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Divórcio já!

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* Maria Berenice Dias

Como existe a crença de que ninguém é feliz sozinho sem ter alguém para amar, sempre houve a tentativa de manter as pessoas dentro do casamento, que antes até indissolúvel era.

Foi necessária uma luta de um quarto de século, somente no ano de 1977, ter ocorrido a aprovação do divórcio. Ainda assim, inúmeras eram as restrições e os entraves para a sua concessão. A separação, ainda que consensual, só podia ser obtida depois de um ano do casamento. A separação litigiosa dependia da identificação de culpados, e somente o "inocente" tinha legitimidade para ingressar com a ação. Depois, era necessário aguardar um ano para converter a separação em divórcio.

Já o divórcio direto estava condicionado ao prazo de dois anos da separação de fato. Ou s eja, dependia do decurso do prazo ou de simples declaração de duas testemunhas de que o casal estava separado por este período.

Todos esses artifícios nada mais buscavam do que desestimular o fim do casamento. Mas, apesar da insistência do legislador, não adianta, todos perseguem o sonho da felicidade, que nem sempre é encontrada em uma primeira escolha.

Decorridos mais de 30 anos de vigência da Lei do Divórcio, ninguém duvida que estava mais do que na hora de se acabar com a duplicidade de instrumentos para a obtenção do divórcio. Facilitando o procedimento, abrevia-se o sofrimento daqueles que desejam por fim ao casamento e buscar em novos relacionamentos a construção de outra família.

Por isso está sendo tão festejada a aprovação da PEC 28/2009 pelo Senado Federal. Ao ser dada nova redação ao art. 226, § 6º da Constituição Federal, d esaparece a separação e eliminam-se prazos e a perquirição de culpa para dissolver a sociedade conjugal. Qualquer dos cônjuges pode, sem precisar declinar causas ou motivos, e a qualquer tempo, buscar o divórcio. A alteração, quando sancionada, entra imediatamente em vigor, não carecendo de regulamentação. Afinal, o divórcio está regrado no Código Civil, e a Lei do Divórcio manda aplicar ao divórcio consensual o procedimento da separação por mútuo consentimento (art. 40, § 2º). Assim, nada mais é preciso para implementar a nova sistemática.

O avanço é significativo e para lá de salutar, pois atende ao princípio da liberdade e respeita a autonomia da vontade. Afinal, se não há prazo para casar, nada justifica a imposição de prazos para o casamento acabar. Com a alteração, acaba o instituto da separação. As pessoas separadas judicialmente ou separadas de corpos, por decisão judicial, podem pedir a conversão da separação em divórci o sem haver a necessidade de aguardar o decurso de qualquer prazo. Enquanto isso, elas devem continuar a se qualificarem como separados, apesar do estado civil que as identifica não mais existir. Mas nada impede a reconciliação, com o retorno ao estado de casado (CC 1.577).

Além do proveito a todos, a medida vai produzir significativo desafogo do Poder Judiciário. Cabe ao juiz dar ciência às partes da conversão da demanda de separação em divórcio. Caso os cônjuges silenciem, tal significa concordância que a ação prossiga com a concessão do divórcio. A divergência do autor enseja a extinção do processo por impossibilidade jurídica do pedido, pois não há como o juiz proferir sentença chancelando direito não mais previsto na lei. Já o eventual inconformismo do réu é inócuo. Afinal, não é preciso a sua anuência para a demanda ter seguimento. E, como para a concessão do divórcio não cabe a identificação de culpados, não haverá mais n ecessidade da produção de provas e inquirição de testemunhas. As demandas se limitarão a definir eventual obrigação alimentar entre os cônjuges e a questão do nome, caso algum deles tenha adotado o sobrenome do outro. Sequer persiste a possibilidade de ocorrer o achatamento do valor dos alimentos, uma vez que restaram revogados os artigos 1.702 e 1.704 do Código Civil. Do mesmo modo, acaba a prerrogativa de o titular do nome buscar que o cônjuge que o adotou seja condenado a abandoná-lo. Não mais continuaram em vigor os artigos 1.571, § 2º e 1.578 do Código Civil.

Existindo filhos, as questões relativas a eles precisam ser acertadas. É necessária a definição da forma de convivência com os pais – já que a preferência legal é pela guarda compartilhada – e o estabelecimento do encargo alimentar. Sequer os aspectos patrimoniais carecem de definição, eis ser possível a concessão do divór cio sem partilha de bens (CC 1.581).

Felizmente este verdadeiro calvário chega ao fim. A mudança provoca uma revisão de paradigmas. Além de acabar com a separação e eliminar os prazos para a concessão do divórcio, espanca definitivamente a culpa do âmbito do Direito das Famílias.

Mas, de tudo, o aspecto mais significativo da mudança talvez seja o fato de acabar a injustificável interferência do Estado na vida dos cidadãos. Enfim passou a ser respeitado o direito de todos de buscar a felicidade, que não se encontra necessariamente na mantença do casamento, mas, muitas vezes, com o seu fim.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Maria Berenice Dias: Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS. Vice-Presidente Nacional do IBDFAM

 

 


Liberdade de Pensamento

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*João Baptista Herkenhoff

Tem sentido que nos ocupemos hoje da Liberdade de Pensamento?

Este não é um tema ultrapassado?

Não já está garantida pela Constituição a liberdade de pensamento, consciência, crença?

Que existe então para acrescentar?

A única justificativa para a escolha deste tema, neste artigo, é a proximidade da data – 14 de julho, Dia da Liberdade de Pensamento?

Bem. A passagem do 14 de julho justificaria em parte falar sobre liberdade de pensamento dentre tantos assuntos palpitantes, neste momento de Brasil.

14 de julho (Queda da Bastilha) é feriado nacional na França. Mas estamos no Brasil. Que significa para nós, brasileiros, a Bastilha varrida?

Significa muito porque a luta pela liberdade é universal. Em qualquer quadrante do mundo onde se afronte a liberdade de alguém, fere-se, naquele alguém ultrajado, a liberdade de todos.

Liberdade de pensamento não é apenas a liberdade de pensar, mas é também a liberdade de exprimir o pensamento. A simples liberdade de pensar não aterroriza os ditadores. Todos os pensares repousariam tranquilos na cabeça das pessoas, se as pessoas mantivessem suas ideias aprisionadas dentro da mente. O que incomoda aos que pretendem subjugar o povo é justamente a expressão do pensamento, sua propagação. E assusta mais ainda aos censores de ideias constatar a existência de movimentos populares que fazem reflexão em conjunto, partilham sonhos e projetos de mundo.

O canto da liberdade está presente em toda a História da Humanidade.

Na tradição bíblica colhe-se no Levítico esta passagem: “Proclamareis liberdade na terra a todos os seus moradores.”

O sábio polonês Stanislaw Staszic fazia judiciosa observação a respeito do entrelaçamento entre Liberdade e Justiça. Liberdade sem Justiça – afirmou – é  uma palavra vazia. Apenas mascara ilusões.

No Japão, um outro sábio – Nichiren, comparecendo diante do rei, disse: “Tendo a honra de haver nascido em vosso reino, vejo meu corpo obediente a Vossa Excelência, mas minha alma jamais o será.”

No final do século dezenove, José Martí, escritor e patriota cubano, definia a liberdade como direito que todo ser humano tem de ser respeitado e de pensar e falar sem hipocrisia.

No Brasil, Tiradentes fez da Liberdade o lema da Inconfidência Mineira: Libertas quae sera tamem. (Liberdade ainda que tardia). No ideário dos inconfidentes, liberdade não significava apenas a Independência do Brasil, à face do domínio português. Era mais do que isso. Era a utopia de um povo livre, ruptura de todas as formas de escravidão, como bem colocou a historiadora mineira Maria Arminda do Nascimento Arruda.

Em tempos recentes de Brasil, a liberdade não foi uma doação do poder, uma concessão da benevolência. Muito pelo contrário. A liberdade foi arrancada, a liberdade foi conquistada. Muito lutaram os intelectuais, os artistas, os estudantes e a sociedade em geral na busca e efetivação desse direito.

Muito teremos de ainda fazer no Brasil para que a liberdade de pensamento e a liberdade em geral sejam direitos efetivos de todos os brasileiros.

Não há liberdade sem pão. A fome tem pressa disse o sociólogo Herbert de Souza, o nosso Betinho. E completou seu slogan numa frase magistral:

"nenhuma sociedade será democrática se não equacionar a incorporação das maiorias ao seu processo."

Para que ocorra a incorporação das maiorias, desejada e pregada por Betinho, é preciso que a educação seja direito de todos. A unanimidade dos brasileiros tem direito a educação de boa qualidade.

E não é apenas a escola que educa. Também outras agências sociais têm o dever de educar, como a televisão, por exemplo. Na programação televisiva, segundo percebo, há muitos programas que deseducam, agridem a sensibilidade, estimulam o que há de pior dentro do ser humano.

Sonho com um grande crescimento da consciência, por parte da população, de modo que aprenda a exercitar a arte do prêmio e a arte do boicote.

Como seria belo boicotar empresas e produtos que inserem anúncios nos intervalos comerciais dos programas que o telespectador julga que sejam desprezíveis.

Uma queda de meio centésimo nas vendas desencorajaria o patrocínio, ou a simples propaganda de produtos, nos horários boicotados.

Em contraposição ao boicote, como seria belo também promover a audiência de programas que educam, que elevam, que contribuem para construir o futuro de nosso país.

Fica a sugestão para grupos empenhados em melhorar a televisão brasileira. 

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff é Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo, Professor Pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br Autor, dentre outros livros, de Filosofia do Direito (Rio, GZ Editora, 2010).

 


A defesa dos direitos individuais homogêneos, pela entidade sindical, na justiça do trabalho.

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* Alfeu Gomes dos Santos 

Introdução

O objetivo desse ensaio é delimitar quais interesses individuais poderiam ser defendidos em juízo pela entidade sindical. Para tanto, será imprescindível a apreciação da disciplina do Código de Defesa do Consumidor no que toca à tutela de direitos a título coletivo, principalmente aqueles denominados individuais homogêneos.

É importante salientar que, não obstante, na Justiça do Trabalho, seja caracterizada como dissídio individual a ação proposta pelo sindicato como substituto processual, na defesa dos direitos individuais homogêneos é plenamente aplicável o rito previsto no CDC quanto às ações coletivas, em razão, sobretudo, da natureza do direito postulado em juízo.

Após esses estudos, procurar-se-á demonstrar a possibilidade de coexistência entre a ação individualmente proposta pelo empregado e a substituição processual dos sindicatos. Como corolário, verificar-se-á a existência ou não de litispendência entre essas ações e o fenômeno da coisa julgada denominada secundum eventum litis.

A ponderação sobre esses aspectos é de suma importância em razão da transformação da sociedade, sendo que uma nova categoria de interesses adquiriu enorme relevância, o que levou a reformas na sistemática processual clássica: como proceder na tutela jurisdicional coletiva.

Assim, as controvérsias delineadas em decorrência dos meios instrumentais para a defesa dos direitos individuais homogêneos na esfera trabalhista, em comunhão com o instituto da substituição processual, estarão no cerne deste trabalho que, embora não sendo exaustivo, pretende sistematizar o instituto de forma a ampliar a participação dos trabalhadores no âmbito do Poder Judiciário, seja diretamente, seja substituído pelo sindicato, a quem toca tutelar direitos individuais e/ou coletivos da categoria. 

Aplicação da Disciplina do Código de Defesa do Consumidor (Direitos Individuais Homogêneos) no Direito do Trabalho 

A passagem do Estado Liberal para o Estado Social foi marcada pelo aparecimento dos interesses metaindividuais, situados entre os direitos individuais e os direitos públicos.

Esses interesses, por se afastarem do arquétipo processual até então existente – de cunho individualista – inspiraram a concepção de demandas específicas, que realizassem uma tutela efetiva e diferenciada, nascendo, deste modo, a ação popular, a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo, as ações coletivas de consumo e as demandas em que um ente coletivo defende direitos metaindividuais.

Ada Pellegrini Grinover vaticina: 

A tutela jurisdicional dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos representa, neste final de milênio, uma das conquistas mais expressivas do Direito brasileiro. Colocados a meio caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capazes de transformar conceitos jurídicos estratificados, os interesses transindividuais têm uma clara dimensão social e configuram nova categoria política e jurídica[1] 

Nesse contexto, para melhor compreendermos os direitos suscetíveis de defesa no âmbito da substituição processual dos sindicatos, faz-se necessário análise quanto à disciplina do Código de Defesa do Consumidor no que toca à tutela de direitos a título coletivo: 

Artigo 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I   – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II  – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

E relevante salientar, no entanto, que, não obstante tenhamos buscado apoio na lei das relações de consumo para sistematizar a matéria em estudo, as primitivas manifestações de interesses coletivos foram os movimentos operários constituídos pela união de trabalhadores para a defesa mais eficaz de seus interesses, estruturando-se sob a forma de organizações sindicais.

Nesta contextualização histórica, o direito substancial do trabalho, portanto, foi um dos ramos do direito em que os conflitos de interesse coletivos tiveram uma tutela jurídica privilegiada e diferenciada frente aos conflitos individuais. No entanto, dada a lacuna da específica legislação trabalhista quanto aos interesses metaindividuais dessa natureza, então sobrevêm o motivo para buscarmos nos institutos do CDC subsídios para a análise da temática desse trabalho.

A disciplina do CDC é substancialmente aplicável ao direito laboral, porquanto na órbita do direito do consumidor a relação contratual deve ser analisada sob a ótica da exigibilidade de amparo ao hipossuficiente na relação de consumo – o consumidor – assim como no direito laboral deve-se, em obediência ao princípio da equidade material, proteger a parte hipossuficiente, in casu o trabalhador.

Assim, esses ramos do direito são similares no que toca à disciplina de uma relação desequilibrada que não interessa ao Estado, que passa a interferir sensivelmente com o fito de alcançar o equilíbrio desejável.

Por fim, insta dizer que, não obstante, na Justiça do Trabalho, seja caracterizada como dissídio individual a ação proposta pelo sindicato como substituto processual, na defesa dos direitos individuais homogêneos é plenamente aplicável o rito previsto no CDC quanto às ações coletivas, em razão, sobretudo, da natureza do direito postulado em juízo. 

 Direitos Individuais Homogêneos: Compreensão dos Conceitos do CDC e Aplicação na Órbita Trabalhista

 Os sindicatos estão, pois, legitimados a atuar como substitutos processuais na defesa de interesses individuais homogêneos no processo do trabalho. Defenderiam, portanto, direitos individuais divisíveis, mas que, em função da sua origem comum – exempli gratia, uma norma desrespeitada pelo empregador — poder-se-ia dar-lhe tratamento coletivo.

Os interesses individuais homogêneos, assim como os interesses difusos e os coletivos em sentido estrito, apresentam-se como espécie dos interesses transindividuais ou coletivos em sentido lato. Estes são interesses referentes a um grupo de pessoas, que não se limitam ao âmbito individual, mas que não chegam a constituir interesse público, embora possam com ele afinar-se.

No particular, vale ressaltar o magistério de Hugo Nigro Mazzilli (Cf. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 12ª ed., p. 47.), na medida em que os interesses individuais homogêneos seriam aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum; são, em suma, individuais, porém possíveis de serem tutelados coletivamente.

Nessa perspectiva, os direitos individuais homogêneos são os interesses ou direitos individuais que decorrem de origem comum, conforme definição prevista no artigo 81, III, do Código de Defesa do Consumidor. São direitos individuais que, no caso do sindicato, são defendidos de forma coletiva, conforme autorizado pelo dispositivo constitucional (artigo 8, III, da CF/88). Admite-se, portanto, a substituição processual de forma ampla, limitada a direitos homogêneos.

Em suma, para o ordenamento jurídico brasileiro, os interesses individuais homogêneos são aqueles que, embora se apresentem uniformizados pela origem comum, permanecem individuais em sua essência. Os interesses individuais homogêneos são, conforme classicamente definidos pela doutrina, acidentalmente coletivos, máxime porquanto têm a mesma origem em relação aos fatos causadores de tais direitos, o que recomenda a tutela de todos concomitantemente.

Vale ressaltar a distinção entre direitos coletivos e individuais homogêneos, precisamente analisada por Ricardo de Barros Leonel: 

"Com o escopo de distinção entre os coletivos e os individuais homogêneos, que na prática pode dar margem à confusão de uma com a outra categoria, pode-se, a princípio, imaginar a utilização de vários critérios: o da expansão dos sujeitos (maior ou menor número de lesados), o da extensão do objeto (mais ou menos abrangente), e, finalmente, o do pedido formulado na demanda. Em que pese a possibilidade de crítica a respeito, fundada na constatação de que os interesses em análise existem fora do processo e antes dele (no mundo e na vida), seguramente o pedido formulado na demanda é o critério principal e que melhor atende à distinção entre os coletivos e individuais homogêneos, secundado pelos demais acima referidos (expansão dos sujeitos extensão do objeto)[2]. 

Nessas circunstâncias, esses interesses são caracterizados, em regra, pela carência da legitimidade unicamente individual, por duplo fundamento. Ou em razão da situação de desequilíbrio social e os naturais entraves ante o acesso à justiça, ou pelo fato de uma ofensa aos interesses apenas obter relevância por afetar um determinado número de pessoas, não sendo o indivíduo prejudicado satisfatoriamente forte para reclamar reparação perante o Poder Judiciário.

Nessa perspectiva, vale transcrever a precisa identificação, na prática, dos direitos individuais homogêneos, citada por Mazzilli, no que concerne às relações de consumo:

"Como exemplo de interesses individuais homogêneos, suponhamos os compradores de veículos produzidos com o mesmo defeito de série. Sem dúvida, há uma relação jurídica comum subjacente entre os consumidores, mas o que os liga no prejuízo sofrido não é a relação jurídica em si (como ocorre quando se trata de interesses coletivos), mas sim é antes o fato de que compraram carros do mesmo lote produzido com o defeito em série (interesses individuais homogêneos)[3]". 

Definidos tais parâmetros, há que se ressaltar, ainda, que os direitos trabalhistas transgredidos, não obstante possuam enorme relevância social, são assegurados aos trabalhadores considerados individualmente e não apenas com a conotação de coletividade.

Isto significa que os interesses violados não são em essência coletivos, tratam-se, inquestionavelmente, em sua maioria, de interesses individuais; alguns se circunscrevem exclusivamente na esfera individual de cada trabalhador; outros são definidos como homogêneos por derivarem de uma origem comum.

Assim, é plenamente possível que a Justiça do Trabalho solucione demandas coletivas de interesses individuais, representados (em sentido comum) pelo sindicato, desde que os mesmos sejam homogêneos, de forma que o provimento jurisdicional seja mais rápido e eficaz, contribuindo, efetivamente, para a diminuição do número de processos.

Alguns autores, como Amauri Mascaro do Nascimento, salientaram, inicialmente (é bom frisar), a impossibilidade de direitos individuais homogêneos no âmbito do direito do trabalho. A evidência, esse ensaio não defende tal posicionamento e, nesse ponto, vale transcrever o magistério de Paola Aires Corrêa Lima:

"Além do mais, não concordamos com a posição do ilustre jurista ao defender que os direitos individuais dos trabalhadores não poderão ser homogêneos porque não possuem um relação jurídica básica comum, mas múltiplas e diversificadas relações jurídicas. Ora, a base comum exigida para que se configure um direito individual homogêneo pode, por exemplo, estar no feto de todos os indivíduos serem empregados de uma mesma empresa em que os reajustes salariais não estão sendo cumpridos. São, portanto, direitos individuais, divisíveis, mas que, em função da sua origem comum – a norma desrespeitada pelo empregador é possível conferir-lhe tratamento coletivo, na medida em que se autoriza o sindicato a atuar como substituto processual na defesa deste direito[4]" . 

Apenas a título de mera ilustração, citamos alguns, dos muitos exemplos, de direitos individuais homogêneos na esfera trabalhista: a) Ato único supressivo do empregador, das horas extraordinárias prestadas com habitualidade durante período superior a um ano, assegura ao empregado direito a indenização, nos termos previstos na Súmula de n°. 291 do TST; b) pretensão em juízo com o fito de obter o recolhimento, por parte do trabalhador, dos depósitos em atraso do FGTS nas contas vinculadas nos empregados; c) em síntese, todo e qualquer ato do empregador suficientemente hábil a provocar lesão de forma coletivizada aos trabalhadores constitui direito individual homogêneo e permite a defesa coletiva por ser oriundo de origem comum, não obstante possa ser tutelado pela via individual.

Definidos tais parâmetros, a mais alta Corte Trabalhista adotou a tese da possibilidade de substituição processual por parte do sindicato, mas com temperamentos: os interesses individuais a serem defendidos em juízos deveriam ser homogêneos, e não exclusivos dos empregados a serem substituídos.

Compartilha da mesma opinião Mazzili:

Interesses individuais de caráter não homogêneo só poderão ser defendidos pelo sindicato em ações individuais, por meio de representação; mas interesses coletivos ou individuais homogêneos podem ser defendidos pelo sindicato por meio de substituição processual[5].

Na visão da maior parte da doutrina, a defesa, pelo sindicato, dos direitos individuais homogêneos dos trabalhadores consubstancia-se em consagração do amplo acesso à justiça, acelerando a prestação jurisdicional. Nesse sentido vale transcrever o magistério de Ricardo de Barros Leonel:

Podem ser identificadas vantagens na tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos: prevenção da proliferação de numerosas demandas individuais onde se repetem exaustivamente o mesmo pedido e a mesma causa de pedir; obstar a contradição lógica de julgados, que desprestigia a justiça; resposta judiciária equânime e de melhor qualidade, com tratamento igual a situações análogas, conferindo efetividade à garantia constitucional da isonomia de todos perante a lei; alívio na sobrecarga do Poder Judiciário, decorrente da ‘atomização’ de demandas que poderiam ser tratadas coletivamente; transporte útil da coisa julgada tirada no processo coletivo para demandas individuais[6]. 

A Coexistência entre a Ação Proposta Individualmente e a Substituição Processual dos Sindicatos: os Efeitos Processuais Decorrentes 

Deve-se frisar, com efeito, a especificidade da substituição processual trabalhista em exame, porquanto não se deve sonegar ao emrpegado o ingresso com ação individual, em que pese a proposição de ação que tutele direitos coletivos lato sensu por parte do sindicato na qualidade de substituto processual da categoria.

A possibilidade de a ação proposta pelo sindicato monopolizar a legitimidade ativa, obstando o ajuizamento de qualquer ação individual, pode importar em disposição dos direitos individuais de terceiros, o que é aceitável, sobretudo quando admissível a manipulação, por parte do sindicato, na marcha processual, dos direitos inerentes àqueles trabalhadores que não participaram efetivamente do processo.

Isto porque a substituição processual sindical tem como intento tornar mais ligeiro o acesso à Justiça, canalizando várias demandas em uma única; porém, não detém a capacidade de apagar a individualidade dos interessados substituídos, uma vez que a entidade sindical não fica sub-rogada nos direitos essenciais do empregado, apenas o substitui; tese contrária a essa, efetivamente, ofenderia o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.

Nesse diapasão, e restando indene a possibilidade de coexistência entre ação individual e a substituição processual, em consonância com os argumentos supra, a análise dos efeitos processuais decorrentes dessa situação é medida imperativa. 

A Questão da Litispendência 

Conforme previsão do artigo 219 do CPC, a citação válida tem por efeitos processuais tornar litigiosa a coisa, prevenir o juízo e induzir a litispendência. A litispendência configura-se, portanto, quando se reproduz ação ajuizada antes e em curso, consoante artigo 301, §§ 1º e 3º, do CPC, existindo identidade de partes, de causa de pedir próxima e remota, e de pedido, mediato e imediato (art. 301 § 2°-CPC).

Vale transcrever o comentário de Moacyr Amaral Santos, no que concerne ao tema em exame:

[…] Litispendência significa lide pendente em juízo. Proposta a ação, pela qual o autor formula uma pretensão, e citado o réu, configura-se uma lide pendente de decisão. As partes estarão sujeitas ao processo e ao que nele for decidido. Dessa sujeição das partes ao processo resulta o princípio da unicidade da relação processual pelo qual se vedam dois processos sobre a mesma lide, entre as mesmas partes. E se vedam a fim de evitar sentenças contraditórias[7]. 

Com efeito, o ajuizamento de ação pelo sindicato, na qualidade de substituto processual, não retira o direito de o substituído recorrer ao Poder Judiciário, em defesa de seu direito material. A doutrina vem pugnando pela aplicação do artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor, de aplicação subsidiária no Processo do Trabalho, como defendemos anteriormente.

Tal dispositivo garante ao substituído o direito de ingressar em Juízo para defesa de seus interesses e direitos e, além, postular a suspensão da ação individual, porquanto ambas as ações não induzem à litispendência. Isto porque não se verifica a tríplice identidade (parte, pedido e causa de pedir), já que, na substituição processual, o sindicato atua em nome próprio pleiteando direito alheio.

Nessa perspectiva, os reclamantes das ações individuais têm o direito de persistir com elas e não existe nenhum óbice legal para que assim procedam. Isto se dá porque, caso não impetrassem as ações no plano individual, ou caso postulassem a sua suspensão com o fito de aguardar o decisum na ação proposta pelo sindicato enquanto substituto processual, poderia acontecer que esta, se menos abrangente o pedido ou então julgado apenas parcialmente procedente, atendesse apenas parcialmente às pretensões individuais dos reclamantes.

Deste modo, cremos mais acertada a doutrina no sentido de que não induz litispendência ação individual ajuizada por um ou mais trabalhadores objetivando vantagens pessoais em função de ação promovida pelo sindicato de classe na defesa de interesses do grupo substituído. Em consonância com esse posicionamento, à evidência que a decisão proferida na defesa coletiva não produz, em linha de princípio, os efeitos tradicionais da coisa julgada em relação às ações individuais.

Vale transcrever o magistério de Ricardo de Barros Leonel, no sentido de que não há sequer os mesmos pedidos na ação que defende os direitos individuais homogêneos de forma coletiva e a ação individual:

"Na ação individual, o autor pretende a reparação do dano especificadamente sofrido, quantificado ou não na inicial. Já na demanda coletiva (em defesa de interesses individuais homogêneos), o que se postula de forma genérica é a condenação em caráter abstrato, ou seja, o simples reconhecimento da responsabilidade do réu pelos danos causados. A diversidade é qualitativa (substancial) entre ambos os pedidos. Tanto que há necessidade posterior de liquidação individual pelos lesados, demonstrando que sua situação se subsume à responsabilidade genericamente definida na ação coletiva[8] ".

E finaliza o eminente mestre, com precisa distinção:

"Assim, na demanda individual a condenação é a obrigação de indenizar em valor determinado ou não, ao passo que na demanda coletiva há o simples reconhecimento da responsabilidade do demandado por determinada situação genericamente considerada[9] ". 

Nesse mesmo sentido, pugnando pela inexistência de litispendência entre a ação individual e a de tutela coletiva, no que toca aos direitos individuais homogêneos, Mazzilli:

Ora, a rigor, nem nesse caso teríamos vera e própria litispendência, pois que não coincidem o objeto da ação individual e o da ação coletiva: o caso seria antes de continência, pois a ação coletiva tem objeto mais abrangente[10]. 

Preciso, no ponto, o escólio de ANTÔNIO GIDI, no que toca às ações coletivas e sua tutela jurídica, destacando ainda mais a inexistência de litispendência:

Quanto à causa de pedir, a comparação é muito mais delicada e difícil a diferenciação, e podem, inclusive, ser consideradas iguais ou, pelo menos, correspondentes. Mas a causa de pedir na ação coletiva permite o pedido de tutela de um direito superindividual indivisivelmente considerado; a causa de pedir na ação individual, por sua vez, diz respeito à tutela de um direito individual e divisível. Como já se vê, também os objetos de ambos os processos (e, por via de conseqüência, também as lides, os pedidos, os méritos) são diversos. A ‘lide coletiva’, se assim pudermos chamar, e a ‘lide individual’ são duas lides diferentes: através do pedido das ações coletivas em defesa de direitos superindividuais se requer a tutela de um direito superindividual, indivisivelmente considerado, de que é titular uma comunidade ou uma coletividade de pessoas[11] 

Mais uma vez insistimos nesta ressalva: embora seja cediço que a ação proposta pelo sindicato enquanto substituto processual enquadra-se como dissídio individual, na perspectiva do direito processual do trabalho, não há nenhuma incompatibilidade com o regime estudado, que centra as suas atenções no direito substancialmente defendido, qual seja, direito coletivo lato sensu.

Em termos práticos, por exemplo, o fato de o sindicato ter sido declarado parte ilegítima, em ação ajuizada como substituto processual, não tem o condão de interromper a prescrição em relação ao reclamante substituído.

O TST, entretanto, em alguns julgados, vem entendendo de forma diversa. Nesse sentido:

"Conforme exegese do art. 301, §§ Io e 2o, do CPC, ocorre a litispendência quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, com identidade de partes, causa de pedir e pedido. Assim, existindo ação com o sindicato como substituto processual e outra com o empregado individualmente, ambas com o mesmo objeto, resta também caracterizada a ocorrência de litispendência, conforme entendimento reiterado desta Corte[12]". 

Para essa corrente, defensora da existência de litispendência entre as ações, não há que se falar em inexistência de identidade de partes no que concerne à ação em que o sindicato figura como substituto processual e aquela em que o reclamante, individualmente, deduz, com idêntico fundamento, igual pretensão. Isto porque, nessas hipóteses, o que deveria ser considerada é a titularidade do direito material controvertido e, se configurada a coincidência desta, restariam inteiramente caracterizadas, em princípio, a litispendência e a coisa julgada.

Para a jurisprudência citada no parágrafo anterior, a exigência da tríplice identidade não se constitui em elemento obrigatório. Na hipótese, em que se trata de legitimação extraordinária por parte dos sindicatos ao substituir os trabalhadores, configurar-se-ia a litispendência, para isto bastando apenas que fossem idênticos a causa de pedir e o pedido. Como corolário lógico, a res judicata derivada da sentença definitiva na ação proposta pelo sindicato obstaria a propositura de reclamação trabalhista com o mesmo pedido e a mesma causa petendi.

Não é, a nosso ver, a posição mais acertada, conforme minuciosa exposição feita anteriormente. 

A Tutela Coletiva (lato sensu) e o Instituto da Coisa Julgada Secundum Eventum Litis 

Com a transformação da sociedade, uma nova categoria de interesses adquiriu enorme relevância, o que levou a reformas na sistemática processual clássica. Destarte, nas ações coletivas lato sensu (ou seja, abrangendo a substituição processual do sindicato, que se constitui em dissídio de natureza individual), a disciplinação dos efeitos da coisa julgada se apresenta de forma peculiar, porque, pertencendo o bem tutelado a uma coletividade de pessoas, necessita, em princípio, da extensão da coisa julgada ultra partes.

Preciso, no ponto, com arrimo em Cappelletti, o escólio de Mazzilli: 

"Cabe lembrar a advertência de Cappelletti, de que, em matéria de conflitos transindividuais, os tradicionais limites subjetivos e objetivos da coisa julgada ‘caem como um castelo de cartas’. Não que devam ser simplesmente desconsideradas as leis em vigor, mas é necessário aplicar com cuidados redobrados normas que foram concebidas antes para solucionar meros conflitos individuais[13]. 

Aliás, grande parte dos processualistas pátrios considera Mario Cappelletti como um dos pioneiros no que toca à necessidade de tutela jurisdicional específica para as relações jurídicas metaindividuais, que abarcam uma série não determinada de pessoas e que, por isso, não estão compreendidas nas situações clássicas.

Ora, o conceito de coisa julgada na tutela dos direitos transindividuais deve ser entendido como transcendente ao mero alcance das partes. Isto porque a índole do direito substancial confere a extensão ultra partes da coisa julgada.

Nessas circunstâncias, a ofensa ao direito material tutelado abrange àqueles cujos direitos são acidentalmente coletivos, tais como os individuais homogêneos: a reparação prevista no decisum deve, da mesma forma, abranger a todos os que sofreram com a ação lesiva, sob pena de desnaturar-se a tutela coletiva.

Nesse sentido o posicionamento de Ricardo de Barros Leonel:

"Seria impensável, a priori, que os ‘representados’ (titulares dos interesses metaindividuais) não fossem atingidos pelos efeitos da decisão envolvendo seus interesses em ação proposta por seus ‘representados’, e que apenas estes fossem tingidos pela autoridade do julgado. A decisão em demanda proposta pelo ‘substituto’ naturalmente deve atingir a relação substancial titularizada pelo substituído, pois é no interesse deste que a demanda, embora em nome daquele, é proposta[14]" . 

Assim, proposta a ação pelo sindicato na tutela de direitos individuais homogêneos, a sentença nela prolatada atinge, em princípio, os substituídos processuais, que não são partes no processo, porquanto inaplicável o artigo 472 do CPC. Rege-se a hipótese pelo artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, cuja aplicação é defendida por este ensaio, em razão, precipuamente, da ausência de dispositivo que regule os efeitos da res judicata, na espécie, na órbita do direito processual do trabalho.

O CDC disciplinou os aspectos mais relevantes da tutela jurisdicional coletiva, tratando, dentre outros, da legitimação, dos efeitos da litispendência e da coisa julgada, e, ao final, até da execução desses processos, além de dispor, como vimos, a respeito dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Portanto, a nosso ver, os dispositivos processuais do Código de Defesa do Consumidor se aplicam a todas as ações em defesa de interesses coletivos, não se restringindo, pois, a ação civil pública ou ação popular, sendo, portanto, plenamente aplicável na substituição processual dos sindicatos quando da tutela de interesses individuais homogêneos

O artigo 103, III, do CPC, disciplina a coisa julgada quanto aos direitos individuais homogêneos, vale dizer, aqueles decorrentes de uma origem comum, suscetíveis de serem alcançados pela substituição processual dos sindicatos.

Em conformidade com as normas disciplinadoras das relações de consumo, e feitas as adaptações de estilo para a órbita trabalhista, em sendo julgado improcedente o pedido na ação proposta pelo sindicato, desde que o trabalhador não tenha ingressado na relação instaurada como litisconsorte, não há que se falar sequer em autoridade da coisa julgada, porquanto a ele é dado o direito de propor reclamação trabalhista individualmente.

Trata-se, portanto, de sistema que prevê a formação da coisa julgada secundum eventum litis, ou seja, a formação da coisa julgada se dará (ou não) conforme o resultado do processo. A coisa julgada nestes moldes, não obstante tenha sido duramente criticada pela doutrina processualista, configura-se como meio fundamental para a defesa, em juízo, dos direitos difusos e coletivos

Na sistemática tradicional do CPC, a res judicata se forma pro et contra. A coisa julgada secundum eventum litis, no entanto, de regime distinto da tradicional, adveio com o fito de obstar o uso fraudulento da tutela coletiva em desfavor dos indivíduos titulares do direito eventualmente ofendido.

Se assim não o fosse, o ordenamento jurídico reputaria possível (não previsto, mas possível), o conluio entre o demandado e o substituto processual, com severos prejuízos para a comunidade. Tal conduta teria grande repercussão na esfera trabalhista, mormente quando possível a associação do sindicato obreiro e o ente patronal, trazendo benefícios financeiros para aquele em detrimento dos trabalhadores eventualmente lesados.

Daí, a nosso ver, a importância da coisa julgada secundum eventum litis como meio de aperfeiçoamento da substituição processual na órbita do direito processual do trabalho.

A principal critica feita pela doutrina tradicional à coisa julgada adotada pelo Código de Defesa do Consumidor reside, precipuamente, na dificuldade de se outorgar os efeitos da res judicata à defesa dos direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos, pois não há dúvida de que a coisa julgada secundum eventum litis se compatibiliza perfeitamente às hipóteses de tutela desses direitos metaindividuais.

Tais criticas podem ser enquadradas, em síntese, em basicamente dois aspectos. O primeiro é que o sistema acolhido pelo CDC, com efeito, permitiria a existência de sentenças contraditórias. O segundo configurar-se-ia em desproporcional ônus à parte ré, que teria que resistir à pretensão diversas vezes, na hipótese de improcedência da ação proposta pelo sindicato (ou ação coletiva, na perspectiva do direito das relações de consumo) e posteriores reclamações trabalhistas propostas individualmente pelos trabalhadores devidamente interessados.

Considerando o que afirmamos no que toca à inexistência de litispendência entre as ações de tutela coletiva e a reclamação individual, certamente não há que se falar em sentenças contraditórias, porquanto a propositura de ação individualmente considerada difere daquela quanto às partes e, sobretudo, ao pedido, porquanto este, na ação que tutela direito coletivo (lato sensu), conforme já afirmado anteriormente quando do exame do fenômeno da litispendência, é mais amplo, porque abstrato, daquele encetado na ação individual.

Quanto ao segundo aspecto (excesso de defesa por parte do demandado) – e nesse ponto vale destacar o posicionamento de Ada Pellegrini Grinover, que participou do Anteprojeto do CDC -, o legislador certamente adotou a coisa julgada secundum eventum litis porque, se não o fizesse, estenderia o efeito da res judicata a quem não integrou a relação jurídica processual, o que, a seu ver, aí sim, haveria ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Portanto, se pecou o legislador, foi pelo excesso de defesa, e não pela falta, o que se consubstanciaria em literal ofensa a dispositivo da Magna Carta.

Preciso, quanto à questão, o ensinamento de Ada Pellegrini Grinover no que toca à posição adotada pelo legislador ao consagrar a extensão subjetiva do julgado secundum eventum litis. Para a eminente mestra, a extensão da coisa julgada a terceiros não podia ser solucionada pelo juiz quando da análise, na casuística concreta, se o postulante coletivo representou adequadamente os interesses metaindividuais e se a defesa do indivíduo que eventualmente tenha sido lesado foi feita com as diligências de estilo (teoria da ‘adequacy of representation’)[15] . Nessa hipótese, o indivíduo deve, necessária e tempestivamente, manifestar o desejo de ser excluído do processo, sob pena de submeter-se aos efeitos da res judicata.

O ordenamento jurídico pátrio ofereceu solução diversa para o caso porquanto, diante de eventual deficiência de informação correta, da insuficiência de conscientização de enorme parcela da sociedade, do desconhecimento dos meios de acesso à justiça, tornar-se-ia difícil aferir a representatividade adequada em nosso direito. Assim, escolheu-se o critério já adotado anteriormente em consonância com a coisa julgada secundum eventum litis.

Quanto à procedência do pedido, cremos que, na hipótese, não se instaura nenhuma celeuma jurídica, porquanto as disposições do CDC, defendida por nós, são deveras expressas.

Aplica-se, portanto, o artigo 103, III, da lei em referência, no seguinte sentido:

A sentença fará coisa julgada erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III, do parágrafo único, do art. 81. (direitos individuais homogêneos). 




[1] GRINOVER. Ada Pelegrini. A Ação Civil Pública Refém do Autoritarismo. IN: Revista de Processo, vol. 96, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 28-36.

[2] LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. São Paulo: RT, 2002, p.111.

[3] MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 2000, p.48.

[4] LIMA, Paola Aires Corrêa Lima. O art. 8º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 e a Substituição processual Trabalhista na Tutela dos Interesses Individuais Homogêneos dos Empregados. Brasília, 2001, p.147.

[5] MAZZILI, Hugo Nigro. Op. Cit. p.192.

[6] LEONEL, Ricardo de Barros. Op. Cit. p.110.

[7] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol II. São Paulo: Saraiva, 2000, p.207.

[8] LEONEL, Ricardo de Barros. Op. Cit. p. 255.

[9] LEONEL, Ricardo de Barros. Op. Cit. p. 255.

[10] MAZZILI, Hugo Nigro. Op. Cit. p.167

[11] GIDI, Antônio. Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p.188.

[12] RR – 372/2001-004-16-00, publicado no DJ de 30/09/2005, relator Ministro Luciano de Castilho.

[13] MAZZILI, Hugo Nigro. Op. Cit. p.352

[14] LEONEL, Ricardo de Barros. Op. Cit. p. 271.

[15] Cf. GRINOVER, Ada Pelegrini. Código do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 569.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ALFEU GOMES DOS SANTOS: Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Brasília – UnB. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Superior do Trabalho. Atualmente é Procurador da Fazenda Nacional e Parecerista nos processos administrativos de responsabilidade da Receita Federal do Brasil em Blumenau/SC.

E-mail: alfeu-santos@uol.com.br

 

 


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIAInsignificância não pode ser aplicada em caso de roubo envolvendo tapa na cara

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DECISÃO: *STJ – Se, ao abordar a pessoa com intenção criminosa, o indivíduo desferir tapa no rosto da vítima e seu comparsa a ameaçar, ordenando que fique quieta, o crime é de roubo e não de furto. Nos delitos de roubo, ainda que o valor do objeto furtado seja pequeno, não se aplica o princípio da insignificância, uma vez que, nesse caso, além da propriedade, a liberdade individual e a integridade física e moral de quem está sob ameaça são violados e esses são valores que não podem ser considerados insignificantes. Com essa orientação, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus a J.R.R. e M.B.J.

Afirmam os autos que os dois assaltantes foram condenados pela prática do crime de roubo circunstanciado (art. 157 do Código Penal). A pena foi estipulada em cinco anos e quatro meses de prisão, em regime inicial semiaberto. A Defensoria Pública apelou da condenação ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), argumentando que o crime seria de furto e não de roubo, pois o bem foi restituído à vítima e não teria havido grave ameaça. Requereu também a aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o pequeno valor do objeto, um aparelho celular avaliado em R$ 65.

Entretanto o TJMG manteve a condenação: “Autoria e materialidade incontestes. Princípio da Insignificância, inaplicabilidade. Perseguição, delito consumado. Violência física e grave ameaça. Tapa no rosto. Palavra da vítima.” Em face da decisão desfavorável, o defensor público recorreu ao STJ para que fosse analisada a possibilidade de aplicação do crime de bagatela. No pedido, pretendia que a prisão em regime inicial semiaberto fosse substituída por pena restritiva de direitos ou fosse concedida a suspensão condicional do processo.

Mas o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do processo, refutou os argumentos da defesa, ressaltando que o princípio da insignificância não pode ser empregado indistintamente, porque existe o risco de incentivar a prática de pequenos delitos e de gerar insegurança social. “Apesar do ínfimo valor do bem subtraído, o caso sub judice não merece a aplicação do princípio da insignificância, eis que o delito de roubo não ofende apenas o patrimônio furtado, mas também a integridade física da vítima, que jamais pode ser considerada como um irrelevante penal. A violência aplicada à vítima torna a conduta irremediavelmente relevante, restando afastada a alegação de atipicidade pela eventual bagatela da coisa roubada.”

Em seu voto, o ministro esclareceu que a consumação do roubo ocorre quando o agente consegue retirar o bem da esfera de disponibilidade da vítima, mesmo que, por breve momento, tornando desnecessário o fato de o criminoso ter ou não conseguido a posse tranquila do objeto subtraído, fora da vigilância da vítima. Com base nesse entendimento, que segue a jurisprudência do STJ, o relator negou habeas corpus, no que foi acompanhado pelos demais magistrados da Quinta Turma.


FONTE: STJ,  08 de julho de 2010.

NÃO INCIDÊNCIA DE IRNão incide IR sobre indenização por dano moral de qualquer natureza

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DECISÃO: *STJ – A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a tese, em recurso repetitivo, de que o pagamento de indenização não é renda e, por isso, não incide imposto de renda (IR) sobre valores recebidos em razão de dano moral. O relator do recurso, ministro Luiz Fux, explicou que, como a quantia tem natureza jurídica de indenização, não há qualquer acréscimo patrimonial.

O julgamento foi feito pelo rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil (CPC). Assim, todos os demais processos sobre o mesmo tema, que tiveram o andamento suspenso nos tribunais de segunda instância desde o destaque deste recurso para julgamento na Primeira Seção, devem ser resolvidos com a aplicação do entendimento exposto pelo STJ.

A intenção do procedimento é reduzir o volume de demandas vindas dos tribunais de Justiça dos estados e dos tribunais regionais federais cujas teses já tenham posição pacífica junto ao STJ, mas que continuam a chegar ao Tribunal, em Brasília.

Ao analisar o caso, o ministro Luiz Fux esclareceu que, na hipótese, tratava-se de indenização por dano moral decorrente de reclamação trabalhista. De acordo com o ministro, se a reposição patrimonial goza da não incidência de IR, a indenização para reparação imaterial [como é o dano moral] deve se submeter ao mesmo regime.

O relator do recurso ainda explicou que a ausência da incidência não depende da natureza do dano a ser reparado. “Qualquer espécie de dano (material, moral puro ou impuro, por ato legal ou ilegal) indenizado, o valor concretizado como ressarcimento está livre da incidência de imposto de renda”. 


FONTE: STJ, 07 de julho de 2010.

VALIDADE DE SENTENÇA ESTRANGEIRASTJ homologa sentença de divórcio, guarda e pensão alimentícia fixada nos EUA

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DECISÃO: *STJ – A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça homologou sentença estrangeira oriunda da Vara de Família do Condado de Greenville, no Estado da Carolina do Sul (EUA), que decretou o divórcio consensual e firmou acordo referente à guarda e ao sustento dos dois filhos menores do casal. O acordo foi contestado no STJ pela ex-esposa.

Segundo os autos, os dois se casaram em dezembro de 2000, em Porto Rico, e o divórcio foi homologado pelo Judiciário norte-americano em janeiro de 2009. De volta ao Brasil, onde fixou residência, a ex-esposa ajuizou ação revisional na Vara de Família e Sucessões da Comarca de Campinas (SP), para aumentar o valor da pensão alimentícia e obter autorização judicial para mudar os filhos de colégio.

Ela alegou que a sentença que homologou o acordo de alimentos foi proferida com vício do consentimento, já que à época do divórcio estava desempregada e sem condições financeiras de questionar o referido acordo, sendo obrigada a concordar com a proposta feita pelo ex-marido.

O ex-marido afirmou que as partes foram devidamente citadas no processo e representadas por advogados, que houve o trânsito em julgado da sentença e que esta foi devidamente autenticada pelo consulado brasileiro em Atlanta (EUA).

Para a relatora, ministra Eliana Calmon, a afirmação da ex-esposa não obsta a homologação da sentença estrangeira, uma vez que o alegado vício de consentimento deve ser suscitado perante o Juízo competente para processar a sentença homologanda, cabendo ao STJ, nesta via, examinar apenas o preenchimento dos requisitos constantes da Resolução n. 09/2005.

Ressaltou, ainda, que a sentença que dispõe sobre a guarda e os alimentos devidos a filhos menores não é imutável, podendo ser revista a qualquer tempo, providência que já foi iniciada com o ajuizamento de ação revisional perante a Vara de Família da Comarca de Campinas/SP.

Segundo a ministra, o ajuizamento da referida ação revisional em nada inviabiliza a homologação da sentença que fixou o valor devido a título de alimentos, provimento que poderá ter seus termos modificados pela sentença que vier a ser decretada no território nacional.

Assim, a Corte deferiu o pedido de homologação da sentença estrangeira, sem prejuízo da ação revisional de alimentos ajuizada no foro competente. A decisão foi unânime.


FONTE: STJ, 08 de julho de 2010.

FALSO PERFIL GERA INDENIZAÇÃOProvedor de Internet condenado por dano à imagem causado por falso perfil

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DECISÃO: *TJ-RS – A Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça confirmou condenação da GOOGLE S.A. a pagar indenização por danos morais no valor de 4.150,00. A sentença foi devido à criação, por um terceiro, de um perfil falso em um site de relacionamento. Na página falsa foram realizadas montagens nas fotos originais e inclusão em comunidades de cunho pejorativo. 

Caso  

A autora da ação narrou que criou perfil no Orkut, site de relacionamento da internet e, posteriormente, percebeu que suas fotos e seus dados pessoais haviam sido utilizados, por terceiros, para se passarem por ela e criar um perfil falso. Foram feitas montagens com as imagens provenientes de seu perfil e também efetuada a inclusão em comunidades que possuíam cunho pejorativo. A ação na justiça pleiteou danos morais, pela utilização indevida de sua imagem de pessoas de suas relações, e porque a ré GOOGLE não retirou de imediato a clonagem do site. 

A GOOGLE S.A. apelou argumentando que não pode ser condenada por um ato que um terceiro realizou e que não houve inércia de sua parte, pois assim que foi alertada sobre o perfil falso fez a retirada. Alegou que a autora expôs seus dados pessoais e fotos, concorrendo para acesso de qualquer, e atribuiu a culpa ao terceiro que clonou o perfil.

Na Comarca de Porto Alegre, a Juíza de Direito Ana Beatriz Iser julgou a ação procedente, sentenciando a ré a indenizar  

Voto 

Segundo o relator do caso, Desembargador Artur Arnildo Ludwig, é fundamental ressaltar que o uso indevido da imagem gera à autora danos que merecem indenização, até porque a ré não retirou o perfil falso de imediato. Considerou aplicável o Código de Defesa do Consumidor, pois as partes encontram-se na relação consumidor e fornecedor de serviços, mesmo que esse seja fornecido a título gratuito. De acordo com o Magistrado existe remuneração no serviço prestado:

É inegável que o réu obtém remuneração indireta pelo serviço do Orkut, por meio da divulgação de propagandas e do nome da própria empresa Google, o que certamente contribui para que este aufira ganhos econômicos, de forma que é perfeitamente aplicável ao caso em exame o Código de Defesa do Consumidor, sendo viável, por conseguinte, a inversão do ônus probandi. 

No entendimento do relator, a fixação do valor dos danos morais deve levar em consideração as circunstâncias factuais, o caráter retributivo/punitivo, a reparação do dano sofrido e inoperabilidade de enriquecimento ilícito de uma das partes. Assim, de acordo com o magistrado, não houve necessidade de majoração ou redução do valor fixado na sentença. O Desembargador Luís augusto Coelho Braga acompanhou a decisão do relator.

O Desembargador Ney Wiedemann Neto divergiu do relator, considerando razoável o prazo de seis dias para retirada da página falsa pelo provedor.

Apelação Cível n° 70027841394


FONTE: TJ-RS, 12 de julho de 2010.

RELAÇÃO DE EMPREGO RECONHECIDAJT reconhece relação de emprego entre empresa e suposto representante comercial

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DECISÃO: *TRT-MG – Se o trabalhador, contratado como representante comercial, realizava as suas atividades sujeito a ordens diretas de um supervisor da empresa representada, que, inclusive, poderia acompanhá-lo nas visitas a clientes e, ainda, cumprindo rotas previamente estabelecidas, a relação entre as partes é de emprego e não de representação comercial. Assim entendeu a 1a Turma do TRT-MG, ao negar razão ao recurso da empresa reclamada, que não se conformou com o reconhecimento do vínculo de emprego reconhecido na sentença. 

A ré alegou que o trabalhador já possuía empresa de representação comercial desde 1997, antes mesmo de firmar o contrato em questão, o que demonstra que ele exercia efetivamente essa função. Acrescentou que o fato de o reclamante ter que prestar contas de suas vendas e participar de reuniões não significa que ele era subordinado à empresa. Analisando o caso, a desembargadora Maria Laura Franco Lima de Faria ressaltou que a diferença entre as atividades do representante comercial e as do vendedor empregado é tênue, ou seja, muito pequena e de difícil distinção. Há inúmeras semelhanças em suas condições de trabalho, sendo a subordinação jurídica, característica da relação de emprego, o fator diferencial determinante.

Isso porque, o representante comercial pode ter sua zona de atuação delimitada pela representada, ter que prestar serviços com exclusividade e cumprir as obrigações previstas no contrato. Como a reclamada admitiu a prestação de serviços, competia a ela a prova da autonomia no trabalho do reclamante. Embora a empresa tenha anexado ao processo os documentos que comprovam que o trabalhador possuía uma firma de representação comercial, aberta antes da sua contratação, a mera observância das formalidades legais não é suficiente para demonstrar que ele atuou como autônomo, uma vez que, no direito do trabalho, a realidade prevalece sobre os tratos formais.

A única testemunha ouvida declarou que os representantes eram obrigados a participar de reuniões e que trabalhavam com um palmtop, fornecido pela empresa, para que as vendas fossem registradas e encaminhadas para a reclamada. Nas visitas, poderiam ser acompanhados pelo supervisor. Além de terem de cumprir metas para vendas, eles precisavam seguir rotas previamente estabelecidas, e isso era cobrado pelo supervisor.

Assim, entendeu a desembargadora que o reclamante não era um representante comercial autônomo: “Na verdade, a reclamada optava por contratar pessoas que tinham firmas de representação, mas o tratamento a elas dispensado era de subordinação. Ainda que o representante comercial possa ter sua área de atuação fixada pela empresa, não é viável que seja estabelecida (e cobrada) a observância de rotas de visita, ainda mais com o eventual acompanhamento de um supervisor”- destacou, declarando inválido o contrato de representação comercial firmado entre as partes.  (RO nº 00021-2010-106-03-00-5)


FONTE: TRT-MG, 06 de julho de 2010.

DIREITO SUCESSÓRIOHerança total é direito de companheira

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DECISÃO: *TJ-MG – O Juiz da 2ª Vara de Sucessões e Ausências de Belo Horizonte, Maurício Pinto Ferreira, concedeu o direito sobre todos os bens deixados por um cidadão falecido à sua companheira, após considerar que os direitos adquiridos com a união estável entre eles devem ser equiparados àqueles de um matrimônio formal.  

Segundo consta na certidão de óbito, o homem não deixou descendentes ou ascendentes e conviveu durante anos com a companheira. Por isso ela concorria com parentes colaterais do falecido e teria direito a apenas um terço da herança, como preceitua o artigo 1.790 do Código Civil.  

Entretanto, no entendimento do juiz, os parentes nada contribuíram para a constituição do patrimônio. Ele afirmou não ser aceitável que “pessoas que não participaram da relação familiar, venham a se beneficiar da herança por ele deixada em detrimento da companheira com a qual constituiu uma entidade familiar”. O magistrado decidiu, então, aplicar ao caso as disposições do artigo 1.838 do Código Civil, com relação à sucessão do cônjuge casado em regime de comunhão parcial de bens: “na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”.

Para Maurício Pinto, a diferenciação que faz o artigo 1.790 entre as instituições do matrimônio e da união estável é inconstitucional. Amparado pela Constituição Federal, ele entendeu que a união estável equipara-se ao casamento, “posto que o vínculo de afeto, respeito e solidariedade são idênticos”. Determinou, então, que “todos os bens deixados pelo autor da herança devem ser destinados à companheira”, que adquiriu os mesmos direitos sucessórios de cônjuge, quando legitimada a união estável entre o casal.

Essa decisão está sujeita a recurso.   Processo nº: 024.05.749.604-4


FONTE: TJ-MG, 08 de julho de 2010.

NEGLIGÊNCIA NO ATENDIMENTO GERA DANO MORALEstado terá de indenizar detento por perda de visão

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DECISÃO: *TJ-RS – A 9ª Câmara Cível do TJRS condenou o Estado a pagar R$ 20 mil de indenização por dano moral a detento que perdeu a visão do olho direito em razão de acidente no interior do Presídio Estadual de Santa Rosa.

O autor da ação narrou cumprir pena pelo regime semi-aberto e, por ordem do administrador do Presídio, começou a trabalhar na cozinha dos agentes penitenciários em novembro de 2005. Em janeiro de 2006, quando limpava vidros da cozinha, caiu de cima de um balcão, bateu a cabeça e feriu o olho direito. Em razão da lesão, procurou um posto de saúde, mas não obteve atendimento em razão da ausência de médico.

A lesão agravou-se com o passar do tempo, razão pela qual o detento procurou atendimento médico privado. Ao retornar para consulta de revisão um mês depois, foi constatada a permanência das lesões, o que resultou na perda total da visão do olho direito. Segundo o autor, cabia ao administrador do Presídio prestar-lhe socorro, uma vez que o acidente ocorreu dentro da instituição. Argumentou que a lesão sofrida causou-lhe danos morais e requereu indenização no valor de mil salários mínimos.

O Estado sustentou que as alegações do autor não foram comprovadas. Afirmou que o Presídio não tem o dever de impedir que um detento escorregue, pois ninguém está livre disso. Alegou ainda que não se pode exigir do administrador que informasse ao detento os riscos que ele correria ao limpar os vidros de uma cozinha. Segundo o Estado, este é um trabalho realizado costumeiramente pelas donas de casa e, por si só, não representa risco algum. Acrescentou não existir informação no Presídio acerca do acidente e sustentou que o problema de visão do detento era pré-existente. Ressaltou que o pedido de indenização é indevido e o valor pretendido exorbitante, demonstrando tentativa de enriquecimento ilícito do demandante. Por essas razões, apelou pela improcedência do pedido.               

Apelação

No entendimento da relatora do recurso, Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi, quando há uma omissão específica do Estado, ou seja, quando a falta de agir do ente público é causa direta e imediata de um dano, há responsabilidade objetiva, baseada na Teoria do risco Administrativo e no artigo 37, § 6º da Constituição Federal. “Assim, é possível afirmar que o Poder Público, independentemente de prova de sua culpa, é responsável pelos atos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, ressalvado o direito de regresso”, diz a relatora.

A Desembargadora Marilene ressalta que, em se tratando de omissão, contudo, a matéria não está pacificada, nem na doutrina, nem na jurisprudência. Nesse contexto, os Tribunais, em especial o Supremo Tribunal Federal, têm distinguido a responsabilidade da Administração quando há omissão genérica e quando há omissão específica. “Nessa circunstância, o Estado responderia independentemente da prova de culpa”, observa. “No caso concreto, restou demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Estado, de modo que deve ser confirmada a sentença que reconheceu a responsabilidade do ente público.”

Participaram do julgamento, ocorrido em 26/05, os Desembargadores Iris Helena Medeiros Nogueira e Tasso Caubi Soares Delabary.   Apelação Cível nº 70033566373 


FONTE:  TJ-RS,  02 de julho de 2010.