Psicologia como prova judicial

* Fernanda Obata, Juliana de Almeida Salvador, Mônica Yuri Mihara, Valéria Viana e Viviane Peres Rúbio.  

INTRODUÇÃO 

O presente estudo versa sobre a viabilidade da Psicografia, como meio de prova em nosso ordenamento jurídico. Para a compreensão deste tema tão polêmico, faz-se necessário conceituarmos a palavra “prova”, destacarmos os meios de prova legais, ou seja, admitidos em direito, assim como as chamadas “provas proibidas”, que são defesas em nosso sistema jurídico, e compreendem as denominadas “provas ilícitas” e “provas ilegítimas”.

O trabalho se limitará à seara jurídica, a fim de que aspectos religiosos, morais, subjetivos e científicos não influenciem a análise da questão.

Ressalta-se que a prova psicografada não é disciplinada pelo nosso sistema legal, tampouco é proibida, sendo que todas as aplicações são feitas com base em estudos de cada caso individualmente.

Versaremos neste trabalho sobre os argumentos prós e contra de alguns estudiosos do direito, assim como citaremos alguns casos em que foi utilizada a prova psicografada em favor dos acusados.

Por derradeiro, concluiremos o estudo, colocando quais seriam as conseqüências da prova psicografada no ordenamento jurídico, e como ela deveria ser aplicada, para bem servir ao Estado, e sem que com isso, acarrete prejuízo às partes envolvidas no processo, respeitando os princípios constitucionais.

PROVA

Conceito de Prova: a palavra “prova, segundo o Dicionário Aurélio Básico, é descrita como “aquilo que atesta a veracidade ou autenticidade de alguma coisa; Aquilo que atesta ou garante uma intenção, um sentimento; testemunho, garantia; Atividade realizada no processo com o fim de ministrar ao órgão judicial os elementos de convicção necessários ao julgamento; Cada um dos meios empregados para formar a convicção do julgador; O que leva à admissão de uma afirmação ou da realidade de um fato [….].

MEIOS DE PROVA NO DIREITO

Meio de prova engloba tudo quanto possa ser utilizado, direta ou indiretamente, à demonstração da verdade que se busca com o processo. Logo, temos exemplificativamente a prova documental, testemunhal e a pericial.

Isso porque, vigora no sistema processual o princípio da verdade real, em que não pode haver qualquer limitação quanto à apresentação de provas, sob pena de cercear a convicção do magistrado. A doutrina e a jurisprudência são unânimes em afirmar que os meios de prova elencados nos artigos 185 e 239 do Código de Processo Penal, são meramente exemplificativos, sendo possível a produção de provas distintas daquelas ali enumeradas.

Contudo, há limitações quanto à liberdade de produção de provas, previstas no Código de Processo Penal, isto é, quanto ao estado das pessoas (artigo 155), em que somente se provam mediante certidões, e quando as infrações não deixarem vestígios (artigo 158), em que é obrigatória a realização de exame de corpo de delito; artigo 406, parágrafo  2º, que proíbe a produção de prova documental na fase de oferecimento das alegações escritas, no procedimento do Júri e outras, assim como as provas obtidas por meios ilícitos.

PROVAS PROIBIDAS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO

As provas proibidas são aquelas defesas pelo sistema legal, e compreendem as provas ilícitas e as provas ilegítimas. Para distinguirmos as duas espécies de provas, há de se analisar seus respectivos conteúdos, pois enquanto a prova ilícita fere norma de essência material, como por exemplo, conseguir uma confissão mediante tortura, a prova ilegítima refere-se àquela prova que infringe norma de cunho processual, como por exemplo, a realização de busca domiciliar sem o devido mandado judicial.

Há terceira espécie de prova proibida, não menos importante, derivada de meio ilícito, em que se obtém uma informação verídica, mas sua origem foi ilícita.

PROVA PSICOGRAFADA

Em princípio, vale dizer que a prova é um conjunto de atos praticados pelas partes e por terceiros com a finalidade de produzir um estado de certeza no magistrado que julgará o caso concreto, bem como para ajudar na formação da convicção dos jurados para quando se tratar de casos de competência do Tribunal do Júri.

Ressalta-se que a psicografia é a escrita do espírito através do médium. Desta forma, dentre os meios de prova do processo penal, a prova psicografada é tida como uma prova documental, conforme se depreende do artigo 232 do Código de Processo Penal: “Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”.

Assim sendo, quando a lei faz referência a “quaisquer escritos”, entende-se que os escritos psicografados devem ser considerados como documentos.

Ademais, no que concerne à classificação das provas, a prova psicografada quanto ao seu valor é considerada uma prova não plena, visto que por si só não é suficiente para esclarecer todas as dúvidas e, conseqüentemente, insuficiente para a condenação.

Nesse ínterim, nos processos submetidos a julgamento de juízo singular o acolhimento ou não do documento psicografado dependerá mais da formação religiosa do juiz, das suas experiências no decorrer da vida que substanciam seu livre convencimento, que sempre é motivado, do que qualquer outro fato, conforme entendimento de Renato Marcão.

Já em relação ao julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri (jurados), o acolhimento ou não da referida prova tem uma menor restrição, visto que os jurados não motivam seus votos.

CONTRA A PROVA PSICOGRAFADA

Argumentos de alguns juristas a respeito:

“No sistema jurídico brasileiro não há como normatizar o uso de documento psicografado como meio de prova; seja para permitir ou para proibir: O Estado é laico.

De prova ilícita não se trata.

Se não está submetido ao contraditório quando de sua produção, entenda-se, quando da psicografia, a ele estará exposto a partir da apresentação em juízo.

Como prova documental, a credibilidade de seu conteúdo, em razão da fonte, não pode ser infirmada com absoluta certeza, tanto quanto não pode ser fielmente confirmada, não obstante a existência de relatos a respeito de autorias atestadas por grafologistas (…)”.

( Por Renato Marcão)

“(…) malgrado a legislação ordinária não cogite da existência de pessoa após a morte, evidentemente, que não haverá paridade entre os sujeitos processuais e a defesa (…)

Se o Estado brasileiro é laico, não se pode aceitar como meio de prova fruto de determinada doutrina religiosa, em detrimento de toda uma diversidade de concepções religiosas ou não.

(…) Diante do exposto, forçoso é concluir que a mensagem psicografada caracteriza-se como documento particular, o que não se admite como prova judicial, por afrontar o ordenamento jurídico pátrio, sobretudo no artigo 5º, caput (igualdade) e incisos VI, VIII e LV, da Constituição Federal”.

(Por Roberto Serra da Silva Maia)

 “(….) surge mais um problema prático relacionado com a própria doutrina espírita: a aceitação do que diz o espírito ou o próprio médium como sendo algo verídico e justo. Nesse ponto, alguns juristas espíritas consultados defendem a confirmação da prova, via perícia grafotécnica.

Voltando à doutrina espírita, esta divide os espíritos que se manifestam em diversas classes: daqueles de terceira ordem, denominados espíritos imperfeitos; passando pelos de segunda ordem (bons espíritos); até chegar nos de primeira ordem, os espíritos puros ou superiores. Como afirmar que a informação psicografada foi transmitida por um espírito que se enquadra entre os últimos? Como enquadrar a idoneidade da mensagem transmitida? Como ter certeza que a prova foi transmitida por um espírito de segunda ou primeira ordem? As perguntas formuladas são de difícil resposta (…)”.

                                                                                                                                                      (Por Flávio Tartuce)

A FAVOR DA PROVA PSICOGRAFADA

No que se refere aos meios de prova no processo penal brasileiro, segundo Antônio Carlos Silva Ribeiro, não há limitação, em decorrência do princípio da verdade real. Assim sendo, infere-se que os meios de provas não são exclusivamente aqueles previstos em lei, admitindo-se também as provas inominadas.

Todavia, não são aceitas as provas proibidas, ou seja, as provas ilícitas e ilegítimas. Sendo assim, são provas ilícitas todas aquelas que violarem normas legais ou princípios do ordenamento material e são provas ilegítimas todas aquelas que violarem princípios do ordenamento processual.

Nesse sentido, no que concerne às provas psicografadas, não há no ordenamento jurídico vigente qualquer regra que proíba a apresentação de documento produzido por psicografia, para que seja valorado como prova em processo penal, segundo entendimento de Renato Marcão.

Desta forma, defende-se a validade da mensagem psicografada como prova, mas deve-se levar em consideração algumas cautelas.

A primeira cautela diz respeito à possibilidade de fraude. Para que isso não aconteça deve ser avaliada a credibilidade do médium, sendo inquestionável sua mediunidade psicográfica, como acontece, por exemplo, com Chico Xavier, ao passo que grande parte das pessoas conhecia a seriedade de seu trabalho.

Além do mais, uma segunda cautela a ser tomada é em relação à grafia, para ver se esta corresponde à entidade comunicadora através de um exame pericial. Neste exame serão confrontadas as grafias da mensagem psicografada e a grafia da pessoa quando viva.

Ressalta-se que este exame é respaldado cientificamente, pois são comparados vários hábitos gráficos como, por exemplo, direção, velocidade, ligações, cortes do “t”, pingo do “i”, espaçamento gráfico e muitos outros pontos característicos.

Nesse sentido, “se o perito encontrar número de pontos característicos que permitam proclamar a identificação da autoria de mensagem psicografada, teremos então um laudo pericial expedido por um expert em grafismos”, como menciona Ismar Estulano Garcia.

Em virtude dos argumentos referidos por esta corrente, pode-se afirmar que a psicografia pode ser utilizada como meio de prova judicial, mas com uma certa cautela.

A PARANORMALIDADE NA JUSTIÇA BRASILEIRA

O primeiro caso em que a Justiça brasileira foi chamada a decidir ocorreu no campo do Direito Civil, em 1944, quando a Sra. Catarina Vergolino de Campos, viúva do escritor Humberto de Campos, ingressou em juízo com uma ação declaratória contra a Federação Espírita Brasileira e o médium Francisco Cândido Xavier, exigindo o pagamento de direitos autorais sobre as obras psicografadas por aquele médium e atribuídas a seu falecido esposo. Pretendia a suplicante que se declarasse judicialmente se as obras eram da lavra do espírito de Humberto de Campos e, em caso afirmativo, a quem pertenciam os direitos autorais.

Na hipótese contrária a Federação Espírita Brasileira e Francisco Cândido Xavier deveriam ser passíveis de sanção penal e proibidos de usar o nome de Humberto de Campos em qualquer publicação literária estando ainda sujeitos ao pagamento por perdas e danos.

A ação foi julgada improcedente por sentença prolatada pelo Juiz de Direito, Dr. João Frederico Mourão Russel, sob fundamento de que o Poder Judiciário não é órgão de consulta para decidir sobre a existência ou não de um fato e, na hipótese dos autos, sobre a  atividade intelectual de um morto. Inconformada a autora agravou da decisão, a qual, no entanto, foi mantida por seus jurídicos fundamentos, pelo Tribunal de Apelação do antigo Distrito Federal, tendo sido relator o Ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa.

O nosso Direito Civil, no seu Artigo 10, estabelece que "a existência da pessoa natural termina com a morte" e, por conseguinte, não cogita da continuidade da pessoa física após a morte e praticando atos que gerem conseqüências jurídicas. Ainda que, um dia se prove, cientificamente, a sobrevivência pos-mortem, terá o legislador que decidir se os atos praticados pelo espírito terão ou não repercussão no mundo jurídico.

À luz da Parapsicologia e do direito, a atividade literária ou artística de um agente  no campo da psicografia, psicopictografia e psicomusicografia, é a ele atribuída, embora em razão de sua crença espírita, declare que seus autores sejam escritores, pintores, músicos  falecidos.

No Brasil, psicógrafos e psicopictógrafos, em razão de sua crença espírita, acreditam que as suas produções se originam de intelectuais e artistas desencarnados. Por isso, a eles não se aplica o disposto no Art. 185 do Código Penal, que define como crime, “atribuir falsamente a alguém, mediante uso de nome, pseudônimo ou sinal por ele adotado para designar seus trabalhos, a autoria de obra literária científica ou artística”.



No nosso Direito Penal, há quatro casos cuja decisão judicial que se fundamentaram em comunicações mediúnicas psicografadas por Francisco Cândido Xavier nas quais os pretensos espíritos das vítimas de homicídio inocentaram os respectivos réus:

a) crime de homicídio, ocorrido em Goiânia de Campina, Goiás, no dia 8 de maio de 1976, praticado por José Divino Gomes contra Maurício Garcez Henriques.
b) crime de homicídio, acorrido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 1º de março de 1980, praticado por José Francisco Marcondes de Deus contra a sua esposa;
c) crime de homicídio, ocorrido na localidade de Mandaguari, Paraná, no dia 21 de outubro de 1982, praticado pelo soldado da Polícia Militar, Aparecido Andrade Branco, vulgo "Branquinho" contra o deputado federal Heitor Cavalcante de Alencar Furtado.

No primeiro caso, o Juiz de Direito da 6ª. Vara Criminal de Goiânia, Dr. Orimar de Bastos, absolveu o réu, sob fundamento de que a mensagem psicografada de Francisco Cândido Xavier, anexada aos autos, merece credibilidade e nela a vítima relata o fato e o absolveu.
            
No segundo caso, o advogado do réu, devidamente autorizado pelo Juiz, entregou aos jurados cópias de três mensagens psicografadas por Francisco Cândido Xavier, onde o espírito da vítima afirmava que o seu esposo a matara acidentalmente. Por unanimidade, o tribunal do júri absolveu o réu, o qual, em novo julgamento, após cinco anos, foi absolvido.

No terceiro e último caso, embora admitida como prova a mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, na qual o espírito da vítima inocentava o réu pelo tiro que deste recebera, o Tribunal do Júri, por cinco votos a dois, o considerou culpado, tendo o Juiz de Direito, Dr. Miguel Tomás Pessoa Filho, condenado o réu a oito anos e vinte dias de reclusão.

 

CONCLUSÃO 

O presente trabalho trata de um tema polêmico e atual. Isso porque há muitas discussões acerca da possibilidade de utilizar a psicografia como meio de prova judicial, em que alguns a admitem e outros não.

A princípio, vale dizer que não é comum este meio de prova nos processos judiciais, já que poucos são os casos concretos em que esse meio de prova é utilizado.

De acordo com os argumentos apresentados por ambas as correntes no decorrer deste estudo, interessante é que cada um reflita, visto que não há ainda conclusões perfeitas e acabadas quanto a este tema, que envolve o sobrenatural e o imaterial.

Assim sendo, caso se depare com a psicografia num processo judicial, necessário que cautelas sejam tomadas, como exemplo, analisando a credibilidade do médium, bem como se a grafia do “espírito” realmente corresponde à grafia de sua pessoa quando viva através de um laudo pericial.

Ademais, é de extrema importância que o julgador não esteja adstrito ao laudo pericial. Até porque, a psicografia pode ser levada em consideração para a responsabilidade penal, desde que esta não seja a prova principal, mas sim subsidiária e em harmonia com o conjunto de outras provas não proibidas pelo direito.

Em suma, a psicografia, na busca da verdade real, pode ajudar no convencimento, seja do juiz ou dos jurados no Tribunal do Júri aos crimes a que cada um compete, mas desde que em conjunto com outras provas e respeitando os princípios gerais do direito, para que ao fim possa chegar a sentença sem acarretar prejuízo às partes envolvidas no processo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal– 2ª ed.- atualizada e ampliada- São Paulo-Saraiva, 1998.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa.

GARCIA, Ismar Estulano. Psicografia como prova judicial. Revista Jurídica Consulex. 229: 24, 2006.

MAIA, Roberto Serra da Silva. Psicografia como meio de prova no Processo Penal. Revista Jurídica Consulex. 229: 28, 2006.

MARCÃO, Renato. Psicografia e prova penal. Revista Jurídica Consulex. 229: 26, 2006.

RIBEIRO, Antônio Carlos Silva. Curso Preparatório para Exame de Ordem da OAB. São Paulo: Táticos Cursos Jurídicos, 2004.

TARTUCE, Flávio. Utilização da prova psicogrrafada no juízo cível. Revista Jurídica Consulex. 229: 33, 2006.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRAFICA

Trabalho realizado no V Congresso de Iniciação Científica, promovido pelas FIO (Faculdades Integradas de Ourinhos), estudo interdisciplinar de tema polêmico e contemporâneo, a saber “Psicografia como prova judicial”, elaborado pelas alunas  do 8º Termo, FERNANDA OBATA, JULIANA DE ALMEIDA SALVADOR, MÔNICA YURI MIHARA, VALÉRIAVIANA e VIVIANE PERES RÚBIO,  sob a orientação do Prof. Luiz Fernando Quinteiro de Souza. – Outubro de 2006

 


Recentemente, em maio de 2006, a imprensa nacional noticiou que, na cidade de Viamão (RS), o Tribunal do Júri absolveu Iara Marques Barcelos, acusada de mandar matar o tabelião Ercy da Silva Cardoso, executado dentro de casa, com dois tiros na cabeça na noite de 1º de julho de 2003, em face de uma carta ditada pela vítima ao médium Jorge José Santa Maria, da Sociedade Beneficiente Espírita Amor e Luz.

Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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