* Kiyoshi Harada
Até que enfim o governo anuncia a transparência nas contas públicas, conforme anúncio feito pelo Ministro da Fazenda, que irá editar uma Portaria descartando o conceito de superávit primário inventado pelos economistas do passado, para encobrir o rombo da dívida pública.
Em artigo intitulado "Superávit primário – trocando em miúdos", publicado em 4-7-2005, explicamos o significado desse termo e condenamos o uso de expressões nebulosas para ludibriar a opinião pública. Convém recapitularmos.
A palavra superávit é antônima de déficit, sendo, portanto, um conceito que revela um conteúdo positivo.
Em termos de direito financeiro, quando a arrecadação da receita pública supera aquela estimada na lei orçamentária anual, ocorre o superávit.
Essa diferença passa a integrar a categoria econômica de receita de capital, nos precisos termos do § 2º, do art. 11, da Lei nº 4.320/64. Daí o absurdo de sucessivas aberturas de crédito extraordinário, por Medida Provisória, mediante a utilização das verbas resultantes do superávit para atendimento de situações urgentes e imprevistas, como em casos de guerra, comoção intestina ou calamidade pública (§ 2º do art. 167 da CF e art. 41, III da Lei nº 4.320/64). Déficit, por sua vez, é o fenômeno inverso, isto é, quando a arrecadação efetiva fica aquém da receita estimada.
Superávit e déficit são palavras que não comportam adjetivações, a exemplo de outras, como democracia, felicidade, bondade, ruindade etc. Seria estranho falar-se, por exemplo, em democracia truculenta ou em felicidade infernal.
Porém, do conceito de superávit, que integra o balanço orçamentário, quando transposto para o campo economia política, temos o balanço de contas ou o balanço de pagamentos, que outra coisa não é senão o quadro demonstrativo do que um país, dentro de determinado exercício financeiro, recebe em moeda estrangeira por suas exportações e restituições de empréstimos e juros, e do que paga ao país estrangeiro por suas importações e amortizações de empréstimo e pelos serviços da dívida. O saldo positivo é o superávit, e o saldo negativo corresponde ao déficit. Nada de novo até aqui.
Acontece que, para camuflar a enorme sangria aos cofres públicos, representada pelo pagamento de juros da dívida pública, competindo com as despesas com o pessoal, os economistas do passado resolveram denominar de superávit nominal aquilo que está abrangido pelo conceito normal de superávit como retro explicado.
E inventaram uma expressão anormal, denominando-a de superávit primário, para significar a diferença positiva entre o ingresso financeiro no país e tudo o que saiu do país, sem computar, porém, as saídas referentes aos serviços da dívida.
Assim, mesmo que o país estivesse amargando um déficit fenomenal, o balanço das contas públicas divulgado pelo governo aparece de forma positiva aos olhos da população leiga.
Dentro dessa linha de raciocínio, que prevaleceu no passado, para ocultar a real situação das contas públicas, poder-se-ia cogitar da expressão superávit secundário, que seria a diferença entre o que ingressou e o que saiu, sem contar as despesas com o pagamento dos serviços da dívida e com a folha salarial. Seria o maior país do planeta, em termos de obtenção do superávit.
Está claríssimo que essa forma de escamoteamento da verdade atenta contra os princípios da Administração Pública, insertos no art. 37 da CF, bem como ofende o princípio da transparência orçamentária previsto na LRF.
O governo inicia o primeiro passo corajoso para conferir clareza, segurança e transparência nas contas pública, o que é muito louvável.
É claro que não bastará simples assinatura de uma Portaria Ministerial como noticiado pela mídia, pois serão necessários trabalhos legislativos, afim de expurgar do ordenamento jurídico a referência a superávit primário, que consta até da LRF (LC nº 101/2000).
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Kiyoshi Harada: jurista, professor e especialista