O Inquérito Policial e a tese do arquivamento indireto

* Ravênia Márcia de Oliveira Leite

Concluídas as investigações criminais, empreendidas pelo órgão de Polícia Judiciária competente, mediante relatório conclusivo (art. 10, §§ 1 e 2º, CPP),  observa-se que o Ministério Público poderá adotar as seguintes providências:

a) Oferecimento da denúncia;

b) Devolução do Autos à Autoridade Policial para a realização de novas diligências, imprescindíveis à propositura da ação penal, e

c) Requerimento de arquivamento do Inquérito Policial.

No caso de proposta de arquivamento abrem-se duas vias à Autoridade Judiciária: concordar com o pedido formulado pelo Ministério Público ou, em descordo com o D. posição ministerial, remeter os Autos à Procuradoria Geral de Justiça ou Câmara de Coordenação e Revisão Criminal, no que se refere ao Ministério Público federal (art. 62 da Lei complementar n.º 75/93) para avaliação do pedido de arquivamento (art. 28, CPP).

Observe-se que o Código de Processo Penal, conforme leciona Eugênio Pacelli da Silva., “trata como despacho a decisão que determina o arquivamento do Inquérito”. Assim, surgindo prova nova, conforme a maioria da doutrina, resta cristalina a possibilidade de reabertura do inquérito policial ou instauração de nova ação penal e, ainda, nos termos da Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.

Obviamente, o pedido de arquivamento deve ser explícito, tornando indiscutível a matéria, exceto no caso de surgimento de novas provas. No caso de surgir novas provas com relação a indiciado não incluído na ação penal, conforme tese do ilustre membro do órgão ministerial federal, alhures mencionado, “cumpre ao magistrado renovar vista ao órgão do parquet para manifestação expressa sobre a exclusão, não se admitindo arquivamento implícito”.

“Apesar de sempre presente, o arquivamento implícito é uma figura indesejada, porquanto entendemos que o membro do Ministério Público deve sempre expor em uma cota os motivos que o levaram a deixar de incluir na exordial acusatória um fato criminoso ou um acusado” (http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BF5800DB5-AD4D-4FD2-9C16-E2B8E2FEF3AB%7D_010.pdf, acessado em 29 de março de 2009).

Outro instituto muito comum nas esferas judiciais, o qual, todavia, é quase esquecido pela doutrina, é o denominado arquivamento indireto. Confunde-se, tal instituto, com o conflito de atribuição, entretanto, são institutos completamente díspares.

O arquivamento indireto surge quando o membro do Ministério Público se vê sem atribuição para oficiar em um determinado feito e o magistrado, por sua vez, se diz com competência para apreciar a matéria. O arquivamento indireto nada mais é do que uma tentativa por parte do membro do Ministério Público de arquivar a questão em uma determinada esfera.

Segundo o ilustre Dr. Eugênio Pacelli, “em tais circunstâncias, ele (o Ministério Público, grifo nosso) deverá recusar atribuição para o juízo de valoração jurídico penal do fato, requerendo ao juiz que seja declinada a competência para a Justiça Estadual, com a posterior remessa dos autos a este juízo, para encaminhá-la ao respectivo Ministério Público Estadual.”

Dessa forma, continua o ilustre Procurador da República, surgem duas hipóteses:

“a) concordando com a manifestação ministerial, o juiz declina de sua competência e remete os autos ao órgão jurisdiconal competente, não havendo, pois, qualquer problema a ser solucionado;

b) não concordando com o Ministério Público, isto é, afirmando o Juiz Federal a sua competência para a apreciação do fato e reconhecendo, assim, a existência de crime federal, a solução da questão apresenta certa complexidade”. 

O arquivamento indireto já mereceu a tutela do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, cujos arestos seguem in verbis

PROMOTOR PÚBLICO QUE ALEGA A INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, REQUERENDO A REMESSA DOS AUTOS DO INQUÉRITO PARA AQUELE QUE CONSIDERA COMPETENTE – PONTO DE VISTA DESACOLHIDO PELO RESPECTIVO MAGISTRADO, QUE AFIRMA A SUA COMPETÊNCIA – INEXISTÊNCIA DE CONFLITO DE JURISDIÇÃO OU DE ATRIBUIÇÕES – MANIFESTAÇÃO QUE DEVE SER RECEBIDA COMO PEDIDO INDIRETO DE ARQUIVAMENTO. 1. Se o magistrado discorda da manifestação ministerial, que entende ser o juízo incompetente, deve encaminhar os autos ao procurador-geral de justiça, para, na forma do art. 28 do CPP, dar solução ao caso, vendo-se, na hipótese, um pedido indireto de arquivamento. 2. Inexistente conflito de competência, já que se declara cumulação positivo-negativa de jurisdições, o que não configura conflito, que ou é positivo, ou é negativo. 3. Igualmente não se vislumbra conflito de atribuições, se já jurisdicionalizada a discussão, onde um juiz se declarou competente e o outro não. 4. Conflito não conhecido. (Conflito de Atribuição nº 1994/0031616-0, Min. rel. Anselmo Santiago, data da decisão: 11/06/1997, órgão julgador: S3 – terceira seção, DJ 04/08/1997, pg: 34642). 

CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. JUIZ E MP FEDERAL. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO INDIRETO (ART-28 DO CPP). A RECUSA DE OFERECER DENÚNCIA POR CONSIDERAR INCOMPETENTE O JUIZ, QUE NO ENTANTO SE JULGA COMPETENTE, NÃO SUSCITA UM CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES, MAS UM PEDIDO DE ARQUIVAMENTO INDIRETO QUE DEVE SER TRATADO À LUZ DO ART-28 DO CPP. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES NÃO CONHECIDO. (Conflito de Atribuições, Min. rel. Rafael Mayer, DJ: 09-12-83, pg: 19415, Julgamento: 01/04/1982 – Tribunal Pleno)

A solução para dirimir a presente questão é a aplicação analógica do artigo 28 do Estatuto Adjetivo Penal, a fim de que o chefe ministerial dê a última palavra. Ou o procurador-geral concorda com a tese do membro do Ministério Público e o magistrado deverá encaminhar os autos à Justiça Federal, ou abraça o entendimento do magistrado e delega para outro membro do Ministério Público atuar no feito na órbita da Justiça Estadual. No primeiro caso (o chefe do Ministério Público concorda com a tese do promotor de justiça), o juiz federal que receber os autos poderá suscitar o conflito negativo de competência a ser dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça, com arrimo no artigo 105, inciso I, letra “d”, da Carta Política (DIAS, Marcus Vinicius de Viveiros. Do arquivamento implícito e do arquivamento indireto. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 29 de março de 2009).

Na mesma esteira, Eugênio Pacelli, assevera que conforme parecer do ilustre D.r Cláudio Lemos Fonteles, “o Supremo Tribunal Federal elaborou curiosa construção teórica, com o único objetivo de viabilizar um controle, em segunda instância, dos posicionamentos divergentes entre o órgão do MO e o juiz”. Pensou-se, então, no arquivamento indireto, segundo o qual o juiz, diante do não oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público, ainda que fundado em razões de incompetência jurisdicional, e não na inexistência de crime, deveria receber tal manifestação como se de arquivamento se tratasse. Assim, ele deveria remeter os autos para o órgão de controle revisional no respectivo Ministério Público”.

Conclui, o festejado membro do Ministério Público federal, “como consequência o juiz estaria e estará suborndinado á decisão de última instância do parquet, tal como ocorre em relaão ao arquivametno propriamento dito, ou arquivamento direto”.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Ravênia Márcia de Oliveira Leite: Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar e em Direito Penal e Processo Penal – Universidade Gama Filho.

Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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