DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO NO ATUAL CPC: QUEBRA DO PARADIGMA DA JUDICIALIZAÇÃO?

Resumo: O presente artigo irá abordar dois dos métodos mais relevantes de solução pacífica das controvérsias previstos na legislação brasileira, quais sejam, a conciliação e a mediação. Nesse sentido, tais institutos serão inicialmente confrontados com a arbitragem e posteriormente estudados à luz do atual Código de Processo Civil e da legislação específica, sendo que tais diplomas em conjunto compõem o microssistema brasileiro de conciliação e mediação. A importância do estudo em tela é manifesta, uma vez que o atual Código de Processo Civil, eminentemente principiológico, relaciona a conciliação e a mediação com os princípios constitucionais da inafastabilidade do controle jurisdicional, da eficiência e da celeridade, com prevalência da solução consensual dos conflitos. Por fim, enfrentaremos a problemática da utilização de tais instrumentos como formas de implementação da desjudicialização e, para muitos, como a “salvação” do Poder Judiciário.

Palavras-Chave: CONCILIAÇÃO. MEDIAÇÃO. SOLUÇÃO. CONTROVÉRSIAS. DESJUDICIALIZAÇÃO.

INTRODUÇÃO

O CPC de 2015 foi fruto de um trabalho árduo da comissão de juristas responsáveis pela sua elaboração, no sentido de atender aos anseios da população, privilegiando a simplicidade, a celeridade e efetividade do processo e da ação processual, além do estímulo à inovação e à modernização de procedimentos, respeitando e aperfeiçoando, contudo, os direitos básicos das partes ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal.

Dentre os objetivos expressamente listados na exposição de motivos do CPC de 2015, podemos destacar o estabelecimento de uma sintonia fina entre o Código de Processo Civil e a Constituição Federal, com a simplificação dos procedimentos, trazendo maior organização ao sistema como um todo e conferindo-lhe maior coesão.

Nesse sentido, o art. 3º e parágrafos do novo CPC consagra o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional e ressalta a importância da arbitragem, da conciliação e da mediação como formas alternativas e preferíveis para a solução das controvérsias, ao prescrever que, “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”, “é permitida a arbitragem, na forma da lei”, “o Estado promoverá, sempre que  possível, a solução consensual dos conflitos” e “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

No presente artigo, estudaremos a conciliação e a medição como formas alternativas de solução de controvérsias previstas no atual CPC, bem como enfrentaremos a questão da desjudicialização, fazendo uma conexão entre esses institutos e associando a mediação e a conciliação como possíveis fatores para a quebra do paradigma da judicialização no Brasil.

1 – CONCILIAÇÃO E MEDIÇÃO: CONCEITOS, SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Apesar de possuírem semelhanças, os conceitos de mediação e conciliação se distinguem entre si, bem como em relação a outro instituto de larga utilização, que é a arbitragem.

A palavra conciliação deriva do latim “conciliare”, ou seja, ato pelo qual as partes, espontaneamente, voluntariamente e de comum acordo, encontram elas mesmas a solução da controvérsia, com auxílio de um terceiro imparcial, chamado de conciliador, que aproxima as partes e ativamente sugere propostas, sem interferir, contudo, nas escolhas das partes.

Nesse sentido, de acordo com COSTA (2003, p. 177), embora o conciliador atue ativamente, ele deve se atentar para a obediência à autonomia total das partes:

“Ressalte-se que a imparcialidade do terceiro não é uma exigência lógica, mas ética, somente fazendo sentido dentro de uma perspectiva que valorize a subjetividade das pessoas e que considera legítimo apenas o acordo que é realizado por uma vontade livremente expressada, o que implica a ausência de pressões externas, como ameaças, subornos ou pressões. Nessa medida, exige-se do assistente que sirva como um facilitador do acordo ou do equilíbrio e não como um defensor de determinado interesse, ainda que seja dos valores que ele considera justos”.

A mediação, por sua vez, deriva do latim “mediatione”, se tratando de um procedimento pelo qual as partes se utilizam de um profissional por elas escolhido, chamado de mediador, que as apresenta as melhores soluções possíveis, de maneira clara, técnica e com raciocínio que lhes permitam um entendimento completo da questão.

Da mesma forma que na conciliação, na mediação, o mediador não toma a decisão pelas partes, limitando-se a facilitar a comunicação e estimular o diálogo para que elas próprias solucionem o conflito.

A propósito, AZEVEDO (2015, p. 20) assim dispõe sobre o conceito da mediação e o papel do mediador:

“Trata-se de um método de resolução de disputas no qual se desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação entre as pessoas em conflito, habilitando-as a melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidades.”

Conceituados os institutos da conciliação e da mediação, vemos que suas semelhanças residem no fato de que ambas utilizam a intermediação de um terceiro, particular, para chegarem à pacificação do conflito.

Nesse sentido, DIDIER JÚNIOR (2017, p. 308) traça as principais semelhanças entre esses institutos:

“Ambas são técnicas que costumam ser apresentadas como os principais exemplos de “solução alternativa de controvérsias” (ADR, na sigla em inglês: alternative dispute resolution). O adjetivo, no caso, funciona para contrapor essas formas de solução dos conflitos à jurisdição estatal.”

Já a sua distinção se dá porque a conciliação busca sobretudo o acordo entre as partes, enquanto a mediação objetiva trabalhar o conflito, surgindo o acordo como mera consequência.

Segundo a doutrina de CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2012, p. 36), trata-se mais de uma diferença de método, mas o resultado acaba sendo o mesmo.

A arbitragem, por seu turno, é um instituto totalmente diferenciado da conciliação e da mediação, por se tratar de um método alternativo de solução de controvérsias por heterocomposição, ou seja, a decisão é tomada pelo árbitro eleito pelas partes. As partes, por sua vez, devem respeitar e cumprir a decisão tomada, que se torna um título executivo judicial de per si, nos termos do art. 515, VII, do CPC.

2 – O MICROSSISTEMA BRASILEIRO DA CONCILIAÇÃO E DA MEDIAÇÃO

O estudo da conciliação e da mediação não pode ser feito isoladamente, uma vez que há um verdadeiro microssistema jurídico envolvido, composto pela Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, pela Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação) e pelo atual Código de Processo Civil. Frise-se que, no caso de conflito entre o Código de Processo Civil e a Lei de Mediação, prevalece esta última, por ser norma posterior e especial.

No tocante à Resolução 125, de 29.11.2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com alterações pelas Emendas 1, de 31.01.2013 e 2, de 08.03.2016, podemos citar as suas principais características e inovações:

I – Foi inspirada no direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal;

II – Instituiu a política judiciária nacional de tratamento de conflitos de interesse, incumbindo os órgãos judiciários de oferecerem mecanismos consensuais de soluções de controvérsias (mediação e conciliação), bem como de prestarem atendimento e orientação ao cidadão (art. 1º, caput e parágrafo único);

III – Atribuiu ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a organização do programa, mediante a formulação de diretrizes gerais de implementa- ção do sistema de conciliação e mediação (arts. 4º a 6º);

IV – Determinou, no âmbito dos Tribunais, a criação de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, com diversas atribuições (art. 7º e incisos);

V – Determinou aos Tribunais a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs), para realizarem sessões de conciliação e mediação pré-processuais ou processuais (art. 8º);

VI – Delegou aos Juízos, Juizados e Varas, excepcionalmente, a realização das sessões de conciliação e mediação processuais, com participação obrigatória de profissionais cadastrados no Tribunal e supervisionados por Juiz Coordenador do Centro (art. 8º, § 1º);

VII – Fixou a obrigatoriedade de atuação nos Centros e demais órgãos judiciários de mediadores e conciliadores devidamente capacitados pelos Tribunais (art. 12);

VIII – Previu a criação de Fóruns de Coordenadores de Núcleos (art. 12-A e 12-B), para estabelecerem diretrizes específicas aos seus seguimentos;

IX – Regulamentou as Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação, obrigando-as ao cadastramento e à avaliação periódica pelos Tribunais (art. 12-C a 12-F);

X – Obrigou os Tribunais e o CNJ a manterem dados estatísticos sobre as atividades dos Centros (arts. 13 e 14);

XI – Criou o “portal da conciliação”, com informações disponibilizadas pela internet (site do CNJ) sobre conciliação e mediação (art. 15);

XII – No Anexo I, estabeleceu diretrizes curriculares dos cursos de capacitação dos conciliadores de mediadores;

XIII – No Anexo III, há previsão de um “Código de Ética” para os conciliadores e mediadores judiciais. Já a Lei de Mediação (Lei 13.140, de 26.06.2015), criou tratamento específico para o instituto, prevendo em seu texto disposições gerais sobre a mediação, princípios aplicáveis, mediação judicial e extrajudicial, requisitos e atribuições dos mediadores extrajudiciais e judiciais, procedimento da mediação judicial e extrajudicial, confidencialidade da mediação e suas exceções e também o inovador procedimento da autocomposição de conflitos envolvendo pessoa jurídica de direito público.

O tratamento da conciliação e da mediação no atual Código de Processo Civil será a seguir estudado.

3 – CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

No Código de Processo Civil de 2015, as disposições sobre mediação e conciliação são encontradas nos seguintes dispositivos:

I – Art. 3º, §§ 2º e 3º: Das normas fundamentais do processo civil, com estímulo à conciliação, mediação e solução consensual dos conflitos, nos âmbitos judicial e extrajudicial, pelos juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público.

II – Arts. 165 a 175: Dos conciliadores e mediadores judiciais.

III – Art. 334: Da audiência de conciliação ou de mediação.

O estudo do art. 3º e parágrafos do atual CPC já foi realizado no início desse trabalho, sendo desnecessária a sua repetição.

Assim sendo, passemos à análise dos arts. 165 a 175 do atual CPC, que preveem a figura dos conciliadores e dos mediadores judiciais.

3.1 – Dos conciliadores e mediadores judiciais: arts. 165 a 175 do CPC

O caput do art. 165 do atual CPC determina aos Tribunais a criação dos Centros judiciários de solução consensual de conflitos, sendo que tal disposição segue os ditames da Resolução 125/2010 do CNJ, que determina a criação dos CEJUSCs com setores processual, pré-processual e de atendimento ao cidadão; no mesmo sentido, ainda, o art. 24, caput, da Lei de Mediação.

O § 1º do art. 165 do CPC delega aos Tribunais a composição e a organização dos Centros de conciliação e mediação, estando o dispositivo no mesmo sentido do art. 24, parágrafo único, da Lei de Mediação e das regras específicas da Res. 125/2010 do CNJ (art. 8º e parágrafos).

Os §§ 2º e 3º do art. 165 preveem, respectivamente, as figuras do conciliador, que atua preferencialmente nas causas onde não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções, sem uso de constrangimento ou intimidações, e do mediador, que atua preferencialmente nas causas onde houver vínculo anterior entre as partes, auxiliando as partes no restabelecimento da comunicação e identificação das soluções.

O art. 166, caput, do CPC, lista os princípios da conciliação e da mediação, devendo tal dispositivo ser analisado conjuntamente com o “Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais”, consistente no Anexo III à Resolução 125/CNJ e também com o art. 2º da Lei de Mediação.

A partir da interpretação conjunta das normas supra, podemos elencar os seguintes princípios aplicáveis à conciliação e à mediação:

I. Independência: dever do profissional da conciliação ou mediação atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa.

II. Imparcialidade: dever do profissional de agir com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito.

III. Autonomia da vontade: livre autonomia dos interessados, inclusive no tocante às regras procedimentais. Entretanto, há certos princípios e regras que devem ser observados no procedimento, conforme especificado Anexo III da Res. 125/2010;

IV. Confidencialidade: inclui todas as informações produzidas no curso do procedimento, que não podem ser utilizadas para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes; nesse sentido, os conciliadores ou mediadores não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.

V. Oralidade e informalidade: na solução de um conflito, admite-se a aplicação de técnicas negociais para facilitar a auto–composição;

VI. Decisão Informada: dever de manter o jurisdicionado plenamente informado quanto aos seus direitos e ao contexto fático no qual está inserido.

VII. Isonomia entre as partes, busca do consenso e boa-fé (conforme previsão do art. 2° da Lei de Mediação);

VIII. Competência: dever do profissional de possuir qualificação que o habilite à atuação judicial, com capacitação na forma da Resolução 125/CNJ, observada a reciclagem periódica obrigatória para formação continuada;

IX. Empoderamento: dever do profissional de estimular os interessados a aprenderem a melhor resolverem seus conflitos futuros em função da experiência de justiça vivenciada na auto- -composição;

X. Validação: dever de estimular os interessados perceberem-se reciprocamente como seres humanos merecedores de atenção e respeito.

Prosseguindo no estudo do tema, o art. 167, caput, do CPC exige a inscrição dos conciliadores, mediadores e câmaras privadas de conciliação e mediação em cadastros nacionais (no CNJ – Conselho Nacional de Justiça) e regionais (nos Tribunais de Justiça estaduais e Tribunais Regionais Federais), que manterão registros de profissionais habilitados com indicação da área profissional.

O § 1º do art. 167 do CPC exige a capacitação mínima para cadastro dos conciliadores e mediadores, que deverão fazer cursos em entidades credenciadas, com parâmetro curricular definido pelo CNJ em conjunto com o Ministério da Justiça.

A Lei de Mediação, por sua vez, exige ainda que o mediador judicial seja graduado há pelo menos 2 (dois) anos em curso de ensino superior reconhecido pelo MEC – Ministério da Educação e Cultura (art. 11 da Lei 13.140/2015).

O art. 167, § 2º, do CPC, prevê que o registro do profissional da conciliação ou mediação pode ser precedido de concurso público, havendo posterior envio de lista dos registrados ao chefe de cartório, com escolha aleatória, alternada, e igualitária dentro da mesma área de atuação do profissional.

Os §§ 3º e 4º do art. 167 estabelecem que o credenciamento conterá todos os dados relevantes sobre a atuação do conciliador ou mediador (área de atuação, número de processos em que atuou etc.), com publicação, ao menos anual, para conhecimento da população.

O § 5º do art. 167 prevê uma regra prejudicial aos advogados: os conciliadores e mediadores judiciais, se advogados, estão impedidos de exercerem a advocacia perante o Juízo que atuarem.

Na verdade, tal dispositivo merece críticas, uma vez que estabelece uma verdadeira presunção absoluta de má-fé do advogado mediador/conciliador, não havendo sequer previsão nesse sentido na Lei de Mediação e no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O § 6º do art. 167 reza que o Tribunal poderá optar por criar quadro próprio de mediadores e conciliadores, preenchido mediante concurso público.

Nos termos do caput do art. 168 do CPC, as partes poderão escolher de comum acordo o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e mediação.

Já o art. 25 da Lei de Mediação prevê que, na mediação judicial, os mediadores não estarão sujeitos à prévia aceitação das partes. Entendemos que, ante a divergência entre as referidas disposições, no ponto, deve prevalecer a regra da lei de mediação, que é especial e posterior ao atual CPC.

O § 1º do art. 168 do CPC prescreve que o conciliador ou mediador escolhido de comum acordo poderá ou não estar cadastrado; já o § 2º do mesmo art. reza que, não havendo comum acordo quanto à escolha, haverá a distribuição do feito entre os cadastrados no registro do Tribunal; por seu turno, o § 3º prevê a “comediação” ou conciliação conjunta, na qual poderá haver a designação de mais de um conciliador ou mediador (em geral questões mais complexas, envolvendo direito de família, conflitos agrários, dentre outros) para a solução da lide.

O art. 169, caput, do CPC, estabelece que o conciliador ou o mediador receberá remuneração, conforme tabela fixada pelo Tribunal e parâmetros do CNJ, estando tal regra no mesmo sentido do art. 12, § 5º, da Resolução 125/CNJ; complementando a disposição do art. 169, caput, temos que, nos termos da Lei de Mediação, o custeio da remuneração será arcado pelas partes, ressalvada a gratuidade de justiça (cf. art. 13 c/c art. 4º, § 2º).

O § 1º do art. 169 reza que a conciliação ou mediação poderá consistir em trabalho voluntário (e nesse caso não haverá remuneração, ex: conciliação comunitária); já o § 2º do mesmo dispositivo prevê que as câmaras privadas de conciliação e mediação deverão atuar em determinado percentual de audiências não-remuneradas, em prol dos necessitados, como retribuição ao seu credenciamento nos Tribunais.

No ponto, ressalte-se que o art. 12-D da Resolução 125/CNJ prevê incumbir aos Tribunais o estabelecimento do percentual das audiências não-remuneradas.

Conforme o art. 170 do CPC, havendo impedimento, o conciliador ou o mediador deve comunicá-lo imediatamente e de preferência eletronicamente ao juiz do processo (no caso de mediação judicial) ou ao coordenador do centro judiciário de solução de conflitos (no caso de mediação extrajudicial), ensejando a escolha de outro profissional.

Em complemento à regra acima, temos que, segundo o art. 5º da Lei de Mediação, “aplicam-se ao mediador as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz”.

A regra do art. 171 do CPC é no sentido de que, no caso de impossibilidade temporária de exercício, o conciliador ou mediador também devem comunicar o fato, suspendendo-se a distribuição de feitos.

Como a Lei de Mediação é omissa nesse sentido, aplica-se integralmente esse dispositivo da lei processual civil.

O art. 172 do CPC prevê a ocorrência de impedimento do conciliador ou do mediador em assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes, no prazo mínimo de 1 ano, a contar da última audiência.

No mesmo sentido é a Lei de Mediação (art. 6º), que ainda prevê outros impedimentos ao mediador, como o de atuar como árbitro ou funcionar como testemunha em processos judiciais ou arbitrais pertinentes a conflito em que tenha atuado como mediador (art. 7º); o mediador e seus assessores, quando no exercício de suas funções, são equiparados a servidores públicos para fins penais (art. 8º).

O art. 173 do CPC estabelece a exclusão do cadastro nos Tribunais do mediador ou conciliador que atuar indevidamente (estando impedido ou agir com dolo ou culpa e violar seus deveres), devendo esse art. ser interpretado em conjunto com o Código de Ética do Anexo III da Res. 125/2010 do CNJ.

O § 1º do art. 173 do CPC impõe que a apuração de responsabilidades e a fixação de sanções se darão mediante processo administrativo, o que se coaduna com o disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988 – princípios do contraditório e da ampla defesa.

O § 2º do art. 173 do CPC prevê o afastamento temporário por até 180 (cento e oitenta) dias, mediante decisão fundamentada do juiz, no caso de suspeita de conduta irregular do mediador ou conciliador, com imediata comunicação do Tribunal para instauração de processo administrativo.

Segundo o art. 174 do CPC, todos os entes públicos deverão criar câmaras de conciliação e mediação para solucionar administrativamente conflitos envolvendo a Administração Pública ou promover assinatura de termo de ajustamento de conduta, havendo, na Lei de Mediação, uma disciplina mais completa do tema nos arts. 32 a 40.

O art. 175, caput, do CPC diz que não são excluídas outras formas de mediação e conciliação extrajudiciais, que podem ser feitas por profissionais independentes, nos termos de lei específica, sendo tais disposições aplicáveis às Câmaras de conciliação e mediação, de acordo com o parágrafo único do mesmo dispositivo.

3.2 – Da ausência de conciliação ou mediação: art. 334 do Código de Processo Civil

Uma importante inovação contida no novo Código de Processo Civil refere-se à inclusão do processo no contexto social que o circunda, dando-se ênfase à possibilidade das partes de colocarem fim ao conflito por meio da mediação ou da conciliação. Nesse sentido, o legislador entendeu que a satisfação efetiva das partes ocorre por meio da solução criada por elas mesmas, e não pela decisão imposta pelo juiz.

Por exemplo, na realização da audiência inicial, o juiz tentará fazer com que as partes cheguem a um acordo, e somente no caso de negativa de acordo terá início o prazo para a apresentação da contestação.

Assim, nos termos do art. 334, incisos e parágrafos, do novo CPC, se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz obrigatoriamente designará audiência de conciliação ou mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo o réu ser citado com 20 (vinte) dias de antecedência, no mínimo.

O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação, podendo haver mais de uma sessão destinada à mediação e à conciliação, não excedentes a 02 (dois) meses da primeira, desde que necessária à composição das partes, sendo a intimação do autor para a audiência feita na pessoa do seu advogado.

Ressalte-se que, segundo a doutrina, o prazo referido acima tem natureza dilatória, ou seja, as partes, de comum acordo, poderão pedir a dilação do prazo, com base no princípio da autonomia da vontade, que rege a justiça conciliativa (art. 166, § 4º, do CPC). Veja-se, outrossim, que a Lei 13.140/2015 (Lei da Mediação) prevê o prazo de 60 (sessenta) dias para a conclusão final do procedimento de mediação judicial, salvo pedido de prorrogação das partes, de comum acordo (conforme o seu art. 28).

Segundo a mesma Lei da Mediação, referido procedimento pode versar sobre todo conflito ou parte dele (art. 3º, § 1º, da Lei 13.140/2015).

A audiência de conciliação ou mediação não será marcada se as partes previamente manifestarem desinteresse, ou se o processo, por sua natureza, não admitir a autocomposição (art. 334, § 4º, do CPC).

O § 5º do art. 334, por sua vez, prescreve o momento de manifestação de desinteresse na audiência: pelo autor, na petição inicial, ou pelo réu, mediante petição nos autos com ao menos 10 (dez) dias de antecedência da data da audiência.

Segundo o art. 334, § 6º, do CPC, no caso de litisconsórcio, o desinteresse pela audiência deverá ser manifestado por todos os litisconsortes; segundo a doutrina, essa previsão abrange qualquer espécie de litisconsórcio previsto na legislação processual civil.

No ponto, vislumbramos um conflito normativo entre o atual CPC e a Lei de Mediação, pois esta última, no seu art. 27, prescreve que: “se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de mediação”.

Temos, assim, o seguinte questionamento: é obrigatória a realização da audiência de conciliação ou mediação mesmo que o autor opte pela sua não realização e/ou as partes manifestarem expressamente desinteresse na composição consensual (conflito entre os arts. 319, VII e 334, § 4º, I, e §§ 5º e 6º, do novo CPC)?

Segundo o nosso entendimento, prevalece a Lei de Mediação, logo, a audiência inaugural de mediação será obrigatória se a petição inicial preencher os requisitos iniciais e não for caso de improcedência liminar do pedido.

Prosseguindo, vemos que, segundo prescreve o § 7º do art. 334 do CPC, a audiência poderá se dar por meio eletrônico, nos termos da lei; em complemento, ressaltamos, na espécie, que o art. 46 da Lei de Mediação admite a realização da audiência pela internet ou outro meio eletrônico de comunicação equivalente.

Temos ainda que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação será considerado ato atentatório à dignidade da justiça, sancionado com multa de até 2% do valor da causa ou da vantagem econômica objetivada, revertida em favor da União ou do Estado (art. 334, § 8º, do CPC).

Entretanto, embora o comparecimento à audiência seja obrigatório, ninguém é obrigado a permanecer no procedimento de mediação (art. 2º, § 2º, da Lei de Mediação).

Segundo o § 9º do art. 334 do CPC, as partes devem estar obrigatoriamente acompanhadas por advogado ou defensor público na audiência de conciliação/mediação.

Todavia, no caso da mediação judicial, a Lei de Mediação não obriga a presença de advogado ou defensor nos Juizados Especiais (Leis 9.099/1995 e 10.259/2001); já no caso de mediação extrajudicial, a Lei de Mediação faculta a presença de advogado ou defensor (conforme o seu art. 10).

Reza o § 10 do art. 334 do CPC que a parte poderá constituir procurador para a audiência, sempre com poderes específicos, podendo negociar ou transigir; e o § 11 do mesmo dispositivo prevê que a autocomposição será reduzida a termo e homologada por sentença (é título executivo judicial).

Já a lei de mediação não obriga a homologação do título pelo juiz, mas, nesse caso, o título executivo será extrajudicial (art. 20, parágrafo único, da Lei 13.140/2015).

O art. 29 da Lei de Mediação estabelece que: “solucionado o conflito pela mediação antes da citação do réu, não serão devidas custas judiciais finais”.

Por fim, o art. 334, § 12º, do CPC, prevê a organização pelos Tribunais de pauta das audiências com intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.

4 – DAS FORMAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO ATUAL CPC COMO FATORES DE IMPLEMENTAÇÃO DA DESJUDICIALIZAÇÃO: SALVAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO OU MERA CONSEQUÊNCIA?

Colocados os conceitos e principais questões atinentes à conciliação e à medição no atual Código de Processo Civil, a questão que remanesce a seguinte: a conciliação e a mediação devem ser vistas como a verdadeira quebra do paradigma da judicialização e “salvação” do Poder Judiciário?

Com devida vênia àqueles que respondem ao questionamento supra positivamente, entendemos que a utilização de tais métodos alternativos de solução das controvérsias não pode ter por objetivo “desafogar” o Poder Judiciário, mas sim implementar uma solução mais eficiente da demanda, tendo por consequência – e não causa – a quebra do paradigma da judicialização.

Observe-se que YARSHELL (2009, A3) há muito tempo comunga de tal entendimento:

“A conciliação não pode e não deve ser prioritariamente vista como forma de desafogar o Poder Judiciário. Ela é desejável essencialmente porque é mais construtiva. O desafogo vem como consequência, e não como a meta principal. Essa constatação é importante: um enfoque distorcido do problema pode levar a resultados indesejados. Vista como instrumento de administração da máquina judiciária, a conciliação passa a ser uma preocupação com estatísticas. Sua recusa pelas partes-direito mais do que legítimo- passa a ser vista como uma espécie de descumprimento de um dever cívico e, no processo, pode fazer com que se tome como inimigo do Estado aquele que não está disposto a abrir mão de parte do que entende ser seu direito. Daí a reputar a parte intransigente como litigante de má-fé vai um passo curto.

Isso é a negação da garantia constitucional da ação e configura quebra do compromisso assumido pelo Estado de prestar justiça. Esse mesmo Estado proíbe que o cidadão, salvo raras exceções, faça justiça pelas próprias mãos”. – grifei.

Não se olvide, que, para muitos doutrinadores, tais como CAPPELLETI (1994, p. 89), os métodos alternativos de solução de conflitos seriam uma “justiça de segunda classe”, que oferece riscos decorrentes da ausência de uma autoridade julgadora imparcial e independente:

“O risco, obviamente, é o de que a alternativa só proporcione uma justiça de segunda classe, porque é quase inevitável que faltem aos julgadores nos tribunais alternativos, pelo menos em parte, as salvaguardas de independência e treino de que dispõem os Juízes ordinários. E aos próprios procedimentos poderiam faltar, pelo menos em parte, as garantias formais de equidade processual que são típicas do procedimento ordinário” – grifei.

Entretanto, entendemos que a conciliação e a mediação são instrumentos poderosos, cujos resultados práticos oferecem dados mais satisfatórios do que uma decisão judicial, sendo mais benéficos também do ponto de vista da satisfação das partes, da celeridade e da economicidade.

Desse modo, a redução do número de conflitos judicializados será uma consequência inevitável da futura formação de uma cultura brasileira de utilização desses institutos alternativos de solução de controvérsias.

CONCLUSÃO

O Código de Processo Civil atual preconiza e privilegia a solução consensual dos conflitos, prevendo, a todo momento, a utilização da conciliação e da mediação, em atendimento aos princípios constitucionais da eficiência e da celeridade.

Na conciliação, há a solução do conflito por autocomposição, mediante atuação de conciliador, sendo que, em geral, não há vínculo anterior entre as partes e o conciliador apresenta propostas e sugere soluções, analisando aspectos objetivos do conflito.

Na mediação, também há a solução do conflito por autocomposição, porém, mediante a atuação do mediador, havendo, em geral, vínculo anterior entre as partes. O mediador analisa aspectos subjetivos no conflito e estimula as partes a elas próprias encontrarem a melhor solução. O acordo gera título executivo extrajudicial, sendo necessária a homologação do juiz para transformar o título em judicial.

Na arbitragem, por seu turno, ocorre a solução do conflito por heterocomposição e a decisão do litígio é atribuída pelas partes a pessoa neutra e imparcial, chamada árbitro, havendo título executivo judicial, que independe de homologação judicial.

O estudo da conciliação e da mediação não pode ser feito isoladamente, uma vez que há um verdadeiro microssistema jurídico envolvido, composto pela Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, pela Lei de Mediação e pelo atual Código de Processo Civil. Frise-se que, no caso de conflito entre o Código de Processo Civil e a Lei de Mediação, prevalece esta última, por ser norma posterior e especial.

A audiência de conciliação e mediação tem previsão no art. 334 do Código de Processo Civil, sendo obrigatória a realização mesmo que o autor opte pela sua não realização e/ou as partes manifestarem expressamente desinteresse na composição consensual, visto que, nesse ponto, prevalece a Lei de Mediação. Logo, a audiência inaugural de mediação será obrigatória se a petição inicial preencher os requisitos iniciais e não for caso de improcedência liminar do pedido.

Por fim, defendemos a utilização dos métodos alternativos de solução de controvérsia previstos no atual CPC como instrumentos de facilitação da desjudicialização e da implementação do princípio da eficiência, que possuem por consequência – e não causa – a redução dos processos no Poder Judiciário.

BIBLIOGRAFIA

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Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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