um povo influenciam sobremaneira a formação do seu direito de modo que seria raro que o  direito de uma nação servisse a outra.

Em 1969, Clóvis Beviláqua foi contratado, justamente com outros juristas para elaborar o Código Civil brasileiro[11], após longo período de tramitação e emendas, o Código fora finalmente aprovado em 1915 e, finalmente, promulgado em 1916.

 

O Código Civil de 1916 sofreu inúmeras alterações, sendo que a primeira delas se deu em 1919. Em decorrência do lugar ocupado pela mulher no mercado de trabalho e da  efetividade dos ideais de igualdade, em 1962 retirou-se a mulher do artigo que classificava os relativamente incapazes, e em 1977 a Lei nº 6.515 incluiu o inciso IV no art. 267, para permitir o divórcio como uma das modalidades da dissolução conjugal.

Com o passar do tempo e a aplicação sistemática de seus regulamentos, tornou-se mais fácil o manejo do Código Civil, e melhor a compreensão de seus princípios.

Todavia, o século XX não assistiu à elaboração de grandes codificações, dado que as obras legislativas deram preferência a regulamentos especiais.

Por outro lado, pode-se afirmar que as duas experiências de elaboração de compilações civis, a de Teixeira de Freitas e a de Clóvis Beviláqua, estiveram sempre no horizonte jurídico nacional como experiências bem-sucedidas,  a orientar a formação de novas comissões para a elaboração de estudos acerca da atualização do Código de 1916 ou de um novo diploma substancial civil.

Assim, em 1975, o projeto do Novo Código Civil da comissão chefiada por Miguel Reale foi apresentado à Câmara dos Deputados e, aprovado em 2001, entrou em vigor com a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Por outro lado, pode-se dizer que, no caso brasileiro, o Código Civil em parte conseguiu expressar relações já existentes no seio da organização patriarcal brasileira, ao contemplar o pátrio poder, as diferenças entre filhos legítimos e ilegítimos, biológicos e adotados, a figura do marido como chefe da relação conjugal e mais uma significativa quantidade regras e procedimentos de conteúdo moral cristão, bem ao gosto das classes a quem o código se destinava.

Quanto aos contratos, tanto o Código Napoleão quanto o Beviláqua partiram da ideia de que qualquer pessoa, desde que não impedida legalmente, era livre para pactuar, consagrando o princípio da autonomia da vontade e a noção de que os indivíduos têm liberdade plena e sem mediação para contratar.

E, nesse aspecto, o Código Beviláqua pareceu estar dissociado da sociedade brasileira, eminentemente rural, recém-saída de três séculos de escravidão, acostumada a privilegiar a oralidade no ato de pactuar diante dos índices elevados de analfabetismo.

Daí, por que os princípios igualitários que orientaram os artigos relativos aos contratos e ao direito das obrigações permaneceram longo tempo como noção vaga e abstrata.

O Código Civil de 1916 possuía características patrimonialistas e individualista que eram resultantes da autonomia da vontade e da liberdade de ação provenientes dos movimentos sociais da época.

Com a Constituição brasileira de 194, o Código de Beviláqua tornou-se ineficiente diante das demandas sociais, sendo necessário editar grande quantidade de leis esparsas a fim de suprir suas deficiências. Após, muitas tentativas frustradas, uma comissão liderada por Miguel Reale conseguiu elaborar projeto que foi enviado ao Congresso Nacional em 1975 e, aprovado em alterações somente mais de duas décadas depois. O Código Civil de 2002, conhecido como Código Reale, está em vigência até os presentes dias.

O Código Civil atual revogou expressamente o anterior, de 1916, em seu artigo 2.045, promovendo assim a extinção formal da Lei 3.071/1916.

Na época em que vigorava o antigo Código, a Constituição vigente se limitava a definir as competências dos entes federativos, sem qualquer regulação ou interferência no direito privado. Desta forma, o Código Civil não sofria qualquer restrição ao regular sua matéria.

Como toda norma, o antigo Código refletia o momento histórico, bem como os ideais políticos, sociais e econômicos do país. Lembremos que os ideais liberais estavam em seu auge e que a sociedade patriarcal portuguesa ainda era o modelo seguido por grande parte da sociedade.

Prova disso é a admissão da discriminação dos filhos adotivos diante dos biológicos, a constituição da família admitida somente pelo casamento, o qual era indissolúvel e o que os direitos sucessórios do cônjuge eram mitigados, em prol dos ascendentes do de cujus.

O Código Civil de 1916 era extremamente patrimonialista A Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) é o marco da mudança do antigo Código

A Constituição Federal de 1988 revogou vários artigos do Código Civil de 1916. O Código Civil de 1916 tinha o patrimônio como principal valor a ser resguardado o patrimônio, de forma que todas as normas giravam em torno dos bens adquiridos pelo indivíduo, como reflexo da necessidade de se proteger os direitos e garantias individuais.

Refletindo a mudança na sociedade brasileira, a primeira norma relevante foi a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77). Com o fim da ditadura, a Constituição Federal de 88 assumiu os direitos, garantas e liberdades individuais como principais valores a serem assegurados em suas normas, em resposta ao antigo regime ditatorial.

Neste contexto, a Constituição se tornou também a lei maior no que tange ao direito privado. Como consequência, vários artigos do Código Civil de 1916 foram imediatamente revogados.

O Código Civil de 1916 estava ultrapassado há muito tempo quando do advento do Código Civil de 2002. Muitas de suas normas já eram mitigadas pela jurisprudência, principalmente após o advento da Constituição da República de 1988.

 

O Código Civil de 1916 foi resultado do direito liberal, em que se prestigiava o individualismo, o patrimonialismo, o positivismo.

Segundo Sylvio Capanema de Souza, o Código Civil de 1916 tinha três personagens principais: o marido, o contratante e o proprietário. Era a solidificação dos princípios liberais.

O Código Civil de 2002 inspirou-se em três grandes paradigmas: função social do direito, efetividade ou operacionalidade e equidade ou solidariedade. Preocupou-se com a realização da justiça concreta.

O Código Civil de 2002 rompeu com as características liberais e individualistas e se aproxima mais de uma vertente social pautada em três princípios marcantes, a saber: a eticidade, a operabilidade e a socialidade.

A eticidade consiste na busca de compatibilização dos valores técnicos conquistados na vigência do Código anterior com a participação de valores éticos no ordenamento jurídico, buscando prestigiar a moralidade. Traz à tona a proteção da pessoa enquanto ser de emanação ética. Daí, a devoção à boa-fé objetiva e subjetiva.

Já a operabilidade refere-se à concessão de maiores poderes hermenêuticos ao magistrado, verificando, no caso concreto, as efetivas necessidades a exigir a tutela jurisdicional transformando o Código num sistema mais durável e seguro. Nessa linha, o Código Civil privilegiou a normatização por meio de cláusulas gerais, que devem ser preenchidas no caso concreto.

Em face da característica unificadora dos Códigos, faz-se preciso a atualização periódica da legislação codificada para esta representar a realidade do momento histórico. E, isso não é diferente no Código Civil de 2002.

Assim, com fulcro no princípio de sociabilidade, é imperativo que seja o ordenamento jurídico seja sempre atualizado e condizente com os anseios da sociedade, e uma maneira mais fácil e ágil de se modificar as legislações codificadas é por meio de elaboração de leis esparsas, em geral, usadas para regular pontos isolados previstos no diploma legal. E, algumas leis esparsas são tão amplas que chegam mesmo esgotar a matéria por esta razão, podem ser consideradas como microssistemas, também conhecidos como estatutos.

Existem diversos microssistemas brasileiros tais como o Estatuto da Criança e Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto do Torcedor e, entre outras leis. Por isso, acreditam alguns estudiosos, que experimentamos o processo de descodificação.

Afinal, o Código Civil brasileiro não é mais capaz de disciplinar todas as relações jurídicas entre os particulares, reclamando cada vez mais o auxílio dos microssistemas, mas ainda é considerado o centro do direito privado brasileiro.

Ressalte-se que as Constituições que vieram após a Segunda Guerra Mundial passaram a tratar de temas até então tratados somente pela legislação civil, com o fito de realizar autênticas transformações na sociedade.

No momento, os direitos fundamentais e sociais começaram a ganhar espaço nas Constituições de diversas nações. E, nesse espectro, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana passaram a ser analisados sob novo prisma, sendo que foi a Constituição de 1988 foi a que mais pretendeu regular e controlar os poderes privados na busca da justiça material, através do estabelecimento de direitos fundamentais.

Este fenômeno foi chamado de constitucionalização do direito civil resultou na constitucionalização do núcleo essencial das relações privadas e surge de uma demanda da sociedade indispensável para consolidação para o Estado Democrático e Social de Direito para a promoção da justiça social e da solidariedade que passou a ser incompatível com o modelo liberal anterior distanciamento jurídico dos interesses privados e valorização dos indivíduos.

Segundo Gustavo Tepedino, a constitucionalização do Direito Civil tem mudado a concepção do Direito Civil e, a ideia de que o Código Civil representa a Constituição do Direito Privado encontra-se ultrapassada. Portanto, todo o ordenamento jurídico deve ser interpretado à luz da Constituição Federal que possui a supremacia sobre todas as demais normas.

O ser humano passou a ser considerado não mais em abstrato, mas na especificidade de seu meio social, resultando em mudanças no reconhecimento da concepção plural de família, incluindo o casamento, a união estável, as famílias monoparentais e, mais recentemente, a união homoafetiva.

Enfim, o princípio da igualdade reflete, hoje, fortemente nas relações de família, pautando a igualdade entre os cônjuges, companheiros, filhos e entidades familiares. O pátrio poder, no qual o homem (pai) detinha o poder de decisão exclusivo na família, foi ultrapassado e, o texto constitucional e o Código Civil de 2002 inaugurou o poder familiar.

Os titulares do poder familiar são os pais, sem distinção, cabendo a eles as responsabilidades inerentes à família com as responsabilidades de criar, educar, guardar, manter e representar os filhos.

Já o direito de propriedade, também matéria tipicamente privada, está previsto no artigo 5º, inciso XXII da Constituição Federal, integram o rol de direitos e garantias fundamentais e, no artigo 170, inciso II. Como direito fundamental e segundo o princípio da ordem econômica, traz consigo o dever intrínseco de cumprimento de sua função social.

A função social da propriedade surge com o condão de promover o bem comum, enfatizando o papel de cada indivíduo para o bem-estar coletivo e, ainda, o respeito aos direitos individuais de cada um. O que acarreta limitações ao exercício de domínio pelo proprietário.

Também o contrato pode ser definido como acordo de vontades que gera obrigações para ambos ou apenas para um dos contraentes. Segundo a boa doutrina, é a mais comum e relevante fonte de obrigação, devido as suas múltiplas formas e inúmeras repercussões no mundo jurídico.

Chega-se até afirmar que, atualmente, não existe propriamente autonomia privada na celebração de contratos nos moldes concebidos pelo legislador, vez que o Estado também impõe limitação à autonomia das vontades.

Deixaram os contratos de serem campos livres exclusivos de atuação da autuação da autonomia da vontade, devendo estes seguir inúmeras e rigorosas regras com o fim de garantir que cumpra sua função social. Deve o Estado intervir no contrato para restaurar o equilíbrio com as partes.

Lembremos que a eficácia dos direitos fundamentais, a necessidade de se proteger o indivíduo dos abusos de poder do Estado, posicionando a pessoa humana como centro de todo ordenamento jurídico.

 

 

Referências

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[1] O Estado social de direito é aquele que se ocupa dos direitos de segunda geração, que exigem atitudes efetivas do Estado. São os direitos culturais,  econômicos e sociais. O Estado de bem-estar social (welfare state) é a postura social e econômica adotada pelo governo com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais  através de políticas de distribuição de renda, medidas assistencialistas e fornecimento de serviços básicos. No Estado de bem-estar social, é dever do governo garantir aos indivíduos o que se chama, no Brasil, de direitos sociais: condições mínimas nas áreas  de saúde, educação, habitação, seguridade social, entre outras. Ademais, em momentos de crise e de desemprego, o Estado deve intervir na economia de  forma que se busque a manutenção da renda e do trabalho das pessoas prejudicadas com a situação do país. Isso foi feito, por exemplo, nos EUA,  na década de 1930, em que os níveis de desemprego ultrapassaram a taxa de 25%. Outro ponto central do welfare state é a existência de leis trabalhistas,  que estabelecem regras nas relações entre empregado e empregador, como salário-mínimo, jornada diária máxima, seguro-desemprego, etc.

[2] As principais características do Estado liberal são: Liberdade individual: Em um Estado liberal os indivíduos possuem liberdades que não podem sofrer interferências do governo. Assim, os indivíduos podem se envolver  em qualquer atividade econômica, política ou social em qualquer nível, desde que não viole os direitos de outrem. Igualdade: Em um Estado liberal, a igualdade é obtida através do respeito ao individualismo de cada pessoa. Isso significa que todos devem ser tratados da mesma forma, independente do gênero, idade, religião ou raça, observando-se sempre suas diferenças a fim de proporcionar a todos as mesmas oportunidades. Tolerância: A tolerância é consequência da igualdade com que o governo trata os indivíduos no Estado liberal, no qual todos têm a oportunidade de serem ouvidos e respeitados,  mesmo durante greves e manifestações. Liberdade da mídia: A mídia opera de forma imparcial e não está vinculada ao governo nos Estados liberais. Dessa forma, os meios de comunicação podem publicar informações de forma  livre e não tendenciosa, especialmente sobre assuntos políticos. Livre mercado: Nos Estados liberais predomina a chamada “mão invisível do mercado” que consiste na ausência de intervenção do governo na economia. Assim, qualquer indivíduo  pode exercer atividades econômicas e, dessa forma, o mercado se autorregula. O Estado liberal é o estado garantidor dos chamados direitos de primeira geração, que são de caráter individual e negativo, uma vez que exigem a abstenção  do Estado. Esses direitos são considerados fundamentais e estão relacionados à liberdade, aos direitos civis e políticos.

[3] O Estado de Direito teve início depois da Revolução Francesa, que marcou o fim do absolutismo e a instauração de um sistema de governo parlamentarista.  Durante o antigo regime – o absolutismo -, o governante detinha poder máximo e, dessa forma, não precisava respeitar nenhuma lei vigente. Contudo,  com o fim desse regime e com o advento do parlamentarismo, passou a vigorar o que chamamos de Estado de Direito. Essa forma de Estado foi justificada pelo teórico John Locke em seu livro “Segundo Tratado sobre o Governo”. Para ele, o estado de natureza do ser  humano não era um estado de ausência absoluta de leis como para Hobbes, mas, sem que houvesse um Estado para mediar os conflitos, o homem usaria  a força para satisfazer seus interesses próprios. No momento que isso acontecesse, entraríamos em um estado de guerra que só teria fim com o  estabelecimento de um contrato em que as pessoas renunciassem seus direitos de aplicar a leis para o Estado, para que este, por sua vez,  distribuísse com equidade os direitos de cada um. O Estado Democrático de Direito é uma forma de Estado em que a soberania popular é fundamental. Além disso, é marcado pela separação dos poderes estatais,  a fim de que o legislativo, executivo e judiciário não se desarmonizem e comprometam a soberania popular. Outro ponto importante que caracteriza essa forma  de Estado é o respeito aos Direitos Humanos que são fundamentais e naturais a todos os cidadãos. Assim, é possível perceber a importância do que está escrito

no artigo 1º da Constituição Federal, que foi exposto no início do texto. Ou seja, o Estado Democrático de Direito permite que nos organizemos em uma sociedade  minimamente justa e estável, com relações de poder que tragam mais benefícios que prejuízos.

[4] Como se tem procurado evidenciar, inclusive com o objetivo de assegurar o respeito aos valores fundamentais da pessoa humana, o Estado deve procurar ao máximo de juridicidade. Assim é que se acentua o caráter de ordem jurídica, na qual estão sintetizados os elementos componentes do Estado. Além disso, ganham evidência as ideias da personalidade jurídica do Estado e da existência, nele, de um poder jurídico, tudo isso procurando reduzir a margem de arbítrio e discricionariedade e assegurar a existência de limites jurídicos à ação do Estado. A Jurisdição, sob o prisma constitucional, é o Poder-dever do Estado-Juiz, através de magistrados legal e legitimamente investidos no cargo, de dizer o direito em um determinado território. Cássio Scarpinella Bueno complementa o conceito apresentado acima, em afirmar que “a jurisdição, diferentemente da compreensão que lhe emprestou a doutrina tradicional do direito processual civil, não se restringe, apenas, à declaração jurisdicional do direito. Jurisdição não é só reconhecer, no sentido de declarar quem tem e quem não tem um direito digno de tutela (proteção) perante o Estado, ao contrário do que a etimologia da palavra poderia dar entender. A jurisdição envolve também, pelo menos à luz do modelo constitucional do processo civil brasileiro, as medidas voltadas concretamente à tutela (à proteção) do direito tal qual reconhecido pelo Estado-juiz”.

[5] Cinco dimensões de direitos fundamentais. A primeira dimensão e o Estado Liberal; A segunda dimensão e o Estado-Providência; Terceira dimensão, valor da solidariedade; Quarta e quinta dimensão. quarta geração ou dimensão reputa direitos que concernem ao futuro da cidadania e da liberdade de todos os povos na globalização, referentes ao direito à democracia, ao direito à informação e ao direito ao pluralismo. Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal[20], através do Ministro Ricardo Lewandoski, aventou que os direitos de quarta geração são decorrentes do avanço da tecnologia da informação e da bioengenharia, como a proteção contra as manipulações genéticas. De outra banda, há autores, como o próprio Paulo Bonavides, que defendem uma quinta geração ou dimensão de direitos fundamentais.

Esta seria a paz, que é um direito superior e garantidor da sobrevivência digna na terra.

[6] Os direitos de primeira geração constituem-se em direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Os direitos de segunda geração são os denominados direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividade, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal do século XX. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e os estimula. Os direitos fundamentais de terceira geração são decorrentes da consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento. Tais direitos permitiram que em seguida fosse buscada uma outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender unicamente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos. Portanto, os direitos de terceira geração dizem respeito ao: direito ao desenvolvimento, direito à paz, direito ao meio ambiente, direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e direito de comunicação. Os direitos fundamentais de quarta geração dizem respeito ao direito à democracia, ao direito à informação e ao direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta e humanista do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de conveniência.

[7] Na “Velha Hermenêutica” interpretava-se a lei à exaustão, por meio de operações lógicas. Na “Nova Hermenêutica”, concretiza-se o preceito constitucional,  o que significa interpretar com criatividade[1] (BONAVIDES, 2000, p. 585). As regras tradicionais de interpretação, que operam pela “abstração do problema concreto a decidir” e, em seguida, “a subsunção em forma de conclusão silogística com o conteúdo da norma” (ALVARENGA, 1998, p. 90-91), perdem lugar no  contexto da interpretação constitucional. No que pesa à hermenêutica constitucional, a contribuição de Konrad HESSE (1998, p. 61) foi levar o foco do procedimento de realização do Direito Constitucional para as particularidades concretas das condições de vida, aliadas ao contexto normativo. “Interpretação constitucional é concretização.” Nesse panorama da concretização, ou da “Nova Hermenêutica” (BONAVIDES, 2000, p. 544), não há lugar para os métodos tradicionais de interpretação, instituídos  por Savigny (gramatical, sistemático, histórico, teleológico), em si mesmo considerados[3], haja vista a Constituição não oferecer critérios inequívocos,  seguros, que proporcionem diretrizes suficientes: “onde nada de unívoco está querido, nenhuma vontade real pode ser averiguada” (HESSE, 1998).  Sendo a norma indeterminada, ela não pode ser fundamento único para a interpretação (ALVARENGA, 1998).

[8] É preciso reconhecer, entretanto, que compreender o princípio da dignidade humana como respeito à autonomia apenas torna a noção menos controversa, não a torna imune a dúvidas. Ao menos duas delas merecem ser mencionadas. Um problema que aparece ao condicionar a dignidade humana à capacidade de ter autonomia está no fato de que nem todos os seres humanos a possuem, por exemplo, as crianças e os portadores de deficiências mentais graves. Isso implicaria que eles não são dignos, não merecem igualdade de consideração. Por isso, as questões do descarte de embriões e do aborto provocam grande controvérsia sobre o início da personalidade jurídica, pois nesses estágios do desenvolvimento ainda não é biologicamente possível haver as capacidades mentais necessárias para a autonomia (FRIAS, 2012; FRIAS, 2013). Contudo, uma dificuldade ainda maior está no caso dos indivíduos que nunca terão o desenvolvimento cognitivo suficiente para ter autonomia. Esse é um tema bastante controverso entre bioeticistas – McMahan (2002, p. 203-230) apresenta e analisa a literatura pertinente – e não é possível analisá-lo adequadamente aqui. Uma alternativa (não sem problemas) seria reconhecer que a justificativa para dar igualdade de consideração a seus interesses está, não na dignidade, mas sim na compaixão para com seu sofrimento e suas limitações.

[9] As questões básicas da justiça social são:  Por que existem desigualdades?  Elas são justas?  Como lidar com essas desigualdades? Algumas pessoas entendem que para fazer justiça social basta redistribuir recursos materiais na sociedade. Outras pessoas pensam que é preciso garantir a igualdade de oportunidades para todas as pessoas. E há, também, quem ache que a justiça social exige um certo tipo de reconhecimento das identidades, que não ocorre com a mera distribuição de recursos e oportunidades. É no debate entre essas vertentes que surgem as grandes discussões sobre justiça social. Assim, pensar em justiça social é, de maneira geral, aceitar que a sociedade não precisa ser como é e que desigualdades existem não porque o mundo é assim, ou porque é algo natural, mas porque foram e são feitas escolhas. E se é assim, então a sociedade pode ser diferente. A sociedade pode escolher formas para lidar com as desigualdades, as quais passam pela redistribuição, pelo reconhecimento ou pelas duas coisas juntas.

[10] Augusto Teixeira de Freitas (19 de agosto de 1816 — 12 de dezembro de 1883) foi um jurisconsulto brasileiro,  reconhecido como o jurisconsulto do império. Sua obra constitui objeto de profundos estudos acadêmicos até os dias de hoje, no Brasil e no exterior. É denominado de Jurista Excelso do Brasil. Escreveu o Esboço do Código Civil para o Império do Brasil. Chamou de esboço, pois acreditava que faltava ainda muito para torná-lo um código. Misto de Ulpiano, Cujácio e Savigny, Teixeira de Freitas, adotando uma posição intermediária entre a teoria normativo-intelectualista  e a teoria imperativa ou voluntarista, entendendo a lei como um dever-ser imperativo, não provindo propriamente da vontade do legislador,  mas do que o bem comum exige, delineou tanto no Esboço quanto na Consolidação das leis civis o problema dos valores jurídicos fundamentais.  Uma vez que os valores são o fundamento necessário do dever-ser contido nas normas, a lei só pode ordenar positivamente coisas justas e honestas.

[11] Código instituído pela Lei n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916, também conhecido como Código Beviláqua. Entrou em vigor em janeiro de 1917 e permaneceu vigente no país até janeiro de 2002. Seus 2.046 artigos aparecem divididos em dois grandes blocos: Parte geral e Parte especial. A primeira parte é composta de três livros intitulados: Das pessoas, Dos bens e Dos fatos jurídicos; quatro livros compõem a Parte especial: Do direito de família, Do direito das coisas, Do direito das obrigações e Do direito das sucessões.

O problema de eficácia e da efetividade das normas jurídicas internacionais.

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Autores:

José Luiz Messias Sales. Professor Universitário. Mestre em Direito das Relações Internacionais e a Integração. Advogado. Especialista em Direito Empresarial, Direito Processual Civil. Assessor do Instituto Jamil Sales (IJL).  Autor da obra “Segurança Jurídica dos Contratos Comerciais no Mercosul. As Relações entre Brasil e Uruguai” E-mail: messiassales@terra.com.br

Gisele Leite. Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. 29 Obras Jurídicas publicadas. Presidente da ABRADE-RJ. Consultora IPAE. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ). E-mail: professoragiseleleite@gmail.com

 

Resumo: É sabido que a aplicação de sanções internacionais contam com apoio da ONU e de seu Conselho de Segurança. Em sua de defesa, afirma-se que possibilitam a manutenção da paz e da segurança internacional e, forçam o uso da alternativa diplomática. Porém, é muito questionável tal objetivo seja, verazmente, galgado pois as sanções internacionais, segundo alguns, atingem apenas modestos efeitos e prejudicam a população mais pobre dos países, já que alguns líderes sancionados continuaram no poder, por mais tempo, como foram os casos da Cuba e da Coreia do Norte. Portanto, ainda continua em debate tanto a eficácia como a efetividade das normas internacionais.

Palavras- Chave: Direito Penal Internacional. Sanção Internacional Eficácia das Normas Internacionais. Validade das Normas Internacionais. Direito Internacional Humanitário.

 

É precisar haver maior reflexão doutrinária, principalmente, as relacionadas à contemporaneidade e ao positivismo jurídico atual para introduzir os questionamentos sobre a relação entre política e direito. Enfim, cumpre responder se poderiam juntos, o Direito e a Política prover maior normatividade e eficácia ao Direito Internacional?

E, a partir de contexto teórico busca-se, fixar os parâmetros, para encontrar, possíveis propostas que auxiliem na otimização do funcionamento do Direito Internacional.

Evidentemente, o positivismo jurídico[1] não é a premissa teórica inicial do direito internacional. E, a pretensão científica do positivismo permite a identificação, em suas estruturas teóricas, as bases do vigente direito das gentes. E, qualquer tentativa para se compreender a organização do poder dentro da ordem internacional poderá buscar, nos positivistas, as premissas, que parecem ter se desconectados ao longo da trilha evolutiva.

Apesar de que sobre a natureza jurídica do direito internacional, o debate já esteja superado  e a tônica que sustentava a sua condição política foi muito útil para a devida contextualização de diversos temas contemporâneos que tanto afligem os doutrinadores.

E, ainda que a tradição possa ser entendida como repetitiva e previsível, a leitura de Hans Kelsen e de H.L. Hart tornam-se obrigatórios ao que se propõe. E, revisitar, principalmente, esses dois doutrinadores se mostra indispensável ao entendimento dos contornos do direito das gentes atual.

E, compreender a abordagem positivista do ordenamento normativo internacional serviria, portanto, para facilitar melhor acepção da trajetória da disciplina e do contexto político da conveniência dos Estados na contemporaneidade.

Segundo Jacob Dolinger, a dignidade é o mais antigo valor da humanidade e, também, o mais habitualmente aviltado. Os mitos em torno da declaração universal dos direitos do homem e da Constituição Federal brasileira de 1988. Trabalhar a modernidade sob a ótica positivista para compreender o  momento atual, exige que se verificar as premissas adotadas pelos doutrinadores que buscam superar os esquemas teóricos modernos. E, cabe a ressalva quanto às críticas em relação as paralelos entre a modernidade e o positivismo jurídico[2] e entre a pós-modernidade e pós-positivismo jurídicos.

O pós-positivismo subdividiu-se em duas vertentes, das quais uma buscava na aproximação com a moral a reação filosófica ao legalismo, e a outra centrava-se na realidade do intérprete e na solidificação da norma jurídica como eixos de combate ao positivismo clássico, entretanto o que há de mais comum entre as duas, é a influência da tópica nas suas formulações.

O termo “pós-positivismo” foi introduzindo no Brasil por Paulo Bonavides em 1995, na quinta edição de sua obra intitulada “Curso de Direito Constitucional. E, o pós-positivismo ou não positivismo defende a ideia de que há ou deve haver um relacionamento entre o direito e a justiça (moral). E, sua versão mais ortodoxa é defendida por Alexy e Dworkin, que informam que tal vinculação é necessária, devendo existir, por isso seria a negação do positivismo.

O pós-positivismo é, portanto, e podemos ver no exemplo supracitado, a superação do legalismo, não utilizando de ideias metafísicas como fez o jusnaturalismo, mas admitindo que há valores compartilhados por toda a sociedade e reconhecendo que estes valores devem integrar o sistema jurídico, tanto na sua formulação quanto nas suas decisões.

E, tais paralelos pode produzir um reducionismo imperdoável, mas defende-se, sem restrições, que fogem à mecânica e nos leva para o terreno químico dos líquidos. Nesse sentido, nos socorreremos à Zygmunt Bauman que em sua obra “Modernidade Líquida” nos mostrou o amolecimento da realidade social, política e humana[3].

Existem doutrinadores que argumentam no sentido de que o pós-positivismo, em verdade, seria uma variação do jusnaturalismo. E, Manuel Atienza(2009) é um destes, em seu artigo intitulado “Es el positivismo jurídico una teoría aceptable del derecho” que demonstra uma conexão entre as teses jusnaturalistas e as teorias de Dworkin, Alexy, Carlos Nino e, até Ferrajoli, Luís Prieto Sanchís quando qualificou Dworkin de jusnaturalista.

Lembremos que a concepção do direito de Kelsen conheceu por diferentes fases e, mesmo em sua teoria pura tão famosa, percebe-se que ocorreu amadurecimento entre o original de 194 e sua edição da década de 1960. E, Kelsen é reconhecido como referência da teoria do direito e, também pode ser considerado um internacionalista.

E, não apenas em razão de sua construção monista com a prevalência internacional, mas também, pelos três cursos que ministrou em Haia e, pela nítida  contribuição do direito das gentes à sua teoria geral. Na parte que cuida da ordem internacional, há diferenças notáveis, mas os contornos mais contundentes permanecem.

Em verdade, o positivismo jurídico procura delimitar com nitidez o objeto de estudo de Direito[4] e seus doutrinadores alocam esse estabelecimento de fronteiras no centro de suas estruturações teóricas. E, outras áreas do conhecimento, ainda que sob a perspectiva moderna, não se percebiam como necessariamente isentas das influências externas.

Cabe sublinhar a crítica feita à neutralidade científica tão pretendida principalmente em face da atuação legislativa. Uma teoria pura jurídica não deveria, teoricamente, ocupar-se da formação das normas jurídicas, porque a produção normativa exige, outros elementos valorativos.

Já no pós-positivismo[5] ou neopositivismo, a crítica não se circunscreve à atividade legislativa exercida, ao menos na estrutura interna do poder do Estado, pelo órgão dotado de faculdade legislativa e se estende a órgãos diversos do natural, como o Judiciário, quando exerce sua função concretiva, abandonando a mera extração da normatividade do comando da lei.

Efetivamente, a criação de normas jurídicas guarda elementos valorativos e exige discussão quanto à legitimidade do legislador.

Ao passo que o positivismo buscava fixar requisitos à legitimidade, o pós-positivismo entende ser possível o exercício de concreção revestido de extração de normatividade por meio do reconhecimento de plena normatividade dos princípios[6].

O positivismo jurídico tradicional passa a não ser capaz “de explicar adequadamente a realidade do direito” (FIGUEROA, 2009a, p. 228-229, tradução livre).

Doutrinadores como Robert Alexy (2008b), Ronald Dworkin (2002), Gustavo Zagrebelsky (2007), García Figueroa (2009a) e, entre os nacionais, Paulo Bonavides (2009), Luís Roberto Barroso (2007), André Rufino do Vale (2009), Humberto Ávila (2009)20, entre muitos outros, entendem o direito segundo essa nova perspectiva.

Apesar de não serem linearmente coincidentes seus pensamentos, pode ser identificada uma série de características comuns em suas ideias.

Segundo André Rufino do Vale (2009), há um ponto de convergência entre os autores citados: eles “relativizam a separação ração entre Direito e Moral, admitindo critérios materiais de validade das normas”.

Foi visto que uma das principais críticas ao modelo positivista foi a falta de critérios valorativos para a aplicação da norma, a qual favoreceu, muitas vezes, decisões distantes da justiça ou mesmo absurdas. O pós- -positivismo tenta firmar bases filosóficas para sanar essa problemática, com o escopo de implementar direitos constitucionais a partir da verificação axiológica das normas aplicáveis concretamente.

E, dentro desse contexto interno, a interpretação feita pelo Judiciário plasmada em forma de decisão, em sentença, acórdãos, por exemplo, não se adequa ao plano internacional e ainda cria expectativas de resultados impossíveis a serem fornecidos pelos aplicadores do direito.

Enfim, o direito internacional é fundamentalmente positivista, sendo extremamente dependente da volição dos atores com capacidade legisferante para aperfeiçoar-se. E, as estruturas globais não são mais bem descritas e compreendidas pelo positivismo, mas também, muitas vezes, deste dependem para resistir como jurídicas.

Assim, a pós-modernidade e suas consequências podem ser devastadores para os tribunais internacionais.

Doutrinariamente, segundo Hart, concentra-se na justificação da regra de reconhecimento, Kelsen lançou mão do conceito de sanção e, de forma analítica, descreveu o funcionamento das normas jurídicas.

Em outro sentido, se percebe que a teoria de Hart é mais exemplificativa do que de Kelsen que, em verdade, desde o princípio[7] se circunscreveu aos limites de sua própria teoria. E, não apenas em face dos elementos referidos, mas também da própria estrutura de validade proposta pelos dois doutrinadores, impossível se faz sugerir coesão teórica entre Kelsen e Hart. E, quanto ao direito internacional, essa diferença é explícita na perspectiva que estes têm do voluntarismo na ordem internacional.

O filósofo inglês Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1994), filho de um alfaiate polonês de ascendência alemã, não inova o que já fora escrito a respeito do Direito, apenas reforma outras teorias positivistas de uma forma mais ampliada e sofisticada.

Afirmou que o Direito só pode ser uma prática social que é baseada nos costumes e crenças comuns e deve se estruturar sob este pressuposto, e como tal, oportunizará a todas as pessoas participarem dele, já que todas as pessoas praticam estes costumes e crenças comuns.

Na sua explicação ele aduziu que o direito é constituído por uma família de regras de comportamento. Tais regras são divididas entre dois tipos de regras:

  1. a) Regras primárias que impõe diversos deveres, sempre exigem que os indivíduos daquela sociedade façam ou deixem de fazer algo. Estas regras, diz Hart, existem sem a necessidade de normas ou leis, desde as sociedades primitivas, logo, são bastante frágeis em diversos aspectos. Sozinhas são incertas, estáticas e ineficazes.
  2. b) Além dessas regras primárias, existem as secundárias, que são atributivas de poderes, sejam estes poderes públicos ou privados. E foram criadas para solucionar as fragilidades das regras primárias, são “remédios”. Porém, sem as regras primárias, não haveria o porquê de existir regras secundárias, explica Hart.

A relação das regras secundárias, para Hart, se dá pela seguinte maneira:

Regra de Reconhecimento[8]: É atributiva de validade jurídica, define as competências e acaba com a incerteza das regras primárias. Hoje, a Constituição Federal é um exemplo.

Regra de Alteração / Modificação: Poder investido aos indivíduos para alterar, acabar ou então criar novas regras primárias para aquela sociedade. Acaba com a fraqueza estática das regras primárias. O poder legislativo, de hoje, é o exemplo desta regra de alteração.

Regra de Julgamento: É o poder investido aos seres humanos com competência para decidir, identificando o crime cometido, o indivíduo a ser julgado e o processo a ser seguido. Acaba com a ineficácia das regras primárias. Atualmente, no Brasil, é de responsabilidade do poder judiciário.

Kelsen também entende que as normas se dividem em primárias e secundárias, mas para ele elas possuem conteúdos diferentes.

As primárias prescrevem condutas (nesta prescrição de condutas se inclui as regras secundárias de Hart, que para Kelsen são abrangidas pelas primárias) e as secundárias prescrevem sanções[9] caso se descumpram estas condutas.

Assim como Hans Kelsen, Herbert Hart é um positivista no tocante ao conceito de Direito. Ou seja, entendem que Direito e Moral são estudos distintos. Dessa forma, ele também entende que a lei deve ser verdade na forma e não somente no hábito social.

Apesar de Hart afirmar que a lei não deve naturalizar preconceitos de origem moral, ele reconhece o fato de que a moral orienta decisões em diversos casos, e que Direito e Moral não são totalmente desligados em si e entende que o fundamento da separação não se dá no âmbito jurídico, mas sim, no âmbito social, Hans Kelsen já é mais fechado quanto a este aspecto, para ele o Direito é puro em si mesmo, um sistema de normas.

Se tomarmos como exemplo a homossexualidade, poderemos perceber que o fato dela ser crime em diversos países é resultante dessa carga de preconceitos morais da sociedade que afeta o Direito.

Hart entra em sintonia em gênero, número e grau com Kelsen, quando afirma que a lei se trata de uma regra social, porém, mais que isso, é uma regra jurídica, e como tal apenas a autoridade política-jurídica é capaz de aplicar uma coerção através de uma sanção.

E, o reconhecimento se legitima não pelo medo da sanção, mas pelo respeito às leis, porque entendemos que a lei existe para regular nossa forma de viver, o Direito não impõe uma necessidade, retira esta necessidade da vida social.

As sanções internacionais são ações usadas como forma de expressar desaprovação e punir governos ou organizações estrangeiras, a fim de atingir um objetivo político ou comercial.

Assim, as sanções são impostas como forma de aplicar pressões e, dessa forma, incentivar determinado país a mudar sua postura em relação a alguma ação vista por outros países como um problema, ou consentir com as demandas do sancionador.

As sanções internacionais podem ser de diversos tipos, a saber: sanções diplomáticas que ocorrem quando a ação tomada para expressar a desaprovação com determinada ação de um país é feita não por medidas contra as relações econômicas ou militares, mas através de meios políticos e diplomáticos.

Exemplos são a redução ou remoção de laços diplomáticos, cancelamento ou limitação de visitas governamentais, fechamento de embaixadas, ou ainda, a retirada ou expulsão de missões ou pessoal diplomático.

Sanções militares que são ações que podem ser feitas de forma mais agressiva como um embargo para cortar fornecimento de armamento  a determinado país, ou ações mais agressivas, como a intervenção ou ataques militares.

Sanções desportivas, que busca afetar o país através de ação que prejudique a moral da população da nação afetada. Por exemplo, quando as equipes desportivas de um país são proibidas de participar de eventos esportivos internacionais.

Sanções econômicas que restringem relações comerciais de outras nações com o país punido. Este tipo de sanção pode ser ocorrer na forma de embargo econômico[10], que consiste em restrições de comércio e comercialização dirigidas ou não a setores específicos da atividade econômica.

Exemplos: de sanções econômicas são: a proibição de importação ou exportação de determinadas mercadorias, tais como alimentos e medicamentos; proibição de investimentos no país punido; proibição de prestação de determinados serviços; congelamento de contas bancárias ou outros instrumentos financeiros, como títulos e empréstimos.

Sobre a coerção social, está aí mais uma diferença de Hart com relação à Kelsen, para Hart há a possibilidade de existir norma sem sanção externa e organizada, o que é impossível para Kelsen.

Ora, não se trata de sanção a nulidade de um ato qualquer inerente ao não cumprimento de uma das normas secundária que atribuem poder para tanto. Para Kelsen se não existir sanção na norma pode ser tudo, menos norma jurídica.

Enquanto Kelsen vê a obrigatoriedade da sanção como pressuposto de se conferir validade à norma jurídica, Hart entende que a sanção é extremamente necessária, mas não para conferir validade à norma, e sim para se conferir eficácia a ela.

Afinal, o ceticismo britânico em relação à autoimpositividade das obrigações internacionais, decorrência direta de expressão da vontade e seu foco no reconhecimento, portanto, eminentemente interno, faz o contraponto importante à centralidade da pacta sunt servanda e da sanção na teoria pura do direito.

Enquanto Hart fundamenta a validade da norma em sua obrigatoriedade e transfere ao reconhecimento sua força normativa, regra de reconhecimento, Kelsen vincula o sistema jurídico à sanção, à força da norma sancionadora. Portanto, esse é o esquema básico de validade adotado pelos dois doutrinadores.

Questiona-se se ambas as teorias poderiam ser plenamente aplicáveis à fundamentação do direito internacional. E, teria que se analisar o papel da vontade em cada uma das teorias e à forma como o elemento volitivo afeta as construções teóricas propostas. E, a distinção a ser feita, nesse sentido, refere-se à diferença entre a vinculatividade do direito internacional e a aplicabilidade de suas normas jurídicas.

Segundo Hart, a falta de aplicabilidade das normas jurídicas retiraria o caráter jurídico do direito das gentes. E, segundo esse doutrinador, na década de sessenta, e apesar de toda a institucionalização da ordem global que estava em andamento, o direito internacional seria uma estrutura primitiva, ainda estaria em formação. A adesão dos Estados seria essencial para que se tornasse autenticamente funcional.

Hart fundou sua visão sobre o voluntarismo enquanto Kelsen funda a participação dos Estados no Direito Internacional seria automáticas. Kelsen condicionou a validade da norma à sanção e apontou a guerra e a represália como suficientes ao cumprimento desse requisito teórico pelo Direito Internacional.

Com tal argumento, defende-se o jus cogens que contém elementos de voluntarismo. E, o próprio texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados fez expressa referência à norma sendo aceita e reconhecida pela comunidade internacional e, ainda, conjunta seu caráter imperativo à ampla aderência ao menos tácita aos seus desígnios. (Vide: Artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, Decreto 7.030 de 14 de dezembro de 2009).

A aceitação de regras como obrigatórias a toda comunidade internacional por costume pressupõe, portanto, também a plena aceitação desse comando por aqueles que concentram o poder na ordem internacional.

A teoria do jus cogens, pode bem escamotear determinado desequilíbrio de poder com elementos valorativos capazes de justificar prevalência de visão de mundo ou interesse particular específico como oponível a todos os membros da comunidade internacional.

Dentre os doutrinadores pesquisados, como parâmetro da fundamentação acima, estão: Michel Foucault, Microfísica do Poder. São Paulo: Graal, 2009; “A verdade e as formas jurídicas”. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nau, 2002 e Vigiar e Punir[11], 33ª edição. Petrópolis: Vozes, 2007 e, também René Descartes. Discurso sobre o método. Porto Alegre: L&PM, 2009.

Frise-se que dois elementos devem ser observados com atenção, a partir de tal afirmação. Pois, o primeiro refere-se ao costume como direito internacional geral ou de primeiro escalão, do direito internacional apontado por Kelsen.

A pacta sunt servanda, mais que paradigma vinculante a todo participante da dinâmica de poder na ordem internacional, possui caráter costumeiro impositivo em face de seu aspecto formal que traz maior segurança e previsibilidade às relações existentes entre os sujeitos do Direito Internacional.

Quando certos aspectos relacionados com os direitos humanos são reconhecidos como vinculantes globalmente, questões como a do Tribunal[12] Penal Internacional e aos crimes específicos, tem-se a imposição de certa visão de mundo. Essa imposição, oculta por dados culturais dos aplicadores do direito que não conseguem conceber a existência de visão de mundo diversa.

O reconhecimento de jus cogens material deve ser feito com sinceridade que se defende a assunção de que a construção jurídica que o sustenta e baseia-se em fatores políticos de ampla adesão mundial. A negativa desse fato seria ou ingenuidade ou mera má-fé.

Portanto, qualquer justificação para o jus cogens que se afaste da adesão aproxima os princípios e regras[13] caracterizados como cogentes ao direito natural. E, tal conceito de inerência, por sua vez, vai contra às prospecções positivistas de direito, mesmo sob protestos famosos, segue ainda prevalente na atualidade.

A postura jusnaturalista ainda que fundada em racionalidade e, conseguinte, afastada de premissas metafísicas e que constitui atualmente autêntico exercício de fé e, seus adeptos compõem grupo admirável que parece conseguir racionalmente acreditar na natureza humana.

Sublinhe-se, também, a contundente crítica feita por Martti Koskenniemi, na obra “The politics of international law”. The european journal of international lex.  Esse artigo específico foi objeto de releitura em Koskenniemi vinte anos depois.

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em seu artigo 64, indica a possibilidade de superveniência de comando imperativo e ainda reforça a adesão tácita que fora fixada no artigo 53.

São muitos os detratores da possibilidade de entender o direito internacional apenas sob o prisma formalista do positivismo. E, as críticas ao juspositivismo apontam, suas dificuldade em incorporar preceitos valorativos, e se prende à difícil relação entre o Direito Internacional e a política.

A negação do político no jurídica não se sustenta no plano internacional bem como no direito interno. E, a atenção que deve ter o aplicador de direito cinge-se a implementação do comando jurídico e o excessivo poder nas mãos dos principais atores que concentram a concreção e a efetivação de normas, são apenas exemplos de entraves vistos à negação referida.

Portanto, a política deve ser admitida na análise jurídica da ordem jurídica. O embate de forças na aplicação de regras de direito pode exigir o afastamento de elementos valorativos e sua sobreposição por comandos de forma e de procedimento.

E, o apego excessivo ao procedimento, aproxima o direito internacional de abordagens menos valorativas, as quais se mostram incompatíveis com um sistema de limitada coercibilidade.

Para haver efetivação de sistema de valores esse deve ser dotado de capacidade de coerção que é desafio ainda ser superado e, mesmo o constitucionalismo como o do nosso país e de outros da América Latina ainda enfrentam.

A construção do direito internacional de modo axiológico sem levar em consideração esses elementos, seria transformá-lo em mero exercício de fé.

Sobre o elemento coercitivo que prejudica a construção do direito internacional como um conjunto de normas valorativas, percebe-se que, apesar de avanços e do surgimento de incentivos ao cumprimento das normas, ainda não se aperfeiçoaram completamente mecanismos que se concentrem em reputação e em sanções não violentas.

O desenho da eficácia da norma internacional ainda concentra, portanto, nos estados seus traços mais marcantes. Diferentemente do modelo estatal interno, a vontade do sujeito de direito das gentes é fundamental, portanto, para a produção normativa e para seu cumprimento; daí a maior facilidade que o positivismo tem para administrar a teoria jurídica internacional.

Nesse sentido, é de se perceber que as críticas de Hart ao voluntarismo não excluem determinadas premissas voluntaristas em sua construção teórica.

No que diz respeito aos sujeitos capazes de expressar essa vontade construtora e garantidora do cumprimento das normas, a centralidade cabe ao Estado. Exclusivamente ao Estado, ousa-se afirmar. Por mais que se defenda o compartilhamento do poder entre estados e organizações internacionais, os primeiros ainda preservam protagonismo e prevalecem, em última ratio, em relação às segundas.

A escolha política concretista, não deve ser confundida com mera exegese normativa. E, a extração da normatividade deve ser feita

com fulcro em certos parâmetros para que não haja deslocamento da função legislativa dos que a possuem para órgãos que devem apenas aplicar o direito ou decidir o melhor direito.

E, esse abandono de certas premissas, repercutiu de forma bem contundente, e até mesmo caricata, na proteção do ser humano.

Após a Guerra Fria[14], a ordem internacional passou por período de redemocratização geral, e no plano interno o direito se afastou do positivismo jurídico que sustentavam a fundamentação das regras exclusivamente no plano jurídico, e, apesar de não excluírem definitivamente, afastavam os esquemas de validade da moral.

Nota-se que a aproximação da moralidade ao direito abriu caminho para que a concreção fosse realizada de forma alternativa ao previsto no ordenamento. O poder de concretizar a vontade foi revestido de revelação do melhor direito sob parâmetros axiológicos. O aplicador do direito pôde, então, relativizar o formalmente posto em nome de suposta razão prática que não se reconhecia como decisionismo.

Internamente, a Constituição Brasileira de 1988 foi recebida com entusiasmo e tudo passou a ser possível com fulcro nos princípios[15] centrais de seu texto e, o saldo inicial foi muito positivo e, o entusiasmo foi sedimentado em doutrina e, construído em jurisprudência.

Os órgãos dotados de função de extração de normatividade passaram a exercer concreção quase ilimitada, abusando da textura aberta de grande parte dos direitos fundamentais.

As conquistas foram expressivas, particularmente, no preenchimento de lacunas legislativas e, logo, o órgão com capacidade de julgar passou a exercer a função política aberta e de forma recorrente. E, festejaram-se os julgamentos sobre as pesquisas científicas com embriões humanos e, a igualdade entre a parceria civil.

Julgados recentes que tratam do acesso da Receita Federal aos dados bancários sem autorização judicial e da relativização da presunção de inocência colocaram o sistema constitucional na berlinda.

O decisionismo[16] que exerce a escolha política e concretiza o direito revestindo-se de todo o instrumental teórico “pós-tudista” está, no momento, sob holofotes e pode ser convidado a regressar ao status extrator de normatividade anterior. Trata-se de um momento interessante, sem dúvida.

A ordem internacional se relaciona com a estrutura constitucional interna. E, a descrição dos dilemas constitucionais bem aponta as questões enfrentadas no plano interno, quando disciplinada a proteção do ser humano. E, ainda lança luz sobre o contexto mais complexo e mais adverso que é a imprevisibilidade da política internacional.

O Direito internacional sua eficácia e sua efetividade dependem muito do contexto política e sua influência na positivação das normas internacionais e, na aplicação de sanções internacionais.

Para se admitir o estabelecimento de padrões normativos universais conforma a escolha política e, significa fazer uma faxina nas dinâmicas de poder e, ainda, exige o resgate do formalismo positivista que regulamenta a validade daquilo que se produz a partir dos acordos celebrados.

Quanto aos direitos humanos apesar de regiamente defendidos, é indispensável que tal defesa seja honesta e que implemente validade aos acordos internacionais celebrados.  A aproximação da moral ao direito em contexto global deve ter como base alguma legitimidade voluntarista.

Não se pode olvidar o pós-modernismo, escolhido para ser considerado inerente ou  definitivo e, quando o direito recorrer a positivismo tradicional, e aos esquemas de concreção não permitem a ampla produção normativo através dos instrumentos jurisdicionais.

De toda sorte, não se deve acreditar que as teses valorativas trazem a moralidade ao direito, e não se aplicariam ao direito internacional definitivamente. O que se afirma, é que tais teses exigem maior coesão sobre seus conteúdos de moralidade a ser considerado.

Já no contexto interno, existe em regra, a coesão social capaz de admitir tal abordagem valorativa do direito. Porém, no ordenamento internacional não.

Afinal, coesão moral requer consensos políticos e ainda não são possíveis dentro da dinâmica do poder internacional.

O sistema regional europeu, por exemplo, teve muito sucesso na harmonização dos máximos locais com os mínimos atingidos no consenso regional. Porém, claramente, se vê que apesar de se reconhecer o papel do órgão jurisdicional regional na construção da integração da Europa, os mínimos morais verificados baseiam-se em tratados estruturados como compromissos muito positivistas que vinculam suas partes aderentes.

Os referenciais teóricos de Kelsen[17] e Hart mostram-se absolutamente habilitados e mostram-se capazes de sustentar formulações relacionadas à fundamentação do direito internacional. E, em síntese, sob a perspectiva do participante da ordem global, principalmente do Estado como sujeito por excelência.

Assim, Hart apresentou construção centrada na vontade e vinculada à adesão, ou s seja, à expressão do desejo político de fazer parte, enquanto Kelsen, ao menos no que se refere às bases formais, percebe o sujeito automaticamente submetido à dinâmica política e, ipso facto, ao direito internacional.

E, participar não implica, na teoria de Kelsen, a submissão absoluta e o perfeito funcionamento do sistema. A validade da regra impositiva depende do direito internacional igualmente de sanção, como em sua proposta para o direito em geral, e, na ausência de instituições centrais capazes de coibir os descumprimentos e, da identificação da coerção na guerra e nas represálias.

A dependência que a eficácia – e, também, a efetividade – tem do voluntarismo estatal conduz seu enquadramento teórico com maior facilidade ao positivismo jurídico. O sujeito de direitos não apenas se submete ao conjunto normativo, ele também é responsável pela criação, aplicação, manutenção e cumprimento das regras.

Nas palavras de Hans Kelsen, a “eficácia do Direito significa que os homens realmente se conduzem como, segundo as normas jurídicas, devem se conduzir,  significa que as normas são efetivamente aplicadas e obedecidas”.

Podemos diferenciar também os conceitos de eficácia social e eficácia jurídica. A eficácia jurídica é um conceito formal, segundo o qual uma norma emanada de acordo com o ordenamento jurídico se torna eficaz juridicamente, podendo ser exigida e tornar-se obrigatória. Já a eficácia social existirá quando as  pessoas sujeitas àquela norma de fato a aceitam e obedecem.

Assim, uma norma pode ter eficácia jurídica, mas não eficácia social  como ocorre com diversas e famosas “leis que não pegam” no país.

Nas palavras de Michel Temer na obra “Elementos de Direito Constitucional” eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com  potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos.

Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam.

Kelsen diferencia eficácia e validade: a segunda se refere à obrigatoriedade da norma, ou seja, a uma característica que torna a norma jurídica algo que deve ser obedecido; a primeira refere-se ao fato de que a norma jurídica efetivamente é obedecida.

Numa palavra, “a validade é uma qualidade do Direito; a chamada eficácia é uma qualidade da conduta efetiva dos homens e não, como o uso linguístico parece sugerir, do Direito em si”.

Entretanto, há uma relação entre esses dois conceitos.  Para Kelsen, “uma norma é considerada válida apenas com a condição de pertencer a um sistema de normas, a uma ordem que, no todo, é eficaz”.

Ou seja,  para que uma norma seja válida, ela deve pertencer a um ordenamento jurídico aceito e obedecido pela sociedade (eficaz). A partir do momento em que o  Direito deixa de ser eficaz, a norma também deixa de ser válida.

Robert Alexy entende de maneira similar, ao afirmar que a validade jurídica de um sistema normativo dependerá da eficácia social deste sistema, em termos globais.

Ou seja, para o autor, as normas integrantes de um sistema normativo deixam de ser socialmente eficazes, e assim, juridicamente válidas, “quando já não são observadas ou quando sua não observância deixa de ser punida em termos globais”.

Alexy converge com Kelsen também neste ponto. Para ele, as normas individualmente consideradas não precisam ser infalivelmente aceitas e obedecidas para ter validade jurídica, desde que estejam integradas em um sistema jurídico socialmente eficaz em termos globais.

Porém, poderá ocorrer o fenômeno denominado  “dessuetudo” (sic), “que consiste na perda da validade jurídica de uma norma em razão da redução de sua eficácia abaixo daquele mínimo [de eficácia social ou  de possibilidade de eficácia]”, sendo que esse mínimo de eficácia não é possível de ser fixado de maneira universalmente exata.

  1. L. A. Hart[18] teve um posicionamento oposto a Kelsen e Alexy. Para Hart, não há conexão necessária entre eficácia e validade do direito, “a menos que a norma de reconhecimento do sistema inclua, entre seus critérios (como ocorre com algumas), a condição (às vezes denominada norma de dessuetude) de que nenhuma norma seja considerada como pertencente ao sistema se houver deixado de ser eficaz há muito tempo”.

Hart ponderou, no entanto, que uma desconsideração generalizada pelas normas do sistema (ineficácia do sistema jurídico) torna uma afirmação a respeito da  validade deste sistema uma afirmação sem sentido, por estar fora da realidade daquela sociedade.

Assim sendo, “pode-se dizer que alguém que emite um enunciado interno sobre a validade de uma norma especial de um sistema pressupõe que seja verdadeiro o enunciado factual externo de que, de modo geral, o sistema é eficaz”.

Porém, nem sempre esta regra se aplica, pois “pode ter sentido e nem sempre é inútil” cogitar-se a respeito da validade de uma norma dentro de um sistema ineficaz.

Ele dá como exemplo desta afirmação o modo de ensinar o direito romano como se este sistema ainda fosse eficaz ou estivesse em vigor.

Lembrando que a submissão automática ao sistema, não significa adesão tácita ao conteúdo material do conjunto normativo. O Estado tido como sujeito internacional de direitos e de obrigações por excelência, ainda responde fundamentalmente pela eficácia do direito internacional.

 

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[1] O direito muitas vezes foi responsável por sacrificar um de seus grandes objetivos como a justiça em nome da segurança jurídica. E, a justificativa se encontra na transição da Idade Média para a Moderna, em meados do século XVIII, ao início do século XIX, quando a sociedade reclamava limites ao poder concentrado e ilimitado nas mãos do soberano. Afinal, desejava-se construir barreira aos arbítrios dos reis absolutistas. Lembremos que os movimentos constitucionais modernas que tem origem na Constituição francesa de 1791 e dos Estados Unidos de 1797, trouxe também um mito do sistema jurídico: a lei. Sendo que era o instrumento conformador da liberdade do cidadão e passava a ser considerado o único meio a legitimar a limitação de seus direitos. Apenas a lei válida poderia impor obrigações aos cidadãos. Desta forma, a lei e o primado da soberania popular ganharam tamanha relevância que foram erigidos ao patamar de dogma. O positivismo clássico condensou o pensamento da época, situando a lei no patamar de um comando estratificado, abstrato e absolutamente coercitivo, o que atendia ao repúdio aos desmandos e extravagâncias produzidos pelo absolutismo. A lei tornou-se a expressão suprema de soberania popular, que é considerado o fundamento principal para a criação dos Estados modernos. E, o povo não poderia ser apenas o autor da Constituição, mas tinha de ser o soberano. Assim, a soberania popular ganhou espaço e semântica.

[2] O positivismo, nas palavras de Dworkin (2002), pode ser resumido em três preceitos-chave: (a) acreditar o direito como um conjunto de regras especiais utilizado direta ou indiretamente pela comunidade com o propósito de determinar qual o comportamento será punido ou coagido pelo poder público”, regras essas que são aferidas quanto a sua validade (pedigree); (b) caso não se encontre uma solução dentro do direito (conjunto de regras) para uma determinado fato, o aplicador da norma deve ir além do direito na busca de algum outro tipo de padrão que o oriente na confecção de nova regra jurídica ou na complementação de uma regra jurídica já existente; e (c) dizer que “alguém tem uma ‘obrigação jurídica’ é dizer que seu caso se enquadra em uma regra jurídica válida que exige que ele faça ou se abstenha de fazer alguma coisa. (…) Na ausência de tal regra jurídica válida não existe obrigação jurídica”.

[3] Em “Cegueira Moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida” (2014), Zygmunt Bauman, o maior pensador social contemporâneo, junto com o filósofo e professor de ciência política da Lituânia, Leonidas Donskis, fazem uma análise brilhante desse novo mal que assola nossa época e nos anestesia perante o sofrimento alheio. Uma leitura fundamental e de grande interesse para todos aqueles que se preocupam com as mudanças mais profundas que, silenciosamente, moldam a vida dos homens na modernidade líquida, uma modernidade que retrata tanto fenômenos compostos de aparência, quanto desprovidos de referências. Salve-se quem puder” é o lema atual, cuja vida política se desloca para os bastidores e os nossos líderes são fantoches desrespeitosos e incrédulos por uma multidão que se veste de indiferença para sobreviver à violência da qual não apenas faz parte, como contribui para sua existência. Impedido de assumir uma postura ética diante dos devaneios atuais, distante de suas premissas mais básicas do viver, o cidadão atual nada mais é do que uma ilha isolada defendendo seus interesses, tão pouco apropriados pelo próprio sujeito que o defende, visto que ele nada mais é do que um representante inócuo de uma massa produzida e manipulada pelos meios de comunicação.

[4]  O positivismo jurídico é então entendido como ciência da legislação positiva, que “pressupõe uma situação histórica concreta: a concretização da produção jurídica em uma só instância constitucional, a instância legislativa” (ZAGREBESLKY, 2007, p. 33, tradução livre). Seu significado supõe uma redução de tudo o que pertence ao mundo jurídico, à lei, incluindo os direitos e a justiça, simplificação que concebe o trabalho dos juristas como mero serviço da lei, com a busca pura e simples da vontade do legislador.

[5] Com o crescimento do pós-positivismo um novo pensamento jusfilosófico entra em cena para impor limites valorativos ao aplicador do direito com uma pretensão de correção do sistema. Esses limites se traduziram absurdamente necessários após as barbáries do Nazismo e do Fascismo justificadas em nome da lei, daí passou-se a ter a concepção que era de imensa necessidade a elaboração de um novo direito constitucional capaz de abranger valores humanitários para resguardar vidas e princípios de amplo interesse social, pois o positivismo jurídico não era mais capaz de explicar adequadamente a realidade do direito, e o pós positivismo iniciou sua trajetória guardando uma referência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as ideias de justiça e de legitimidade.

[6] O princípio da razoabilidade (proporcionalidade) permite invalidar atos quando não haja adequação entre o fim perseguido e o meio empregado, a medida não seja exigível ou necessária havendo caminho para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual e quando não há proporcionalidade em sentido estrito. Já o princípio da dignidade da pessoa humana, apesar de se exteriorizar mais subjetivamente que os outros, trata-se de um conjunto humanitário de percepções da realidade alheia que tende a tentativa de políticas e decisões para preservação ou chances na busca pelo “mínimo existencial”, tal expressão é razoavelmente dita tendo dentro dela elementos como: renda mínima, saúde básica e educação fundamental, além do acesso à justiça.

[7] Os princípios não são mais fontes secundárias, como previa o art. 4º da LICC, porém fontes primárias capazes de regular condutas. Em outras palavras, o pós-positivismo pode ser encarado como a concepção teórica do neoconstitucionalismo,  pois permite repensar alguns alicerces jurídicos, como a teoria da norma, a teoria das fontes, a teoria da interpretação, etc. A teoria da interpretação alcança novo status ao receber influência da filosofia do direito: “a tópica (e a retomada em se pensar o estudo dos casos a partir de problemas neles suscitados), a hermenêutica (e todos os métodos de interpretação conhecidos e incrementados  pela metodologia constitucional contemporânea) e a argumentação jurídica (no tocante à justificação do intérprete)” (MOREIRA, 2009, p. 218).

[8] A regra de reconhecimento é responsável pela identificação de quais regras de obrigação serão unificadas de modo a não evitar dúvidas sobre sua aplicabilidade. Ela é um fato, e não uma presunção, como em Kelsen. É uma regra secundária que informa como os juízes reconhecem a norma válida. Há ainda as regras de alteração que permitem a inserção de novas regras primárias no sistema e as regras de julgamento identificam que indivíduos devem julgar e qual as regras processuais para tanto.

[9] Os Estados Unidos e o Reino Unido também divulgaram mais medidas contra a Rússia, já que os líderes de ambas as nações condenaram as ações do presidente russo, Vladimir Putin. A Rússia já está, de certa forma, pagando o preço por sua agressão, com as ações e a moeda do país despencando nesta semana após a decisão anterior de Putin de ordenar tropas para o leste da Ucrânia. Desde 24.02.2022, o principal índice MOEX da Rússia fechou em queda de 33%, enquanto o rublo caiu para uma baixa recorde, em queda de 7% em relação ao dólar americano. Ele se recuperou na sexta-feira, sendo negociado a 84,7 em relação ao dólar americano. A Ucrânia também está pedindo ao Ocidente que proíba a Rússia da SWIFT, a rede de alta segurança que facilita pagamentos entre 11.000 instituições  financeiras em 200 países. E, no início da semana, a Alemanha interrompeu a certificação do gasoduto Nord Stream 2 após as ações de Moscou.

[10] O caso mais conhecido de sanção internacional é o imposto pelos EUA à Cuba. O conflito entre os dois países começou em 1959, quando o movimento revolucionário cubano depôs o Presidente Fulgêncio Batista, aliado do governo estadunidense, e mais tarde, em 1961, impôs o sistema socialista em Cuba. O embargo econômico a Cuba começou em 1962, quando EUA proibiram que qualquer país mantivesse relações comerciais, financeiras ou econômicas com a ilha. O objetivo era fazer que a privação de acesso aos bens de consumo, forçassem a queda de Fidel Castro. Em 2013, Cuba e os EUA começaram uma reaproximação, apesar de que o embargo econômico continuava vigorando e, não havia previsão de mudança. Já que o fim do embargo depende de aprovação do Congresso norte-americano.

[11] “Vigiar e Punir” foi publicado por Michel Foucault em 1975. Esta é uma das obras mais famosas do filósofo francês e trata profundamente da questão da disciplina e do poder no mundo moderno. Também se debruça com cuidado sobre a importante mudança de estratégia que abandonou a punição em troca da vigilância constante e reguladora. A pergunta que atravessa todo o Vigiar e Punir é: por que a prisão?  Por que a sociedade capitalista fez as instituições penais desempenharem o papel de encarcerar? Quais são suas causas e seus efeitos? Esta série trata minuciosamente de cada capítulo do livro. Foucault analisa as técnicas de disciplina e vigilância que se espalharam de maneira gradual e imperceptível pela sociedade ao longo do séc. XVIII e XIX.

[12] Em relação às leis de Nuremberg, em nome da lei o direito foi utilizado para a realização de barbáries e atrocidades. O mundo não mais aceitava o império de uma lei tirânica. Alguns parâmetros morais de justiça precisavam ingressar no direito, visto que somente os critérios formais de validade não eram suficientes. Com isso, surge o movimento de aproximação do Direito com a moral, o pós-positivismo.

[13] Há, na teoria dworkiana, uma distinção crucial entre regras e princípios, dado que os princípios, ao contrário das regras, não indicam as consequências jurídicas que se seguem à realização das condições que estão previstas, mas exercem um peso na decisão judicial, que não se dá a partir de uma relação all or nothing. As regras, pois, hão de encontrar sustentação nos princípios, expressam-nos.

[14] A Guerra Fria (1947-1989) foi o confronto ideológico, político,  econômico e militar entre os dois blocos internacionais formados  no fim da Segunda Guerra Mundial: o capitalista – liderado pelos  Estados Unidos e o socialista encabeçado pela URSS. Foram anos de tensão que duraram até a queda do Muro de Berlim, em 1989, momento que simbolizou também o enfraquecimento do bloco socialista. A URSS foi oficialmente dissolvida em 26 de dezembro de 1991.

[15]  No positivismo, os princípios têm uma natureza supletiva ou interpretativa, diferentemente da fase jusnaturalista anterior, em que eles poderiam regular a conduta das pessoas. Nas palavras de Mamari Filho (2005, p. 17), a natureza dos princípios gerais é eminentemente supletiva, integradora, na

medida em que se admite que o sistema de leis (positivas) é incapaz de regular todas as situações havidas na vida cotidiana”.

[16] Em Filosofia, é a teoria elaborada pelo filósofo e jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985), um dos teóricos do nazismo, segundo a qual em épocas de crise a desordem só se transforma em ordem por meio da decisão absoluta, que tem primazia sobre a ordem. Nas palavras de Schmitt: “Para o jurista de tipo decisionista a fonte de todo o ‘direito’,  isto é de todas as normas e os ordenamentos sucessivos, não é o comando enquanto comando,  mas a autoridade ou soberania de uma decisão final, que vem tomada junto com o comando”.

[17] Para Kelsen, o Direito só é útil porque o Estado tem o monopólio da violência, o monopólio do poder de coerção por parte deste Estado. Poder de fazer valer a própria vontade. Toda norma imputa uma coerção, mesmo que tacitamente. Após a análise das duas teorias, a teoria de Herbert Hart parece ser mais lógica do que a de Hans Kelsen, pois municia o Direito de outros fatores como a Moral, e não acha que a Teoria do Direito não tem como ser observada em sua “pureza metodológica” como preconiza o Kelsen. Para Hart, o Direito é uma prática social e a razão da existência dele se deve por nossos costumes e crenças comuns. Logo é mais próxima da sociedade, e é construída a partir do que já é comum na sociedade. Fora o fato de que Hart, ao contrário de Kelsen, imagina que o Direito é histórico, ou seja, acompanha os fatos sócias, evolui historicamente, real.

[18] Para Hart, se o agente não for punido, não há uma falha na obrigatoriedade de se cumprir a norma, há uma falha na eficácia desta norma enquanto determinadora de condutas sócias. Enquanto, conforme dito anteriormente, para Kelsen esta falha na coerção representa uma norma inválida, já que não se aplica. Logo, para Hart, a coerção da norma é um elemento exterior a ela, desvinculado à norma, que é importantíssimo, mas que, se não existente, não retirará a obrigatoriedade de se adequar a conduta individual a norma jurídica, por parte dos indivíduos. Por esta visão, Hart entende que Moral pode fazer parte do Direito, já Kelsen entende que não há juízo de valor, que para o indivíduo atender as ordens jurídicas, não é cientificamente responsabilidade do estudo do Direito, é talvez, estudo da Moral. Para Kelsen precisa-se haver um fato concreto para se ter como base a obrigatoriedade. E para Hart, a norma é cumprida porque é obrigatória moralmente. O respeito à norma vem porque ela é considerada válida, já que está de acordo com as crenças cotidianas.

 

STJ: Definição de regime de bens em união estável por escritura pública não retroage; especialistas comentam

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Por maioria de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ concluiu que a definição de regime de bens em união estável por escritura pública não retroage. O entendimento é de que a escolha do regime de comunhão de bens em uma união estável por contrato escrito produz efeitos ex nunc, e cláusulas que estabeleçam a retroatividade desses efeitos são inválidas.

A Corte deu provimento a um recurso especial para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso – TJMT. Em segundo grau, o entendimento havia sido pela retroatividade da escolha do regime de comunhão de bens feita pelo casal.

No caso dos autos, os companheiros oficializaram a união estável em janeiro de 2008, com definição do regime de separação total de bens. O documento incluiu cláusula segundo a qual seus efeitos retroagiriam desde a data em que passaram a morar juntos, em maio de 2000.

Após a separação, um deles pediu a partilha igualitária dos bens e ajuizou ação para anular a parte do contrato de união estável que previa a retroatividade do regime nele estabelecido. A demanda foi julgada improcedente pelas instâncias ordinárias.

Para a Quarta Turma do STJ, a definição de um novo regime durante o curso da união estável altera a situação de comunhão parcial de bens – motivo pelo qual não pode retroagir. Segundo o ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do caso, “no período anterior à celebração do contrato, deve vigorar o regime legal da comunhão parcial de bens”.

A posição do relator foi acompanhada pelos ministros Luís Felipe Salomão, Marco Buzzi e Maria Isabel Gallotti. A ministra acrescentou em voto-vista que a alteração do regime de bens durante a união estável depende de autorização judicial, nos moldes do que prevê o § 2º do artigo 1.639 do Código Civil.

Para o ministro Raul Araújo, que teve voto vencido, se a união estável se iniciou e perdurou até o momento em que, pela primeira vez, o casal decide adotar um regime de comunhão de bens, então não se trata de alteração do mesmo. Logo, é possível conferir efeitos retroativos a essa posição.

AREsp 1.631.112

“Decisão vai contra os desejos e a boa-fé da maioria”, diz especialista

A tabeliã de notas Priscila Agapito, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, lembra que o entendimento já vinha sendo aplicado há algum tempo nos  tabelionatos brasileiros, e avalia a decisão com reservas. “Ao levar em conta a minha experiência de mais de 20 anos na lida diária com esses casais (que celebram este tipo de pacto no cartório), sinto que a decisão vai contra os desejos e a boa-fé da maioria deles.”

“A união estável é situação de fato. A lei sempre previu a informalidade e é assim que a maioria dos casais vive. Ao perceberem que há a necessidade de formalizarem a relação por um contrato, por qualquer motivo que seja (uma inclusão no plano de saúde, no clube, ou em uma previdência) são surpreendidos ao dizermos pra eles que só podem pactuar daqui para frente, que o regime livremente escolhido (maioria das vezes o da separação total de bens) só poderá valer doravante”, explica a especialista.

Priscila destaca que a lei não exige contrato escrito, mas exige advogado para a dissolução. “Na cabeça do povo leigo, é um contrassenso. Eles sempre se assustam quando dizemos isso. Pois, atualmente, não há muita diferença palpável entre a união estável e o casamento.”

“Essas novidades do CPC de 2015 não foram ainda bem assimiladas pela população. Posso garantir que em 90% dos casos não existe nenhuma má-fé do casal ao querer definir o regime retroativamente. É apenas por uma questão de segurança jurídica que desejam isso. Contudo, não podemos mais vender isso no tabelionato”, detalha a tabeliã.

Liberdade efetiva de escolha

Segundo a especialista, a saída encontrada por muitos casais é fazer um instrumento particular com data retroativa, “perfazendo uma indesejável fraude”. “Não seria muito mais lógico que houvesse liberdade efetiva de escolha? Com consequências práticas de ineficácia apenas em casos comprovados de fraude a terceiros?”, questiona.

Ela acrescenta: “Penso que está na hora de voltarmos um pouco ao tempo em que havia liberdade real de escolha. Neste aspecto, creio que a jurisprudência evoluiu mal, pois despeja na união estável uma série de formalidades que só caberiam no casamento”.

Priscila Agapito prevê um esvaziamento cada vez maior do instituto devido ao excesso de regulação estatal, e um aumento do número de instrumentos particulares, quando existentes, pelos motivos já expostos. “As regras não estão claras no jogo. Como não há um prazo preestabelecido para a configuração da união estável, não há como se dizer, com certeza, quando ela começou.”

“É um requisito subjetivo e empírico. Então, a partir de qual momento se daria a alteração de regime de bens? Toda união estável começa então a ser regida pela comunhão parcial e precisa de alteração judicial para transmutar o regime? Se não é possível frisar qual o primeiro dia de uma união estável e nesse mesmo dia estabelecer o regime desejado, como resolver a questão? Infelizmente, judicializando-a”, avalia a tabeliã.

Para a especialista, “seria muito mais inteligente permitir que o casal, de boa-fé, estabelecesse os parâmetros reais, diante de um tabelião de notas, com a fé pública e os cuidados e seguranças que uma escritura inspira, e, qualquer coisa diferente disso que fosse alegada, posteriormente, seria interpretada como utilização da própria torpeza”.

Tendência que não é nova

Na opinião do juiz Rafael Calmon, membro do IBDFAM, a decisão segue uma tendência que não é nova. “Há muitos anos a Corte já vem decidindo dessa mesma forma, mostrando que o seu entendimento se mostra íntegro, coerente e estável a esse respeito.”

“Ao contrário do que acontece no casamento, na união estável há uma informalidade muito grande. E para que a coisa não descambe para um ‘vale tudo’, deve ter algum regramento”, observa o magistrado.

O juiz ressalta que a lei exige que seja um contrato escrito, mas não exige que seja feito com escritura pública ou que haja um processo. “Não exige nada mais nada menos do que seja um documento escrito, o que quer dizer que pode ser feito por instrumento particular e mesmo no curso de um relacionamento já existente”.

FONTE:  IBDFAM, 10 de março de 2022.

STJ: Definição de regime de bens em união estável por escritura pública não retroage; especialistas comentam

Por maioria de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ concluiu que a definição de regime de bens em união estável por escritura pública não retroage. O entendimento é de que a escolha do regime de comunhão de bens em uma união estável por contrato escrito produz efeitos ex nunc, e cláusulas que estabeleçam a retroatividade desses efeitos são inválidas.

A Corte deu provimento a um recurso especial para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso – TJMT. Em segundo grau, o entendimento havia sido pela retroatividade da escolha do regime de comunhão de bens feita pelo casal.

No caso dos autos, os companheiros oficializaram a união estável em janeiro de 2008, com definição do regime de separação total de bens. O documento incluiu cláusula segundo a qual seus efeitos retroagiriam desde a data em que passaram a morar juntos, em maio de 2000.

Após a separação, um deles pediu a partilha igualitária dos bens e ajuizou ação para anular a parte do contrato de união estável que previa a retroatividade do regime nele estabelecido. A demanda foi julgada improcedente pelas instâncias ordinárias.

Para a Quarta Turma do STJ, a definição de um novo regime durante o curso da união estável altera a situação de comunhão parcial de bens – motivo pelo qual não pode retroagir. Segundo o ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do caso, “no período anterior à celebração do contrato, deve vigorar o regime legal da comunhão parcial de bens”.

A posição do relator foi acompanhada pelos ministros Luís Felipe Salomão, Marco Buzzi e Maria Isabel Gallotti. A ministra acrescentou em voto-vista que a alteração do regime de bens durante a união estável depende de autorização judicial, nos moldes do que prevê o § 2º do artigo 1.639 do Código Civil.

Para o ministro Raul Araújo, que teve voto vencido, se a união estável se iniciou e perdurou até o momento em que, pela primeira vez, o casal decide adotar um regime de comunhão de bens, então não se trata de alteração do mesmo. Logo, é possível conferir efeitos retroativos a essa posição.

AREsp 1.631.112

“Decisão vai contra os desejos e a boa-fé da maioria”, diz especialista

A tabeliã de notas Priscila Agapito, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, lembra que o entendimento já vinha sendo aplicado há algum tempo nos  tabelionatos brasileiros, e avalia a decisão com reservas. “Ao levar em conta a minha experiência de mais de 20 anos na lida diária com esses casais (que celebram este tipo de pacto no cartório), sinto que a decisão vai contra os desejos e a boa-fé da maioria deles.”

“A união estável é situação de fato. A lei sempre previu a informalidade e é assim que a maioria dos casais vive. Ao perceberem que há a necessidade de formalizarem a relação por um contrato, por qualquer motivo que seja (uma inclusão no plano de saúde, no clube, ou em uma previdência) são surpreendidos ao dizermos pra eles que só podem pactuar daqui para frente, que o regime livremente escolhido (maioria das vezes o da separação total de bens) só poderá valer doravante”, explica a especialista.

Priscila destaca que a lei não exige contrato escrito, mas exige advogado para a dissolução. “Na cabeça do povo leigo, é um contrassenso. Eles sempre se assustam quando dizemos isso. Pois, atualmente, não há muita diferença palpável entre a união estável e o casamento.”

“Essas novidades do CPC de 2015 não foram ainda bem assimiladas pela população. Posso garantir que em 90% dos casos não existe nenhuma má-fé do casal ao querer definir o regime retroativamente. É apenas por uma questão de segurança jurídica que desejam isso. Contudo, não podemos mais vender isso no tabelionato”, detalha a tabeliã.

Liberdade efetiva de escolha

Segundo a especialista, a saída encontrada por muitos casais é fazer um instrumento particular com data retroativa, “perfazendo uma indesejável fraude”. “Não seria muito mais lógico que houvesse liberdade efetiva de escolha? Com consequências práticas de ineficácia apenas em casos comprovados de fraude a terceiros?”, questiona.

Ela acrescenta: “Penso que está na hora de voltarmos um pouco ao tempo em que havia liberdade real de escolha. Neste aspecto, creio que a jurisprudência evoluiu mal, pois despeja na união estável uma série de formalidades que só caberiam no casamento”.

Priscila Agapito prevê um esvaziamento cada vez maior do instituto devido ao excesso de regulação estatal, e um aumento do número de instrumentos particulares, quando existentes, pelos motivos já expostos. “As regras não estão claras no jogo. Como não há um prazo preestabelecido para a configuração da união estável, não há como se dizer, com certeza, quando ela começou.”

“É um requisito subjetivo e empírico. Então, a partir de qual momento se daria a alteração de regime de bens? Toda união estável começa então a ser regida pela comunhão parcial e precisa de alteração judicial para transmutar o regime? Se não é possível frisar qual o primeiro dia de uma união estável e nesse mesmo dia estabelecer o regime desejado, como resolver a questão? Infelizmente, judicializando-a”, avalia a tabeliã.

Para a especialista, “seria muito mais inteligente permitir que o casal, de boa-fé, estabelecesse os parâmetros reais, diante de um tabelião de notas, com a fé pública e os cuidados e seguranças que uma escritura inspira, e, qualquer coisa diferente disso que fosse alegada, posteriormente, seria interpretada como utilização da própria torpeza”.

Tendência que não é nova

Na opinião do juiz Rafael Calmon, membro do IBDFAM, a decisão segue uma tendência que não é nova. “Há muitos anos a Corte já vem decidindo dessa mesma forma, mostrando que o seu entendimento se mostra íntegro, coerente e estável a esse respeito.”

“Ao contrário do que acontece no casamento, na união estável há uma informalidade muito grande. E para que a coisa não descambe para um ‘vale tudo’, deve ter algum regramento”, observa o magistrado.

O juiz ressalta que a lei exige que seja um contrato escrito, mas não exige que seja feito com escritura pública ou que haja um processo. “Não exige nada mais nada menos do que seja um documento escrito, o que quer dizer que pode ser feito por instrumento particular e mesmo no curso de um relacionamento já existente”.

FONTE:  IBDFAM, 10 de março de 2022.

Bem de família de fiador pode ser penhorado para quitar dívida de aluguel comercial, decide STF

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Prevaleceu o entendimento de que deve ser respeitada a livre iniciativa do locatário e a autonomia de vontade do fiador, que, de forma livre e espontânea, garantiu o contrato.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contratos de locação residenciais e comerciais. A decisão foi tomada na sessão virtual concluída nesta quarta-feira (8/3), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1307334, com repercussão geral (Tema 1.127).

O recurso foi interposto por um fiador contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que confirmou a penhora de seu único imóvel, dado como garantia de um contrato de locação comercial. No STF, ele defendia que o direito constitucional à moradia deve se sobrepor à execução da dívida de aluguel comercial. Também sustentava que a tese fixada pelo STF no julgamento do RE 612360, com repercussão geral (Tema 295), no sentido da constitucionalidade da penhora de bem de família do fiador de contrato de locação, deve ser aplicada apenas aos contratos de locação residencial.

Livre iniciativa

Prevaleceu, no julgamento, o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, pelo desprovimento do recurso. Para o ministro, o direito à moradia, inserido na Constituição Federal entre os direitos sociais, não é absoluto. Ele deve ser sopesado com a livre iniciativa do locatário em estabelecer seu empreendimento, direito fundamental também previsto na Constituição Federal (artigos 1º, inciso IV e 170, caput), e com a autonomia de vontade do fiador, que, de forma livre e espontânea, garantiu o contrato.

Para o relator, a impenhorabilidade do bem de família do fiador de locação comercial causaria grave impacto na liberdade de empreender do locatário, já que, entre as modalidades de garantia que podem ser exigidas, como caução e seguro-fiança, a fiança é a mais usual, menos onerosa e mais aceita pelos locadores. Além disso, deve ser garantido ao indivíduo o direito de escolher se manterá a impenhorabilidade de seu bem de família, conforme a regra geral da Lei 8.009/1990, que dispõe sobre a matéria, ou se será fiador, consentindo expressamente com a constrição de seu bem no caso de inadimplemento do locatário. “A livre iniciativa não deve encontrar limite no direito à moradia quando o próprio detentor desse direito, por sua própria vontade, assume obrigação capaz de limitar seu direito à moradia”, afirmou.

Ele destacou, ainda, que, nos aluguéis comerciais, muitas vezes o fiador é o próprio sócio da pessoa jurídica afiançada, especialmente em se tratando de micro e pequena empresa. Assim, o empreendedor pode liberar seu capital financeiro para investi-lo no próprio negócio, enquanto o fiador, também sócio, escolhe seu direito de empreender, ciente de que seu próprio bem de família poderá responderá pela dívida. “Trata-se de decisão sua, em livre exercício de sua autonomia privada”, apontou.

Lei do Inquilinato

Outro ponto observado pelo relator é que a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991) não faz distinção entre fiadores de locações residenciais e comerciais em relação à possibilidade da penhora do bem de família. Em seu entendimento, criar distinção onde a lei não distinguiu violaria o princípio da isonomia, pois o fiador de locação comercial manteria incólume seu bem de família, enquanto o de locação residencial poderia ter seu imóvel penhorado.

O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Roberto Barroso, Nunes Marques, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz Fux (presidente).

Prevalência

Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, que votaram pelo provimento do recurso. Para essa corrente, o bem de família do fiador de contrato de locação não residencial é impenhorável. Na avaliação do ministro Fachin, primeiro a divergir, o direito constitucional à moradia deve prevalecer sobre os princípios da livre iniciativa e da autonomia contratual, que podem ser resguardados de outras formas.

Tese

A tese de repercussão geral proposta pelo relator é a seguinte: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial”.  AD, AR//CF

FONTE:  STF, 09 de março de 2022.

Pesquisa Pronta destaca indenização por erro médico e registro de veículos de conselhos profissionais

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​A página da Pesquisa Pronta divulgou sete entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência, a nova edição aborda, entre outros assuntos, o prazo prescricional da ação de indenização por erro médico e o registro de veículos de conselhos de fiscalização profissional como oficiais.

O serviço tem o objetivo de divulgar as teses jurídicas do STJ mediante consulta, em tempo real, sobre determinados temas, organizados de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).

Direito processual penal – Recursos

Admissibilidade recursal. Interposição simultânea do recurso cabível e de habeas corpus.

“A Terceira Seção desta corte tem entendido admissível o manejo concomitante de habeas corpus e de apelação criminal perante os tribunais de segundo grau, desde que o pedido formulado no writ seja diverso do objeto do recurso próprio e reflita mediatamente na liberdade do paciente. Precedentes: AgRg no HC 548.976/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 02/06/2020, DJe 15/06/2020; HC 482.549/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 11/03/2020, DJe 03/04/2020.” Rcl 42.455/DF, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 23/02/2022, DJe 25/02/2022.

Direito do consumidor – Prescrição

Prescrição. Ação de indenização por erro médico.

“[..] a ação proposta para cobrança de indenização por erro médico está submetida ao prazo prescricional de cinco anos, conforme estabelecido no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, os seguintes julgados: AgRg no AREsp n. 626.816/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 07/06/2016, DJe 10/06/2016; AgRg no AREsp n. 792.009/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 1º/03/2016, DJe 7/3/2016.”

AgInt no AREsp 1.381.799/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 06/06/2019, DJe 14/06/2019.

Direito civil – Posse

Ação de reintegração de posse por inadimplemento em contrato de arrendamento residencial.

“É cabível o ajuizamento de ação de reintegração de posse pela instituição financeira quando houver o inadimplemento de parcelas previstas em contrato de arrendamento residencial, nos termos da Lei n. 10.188/2001. […] O inadimplemento de parcelas em contrato de arrendamento residencial previsto na Lei n. 10.188/2001 autoriza a instituição financeira arrendante a ingressar com ação de reintegração de posse.”

AgInt no AREsp 1.325.132/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/08/2020, DJe 31/08/2020.

Direito administrativo – Anistia política

Anistiado político. Notificação genérica da revisão da anistia.

“Se a notificação endereçada ao anistiado não especificou, conforme legalmente exigido (art. 26, § 1º, VI, da Lei n. 9.784/1999), os fatos e fundamentos de que deveria se defender, ante a possibilidade de perder a condição de anistiado político, daí resultando inequívoco vício de forma, ocasionador da nulidade do processo administrativo.”

AgInt no MS 26.315/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 09/02/2022, DJe 16/02/2022.

Direito tributário – Contribuição previdenciária

Contribuição previdenciária patronal. Base de cálculo. Valores retidos a título de imposto de renda e de contribuição previdenciária do empregado.

“O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1.902.565/PR, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 07/04/2021, fixou que o montante retido a título de contribuição previdenciária compõe a remuneração do empregado, de modo que deve integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, da contribuição ao SAT/RAT (art. 22, II, da Lei n. 8.212/1991) e das contribuições sociais devidas a terceiros.”

AgInt no REsp 1.948.777/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 14/02/2022, DJe 16/02/2022.

Direito civil – Família

União estável. Regime de bens segundo a idade dos companheiros.

“Firmou o STJ o entendimento de que, ‘por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta’ (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010). […] A Segunda Seção do STJ, em releitura da antiga Súmula n. 377/STF, decidiu que, ‘no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição’ EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018), ratificando anterior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1.171.820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015)”

REsp 1.922.347/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 07/12/2021, DJe 01/02/2022.

Direito administrativo – Atividades profissionais

Conselhos de fiscalização profissional. Registro de veículos de sua propriedade como oficiais.

“Não há autorização legal para registrar como oficiais os veículos de conselhos de fiscalização profissional, que possuem natureza autárquica e compõem a administração pública indireta.”

AgInt no REsp 1.920.228/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 04/10/2021, DJe 06/10/2021.

FONTE:  STJ,  10 de março de 2022.

Credor de dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel pode optar por execução judicial ou extrajudicial

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​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o credor de dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel não está obrigado a promover a execução extrajudicial do seu crédito, podendo optar pela execução judicial integral, desde que o título que dá lastro à execução seja dotado de liquidez, certeza e exigibilidade.

O entendimento foi firmado pelo colegiado, por unanimidade, ao confirmar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que negou o pedido de uma empresa para extinguir ação de execução, sem julgamento de mérito, sob o argumento de excessiva onerosidade da via eleita pelo credor.

O TJSP entendeu que, embora haja previsão de procedimento específico de execução extrajudicial no caso de dívida garantida por alienação fiduciária, nos termos da Lei 9.514/1997, o exequente tem a opção de escolher o meio que lhe parecer mais adequado na busca pela satisfação do crédito.

No recurso especial apresentado ao STJ, a empresa devedora alegou que o credor optou pelo meio de execução mais gravoso, contrariando a legislação, pois, havendo mecanismo célere e eficaz para a satisfação extrajudicial do crédito, nada justificaria o procedimento judicial.

Dívida lastreada em título executivo extrajudicial

O relator, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que o caso diz respeito a execução lastreada em Cédula de Crédito Bancário (CCB). De acordo com o magistrado, a CCB – desde que satisfeitas as exigências do artigo 28, parágrafo 2º, I e II, da Lei 10.931/2004, de modo a lhe conferir liquidez e exequibilidade, e desde que preenchidos os requisitos do artigo 29 da mesma lei – é título executivo extrajudicial.

No entanto, acrescentou, o credor tem o direito de optar por executar o seu crédito de maneira diversa do estabelecido na Lei 9.514/1997, e isso não é alterado pela constituição de garantia fiduciária relacionada ao financiamento instrumentalizado por meio de CCB.

“Só o fato de estar a dívida lastreada em título executivo extrajudicial e não haver controvérsia quanto à sua liquidez, certeza e exigibilidade, ao menos no bojo da exceção de pré-executividade, é o quanto basta para a propositura da execução, seja ela fundada no artigo 580 do Código de Processo Civil de 1973, seja no artigo 786 do Código de Processo Civil de 2015“, afirmou.

Credor pode exigir saldo remanescente

Ao negar provimento ao recurso especial, o relator observou que, na hipótese de alienação extrajudicial do bem dado em garantia, o credor fiduciário não está impedido de exigir o saldo remanescente se o produto obtido com a venda não for suficiente para a quitação integral do seu crédito.

“O remanescente da dívida apenas não estará mais garantido ante o desaparecimento da propriedade fiduciária, o mesmo ocorrendo na hipótese de não haver interessados em arrematar o bem no segundo leilão”, declarou.

Villas Bôas Cueva destacou que tem prevalecido no âmbito do STJ a interpretação de que a extinção da dívida acontece apenas em relação à parcela garantida pela propriedade fiduciária, tendo o credor a possibilidade de cobrar do devedor o valor remanescente.

“A despeito das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da possibilidade de cobrança do saldo remanescente da dívida após a execução extrajudicial, ao credor fiduciário é dada a faculdade de executar a integralidade de seu crédito judicialmente, desde que o título que dá lastro à execução seja dotado de todos os atributos necessários – liquidez, certeza e exigibilidade”, concluiu o ministro. REsp 1.965.973.

FONTE: STJ, 10 de março de 2022.

Federação partidária, e agora?

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Autor: Regis Rocha

 

A primeira impressão que fica sobre a Lei nº 14.208, de 28 de setembro de 2021 que autoriza a reunião de dois ou mais partidos em federação como se fossem uma única agremiação partidária, é que não há como fugir da pergunta clássica, e agora, será que a lei vai pegar? Depois de um bate rebate no Supremo, os partidos terão até o dia 31 de maio para o devido registro no TSE, claro, cumpridas todas as exigências da Lei, que não são poucas.

Toda Lei possui seu ônus, a exemplo, os partidos se reunidos em federação deverão permanecer filiados por, no mínimo 04 (quatro) anos, ao passo que no sistema de coligação conhecido, passado o pleito tudo poderá voltar como estava antes, o que torna o ponto crucial de uma norma rígida que também impõe ao detentor de cargo eletivo diante de eventual desfiliação, sem justa causa, de partido que integra a Federação, a perda do seu mandato.

O lado bom, é que se aplica à federação de partidos todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito ao período eleitoral, com a escolha e o registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, obtenção das cadeiras. O caráter permanente de no mínimo quatro anos de filiação assusta um pouco, é como se houvesse um casamento e hipoteticamente não fosse possível uma dissolução antes do tempo necessário em caso de uma frustrada e prematura relação conjugal.

Por isso, a afinidade programática passou ser um requisito essencial e categórico na busca e definição de uma federação. Esperamos que a mudança seja positiva pois a medida diminui o risco por exemplo do eleitor eleger um candidato com perfil ideológico diversos, como ocorria muitas vezes nas coligações em eleições proporcionais.

As leis brasileiras, são sempre uma emoção extrema, os dirigentes partidários certamente estão esquentando seus neurônios antes mesmo do período pré-eleitoral, mesmo os mais experientes, isso é certo, o resto fica por conta da nossa imaginação infinita no campo da política partidária, tudo pode acontecer.

Como dizem no jargão popular, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, brincadeiras à parte, a verdade é que haverá muito trabalho para o jurídico dos partidos políticos.

 

Regis Rocha – advogado Pós-Graduado, Especialista em Direito Eleitoral

Parecer Jurídico de Direito Educacional

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Autores:

Gisele Leite Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.

Ramiro Luiz Pereira da Cruz. Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Articulista de várias revistas e sites jurídicas renomados. Vice-Presidente da Seccional Rio de Janeiro da ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional.

 

Questão propostas quais são as diretrizes essenciais para o retorno das aulas presenciais durante a pandemia de Covid-19?

O governo federal brasileiro apresentou orientações genéricas para o retorno seguro às aulas presenciais ainda tempos de pandemia de Covid-19, constante na Portaria Interministerial que aborda diretrizes para o retorno de atividades de ensino e aprendizagem da Educação Básica.

Entre as condutas recomendadas estão a higienização de mãos por álcool gel, a manutenção de distanciamento entre mesas e cadeiras, o uso de máscaras faciais e, ainda, a capacitação dos profissionais de saúde. Reforçou ainda o atual Ministro da Saúde que a vacinação é a saúde primordial para o fim da crise pandêmica.

E, ressaltou a penalização das crianças e, mesmo com o advento das Tecnologias de Informação e Comunicação que permitiram as aulas remotas, não é possível, no seu entendimento, a substituição do presencial ensino.

Frisou, ainda, que o retorno às aulas presenciais não pode mais ser adiado.

Já o atual Ministro da Educação esclareceu que as orientações para seguro retorno entre as medidas situa-se a utilização constante de máscaras[1] por estudantes, profissionais da educação bem como demais pessoas que eventualmente acessem a escola ou a instituição de ensino, além de uso de protetores faciais pelos profissionais da educação.

Recomenda-se também o distanciamento social demarcado visivelmente no chão de pelo menos um metro entre os alunos seja dentro e fora da sala de aula.

A fim de garantir a aquisição de materiais e insumos indispensáveis à prevenção da disseminação do coronavírus, o Ministério da Saúde já destinou cerca de quatrocentos e cinquenta e quatro milhões aos municípios. E, tal recurso está disponível par as escolas do Ensino Básico da rede pública de todo o Brasil.

Eis um rol meramente exemplificativo das orientações e protocolos para a volta às aulas presenciais, a saber:

Deve ser mantida quantidade suficiente de máscaras para as trocas durante o período de permanência na escola, considerando o período máximo de uso de 3 (três) horas para máscara de tecido e 4 horas para máscara cirúrgica, ou trocas sempre que estiverem úmidas ou sujas;

Evitar o uso de áreas comuns, como bibliotecas, parquinhos, pátios e quadras. No caso da prática de atividade física, optar sempre que possível por atividades individuais e ao ar livre;

Evitar ao máximo uso de materiais coletivos e o compartilhamento de materiais;

Fazer uso de máscaras[2], inclusive durante a atividade física;

Evitar atividades em grupo, programas após a escola e grandes eventos;

Realizar as refeições nas salas de aula em vez de utilizar o refeitório;

Suspender o uso de armários compartilhados;

Evitar a entrada de voluntários, convidados externos e pais/responsáveis na escola;

Orientar que os estudantes levem suas garrafas de água, evitando a utilização de bebedouros coletivos e o compartilhamento de garrafas;

Intensificar a frequência de limpeza e desinfecção para minimizar o potencial de exposição a gotículas respiratórias;

As orientações mais detalhadas para a retomada segura de atividades presenciais nas escolas de Educação Básica no contexto da pandemia da Covid-19, está disponível em:

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/governo-federal-apresenta-orientacoes-para-volta-segura-as-aulas-presenciais/ORIENTAESPARARETOMADASEGURADASATIVIDADESPRESENCIAISNASESCOLASDEEDUCAO.pdf

Quanto a ocorrência de casos de Covid-19, quando se identificar discente apresentando sinais e sintomas de síndrome gripal, a escola deverá acionar pais ou responsáveis, orientando que esse discente compareça a Unidade Básica de Saúde (UBS) e, realize teste.

Cabem aos país ou responsáveis dos discentes e aos profissionais da educação igualmente comunicar à escola do aparecimento desses sintomas, bem como se teve ou tem contato próximo com caso positivo confirmado ou suspeito de Covid-19.

Havendo a confirmação de infectado por Covid-19, deverá ser providenciada a limpeza e higienização com desinfecção total e imediata do ambiente escolar. E, os profissionais e a comunidade escolar, igualmente, deverão ser informados, e as atividades escolares deverão ser reavaliadas. Podendo, inclusive, optar-se pelo retorno às aulas remotas.

Segundo o Ministério da Saúde, que sofreu recente “apagão” de dados por hackers, já enviou doses suficientes para a vacinação contra a Covid-19 para imunizar, com pelos menos a primeira dose, cem por cento dos trabalhadores da educação do Ensino Básico e Ensino Superior e dos Estados e do Distrito Federal.

A vigência da Medida Provisória nº 934/2020, com a dispensa da obrigatoriedade do cumprimento do mínimo de dias letivos no ano de 2020 na Educação Básica e na Educação Superior, amplamente aceita pela comunidade educacional, e diante da urgência da necessária reorganização das atividades escolares e acadêmicas em decorrência da suspensão das aulas presenciais ocorridas em março de 2020, este Conselho Nacional de Educação (CNE), visando a orientar a integração curricular e a prática das ações educacionais em nível nacional, na condição de órgão normativo e de atividade permanente na estrutura da educação nacional, previsto no § 1º do artigo 9º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional” (LDB), emitiu três documentos pertinentes:

– Parecer CNE/CP nº 5, de 28 abril de 2020, que tratou da “reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19”;

– Parecer CNE/CP nº 9, de 8 de junho de 2020, que retomou essa temática, com o reexame do Parecer CNE/CP nº 5/2020; e

– Parecer CNE/CP nº 11, de 7 de julho de 2020, que definiu “Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia”.

Em 18 de agosto de 2020, foi sancionada a Lei nº 14.040/2020, que estabeleceu normas educacionais excepcionais que deveriam ser adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020.

Ressalta-se que esta Lei, no parágrafo único do artigo 1º, definia com clareza que “o Conselho Nacional de Educação (CNE) editará diretrizes nacionais com vistas à implementação do disposto nesta Lei”. Em função dessa determinação legal, o Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer CNE/CP nº 19/2020, o qual, uma vez homologado, deu origem à Resolução CNE/CP nº 02/2020, regulamentando dispositivos da Lei nº14.040/2020[3].

Divulgado em janeiro de 2021, projeta que os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) podem ter regredido, em média, até quatro anos em leitura e Língua Portuguesa, tendo em vista o desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). A estimativa indica redução também na nota média de matemática − nesse caso, com perda equivalente a até três anos de escolaridade.

As estimativas foram feitas pelo Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África Lusófona (FGV EESP Clear), vinculado à Fundação Getúlio Vargas. A análise considerou três cenários, a partir do desempenho dos estudantes brasileiros entre 2015 e 2019 no Saeb: otimista, pessimista e intermediário.

No Brasil, o único estudo disponível de avaliação da aprendizagem pós–pandemia foi realizado pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.

Em março de 2021, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAED/UFJF), realizou uma avaliação de aprendizagem de Língua Portuguesa e Matemática para crianças e jovens do 5º e 9º ano do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio.

Algumas expectativas se confirmaram. Os anos iniciais do ensino fundamental, 1º a 5º ano, ciclo de alfabetização, foi a fase com a maior redução de aprendizagem. As perdas em matemática foram maiores que em Língua Portuguesa. Matemática é uma disciplina mais dependente da presença na escola e do apoio dos professores. Assim, em Matemática no 5º ano, as crianças atingiram 196 pontos, 46 pontos a menos que no SAEB 2019, quando foi de 242 pontos.

Segundo a pesquisa, em média, a cada ano da fase de alfabetização as crianças agregam 4 (quatro) pontos de aprendizagem. Serão necessários mais de 11 (onze) anos para recuperar a aprendizagem perdida. Em Língua Portuguesa a perda foi menor, foram 194 pontos em 2021, tendo sido 223 pontos no SAEB 2019, uma perda de 29 pontos, um resultado semelhante ao verificado dez anos atrás, 192 em 2011.

Portaria Interministerial nº 5, de 4 de agosto de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-interministerial-n-5-de-4-de-agosto-de-2021-336337628#:~:text=2%C2%BA%2C%20%C2%A7%209%C2%BA%2C%20Lei%20n%C2%BA,modalidades%20da%20educa%C3%A7%C3%A3o%20b%C3%A1sica%20nacional .

Nota de Esclarecimento do CNE – Conselho Nacional de Educação formalizada em 27.01.2022, para o fluxo do calendário escolar do ano de 2022, em todos os níveis de ensino, em virtude de ações preventivas ao aceleramento rápido da nova onda de contágio, vem a público elucidar aos sistemas e às redes de ensino, bem como às instituições públicas e particulares, de todos os níveis, etapas e modalidades de ensino.

Importante ainda salientar que o STF reconheceu expressamente a competência concorrente[4] entre Estados, Municípios e a União na fixação de diretrizes, medidas e protocolos sanitários para o combate a Covid-19, o que inclui, certamente o retorno às aulas presenciais.

Os governos estaduais já anunciaram o retorno das aulas no mês de fevereiro de 2022. Em São Paulo, por exemplo, definiu-se a volta às aulas no dia 2 e o término em 23 de dezembro.

A previsão é de que os recessos ocorram nos meses de abril e outubro enquanto as férias aconteçam em julho e janeiro. O calendário é válido para as 5.400 escolas da rede que atendem cerca de 3,5 milhões de alunos.

Ainda no segundo semestre de 2021, iniciou-se a retomada das aulas presenciais. A princípio, apostou-se no revezamento e o distanciamento mínimo de 1 (um) metro. Todavia, com o avanço da vacinação no país, houve a anulação das medidas, mantendo apenas o uso obrigatório de máscaras.

Para acompanhar as medidas oficiais, acesse o site da Secretaria de Educação de cada estado.

Adiante há rol de alguns links para auxiliar na atualização das informações:

Acre: www.see.acre.gov.br

Amazonas: www.seduc.am.gov.br

Bahia: www.educacao.ba.gov.br

Distrito Federal: www.educacao.df.gov.br

Goiás: www.educacao.go.gov.br

Maranhão: www.educacao.ma.gov.br

Minas Gerais: www.educacao.mg.gov.br

Paraíba: www.pbeduca.see.pb.gov.br

Rio de Janeiro: www.rj.gov.br

Rio Grande do Norte: www.educacao.rn.gov.br

Santa Catarina: www.sed.sc.gov.br

São Paulo: www.educacao.sp.gov.br

Sergipe: www.seed.se.gov.br

Tocantins: www.to.gov.br/seduc

De acordo com a Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, seguindo o Calendário Escolar de 2022, as aulas em unidades da rede estadual de ensino deverão ser retomadas no próximo dia 07 de fevereiro e de modo presencial.

A retomada seguirá as recomendações e protocolos sanitários emitidos pelas autoridades estaduais de saúde e de forma preservar a segurança de discentes e servidores. Por enquanto, não existe nenhuma orientação sobre a comprovação de vacinação contra a Covid-19.

Na rede municipal do Rio de Janeiro, as aulas também estão previstas para serem retomadas obrigatoriamente de forma presencial e no dia 07 de fevereiro. A única exceção[5] feita é para os discentes dotados de comorbidades ou que sejam impedidos por algum motivo médico, comprovado, que poderá assistir aulas de forma remota.

A Secretaria Municipal de Educação (SME) do RJ informou que o rodízio feito nas escolas não é mais necessário e nem é exigido mais o distanciamento mínimo dentro da sala de aula. O que a priori, contraria as recentes Diretrizes proclamadas pelos Ministérios da Educação e da Saúde.

O ano letivo no Colégio Pedro II (federal)[6] só começa em abril, segundo informou a instituição. No dia 7 de fevereiro, as aulas retomadas serão referentes ao período de 2021, seguindo um sistema híbrido[7] –meio presencial, meio remoto – com escalas de turmas, turnos e horários.

É o parecer que, devam ser observadas e cumpridas todas as diretrizes promanadas pelos Ministérios da Saúde e da Educação, conjugadas com as orientações dos Estados e Municípios. Sendo razoável propor a ênfase ao Ensino Híbrido em situações que possibilitem contágio e disseminação do coronavírus.

A melhor solução seria o retorno às aulas presenciais de forma gradativa, mediante rodízios e, priorizando as primeiras séries e, também, paralelamente, manter as aulas remotas, instaurando um planejado ensino híbrido. Pontuando, as aulas presenciais principalmente para dirimir as principais dificuldades na aprendizagem.

 

Referências:

JOAQUIM, Nelson. Direito Educacional Brasileiro. História, Teoria e Prática. 3ª edição. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2015.

Ministério da Educação. Retorno às aulas presenciais em Instituições Federais de Educação Superior. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/retorno-as-aulas-presenciais-em-instituicoes-federais-de-educacao-superior Acesso em 02.02.2022.

Ministério da Educação. Aulas presenciais: MEC e Saúde assinam portaria orientando retorno. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/portaria-conjunta-ms_mec_lf Acesso em 02.02.2022.

POMPEU, Ana. STF reafirma competência de Estados e Municípios para tomar medidas contra Covid-19. Disponível em: https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-reafirma-competencia-de-estados-e-municipios-para-tomar-medidas-contra-covid-19-15042020 Acesso em: 02.02.2022.

UNICEF. Covid-19 e máscaras: dicas para famílias. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/covid-19-e-mascaras-dicas-para-familias Acesso em 02.02.2022.

 

 

 

 

[1] Máscaras caseiras (também chamadas de máscaras de pano/tecido): se você e sua família moram em um lugar onde novo coronavírus está ativo e não têm nenhum sintoma de covid-19, então as máscaras de pano são recomendadas.

Máscaras cirúrgicas ou médicas: As máscaras cirúrgicas estão escassas no mundo todo por causa da pandemia. Elas são recomendadas somente se você ou um membro da família corre um risco maior de doença grave devido à covid-19 (pessoas com mais de 60 anos ou com problemas de saúde subjacentes), se você está com suspeita ou é caso confirmado de covid-19 ou se você está cuidando de alguém com covid-19. Uma máscara cirúrgica/médica deve ser usada para proteger outras pessoas, se você tiver sintomas de covid-19.

A Organização Mundial da Saúde recomenda o uso de máscaras com três camadas compostas da seguinte forma: uma camada interna de material absorvente, como algodão; uma camada intermediária de material não tecido, como polipropileno; uma camada externa de material não absorvente, como poliéster ou mistura de poliéster. Lave as máscaras de tecido com sabão ou detergente, de preferência em água quente (pelo menos 60 graus Celsius). Se for lavar na máquina, use a configuração apropriada mais quente para o tipo de tecido. Se for lavar à mão, use água quente com sabão. Após a lavagem, a máscara deve secar completamente antes de ser usada novamente. Guarde as máscaras em um saco limpo.

 

[2] Crianças de 6 a 11 anos – A recomendação ou decisão de usar (ou não) máscaras em crianças de 6 a 11 anos deve levar em consideração análise de fatores de risco, como, por exemplo, a intensidade de transmissão na área de residência e a situação pessoal e familiar de cada criança. A legislação sanitária local também deve ser observada. IMPORTANTE: Crianças com deficiências cognitivas ou respiratórias graves, que tenham dificuldade em tolerar a máscara, não devem, em nenhuma circunstância, ser obrigadas a usá-las.

[3] Portaria MTP/MS nº14, de 20 de janeiro de 2022. Altera o Anexo I da Portaria Conjunta nº 20, de 18 de junho de 2020. (Processo nº 19966.100565/2020-68). OS MINISTROS DE ESTADO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA E DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhes conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, resolvem: Art. 1º O Anexo I da Portaria Conjunta nº 20, de 18 de junho de 2020, que estabelece as medidas para prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão do coronavírus (Covid-19) em ambientes de trabalho, passa a vigorar com a redação constante do Anexo desta Portaria.

[4] Em 15.04.2020 o STF referendou a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio para explicitar a competência de Estados e Municípios de tomar medidas com o objetivo de conter a pandemia do coronavírus. A decisão unânime fora proferida no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 6.41, na ação promovida pelo PDT onde pediu a declaração de inconstitucionalidade da MP 926, editada pelo atual Presidente da República em 20.03.2020. Por entender, ainda, que a norma desrespeita o preceito constitucional da autonomia dos entes federativos e foi editada com a finalidade política de atingir os governadores.

[5] CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA Crianças/adolescentes com transtornos de desenvolvimento ou deficiências podem enfrentar barreiras, limitações e riscos adicionais e, portanto, devem receber opções alternativas de uso de máscara, como protetores faciais. As políticas sobre máscaras devem ser adaptadas para crianças com deficiência com base em considerações sociais, culturais e ambientais. O uso de máscaras por crianças com perda auditiva ou problemas auditivos pode representar barreiras à aprendizagem e outros desafios. Essas crianças podem perder oportunidades de aprendizagem por causa da eliminação de leitura labial e expressões do orador – decorrentes do uso de máscaras – e distanciamento físico. Máscaras adaptadas, como máscaras transparentes, ou o uso de protetores faciais podem ser explorados como uma alternativa às máscaras de tecido.

 

[6] Convém recordar que em função da autonomia conferida pelo art. 207 da Constituição Federal às Instituições Federais de Educação Superior, lhes é assegura a capacidade decisória para, entre outros assuntos, sopesar a viabilidade e oportunidade para a retomada segura das atividades presenciais, e, assim, determinar quando e de que maneira isso deve ocorrer, observados os ditames legais.

[7] Ensino híbrido acontece quando se mescla períodos on-line com períodos presenciais na educação. Para a sua realização é necessário que, além da estrutura para a educação presencial, sejam estabelecidas condições, em nível de gestão e de ensino e aprendizagem, de disponibilização de recursos materiais, como equipamentos e acesso à rede, tanto para as instituições como para os estudantes. Eliane Borges explica que a centralidade do aluno em contexto de ensino híbrido pode ser realizada por meio do uso de metodologias ativas nos processos pedagógicos, o que será sempre por iniciativa do professor. “A simples utilização de tecnologias não garante, por si só, novas pedagogias. Após a pandemia, com certeza caminharemos mais fortemente para a educação híbrida”, conclui. In: Ufjf Notícias. Ensino Híbrido: entenda o conceito. Disponível em: https://www2.ufjf.br/noticias/2021/04/30/ensino-hibrido-entenda-o-conceito/ Acesso em 02.02.2022.

A dimensão humana da proteção ambiental

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EDUARDO MIRABILE – Mestre em Direito Difusos e Coletivos. Advogado. Professor de direito Constitucional, Ambiental, Civil e Biodireito dos cursos de graduação e pós-graduação.

 

Temos acompanhado rotineiramente as constantes preocupações dos países, notadamente dos mais desenvolvidos, com as questões ambientais. Inúmeras conferências, reunindo as mais altas figuras de governantes onde se mostram presentes buscando soluções que garantam ao menos um mínimo de proteção ambiental para que a Humanidade possa permanecer vivendo neste planeta pelas descendências que surgirão.

A Conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima de 2021, realizada na Escócia, é um excelente exemplo dessa preocupação, que envolveu a presença das figuras mais ilustres e importantes da política mundial, garantindo a legitimidade do evento.

O presente estudo, porém, pretende focar no aspecto humano e sua relação com o meio ambiente. Afinal o que leva a humanidade a ter preocupação com o ecossistema?

Esse conceito de ecossistema decorre da interação de dois sistemas bem definidos, a saber, o sistema natural, composto de meio físico e biológico e o sistema cultural, criado pelo Homem que através de sua inteligência e atividade altera esse meio natural para sua conveniência.

Assim, como um artista nos dias de hoje, o Homem também altera aquilo que lhe foi dado inicialmente pela natureza, transformando o bem natural num bem artificial ou cultural. Essa transformação, a princípio realizada para a conveniência humana, acaba culminando em resultados bons ou ruins e sempre com consequências que igualmente poderão ser boas ou ruins conforme a escolha.

Aqui se faz interessante apresentar rapidamente duas ideias distintas, dentre tantas concepções existentes sobre a visão do mundo dentro do contexto dos bens naturais do planeta.

A primeira concepção que gostaríamos de abordar seria a visão criativista do mundo, que entende que todos os bens naturais existentes devem ser mantidos nesse estado, a fim de garantir a manutenção do delicado equilíbrio das coisas existentes desde a Criação do Universo. Portanto, as normas legais de proteção devem garantir a manutenção dos bens naturais no seu estado puro.

De forma antagônica, a concepção criativista, entende que o mundo é um amontoado de bens naturais que devem ser ordenados e transformados pela ação humana, de tal forma que mais lhe aprouver para sua conveniência. Aqui, ao contrário, as normas legais devem garantir que o Homem possa utilizar-se ao máximo desses bens naturais para os fins que entenda mais adequados.

O leitor, acreditamos, rapidamente, claro, chegará a conclusão que devemos abraçar a ideia da famosa frase “nem tanto o mar, nem tanto a terra”. O meio termo, em algum ponto entre essas duas concepções deve ser a melhor resposta que a humanidade deve buscar ao criar as leis protetivas ao meio ambiente.

Temos claramente aqui o confronto meio ambiente e desenvolvimento. O meio ambiente, nos dias atuais, tem se mostrado um inibidor do desenvolvimento desenfreado, que busca resultados imediatos com um alto preço a pagar no futuro.

A resposta a essa dualidade que estaria num crescimento econômico sustentável, que permitisse que os recursos naturais utilizados pudessem de alguma forma serem repostos pela natureza ou ação humana, seria facilmente encontrada se não houvesse tantos interesses, notadamente egoísticos envolvidos.

O desenvolvimento é algo que sempre é defendido, pois afinal é graças a ela que gera a criação de empregos, avanços tecnológicos, melhor qualidade de vida com as vantagens que a vida moderna oferece. Vemos que o desenvolvimento está atrelado até mesmo a dignidade da pessoa humana.

O ser humano, único animal dotado de inteligência no planeta, transforma bens naturais em qualidade de vida. Os países utilizam dos bens naturais colocados à disposição no seu território e procuram melhorar a qualidade de vida de sua população com bens naturais agora transformados em bens de consumo, com o valor agregado do trabalho humano.

Os países do primeiro mundo tiveram um forte desenvolvimento econômico no passado, com pouca preocupação ambiental, sobretudo pelo contexto e realidade que viviam. As leis ambientais só proliferaram entre os países nas últimas décadas. Na época da Revolução Industrial, por exemplo, eram pouquíssimas as sociedades que defendiam questões ambientais.

Temos grandes nações desenvolvidas que dizimaram matas nativas, florestas e um sem fim de ataques a biodiversidade e recentemente se deram conta que se outras nações seguirem pelo mesmo caminho, o resultado ambiental será muito caro para toda a Humanidade.

Hoje países em desenvolvimento também desejam um rápido crescimento e veem em questões ambientais um óbice para essas pretensões. O argumento da soberania e da autodeterminação de seus povos é sempre colocado na mesa de negociação pelos países em desenvolvimento, ansiosos pelos avanços desenvolvimentistas em que acredita.

A comunidade internacional, também é verdade, vem buscando soluções no sentido de dar uma indenização ou compensação a esses países que ainda não tiveram o desenvolvimento que o façam, mas respeitando o meio ambiente natural. É uma tentativa de demover da ideia de um crescimento ao arrepio de valores ambientais fortes.

Perceberam os países mais ricos que leis ambientais mais rígidas poderiam frear a sanha de desenvolvimento desenfreado e poluidor dos mais pobres, mas ao mesmo tempo afetariam o “status quo” da sua poderosa e poluidora economia.

Nesse norte, foi criado por exemplo, um interessante mecanismo chamado de crédito de carbono, onde os mais poluidores pagam créditos a governos/empresas que poluem menos, conforme metas pré-estabelecidas em acordos internacionais.

Esse mecanismo aprovado pelas nações veio a criar um mercado de crédito de carbono que tem seus méritos ao estabelecer limites e compensações ou indenizações a outras nações signatárias. Levam-nos, num primeiro momento, a uma ideia de justiça.

Por outro lado, também é verdade, pode ser encarado como um mecanismo que assegura o direito do poluidor, que é rico, continuar poluindo, mediante uma compensação ao mais pobre. Justo como dito acima, mas não deixa de ser perturbadora a ideia de que possa o rico fazer prevalecer seus interesses sobre o pobre no suposto direito de poluir o meio ambiente que pertence a todos.

Temos, nesse quadro, claramente um conflito de interesses envolvendo a humanidade e seu ecossistema.

A humanidade, fantasiada de ideais nobres busca agora cada vez mais a criação de leis protetivas ao meio ambiente, não por acreditar naquela concepção criativista do universo, mas sim, por entender, que é preciso fazer algo senão inexistirá futuro para o Homem.

Estamos inseridos no planeta, onde criamos uma espécie de bomba-relógio ambiental, em que desconhecemos qual ao tempo que nos resta, mas onde há um senso comum que certamente precisa ser feito algo senão o tempo chegará cobrando o Homem de uma forma inexorável pela utilização pouco inteligente do ecossistema.

 

O significado da Semana da Arte Moderna de 1922. O calo de Villa-Lobos.

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Resumo: A Semana da Arte Moderna no Brasil de 1922 trouxe a tentativa de esboçar uma identidade nacional no campo das artes, e se libertar dos ditames europeus. Esse evento ao completar um século se faz presente até hoje em nosso país. Curiosamente, foi o calo de Villa-Lobos o último escândalo daquela semana.

Palavras-Chave: Arte. Modernismo. Semana de 1922. Cultura. Nacionalismo.

 

A semana da Arte Moderna no Brasil corresponde a primeira manifestação coletiva pública na história cultural brasileira em prol de espírito novo e moderno em franca oposição à cultura e à arte de teor conservador, prevalentes no Brasil, desde o século XIX.

Cada dia da referida semana tratou de um aspecto cultural, a saber: pintura, escultura, poesia, literatura e música. Marcou o início do modernismo no Brasil e se tornou referência cultural do século XX.

Participaram da Semana nomes consagrados do modernismo brasileiro, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor Brecheret,

Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos, Tácito de Almeida, Di Cavalcanti, Agenor Fernandes Barbosa entre outros, e como um dos organizadores o intelectual Rubens Borba de Moraes que,  entretanto, por estar doente, dela não participou.

Na ocasião da Semana de Arte Moderna, Tarsila do Amaral, considerada um dos  grandes pilares do modernismo brasileiro, se encontrava em Paris e, por esse motivo, não participou do evento. Muitos dos idealizadores  do evento eram quatrocentões.

Com uma renovação de linguagem, em busca de experimentação, na liberdade criadora da ruptura com o passado. Temporalmente aconteceu em meio as turbulências políticas, sociais, econômicas e culturas. E, as então novas vanguardas estéticas surgiam e, causavam espanto com as novas linguagens desprovidas de regras.

É fato que a Semana de 1922 não fora bem entendida em sua época, mas se encaixou no contexto da República Velha (1889-1930) controlada pelas oligarquias cafeeiras e as notórias famílias quatrocentonas e, ainda, azeitada pela política do café com lei.

Enfim, o capitalismo florescia no Brasil e, consolidava a república e as elites influenciadas por padrões estéticos europeus mais tradicionais. Seu propósito era a renovação artística e cultural da cidade com a perfeita demonstração do que existe em nosso meio em termos de escultura, arquitetura, música e literatura.

A intelectualidade brasileira da época sentia necessidade de abandonar os velhos ideais estéticos do século XIX ainda em voga no país. Algumas notícias a respeito de experiências estéticas que ocorriam na Europa, naquele momento, mas ainda não se tinha certeza do que realmente estava acontecendo e quais rumos seriam seguidos.

O principal descontentamento com a estética situava-se no campo da literatura e poesia. E, os exemplares do futurismo italiano já chegavam ao Brasil e passaram a influenciar alguns escritores tais como Oswald de Andrade e Guilherme de Almeida.

A pintora Anita Malfatti regressava da Europa e trouxe experiências das novas vanguarda, e, em 1917 realizou o que foi chamada de primeira exposição modernista brasileira, com nítidas influências do cubismo, expressionismo e futurismo. E, causou escândalo e fora alvo de severas críticas proferidas por Monteiro Lobato, que serviu para que a Semana da Arte tivesse sucesso e, com o passar do tempo, veio a galgar maior destaque.

Segunda exposição de Anita Malfatti, exibindo quadros expressionistas, criticados com dureza por Monteiro Lobato, no artigo “Paranoia ou Mistificação?”[1], publicado no jornal O Estado de S. Paulo, Esse artigo é considerado o “estopim” de modernismo brasileiro, já que provocou a união dos jovens artistas, levando-os a discutir a necessidade de divulgar coletivamente o movimento.

Em 17 de fevereiro (sexta-feira) de 1922 que foi o dia mais tranquilo da semana, apresentações musicais de Villa-Lobos, com participação de vários músicos.

O público em número reduzido, portava-se com mais respeito, até que Villa-Lobos entra de casaca, mas com um pé calçado com um sapato, e outro com chinelo;  o público interpreta a atitude como futurista e desrespeitosa e vaia o artista impiedosamente. Mais tarde, o maestro explicaria que não se tratava de modismo e, sim, de um calo inflamado.

Nota-se até as últimas décadas do século XX a influência da Semana de 22, principalmente no Tropicalismo e na geração da Lira Paulistana nos anos 70 (Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, entre outros). O próprio nome Lira Paulistana é tirado de uma obra de Mário de Andrade.

Mesmo a Bossa Nova deve muito à turma modernista, pela sua lição peculiar de “antropofagia”, traduzindo a influência da música popular norte-americana à linguagem brasileira do samba e do baião.

Entre os movimentos que surgiram na década de 1920, destacam-se: Movimento Pau-Brasil;  Movimento Verde-Amarelo; Movimento Antropofágico.

O modernismo no Brasil deu-se por força de tendências estéticas europeias e que imprimiram nova percepção da arte no século XX. Bastante influenciado por correntes antiacadêmicas de novas produções artísticas da Europa e engajadas na consolidação de nova consciência criativa brasileira que não se restringisse a copiar as escolas europeias, mas que fosse, preocupada com o estabelecimento de uma arte autenticamente nacional, os artistas, músicos e  escritores modernistas revolucionaram aquilo que se entendia por arte, até aquele momento.

É cediço que a sociedade moderna é, portanto, a sociedade industrializada e, que a noção de modernidade se relaciona ao conjunto de mudanças gestado e trazido pela industrialização, acarretando tanto transformações políticas, sociais e culturais. É passando pelas modificações abrangentes da industrialização que as sociedades se tornaram modernas. Igualmente as descobertas científicas dos idos de 1900, tais como a teoria da relatividade, de Albert Einstein e as teorias da psicanálise de Sigmund Freud, também alteraram significativamente a maneira como o ser humano compreende o Universo e a si mesmo. A invenção da fotografia e do cinema é igualmente um fator histórico que muito contribuiu para a reinvenção da arte.

[1]  A crítica violenta de Lobato reflete desastrosamente sobre a exposição e a vida familiar de Anita. A artista recebe de volta muito dos quadros que tinham sido vendidos, e evidentemente sofre bastante com tudo isso. Este acontecimento, contudo, cria as bases para uma espécie de divisor de águas. Dessa maneira, o artigo de Monteiro Lobato tem a capacidade de congregar aqueles vários artistas e intelectuais insatisfeitos com os rumos de uma tradição de pensamento e de arte, servindo como um dos estopins da Semana de Arte Moderna de 1922. (Theotonio de Paiva). (….)