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RESPONSABILIDADE CIVIL DE TERCEIROCúmplice de adultério não tem o dever de indenizar marido traído

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DECISÃO: *STJPara o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o cúmplice de adultério, praticado durante o tempo de vigência do casamento, não deve indenizar o marido traído por dano moral. Os ministros da Quarta Turma do STJ entenderam que, em nenhum momento, nem a doutrina abalizada, nem tampouco a jurisprudência, cogitou de responsabilidade civil de terceiro.

Para o ministro Luís Felipe Salomão, relator do recurso, não há como o Judiciário impor um “não fazer” ao amante, decorrendo disso a impossibilidade de se indenizar o ato por inexistência de norma posta – legal e não moral – que assim determine. “É certo que não se obriga a amar por via legislativa ou judicial e não se paga o desamor com indenizações”, afirmou.

No caso, G.V.C ajuizou ação de indenização por danos morais contra W.J.D alegando que viveu casado com J.C.V entre 17/1/1987 e 25/3/1996 e que, possivelmente, a partir de setembro de 1990, aquele passou a manter relações sexuais com sua então esposa, resultando dessa relação o nascimento de uma menina, a qual registrou como sua. O casal divorciou-se em outubro de 1999. Sustentou, assim, que diante da infidelidade, bem como da falsa paternidade na qual acreditava, sofreu dano moral passível de indenização, pois “anda cabisbaixo, desconsolado e triste”.

O juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Patos de Minas (MG) condenou o cúmplice do adultério ao pagamento de R$ 3,5 mil ao ex-marido, a título de compensação pelos danos morais por ele experimentados. Na apelação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais afirmou que, embora reprovável a conduta do cúmplice, não houve “culpa jurídica” a ensejar sua responsabilidade solidária, quando em verdade foi a ex-esposa quem descumpriu os deveres impostos pelo matrimônio.

No STJ, o ex-marido sustentou que estão presentes os requisitos autorizadores da responsabilidade civil do cúmplice, tendo em vista que o ilícito (adultério, com o conseqüente nascimento da filha que acreditava ser sua) foi praticado por ambos (amante e ex-mulher), sendo solidariamente responsáveis pela reparação do dano.

Segundo o ministro Salomão, o cúmplice de adultério é estranho à relação jurídica existente entre o casal, relação da qual se origina o dever de fidelidade mencionado no artigo 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002. “O casamento, se examinado tanto como uma instituição, quanto contrato sui generis, somente produz efeitos em relação aos celebrantes e seus familiares; não beneficiando nem prejudicando terceiros”, destacou.

 

FONTE:  STJ, 11 de novembro de 2009


DIREITO DE VIZINHANÇABarulho não deve perturbar vizinho

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DECISÃO: *TJ-MG – Em Coronel Fabriciano, no Vale do Aço, leste de Minas, moradores de um bairro residencial ganharam uma batalha contra a Brizza Cia de Festas Ltda, prestadora de serviços de organização de eventos. A 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) proibiu que a empresa promova festas com música ao vivo ou som mecânico após as 22 horas, a menos que se providencie o isolamento acústico do local.

Para os moradores, a prestadora perturba o sossego e a saúde da comunidade, representando risco à segurança. Eles afirmam que, em abril de 1998, quando a empresa ia ser instalada na sua vizinhança, procuraram os responsáveis pelas obras, manifestando sua discordância com o fato e exigindo o cumprimento de medidas que minorassem o incômodo aos moradores.

Segundo eles, logo na primeira festa os excessos cometidos pelos frequentadores do local começaram. “A área não tem isolamento acústico. Além da música em volume altíssimo, temos de aguentar gritarias, brigas, movimentação contínua e inadequada de carros e lixo sobre as calçadas. Práticas sexuais explícitas, uso de entorpecentes e mesmo crimes tornaram-se comuns nas redondezas”, dizem.

A população alega que os proprietários da área de festas ignoraram suas reclamações, levando-a a acionar a Polícia Militar. Entre 1999 e 2004, eles registraram vários boletins de ocorrência descrevendo problemas relacionados com a Brizza. Reclamam dos “disparos de armas de fogo, arrombamentos e estragos de veículos, confusões com diversos feridos, furtos e roubos” e afirmam que, embora alguns moradores já estivessem fazendo tratamento por causa dos danos à saúde, consultaram um especialista que, por um laudo técnico, confirmou que os níveis de ruído não eram aceitáveis.

Em dezembro de 2004, os moradores entraram com uma ação contra uso nocivo da propriedade pedindo a suspensão das atividades da empresa.

Legislação e legalidade

Em abril de 2005, a Brizza Festas afirmou que não possui equipamentos de som e que o barulho excessivo é de exclusiva responsabilidade dos indivíduos que alugam suas instalações. A empresa também afirmou que nem todos os autores da ação residem na vizinhança da área de festas, acrescentando que alguns deles alugam seus imóveis para a empresa realizar eventos.

Os proprietários do local alegaram que “têm alvará de licença e funcionamento expedido pela Prefeitura Municipal”, o que “só é concedido depois de uma fiscalização, observando-se a legislação pertinente”. Eles questionaram a perícia técnica e os boletins de ocorrência, a seu ver, “documentos de caráter unilateral”, e apontaram a ausência de provas da transgressão dos limites determinados pela lei e dos acontecimentos citados pelos moradores.

Por fim, a empresa afirmou que “o aumento da criminalidade é uma realidade” sobre a qual ela não tem influência. Ela declarou, além disso, que estabelece em seus contratos a obrigatoriedade de respeitar a Lei do Silêncio e zelar pelo bom comportamento de seus convidados. Para os representantes da Brizza, “não tem sentido impedir a atividade de uma empresa regularmente constituída e autorizada pelo Poder Público a funcionar”.

Sentença e apelação

A sentença de 18 de dezembro de 2008 do juiz José Alfredo Jünger, da 1ª Vara Cível de Coronel Fabriciano, proibiu a empresa de realizar festas com som mecânico ou ao vivo após as 22 horas, sob multa diária de R$ 1 mil. Ele condicionou a retomada das atividades da Brizza à adoção de isolamento acústico. “Não se pode conceber que uma simples autorização de cunho administrativo, como o alvará de funcionamento, sirva para isentar o particular do cumprimento de uma lei federal”, sentenciou o magistrado. A decisão desagradou à empresa, que apelou em 19 de janeiro deste ano.

No julgamento do recurso, os desembargadores do TJMG entenderam que a decisão de 1ª Instância estava correta. “O Código Civil de 2002 evidencia que o direito de propriedade não é absoluto, mas esbarra nos direitos de vizinhança estabelecidos com o fim de conciliar os interesses dos vizinhos, visando à paz social” ponderou o relator Rogério Medeiros.

O desembargador entendeu que “o sossego e a tranqüilidade são efetivamente desrespeitados através de ruídos exagerados, barulhos ensurdecedores e execução de músicas com o emprego de alto-falantes de grande potência.” “A empresa promove eventos que perturbam a vizinhança e, embora não infrinja os limites legalmente permitidos, deveria amenizar os efeitos perturbadores”, considerou.

O voto do relator foi acompanhado pelos desembargadores Evangelina Castilho Duarte e Antônio de Pádua.   Processo: 1.0194.05.045213-6/002

 

FONTE:  TJ-MG, 12 de novembro de 2009


Consolidando conquistas

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* Maria Berenice Dias

Para que servem as leis? Todo mundo sabe que servem para reger a vida em sociedade. Mas, certamente, sua finalidade mais significativa é assegurar o tão propalado princípio da igualdade. Ou seja, a lei é indispensável para proteger os segmentos mais vulneráveis. Talvez seja este o seu escopo maior.

Todavia, não atentam os legisladores para esta responsabilidade enorme, ao se omitirem de criar regras que, se destinem a inserir no âmbito da tutela jurídica quem é alvo da exclusão social.

O estágio presente da estrutura social se traduz no que se vem chamando de modernidade líquida. Distintas formas de expressar e vivenciar o afeto, diferentes maneiras de compartilhamento de vida emergem e demandam reconhecimento.

Por muito tempo, as relações de p essoas do mesmo sexo foram estigmatizadas, restando homossexuais e transexuais confinados num universo paralelo, marginalizados. Todavia, nos últimos anos a sociedade vem se mostrando um tanto mais tolerante e, paulatinamente, vem modificando a sua forma de encarar as relações entre iguais. Os homossexuais começaram a adquirir visibilidade e foram buscar a Justiça. Infelizmente, a postura omissiva de quem tem o dever de fazer leis é histórica. Basta lembrar o calvário sofrido para o divórcio ser inserido no sistema jurídico. Apesar dos reclamos sociais, passaram-se 27 anos para que o Congresso Nacional acabasse com a indissolubilidade do casamento. Tal fato também se deu com as uniões extramatrimoniais e a filiação chamada de ilegítima. Falsos moralismos e preconceitos infundados impediam o seu reconhecimento.

Ainda bem que o silêncio do legislador não cala a Justiça. De há muito vêm os juízes reconhecendo que a falt a de leis não significa ausência de direitos, Assim acaba a jurisprudência tamponando as lacunas da lei e ditando pautas de conduta, que passam a guiar a vida em sociedade.

A atividade legiferante que deveria ser exercida pelo Legistativo, acaba sendo preenchida pela jurisprudência. Não poderia ser diferente! Em face da enorme preocupação de não cometer injustiças, a justiça avança, construindo novos paradigmas. Mas a via judicial é demorada, quer porque a jurisprudência custa a se cristalizar, quer porque as decisões, ainda que reiteradas, não têm efeito vinculante.

Os avanços, no entanto, não suprem o direito à segurança jurídica que só a lei outorga. Daí a urgente necessidade de inserção das uniões que passaram a ser chamadas de homoafetivas no sistema jurídico . O silêncio é a forma mais perversa de exclusão, pois impõe constrangedora invisibilidade que afronta alguns dos mais elementares direitos, como o dir eito à cidadania e à dignidade, base de qualquer Estado que se diga Democrático de Direito. Para a consolidação das diretrizes ditadas pelo Judiciário há outro obstáculo que se revela quase intransponível: a inacessibilidade dos julgamentos e a falta de prestígio das decisões de primeiro grau. Apesar de todo o avanço tecnológico, a busca pela jurisprudência é uma tarefa praticamente irrealizável. Seja pela falta de um sistema de informação unificado, seja pela má qualidade dos servidores dos Tribunais, as pesquisas são inviáveis e, no mais das vezes, mal sucedidas.

Por incrível que possa parecer não há como saber como julgam todos tribunais deste país. As tentativas são frustrantes e exasperantes, e os resultados, na maioria dos sites dos tribunais, são nulos.

Quando se trata de questões referentes ao direito das famílias, então, as dificuldades só aumentam. Sob a equivocada alegação de que as demandas tramitam em segredo de justiça, as decisões simplesmente não são disponibilizadas. Um singelo ato, como a exclusão do nome das partes é suficiente para preservar eficazmente as identidades e privacidade das mesmas. www.direitohomoafetivo.com.br. Indispensável saber tudo o que a justiça já assegurou a homossexuais e transexuais. Trata-se de um projeto arrojado, cujo trabalho foi árduo e contou com a colaboração entusiasmada de muita gente. Os resultados foram surpreendentes. Basta atentar que já no ano de 1980 foi deferida a troca de nome de transexuais e desde 1989 a justiça federal concede direito previdenciário a parceiros do mesmo sexo. Mas há mais, muito mais. Data do ano de 1998 a primeira sentença deferindo a adoção homoparental. O surpreendente é que há decisões de todos os Estados, já chegando a quase setecentos o número de sentenças e acórdãos inseridos no banco de dados. Todos estes percalços é que motivaram a construção de uma ferramenta poderosa de busca e acesso a material relativo à homoafetividade e transexualidade:

Não foram olvidados os projetos de leis em tramitação, as normatizações existentes, além de exaustivo levantamento bibliográfico tanto nacional como internacional. Igualmente está disponível a legislação e a jurisprudência estrangeiras mais significativas, pois a preocupação com a regulação das uniões homoafetivas integra a agenda do pensamento jurídico mundial. Hoje, muitos países do mundo não mais ignoram os vínculos homoafetivos, que deve servir de exemplo. A razão de ser de todo este trabalho não é só capacitar os profissionais a trabalharem com este novo ramo do direito. É muito mais consolidar as conquistas e mostrar que o Judiciário não é cego e tem coragem de fazer justiça.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

MARIA BERENICE DIAS: Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM.

Crucifixo: Fé vs. Razão

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Atahualpa Fernandez 

Delere Auctorem Rerum Ut Universum Infinitum Noscas”.    D. DENNETT

De uma maneira geral, as Constituições modernas determinam que nenhuma confissão religiosa terá caráter estatal, quer dizer, que os Estados são laicos e que permanecem à margem dos credos, considerados todos esses por iguais aos efeitos do trato que hão de receber. Não há um documento semelhante à “lei das leis” no que se refere às religiões, mas, ao menos, as chamadas “do livro” dispõem de uns textos sagrados aos que seus respectivos devotos atribuem uma autoria divina.

A igreja católica dispõe da Bíblia e, formando parte dela, de um Novo Testamento no qual figura, se não recordo mal, a recomendação feita por Jesus  de “dar a César o que é de César e a Deus o que pertence a Deus”.

Essa separação entre o mundo laico e o religioso foi o fundamento mesmo da aparição dos Estados modernos, uma vez que o poder religioso – acusadamente depois da reforma protestante- decidiu desentender-se dos assuntos políticos e centrar-se no que forma parte da mensagem bíblica – ainda que, diga-se de passo, a maioria dos vicários do Senhor continuem a incorrer na denominada contradição “performativa”: “chove, mas não creio que chova“; “meu Reino não é deste mundo, mas atuo tal como se fosse”.

Pois bem, o último episódio relativo à batalha do laicismo contra a religião e seus símbolos foi a recente decisão (caso Lautsi v. Itália, de 03/11/2009), por unanimidade, do Tribunal de Estrasburgo (ou Corte Européia de Direitos Humanos) ao declarar que a presença de crucifixos nas salas de aula constitui uma restrição/violação “dos direitos dos pais de educar seus filhos segundo suas convicções religiosas ou filosóficas” e do direito fundamental à “liberdade de crença religiosa dos próprios alunos”. Pela primeira vez, em uma decisão histórica, o Tribunal decidiu sobre a presença de símbolos religiosos nas escolas.

Fundamentada na Convenção Européia de Direitos Humanos (1950), a referida decisão indica que “a exibição obrigatória do símbolo de uma determinada confissão (no caso, de crucifixo) em instalações utilizadas pelas autoridades públicas e especialmente em salas de aula (…) é contrária ao princípio da secularidade, do pluralismo educacional e dos valores centrais da liberdade e da igual dignidade de todos”.

Esta decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos provocou – como não poderia deixar de ser – uma profunda indignação entre os membros da comunidade formada por católicos apostólicos romanos. Não aos cristãos em sua totalidade, porque também há cristãos que não são apostólicos romanos e não consideram que o símbolo da cruz seja seu valor essencial. Também resulta quase inútil recordar que a decisão do tribunal europeu dista muito de ser ofensiva para aqueles que são ateus e não tem religião, como tão pouco parece ultrajante para aqueles que professam outras crenças religiosas.

O extraordinário desta sentença destinada a provocar não somente  escândalo, senão também debate e enfrentamento, é que vulnera a fundo a realidade de muitas sociedades – notadamente a brasileira – que ainda vivem ideológica e pusilanimemente à sombra do poder da Igreja católica[1]. Visto assim, a decisão é uma crítica profunda ao seu símbolo por excelência, a cruz. Uma simbologia tardia, imposta como identidade de nossa cultura. Uma cultura de poder, dominação e submissão em que os católicos parecem não estar dispostos a renunciar facilmente à idéia de que “são os gestores exclusivos da religião do Estado”.

Mas ao abrir o livro negro dessa tradição nos damos conta de que o catolicismo da Igreja romana esconde, detrás de um crucifixo interpretado como redenção, uma cultura e uma história de violências, intolerâncias, barbaridades e conflitos.

Em nome da cruz a religião católica fomentou ativamente o assassinato, a aniquilação e a guerra contra as pessoas que professavam outra religião. No passado, e ainda na atualidade – e já não mais de forma sutil -, fanáticos e fundamentalistas católicos seguem pregando a discriminação de comunidades inteiras, ensinando que Deus quer que disseminem sua sagrada palavra pelo mundo e que, portanto, para a efetiva consecução da “justiça divina”, é “ bom” excluir, eliminar, destruir, suprimir e discriminar. Essa é a verdadeira mensagem que, em sua essência, transmite hoje a Igreja de Roma, comodamente instalada na riqueza e na usurpação espiritual, na intolerância, na exclusão sexual e na pedofilia, no palavreado místico e na retórica dessorada e vazia de conteúdo.

Que os fiéis cristãos e os sacerdotes busquem em nome da cruz, e no reino de Deus, impor essa forma de ideologia dominante, discriminatória e excludente é algo que entra em suas prerrogativas inalienáveis. Mas, em uma dimensão mais terreal e constitucionalmente laica, essa prerrogativa tem um limite muito claro: os direitos próprios dos demais (dos avessos à religião católica apostólica romana). Daí que a presença de crucifixos em salas de aula pode representar um desconforto e um transtorno para os de indivíduos que professam outras religiões e para os ateus, uma forma de “silencioso” condicionamento de que se serve a religião católica para aumentar seu poder e sua influência, minando a educação com determinadas crenças como se fossem verdadeiras e com a intenção de que os estudantes as aceitem independentemente das razões que possam existir a favor ou em contra destas e de outras crenças e/ou teorias em disputas.

Um indivíduo pode crer em Deus. Outro pode sofrer ao pensar na enorme quantidade de crianças que ainda vivem em situação de extrema pobreza. Um indivíduo pode aceitar os ditados da Igreja e tolerar a pedofilia dos sacerdotes. Outro pode comungar com o arcebispo de Recife que excomungou a mãe, aos médicos, ao motorista da ambulância e a todos os vinculados com a interrupção da gravidez de uma criança de nove anos que foi violada e estuprada por seu padrasto.

Mas independentemente de nossas posições pessoais, seja de acordo com uma ideologia progressista ou conservadora, de acordo com a direita ou esquerda, em termos confessionais ou laicos, é absolutamente necessário e indispensável reconhecer que em nome dessa religião e desse “símbolo” já se cometeram os crimes mais inumanos e bárbaros de que a História nos mostra todo um catálogo de monstruosos exemplos. E se seguem cometendo com as proibições contra o direito dos homens a administrar o conhecimento e a liberdade individual e sexual.

Se é essa  nossa “herança cultural” segundo declaram os que qualificam de “aberrante” a decisão de Estrasburgo, por que não falamos do lado escuro e turvo da cruz como simbologia de poder, dominação e intolerância?

Qualificar a sentença de “errada e míope por excluir a religião da realidade educativa”, afirmar que o crucifixo tem “uma função simbólica altamente educativa e que sempre foi um sinal de oferta do amor de Deus e de união e acolhida para toda a humanidade", que a religião constitui um “mecanismo eficaz de inibição da violência, da correção de rumos e da solução de desentendimentos”, ou que “tantos ensinamentos filosóficos que constam das escrituras sagradas (…) poderiam ter levado à solução pacífica dos conflitos e guerras que assolaram a humanidade”, é de um cinismo atroz e sádico e/ou de uma ignorância imperdoável e irredimível[2].

Também não faltam os fiéis de plantão que afirmam que a sentença é “ideológica”. Que nos falem então da violência na cultura histórica da Igreja romana apostólica, das fogueiras contra a razão herética que por si só fez avançar à humanidade. Se o que se pretende defender é sua origem salvadora para todos, então há que aceitá-lo e adaptá-lo ao presente, porque ao princípio não era mais que um signo para identificar os lugares clandestinos de oração e culto; um símbolo tardiamente imposto, que vale por um ritual de morte, hostil aos demais, às outras culturas, histórias e religiões. De fato, a qualquer pessoa dos tempos de Jesus lhe haveria resultado igual de ridículo, patético e chocante ver a um cristão com uma cruz ao pescoço ou ajoelhado ante a imagem de um crucificado.

A decisão de Estrasburgo nada mais fez que (a) afirmar o princípio segundo o qual em uma sociedade livre e aberta as crenças fundamentais relativas a compromissos religiosos e axiológicos devem adotar-se de maneira autônoma e voluntária; (b) recordar que as normas da moral a que chamamos civilizada proíbem privilegiar uma crença religiosa em detrimento de outras; (c) assegurar o princípio segundo o qual nem os pais, nem as comunidades religiosas têm direito a solicitar o auxílio do Estado para que os ajude a inculcar suas crenças religiosas particulares em nossas crianças, nem tão pouco para que seus símbolos, costumes e valores se perpetuem através de seus filhos; e (d) garantir o princípio segundo o qual em uma sociedade pluralista e multicultural o Estado tem a obrigação e responsabilidade ético-jurídica de promover a tolerância e o reconhecimento de valores diferentes, de crenças religiosas e de crenças não religiosas.

Qualquer devoto que insista na defesa de que o Estado deve assumir uma política que possa implicar no desprezo da tolerância ou no desconhecimento do pleno, inalienável e incondicional direito dos indivíduos a assumir por si mesmos crenças e valores diferentes, é um perigo para o exercício pleno da liberdade e autonomia cidadã. Quando uma determinada ideologia religiosa transpõe a esfera do privado e do pessoal e converte-se, com o beneplácito do Estado e como manancial de graça santificante, em costume ou tradição obrigatória para todos os cidadãos, está servida a mesa para a incompreensão, o fanatismo, a submissão e a intromissão arbitrária e despótica em nossa individualidade.

Dito de outro modo, se arrancamos o misticismo de seu dogmatismo religioso, obteremos uma postura humanista, fundada na “criatura” (no ser humano desenhado[3] para a cooperação, o diálogo e a argumentação). E a religião,  especialmente a católica, é algo muito distinto. A única garantia de uma contínua colaboração entre os seres humanos é uma boa disposição para  modificar nossas idéias  (e o comportamento resultante)  por meio do diálogo e à luz de novas evidências e argumentos. Se eu creio no determinismo divino e me conformo com a infalibilidade papal, então nada do que diga outra pessoa logrará persuadir-me, porque me encontro entregado a uma fé que me faz imune ao poder do diálogo. Em realidade, a sacralização de um conjunto de normas, costumes e símbolos é uma extraordinária fonte de poder e o modo mais eficaz de cortar pela raiz o diálogo, a liberdade e a autonomia individual.

E a liberdade consiste precisamente no fato de que o homem é livre quando dispõe da capacidade de tomar em suas mãos seu próprio obrar, suas convicções (filosóficas e religiosas) e seus planos de vida. Somos nós que temos que escolher e decidir nosso destino, partindo já de uma bagagem inata dada e sob a orientação do conhecimento, de nossa razão e de nossas emoções. A liberdade real nos abre um amplo campo de possibilidades e objetivos que cada um de nós deve por em prática de acordo com seu modo peculiar de ser e suas circunstâncias. Eleger livremente nossos planos de vida implica a liberação de tudo aquilo que nos escraviza; ser livre é ir liberando-se pouco a pouco daquelas amarras que não permitem ter um domínio ou controle pleno sobre si mesmo. O interesse humano pela verdadeira liberdade, como valor prioritário na ordem dos valores, vem a converter-se, desde a idéia da dignidade humana, em um convite a viver dignamente nossa existência na construção e eleição conjunta de alternativas reais e factíveis que priorizem nossa inalheável e inata capacidade moral para decidir o que é bom e o que é mau.

Daí que para existir como indivíduo separado e autônomo é, pois, e ao menos, necessária a garantia plena da liberdade; é necessário não ser condicionado e/ou perseguido por interesses ou crenças religiosas espúrias e, principalmente, não ser tratado como um instrumento (uma “ovelha” ou “servo” do Senhor) senão como um fim em si mesmo. A liberdade é o contrário da servidão: é livre quem não pode ser arbitrariamente interferido por outros em seus planos de vida (não somente por parte do próprio Estado, senão também de todos os demais agentes sociais e/ou espirituais).

Esta não interferência arbitrária, característica de nossas democracias, é um dos princípios fundamentais universais e valor incondicional que deve ser utilizado de forma inegociável para a garantia dos direitos constitutivos do homem no âmbito de sua vontade soberana e que habilitam publicamente a sua existência como in-divíduo livre e autônomo. Sobretudo em tema de educação de filhos e de crenças religiosas, o que realmente conta, no concernente à liberdade dos pais, é a sua autonomia. E a autonomia é essencialmente uma questão de se somos ativos e não passivos em nossos motivos e eleições; de se, com independência de qualquer dogma religioso, são motivos e eleições que realmente queremos e que, portanto, não nos são alheios. Somente aos pais lhes é dado julgar essas circunstâncias, e não à caterva arrogante de sacerdotes empenhados em decidir por eles. A educação e a formação virtuosa do caráter é algo demasiado importante como para deixá-lo à contingência de uma sinistra, retorcida e perniciosa manipulação eclesiástica de determinadas crenças religiosas.

Assim que, por todo o dito, resta ainda uma última reflexão: se a seleção natural "apaga" os genes mais prejudiciais e ativa os mais favoráveis, por que existem os eclesiásticos? Se através da evolução e da cultura, o animal humano melhorou a qualidade de sua vida, ampliou o alcance de sua inteligência e conseguiu dotar-se de uma consciência ética que lhe impulsiona a amar a seus semelhantes, a respeitar suas vidas e suas liberdades, e que lhe reprocha intimamente, insuportavelmente, suas misérias e sua capacidade para o mal, como é que não se desembaraçou dos clérigos?

Que função evolutiva pode ter uma Igreja que, por intermédio de seus  dissimulados vicários e intérpretes de uns deuses atávicos,  condenou aqueles que se arriscaram a pensar por sua conta e a viver de acordo com sua natureza e crenças; acendeu fogueiras e queimou hereges e bruxas; se manteve omissa e tolerante com as selvajarias perpetradas por Hitler e por Mussolini; fomenta a intolerância, a discriminação e se mostra inimiga da verdade; atua como freio ao crescimento moral e humanístico; encarniça a autonomia individual; amordaça a palavra e condena a liberdade da alma ao fogo eterno do inferno; prega a homofobia e a misoginia; reprime as demais religiões donde manda e exige liberdade de culto  donde não manda;…?

Por que sobrevivem seres que desafiam toda a moral e são capazes de enganar a sabendas aos mais débeis e desvalidos dos humanos dizendo-lhes que os preservativos podem aumentar o risco de contrair AIDS? Por que persistem seres que enganam aos demais atribuindo vida a símbolos/objetos inanimados e inventando demônios e deuses em que temos que crer, adorar, dar vida própria e independente, e atribuir controle e poder sobre nós mesmos, seus únicos criadores? Suponho que somente desde Darwin[4] é possível explicar-se a existência de tais criaturas: provavelmente devem ser vestígios, um “resíduo evolutivo”, de nossos antepassados os répteis.

Portanto, e aqui termino, o que devemos tratar de fazer é simplesmente ignorar os discursos que insistem em questionar a justiça da decisão da Corte de Direitos Humanos, desde suas intransigentes posições aferradas à fé e com os caprichos que lhes atribui os símbolos e as disparatadas mitologias predicadas pela religião católica. E, na mesma medida, tratar de apartar de uma vez por todas o irracional, o transcendente, o inadmissível, o inverossímil e o indemonstrável (precisamente porque é indemonstrável) e deixar que a realidade formativa da escola volte a ser um espaço criativo, livre de religiões, incapaz de impor a ninguém as obrigações opressivas que dimanam dos valores alheios, ferinamente coloridos com a promessa, moralmente repugnante, de alívio ao sofrimento, de resignada aceitação da miséria humana e salvação eterna. 


NOTAS

 

[1] “A Puta de Babilônia”, como chamavam os albigenses à Igreja de Roma segundo a expressão do alucinado Livro que escreveu São João na Ilha de Patmos aos 100 anos, o Apocalipse: “Vem, mostrar-te-ei a condenação da grande prostituta que está assentada sobre muitas águas, com a qual se prostituíram os reis da terra; e os que habitam na terra se embebedaram com o vinho da sua prostituição. A mulher estava vestida de púrpura e de escarlata, adornada com ouro, e pedras preciosas, e pérolas, e tinha na mão um cálice de ouro cheio das abominações e da imundícia da sua prostituição. E, na sua testa, estava escrito o nome: A GRANDE BABILÔNIA, A MÃE DAS PROSTITUIÇÕES E ABOMINAÇÕES DA TERRA” (17:1-5). (Fernando Vallejo, 2008).

 

[2] As duas primeiras citações são manifestações de legítimos representantes da Santa Sé; as duas últimas, do jurista e deputado estadual Fernando Capez.

 

[3] Ao usar o termo “desenho” não me refiro a qualquer tipo de postura “criacionista” ou de “desenho inteligente”, senão, e sempre, a algo desenhado pela seleção natural. De fato, as coisas viventes não estão desenhadas, embora a seleção natural darwinista autorize para elas uma versão da postura de desenho, isto é, de que é perfeitamente possível traduzir a postura de desenho aos termos darwinistas adequados (Dawkins, 2007; Dennett, 1987).

 

[4] Quem melhor que ninguém soube expressar essa mescla de defesa radical da liberdade de pensamento e tolerância. Disse Charles Darwin em uma de suas cartas: “Aunque soy un fuerte defensor de la libertad de pensamiento en todos los ámbitos, soy de la opinión, sin embargo –equivocadamente o no–, que los argumentos esgrimidos directamente contra el cristianismo y la existencia de Dios apenas tienen impacto en la gente; es mejor promover la libertad de pensamiento mediante la iluminación paulatina de la mentalidad popular que se desprende de los adelantos científicos. Es por ello que siempre me he fijado como objetivo evitar escribir sobre la religión limitándome a la ciencia”.

 

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ATAHUALPA FERNANDEZ: Pós-doutor  em Teoría Social, Ética y Economia pela Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política pela Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas pela Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e  Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara;Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha;Especialista em Direito Público pela UFPa.; Professor Colaborador Honorífico (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB; Membro do Ministério Público da União /MPT (aposentado); Advogado.

 

 

 

 


A Carta das Nações Unidas, os Direitos Humanos e o debate do tema no Brasil

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* João Baptista Herkenhoff 

No Brasil o clima de interesse pela questão dos Direitos Humanos tem crescido muito. Tanto a discussão teórica e geral, sempre importante, quanto a discussão concreta, dirigida à realidade de Estados, Municípios, regiões.

A reflexão é oportuna como preparação para celebrar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro próximo.

As Comissões de Direitos Humanos e órgãos similares multiplicam-se por todo o território nacional: comissões ligadas às OABs, às Igrejas, a Assembléias Legislativas, a Câmaras Municipais, Comissões de origem popular que testemunham o grito da sociedade no sentido da construção de um Brasil mais justo e digno para todos.

Em muitos Estados da Federação (São Paulo, Espírito Santo e outros), a partir das Comissões “Justiça e Paz”, que surgiram em plena ditadura militar, por inspiração da Igreja Católica (mas numa abertura ecumênica), quantos frutos e sementes advieram.

A Carta das Nações Unidas, que criou a ONU, estabeleceu como um dos propósitos desse organismo internacional promover e estimular o respeito aos Direitos Humanos.  

Em atendimento a esse objetivo, o Conselho Econômico e Social, órgão responsável por esta matéria no seio da ONU, criou a Comissão de Direitos Humanos.

A Comissão de Direitos Humanos, como sua primeira empreitada, discutiu e votou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, submetida depois à Assembléia Geral.

A Assembléia Geral da ONU aprovou e proclamou solenemente a Declaração no dia 10 de dezembro de 1948.

O trabalho da ONU, em favor dos Direitos Humanos, não tem sido realizado pelo Conselho de Segurança, um esdrúxulo organismo no qual as nações poderosas têm “poder de veto”, em radical oposição ao princípio da igualdade jurídica das Nações.  A igualdade jurídica das nações, postulado da mais profunda radicação ética, foi defendida por Rui Barbosa, na Conferência de Haia, em 1907.  

A luta da ONU pelos Direitos Humanos deve ser creditada a suas agências especializadas e à Assembléia Geral, um organismo democrático onde se assentam, com igualdade, todas as nações.

Se a ONU, no que tange a seu papel de guardiã da paz, tem falhado, não se pode deixar de reconhecer seu mérito em outros campos de atuação. É magnífico o trabalho da ONU na educação, na saúde, na defesa e proteção do refugiado, na luta contra a miséria, na busca de preservação do meio ambiente, na construção de uma ideologia da paz.

O mundo não é tão bom quanto queremos, sob a bandeira da ONU. Mas seguramente seria pior se a ONU não existisse. 

As forças que lutam pelos Direitos Humanos, pela germinação de uma consciência de paz e tolerância no coração dos povos, pela educação, saúde, meio ambiente, em favor do refugiado, dentro da ONU, não são as mesmas forças que subscrevem a guerra e sustentam políticas opressivas.  Estas são contradições presentes nas mais diversas instituições humanas.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo. Autor do livro Direitos humanos – uma ideia, muitas vozes (Aparecida, SP, Editora Santuário). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

 


Estupro e transmissão do virus da Aids de acordo com a Lei nº 12.015/09

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Eduardo Luiz Santos Cabette

Com o advento da Lei 12.015/09 foram acrescentadas duas novas causas de aumento de pena para o crime de estupro, nos termos da redação do artigo 234 – A, III e IV, CP. A primeira causa de aumento trata dos casos em que do estupro resulte gravidez, quando o acréscimo será de metade. Já a segunda causa de aumento refere-se à transmissão à vítima de doença sexualmente transmissível de que o agente sabe ou deveria saber ser portador, sendo o incremento da ordem de um sexto até a metade.

Neste trabalho será analisada especificamente a segunda figura acima mencionada, especialmente no que se refere à transmissão da AIDS como resultado de um crime de estupro.

Dentre as "doenças sexualmente transmissíveis" estão certamente as chamadas "doenças venéreas" (v.g. cancros, blenorragia etc.). No entanto, nem todas as "doenças sexualmente transmissíveis" são venéreas. A hanseníase se transmite pela via sexual, assim como a AIDS e nem uma nem outra são "doenças venéreas". Portanto, serve para a configuração da causa de aumento do artigo 234 – A, IV, CP, tanto a transmissão de "doenças venéreas" como de outras "doenças sexualmente transmissíveis", vez que as primeiras são apenas uma espécie das segundas.

Em geral a conduta do agente poderá ser dolosa na transmissão da doença, pois a lei prevê o caso em que o agente "sabe" que está contaminado. Também poderá ser preterdolosa, já que há previsão da expressão "deve saber". Nessa situação o autor agiria com dolo no antecedente (estupro) e culpa no consequente (transmissão da doença).

Outra observação interessante é a de que a causa de aumento de pena, de acordo com a dicção legal e até por questão de bom senso, somente será aplicada quando a vítima do crime for contaminada. Caso ocorra contaminação do próprio autor do crime de estupro pela vítima por doença sexualmente transmissível, não será viável a aplicação do aumento de pena em estudo, isso porque a legislação é clara ao estabelecer a causa de aumento somente para situações em que "o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível". Destaque – se que a solução legal é coerente, uma vez que a contaminação do autor ocorrida durante sua própria conduta criminosa já lhe pesa como uma espécie de pena natural, tornando a reação penal desnecessária e até irrazoável.

Resta agora analisar o caso da transmissão do vírus HIV pelo praticante do crime de estupro. Quando acima se afirmou que, conforme a dicção legal, a conduta que enseja a contaminação pode ser dolosa ou preterdolosa, tal orientação não tem aplicação para o caso da AIDS. Isso porque a AIDS é uma doença ainda letal, inobstante todos os consideráveis avanços em seu tratamento. Assim sendo, quem transmite dolosamente o vírus da AIDS a outrem atua com "animus necandi" ou "occidendi", ou seja, quer matar a vítima. Se o agente estupra a vítima e lhe transmite dolosamente a AIDS, não se trata de um caso de estupro com aumento de pena, mas sim de concurso formal impróprio (artigo 70, "in fine", CP) entre os crimes de estupro e de tentativa de homicídio. [01] Nos demais casos que se referem a doenças venéreas ou outras enfermidades, mesmo que graves, o conflito entre o estupro com aumento de pena se dá com crimes de perigo (v.g. artigos 130 e 131, CP), razão pela qual, de acordo com o Princípio da Subsidiariedade, são estes afastados, prevalecendo o estupro majorado. Já no caso da tentativa de homicídio, se trata de crime de dano de suma gravidade, o qual não pode ser simplesmente afastado por subsidiariedade nem mesmo absorvido com base no Princípio da Consunção.

Efetivamente tem se assentado na doutrina e na jurisprudência que a transmissão dolosa do vírus da AIDS configura crime de tentativa de homicídio enquanto a vítima está viva e homicídio consumado quando ocorre o evento morte. Este é o pensamento, por exemplo, de Rogério Greco:

          "Entendemos que, nessa hipótese, como não existe, ainda, a cura definitiva para os portadores de Aids, mesmo que o ‘coquetel de medicamentos’ permita, atualmente, considerável sobrevida, o fato deverá se amoldar ao art. 121 do Código Penal, consumado (se a vítima vier a falecer como consequência da síndrome adquirida) ou tentado (se, mesmo depois de contaminada, ainda não tiver morrido)". [02]

Diverso não tem sido o rumo das decisões jurisprudenciais sobre a matéria:

          "Em havendo dolo de matar, a relação sexual forçada e dirigida à transmissão do vírus da AIDS é idônea para a caracterização da tentativa de homicídio" (HC 9378/ RS – 1999/0040314 – 2 – 6ª. Turma – Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. em 18.10.1999, DJ em 23.10.2000, p. 186). [03]

A única hipótese em que a transmissão da AIDS em situação de estupro configurará normalmente a causa de aumento de pena e não concurso com tentativa de homicídio, será no caso de conduta preterdolosa do agente. Se o agente não tem em mira a transmissão do vírus letal porque, por exemplo, não se sabia infectado e o transmite com culpa, configura-se o estupro exasperado e afasta-se o crime de tentativa de homicídio por ausência do necessário elemento subjetivo deste último.

Frise-se que não será viável a aplicação da causa de aumento de pena concomitantemente com o crime de tentativa de homicídio nos casos de transmissão dolosa do vírus da AIDS porque em tal situação ocorreria "bis in idem".

Finalmente é interessante salientar que poderá surgir entendimento de que nos casos de transmissão dolosa da AIDS, em se configurando a tentativa de homicídio, seria o crime de estupro absorvido como "crime – meio". Afinal, o agente teria estuprado a vítima com o móvel de transmitir-lhe a doença letal e levá-la à morte. Mesmo ante essa possível argumentação, sustenta-se que a melhor solução será o concurso formal impróprio entre o estupro e a tentativa de homicídio. Em primeiro lugar porque haverá nessas situações a lesão de bens jurídicos diversos (dignidade sexual no estupro e vida no homicídio). Além disso, é fato que se o agente quisesse somente atingir o bem jurídico "vida" com sua conduta, poderia ter optado por transmitir a AIDS de outras formas à vítima, que não a via sexual. Como já se disse alhures, a AIDS não é doença venérea, é apenas sexualmente transmissível, mas pode haver contaminação por outras vias que não apenas o contato sexual (v.g. injeção de sangue contaminado etc.). Portanto, o agente, deliberadamente e com autonomia de desígnios, atinge bens jurídicos diversos, devendo responder pelos crimes respectivos em concurso formal impróprio e sendo apenado pela regra do cúmulo material.

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Notas

1.        Ver neste sentido: LEAL, João José, LEAL, Rodrigo José. Novo tipo penal de estupro unificado. Considerações sobre as causas de aumento de pena e a ação penal. Disponível em www.jusnavigandi.com.br, acesso em 10.09.2009.

2.        Curso de Direito Penal.Volume II. 4ª. ed. Niterói: Impetus, 2007, p. 198.

3.      Op. Cit., p. 198.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume II. 4ª. ed. Niterói: Impetus, 2007.

LEAL, João José, LEAL, Rodrigo José. Novo tipo penal de estupro unificado. Considerações sobre as causas de aumento de pena e a ação penal. Disponível em www.jusnavigandi.com.br, acesso em 10.09.2009.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE:  delegado de polícia, mestre em Direito Social, pós-graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, professor da graduação e da pós-graduação da Unisal.

Elaborado em 11.2009

O princípio da isonomia e a ampliação da licença maternidade prevista na Lei n.º 11.770/08

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* Ravênia Márcia de Oliveira Leite

A Lei n° 11.770, publicada em 09 de setembro de 2008, instituindo o programa "Empresa Cidadã", oriunda do projeto de lei (PLS nº 281/05), trouxe novas alterações ao benefício previdenciário do salário-maternidade, criando a possibilidade de prorrogá-lo por mais 60 (sessenta) dias.

O referido texto legislativo prevê em seus artigos 1º e 2º a hipótese de ampliação da licença maternidade para os setores públicos e privados. Senão vejamos:

    § 1º A prorrogação será garantida à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que a empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que trata o inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.

    § 2º A prorrogação será garantida, na mesma proporção, também à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança.

    Art. 2º É a administração pública, direta, indireta e fundacional, autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o art. 1o desta Lei”.

Todavia, o que se observou com a nova previsão legal, a qual supostamente deveria ter trazido um benefício foi senão a criação de uma disparidade entre as servidoras das várias esferas do setor público e setor privado.

A lei não institui como obrigatório o aumento do prazo de licença maternidade para 180 (cento e oitenta) dias. Assim, caberá à Administração Pública, bem como, ao setor privado promover as medidas ampliativas citadas. No entando, como cediço, apenas algumas grandes empresas aderiram ao programa e parte da Administração Pública, ressaltando nesse plano que em um mesmo Estado da Federação o benefício foi concedido às servidoras do Legislativo e do Judiciário e não o foi às servidoras públicas do Executivo, exempli gratia, como ocorreu em Minas Gerais.

O Decreto 6.690/08 ampliou o prazo da licença maternidade concedida, outrora, por 120 (cento e vinte) dias para 180 (cento e oitenta) dias provocando, prontamente, uma disparidade entre as servidoras federais e as estaduais e municipais, violando frontalmente a Constituição Federal no que tange à Isonomia.

Ademais, como dito, em um mesmo Estado da Federação, como Minas Gerais, criou se degraus entre as servidoras de modo que somente foram contempladas as sevidoras do Legislativo e do Judiciário. A Deliberação 2441/2009, amplia o benefício para as servidoras do Legislativo mineiro, e a Resolução 605/2009 ampliou o benefício às servidores do Judiciário nas Minas Gerais e até o momento as servidoras do Executivo foram relegadas à vala comum.

Não é novidade dizer que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, determinou que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, no entanto, diuturnamente, o Judiciário é chamado para sanar as distorções provocadas pela Lei e/ou por sua forma de aplicação.

O benefício concedido apenas ao Legislativo e Judiciário viola o princípio da isonomia previsto na Constituição Federal fato ao qual mostrou se atento o Exmo. Dr. Douglas Marcel Peres, da 4ª Vara da Fazenda Pública, no Paraná, o qual concedeu prorrogação da licença-maternidade de 120 (previsto pela lei estadual) para 180 dias para Ana Lúcia Caneti, funcionária da Secretaria da Saúde do Paraná. A decisão do juiz se baseou no princípio da isonomia, pois servidores federais e do judiciário estadual têm direito aos seis meses de afastamento.

Dessa forma, verifica se que a correção de tal disparidade e violação aos ditames legais senão feita imediatamente pelo Legislativo deverá ser corrigida pelo Judiciário, conforme os ensinamentos de Alexander Hamilton:

    “Não há proposição que se apóie sobre princípios mais claros do que a que afirma que todo ato de uma autoridade delegada, contrário aos termos do mandato segundo o qual se exerce, é nulo. Portando, nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. Negar isto equivaleria a afirmar que o mandatário é superior ao mandante, que o servidor é mais que seu amo, que os representantes do povo são superiores ao próprio povo e que os homens que trabalham em virtude de determinados poderes podem fazer não só o que estes não permitem, como, inclusive, proíbem. Não é admissível supor que a Constituição tenha tido a intenção de facultar aos representantes do povo para substituir a sua vontade à de seus eleitores. É muito mais racional entender que os tribunais foram concebidos como um corpo intermediário entre o povo e a legislatura, como a finalidade, entre várias, de manter esta última dentro dos limites atribuídos à sua autoridade (…).” (grifo nosso)

Nesse contexto, sopesa se a importância do Judiciário frente o emarenhado de Leis que distorcem a intenção Constitucional com vistas a corrigi-lá, bem como, advertir aos Administradores e Legisladores da soberania da Magna Carta. Todavia, conforme Hamilton, “não supõe de nenhum modo a superioridade do pode judicial sobre o legislativo. Somente significa que o poder do povo é superior a ambos e que onde a vontade da legislatura, declaradas em suas leis, se acha em oposição com a do povo, declarada na Constituição, os juízes deverão ser governandos pela última de preferência às primeiras. Deverão regular suas decisões pelas normas fundamentais e não pelas que não o são”.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Ravênia Márcia de Oliveira Leite:  Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar e em Direito Penal e Processo Penal – Universidade Gama Filho.

 


 


Lançamento por homologação e prazo decadencial. Abordagens práticas

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*Kiyoshi Harada

Continua em aberto a discussão em torno do prazo decadencial para lançamento de tributos por homologação.

Dispõe o § 4º, do art. 150, do CTN:

    “§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação”.

Parece clara a disposição legal no sentido de que o prazo para constituir o crédito tributário, por meio de lançamento por homologação, conta-se a partir da data da ocorrência do fato gerador. Difere do termo inicial referido no art. 173, I do CTN que rege o lançamento direto ou de ofício.

A tese dos cinco mais cinco que prosperou durante certo tempo parece ter sido afastada. Não se justifica aguardar o decurso do prazo de cinco anos para homologação e só então, em face do não pagamento do tributo que deveria ter sido antecipado, reabrir-se o prazo de lançamento direto. Afinal, nada há na lei que impeça o agente fiscal de homologar ou autuar o contribuinte no mês seguinte ao da comunicação de apuração do imposto. É o caso, por exemplo, do encaminhamento da GIA relativamente ao ICMS apurado no mês. A Fazenda dispõe de meios eletrônicos para saber se o imposto apurado e informado foi recolhido ou não, sem necessidade de fiscalização in loco.

Outrossim, não prospera a tese de que falta de antecipação do pagamento descabe a cogitação de lançamento por homologação abrindo-se o caminho para o lançamento direto, iniciando-se o prazo decadencial a partir do 1º dia do exercício seguinte em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

Primeiramente, porque o que se homologa não é o pagamento antecipado.

Homologa-se a atividade exercida pelo contribuinte: extração de notas fiscais; escrituração dessas notas; apuração do imposto devido; comunicação do imposto apurado. Ainda, que não tenha havido pagamento antecipado do imposto apurado e comunicado, o fisco pode concordar com o valor apurado homologando a atividade exercida pelo contribuinte inscrevendo-o diretamente na dívida ativa, sem necessidade de notificar o contribuinte para apresentar impugnação. Não cabe falar em contraditório contra ato praticado pelo próprio contribuinte. Outrossim, se o fisco entender que a atividade exercida pelo contribuinte está parcialmente equivocada, ocasionando redução tributária, caberá o lançamento complementar, por via de lançamento direto, porém, dentro do prazo decadencial do § 4º, do art. 150, do CTN.

Em segundo lugar, a aplicação da regra do art. 173, I do CTN, que protela a contagem do prazo decadencial para o 1º dia do exercício seguinte em que o lançamento poderia ter sido efetuado, só tem aplicação em relação a tributos anuais. Não é o caso do IPI, do ICMS e do ISS em que os impostos são apurados e pagos mensalmente.

Completamente diferente a hipótese em que o contribuinte incorre em sonegação fiscal. Deixa de emitir notas fiscais e de escriturar os livros fiscais obrigatórios. Nesse caso, embora o imposto se classifique entre tributos de lançamento por homologação, não se pode cogitar de homologação, pois nada há a ser homologado. Descoberta a sonegação tributária haverá lançamento de ofício pela regra do art. 173, I, do CTN, sem prejuízo da ulterior ação penal. Aliás, é a própria parte final do § 4º, do art. 150, do CTN que ressalva a hipótese de dolo, fraude ou de simulação para afastar o prazo decadencial de cindo anos a contar da data da ocorrência do fato gerador.

Há outros casos, também, em que fica prejudicado o lançamento por homologação. É o caso, por exemplo, do empregado não registrado. Nunca haverá ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária, consistente no pagamento da folha de remuneração, pelo simples fato de o empregado não figurar na folha. Reconhecido o vinculo empregatício nos autos da reclamação trabalhista a decisão homologatória do cálculo substitui o lançamento tributário. Decisão judicial homologatória do cálculo constitui título líquido e certo tanto quanto certidão de inscrição na dívida ativa, apta a ensejar o processo de execução.

No caso, pergunta-se, qual o prazo decadencial?

Não há dispositivo legal expresso. Mas, por meio de interpretação sistemática, deve-se entender que a sentença homologatória do cálculo projeta seus efeitos retroativos a cinco anos, excluindo-se o primeiro exercício que antecede a prolação da decisão judicial.

Cabe à Justiça do Trabalho promover apenas a cobrança de contribuição previdenciária em relação aos salários apurados e homologados, ao teor do inciso VIII, do art. 114 da CF. Em relação aos períodos em que houve o reconhecimento do vínculo trabalhista, porém, sem condenação pecuniária ou acordo homologado cabe ao juiz intimar o órgão securitário para efetuar o lançamento tributário. Não cabe ao Judiciário substituir a autoridade administrativa tributária para apurar a base de cálculo da contribuição previdenciária.

Com base na sentença trabalhista ou acordo homologado, incumbe ao INSS a apuração dessa base de cálculo, compatível com a realidade, efetuar o lançamento e notificar o contribuinte para pagamento ou apresentação de impugnação (arts. 142 e 145 do CTN). O § 7º, do art. 276, do Decreto nº 3.048/1999, que aprova o Regulamento da Previdência Social, determina que reconhecido o vínculo empregatício, ainda que não tenham sido reclamadas as remunerações correspondentes, deverão ser exigidas as contribuições, tanto do empregador como do empregado para todo o período reconhecido, tomando-se por base de incidência do tributo, na ordem, o valor da remuneração paga a outro empregado de categoria ou função equivalente ou semelhante, o valor do salário normativo da categoria ou do salário mínimo mensal.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Kiyoshi Harada: Jurista e sócio do escritório Harada Advogados Associados.

POSSIBILIDADE DE PENHORA DO IRRestituição do Imposto de Renda pode ser penhorada

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DECISÃO: *TRT-MG – Acompanhando voto do desembargador Bolívar Viégas Peixoto, a 3a Turma do TRT-MG modificou decisão de 1o Grau e determinou a expedição de ofício à Delegacia da Receita Federal, solicitando informações sobre a existência de créditos relativos à restituição do Imposto de Renda das sócias executadas e, caso positivo, que seja realizado o bloqueio de valores, até o limite do débito trabalhista.  

O juiz sentenciante negou o requerimento do reclamante, por não ter encontrado valores nas contas bancárias das reclamadas e, ainda, porque, no seu entender, a restituição do Imposto de Renda retido na fonte não pode ser penhorada, uma vez que se trata da devolução de desconto indevido sobre verbas salariais. Mas, segundo esclareceu o relator, a execução deve ser realizada levando em conta o interesse do credor, sendo possível a penhora de depósitos em conta bancária do devedor. Cabe a este, portanto, demonstrar a impenhorabilidade da verba.  

O desembargador acrescentou que, no caso, não existe qualquer dispositivo legal proibindo a penhora de créditos referentes ao Imposto de Renda. Assim, a Turma deferiu o pedido do reclamante, ressaltando que, caso existam os valores relativos à restituição do Imposto de Renda, cabe às reclamadas demonstrar a existência de impedimento à penhora.   (AP nº 01283-1998-006-03-00-1)


FONTE:  TRT-MG,  03 de novembro de 2009.

VENDA DE FÉRIASEmpresa não pode obrigar empregado a vender férias

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DECISÃO: *TRT-MG – A 10ª Turma do TRT-MG analisou o caso de um empregado que era obrigado a tirar apenas 20 dias de férias, vendendo os outros dez restantes, por imposição da reclamada, o que contraria o artigo 143 da CLT. De acordo com esse dispositivo legal, a venda de um terço das férias deve ser uma escolha do trabalhador e não uma exigência da empresa. Diante da constatação da ocorrência dessa irregularidade, os julgadores mantiveram a condenação da empregadora ao pagamento em dobro das férias não concedidas no prazo legal, nos termos do artigo 137 da CLT.  

Todas as testemunhas, inclusive a indicada pela empregadora, foram unânimes em afirmar que a reclamada “pedia” para que todos os empregados colaborassem vendendo dez dias de férias. Isso porque havia muito trabalho na empresa. A prova testemunhal revelou que as férias eram tiradas de acordo com a demanda de serviço e que era muito raro um empregado tirar 30 dias de férias. Isso só poderia acontecer se a demanda fosse menor. Ficou comprovado, pelos depoimentos das testemunhas, que a grande maioria dos empregados cedia às pressões da empresa.  

Ao analisar os recibos de férias do reclamante, a relatora do recurso, desembargadora Deoclécia Amorelli Dias, constatou que ele também tirava apenas 20 dias de férias, sendo obrigado a converter em dinheiro um terço do período de férias a que tinha direito. A desembargadora explicou que a venda de um terço das férias deve ser uma opção do empregado, podendo o período ser convertido no valor da remuneração devida nos dias correspondentes, nos termos do artigo 143 da CLT. Mas, conforme salientou a magistrada, essa prática não pode ser uma regra da empresa imposta a todos, como ocorreu no caso em questão. Assim, como ficou comprovado que a venda irregular das férias atendia ao interesse patronal, o que contraria a legislação trabalhista, os julgadores confirmaram a sentença.  (RO nº 00805-2008-107-03-00-5)

 


 

FONTE:  TRT-MG,  06 de novembro de 2009.