*João Baptista Herkenhoff –
Todo dia é véspera da morte e anúncio de um parto . Vida , morte , nascimento, renascimento , convergência , ruptura. Esta é a dialética da vida .
Para os que crêem na eternidade da essência humana , não existe a morte, simples passagem , igual a tantas outras que marcam a evolução do cosmos .
Numa Missa de réquiem , ouvi do Padre Alberto Fontana uma belíssima explicação , comparando o mistério do pós-morte, para quem se despede do mundo , com o mistério do pós-parto , para a criança que , do aconchego do ventre materno , irrompe para o desconhecido .
Quando jovem eu pensava que esta vida transitória, neste corpo perecível que vestimos, fosse infinita. Tenho hoje a consciência da transitoriedade. Cada manhã eu agradeço ao Senhor o dia que me é concedido.
Paulo Apóstolo tinha pressa de partir . Impaciência com a espera . Não tenho a urgência do Apóstolo. Pudera ser contemplado com o augúrio do Profeta : ver os filhos dos filhos , até a terceira e quarta geração .
Estas reflexões me acorrem porque dias atrás aniversariei. Estou apenas a um passo da sétima hora . Estas datas nos convocam para um balanço geral .
Gostaria de ser indulgenciado por todas as faltas , que são muitas, na pequenez do meu pó.
Que relevassem meu silêncio todos aqueles a quem devia ter agradecido por ajudas, conselhos , exemplos.
Não teria descortinado a dimensão social do Evangelho, se não fosse a convivência com Dom João Baptista da Mota e Albuquerque, Dom Luiz Gonzaga Fernandes, Padre Waldyr Ferreira de Almeida, Irmã Heloísa Maria Rodrigues da Cunha e outros.
Jamais teria compreendido que não existe profeta individual , mas que a profecia do mundo moderno é coletiva e partilhada, se não fossem as lutas travadas na Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, ao lado de Rogério Coelho Vello, Antônio César Menezes Penedo , Vera Maria Simoni Nacif, Dante Pancini Pola, Sandro Chamon do Carmo, Ewerton Montenegro Guimarães, Pastor Claude Labrunie e tantos outros.
Não teria vislumbrado a visão humanista do ofício judicial se não tivesse comungado vida e experiências com os magistrados capixabas Carlos Teixeira de Campos , Mário da Silva Nunes, Homero Mafra, Pedro Borges de Rezende e com o magistrado carioca Eliézer Rosa.
Prezaria que a Misericórdia colocasse lentes de aumento nos pequenos serviços desta modesta vida .
Que o empenho de dar voz a quem não tinha voz , denunciar a injustiça mesmo sob a mira do perigo, junto a caminhantes da mesma caminhada , todos esses pequenos méritos fossem valorizados em cêntuplo .
Que o esforço de proporcionar tratamento humano aos presos tivesse a recompensa prometida aos que viram no encarcerado a imagem do Crucificado.
Que a busca por servir à dignidade da pessoa humana na cadeira de juiz , na tribuna de professor , no livro e no jornal fosse recebida como humilde oferenda Àquele sob cujo selo todos somos rigorosamente iguais , portadores da mesma dignidade e valor porque marcados pelo mesmo sopro divino.
Referência Biográfica
João Baptista Herkenhoff – Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.joaobaptista.com