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Mãe consegue na Justiça do Trabalho de São Paulo direito à redução da jornada para cuidar de filhos com autismo

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Uma empregada pública obteve o direito à redução da jornada diária de trabalho em 50%, sem desconto no salário nem a necessidade de compensação, para acompanhar as atividades médicas e terapêuticas dos dois filhos diagnosticados com o Transtorno do Espectro Autista – TEA. A decisão é da 9ª Turma do Tribunal de Justiça do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – TRT-2.

Assim, a Justiça do Trabalho de São Paulo reformou a sentença de primeiro grau e concedeu o benefício à mulher pelo tempo que comprovar necessidade. O entendimento que embasou à primeira decisão foi de que a mulher podia prestar assistência às crianças de 2 e 7 anos nos dois dias de folga, uma vez que cumpria escala de trabalho de dois dias de trabalho e dois de descanso.

Para o desembargador-relator Mauro Vignotto, além de a carga de trabalho da profissional não ser menor que as oito horas diárias dos demais trabalhadores, as folgas que ela possui são medida de higiene, saúde e segurança, pois atua por dois dias seguidos, com jornada de 12h cada. No acórdão, ele reuniu jurisprudência sobre o tema e ainda lembrou a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2016).

“Impedir a redução da jornada de trabalho do servidor cujo filho é portador de deficiência intelectual, mental ou sensorial é negar uma forma de adaptação razoável aos indivíduos dependentes, de serem inseridos na sociedade em igualdade de oportunidade”, destacou o magistrado. Vignotto ressaltou que, mesmo não havendo previsão legal que ampare o pedido da empregada, “é dever do Estado promover e garantir o direito fundamental de igualdade a todos os indivíduos (art. 5º da Constituição Federal)”.  Processo 1001417-74.2020.5.02.0038

FONTE:  IBDFAM, 04 de abril de 2022.

Dívidas de marido justificam penhora de carro de mulher, que não comprovou regime de bens

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É legítima a penhora de um carro adquirido pela esposa de um devedor trabalhista. O bem constava na declaração do imposto de renda do homem porque ela, a proprietária, está no mesmo documento na condição de dependente. No entanto, a mulher deixou de comprovar o regime de bens capaz de impedir a penhora.

A decisão é da 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – TRT-2, de São Paulo. O acórdão em segunda instância alterou a decisão do juízo de origem, que havia anulado o bloqueio do veículo. O entendimento é de que o carro é parte do patrimônio comum do casal.

Para a desembargadora-relatora Dâmia Ávoli, o fato de se tratar de bem indivisível não impede a penhora, “por não prejudicar a meação”, divisão ideal de bens comuns entre os dois integrantes do casal. Parte do valor obtido com a venda judicial do veículo seria destinado à esposa e outra parte à satisfação da dívida.

“Não resta outra alternativa a não ser a improcedência dos embargos de terceiro, uma vez que a embargante não comprovou inequivocamente a impossibilidade jurídica de constrição sobre o bem litigioso”, concluiu a magistrada.  Processo 1000301-30.2021.5.02.0351

FONTE: IBDFAM, 05 de abril de 2022.

Lei Maria da Penha é aplicável à violência contra mulher trans, decide Sexta Turma do STJ

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Por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais. Considerando que, para efeito de incidência da lei, mulher trans é mulher também, o colegiado deu provimento

Pode ser o ato administrativo do qual é preenchido cargo público. Em recursos, a expressão dar provimento é utilizada quando há êxito no recurso da parte.

a recurso do Ministério Público de São Paulo e determinou a aplicação das medidas protetivas requeridas por uma transexual, nos termos do artigo 22 da Lei 11.340/2006, após ela sofrer agressões do seu pai na residência da família.

“Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias”, afirmou o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz.

O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negaram as medidas protetivas, entendendo que a proteção da Maria da Penha seria limitada à condição de mulher biológica. Ao STJ, o Ministério Público argumentou que não se trata de fazer analogia, mas de aplicar simplesmente o texto da lei, cujo artigo 5º, ao definir seu âmbito de incidência, refere-se à violência “baseada no gênero”, e não no sexo biológico.

Violência contra a mulher nasce da relação de dominação

Em seu voto, o relator abordou os conceitos de sexo, gênero e identidade de gênero, com base na doutrina especializada e na Recomendação 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que adotou protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero. Segundo o magistrado, “gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres”, enquanto sexo se refere às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, de modo que, para ele, o conceito de sexo “não define a identidade de gênero”.

Para o ministro, a Lei Maria da Penha não faz considerações sobre a motivação do agressor, mas apenas exige, para sua aplicação, que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.

Schietti ressaltou entendimentos doutrinários segundo os quais o elemento diferenciador da abrangência da lei é o gênero feminino, sendo que nem sempre o sexo biológico e a identidade subjetiva coincidem. “O verdadeiro objetivo da Lei Maria da Penha seria punir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher em virtude do gênero, e não por razão do sexo”, declarou o magistrado.

Ele mencionou que o Brasil responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo, e apontou a necessidade de “desconstrução do cenário da heteronormatividade”, permitindo o acolhimento e o tratamento igualitário de pessoas com diferenças.

Quanto à aplicação da Maria da Penha, o ministro lembrou que a violência de gênero “é resultante da organização social de gênero, a qual atribui posição de superioridade ao homem. A violência contra a mulher nasce da relação de dominação/subordinação, de modo que ela sofre as agressões pelo fato de ser mulher”.

Violência em ambiente doméstico contra mulheres

No caso em análise, o ministro verificou que a agressão foi praticada não apenas em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, pelo pai contra a filha – o que elimina qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema legal da Maria da Penha, inclusive no que diz respeito à competência da vara judicial especializada para julgar a ação penal

A ação penal é o direito ou o poder-dever de provocar o Poder Judiciário para que decida o conflito nascido com a prática de conduta definida em lei como crime para aplicação do direito penal objetivo a caso concreto.

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“A Lei Maria da Penha nada mais objetiva do que proteger vítimas em situação como a da ofendida destes autos. Os abusos por ela sofridos aconteceram no ambiente familiar e doméstico e decorreram da distorção sobre a relação oriunda do pátrio poder, em que se pressupõe intimidade e afeto, além do fator essencial de ela ser mulher”, concluiu.

Schietti destacou o voto divergente da desembargadora Rachid Vaz de Almeida no TJSP, os julgados de tribunais locais que aplicaram a Maria da Penha para mulheres trans, os entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do próprio STJ sobre questões de gênero e o parecer do Ministério Público Federal no caso em julgamento, favorável ao provimento do recurso – que ele considerou “brilhante”.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

FONTE:  STJ, 06 de abril de 2022

O pacote anticrime e seus reflexos no código penal De forma didática e descomplicada

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Considerações iniciais: o presente artigo tem a finalidade de apresentar, em apertada síntese: (1) uma visão jurídica que se inicia com a entrada em vigor do nosso Código Penal e a constante atividade do legislador que sempre tentou acalmar os anseios sociais editando leis e mais leis; (2) uma forma simples de calcular a eficácia das leis e a eficiência do sistema penal bem como as tendências das medidas do legislador; (3) apresentar alguns problemas estruturais do Código Penal que, certamente, dificultam o estudo do direito penal, especialmente, dos acadêmicos e daqueles que estão iniciando na carreira jurídica; (4) O pacote anticrime e seus reflexos no Código Penal apresentados de forma sintética, ou seja, deixando-se a devida análise minuciosa para artigos posteriores.

 

Sumário:

1. O projeto original do Código Penal e sua entrada em vigor

2. Cálculo da eficácia das leis e da eficiência do sistema penal

– 2.1 Índice de condenação de não reincidentes

– 2.2 Índice de reincidência

– 2.3 – Tendência das medidas do legislador

3. Alguns problemas que dificultam o estudo do direito penal

– 3.1 Tipos penais vigentes, praticamente em desuso

– 3.2 Temos quatro tipos  penais sobre inutilização ou destruição de documentos

– 3.3 Tipos penais sem o nome jurídico ounomem iuris

– 3.4 Dois Capítulos com a mesma denominação dentro do mesmo Título

– 3.5 Novo Código Penal

4. A Lei 13.964/2019 denominada pacote anticrime

– 4.1 Alterações no Código Penal promovidas pelo Pacote Anticrime

5. Alterações no Código Penal promovidas por Leis Especiais – Lei 13.968/2019.

 

  1. O PROJETO ORIGINAL DO CÓDIGO PENAL E SUA ENTRADA EM VIGOR

Nosso Código Penal atual (Decreto-lei 2.848/1940) teve origem do projeto de Alcântara Machado, que passou pela Comissão Revisora composta por Nélson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira). Entrou em vigor em 01.01.1942, ou seja, já completou 80 (oitenta) anos de vigência. O referido CP incorporou novidades e avanços dos códigos penais italiano e suíço, promulgados quase à mesma época (década de 1940).

Para se ter uma ideia, na década de 1940, os assuntos da moda eram: (1) o holocausto; (2) a entrada dos USA na segunda guerra mundial; (3) as bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki; (4) o suicídio de Hitler e o fuzilamento de Mussolini; (5) o início da guerra fria entre os USA e União Soviética; (6) a invenção do primeiro computador (ENIAC), do primeiro helicóptero e do primeiro transistor; (7) e a moda feminina (considerada a mais bela e sensual do século XX), contribuiu para o grande destaque no cinema de atrizes como Rita Hayworth, Ingrid Bergman, Ava Gardner e Marilyn Monroe.

Um dos assuntos de hoje é a Petrobrás. Para se ter uma ideia, naquela época (década de 1940) a Petrobras ainda nem existia (criada em 03.10.1953 – governo Getúlio Vargas).

Nestes mais de 80 anos da sua entrada em vigor, tivemos apenas uma relevante reforma da Parte Geral (Lei 7.209/1984) que modernizou  o CP em vários aspectos, como, por exemplo: (1) distinguiu a coautoria da participação; (2) reformulou o erro de tipo e de proibição; (3) excluiu a responsabilidade objetiva; (4) excluiu a presunção de periculosidade etc. Neste mesmo dia foi sancionada a Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) que reuniu toda legislação específica vigente à época.

Neste tempo todo, no desespero, o legislador sempre tentou acalmar os anseios sociais editando leis e mais leis. Para se ter uma ideia, de 1940 até 2019 (período anterior à Lei 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime), o legislador criou mais de 174 (cento e setenta e quatro) leis reformando o sistema penal brasileiro.

Depois disso, outras leis foram promulgadas, como, por exemplo, Lei 13.967/2019 (para extinguir a pena de prisão disciplinar para as polícias militares e bombeiros), Lei 13.968/2019 (para modificar o crime de incitação ao suicídio e incluir as condutas de induzir ou instigar a automutilação), Lei 14.964/2020 (para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato), Lei 14.110/2020 (para dar nova redação ao crime de denunciação caluniosa), Lei 14.132/2021 (para prever o crime de perseguição), Lei 14.155/2021 (para tornar mais graves os crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet), Lei 14.197/2021 (para acrescentar o Título XII na Parte Especial do CP relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito), Lei 14.321/202 (para tipificar o crime de violência institucional na lei de abuso de autoridade) etc.

No entanto, observa-se claramente que o grave problema do Brasil não é a ausência de leis (muito pelo contrário), mas, sim, a ineficácia delas. Desta forma, o que nos falta é a certeza do castigo justo. Neste sentido, pregava Beccaria, em 1764: “A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre a impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade”.[1]

 

  1. CÁLCULO DA EFICÁCIA DAS LEIS E DA EFICIÊNCIA DO SISTEMA PENAL

Com o número de condenações por crimes dolosos (NCCD), o número de condenados não reincidentes (NCNR), e de número de condenados reincidentes (NCRE), podemos calcular dois índices importantíssimos para aferir a eficácia das leis e a eficiência do sistema penal para a ressocialização dos condenados:

2.1Índice de condenação de não reincidentes (ICNR)

Fórmula: ICNR = (NCNR X 100 / NCCD). Problema para exemplo: De 1.700 condenações, 595 condenados não são reincidentes.

Resultado: 595 X 100 / 1.700 = 35 % (quanto menor este resultado, maior é o índice de prevenção especial da pena: eficácia da lei).

 

2.2Índice de reincidência (IDRE)

Fórmula: IDRE = (NCRE X 100 / NCCD). Problema para exemplo: De 1.700 condenações, 1.105 condenados são reincidentes.

Resultado: 1.105 X 100 / 1.700 = 65 % (quanto maior for o resultado, menor é o índice de ressocialização do sistema penal).

2.3Tendência das medidas do legislador

Nos países onde o índice de reincidência é muito alto (acima de 40%), significa que o sistema carcerário não tem programas adequados de ressocialização, a tendência é o legislador tomar medidas paliativas, a exemplo do aumento de pena, redução da menoridade penal etc.

Nos USA, por exemplo, o índice de criminalidade, especialmente, no Estado de Nova York, vem caindo há alguns anos e, como isso, vários Estados têm aumentado ou estão discutindo a possibilidade de aumentar a menoridade, em regra, de 16 para 18 anos. Observa-se, porém, que Nova York (1624) é 70 anos mais nova que São Paulo (1554).

 

  1. ALGUNS PROBLEMAS QUE DIFICULTAM O ESTUDO DO DIREITO PENAL

Saímos, então, de um CP moderno (1940) e chegamos em 2019 (período anterior à Lei 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime) com ele bastante ultrapassado, desorganizado, despadronizado e o pior: não acompanhou a evolução social e tecnológica e, consequentemente, não atende às exigências da sociedade brasileira. Para exemplificar, podemos citar alguns problemas que dificultam o estudo da matéria:

3.1 – Tipos penais vigentes, praticamente em desuso: (a) introdução ou abandono de animais em propriedade alheia (CP, art. 164); (b) apropriação de tesouro  (CP, art. 169, parágrafo único, inciso I); (c) escrito ou objeto obsceno (CP, art. 234, caput). Por outro lado, a chantagem (que seria uma espécie de extorsão sem visar nenhuma vantagem indevida de ordem econômica, ou uma espécie de constrangimento ilegal praticado sem violência ou grave ameaça) ainda não foi tipificado como crime pelo legislador;

3.2 – Temos quatro tipos  penais sobre inutilização ou destruição de documentos:  (a) supressão de documento (CP, art. 305); (b)  extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (CP, art. 314); (c) subtração ou inutilização de livro ou documento (CP, art. 337, caput);  (d) sonegação de papel ou objeto de valor probatório (CP, art. 356). Isso tudo precisa ser muito bem explicado para o leitor não se confundir no momento de uma prova;

 

3.3 – Tipos penais sem o nome jurídico ounomem iuris”: Exemplos: (a) falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade (CP, art. 310)[2]; (b) prevaricação imprópria (CP, art. 319-A). Ambos tiveram o nome jurídico dado pela doutrina;

3.4 – Dois Capítulos com a mesma denominação dentro do mesmo Título: Com o advento da Lei 12.015/2009, passamos a ter dois Capítulos (IV e VII) com a mesma denominação de “Disposições Gerais”, inseridos no Título (VI) que trata dos crimes contra a dignidade sexual.

        3.5 – Novo Código Penal – a reforma do Código Penal é objeto do Projeto de Lei do Senado nº 236/2012, que encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aguardando relatório do Senador Fabiano Contrarato, desde 16.02.2022, acesso em 06.04.2022.

Verifica-se que há muito se espera uma ampla reformulação de toda a legislação criminal que, atualmente, está prevista no direito penal, processo penal, execução penal bem como nas leis penais especiais. Além disso, o ideal seria se promover uma verdadeira consolidação de forma que toda legislação criminal fosse incorporada no Código Penal e no Código de Processo Penal, eliminando-se várias leis especiais.

No entanto, enquanto isso não for possível, torna-se necessário promover alterações pontuais nos referidos códigos bem como em diversas leis especiais, o que ainda é melhor do que não fazer absolutamente nada neste sentido.

 

  1. A LEI 13/964/2019 DENOMINADA PACOTE ANTICRIME

A Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, denominada Pacote Anticrime, entrou em vigor em 23.01.2020, com exceção do Juiz de Garantias[3] que ficou suspenso (não revogado) por tempo indeterminado. À época, foram vetados 24 (vinte e quatro) dispositivos pelo Presidente da República. Entretanto, em abril de 2021, ocorreram profundas alterações no pacote anticrime após a derrubada de 16 (dezesseis) vetos pelo Congresso Nacional.

O objetivo do pacote anticrime é tornar mais efetivo o combate ao crime organizado, a criminalidade violenta e à corrupção. Para isso, promoveu mudança de diversos artigos do Código Penal, do Código de Processo Penal e de várias leis especiais, tais como: Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal)  Lei 8.702/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), dentre outras.

 

4.1 – Alterações no Código Penal promovidas pelo Pacote Anticrime

4.1.1 – Legítima defesa

Legítima defesa é uma causa de exclusão da ilicitude (ou da antijuridicidade) consistente em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários (CP, art. 25).

A alteração foi a inclusão do parágrafo único no referido artigo, com a seguinte redação: “Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.

Entendemos que se trata de um dispositivo redundante e desnecessário, por dois motivos: (a) se estão “observados os requisitos previstos no caput deste artigo” é porque já se caracteriza uma situação de legítima defesa; (b) se existe “vítima mantida refém durante a prática de crimes”, o agente de segurança pública não só pode como também deve repelir agressão ou risco de agressão à vítima refém. Desta forma, nos parece que foi criada, desnecessariamente, uma hipótese de legítima defesa específica para agentes de segurança pública.

4.1.2 – Pena de multa

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, o art. 51 do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.”

Desta forma, o legislador deixou bem claro que o juízo competente para executar a pena de multa é o juiz da execução penal em ação promovida pelo Ministério Público, embora se possa utilizar o rito da Lei de Execuções Fiscais.

Com a redação anterior, seria possível, concluir, erroneamente, que a dívida de valor convertida da pena de multa estaria migrando para esfera cível, ferindo o princípio da personalidade da pena, pelo qual “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (CF, art. 5º, XLV, primeira parte). No entanto, “podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (CF, art. 5º, XLV, segunda parte).

4.1.3 – Limite de cumprimento de pena

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, o art. 75, caput, do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos”.

Na redação anterior, o limite de cumprimento de pena privativa de liberdade era de 30 (trinta) anos, fixados em 1940 (idade do nosso Código Penal). Em 1984, com a reforma da Parte Geral, por meio da Lei 7.209/1984, poderia ter alterado, porém, manteve esse limite.

A Constituição Federal determina que não pode existir pena de caráter perpétuo (CF, art. 5º XLVII, b). Em 1940, o limite de cumprimento de pena privativa de liberdade foi fixado em 30 anos e a expectativa de vida era de 45,5 anos. Em 2019, a expectativa do brasileiro já estava em 76,3 anos, ou seja, a expectativa de vida do brasileiro aumentou, em média, 30,8 anos de 1940 a 2019, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. [4]

Observa-se, porém, continua a prevalecer o disposto pela Súmula 715 do STF: “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”. Agora, basta substituir os 30 pelos 40 anos. Desta forma, ninguém cumpre em regime fechado, mais de 40 anos. Porém, todos os benefícios relativos à execução penal devem estar relacionados à quantidade total de pena e não os 40 anos previstos para o efetivo cumprimento.[5]

4.1.4 – Livramento condicional

Livramento condicional é a possibilidade de que tem o condenado que já cumpriu certo tempo de pena privativa de liberdade de poder cumprir solto o período restante, mediante determinadas condições que consistem em determinados requisitos objetivos (relativos ao crime) e requisitos subjetivos (relativos ao agente).

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, o art. 83, do Código Penal passou a ter a seguinte redação: “O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:” (o caput e os incisos I e II permanecem inalterados)

III – comprovado:

  1. a) bom comportamento durante a execução da pena;
  2. b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;
  3. c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e
  4. d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto;

Os incisos IV e V e o Parágrafo único, também permanecem inalterados

Em suma: há duas alterações relevantes trazidas no contexto do livramento condicional: (1) fixa-se no inciso III, a, a exigência de bom comportamento, substituindo o comportamento satisfatório durante a execução da penal; (2) estabelece-se, no inciso III, b, a exigência do não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses. Assim, o livramento condicional fica em consonância com o art. 112 da Lei de Execução Penal e com a jurisprudência majoritária que indica justamente essa condição (do não cometimento de falta grave nos últimos 12 meses) para a obtenção do livramento condicional.

4.1.5 – Efeitos da condenação

Efeitos da condenação são todas as consequências que, direta ou indiretamente, recaem sobre a pessoa do condenado por sentença penal transitada em julgado. Resumidamente, eles podem ser efeitos principais e secundários: (a) Efeitos principais: cumprimento de pena privativa de liberdade, restritiva de direitos, de multa, de medida de segurança e do período de prova da suspensão condicional da pena; (b) Efeitos secundários (reflexos ou acessórios) podem ainda ser genéricos (elencados no art. 91 do CP) e específicos (elencados no art. 92 do CP).

São exemplos de efeitos secundários da condenação: obrigação de reparação civil do dano causado pelo crime; confisco de instrumentos do crime, produto ou proveito do delito; perda de cargo, função pública ou mandato eletivo; incapacidade para exercer o poder familiar; inabilitação para dirigir veículo quando usado como meio para cometer a prática de crime doloso.

Com a finalidade de combater o enriquecimento ilícito, introduziu-se pela Lei 13.964/2019, o art. 91-A, do Código Penal, com a seguinte redação:

Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.

  • 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:

I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e

II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.

  • 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
  • 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.
  • 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.
  • 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

Tradicionalmente, no Direito Penal brasileiro, o alcance do confisco sempre foi limitado aos instrumentos do crime e ao produto do crime (ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso). Com o dispositivo supra, inserido pela Lei 13.964/2019, buscou o legislador, corretamente, combater o enriquecimento ilícito, com o instituto conhecido como confisco alargado ou ampliado.[6]

4.1.6 – Causas impeditivas da prescrição

Prescrição penal é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado, em face de determinado criminoso, pelo decurso do tempo previsto em lei, sem o seu exercício. A prescrição é uma das causas de extinção da punibilidade (CP, art. 107, V) e está prevista no art. 109 e seguintes do Código Penal.

A punibilidade compreende duas pretensões do Estado: (a) pretensão punitiva – que consiste no direito do Estado de exigir a condenação do infrator penal, aplicando-lhe a pena que a lei violada prevê em abstrato; (b) pretensão executória – que consiste no direito do Estado de executar a pena que foi concretamente aplicada na condenação do infrator.

A pretensão punitiva do Estado inicia-se, em regra, da data do crime e termina com o trânsito em julgado definitivo da sentença condenatória. A pretensão executória, por sua vez, inicia-se com o trânsito em julgado definitivo  da sentença condenatória e termina com o efetivo cumprimento da pena ou com a extinção da punibilidade.

Durante os referidos lapsos temporais, pode ocorrer: (a) causas impeditivas (ou suspensivas) que susta o prazo prescricional, durante um certo período, retomando-se, depois, do ponto em que parou a contagem, ou seja, o prazo volta a correr pelo tempo restante, aproveitando-se o tempo decorrido anteriormente. As causas impeditivas estão previstas no art. 116 do CP e em leis especiais; (b) causas interruptivas que interrompem o prazo prescricional, ou seja, precisa ser reiniciado do zero, desprezando-se o tempo já decorrido. As causas interruptivas estão previstas no art. 117 do CP e em leis especiais.

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, acrescentou-se duas outras causas impeditivas da prescrição, inseridas nos incisos III e IV, do artigo 116, do Código Penal.

No inciso III, prevê-se uma das novas causas impeditivas da prescrição “na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis” Somente esta causa já assegura, para a maioria dos casos criminais, o afastamento da impunidade gerada pela prescrição, quando a defesa promove todos os recursos legalmente possíveis, protelando ao máximo o respectivo trânsito em julgado, justamente para provocar a extinção da punibilidade pelo advento da prescrição.

Desta forma, a partir da vigência da Lei 13.964/2019, prolatada a sentença condenatória e havendo embargos de declaração, se forem estes considerados inadmissíveis, a prescrição fica suspensa entre a data da sentença e a data da decisão sobre os embargos. Da mesma forma, prolatado o acórdão, havendo embargos, se inadmissíveis, a prescrição também fica suspensa.

O mesmo procedimento se aplica com os recursos aos Tribunais Superiores, notadamente o recurso especial (STJ) e o recurso extraordinário (STF), em hipóteses nas quais esses instrumentos processuais são claramente procrastinatórios. Assim, havendo recurso, se inadmissíveis, a prescrição também fica suspensa.

No inciso IV, prevê-se a outra nova causa impeditiva da prescrição “enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal”. Acordo de não persecução penal, disciplinado pelo art. 28-A, do Código de Processo Penal, é um instrumento jurídico formalizado por escrito e firmado pelo Ministério Público, pelo investigado e pelo seu defensor cabível nas infrações penais praticadas sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, devidamente homologado pelo juízo competente. Assim, de acordo com o disposto legal, em estudo, a persecução penal fica suspensa durante a vigência do acordo de não persecução penal como também fica suspensa a prescrição penal durante esse período.

4.1.7 – Homicídio qualificado

Homicídio é a eliminação da vida humana extrauterina praticada por outra pessoa. Se a conduta for praticada pela mesma pessoa, o fato é atípico (suicídio); se for eliminação da vida intrauterina, o crime praticado é aborto.

O direito à vida está expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos[7] (ONU, 1948) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos[8] (Pacto de São José da Costa Rica – 1969), promulgada em nosso país pelo Decreto 678, de 9 de novembro de 1992. A Constituição Federal[9] garante a inviolabilidade do direito à vida, a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil.

São espécies de homicídio: (a) Doloso – que pode ser simples (CP, art. 121, caput), privilegiado (§ 1º) e qualificado (§ 2º); (b) Culposo – que pode ser simples (§ 3º), qualificado (§ 4º) praticado na direção de veículo automotor (Lei 9.503/1997, art. 302).

Homicídio simples é a modalidade básica do delito em que a pena não é nem aumentada nem diminuída, em razão da ausência  de circunstâncias[10] que o tornaria privilegiado ou qualificado. Pena – reclusão, de 6 a 20 anos – (CP, art. 121, caput).

Homicídio privilegiado é aquele que a lei acrescenta alguma circunstância ao tipo básico, para diminuir a pena. Na realidade não se trata de nenhum privilégio e, sim, de uma causa de diminuição de pena, pois, neste caso, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço – (CP, art. 121, § 1º).

Homicídio qualificado é aquele que a lei acrescenta alguma circunstância ao tipo básico para aumentar a pena. Em todos os casos, a pena passa a ser reclusão, de 12 a 30 anos – (CP, art. 121, § 2º). O homicídio qualificado é crime hediondo, qualquer que seja a qualificadora – (Lei 8.072/1990, art. 1º I, última parte).

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, inseriu-se no art. 121, § 2º, do Código Penal, uma nova qualificadora, prevista, então, no seguinte inciso: VIII – com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.

Trata-se de uma norma penal em branco, complementada pela Lei 10.826/2003 (Lei de Armas de Fogo) e por outros atos normativos, tais como: Decreto 9.845/2019 (trata da aquisição, cadastro, registro e posse de armas de fogo e munição); Decreto 9.846/2019 (dispõe sobre o registro, cadastro e aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores); Decreto 9.847/2019 (dispõe sobre a aquisição, cadastro, registro, porte e comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm – e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – Sigma) e Decreto 10.030/2019 (aprova o Regulamento de Produtos Controlados).

Resumidamente, podemos fazer a seguinte distinção: (a) arma de fogo de uso restrito – são as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre, semiautomáticas ou de repetição que não sejam portáteis ou de projéteis de alma raiada[11]; (b) armas de fogo de uso proibido – são as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos.

Esse inciso, objeto do presente estudo, inserido pela Lei 13.964/2019, foi inicialmente vetado pelo Presidente da República. Entretanto, o Congresso Nacional derrubou (corretamente) o referido veto, resultando na implementação de mais uma qualificadora no crime de homicídio: com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido – (CP, art. 121, § 2º, VIII).

Caso o referido veto tivesse sido mantido, terminaria por atenuar a pena do mau agente de segurança, que mata em situação ilícita, como também de todos os agentes criminosos que se valem dessas armas para atingir a polícia e a população em geral. Além disso, muitos delinquentes disputam espaços de tráfico de drogas com muita violência, matando uns aos outros, na maioria das vezes, com o emprego de armas de fogo de uso restrito ou proibido.[12]

4.1.8 – Crimes contra a honra

Inúmeros são os conceitos de honra, podendo, porém, ser simplesmente entendida como sendo o “o conjunto de atributos físicos (como a sanidade mental e a força física), morais (como a honestidade, a lealdade e o altruísmo) e intelectuais (como a inteligência e a cultura) que concorrem para determinar o valor da pessoa humana perante si mesma e diante da sociedade”[13]

A honra, como um conjunto de atributos, pode ser dividida em: (a) honra objetiva – é o sentimento que o grupo social tem a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de alguém, ou seja, é o que os outros pensam a respeito do sujeito; (b) honra subjetivo – é o sentimento que cada um tem a respeito de seus próprios atributos, ou seja, é o juízo que se faz de si mesmo, o seu amor-próprio, sua autoestima.

Pelo Código Penal os crimes que protegem a honra são: calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140), sendo que a calúnia e a difamação protegem a honra objetiva e a injúria, a honra subjetiva. Esses crimes são de natureza subsidiária ou residual que, em razão do princípio da especialidade, somente serão aplicados quando o fato não estiver tipificado por leis especiais, tais como o Código Eleitoral (Lei 4.737/1965, arts. 324, 325 e 326) e no Código Penal Militar (Decreto-lei 1.001/1969, arts. 214, 215 e 216).

Constitucionalmente, a honra é um bem considerado inviolável, pelo que dispõe expressamente o texto maior: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação” (CF, art. 5º X).

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, inseriu-se o § 2º ao art. 141, do Código Penal (que prevê as disposições comuns dos crimes contra a honra), uma nova causa de amento de pena, com a seguinte redação: “Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena”.

Esse referido parágrafo, objeto do presente estudo, inserido pela Lei 13.964/2019, foi inicialmente vetado pelo Presidente da República. Entretanto, o veto foi derrubado (corretamente) pelo Congresso Nacional, resultando na implementação de mais uma causa de aumento de pena, no triplo, quando qualquer dos crimes contra a honra – calúnia, difamação ou injúria – é praticado com a utilização de rede social da internet, como, por exemplo, o Twitter, Facebook, Instagram, WhatsApp, Telegram etc. – (CP, art. 141, § 2º).

4.1.9 – Roubo

O crime de roubo possui duas figuras típicas simples: (a) Roubo próprio – consiste no fato de “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência” (CP, art. 157, caput); (b) Roubo impróprio – consiste no fato de o sujeito que “logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro” (CP, art. 157, § 1º).[14]

Além das duas figuras simples do crime de roubo (CP, art. 157, caput e § 1º), estão previstas: (a) as causas de aumento de pena de um terço até metade (§ 2º, incisos I a VII); (b) causas de aumento de pena de dois terços (§ 2º-A, incisos I e II); (c) causa de aumento em que a pena se aplica em dobro (§ 2º-B); (d) figuras qualificadas (§ 3º, incisos I e 2).

Com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, inseriu-se no Código Penal: (a) uma nova causa de aumento de pena de um terço até metade: “se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca” (CP, art. 157, § 2º, VII); (b) uma nova causa de aumento em que a pena se aplica em dobro, “Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido” (CP, art. 157, § 2º-B).

O crime de roubo, em regra, não é crime hediondo, exceto quando circunstanciado pela restrição da liberdade da vítima (art. 157, § 2º, V) ou pelo emprego de qualquer arma de fogo (art. 157, § 2º-A, I) ou pelo emprego de arma de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B), ou então se qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º). E o que se extrai da lei de crimes hediondos (Lei 8.072/1990, art. 1º, II).

4.1.9.1 – Primeira causa de aumento inserida: prevê uma causa de aumento de pena de um terço até metade “se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca” (CP, art. 157, § 2º, VII).

O conceito de arma branca é obtido por exclusão, ou seja, considera-se arma branca aquela que não é arma de fogo[15]. Arma branca pode ser: (a) própria – quando produzida para ser utilizada para ataque ou defesa, tal como o punhal, a espada, o soco-inglês, dentre outras; (b) imprópria – quando produzida para variadas finalidades, sem a característica exclusiva de ser utilizada para ataque ou defesa, embora possa servir para isso, como o martelo, a chave de fenda, o machado, a faca de cozinha, dentre outros instrumentos.

O porte de arma branca, por si só, constitui contravenção penal: “Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade” (Lei das Contravenções Penais – Decreto-lei 3.688/1941, art. 19). O referido dispositivo não se refere à arma branca, mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção penal.

No entanto, quando o roubo é praticado com o emprego de arma branca, ao agente será imputado unicamente o delito em estudo, tipificado no art. 157, § 2º, VII, que absorve a referida contravenção penal de acordo com o princípio da consunção.[16]

4.1.9.2 – Segunda causa de aumento inserida: prevê uma nova causa de aumento em que a pena se aplica em dobro “Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido” (CP, art. 157, § 2º-B).

Trata-se de uma norma penal em branco, complementada pela Lei 10.826/2003 (Lei de Armas de Fogo) e por outros atos normativos, tais como: Decreto 9.845/2019 (trata da aquisição, cadastro, registro e posse de armas de fogo e munição); Decreto 9.846/2019 (dispõe sobre o registro, cadastro e aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores); Decreto 9.847/2019 (dispõe sobre a aquisição, cadastro, registro, porte e comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm – e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – Sigma) e Decreto 10.030/2019 (aprova o Regulamento de Produtos Controlados).

Conforme já estudado, resumidamente, podemos fazer a seguinte distinção: (a) arma de fogo de uso restrito – são as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre, semiautomáticas ou de repetição que não sejam portáteis ou de projéteis de alma raiada[17]; (b) armas de fogo de uso proibido – são as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos.

Desta forma, se a violência ou grave ameaça for exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, a pena prevista no caput – reclusão, de 4 a 10 anos, e multa – será aplicada em dobro.[18]

As causas de aumento e diminuição de pena (circunstâncias legais específicas), são consideradas na terceira fase da fixação (ou dosimetria) da pena e a quantidade de aumento ou diminuição está expressamente fixada pelo legislador e, assim, não depende do critério do juiz. Se essas causas estiverem previstas na Parte Geral do Código Penal (do art. 1º ao 120), todas serão de aplicação obrigatória; se estiverem previstas na Parte Especial (do art. 121 ao 361), aplica-se só o maior aumento ou só a maior diminuição (CP, art. 68, parágrafo único). Todavia, nesta fase, a pena pode ficar tanto abaixo do mínimo quanto acima do máximo cominado.

4.1.10 – Estelionato

O crime de estelionato, consiste no fato de o agente “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa” (CP, art. 171, caput).

Na execução do estelionato, a fraude pode ser praticada por meio de: (a) artifício (meio material – truque, dissimulação), como, por exemplo, o conto do bilhete premiado ou venda de bijuteria como se fosse ouro; (b) ardil (meio moral – manha, astúcia), como, por exemplo, quando o agente se faz passar por um representante de uma instituição de caridade; (c) qualquer outro meio fraudulento, como, por exemplo, o silêncio daquele que tem o dever de alertar ou dizer a verdade para que a vítima não seja induzida ou mantida em erro.

De qualquer forma, o meio escolhido deve ser idôneo para enganar a vítima, levando em conta as condições do caso concreto, caso contrário, caracteriza o crime impossível e, desta forma, não se pune nem a tentativa – (CP, art. 17).

O delito de estelionato antes do pacote anticrime, era, em regra, de ação penal pública incondicionada, cujo oferecimento da denúncia para iniciar a ação penal não dependia de qualquer condição de procedibilidade. Entretanto, com a alteração promovida pela Lei 13.964/2019, a ação penal do delito em estudo passou a ser, em regra, condicionada à representação, salvo em ralação às vítimas abaixo mencionadas, onde a ação penal continua sendo pública incondicionada (CP, art. 171, § 5°, I a IV).

Assim, dispõe o § 5º do art. 171, do Código Penal: “Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:

I – a Administração Pública, direta ou indireta: (a) Administração Pública direta é o conjunto de órgãos ligados diretamente ao Poder Executivo, em nível federal (Presidência da República e seus ministérios, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal), estadual (Governo estadual e suas secretarias, Assembleia legislativa, Ministério Público Estadual e Tribunal de Justiça) e municipal (Prefeitura e suas secretarias, Câmara dos Vereadores e o procurador do município); (b) Administração Pública indireta é o conjunto de órgãos que prestam serviços públicos e estão vinculados a uma entidade da administração direta, mas possuem personalidade jurídica própria, ou seja, têm CNPJ próprio (autarquias[19], fundações públicas[20], empresas públicas[21], sociedade de economia mista[22]).

II – criança ou adolescente: considera-se criança, para os efeitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade (ECA, Lei 8.069/1990, art. 2º, caput).

III – pessoa com deficiência mental: são as pessoas com autismo, esquizofrenia, transtornos psicóticos e outras limitações psicossociais que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas[23]; ou

IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz: quanto ao incapaz, entendemos que deve ser aplicado o conceito do absolutamente incapaz, de acordo com a legislação civil, que dispõe: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos” – Código Civil – Lei 10.406/2002, art. 3º).

Cabe observar que o não oferecimento da representação no prazo legal leva à extinção da punibilidade, em razão da decadência (CP, art. 107, IV). Desta forma, surge a seguinte questão: A nova sistemática da ação penal no crime de estelionato deve ou não retroagir, visando alcançar os procedimentos investigatórios e os processos em curso antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019? Há posições divergentes:

Em que pese as posições em sentido contrário, mesmo tratando-se de norma de natureza penal mista (penal e processual), entendemos ser inaplicável a retroatividade do § 5º, do art. 171, do Código Penal, às hipóteses onde o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, uma vez que naquele momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, cujo oferecimento da denúncia para iniciar a ação penal não depende de qualquer condição de procedibilidade.

4.1.11 – Concussão

O crime de concussão consiste no fato de o agente “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.” (CP, art. 316, caput). São quatro os elementos que integram o delito: (a) a conduta de exigir para si ou para outrem; (b) direta ou indiretamente; (c) ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela; (d) vantagem indevida.

O crime de concussão (do latim concutere – verbo empregado quando se queria significar o ato de sacudir uma árvore para fazer cair os frutos). Segundo o conceito tradicional, trata-se de uma espécie de extorsão praticada pelo funcionário público, com abuso de autoridade, contra particular que cede ou vem a ceder em razão do temor de represálias por parte do agente (metus publicai potestatis).[24]

Distinção entre concussão e corrupção passiva: (a) Na concussão, o funcionário público exige a vantagem indevida e a vítima, temendo alguma represália, cede à exigência, em razão dos poderes inerentes ao cargo ocupado pelo agente. Pena (antes do pacote anticrime) – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa; (b) Na corrupção passiva (CP, art. 317), há uma mera solicitação da vantagem indevida. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Em suma: a principal diferença entre esses crimes reside no fato da existência ou não da coação, pois ela existe no primeiro, mas não existe no segundo. Assim, na concussão o funcionário público exige a vantagem indevida, havendo, portanto, uma ameaça, intimidação ou imposição; na corrupção passiva ele apenas solicita, recebe ou aceita promessa de tal vantagem.

Conclui-se que a concussão se caracteriza por um fato mais grave em relação à corrupção passiva e, por esse motivo, deveria ter uma pena mais elevada ou, ao menos equiparada, à da corrupção passiva. E foi exatamente o que aconteceu pela reforma promovida pela Lei 13.964/2019, elevando-se a pena do delito de concussão para reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa e, desta forma, restabelecendo-se o princípio da proporcionalidade das penas.

  1. Alterações no Código Penal promovidas por Leis Especiais

5.1 – Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação

5.1.1 – Introdução

A Lei 13.968/2019 alterou o art. 122 do Código Penal com a finalidade de incluir, além, do suicídio, as condutas de induzir ou instigar a automutilação, bem como a de prestar auxílio a quem a pratique.

Suicídio é a deliberada destruição da própria vida. Embora a vida seja um bem jurídico indisponível, o direito não pune aquele que, com sua conduta, tira ou tenta tirar aquilo que tem de mais precioso: sua própria vida. Assim, o suicídio consumado não é crime pela impossibilidade de aplicação de sanção penal, e na forma tentada, por razões de política criminal como também, em ambos os casos, pelo fato do suicida ser, na realidade, considerado vítima e não autor.

Automutilação (ou lesão autoprovocada intencionalmente) consiste em qualquer lesão intencional e direta dos tecidos do corpo provocada pela própria pessoa, sem que esta tenha a intenção de cometer suicídio. O motivo da inclusão da automutilação decorre do fenômeno denominado jogo da baleia azul que pelo qual, indutores ou instigadores, fomentam ideias suicidas ou de automutilação em vários jovens pelo mundo.

O referido jogo da baleia azul é capaz de levar os envolvidos a praticar a automutilação ou até mesmo atingir o suicídio. A baleia azul é encontrada nos oceanos Atlântico, Pacífico, Antártico e Índico e chega a procurar as praias para morrer, por vontade própria. Este jogo tem 50 níveis de dificuldade, sendo o suicídio o resultado maior.[25]

Observa-se que induzir, instigar ou auxiliar, constituem, em regra, atividades de partícipe. No crime de participação em suicídio ou a automutilação, essas atividades constituem o núcleo do tipo penal, ou seja, quem as pratica será autor ou coautor e não partícipe, de acordo com a concepção restritiva, onde autor é somente aquele que realiza a conduta típica.

Mesmo que o agente realize todas as condutas, responde por crime único, pois se trata de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado. São as seguintes as condutas que constituem o núcleo do tipo penal, em estudo:

(a)    Induzir – consiste em fazer nascer, criar na mente de alguém, a ideia de autodestruição ou de autolesão até então inexistente. Desta forma, o agente indutor acaba, por qualquer meio, criando em alguém uma vontade que o leva ao suicídio ou a automutilação;

(b)    Instigar – consiste em reforçar, estimular uma ideia de autodestruição ou de autolesão já existente. O agente instigador provoca, por qualquer meio, a vontade já existente da vítima, mas não toma parte nem da execução nem do domínio do fato;

(c)    Auxílio – pressupõe a participação material ao suicídio ou à automutilação, de forma secundária, como, por exemplo, o fornecimento de veneno ou de qualquer objeto ou instrumento para a prática de autolesão, empréstimo do punhal, do revólver, a indicação de um local ideal para o suicídio ou a automutilação etc. Entendemos que o auxílio é sempre prestado por uma ação ou atividade positiva de fazer e, por isso, não é possível prestar o auxílio por omissão.

5.1.2 – Figuras típicas qualificadas

São aquelas em que a lei acrescenta alguma circunstância ao tipo básico com a finalidade de agravar a pena. No crime de participação em suicídio ou a automutilação, em estudo, existem duas figuras qualificadas, a saber:

(a)     Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima – Nos termos do § 1º, do art. 122, do Código Penal, a pena é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, “Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código”.

Desclassificação para lesão corporal gravíssima em razão das qualidades da vítima: nos termos do § 6º, do art. 122, do Código Penal, se da automutilação ou da tentativa de suicídio que resulta lesão corporal natureza gravíssima (observa-se que não inclui a lesão de natureza grave) e o delito é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, o agente não responde por este crime qualificado de participação em suicídio ou a automutilação (que tem pena prevista de reclusão, de 1 a 3 anos) e, sim, pelo crime de lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, § 2º), cuja pena é sensivelmente superior: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

(b)      Se resulta morte em razão do suicídio ou da automutilação – Nos termos do § 2º, do art. 122, do Código Penal, a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, “Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte”.

Desclassificação para homicídio em razão das qualidades da vítima: nos termos do § 7º, do art. 122, do Código Penal, se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte e o delito é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, o agente não responde por este crime qualificado de participação em suicídio ou a automutilação (que tem pena prevista de reclusão, de 2 a 6 anos) e, sim, pelo crime de homicídio (CP, art. 121), cuja pena é sensivelmente superior: reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

5.1.3 – Causas de aumento de pena

No crime de participação em suicídio ou a automutilação, em estudo, existe e a possibilidade de três aumentos de pena, aplicados distintamente em diversas causas de aumento, a saber:

 

Primeira causa de aumento de pena: Nos termos do § 3º, do art. 122, do Código Penal, “a pena é duplicada: I – se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência”.  Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)   Motivo egoístico – entende-se o motivo que decorre do exclusivismo que faz o sujeito referir tudo a si próprio, sem consideração aos interesses alheios . Exemplo: agente induz a vítima ao suicídio para ficar com a sua herança, com seu cargo, com sua esposa, para receber o seguro de vida etc. Guilherme de Souza Nucci define o motivo egoístico como sendo o de “excessivo apego a si mesmo, o que evidencia o desprezo pela vida alheia, desde que algum benefício concreto advenha ao agente”.[26]

(b)   Motivo torpe – é aquele baixo, desprezível (que inspira horror do ponto de vista moral) e repugnante que deixa perplexa a coletividade.

(c)   Motivo fútil – é aquele insignificante, banal, sem importância, totalmente desproporcional em relação ao crime praticado.

(d)   Vítima menor – quando a lei fala de vítima menor, está se referindo àquela maior de 14 anos e menor de 18 anos, que ainda não atingiram a maioridade penal (CP, art. 27). Se a vítima for menor de 14 anos, haverá presunção da sua incapacidade de discernimento.

(e)   Vítima com diminuída capacidade de resistência – em razão de enfermidade física ou mental (vítima embriagada, sob o efeito de tóxicos, angustiada, deprimida, com idade avançada, com algum tipo de enfermidade grave etc.)

É necessário que a capacidade de resistência da vítima esteja somente diminuída. Exemplo: sujeito induz ao suicídio alguém embriagado. Entretanto, se a vítima tiver totalmente sem capacidade de discernimento e resistência, estará configurado o crime de homicídio e não de participação em suicídio ou a automutilação qualificada.

Segunda causa de aumento de pena: Nos termos do § 4º, do art. 122, do Código Penal, “A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real”. Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)   Rede de computadores – neste caso, o agente pratica a conduta típica por meio de um conjunto de dois ou mais computadores que usam determinadas regras (protocolo) em comum para compartilhar, especialmente, a troca de mensagens entre si, utilizando-se de uma conexão por meio de fio de cobre, fibra ótica, ondas de rádio ou também via satélite. Exemplos: a internet; a intranet de uma empresa; uma rede local doméstica etc.

(b)   Rede social – é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que compartilham valores e objetivos comuns. Uma das fundamentais características na definição das redes é a sua abertura, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes. Exemplos: Facebook, YouTube, WhatsApp, Messenger, Instagram, Twitter, Snapchat, LinkedIn etc.

(c)   Transmitida em tempo real – é uma expressão utilizada na reportagem, no meio televisivo ou radiofónico para indicar que um programa ou evento está sendo transmitido em tempo real, simultaneamente enquanto ocorre. No caso do delito em estudo, o agente se utiliza de qualquer meio de comunicação (falado ou escrito) para praticar a conduta delituosa em tempo real.

Terceira causa de aumento de pena: Nos termos do § 5º, do art. 122, do Código Penal, “Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual”.  Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)   Líder ou coordenador –  é o indivíduo que tem autoridade para comandar ou coordenar outros, ou seja, é a pessoa cujas ações e palavras exercem influência sobre o pensamento e comportamento de outras.

(b)   Grupo ou rede virtual – é um espaço específico na Internet que permite compartilhar, aos respectivos participantes, dados e informações sendo estas de caráter geral ou específico, das mais diversas formas (textos, arquivos, imagens, fotografias, vídeos etc.).

5.1.4 – Observações e casos especiais

(a)     Automutilação – também conhecida como autolesão, não é punida pelas mesmas razões de política criminal em relação ao suicídio, ou seja, não comete crime o sujeito que ofende a própria integridade corporal. Entretanto, a conduta de se auto lesionar, dependendo do propósito do agente, pode ser meio de execução utilizado pelo mesmo para praticar outros crimes.

Assim, se o agente lesa o próprio corpo, ou agrava as consequências da lesão existente, com a finalidade de receber indenização ou valor de seguro, responde por estelionato (CP, art. 171, § 2º, V). Se o agente cria ou simula incapacidade física que o inabilite para o serviço militar, responde pelo crime de criação ou simulação de incapacidade física, previsto no art. 184, do Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001/1969).

(b)   Greve de fome – especialmente dentro do sistema prisional, o médico tem o dever de zelar pela vida do grevista de fome, ou seja, ele está na posição de garantidor, onde sua omissão o fará responder pela morte do grevista (CP, art. 13, § 2º).

Assim, chegará o momento em que a intervenção médica para ministrar alimentação ou medicamento se torna inevitável para que o grevista não venha morrer ou sofrer lesões irreversíveis. Neste caso, a coação exercida pelo médico para impedir o suicídio do grevista não caracteriza o crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146, § 3º, I).

Situação análoga ocorre com as testemunhas de Jeová que, por motivos religiosos, são contra as transfusões de sangue. Assim, a transfusão determinada pelo médico, quando necessária para salvar a vida do paciente, também não caracterizará o crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146, § 3º, II).

 

(c)   Pacto de morte – também chamado de suicídio a dois, ocorre quando duas pessoas combinam, por qualquer razão, o duplo suicídio e, para tanto, ficam em um cômodo da casa hermeticamente fechado, com o gás de cozinha aberto. Entretanto, se um ou ambos sobreviverem, teremos as seguintes situações:

Se um sobrevive e foi ele quem abriu o gás, responde pelo crime de homicídio (CP, art. 121), pois realizou o ato executório de matar. Se um sobrevive e não foi ele quem abriu o gás, responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122);

Se os dois sobrevivem, havendo lesão de natureza grave: quem abriu o gás responde por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II), e quem não abriu responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122);

Se os dois sobrevivem, e não há lesão de natureza grave: quem abriu o gás responde por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II), e quem não abriu pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122). Se os dois sobrevivem e ambos abriram a torneira do gás: ambos respondem por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II).

(d)   Duelo americano ou roleta russa – no duelo americano existem duas armas e só uma delas está carregada e os agentes escolhem uma delas; na roleta russa, a única arma tem um só projétil, devendo ser disparada pelos agentes cada um em sua vez. Nestes casos, o sobrevivente responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122).

(e)   Erro na execução ou aberratio ictus  – ocorre quando o agente pretende atingir determinada pessoa, efetua o golpe, mas, por má pontaria ou qualquer outro motivo, acaba atingindo pessoa diversa da que pretendia. Assim, se um suicida dispara uma arma sobre si mesmo e acaba errando, atingindo e matando uma terceira pessoa, responde pelo crime de homicídio culposo (CP, art. 121, § 3º).

5.1.5 – Competência e anomalia jurídica

Em que pese a boa vontade do legislador, a nova figura típica (Induzimento, instigação ou auxílio a automutilação) acabou caracterizando uma anomalia jurídica porque ficou situada em local topograficamente inadequado do Código Penal, ou seja, entre os “crimes contra a vida”, pois, o correto, seria ao menos ficar como uma variante no capítulo das Lesões Corporais, cuja competência é do juízo singular.

O bem jurídico protegido é a vida (no caso de suicídio) e a integridade corporal (no caso da automutilação). Desta forma, se a conduta do agente consiste em induzir, instigar ou prestar auxílio material ao suicídio, a competência é do Tribunal do Júri que julga os crimes dolosos contra a vida (homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto), na forma tentada ou consumada (CF, art. 5º, XXXVIII, alínea d, c/c CPP, art. 74, § 1º).

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marquês de. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed., 2000.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal – Volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1959.

MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. Campinas, SP: Millenium Editora, 2004.

MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. Rio de Janeiro: Método, 16ª ed., 2022.

____ . Direito Penal – Parte Especial – Volume 2. Rio de Janeiro: Método, 15ª ed., 2022.

____ . Direito Penal – Parte Especial – Volume 3. Rio de Janeiro: Método, 12ª ed., 2022.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 22ª ed., 2022.

____ . Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021

 

 

 

 

[1].       BECCARIA, Cesare Bonesana, Marquês de. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed., 2000, p. 92.

[2].       Na redação original do Código Penal de 1940, a falsidade em prejuízo da nacionalização de sociedade estava prevista no art. 311. Em razão das modificações introduzidas pela Lei 9.426/1996, especialmente pela criação do crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, o delito foi transferido para o art. 310, porém, o legislador se esqueceu de repetir seu nomen iuris.

[3].       Liminar do Supremo Tribunal Federal: Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.299-DF, o Ministro Luiz Fux, em 22.01.2020, suspendeu a vigência dos arts. 3º-A a 3º-F, todos relacionados à nova figura do juiz das garantias. Assim, os referidos artigos estão suspensos, por prazo indeterminado, até que o mérito da causa seja avaliado pelo Plenário do STF.

[4].       Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/brasileiros-vivem-em-media-30-anos-a-mais-que-em-1940/ – publicado em 11.12.2019, acesso em 01 de abril de 2022.

[5].       NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021, pp. 14-15.

[6].       MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. Rio de Janeiro: Método, 16ª ed., 2022, p. 735.

[7].       Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU, 1948. Art. III – “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

[8].       Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), 1969. Art. 4º- 1. “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.

[9].       Constituição Federal de 1988 – “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Art. 5º caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:”.

[10].     Circunstância é todo dado acessório (não essencial) que, agregado à figura típica fundamental (ou figura simples), tem a função de aumentar ou diminuir as consequências jurídicas do crime, em especial a pena. As circunstâncias são objetivas, quando relacionadas ao crime; ou subjetivas, quando relacionadas ao agente.

[11].     Nas armas de alma raiada há, na parte interna do cano, estrias helicoidais que fazem com que os projéteis girem em torno do próprio eixo. Essas estrias permitem que o projétil saia girando da arma, detalhe que ajuda a alcançar maiores distâncias com muita precisão.

[12].     NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021, p. 26.

[13].     MAGGIO, Vicente de Paula Rodrigues. Infanticídio e a morte culposa do recém-nascido. Campinas, SP: Millenium Editora, 2004, p. 60.

 

[14].     A distinção entre o roubo próprio e impróprio reside no momento em que o agente emprega a grave ameaça ou violência contra a pessoa: (a) no roubo próprio a grave ameaça ou violência é empregada antes ou durante a subtração; (b) no roubo impróprio, a violência ou grave ameaça contra a pessoa é empregada logo depois da subtração, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

[15].     Arma de fogo é um artefato que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil.

[16].     Princípio da consunção é aquele que se aplica, no conflito aparente de normas, quando o fato definido como crime é praticado na preparação, execução ou exaurimento de um outro crime mais grave. Por este princípio, o agente responde somente pelo crime mais grave que absorve o menos grave, ou seja, o crime-fim absorve o crime-meio;

[17].     Nas armas de alma raiada há, na parte interna do cano, estrias helicoidais que fazem com que os projéteis girem em torno do próprio eixo. Essas estrias permitem que o projétil saia girando da arma, detalhe que ajuda a alcançar maiores distâncias com muita precisão.

[18].     MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Especial – Volume 2. Rio de Janeiro: Método, 15ª ed., 2022, p. 443.

[19].     Autarquias são instituídas por lei, têm autonomia administrativa e financeira, mas estão sujeitas ao controle do Estado. São entidades de direito público e sua atividade fim é de interesse público. Exemplos: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Banco Central do Brasil (BACEN).

[20].     Fundações públicas são criadas por lei e podem ser entidade de direito público ou privado. Sua atividade fim deve ser de interesse público e essas organizações não podem ter fins lucrativos. Exemplos: Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

[21].     Empresas públicas são pessoas jurídicas de direito privado, criadas por autorização legal e administradas pelo poder público. O capital das empresas públicas é exclusivamente público. Essas empresas prestam serviço de interesse coletivo e exercem atividades econômicas. Exemplos: Correios e Caixa Econômica Federal.

[22].     Sociedade de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, criadas sob a forma de sociedade anônima e compostas por capital público e privado. A maior parte das ações dessas empresas são do Estado. Assim como as empresas públicas, prestam serviços públicos e exercem atividades econômicas. Exemplos: Banco do Brasil e Petrobras.

[23].     De um modo geral, “pessoa com deficiência: aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas” – (Lei 10.098, art. 2º, III).

[24].     HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal – Volume IX. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 1959, p. 358.

 

[25].     NUCCI, Guilherme de Souza. Pacote Anticrime Comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019. Rio de Janeiro: Forense, 2ª ed., 2021, p. 28.

[26].     NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 22ª ed., 2022, p. 686.

 

Senado mantém veto a projeto de lei que privilegia reinserção familiar em detrimento da adoção

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O Senado Federal manteve o Veto 14/2021, com 44 votos a 15, em sessão na quinta-feira (17). No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro barrou o Projeto de Lei 8.219/2014, originado no Projeto de Lei do Senado 379/2012, que visava alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) para prever tentativas de reinserção familiar da criança ou do adolescente.

De acordo com o projeto do Senado, aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro de 2019, a adoção de criança ou adolescente só seria concretizada após fracassadas as tentativas de reinserção familiar. Na mensagem de veto, Bolsonaro afirma que a proposta aumentaria, potencialmente, o prazo para adoção.

Ainda de acordo com o Presidente da República, as tentativas de reinserção familiar revitimizariam o adotando, comprometendo as chances de serem adotados em definitivo. Além disso, na justificativa de veto, ressaltou que a medida prejudicaria a construção de vínculos entre a família adotante e a criança.

IBDFAM apoia veto e enaltece manutenção pelo Senado

O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, por meio de sua Comissão de Adoção, já havia se posicionado, no ano passado, a favor do veto e contra o referido projeto de lei. O entendimento é de que a proposta favorece o biologismo e prejudica a celeridade dos processos de adoção.

Em nota, o IBDFAM enalteceu a manutenção do veto pelo Senado. “Do contrário, estariam sendo corrompidos os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança e do adolescente, insertos no artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como estaria sendo desconsiderada a situação peculiar de especial estágio de desenvolvimento dos sujeitos de direitos – criança e adolescente.”

“Há que se registrar a profícua análise tanto do Governo Federal quanto do Congresso Nacional, que, por confirmarem o veto, voltaram a atenção para um problema crônico, fazendo com que fosse possível trabalhar para reduzir ao máximo os prazos para adoção”, prossegue a manifestação do IBDFAM.

Integridade física e psíquica de crianças e adolescentes

Para o Instituto, as diversas tentativas de reinserção a todo custo da criança ou adolescente em sua família biológica, em detrimento ao processo de adoção, “ofendem a integridade física e psíquica das crianças e adolescentes, em conflito com o disposto pelo artigo 227 da Constituição da República, tendo em vista que estes devem ser colocados a salvo de toda forma de negligência”.

“Além disso, as diversas tentativas podem afetar o trabalho dos profissionais e entidades afins que atuam junto ao acompanhamento da situação e a tomada de decisão quanto à reintegração familiar ou encaminhamento para adoção, afetando, ainda, o juízo de convencimento do juiz do caso, tendo em vista não restar claro a quantidade de tentativas a serem suficientes antes de tal decisão de remessa para adoção.”

Tudo isso contribuiria para a delonga dos processos de adoção. “As tentativas de reinserção familiar da criança ou do adolescente poderiam se tornar intermináveis, revitimizando o adotando a cada tentativa de retorno à família de origem, a qual pode comprometer as chances de serem adotados em definitivo.”

FONTE:  IBDFAM, 18 de março de 2022.

Pesquisa Pronta destaca divisão de bens em separação obrigatória e presunção de fraude à execução fiscal

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​A página da Pesquisa Pronta divulgou seis entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência, a nova edição aborda, entre outros assuntos, a comunicação dos bens adquiridos durante o casamento no regime de separação legal ou obrigatória e a natureza da presunção da fraude à execução fiscal. 

O serviço tem o objetivo de divulgar as teses jurídicas do STJ mediante consulta, em tempo real, sobre determinados temas, organizados de acordo com o ramo do direito ou em categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).

Direito bancário – Operação de crédito 

Operações de crédito. Cobrança de tarifa antecipada. 

“Durante a vigência da Resolução CMN n. 2.303/1996 era lícita a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços pelas instituições financeiras, entre eles o de liquidação antecipada de operação de crédito, desde que efetivamente contratados e prestados, salvo àqueles considerados básicos. Em 8 de setembro de 2006 entrou em vigor a Resolução CMN n. 3.401/2006, que dispôs especificamente a respeito da possibilidade de cobrança de tarifas sobre a quitação antecipada de operações de crédito e arrendamento mercantil, matéria que até então vinha sendo disciplinada de maneira genérica pela Resolução CMN n. 2.303/1996. Somente com o advento da Resolução CMN n. 3.516, de 10 de dezembro de 2007, é que foi expressamente vedada a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada de contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil financeiro.”

AgInt no AREsp 326.312/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 26/09/2017, DJe 02/10/2017.

Direito civil – Família 

Comunicabilidade de bens adquiridos na constância do casamento por esforço comum. Regime de separação legal ou obrigatória. 

“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição.”

AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1.084.439/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 03/05/2021, DJe 05/05/2021.

Direito tributário – Execução fiscal 

Natureza da presunção da fraude à execução fiscal. 

“[…] esta Corte Superior tem se manifestado sempre no sentido de que, mesmo na hipótese de sucessivas alienações, a presunção de fraude é ‘jure et de jure’, de modo que se mostra irrelevante, por força de lei, para a configuração da fraude à execução a existência ou não de boa-fé na conduta do último adquirente do bem alienado.”

AgInt no REsp 1.882.063/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 12/04/2021, DJe 28/04/2021.

Direito tributário – imposto de renda 

Imposto de renda. Valores pagos a título de auxílio-transporte. 

“O STJ já se manifestou quanto à não incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF sobre os valores pagos a título de férias-prêmio e de auxílio-transporte, em razão da natureza indenizatória de tais verbas.”

AgInt no AREsp 1.824.895/SP, Rel. Ministro Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 27/09/2021, DJe 29/09/2021.

Direito tributário – Tributos 

Crédito não tributário. Suspensão da exigibilidade a partir da apresentação da fiança bancária e do seguro garantia judicial. 

“De acordo com a jurisprudência do STJ, é cabível a suspensão da exigibilidade do crédito não tributário a partir da apresentação da fiança bancária e do seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento, porquanto essas modalidades de garantia equiparam-se a dinheiro.”

AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 1.689.022/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/02/2022, DJe 18/02/2022.

FONTE: STJ, 16 de março de 2022.

A perda do que nunca se teve: a evicção na jurisprudência do STJ

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O vocábulo “evicção” vem do latim evictio e significa desapossar judicialmente ou recuperar uma coisa. Para o direito civil, evicção é a perda de um bem por ordem judicial ou administrativa, em razão de um motivo jurídico anterior à sua aquisição.

Em outras palavras, é a perda de um bem pelo adquirente, em consequência de reivindicação feita pelo verdadeiro dono. Um exemplo de evicção se dá quando alguém vende um objeto e, posteriormente, descobre-se que ele não pertencia ao vendedor, mas a um terceiro.

Como explicou o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino, no Recurso Especial 1.342.345, a evicção, segundo os artigos 447 e seguintes do Código Civil, consiste na perda total ou parcial da propriedade de bem adquirido em virtude de contrato oneroso, por força de decisão judicial ou ato administrativo praticado por autoridade com poderes para a apreensão da coisa – por exemplo, um delegado de polícia ou a Receita Federal.

Segundo Sanseverino, além das hipóteses tradicionais de perda da coisa por decisão judicial, passou-se a reconhecer a ocorrência de evicção também nos casos de apreensão por ato administrativo praticado por autoridade com poderes para isso.

“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se nesse sentido, exigindo apenas que a apreensão pela autoridade administrativa decorra de fato anterior à aquisição do bem”, afirmou.

Sobre os efeitos da evicção, Sanseverino observou que o artigo 450 do Código Civil estabelece que o adquirente que perdeu o bem pode postular as seguintes medidas: restituição integral do preço pago; indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir; indenização pelas despesas dos contratos e demais prejuízos resultantes da evicção; e ressarcimento das despesas processuais com custas e honorários de advogado.

Nesta matéria, são apresentados alguns julgados do STJ que permitem compreender com mais clareza quando é possível falar de evicção, quais são as consequências desse instituto e qual é o prazo para pleitear eventual indenização pela perda do bem.

Restituição integral do valor 

A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o evicto, pela perda sofrida, tem o direito à restituição integral do valor do bem, calculado ao tempo em que dele foi desapossado – ou seja, ao tempo em que se evenceu.

Com base nesse entendimento, a Quarta Turma, por unanimidade, em setembro de 2020, negou o pedido para analisar recurso especial que defendia que a restituição correspondente a um imóvel, em decorrência do reconhecimento da evicção, considerasse o valor do negócio celebrado entre as partes litigantes, e não o preço de mercado apurado em perícia (AREsp 1.587.124).

No mesmo sentido, foram apreciados o AREsp 363.825 e o REsp 132.012, quando a corte concluiu que a pessoa condenada a fazer o ressarcimento deveria pagar ao evicto o valor do bem apurado no momento em que se deu a evicção, correspondente à perda sofrida, como preceitua o artigo 450, parágrafo único, do Código Civil.

Exercício dos direitos resultantes da evicção  

Para que o evicto possa exercer os direitos resultantes da evicção, na hipótese em que a perda da coisa tenha sido determinada pela Justiça, não é necessário o trânsito em julgado da decisão. Esse foi o entendimento da Quarta Turma ao apreciar o Recurso Especial 1.332.112.

Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, há situações em que os efeitos da privação do bem se consumam a despeito da existência de decisão judicial ou de seu trânsito em julgado, desde que haja a efetiva ou iminente perda da posse ou da propriedade, e não uma mera cogitação da perda ou limitação desse direito.

Para o magistrado, embora o trânsito em julgado confira o respaldo ideal para o exercício do direito oriundo da evicção, não se pode ignorar que, muitas vezes, o processo permanece ativo por muitos anos, ocasionando prejuízos consideráveis advindos da constrição imediata dos bens do evicto, que aguarda, “impotente”, o trânsito em julgado da decisão que já lhe assegurava o direito.

Salomão lembrou que o Código Civil de 1916 somente admitia a evicção mediante sentença transitada em julgado. Todavia, o Código Civil de 2002, “além de não ter reproduzido esse dispositivo, não contém nenhum outro que preconize expressamente a referida exigência”.

Dessa forma, “ampliando a rigorosa interpretação anterior, jurisprudência e doutrina passaram a admitir que a decisão judicial e sua definitividade nem sempre são indispensáveis para a consumação dos riscos oriundos da evicção”, concluiu o relator.

Responsabilidade negocial 

Para a ministra Nancy Andrighi, a evicção representa um sistema especial de responsabilidade negocial decorrente da perda total ou parcial de um direito, atribuído, por sentença, a outrem, cujo direito é anterior ao contrato de onde nasceu a pretensão do evicto.

“Se tal direito não existe ou se, existindo, dele não for privado, total ou parcialmente, o reivindicante, não há falar em evicção”, afirmou a magistrada no julgamento do REsp 1.779.055.

No caso julgado pela Terceira Turma, um procurador munido de procuração em causa própria celebrou contrato de compra e venda de imóvel com terceiros, mas a propriedade do mandante foi considerada inexistente por sentença.

Dessa forma, a hipótese de evicção foi afastada, pois o imóvel objeto do contrato celebrado entre o mandatário e os compradores não coincidia com o imóvel cujo domínio foi atribuído a terceiro por sentença judicial transitada em julgado, exarada na ação de reintegração de posse ajuizada pelos compradores.

Assim, para a ministra, se o imóvel objeto do contrato não existia, seu domínio não poderia ter sido transferido, pois isso seria transferir o domínio de nada.

Por outro lado, se o imóvel existe, mas não corresponde ao objeto da ação de reintegração de posse ajuizada pelos compradores, não foram eles privados do bem que consta da escritura. “Em nenhuma das duas hipóteses, portanto, se caracteriza a evicção”, completou a magistrada.

Pagamento de dívida para evitar evicção

Em abril de 2021, o STJ confirmou o entendimento de que, se o adquirente de um imóvel afasta a evicção mediante a quitação da dívida de terceiro, cabe-lhe mover ação de indenização contra quem lhe vendeu o bem, responsável por salvaguardá-lo dos efeitos de uma possível evicção.

REsp 1.907.398, analisado pela Terceira Turma, tratou do caso de uma empresa que adquiriu um imóvel em 2002, não sem antes se certificar de que não havia pendência judicial ou fiscal contra a vendedora.

No entanto, algum tempo depois, ela foi surpreendida com a penhora do bem, determinada em execução fiscal promovida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra a proprietária anterior.

Para evitar o leilão, a empresa efetuou o pagamento da dívida previdenciária e, ao ajuizar ação regressiva contra a vendedora, fundamentou seu pedido no instituto da sub-rogação, previsto no artigo 346, II e III, do Código Civil.

O ministro Villas Bôas Cueva, ao analisar o recurso da vendedora do imóvel, reformou o acórdão recorrido e esclareceu que não é adequada a propositura de ação regressiva fundada no instituto da sub-rogação, se o alienante não era o responsável pelo pagamento da dívida quitada pelo adquirente.

O magistrado lembrou que a jurisprudência do STJ entende que, tendo o próprio comprador afastado a evicção mediante a quitação da dívida de terceiro, cabe-lhe mover ação indenizatória contra o alienante, para se ressarcir das quantias desembolsadas.

Isso porque, segundo o relator, “os pressupostos para o reconhecimento do direito de regresso em favor do terceiro que efetiva o pagamento de determinada dívida para não ser privado de direito sobre imóvel são substancialmente distintos daqueles necessários para se reconhecer o dever de indenizar, que pressupõe a existência de dano, culpa e nexo causal”.

Villas Bôas Cueva destacou ainda que, na ação de indenização, o alienante poderia ser responsabilizado diretamente pelos prejuízos causados ao adquirente, especialmente se constar da escritura de compra e venda a inexistência de qualquer ação ou ônus pendente sobre o imóvel.

Transferência livre e desembaraçada de veículo  

Caracteriza evicção a inclusão de gravame capaz de impedir a transferência livre e desembaraçada de veículo objeto de compra e venda. Essa foi a conclusão da Terceira Turma no julgamento do REsp 1.713.096.

Para o colegiado, a inclusão de um gravame capaz de reduzir a serventia do veículo também caracteriza a evicção, mesmo inexistindo a perda da posse ou do domínio do bem por parte do comprador e da agência que intermediou o negócio.

Conforme a relatora, ministra Nancy Andrighi, não se sustentou a tese de que a decisão irrecorrível, que libera o veículo de qualquer restrição em seu cadastro, afasta por completo a alegada evicção, fundamento para o pedido indenizatório.

“Conquanto, realmente, tenha a adquirente se mantido na posse do veículo por determinado período de tempo, o fato de ter sido em seguida constituído o gravame, tornando necessário o ajuizamento de embargos de terceiro para que ela pudesse obter a respectiva liberação para efetuar o registro, evidencia o rompimento da sinalagmaticidade das prestações, na medida em que se obrigou o recorrente – alienante – a promover a transferência livre e desembaraçada do bem à adquirente, sob pena de responder pela evicção”, afirmou a relatora.

Para Nancy Andrighi, é dever do alienante transmitir ao adquirente do veículo o direito sem vícios não consentidos. Dessa forma, fica caracterizada a evicção na hipótese de inclusão de gravame capaz de impedir a transferência livre e desembaraçada do veículo para o novo proprietário.

Diante disso, decidiu a turma, “deve ser a intermediadora do negócio jurídico de compra e venda de veículo ressarcida dos prejuízos causados pelo alienante, em virtude da resolução do contrato por conta da ocorrência da evicção”.

Em seu voto, Nancy Andrighi mencionou ainda que o Código de Processo Civil revogou expressamente o artigo 456 do Código Civil de 2002, dispondo o parágrafo 1º do artigo 125 do CPC que, na hipótese de evicção, o direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.

Prazo prescricional para ressarcimento por evicção

“Seja a reparação civil decorrente da responsabilidade contratual ou extracontratual, ainda que exclusivamente moral ou consequente de abuso de direito, a prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo comum de três anos.”

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma julgou o REsp 1.577.229, interposto em ação de ressarcimento de prejuízo decorrente de evicção.

Como o ordenamento jurídico brasileiro não prevê expressamente o prazo prescricional para ações de indenização decorrentes da evicção, o colegiado discutiu qual prazo deveria ser aplicado: o especial, de três anos, baseado no artigo 206, parágrafo 3º, IV ou V, do Código Civil, ou o prazo geral, de dez anos, previsto no artigo 205 e aplicado no acórdão recorrido.

Ao decidir, a relatora, ministra Nancy Andrighi, citou decisão da Segunda Seção, tomada sob o rito dos recursos repetitivos (REsp 1.360.969), na qual o colegiado firmou o entendimento de que “não há mais suporte jurídico legal que autorize a aplicação do prazo geral, como se fazia no regime anterior, simplesmente porque a demanda versa sobre direito pessoal”.

De acordo com Nancy Andrighi, como a garantia por evicção representa um sistema especial de responsabilidade negocial, infere-se que “a natureza da pretensão deduzida nesta ação é tipicamente de reparação civil decorrente de inadimplemento contratual, a qual, seguindo a linha do precedente supramencionado, submete-se ao prazo prescricional de três anos”.

Garantia dos riscos da evicção  

Para a Terceira Turma, o risco da evicção não atinge a instituição financeira que apenas financiou a compra do bem. O entendimento foi adotado pelo colegiado no julgamento do EREsp 1.342.145, que eximiu o Banco Volkswagen da obrigação de ressarcir a empresa compradora de um carro financiado que foi apreendido pela Receita Federal por causa de problemas na importação. A empresa adquiriu o veículo do primeiro comprador, que lhe transferiu o financiamento.

De acordo com o relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o dever de garantir os riscos da evicção é restrito ao alienante do veículo e não se estende à instituição que concedeu o financiamento sem ter vínculo com o importador.

Inicialmente, um consumidor firmou contrato de alienação fiduciária com o banco para a aquisição de um Porsche Carrera modelo 911. Depois, vendeu o veículo para uma empresa e repassou o financiamento, com a anuência da instituição financeira.

O automóvel, porém, foi apreendido pela Receita Federal devido a irregularidades na importação. A empresa ajuizou ação contra o espólio do vendedor e o banco. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) não reconheceu a ilegitimidade passiva do banco, por entender que todos aqueles que participaram do negócio devem responder pelos prejuízos suportados por terceiro. Em recurso ao STJ, o banco insistiu na alegação de ilegitimidade.

Em seu voto, Sanseverino explicou que a responsabilidade pelos riscos da evicção é do vendedor e, desde que não haja no contrato cláusula de exclusão dessa garantia, o comprador que perdeu o bem poderá pleitear a restituição do que pagou. No caso julgado, entretanto, o ministro concluiu que essa restituição não poderia ser exigida do banco.

Isso porque, de acordo com o magistrado, precedentes do STJ excluem a responsabilidade da instituição financeira em relação a defeitos do produto financiado: no REsp 1.014.547, a Quarta Turma isentou o banco porque ele apenas forneceu o dinheiro para a compra.

“Não há possibilidade de responsabilização da instituição financeira, que apenas concedeu o financiamento para a aquisição do veículo importado, sem que se tenha evidenciado o seu vínculo com o importador”, concluiu Sanseverino.

Boa-fé é requisito essencial

Quando reconhecida a má-fé do comprador de imóvel no momento de fechar o negócio, ele não pode, sob o argumento de ocorrência de evicção, propor ação de indenização para reaver do vendedor o valor gasto na aquisição do bem.

A decisão foi dada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze no AREsp 1.597.745, que confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) no sentido da impossibilidade de aplicar o teor do artigo 449 do Código Civil – segundo o qual “tem direito o evicto a receber o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção” – em caso que envolveu uma fazenda alvo de litígio.

O imóvel rural foi vendido por preço bem abaixo do mercado, por estar pendente de julgamento uma discussão possessória. Após a compra, assumindo o risco de eventual ineficácia no regular exercício da sua posse, o comprador foi expulso do local e entrou com ação indenizatória para ter de volta o valor pago.

O espólio do comprador questionou o acórdão, afirmando que a corte estadual não reconheceu seu direito à restituição do valor pago ao vendedor, que alienou o imóvel e recebeu, mas não transferiu a propriedade. Alegou que nunca se soube que havia invasores na área; portanto, os herdeiros não poderiam sofrer os prejuízos decorrentes da impossibilidade de complementação da transação.

Segundo Bellizze, para a configuração da evicção e a consequente extensão de seus efeitos, exige-se a boa-fé do adquirente; porém, no caso julgado, diante das provas e dos termos contratuais apresentados, o TJMT concluiu pela ausência de boa-fé e pelo conhecimento prévio acerca dos problemas possessórios que envolviam o imóvel.

Dessa forma, entendeu o ministro, a ausência de boa-fé do comprador e o seu conhecimento prévio sobre a situação do imóvel afastaram o direito à restituição do valor com base na evicção. Processos REsp 1342345REsp 1587124AREsp 363825REsp 132012REsp 1332112REsp 1779055REsp 1907398REsp 1713096REsp 1577229REsp 1360969EREsp 1342145REsp 1014547AREsp 1597745

 FONTE:  STJ, 20 de março de 2022.

Secretário-geral do CNJ analisa alterações da nova lei de improbidade administrativa

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Pelo projeto SAE Talks, Valter Shuenquener de Araújo fala sobre inovações da Lei 14.230/2021.

Em evento online promovido, nesta sexta-feira (18), no âmbito do projeto SAE Talks, do Supremo Tribunal Federal (STF), o secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Valter Shuenquener de Araújo, apresentou palestra sobre a nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021). Ele fez reflexões críticas às inovações da norma e contextualizou o momento em que ela foi editada, analisando as mudanças ponto a ponto.

Jurista e administrativista, Valter Shuenquener lembrou que a antiga lei de improbidade administrativa nasceu em 1992, mas só passou a ter protagonismo nos anos 2000. Devido às grandes operações, como o Mensalão e a Lava Jato, houve uma mudança de compreensão de como o sistema punitivo estatal deve se materializar.

Segundo o secretário-geral do CNJ, antes desse período, havia um reconhecimento de que a punição só poderia ocorrer na área penal, pois não havia uma visão concreta de como enfrentar condutas desonestas no campo administrativo. “A reforma da lei veio para consolidar a evolução do direito sancionador que já está ocorrendo há alguns anos em relação a princípios, regras, diretrizes e isso aparece ao longo da reforma”, afirmou.

Direito penal x direito administrativo

Ao traçar a evolução teórica do direito penal e do direito administrativo sancionador, o jurista mostrou as principais diferenças entre esses dois campos do direito, cujos objetivos são distintos. Na área do direito penal, se busca a função retributiva da pena e, apesar de haver a ideia de ressocialização do réu, há uma característica importante relacionada à necessidade do castigo pelo crime cometido.

Já no âmbito administrativo, o papel da sanção é prevenir comportamentos corruptos e desonestos, a fim de evitar a própria improbidade. Nesse ponto, Shuenquener salientou a preocupação com a economia, com a competitividade e com o desenvolvimento de negócios, pois nenhum país consegue se desenvolver em um ambiente corrupto.

O secretário-geral também comentou diversos princípios do direito penal que, a partir da nova lei, foram adotados pelo administrativo. Entre eles, a individualização da conduta do réu, o contraditório e a ampla defesa, a presunção de inocência, a retroatividade da lei mais benéfica e o princípio da legalidade.

Participações

A abertura da palestra foi apresentada pelo secretário de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação (SAE) do STF, Alexandre Freire, com a moderação do professor e procurador de Estado do Rio de Janeiro Rodrigo Crelier Zambão da Silva.  EC//CF

FONTE:  STF, 18 de março de 2022,

TST discute habeas corpus impetrado por trabalhadores que não aderiram a greve

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A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-2) declarou nulos todos os atos praticados no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) num pedido de habeas corpus em que fora garantido o acesso de um grupo de trabalhadores da Petrobras Transportes S/A (Transpetro) ao Terminal Aquaviário de Madre de Deus, durante uma greve realizada em 2015. Embora considerando cabível a impetração de habeas corpus para essa finalidade, o colegiado, por unanimidade, acolheu parcialmente recurso do Sindicato dos Petroleiros do Estado da Bahia (Sindipetro/BA), por considerar que o juízo competente para examinar o caso não era o TRT, mas uma das Varas do Trabalho de Santo Amaro (BA).

Direito de ir e vir

No habeas corpus, o grupo de empregados sustentava que, durante a greve, o Sindipetro havia bloqueado o acesso a todas as unidades da Transpetro na Bahia. Segundo eles, o movimento atentava contra a garantia constitucional do direito de ir e vir, atrasando a escala de turnos, ameaçando e constrangendo empregados e impedindo a circulação de veículos.

Em decisão monocrática, o desembargador relator do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA) concedeu liminarmente o salvo conduto em favor dos empregados. A decisão autorizava, caso necessário, a requisição de força policial para o seu cumprimento e fixava multa diária de R$ 50 mil por empregado atingido em caso de descumprimento.

Bloqueio

O sindicato, entretanto, descumpriu a liminar, levando o grupo de empregados a postular a majoração da multa. Foi determinado, então, o bloqueio de R$ 2 milhões do sindicato e fixada a multa em R$ 300 mil por dia de descumprimento. Caso a busca fosse infrutífera, a decisão autorizava o bloqueio da conta pessoal dos dirigentes sindicais.

Ao analisar agravo interposto pelo sindicato, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TRT extinguiu o habeas corpus, em razão do fim do movimento grevista, mas manteve a condenação do sindicato ao pagamento da multa (astreintes).

Cabimento

No exame do recurso do sindicato, a SDI-2 discutiu, inicialmente, o cabimento do habeas corpus para garantir o direito dos empregados que querem trabalhar. O relator, ministro Dezena da Silva, explicou que, para uma corrente doutrinária, a medida só é cabível contra atos de autoridade, e não de particular (no caso, a entidade sindical). No seu entendimento, porém, o sindicato tem autorização legal para deflagrar a paralisação coletiva, de modo que eventual constrangimento ao direito de locomoção, decorrente de ato praticado por ele, é passível de questionamento por esse meio.

Direito coletivo x direito individual

Ainda de acordo com o ministro, a possibilidade de uso do habeas corpus pelos trabalhadores individualizados que, livremente, resolvem não aderir ao movimento paredista não limita o exercício do direito de greve, cuja natureza é coletiva. Ele lembrou que o habeas corpus não discute a abusividade da greve nem as responsabilidades de eventual abuso. “Cuida-se, unicamente, de se conceder ou não o salvo conduto, mediante configuração do constrangimento ilegal sobre o direito fundamental de locomoção”, assinalou. Esse direito, a seu ver, é uma garantia inalienável, que não pode ser tolhida, mesmo que se contraponha a outro direito fundamental.

Juiz natural

O segundo ponto analisado foi a alegação do sindicato de incompetência funcional do TRT da 5ª Região para julgar o caso. Sobre esse aspecto, o ministro Dezena da Silva observou que o ato questionado no habeas corpus foi praticado por particular, e não por autoridade judiciária, e essa circunstância afeta a definição do juiz natural para sua apreciação.

De acordo com o relator, a competência funcional deriva da hierarquia dos órgãos do Poder Judiciário, estruturada a partir dos graus de jurisdição e das instâncias de conhecimento. Nessa perspectiva, se o habeas corpus for impetrado contra ato de particular, a competência hierárquica será das Varas do Trabalho. O TRT julga habeas corpus contra ato do juiz de primeiro grau, e o TST julga habeas corpus impetrado em face de TRT.

Com a declaração da incompetência do TRT e a anulação de todos os atos praticados no processo, a consequência lógica é a inexigibilidade das multas estipuladas na decisão liminar, em razão de sua natureza acessória, e a liberação dos valores bloqueados.   (DA, CF) – Processo: RO-1031-70.2015.5.05.0000

FONTE:  18 de março de 2022.

STJ julga possibilidade de reconhecimento de parentesco socioafetivo post mortem

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A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ vai definir se é possível o reconhecimento do parentesco socioafetivo post mortem entre “irmãos de criação”. O caso concreto trata-se de irmãos e uma mulher já falecida, criada pelos pais deles, que também já morreram. O julgamento está suspenso após pedido de vista do relator, ministro Marco Buzzi.

O pedido dos autores foi negado em primeiro e segundo grau, com o entendimento de que a “irmã de criação” e os pais não buscaram tal reconhecimento em vida. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, a parentalidade socioafetiva “não pode servir unicamente para atribuir direitos sucessórios aos autores”.

O relator no STJ, ministro Marco Buzzi, já havia votado para dar provimento ao recurso dos irmãos. No entanto, na retomada do julgamento na terça-feira (15), sinalizou que pode reajustar o seu voto e, por isso, pediu vista. Já votou o ministro Raul Araújo, para quem não é possível o reconhecimento do parentesco.

Segundo Araújo, a lei civil estabelece que a existência do parentesco colateral exige, necessariamente, o ascendente comum. Pontuou que não há prévio reconhecimento de filiação socioafetiva entre a falecida e os supostos pais, também falecidos, seguindo o mesmo entendimento das instâncias ordinárias.

O ministro divergiu do voto inicial do relator, negando provimento ao recurso. “Ainda que se tenha como possível, em abstrato, a pretensão ao reconhecimento de parentesco socioafetivo, este somente se admite a partir da existência da prévia relação entre ‘pai e filho’ e ‘filho e filha’, com base na posse do estado de filho.”

REsp 1.674.372

Tese de fraternidade socioafetiva

A tese de fraternidade socioafetiva foi apresentada pelo advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em julgamento de 2006. No caso pioneiro, três irmãs que conviveram durante 30 anos com um “irmão de criação” pediam a declaração de socioafetividade e reconhecimento de última vontade testamental.

Rodrigo lembrou do caso em entrevista concedida em 2020: “Ele era solteiro, não tinha descendentes, ascendentes e nem irmãos biológicos. Ao falecer, seus parentes mais próximos moravam fora do país, e só souberam da morte dele muito tempo depois, pois não tinham nenhum vínculo de afeto. Apesar disto, pela regra do Código Civil, eles seriam os herdeiros desse homem, que mal conheciam”.

Em testamento, o homem havia deixado todos os seus bens para as irmãs socioafetivas, mas não chegou a concluir o documento. “Nós, advogados, devemos entrar em cena para defender o justo, ainda que em detrimento da regra rígida e fria da lei. Aliás, esse é o nosso velho dilema: entre o justo e o legal, nem sempre coincidentes, é nossa posição ética ir atrás daquilo que é justo”.

Socioafetividade já está sedimentada na doutrina e jurisprudência

Segundo o advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM, a possibilidade de reconhecimento post mortem de irmandade socioafetiva ainda é uma questão nova sob o ponto de vista jurisprudencial. A conclusão dos ministros do STJ deverá ter grande utilidade para a comunidade jurídica, de acordo com o especialista.

“O reconhecimento de vínculo socioafetivo como passível de estabelecer um parentesco já é algo sedimentado na doutrina e na jurisprudência brasileira há mais de três décadas. Os vínculos mais conhecidos e reiterados certamente são os de paternidade, que deram impulso a essa temática. Também se tornaram mais comuns os casos de maternidade socioafetiva. Usualmente, temos as referências doutrinárias e jurisprudenciais mais atrelados aos laços filiais”, comenta Calderón.

Recentemente, decisões que procuram declarar judicialmente outros vínculos socioafetivos, para além da filiação, têm-se tornado recorrentes. Em janeiro, uma mulher teve reconhecida, na Justiça de Minas Gerais, a avosidade socioafetiva estabelecida com neta biológica de seu marido.

“O consolidado reconhecimento da afetividade como um princípio do Direito de Família brasileiro demonstra que, em abstrato, é possível a postulação de outras espécies de vínculos de parentesco lastreados no mesmo elo, como é o caso de uma irmandade socioafetiva. A doutrina especializada já defende isso e percebemos, agora, que os casos vêm chegando com mais frequência aos tribunais.”

Contornos fáticos da situação sub judice

Merece relevo, no caso concreto em análise pelo STJ, os contornos fáticos dessa situação sub judice. “Em tese, parece que não existem óbices jurídicos para um reconhecimento de outros laços parentais para além da filiação, mas é necessário analisar o caso concreto para que se verifique se a dada situação justifica uma declaração judicial dessa magnitude”, destaca Ricardo Calderón.

“O pedido de reconhecimento post mortem é uma peculiaridade que não pode ser ignorada, de acordo com o advogado. Além disso, há um litígio quanto à declaração desse vínculo, o que também precisa ser observado. Por fim, ao que me parece, não há uma demonstração ou prova clara e contundente da relação declarada nos autos entre os supostos irmãos socioafetivos, nem mesmo da filiação socioafetiva desses irmãos com o pais da falecida.”

O advogado acrescenta: “Essas delineações demonstram a importância da prova fática e da existência dos elementos necessários para o reconhecimento dos vínculos socioafetivos. Esse aspecto é central em casos do estilo em Direito de Família. Ao que se noticia, o STJ está se debruçando sobre as provas e elementos fáticos para dar a deliberação final”.

Há uma preocupação para que a pretensão não tenha como objetivo único e exclusivo a questão patrimonial. “A consolidação dos laços socioafetivos, consagrada no Direito brasileiro, não pode ser utilizada de modo abusivo, distorcido ou apenas a conferir direitos patrimoniais indevidos ou descabidos. Esse pano de fundo noticiado nos contornos dessa causa pode também tensionar a decisão para um lado ou outro.”

“Essa discussão também traz essa temática de uma pretensão patrimonial sucessória, um dos escopos da demanda. O interesse patrimonial também será levado em conta pelos julgadores para verificar a adequação ou inadequação do pleito apresentado. Há uma atenção para se evitar uma patrimonialização excessiva da declaração de vínculos afetivos. O contexto fático vai orientar os ministros no encontro da melhor solução.”

STJ deve dar sinalização importante sobre o tema

O especialista lembra que a possibilidade de reconhecer uma irmandade socioafetiva post mortem vai além desse caso em análise. “Não podemos perder de vista que o STJ julga casos concretos e também fica vinculado à situação que é posta e, em especial, às provas que são ou não apresentadas nos casos sob julgamento”, ressalta Ricardo Calderón.

“A postulação de uma irmandade socioafetiva é certamente inovadora. Traz, a reboque, diversas questões jurídicas profundas que demandam certa reflexão, lembrando que os aspectos fáticos também permeiam o entendimento final sobre essa causa. Tanto é assim que os ministros estão analisando minuciosamente a demanda.”

O pedido de vista apresentado pelo relator, ministro Marco Buzzi, indicando possível mudança de entendimento, demonstra a riqueza do tema. “Em breve, deveremos ter uma sinalização importante sobre um tema novo e que pode servir de orientação para outras causas do estilo.”

FONTE:  IBDFAM,  17 de março de 2022.