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REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO: Salário pode ser proporcional à jornada reduzida

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DECISÃO: TRT3MG – Se o empregado é contratado para cumprir jornada reduzida inferior à previsão constitucional de oito horas diárias ou 44 semanais, nada impede que o empregador pague o piso salarial ou o salário mínimo proporcional ao tempo trabalhado. Nesse sentido dispõe a Orientação Jurisprudencial nº 358 da SDI-1 do TST, aplicada ao caso de um vigilante que foi contratado para cumprir jornada parcial, mas pretendia receber o piso integral da categoria. Após ter seu pedido de diferenças salariais negado em 1ª instância, ele recorreu ao TRT de Minas, mas não conseguiu reverter a decisão.

Acompanhando voto do desembargador Oswaldo Tadeu Barbosa Guedes, a 5ª Turma negou provimento ao recurso, por entender que a reclamada não praticou qualquer irregularidade na forma de contratação do reclamante. Em seu voto, o relator observou que o vigilante cumpria jornada de cinco horas diárias e 25 horas semanais, recebendo 150 horas fixas mensais. Por simples cálculos matemáticos, o julgador apurou que o salário era proporcional ao piso salarial da categoria, para o trabalho em 220 horas mensais.

O magistrado lembrou que o artigo 58, caput, da CLT proíbe que a duração normal de trabalho dos empregados em qualquer atividade privada exceda oito horas diárias, mas não restringe o tempo de trabalho inferior a isso. Ele apontou que o parágrafo 1º do artigo 58-A prevê que o salário dos trabalhadores sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral.

A decisão rejeitou a aplicação do parágrafo 2º do artigo 58-A, invocada pelo reclamante. O dispositivo, com a redação dada pela MP nº 2.164/01, prevê que “Para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva”. De acordo com o relator, a situação é diferente, pois o reclamante já foi admitido para cumprir jornada parcial e receber salário por hora.

Acompanhando esse entendimento, a Turma de julgadores negou provimento ao recurso e confirmou a sentença que indeferiu as diferenças salariais pedidas pelo trabalhador.


FONTE: TRT3-MG, 23 de novembro de 2015.

ROMPIMENTO DE BARRAGEM: Ação contra mineradoras deve seguir na Justiça estadual

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O desembargador Afrânio Vilela deu provimento a um recurso (agravo de instrumento) interposto pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) e determinou que a ação civil pública ajuizada pelo núcleo contra a Samarco Mineração S.A., Vale S.A. e BHP Billiton Brasil Ltda. tenha curso perante o poder Judiciário de Minas Gerais, sob a competência da 2ª Vara Cível da Comarca de Ponte Nova.

Em primeira instância, a magistrada responsável pelo processo declinou da competência para a apreciação e o julgamento dos pedidos e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal, subseção de Belo Horizonte, por entender que os danos pelos quais se busca reparação ultrapassam a esfera local, alcançando os planos regional e nacional. O desembargador entendeu, entretanto, que a causa deve seguir na esfera estadual, uma vez que ainda não houve o efetivo ingresso em um dos polos da demanda de qualquer ente que componha a estrutura federal. Como a decisão do magistrado tem como respaldo uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pôde ser realizada monocraticamente, ou seja, por um único desembargador, relator do agravo de instrumento.

Conflito

A Nacab alegou não ter como objetivo discutir todos os impactos ambientais causados pelo desabamento da barragem de propriedade da Samarco, mas sim aqueles nos limites dos municípios de Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova. Defendeu ainda que destinar a ação à capital representa empecilho ao acompanhamento do feito, enfatizando também que não há interesse da União em razão da matéria, mesmo que os pedidos de condenação e de recuperação ambiental formulados em primeira instância integrem expedientes ajuizados e adotados pelo Ministério Público Estadual e Federal, o que, de todo modo, não retira a competência da Comarca de Ponte Nova para o julgamento.

Na decisão que remetia o processo à Justiça Federal, a juíza ponderou que, uma vez que a bacia do Rio Doce, afetada pelo rompimento, banha os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, haveria interesse da União no caso concreto, sendo, então, competência da justiça federal. Para o desembargador Afrânio Vilela, no entanto, a questão dos impactos e danos ambientais, por si só, não gera presunção absoluta de existência de interesse da União.

Para sua decisão, o magistrado destacou um voto do ministro Herman Benjamin, do STJ, no Agrg.REsp. 1355138/CE , que tratava da competência para o julgamento de uma ação civil pública que visava a reparação de danos ambientais ocorridos no Parque Nacional de Jericoacoara, no Ceará, cuja administração é de responsabilidade do Ibama. Em consonância com o voto do ministro, o desembargador Afrânio Vilela disse que “não cabe neste tempo inicial da demanda ao Judiciário Estadual manifestar de ofício sobre e já definindo o interesse da União da lide, quando a regra é exatamente a manifestação pró-ativa deste Ente”, o que, no caso da ação interposta pelo Nacab, não ocorreu.

Assim, o desembargador decidiu conforme a Súmula 150 do STJ, que diz que “compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”, concluindo que, apenas após a manifestação de interesse pela União, justifica-se o deslocamento da competência para Justiça Federal.

Com esse entendimento, o desembargador determinou o prosseguimento do processo na 2ª Vara Cível de Ponte Nova.


FONTE: TJMG, 24 de novembro de 2015.

PATERNIDADE BIOLÓGICA: Tribunal confirma opção de jovem por paternidade biológica e não a socioafetiva

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DECISÃO: TJSC – A 5ª Câmara de Direito Civil do TJ confirmou decisão que autorizou um jovem a alterar sua paternidade no registro de nascimento, com a inclusão da biológica em detrimento da afetiva. Segundo os autos, a mãe do autor pediu a um amigo que o registrasse como seu filho, já que fruto de um relacionamento extraconjugal, para evitar que ele ficasse sem pai nos assentos oficiais.

Com o passar do tempo, entretanto, as semelhanças com o pai biológico ficaram evidentes e, mediante exame de DNA, foi comprovada a paternidade, daí o pleito para alteração no registro e pagamento de alimentos. Em apelação, o réu alegou que não teve relacionamento estável com a genitora, nunca foi informado da possibilidade de ser pai e não tem vínculo socioafetivo com o adolescente. Contudo, segundo o relator da matéria, desembargador Henry Petry Júnior, há indícios suficientes de que o homem tem condições de assumir o papel de pai e tomar frente nas obrigações com o filho.

“Não há que se falar em preponderância da paternidade registral por força da socioafetividade – a qual, ademais, inexiste -, diante do direito do próprio autor (filho) buscar a sua ascendência biológica. Comprovada a paternidade do segundo réu mediante exame de DNA, ainda que ausente qualquer vínculo afetivo […], é de se proceder à correspondente alteração no registro civil do postulante”, concluiu Petry. A decisão foi unânime.


FONTE: TJSC, 25 de novembro de 2015.

DISPENSA INJUSTA: Turma condena empresa a reintegrar fiandeira dispensada após tratamento de câncer

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A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou à Fiação de Seda Bratac S.A. a reintegração de uma fiandeira dispensada sem justa causa um dia após retornar de afastamento concedido pelo INSS para tratamento de câncer. De acordo com os ministros, a rescisão do contrato teve caráter discriminatório e afrontou os princípios da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da proteção ao trabalhador.

A fiandeira pediu, na 7ª Vara do Trabalho de Londrina (PR), a anulação da dispensa e o retorno às suas atividades na Bratac, com o pagamento dos salários desde a data da despedida até a reintegração. Ela relatou que o câncer de útero foi diagnosticado e comunicado à empresa em novembro de 2010. Em abril do ano seguinte, afastou-se pelo INSS até 25/8/2011. Quando retornou ao trabalho, no dia 26, recebeu o comunicado da dispensa.

Para a ex-empregada, a indústria agiu de forma discriminatória, porque a demissão não teve motivo disciplinar, técnico ou econômico, e o exame médico feito no momento da despedida a considerou apta para desempenhar as tarefas. A Bratac, por outro lado, afirmou ser direito do empregador a rescisão imotivada, que, nesse caso, ocorreu devido a questões econômicas, inclusive com a paralisação de suas atividades.

O juízo de primeiro grau julgou procedentes os pedidos da fiandeira e considerou discriminatória a conduta da Bratac, por ela não ter apresentado justificativa suficiente para afastar a presunção de que a despedida de empregado submetido à enfermidade intensa é abusiva. O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR), no entanto, absolveu a empresa. Segundo o TRT, a trabalhadora era quem deveria ter provado a discriminação.

TST

O relator do recurso da fiandeira ao TST, ministro Renato de Lacerda Paiva, restabeleceu a sentença. Para ele, o direito do empregador de despedir imotivadamente não pode se sobrepor a princípios constitucionais básicos, como a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e o desenvolvimento da sociedade, sem preconceito ou discriminação, “principalmente diante do contexto histórico atual, no qual ganham força políticas afirmativas de inclusão de grupos minoritários, inclusive o de pessoas com doenças graves”, disse.

Renato Paiva afirmou ser evidente que a única razão da dispensa foi a intenção da empresa de não contar mais com a trabalhadora submetida a severo tratamento médico. Ele aplicou ao caso a Súmula 443 do TST, que presume discriminatória a despedida de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito. Segundo o ministro, cabia à empresa provar os motivos econômicos da dispensa para afastar essa presunção. O processo retornará ao TRT-PR para análise de pedido no sentido de converter a reintegração em indenização.

A decisão foi unânime. Processo: RR-1269-50.2011.5.09.0863


FONTE: TST, 25 de novembro de 2015.

MOROSIDADE CONDENADA: Razoável duração do processo se aplica no âmbito administrativo, decide STF

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Na sessão desta terça-feira (24), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, deu parcial provimento ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 28172 para determinar ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) que aprecie, em até 30 dias, recurso administrativo contra decisão que cassou o certificado de entidade beneficente de assistente social do Serviço Social do Distrito Federal (Seconci-DF). Relatora do RMS, a ministra Cármen Lúcia destacou que a garantia constitucional à duração razoável do processo também deve ser assegurada no âmbito administrativo.

Depois de ter seu certificado cassado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão vinculado ao MDS, o Seconci-DF recorreu administrativamente da decisão, além de requerer a concesssão de efeito suspensivo ao recurso. De acordo com os autos, em razão da ausência de deliberação pela autoridade administrativa, a entidade impetrou mandado de segurança no STJ pedindo a concessão de efeito suspensivo ao recurso. A corte superior, contudo, assentou a inexistência de direito líquido e certo no caso. Com a negativa do pedido, a entidade recorreu ao STF.

Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia explicou que o STF não pode, em sede de mandado de segurança, verificar as condições pelas quais foi ou não concedido o certificado. No RMS, entretanto, revelou a relatora, além de pedir a concessão da ordem para que se reconheça o direito, o Seconci-DF também pediu que o Supremo determine o julgamento do recurso administrativo. O recurso, salientou a ministra, está parado desde junho de 2011.

A ministra destacou que se deve aplicar ao caso o artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988. “A razoável duração do processo vale judicial e administrativamente e, neste caso, realmente, tem razão a insurgência”, frisou a ministra, uma vez que, segundo os autos, o processo está parado há quatro anos no âmbito da administração, que pode analisar e eventualmente rever as condições para concessão do certificado.

Assim, a ministra votou no sentido de dar parcial provimento ao recurso e conceder a ordem para que a autoridade administrativa decida, motivadamente, dentro de até 30 dias, o pleito do Seconci-DF.


FONTE: STF, 24 de novembro de 2015.

MULTA CONTRATUAL EXCESSIVA: Multa excessiva em cláusula penal de contrato deve ser reduzida, não declarada nula

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A multa excessiva prevista em cláusula penal de contrato deve ser reduzida a patamar razoável, não podendo ser simplesmente declarada nula. O entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar disputa entre uma administradora de cartões de crédito e uma empresa de locação de banco de dados, em contrato de locação de banco de dados cujo processo de filtragem utiliza o método merge and purge.

O relator é o ministro Villas Bôas Cueva. A multa contratual foi estipulada em valor superior ao da obrigação principal. Para o magistrado, constatado o excesso da cláusula penal, o juiz deve reduzi-la conforme as obrigações cumpridas, observadas a natureza e a finalidade do contrato.

A administradora de cartões alugou o banco de dados para realizar ações de marketing por telefone e mala-direta. O contrato foi baseado na adoção do processo de filtragem denominado merge and purge (fusão e expurgo), que consiste no cruzamento de dados, de modo a eliminar duplicidade de registros.

Duplo cruzamento

No caso, a administradora cruzou seu banco de dados com o de seus clientes e, posteriormente, com o banco de dados do Serasa para evitar contato com consumidores negativados. Isso reduziu os 3,2 milhões de nomes locados para 1,8 milhão, no primeiro cruzamento, e depois para 450 mil, na segunda filtragem. A empresa de locação do banco de dados sustentou que o duplo cruzamento não teria sido autorizado em contrato. O pagamento seria por cada nome utilizado.

O ministro afastou a alegação da administradora de cartões de que se trataria de contrato de adesão, elaborado unilateralmente, e de que haveria ambiguidade nas cláusulas. Para Villas Bôas Cueva, a inexistência de cláusulas padronizadas, o objeto singular do contrato (locação de banco de dados), a adoção do método de filtragem merge and purge, o valor estipulado e outras peculiaridades afastam o caráter impositivo e unilateral da avença. Assim, não deve ser aplicado o disposto no artigo 423 do Código Civil.

Quanto à multa contra a administradora de cartões, a turma reconheceu a obrigação do pagamento de 20% do valor da condenação, que foi de aproximadamente R$ 400 mil. A condenação corresponde à extensão das obrigações não cumpridas, isto é, o pagamento pelos dados de pessoas efetivamente utilizados e a indiscutível dúvida sobre o alcance da cláusula que estabeleceu o método merge and purge.


FONTE:  STJ, 25 de novembro de 2015.

O poder dos precedentes judiciais no CPC/2015

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Resumo: O texto apesar de extenso vem expor de forma didática a existência, formação e poder dos precedentes judiciais principalmente em face do CPC de 2015. Não se furtou a trazer as razões históricas e ainda apontar a formação de um sistema híbrido resultado de uma simbiose evolutiva de todos os sistemas jurídicos existentes.

Palavras-chaves: Jurisprudência. Precedentes Judiciais, CPC/2015, CPC/1973 e CF/1988.
Abstract: The text comes despite extensive expose in a didactic way the existence, training and power of judicial precedents especially in the face of the CPC 2015. Do not stole to bring the historical reasons and also point out the formation of a hybrid result of an evolutionary symbiosis system all legal systems.

Keywords: Jurisprudence. Judicial precedents, CPC / 2015 CPC / 1973 and CF / 1988.

 

É sabido que nosso país se filia ao sistema jurídico essencialmente baseado na civil law, mas já é possível observar que os precedentes judiciais[1] gradativamente vêm sendo adotados pela legislação processual civil brasileira com o objetivo de conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados e empreender maior celeridade ao trâmite processual.

Por outro lado, o sistema do common law vem sofrendo também gradativas modificações, se aproximando cada vez mais do stare decisis e, também do civil law.

Percebe-se claramente que o CPC/2015 veio aproveitar os fundamentos do common law e do stare decisis com o fito de privilegiar a busca pela uniformização e estabilização da jurisprudência pátria e garantir a efetividade do processo, particularmente das garantias constitucionais.

A notória filiação pátria à Escola da Civil Law, assim como dos países de origem romano-germânica traduz que a lei é considerada a fonte primária do ordenamento jurídico e, ipso facto, o instrumento apto e cabal para solucionar as controvérsias levadas ao conhecimento do Poder Judiciário.

Em geral as jurisdições do civil law são organizadas preponderantemente com o objetivo de aplicar o direito escrito, ou seja, o direito positivado. Os adeptos do sistema do civil law consideram que o juiz é o intérprete e aplicador da lei, porém, não lhe reconhece os poderes de criador do direito. Assim se verifica que as balizas legais e técnicas, da faculdade criadora dos juízes que laboram no sistema da civil law são bem mais restritas e limitadas do que ocorre no sistema da common law.

Há em análise desses sistemas jurídicos, um embate que procura responder se o juiz descobre ou cria[2] o direito?

Mas é importante que não se confunda o common law com o stare decisis (o da força obrigatória dos precedentes). Afinal, se para a teoria declaratória da jurisdição (onde se prevê que o direito é descoberto), por outro lado, para a teoria constitutiva da jurisdição (onde se prevê que o direito é criado), percebe-se nitidamente que advogam posições ideológicas e conceituais bem distintas e diametralmente opostas.

As jurisdições do civil law visam aplicar o direito positivo, onde o juiz é intérprete e aplicador da lei, mas não um criador do Direito.

O princípio da legalidade estampado no texto constitucional brasileiro vigente comprova a existência do sistema legal adotado ao estabelecer que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.   O referente princípio que visa proteger o indivíduo em face do Estado, legitimando-se apenas as imposições que respeitem as leis previamente estabelecidas no ordenamento jurídico, e também serve como de instrumento norteador da atividade jurisdicional.

Com a adoção do sistema do stare decisis, há de se repensar a compreensão do termo “lei” empregado na CF/1988 que significa não apenas as espécies legislativas, agora, em razão da força obrigatória dos precedentes judiciais. Precisamos conceituar o precedente judicial principalmente em razão do status da Corte que o firmou, tem cogência prevista pelo próprio ordenamento jurídico.

Apesar de ser a lei a fonte primária do Direito, não é possível admitir a existência de um Estado absolutamente ou exclusivamente legalista. Posto que a sociedade em sua dinâmica evolutiva passe por várias modificações e que não são acompanhadas pela lei ou pelo legislador. Seja porque este não é capaz de prever a solução para todas as situações concretas e futuras submetidas ao crivo judicial.

E, não se pode admitir um ordenamento jurídico dissociado de qualquer interpretação jurisdicional. Também não se pode abdicar da segurança jurídica proporcionada pelo ordenamento previamente positivado (típico do positivismo jurídico). Por essas razões, naturalmente esses dois sistemas se avizinham.

Os países de cultura anglo-saxônica cada vez mais legislam e positivam regras por meio da lei e, em contrapartida, os países de tradição romano-germânica estabelecem crescentemente a força obrigatória dos precedentes judiciais.

Tal aproximação dos sistemas, quiçá simbiose, particularmente no que tange ao civil law em referência ao stare decisis é notada pela doutrina contemporânea, principalmente pelo ilustre doutrinador Luiz Guilherme Marinoni.

Que destaca explicitamente que o papel do atual juiz no civil law, e do juiz brasileiro, a quem é deferido o dever-poder de controlar a constitucionalidade da lei no caso concreto, muito se aproxima da função exercida pelo juiz no common law, e, particularmente, a realizada pelo juiz norte-americano.

O sistema common law ou anglo-saxão distingue-se do civil law especialmente em razão das fontes de Direito. No civil law, o ordenamento jurídico substancia-se principalmente em leis, abrangendo os atos normativos em geral, como decretos, resoluções e medidas provisórias, etc.

No sistema anglo-saxão[3]···, os juízes e tribunais se espelham principalmente nos costumes e, com base no direito consuetudinário, julgam o caso concreto, cuja decisão, por sua vez, poderá constituir-se em precedente para julgamento de casos futuros. Esse respeito ao passado que é inerente à teoria declaratória do direito e, é desta que se extrai a noção de precedente judicial.

No civil law, apesar da primazia das leis, há espaço para os precedentes judiciais. A diferença[4] é que no civil law, de regra, o precedente tem a função de orientar a interpretação da lei, mas necessariamente não obriga o julgador a adotar o mesmo fundamento da decisão anteriormente proferida e, que tenha como base uma situação jurídica semelhante.

Contudo, cada vez mais, o sistema jurídico brasileiro assimila a teoria do stare decisis. E, já não eram poucas ocorrências previstas no CPC/1973 que compeliram os juízos inferiores a aplicar os julgamentos dos tribunais, notadamente do STF e do STJ.

Basta lembrarmo-nos das súmulas vinculantes, o julgamento em controle abstrato de constitucionalidade e o julgamento de recursos repetitivos. E, agora no Código Fux tal vinculação é plenamente reforçada. Pois a aplicação dos precedentes judiciais advindos do julgamento do incidente de demandas repetitivas e do incidente de assunção de competência (vide arts. 496, I,art.926, §2º, art. 927,§5º do CPC/2015).

Afinal, a igualdade, a coerência[5], a isonomia, a segurança jurídica e, ainda, a previsibilidade das decisões judiciais constituem as principais justificativas para a adoção do stare decisis, ou seja, o sistema da força obrigatória dos precedentes judiciais.

Não se pode negar a quebra dos princípios acima mencionados pelo fato de que situações juridicamente idênticas sejam julgadas de maneiras distintas por órgãos de um mesmo tribunal, também não se pode fechar os olhos à constatação de que também a pura e simples adoção do precedente e principalmente em razão da repentina mudança de orientação jurisprudencial seja capaz mesmo de causar uma grave insegurança jurídica[6].

Elpídio Donizetti exemplifica: Uma vez celebrado o negócio jurídico sob a vigência de determinada lei, não poderá a lei posterior retroagir, para alcançar o ato jurídico perfeito e acabado, exatamente porque celebrado em conformidade com o ordenamento em vigor. Esse é o sentido que se tem até presentemente emprestado à disposição do inciso XXXVI do art. 5º da CF/88.

Em decorrência da força obrigatória dos precedentes judiciais, as pessoas devem consultar a jurisprudência antes da prática de qualquer ato jurídico, uma vez que a conformidade com as normas, na qual se incluem os precedentes judiciais também deve ser verificada. O que constitui pressuposto para que o ato jurídico seja reputado perfeito. As cortes de justiça, por seu lado, ao julgar, por exemplo, a validade de um ato jurídico, terá que verificar a jurisprudência imperante à época. Portanto, tempus regit actum.

Afinal não podemos comparar a busca pela tutela jurisdicional com um jogo de loteria, como também é preciso compatibilizar a força dos precedentes judiciais e a necessidade premente de individualização do Direito.

Se existir fundamento suficiente para afastar um entendimento jurisprudencial já consolidado, deve então o magistrado exercer plenamente o seu livre convencimento, sem qualquer vinculação aos julgamentos anteriores. Caso contrário, será necessário que se busque, preferencialmente junto aos tribunais superiores, a interpretação uniformizada sobre o tema. Aliás, pode haver precedente com força cogente, de modo que o juiz dele não possa se afastar.

Os seguidores do civil law difundiram a noção de que a segurança jurídica estaria necessariamente atrelada à observância pura e simples da lei. A subordinação e a vinculação do juiz à lei constituiriam, portanto, as metas necessárias à concretização desse ideal.

A lei pode ser interpretada de vários modos, inclusive a partir de percepções morais do próprio julgador, não se mostra suficiente a assegurar aos jurisdicionados a mínima segurança jurídica que se espera de um Estado Democrático[7] de Direito.

O que se pretende, então, com a adoção de um sistema de precedentes judiciais, é oferecer soluções idênticas para casos concretos idênticos e decisões semelhantes para demandas que possuem o mesmo fundamento jurídico, evitando assim, a utilização excessiva de recursos e o aumento desmedido na quantidade de demandas.

É relevante frisar que a formação do precedente ocorre apenas pela razão de decidir do julgado, ou seja, sua ratio decidendi.  Noutros termos, os fundamentos que sustentam os pilares de uma decisão é que podem ser invocados em julgamentos posteriores.

As circunstâncias fáticas que embasaram a controvérsia e que fazem parte do julgado, não têm o condão de tornar obrigatória e persuasiva a norma criada para o caso concreto.

Afora isso, os argumentos acessórios elaborados para o deslinde da lide (obter dictum[8]) não podem ser usados com força vinculativa por não terem sido determinantes para a decisão e, nem as razões do voto vencido e os fundamentos que não foram adotados ou referendados pela maioria do órgão colegiado.

Por essa razão, parece-me elogiável a supressão dos embargos infringentes realizada pelo CPC/2015 que como recurso já houvera desaparecido em terras lusitanas (a partir do CPC Português de 1939), vindo a introduzir uma nova técnica de julgamento para o acórdão não unânime. Quando se simplificou o procedimento, dispensando-se o ato de recorrer e, ainda, haver prazo para as contrarrazões e nem discussões sobre o cabimento dos embargos infringentes. Pois, havendo divergência, simplesmente o processo prossegue, havendo a ampliação do quórum e a continuidade do julgamento.

Na praxe forense brasileira, o uso de voto vencido para fundamentação de um pedido ou mesmo de trechos de ementas sem qualquer vinculação à tese jurídica que solucionou a controvérsia originária, não pode servir de subsídio ao magistrado no julgamento de casos supostamente semelhantes.

Não é raro encontrar petições, invocando decisões consolidadas como fundamentação para casos que não possuem qualquer semelhança com precedente invocado. Assim, não é raro também encontrarmos juízes que premidos, pela pregação em prol da eficiência e da celeridade processual, lancem em suas decisões, trechos de acórdãos de tribunais superiores sem justificar devidamente o porquê da aplicação da mesma tese jurídica.

Portanto, é importante e necessário, antes que se promova a total familiarização com o sistema de precedentes judiciais no Brasil, que identifiquemos a compreensão do tema entre os operadores do direito e que se dê condições ao magistrado para que este exerça o seu livre convencimento sem a costumeira preocupação com metas; mas sim, com o critério de justiça adotado e com a necessária qualidade de seus julgados.

É verdade que alguns precedentes possuem autêntica eficácia normativa e, portanto, devem ser obrigatoriamente observados pelos magistrados.  O sistema do stare decisis entendido como precedente de respeito obrigatório corresponde à norma criada por decisão judicial e, que, em face do status do órgão que a criou, deverá ser obrigatoriamente respeitada e acatada pelos órgãos de grau inferior.

E pressupõe simultaneamente uma atividade constitutiva da jurisdição (como a de quem cria a norma) e a atividade declaratória, destinada aos julgadores que tem o dever de seguir fielmente o precedente judicial em suas decisões.

Vige de certa forma no Brasil o stare decisis, pois o STF e o STJ além de terem o poder de criar a norma (teoria constitutiva da jurisdição, criadora do direito), os juízes inferiores também têm o dever de aplicar o precedente judicial criado por essas Cortes (concretizando assim a teoria declaratória). Adotamos pois uma bipolaridade quanto ao sistema de precedentes judiciais, pois ora somos criadores do direito e ora somos apenas aplicadores e descobridores do direito.

Deve-se observar que a atividade do STF e do STJ não está de forma nenhuma vinculada ao direito consuetudinário[9] (conforme vige no common law). Não há obrigatoriedade de respeito ao direito dos antepassados, tal como ocorre no sistema britânico[10]. Exatamente nesse ponto é que se diferencia o nosso ordenamento do sistema jurídico anglo-saxão.

Aplica-se de forma mitigada, no ordenamento pátrio, o stare decisis, porém desvinculado da noção de que o juiz deva apenas declarar o direito advindo do precedente judicial firmado em momento anterior, obviamente com os acréscimos decorrentes de circunstâncias fáticas diversas.

Nos países de tradição britânica podemos afirmar que o juiz, em suas decisões, deve respeitar o passado, o que perfaz a natureza declaratória da atividade jurisdicional. Assim pode haver o common law sem necessariamente haver o stare decisis, ou seja, a força obrigatória dos precedentes judiciais, e vice-versa.

O respeito ao common law em sua pátria de origem é mais visível e palpável, enquanto que nos EUA[11], o stare decisis é mais crasso e onipotente, sem tanto comprometimento com o direito dos antepassados, o que se justifica por razões políticas e históricas.

O stare decisis é relativamente novo enquanto teoria. Já o common law é antigo. E, os juízes que operaram nesse sistema sempre tiveram que respeitar o direito costumeiro, mas apenas de uns tempos para cá, é que passaram então a obedecer aos precedentes judiciais. E, isso não implica obviamente, que os referidos juízes não possam superar tais precedentes judiciais.

A evolução do common law e principalmente em razão da grande conveniência trazida pela uniformização de decisões judiciais (ou seja, de prover decisões iguais para casos idênticos) culminou então com a força normativa dos precedentes judiciais.

Igualmente no sistema civil law o mesmo fenômeno fora observado, onde o fato de haver a utilização de precedentes judiciais, não tem como consequência a revogação das leis já existentes.  Afinal, reconhece-se que a atividade dos juízes e tribunais é interpretativa e não legislativa.

Por mais que exista a omissão normativa ou que a lei preexistente não vem atender às particularidades do caso concreto, o Judiciário não poderá se substituir ao Legislativo. Nem mesmo nos casos de mandado de injunção, aonde só vem materializar a garantia constitucional já previamente existente embora em cunho genérico e não regulamentado.

Na prática, contudo, não é o que se verifica.  Em nome de certos princípios, aplicados sem qualquer explicação para sua incidência no caso concreto, o julgador se afasta constantemente da lei, criando com suas decisões verdadeiras normas jurídicas.

Os precedentes vinculantes não devem ser aplicados de qualquer forma pelos magistrados. É preciso que seja realizada uma comparação entre o caso concreto e a ratio decidendi da decisão paradigmática. É necessário considerar as peculiaridades de cada caso concreto submetido ao crivo judicial, e, assim, atentar se o caso-paradigma possui realmente alguma semelhança com aquele que está sendo analisado.

A partir dessa comparação, na teoria dos precedentes[12], havendo dissonância que recebe o nome de distinguishing, ou seja, perfazendo a distinção. É usado o método do confronto pelo qual o juiz, verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma.

Se não existir similitude e nem coincidência entre os fatos discutidos na demanda e a tese jurídica que subsidiou o precedente judicial, ou, ainda, se houver alguma peculiaridade no caso concreto que afaste a aplicação da ratio decidendi daquele precedente, o magistrado poderá se ater a hipótese sub judice, sem se vincular ao precedente judicial e nem ao julgamento anterior.

No sistema britânico[13] o juiz embasará suas decisões no direito costumeiro. Mas, no Brasil, o julgador prioritariamente deverá aplicar o precedente com força obrigatória mas de forma fundamentada. Frisando que a fundamentação deverá atender ao disposto no art. 489 do CPC/2015.

Não existindo o precedente judicial ou, sendo o caso de distinção do precedente invocado, deve-se aplicar a lei, não sem antes fazer o confronto com os princípios constitucionais. Pois no caso de obscuridade ou lacuna da lei, deverá se recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito (art. 140 do CPC/2015). E só decidirá por equidade[14] apenas nos casos previstos em lei.

Não obstante a ideia de obrigatoriedade dos precedentes judiciais, estes não devem ser invocados em toda e qualquer situação. Pois muitos fatos não guardam relação de semelhança e nem de similitude, mas exigem a mesma conclusão jurídica. Em outros fatos, porém, apesar de até existir a similitude, a peculiaridade do caso concreto o torna substancialmente diferente.

Portanto, mesmo diante de um precedente judicial vinculante, poderá o julgador laborar o distinguish do caso concreto que lhe é submetido, buscando, assim, a individualização do direito.

O mais relevante nessa distinção é que exista a motivação eficiente e explicativa (ou seja, adequada e específica) conforme propõe o art. 93, IX da CF/88. Essa motivação significa que as decisões judiciais não devem apenas se reportar aos dispositivos da lei, e aos conceitos abstratos e abertos e, nem a súmulas ou ementas de julgamento.

As decisões devem expor os elementos fáticos e jurídicos onde o magistrado se apoiou para decidir. E, nessa fundamentação deve ainda o julgador identificar exatamente as questões que considerou como essenciais e fulcrais para o deslinde da causa. Principalmente quanto à tese jurídica escolhida.

Porque a fundamentação se erige como norma geral, um modelo de conduta para toda a sociedade, principalmente para os indivíduos que nunca participaram daquele processo e, também para os demais órgãos do Judiciário, haja vista ser legitimamente a conduta presente.

É coerente afirmar que a atividade interpretativa do juiz não encontra fundamento apenas na lei. É evidente que os princípios e entendimentos jurisprudenciais sejam exemplos tomados habitualmente pelos magistrados, principalmente no momento de proferir a decisão. E, até no momento de escolher a tese jurídica a ser adotada.

Porém, a atividade interpretativa do julgador seja em razão da realidade ou apenas da evolução[15] tende a se modificar ao passar dos anos. E, a necessidade de sistematização dos princípios, se faz para erigir uma conexão com outras normas presentes e vigentes no ordenamento jurídico, e que confirmam as formas que possibilitam a mudança no sentido interpretativo jurídico.

Ainda que se deseje do Judiciário que as soluções sejam dotadas de maior segurança jurídica, coerência, celeridade e isonomia, não há como mumificar os órgãos jurisdicionais, no sentido de vincular ad aeternum a aplicação de determinado entendimento ou precedente judicial.

Por essas razões é que a doutrina bem amparada pelas teses norte-americanas professa a adoção de técnicas de superação dos precedentes judiciais. O overruling é técnica distinta do distinguishing, na medida em que este se caracteriza pelo confronto do caso à ratio decidendi do paradigma, visando aplicar ou afastar o precedente, enquanto que aquele corresponde à revogação ou superação do entendimento paradigmático consubstanciado no precedente.

Através do overruling[16] o precedente é revogado ou superado em razão da modificação dos valores sociais, dos conceitos jurídicos, da tecnologia ou mesmo, em virtude de erro gerador de instabilidade em sua aplicação.

O paradigma escolhido se aplicaria ao caso concreto sob julgamento, contudo, em face desses fatores, não há conveniência na preservação do precedente judicial. Além de revogar o precedente, o órgão julgador terá que construir uma nova posição jurídica para aquele contexto, a fim de que as situações geradas pela ausência ou insuficiência da norma não volte acontecer.

Ressalve-se que somente o órgão judicial legitimado poderá proceder à revogação do precedente. Desta forma, um precedente da Suprema Corte somente por esta Corte poderá ser revogado, e o mesmo, ocorre com os precedentes do STF e do STJ.

Há de se lembrar de que o art. 15 do CPC/2015 explicita que o processo civil regerá as questões de direito público. Então, quando cogitamos de processo civil que vai dar solução para lides públicas, eleitorais trabalhistas e administrativas. Logo, os poderes dos precedentes judiciais extrapolam ao processo civil e chega ao âmbito das relações privadas, indo mesmo atingir preciosas questões do direito público.

Quando um precedente judicial já se encontra consolidado, no sentido de os tribunais terem decidido de forma reiterada em determinado sentido, a sua superação não deveria ter eficácia retroativa, porque todos os jurisdicionados que foram beneficiados pelo precedente superado agiram de boa-fé, confiando na orientação jurisprudencial então pacificada.

Infelizmente, essa não é regra vigente em nosso sistema. Na aplicação do tempus regit actum considera-se tão somente a lei em sentido estrito, que era vigente à época do ato jurídico, e não propriamente a jurisprudência.

Em face da adesão ao stare decisis, há que se repensar essa prática, pois há de se fazer uma releitura do dispositivo constitucional que é garantidor da segurança jurídica. Sob pena de abalar tal precioso valor.

Desta forma, no Brasil, se ocorrer a revogação de um precedente judicial e ocorrer a construção de uma nova tese jurídica, esta passará a reger as relações constituídas anteriormente à decisão revogadora – é o que se denomina retroatividade plena – sem levar em conta a jurisprudência dominante à época do aperfeiçoamento do ato jurídico?

Respeitam-se tão somente as relações jurídicas acobertadas pela coisa julgada material e, às vezes a travestida de direito adquirido, esquecendo-se que tais garantias gozam de igual status constitucional. As normas em sentido lato do tempo da constituição do ato é que devem reger o ato, e não apenas a lei.

E, por cogitar em coisa julgada, há de se lembrar de sua ampliação conceitual positivada, posto que abrigue a questão prejudicial, e se pode cogitar que atualmente, há o entendimento prevalente no STF é no sentido de que a jurisprudência não deva retroagir para atingir a coisa julgada.

Assim, mesmo que haja mudança de entendimento da Corte Suprema, as situações já consolidadas, não deverão ser revistas, mesmo que no fundo se refira à matéria constitucional.

Apesar de se tratar de conceitos distintos (precedente e jurisprudência[17]) a ideia que se pretende extrair do julgado da STF, é in litteris: “a coisa julgada não pode ser relativizada para atingir situações já consolidadas sob o fundamento de violação à literal disposição de lei”. (art. 485, V, do CPC/73). O art. 966, inciso V do CPC/2015 expressou-se melhor ao prever “violar expressamente norma jurídica”. Norma que poderá ser oriunda do direito positivo ou jurisprudencial.

Desta forma, um precedente judicial revogado não deverá a retroagir para atingir situações jurídicas definitivamente decididas, sobre a qual já se formou a res judicata.

Em resumo, para os processos em tramitação, bem como para os que serão propostos futuramente, valerá a regra da retroatividade, pouco importando o momento da constituição da relação jurídica deduzida no processo.

Para evitar essas situações, é que considero que a superação do precedente pode admitir, excepcionalmente, a adoção de efeitos prospectivos, não abrangendo as relações jurídicas praticadas antes da prolação da decisão revogadora.

Tal proposição evitaria situações, nas quais o demandante, vencedor nas instâncias inferiores justamente em virtude destas estarem seguindo o entendimento das cortes superiores, fosse surpreendido com a mudança brusca desse mesmo entendimento.

Sublinhe-se que é o tempo da relação jurídica de direito material deduzida no processo, e não o tempo processual. Se o precedente judicial passa a figurar como uma das espécies normativas, a partir da lei e dos princípios, o ato jurídico, constituído em consonância com essa normatividade, deve estar imune a qualquer alteração jurisprudencial posterior sobre a matéria.

No CPC/73, diversos dispositivos aprovados ao longo dos anos que apontam que a teoria dos precedentes também ganhou corpo no âmbito processual. Exemplificando: art. 285-A, art. 481, parágrafo único, art. 557, art. 475, terceiro parágrafo e art. 518, primeiro parágrafo.(Vide no CPC/2015 os art. 332, 949, 932, 496 e 1.010.parágrafo primeiro).

O marco mais reconhecido, no entanto, no estudo dos precedentes judiciais é a EC 45/2004 que além de ter promovido a denominada reforma no Poder Judiciário e inserido em nosso ordenamento as chamadas súmulas vinculantes, introduziu a repercussão geral[18] nas questões submetidas ao recurso extraordinário (art. 102, terceiro parágrafo da CF/88).

Reafirma-se essa ideia que se coaduna com o teor do art. 5º, inciso XXXVI da CF/88, segundo a qual a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Conclui-se que a CF/1988 não permite que os atos normativos do Estado atinjam as situações passadas. Sendo compreensível o entendimento do STF.

No entanto, há de se estabelecer um paralelo entre a previsão constitucional e o sistema de precedentes judiciais, e percebe-se que o texto constitucional também não admite que as soluções apontadas pelo Judiciário para uma mesma questão de direito, sejam dadas das mais diversas formas dentro de um curto espaço de tempo.

Assim, o que deseja a Constituição Federal brasileira garantir é certa previsibilidade do resultado de determinadas demandas, de forma a proporcionar aos jurisdicionados maior segurança jurídica, quer na formação do ato jurídico, quer no momento de se buscar a tutela jurisdicional.

No âmbito do sistema jurídico brasileiro, os precedentes judiciais objetivam alcançar a exegese que forneça essa certeza aos jurisdicionados em temas polêmicos, uma vez que ninguém restará seguro de seu direito ante uma jurisprudência incerta.

A previsibilidade do resultado de certas demandas não acarretará a mumificação do Poder Judiciário, posto que os processos se refiram as questões de fato que continuarão a serem decididas conforme as provas carreadas nos autos. Afora isso, os tribunais poderão modificar seus precedentes, desde que o façam em decisão devidamente fundamentada.

A eficácia prospectiva da modificação dos precedentes ou prospective overruling poderá ser verificada através de controle de constitucionalidade. Mas se trata de medida excepcional e que deverá ser usada considerando-se o fim desejado[19] pela nova norma, o tipo de aplicação que se mostra mais adequada e o grau de confiança que os jurisdicionados depositaram no precedente que irá ser superado.

De qualquer maneira, é inegável que, em nome da segurança jurídica, a decisão proferida no controle concentrado de constitucionalidade poderá resguardar até mesmo o ato formado segundo um regramento reputado como inconstitucional.

Tecer considerações sobre a evolução dos precedentes judiciais no direito brasileiro é algo dificílimo principalmente diante daqueles que anunciam um novo direito processual, onde há o especial destaque para a atuação paradigmática dos julgadores, notadamente dos tribunais superiores.

No afã de se solucionar com maior segurança jurídica, coerência, celeridade e isonomia as demandas de massas, as causas repetitivas e os recursos repetitivos, ou melhor, as causas cuja relevância ultrapassa ao âmbito dos interesses subjetivos das partes, é um desafio ferrenho.

Não podemos crer que os precedentes judiciais no Brasil apenas surgiram após a promulgação da EC 45/2004 que introduziu em nosso ordenamento os enunciados de súmula vinculante, editadas apenas pelo STF.

Há mais de vinte anos o direito pátrio vem adotando o sistema de precedentes judiciais, e dependendo da hierarquia do órgão decisor.

Lembremo-nos da Lei 8.038/90 que permitiu ao relator do STF ou do STJ, decidir monocraticamente o pedido ou o recurso que tiver perdido o objeto, bem como ainda, negar o seguimento do pedido ou recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou ainda, que contrariar, nas questões predominantemente de direito, súmula do respectivo Tribunal (art. 38).

Ademais a EC 3/1993 que acrescentou o segundo parágrafo do art. 102 da CF/88 e atribuiu efeito vinculante à decisão proferida pelo STF em Ação Declaratória de Constitucionalidade pode ser considerada como o primeiro marco normativo da aplicação de precedentes judiciais no Brasil.

A repercussão geral, matéria igualmente disciplinada no CPC, sempre existirá quando o recurso extraordinário impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal art. 543-A do §3º, do CPC/73 (vide art. 1.035 do CPC/2015). Por esses dispositivos, pressente-se a força dos precedentes formados no âmbito do STF.

A gradativa ênfase ao caráter paradigmático das decisões dos tribunais superiores brasileiros nos fornece a impressão da importância do tema, principalmente se encararmos os precedentes como instrumentos que podem conferir maior efetividade aos princípios elencados no texto constitucional, como o da segurança jurídica, da isonomia e da motivação das decisões judiciais.

O sistema de precedentes judiciais na terra brasilis resta incompleto e depende ainda de algumas imprescindíveis correções para que dele se possa extrair a finalidade esperada.

Não é raro haver resistência na doutrina e na jurisprudência sobre a aplicação de precedentes judiciais. E, em razão da lenta velocidade pela qual se processam as alterações legislativas no Brasil, a tendência é que a jurisprudência ganhe destreza, a fim de que possa melhor solucionar as soluções que possam ser resolvidas pela aplicação literal da lei.

O aperfeiçoamento do stare decisis brasileiro contempla com mecanismos que buscam a uniformização e estabilização da jurisprudência pátria. Prevê a priori três tipos de vinculatividade: a forte, a média e branda. A vinculação forte advém da lei, da aplicação da lei no IRDR, nos recursos repetitivos, das súmulas[20] vinculantes e, etc… A vinculação mediana é que advém de súmulas do STJ e STF, e a vinculação fraca advém da jurisprudência dos tribunais estaduais.

O novo CPC ao estabelecer os elementos e efeitos da sentença se deteve no conceito de fundamentação de atos judiciais, impondo que não se considerará fundamentada qualquer decisão judicial quando se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes e nem demonstrar que o caso sub judice se ajusta àqueles fundamentos; ou deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocando pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Não basta, portanto, que se aponte o precedente, a súmula ou o julgado. É curial que se identifique os fundamentos determinantes que o levaram a seguir o precedente. Explicando os motivos pelos quais está aplicando a orientação consolidada jurisprudencialmente ao caso concreto.  E, nesse sentido, é que se encontram os parâmetros para a utilização, se for o caso, para o distinguishing.

Deverá ainda, o juiz demonstrar, se houver a distinção entre o precedente e o caso concreto em análise ou então, que o paradigma invocado resta superado.

Ao positivar o precedente judicial se buscou a adequação dos entendimentos jurisprudenciais em todos os níveis de jurisdição, evitando a dispersão e a intranquilidade social e, ainda, o descrédito nas decisões emanadas pelo Judiciário.

Tratou o legislador explicitamente da aplicação do distinguishing, ao proibir a edição de súmulas que não considere os detalhes fáticos do precedente que motivou a sua criação. Procurou-se prevenir, assim, a inadequada consolidação de enunciados de súmulas, e, ipso facto, a errônea aplicação dos precedentes aos casos sob julgamento.

Em verdade, o CPC/2015 traçou um roteiro de como os julgadores deverão aplicar precedentes. E, não se trata de mera faculdade e, sim, de imperatividade. O que poderá levar alguns, a cogitar que se está afastando a independência[21] do juízo e o princípio da persuasão racional que habilita o magistrado a valer-se do seu convencimento para julgar a causa.

Entretanto, não há diferença entre a aplicação da lei ou do precedente, ao não ser pelo fato que, geralmente, este contenha mais elementos de concretude do que aquela. Como é cediça, a lei é genérica.

Tal como no sistema positivado, também no stare decisis, existe o livre convencimento do juiz que incide sobre a definição da norma a ser aplicada seja por meio de confronto da ratio decidendi extraída do paradigma com os fundamentos do caso sob julgamento, sobre a valoração das provas e, finalmente sobre a valoração dos fatos pelo paradigma escolhido, considerando as circunstâncias peculiares da hipótese em julgamento.

De maneira que existindo o precedente sobre a questão posta em julgamento, conforme consta do NCPC, ao juiz não se dará opção de escolher outro parâmetro de apreciação da causa. Só será lícito recorrer à lei ou ao arcabouço principiológico para valorar os fatos na ausência de precedentes.

Poderá até usar de tais espécies normativas para construir a fundamentação de ato decisório, porém jamais poderá renegar o precedente que contemple julgamento de caso idêntico ou similar. Tal obrigatoriedade conduz a força normativa cogencial que respalda sua racionalidade no fato de que cabe ao STJ interpretar a legislação infraconstitucional e ao STF dar a última palavra sobre as controvérsias constitucionais.

Portanto, por mais que o julgador tenha outra compreensão ou leitura da matéria sub judice, a contrariedade só poderá protelar o processo por meio de sucessivos recursos e, consequentemente, de adiar a resolução da controvérsia.

A vinculação se restringe à adoção da regra contida na ratio decidendi do precedente. Não se cogita da supressão da livre apreciação da prova, da decisão da lide, atendendo aos fatos e às circunstâncias presentes nos autos, enfim do exercício do livre convencimento fundamentado do juiz.

Frise-se ao juiz permite-se não seguir o precedente ou a jurisprudência, quando deverá demonstrar de forma fundamentada, que se trata de situação particular e distinta e que não se enquadra nos fundamentos do precedente.

Assim os fundamentos jurídicos passarão ser buscados prioritariamente nas decisões judiciais. Como primeiro juiz da causa, caberá ao advogado indicar ao julgado o precedente a ser aplicado, demonstrando, naturalmente, a semelhança entre o caso submetido a julgamento ou, ainda, a distinção entre o paradigma apontado e o caso concreto…

Tal procedimento evitará o ajuizamento de ações e recursos desnecessários e, ainda, transformará mais segura a consulta sobre as possíveis consequências de uma demanda. Também permite o novo codex a revogação de precedentes que já não correspondam mais à realidade econômica, política, social ou jurídica. Porém tal superação deve ser cuidadosa, podendo até ser precedida de audiências públicas que servirão para democratizar o debate e legitimar as novas decisões sobre o tema em debate.

Relevante os efeitos e modulação dos efeitos dos precedentes. Pois em regra geral, o entendimento das Cortes superiores se aplica aos casos em trâmite, ou seja, aquelas demandas pendentes de julgamento, não importando a jurisprudência prevalente à época da formação jurídica em juízo deduzida.

Mas, por outro viés, aquelas ações que já tenham sido completamente decididas sob a força do entendimento anterior, não deverão sofrer com a modificação do precedente, em respeito à imutabilidade da coisa julgada.

E a fim de evitar ou minorar prejuízos em face da mudança brusca de jurisprudência das cortes superiores, e desta forma, proporcionar ao jurisdicionado maior segurança jurídica, quando exercer o seu direito constitucional de ação, o tribunal também poderá modular ou ponderar os efeitos da decisão, limitando sua retroatividade ou atribuindo-lhe eventuais efeitos prospectivos.

Mas, não admitindo relativizar a coisa julgada em decorrência da superação de precedente judicial.

O efeito vinculante do precedente judicial dependerá da adoção dos respectivos fundamentos pela maioria dos membros do colegiado, ainda que desse entendimento, não resulte súmula.

Nesse sentido, a ratio decidendi extraída do voto vencido não constitui precedente vinculante. A vinculação, nesses casos, se dará de forma hierarquizada. O STJ deve observar o entendimento do STF, e, assim por diante, com relação aos tribunais de segundo grau. E, também os órgãos fracionários deverão seguir os precedentes fixados pelo tribunal.

Pela nova lei processual evitará que situações nas quais dois ou mais jurisdicionados, em situações jurídicas semelhantes, possuem seus recursos julgados de formas completamente distintas, porque um deles fora distribuído para a primeira turma do STJ e o outro para a terceira turma do mesmo tribunal.

Prevê a eficácia vinculante poderá ser afastada quando os fundamentos do caso paradigma, não forem imprescindíveis para o resultado final ou quando não forem adotados pela maioria dos membros do colegiado, ainda que estejam presentes no acórdão.

Disso, depreende-se que terá o efeito vinculante apenas os argumentos essenciais, os que definirem a tese a ser aplicada e que forem aceitos pela maioria.

Assim evita-se que se apoiem em votos vencidos ou em precedentes que não se amoldam ao caso concreto para sustentar suas teses. O que é válido tanto para advogados como para julgadores.

A formação do precedente observará forçosamente o devido processo legal, e também será vedada tal formação caso as partes não tenham a oportunidade de se manifestar. Portanto, o uso do precedente só garantirá a estabilidade quando assegurada a plena participação dos litigantes. Do contrário, ter-se-á a negação ao acesso à justiça.

A reclamação é cabível para preservar a competência do STF e STJ, bem como para garantir a autoridade de decisões por eles prolatadas. É possível ajuizar reclamação para garantir a autoridade das súmulas vinculantes[22]. Mas, não se aplica às súmulas convencionais da jurisprudência do STF ou STJ.

Observa-se que a reclamação é essencial instrumento de defesa judicial das decisões proferidas pelas cortes estaduais, no exercício da função de guardiãs das Constituições estaduais. Simetricamente, a reclamação prevista no texto constitucional poderá ser usada no âmbito dos Estados, a depender de regulamentação da constituição local.

Existe a possibilidade rara e transitória de reclamação para o STJ contra acórdão de turma recursal: quando houver afronta à jurisprudência pacificada em recursos repetitivos; houver violação de súmula de STJ; se for teratológica. E, nesses casos, a reclamação tem cabimento até que seja criada a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do DF.

Ampliam-se as hipóteses de cabimento de reclamação constitucional ao prever que esta poderá ser ajuizada para garantir a observância de súmula vinculante e de acórdão ou precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência…

Estando a tese jurídica firmada em recurso repetitivo pode o jurisdicionado, ou o próprio MP pode propor a reclamação a fim de chamar a atenção da instância inferior para necessidade de cumprir e acatar a decisão consolidada.

O único impedimento para a aplicação da reclamação é a coisa julgada, que deve ser compreendida como a coisa julgada material, ou seja, aquela que confere à decisão às qualidades de indiscutibilidade e imutabilidade. É o entendimento firmado pelo STF.

O incidente de assunção de competência permite que o relator submeta o julgamento de certa causa ao colegiado de maior abrangência dentro do tribunal conforme dispuser o regimento interno.  A causa deve envolver importante questão de direito, dotada de grande repercussão social, de forma a justificar a apreciação pelo plenário, órgão especial ou outro órgão previsto no regimento interno para assumir a competência para julgamento do feito.

A assunção de competência somente tem lugar no julgamento de apelação ou de agravo, ou seja, nos tribunais de segundo grau. Em qualquer recurso, na remessa necessária ou nas causas de competência originária, poderá ocorrer a instauração de incidente.

Há a previsão no CPC/2015 que garante a vinculação de todos os juízes e órgãos fracionários do respectivo tribunal ao entendimento firmado no incidente de assunção de competência. Portanto, se refere a um precedente de força obrigatória, cuja observância pode ensejar a propositura de reclamação.

Oportuno sublinhar que de acordo com o Novo CPC o precedente judicial firmado neste incidente poderá ser usado em diversas hipóteses de julgamento antecipatório, evitando o trâmite de causas que tratem de questões idênticas, e garantindo ao julgador que aplique ou distinga o caso daquele segmentado na jurisprudência. Assim, aperfeiçoou-se o caráter normativo e sistemático do instituto.

Recordamos que pelo mais de forma mais simplificada, já existe uma técnica de composição ou prevenção de divergência e está prevista nos Regimentos Internos do STF, no art. 22, parágrafo único, alíneas a e b e do Regimento Interno do STJ, no art. 14, II e art. 12, parágrafo único.

As técnicas processuais que tanto valorizam os precedentes judiciais e, ipso facto, a celeridade processual, a isonomia e a segurança jurídica, devem servir para aprimorar a sistemática processual civil e nunca com o intuito de engessa a atuação interpretativa dos juízes e dos tribunais brasileira e nem para limitar o direito de acesso à justiça.

O processo civil deve estar disponível e permeável ao diálogo e à troca de experiências. E para tanto para se efetivar o Estado Democrático de Direito há de se ter um ordenamento jurídico coerente. A função e razão de ser dos tribunais brasileiros é proferir decisões que se amoldem e adequem ao ordenamento jurídico e que sirvam de norte para os demais órgãos integrantes de Poder Judiciário.

Curial sublinhar que a adoção dos precedentes não significa a eternização dos entendimentos jurisprudenciais ou das decisões judicias. O juiz continuará a exercer seu livre convencimento e a agir conforme a ciência jurídica e a consciência, afastando determinada norma quando esta não for capaz de solucionar de forma efetiva o caso concreto. Devendo demonstrar as razões de convencimento na motivação.

É através da motivação que se auferirá o exercício jurisdicional e, consequentemente, a eficiência do sistema de precedentes judiciais adotado pelo CPC/2015.

No sistema judiciário brasileiro existe uma crise instalada em razão de excessivo número de demandas e recursos para os tribunais superiores. E também no plano jurisprudencial, nos deparamos como a dinâmica caótica da loteria, onde a sorte dos jurisdicionados está relacionado com o juiz ou tribunal que irá decidir o caso concreto, pois diante de uma mesma regra jurídica ou até princípios, existem diversas interpretações distintas.

E tal fenômeno abala a certeza do direito, sua previsibilidade, causando uma crise por insegurança jurídica. E, ainda compromete a existência e vigência do próprio Estado de Direito, na medida em que as coisas passam ocorrer como houvesse várias leis regendo a mesma conduta.

E, então, surge o questionamento: a doutrina do stare decisis ou dos precedentes vinculantes, que progressivamente aumenta a uniformização da jurisprudência, seria a solução para a crise do sistema judiciário brasileiro?

Os precedentes com efeito normativo conforme ocorre no common law implica na obrigação de aplicá-los conforme os casos semelhantes em julgamento, garantindo, desta forma, a previsibilidade do Direito bem como a sua estabilidade e principalmente materializando o tratamento isonômico aos jurisdicionados conforme o mandamento constitucional.

A identificação da jurisprudência como uma das fontes do direito constitui o elemento comum aos ordenamentos jurídicos do Ocidente. O que varia é sua eficácia e a forma de operação de tais precedentes.

Em França, por conta da ideologia liberal muito ligada aos valores burgueses que causou crise de ordem econômica e social derrubando a monarquia absoluta, a aristocracia feudal e os juízes franceses que eram relacionados a esta última. Tal crise culminou com a Revolução Francesa que trouxe uma ruptura com a ordem política e jurídica da época.

A revolução francesa desejou deixar de lado o Poder Judiciário pois afinal os juízes eram ligados aos reis franceses e senhores feudais. E, na época, os cargos de juízes eram herdados e até mesmo comprados.

Os revolucionários franceses marcharam contra o absolutismo ,e desejaram substituir o rei por outro poder absoluto, o da Assembleia soberana. Assim, justifica-se que o parlamento tenha avocado para si a competência exclusiva de criar o direito, de maneira que a atividade dos juízes deveria se restringir apenas a declarar[23] a lei… ou seja, ser la bouche de la loi.

Foi nessa mesma época que elaborou sua tese de que não poderia existir liberdade, caso o Judiciário não estivesse separado dos poderes Legislativo e Executivo, o que consubstancia a teoria da separação dos poderes. Assim, para Montesquieu não poderiam os juízes ter o poder de interpretar as leis e nem as de imperium, porque, caso contrário, poderiam distorcê-las e finalmente frustrar os objetivos do novo regime…

Então, nesse cenário surgiu o sistema civil law que tem como fonte principal do direito a lei, obra do poder legislativo e do prestígio do parlamento. Onde o Parlamento ficou com a atribuição de formular leis claras, objetivas e universais de forma que abrangessem todas as soluções possíveis e imagináveis para os conflitos humanos. Não restaria espaço para a interpretação ou criação dos juízes, buscava-se a segurança jurídica exclusivamente nos textos positivados das leis.

No Reino Unido, o berço original do sistema common law, o desenvolvimento ocorreu de forma contínua e gradativa, sendo produto de uma longa e sofrida evolução[24]. Nesse sistema, o Legislativo não se opunha ao Judiciário, chegando mesmo, a com ele se confundir. No direito britânico, o juiz esteve ao lado do Parlamento na luta contra o arbítrio do monarca, reivindicando a tutela dos direitos e das liberdades dos cidadãos. Ele não só interpretava a lei como também extraía direitos e deveres a partir do common law.

A tradição do common law caracterizada pelo direito costumeiro e o stare decisis principalmente pelo respeito obrigatório aos precedentes judiciais que são considerados como fonte primária do direito, conferindo maior segurança e previsibilidade nas decisões. No Reino Unido, as leis estavam submetidas a um direito superior, o common law, e se assim não fosse, estas seriam nulas e destituídas de eficácia.

É sabido que nosso país é filiado no sistema civil law, desde muito tempo vem sofrendo o excesso de divergência jurisprudencial, o que torna a lei insuficiente para garantir segurança jurídica à sociedade. Entretanto, hoje o que se observa é uma grande mutação dos sistemas, para sistema híbrido.  Estamos diante de um novo civil law e de um novo common law, e ambos exploram a principal forma de direito do outro, sem, contudo alterar-se.

Na doutrina do stare decisis ou dos precedentes obrigatórios onde os juízes e tribunais devem seguir os precedentes existentes, mas no fundo, eles devem seguir a ratio decidendi dos precedentes. Por esse motivo, se torna muito importante identificar a ratio decidendi porque apenas esta, tem o efeito vinculante obrigando os juízos a respeitá-la também nos julgamentos futuros.

Há muita discussão sobre a definição da ratio decidendi e também em relação à escolha do método mais eficaz para identificá-la no bojo dos precedentes.  São muitas concepções vigentes, mas podemos apontar a mais comum como: a regra do direito explicitamente estabelecida pelo juiz com base de sua decisão.

Ou seja, a resposta explícita a questão de direito do caso concreto; a razão exteriorizada e dada pelo juiz para a decisão, ou seja, a justificação para a resposta oferecida como sendo a resposta ao caso concreto; por outro lado, há a regra de direito implícita nas razões do juiz para justificação de sua decisão (é a resposta implícita a questão de direito do caso).

Igualmente existe discussão sobre o melhor método para se identificar a ratio decidendi. No common law, observa-se três teorias usadas, a saber: a teoria de Wambaugh[25], teoria de Olyphant[26] e a teoria de Goodhart[27].

A primeira é considerada a tese clássica e afirma que a ratio decidendi é a proposição ou regra sem a qual o caso seria decidido de forma diversa e propõe um teste, de acordo com o qual se deve alterar o conteúdo da premissa para verificar se a decisão se mantém ou não, a mesma.  De sorte que se a decisão vier a sofrer mudança, a premissa era realmente necessária e se constituía na ratio decidendi. Por outro lado, se a decisão permanecesse inalterada, a premissa era mero obiter dictum.

A tese de Olyphant rejeita a busca da ratio decidendi no raciocínio do juiz para chegar à decisão, posto que entenda que a opinião do tribunal é a racionalização preparada depois da decisão que dá boas razões, mas não, as razões reais. Assim sugere que os fatos levados ao tribunal sejam considerados como estímulos a uma resposta. No seu entendimento, a combinação dos estímulos e a resposta são a ratio decidendi, que é a decisão real do caso.

A teoria de Goodhart consiste essencialmente na determinação da ratio de um precedente mediante a consideração que: dos fatos tidos como fundamentais, na ótica do juiz do precedente; da decisão do juiz baseada nesses fatos. A fundamentação disso está no fato de que, no julgamento de um caso concreto, o direito é analisado pelo juiz ou por qualquer outro intérprete, levando em consideração os fatos do caso, e restando, por conseguinte, que o peso das proposições afirmadas pelo julgador com base nos fatos fundamentais é sempre maior do que o peso de qualquer outra coisa que o juiz afirme.

Infelizmente no Brasil, a força dos precedentes não se relaciona obrigatoriamente à resolução dos casos, torna-se natural conferir força de ratio decidendi às razões suficientes à solução das questões versadas nos casos mesmo que estas não sejam necessárias ao resultado da causa.  Dessa feita, cada um dos motivos determinantes e suficientes para decidir as múltiplas questões jurídicas, constitui-se em ratio decidendi e, portanto, pode vincular futuras decisões relativas à análoga questão de direito.

Resta evidente que a importância de se identificar a ratio decidendi ou os motivos determinantes da decisão consiste em encontrar a parte do precedente que vai servir de paradigma para os casos concretos posteriores, garantindo previsibilidade e segurança na realização do direito.

A definição de obiter dictum é obtida por negação a partir da determinação do que seja ratio decidendi de um caso concreto, ou seja, se uma proposição ou regra de direito constante de um caso não faz parte da sua ratio, esta é dictum ou obiter dictum e, consequentemente, não é obrigatória.

São consideradas dictum as passagens que não são essenciais ao resultado, as que não estão conectadas com os fatos do caso concreto, ou as que são dirigidas a um ponto que nenhuma das partes buscou suscitar. Apesar disto, as obiter dictum estão intimamente relacionados ao caso concreto em julgamento e são abordadas de forma aprofundada pelo juiz ou tribunal, assumindo o perfil e a textura muito similar ao da ratio decidendi. Nesses casos, observa-se que, apesar de continuarem sem efeitos obrigatórios essas obiter dictum possuem forte efeito persuasivo.

Com a técnica da sinalização ou technique of sinaling, o tribunal não ignora que o conteúdo do precedente está equivocado ou não deva mais ser observado, porém, por razões de segurança jurídica, ao invés de revogá-lo, prefere apontar para sua perda de consistência e sinalizar para sua futura revogação.

Na técnica de transformation, embora o resultado a que se chega ao caso em julgamento seja incompatível com a ratio decidendi do precedente, tenta-se compatibilizar a solução do caso com o precedente transformado ou reconstruído, mediante a atribuição de relevância aos fatos que foram considerados de passagem.

Embora se admita o erro da tese (razão determinante) do precedente judicial, também se admite que se chegasse a resultado correto ou escorreito, porém através de fundamento equivocado.

É através do overriding (método de substituição) que a Corte limita ou restringe a incidência do precedente judicial, como se fosse uma parcial revogação. Porém mais se aproxima do distinguishing do que de uma revogação parcial, pois, apesar do resultado do caso em julgamento ser incompatível com a totalidade do precedente, a restrição se dá com base em situação relevante que não estava envolvida no precedente.

As referidas técnicas anteriormente abordadas são de países do sistema common law, principalmente EUA[28]. E, no Brasil, pode-se verificar o overriding com a interpretação do STF dada ao enunciado 343 no enunciado de sua súmula que estabelece in litteris: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Após, a edição de tal enunciado, o STF interpretou-o de forma a restringir seu alcance, por entender que não seria aplicável quando a alegada violação fosse o dispositivo da CF/88.

Analisando a eficácia dos precedentes judiciais no sistema jurídico brasileiro, chega-se a classificação que se revela mais adequada que é a dos precedentes obrigatórios ou vinculantes; os precedentes relativamente obrigatórios e os persuasivos.

Os precedentes obrigatórios ou vinculantes são advindos da autoridade vinculante independente da opinião do julgador do caso concreto em julgamento, que deverá segui-lo, mesmo não o achando correto. É a expressão clara do stare decisis et non quieta movere (mantenha a decisão e não mova no que está quieto) sendo a regra preciosa no common law.

Os precedentes judiciais projetam efeitos não apenas entre as partes do caso concreto, mas fixam também uma orientação a ser obrigatoriamente seguida em todas as hipóteses semelhantes. Geram, assim, para além da solução do litígio específico que lhes fora submetido uma norma, isto é, uma comando aplicável, dotado de generalidade, e incidente a todos os casos idênticos de forma permanente, sob pena de punição, à imagem e semelhança da lei.

No sistema jurídico pátrio, embora a regra seja não-normatividade, temos também precedentes vinculantes, tais como: as decisões definitivas do STF no controle concentrado de constitucionalidade; as decisões que deferem liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Ação Declaratória de Preceito Fundamental as decisões do STF acerca da repercussão geral; as decisões do STF em recurso extraordinário, versando sobre causas repetitivas, as súmulas vinculantes; os precedente do STJ que representem sua jurisprudência uníssona, com relação às turmas recursais estaduais; as decisões dos tribunais em sede de controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal contestados única e exclusivamente em face da Constituição Estadual.

Os precedentes judiciais relativamente obrigatórios são aqueles cuja autoridade afirma-se por si e impõem a solução do caso em julgamento, exceto se o tribunal do caso tiver uma boa e fundada razão em contrário, hipótese que pode se afastar dele, desde que se desincumba do qualificado ônus argumentativo.

Atualmente, no Brasil, só existe uma espécie desse tipo de precedente judicial que é a decisão do STJ, em recurso especial nas causas repetitivas, conforme o art. 543-C, sétimo e oitavo parágrafos do CPC/73. Nesta hipótese ocorre que, apreciada a questão pelo STJ, os tribunais ordinários devem seguir tal decisão, para negar seguimento aos recursos especiais ou para reexaminá-los. Observe-se que não obstante o tribunal possa manter-se divergente da orientação firmada pelo STJ, conforme o art. 543-C, oitavo parágrafo do CPC/73 (art.1.036 do CPC/2015), deve apresentar fundadas razões para tanto.

Os precedentes judiciais persuasivos correspondem à regra no direito pátrio. E sua definição é feita por exclusão, ou seja, são aqueles que não forem obrigatórios e nem os relativamente obrigatórios. Também se considerada um precedente persuasivo quando o juiz não está obrigado a segui-lo, de forma que, se o seguir, é porque está convencido da sua correção.

Aponta a maior parte da doutrina que o uso de precedentes judiciais vinculantes gera uma série de vantagens entre as quais se destacam: a segurança jurídica, a previsibilidade, estabilidade, igualdade[29] perante a jurisdição e da lei, coerência da ordem jurídica, garantia de imparcialidade do juiz definição de expectativas, desestímulo à litigância, favorecimento de acordos, racionalização do duplo grau de jurisdição, duração razoável do processo, economia processual e enfim, maior eficiência do judiciário.

Há autores que também elencam desvantagens para o uso dos precedentes vinculantes, como o obstáculo ao desenvolvimento do Direito[30] e ao surgimento de decisões adequadas às novas realidades sociais, óbice à realização da isonomia substancial, violação do princípio da separação dos poderes, violação da independência dos juízes, violação do juiz natural e a violação da garantia do acesso à justiça;

Diante do rol maior de vantagens do que das desvantagens em razão do uso dos precedentes obrigatórios, os pontos positivos se mostram mais suficientes para demonstrar o poder dos precedentes no direito brasileiro.

Autoras:

Gisele Leite e Denise Heuseler

 

Referências:

ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012.

DONIZETTI, Elpídio. A força dos precedentes no novo Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/3446/2472 Acesso em 05.09.2015.

RAMOS, Vinícius Estefanelli.  Teoria dos precedentes judiciais e sua eficácia no sistema brasileiro atual. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/24569/teoria-dos-precedentes-judiciais-e-sua-eficacia-no-sistema-brasileiro-atual/2 Acesso em 06.09.2015.

BARROSO, Luis Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro enigmático. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª edição. Salvador: Jus Podivm, 2015.

DWORKIN, Ronald. O Direito da Liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Traduzido por Marcelo Bandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

________________ O Império do Direito. Traduzido por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Novo Código de Processo Civil. Comparado e Anotado. Niterói-RJ: Impetus, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

 

 

[1] Precedente é a norma obtida no julgamento de um caso concreto que se define como a regra universal passível de ser observada em outras situações. O termo jurisprudência é utilizado para definir as decisões reiteradas dos tribunais, que podem se fundamentar, ou não, em precedentes judiciais. A jurisprudência é formada em razão da aplicação reiterada de um precedente.

[2] Hart era positivista e dizia que o juiz cria o direito. Então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido pré-existente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe, os seus poderes de criação do direito. Hart procura traçar uma teoria descritiva da lei, em busca da segurança jurídica e pela eficiência da pressão social. Tenta também criar critérios para dizer quais regras e quais princípios são leis, sendo irrelevante sua justificação.

[3] A regra de direito ou norma jurídica do Reino Unido e dos EUA onde vige o sistema da common law, é muito mais específica e elaborada que a da França, Itália, Alemanha e Brasil que são integrantes do civil law. A legal rule inglesa difere da régle de droit francesa por ostentar menor grau de generalidade, com menor amplitude e aplicabilidade, estando vinculada a todas as circunstâncias da demanda específica que formou o precedente.

O suporte fático da norma no sistema civil law mostra-se genérico e abstrato em comparação com os elementos de fato do precedente do sistema common law, que, com todas as peculiaridades do caso concreto, integram a norma encerrada na ratio decidendi jurisprudencial. O fato e norma não se distinguem na regra do direito anglo-saxônico. É o precedente, pois um formato muito mais distintivo de emanação da norma jurídica, pelo que o catálogo de direitos nos países de origem inglesa é absurdamente vasto, algo que os doutrinadores locais muitas vezes têm lamentado.

[4] A distinção existente entre os sistemas da civil law e da common law, porém, supera o nível dos conceitos, alcançando a própria estrutura dos respectivos paradigmas, entendida como o modo básico de elaboração e difusão do conhecimento jurídico e a forma das relações entre as fontes do direito.

A diferença estrutural se explica historicamente pela origem das famílias jurídicas: enquanto os sistemas romanistas foram construídos de forma racional e lógica, considerando as regras de fundo do direito, graças à obra das universidades e do legislador, o direito britânico fora ordenado, longe de qualquer preocupação lógica, nos quadros que lhe eram impostos pelo processo, conservando-se, de forma geral, as classificações às quais se estava habituado devido a uma longa tradição.

Diferentemente dos romanistas, os juristas ingleses, até hoje, guardam uma tendência de valorização ao direito processual (adejective law), já que, na origem, seu direito não foi fruto dos princípios e teorias pregados nas universidades, mas da prática, na qual se formava o jurista, ciente da preocupação histórica de “evitar as ciladas que lhe reservava, a cada passo, um processo muito formalista”, incluindo minuciosas regas de direito probatório que marcaram o direito inglês por sua riqueza e tecnicismo, considerado excessivo por alguns.

[5] A coerência no sistema jurídico se revela inerente ao respeito aos precedentes. A nossa CF/1988 confere à segurança o status de direito fundamental, arrolando-a no caput do art. 5º, como direito inviolável, juntamente com os direitos à vida, liberdade, igualdade e propriedade. A ideia de coerência traz consigo as noções de segurança jurídica e estabilidade e, conduz a uma concepção de encadeamento de complementação.

É bela a definição apregoada por Ronald Dworkin que o direito deve ser entendido como um romance em que vários escritores escrevem em cadeia (novel in chain). E, nessa integridade no direito, cada romancista da cadeia vem a interpretar os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe romancista seguinte. Cada um deve escrever seu capítulo de modo a criar, da melhor maneira possível, o romance em elaboração, e a complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade. Portanto, o juiz diante do caso concreto a ser julgado, não parte de uma tábula rasa, mas deve levar em consideração os precedentes.

[6] A assimetria na interpretação jurídica é trágica e angustiante. Pois é banal na praxe forense quando advogados ajuízam uma ação ou interpõem recurso, sabendo que as chances de êxito são pequenas ou mínimas, principalmente quando distribuído em determinada Vara ou comarca, mas mesmo assim, o fazem devido à discrepância de interpretações sobre os casos concretos análogos.

[7] Quanto à legitimidade democrática, há quem cogite que no common law, a vinculação dos precedentes se justifica pois parte dos juízes são eleitos popularmente e, por essa razão, os magistrados estariam legitimados para criar o direito em nome do povo, o que não acontece no sistema brasileiro. Mas é um argumento frágil, vez que o Judiciário obtém sua legitimidade da Constituição, que é democrática, além do que mesmo as altas cortes sempre apresentam alguma legitimação política, através da indicação de juízes pelo poder Executivo e a aquiescência do Poder Legislativo.

[8] O obiter dictum (obiter dicta, no plural), ou apenas dictum, corresponde aos argumentos que são expostos apenas de passagem na motivação da decisão judicial, consubstanciando juízos acessórios, provisórios, secundários, impressões e qualquer outro elemento que não tenha influência relevante e substancial para a decisão.  Em geral, define-se de forma negativa. Exemplifica-se, por exemplo, quando o tribunal gratuitamente sugere como resolveria certa questão conexa ou relacionada com a questão dos autos, mas no momento não está resolvendo.

[9] Observa-se que no sistema da common law adota-se nitidamente um direito costumeiro, aplicado pela jurisprudência, onde no modelo de justiça, prepondera a visão de pacificação dos litigantes. Já na civil law, busca-se a segurança jurídica, enquanto na common law almeja-se a paz entre os litigantes, a reharmonização e a reconciliação que são objetivos diretos, e pouco importa se obtida à luz da lei ou de outro critério, desde que adequado ao caso concreto, pois o mais relevante é harmonizar os litigantes produzindo profunda influência na vida da comunidade. É a tônica da justiça paritária.

[10] Cumpre alertar que a lei britânica, não assume o caráter de princípio geral que ostenta a legislação nos sistema de direito romanista, reveste-se de uma natureza eminentemente casuística, afastando a generalização inevitável que uma obra de codificação à francesa produziria. O legislador britânico busca colocar-se, tanto quanto possível, no plano da regra jurisprudencial, considerada a única regra normal de direito. Apesar disso, os preceitos contidos na lei somente são plenamente reconhecidos pelos juristas quando aplicados, reformulados e desenvolvidos pela jurisprudência, ocasião na qual são verdadeiramente integrados ao sistema da common law o verdadeiramente integrados ao sistema da common law.

[11] É grosseria acreditar que a aplicação de um precedente judicial seja uma atividade mecânica na qual a atribuição do juiz é simplesmente verificar se algum tribunal já se pronunciou sobre a matéria semelhante e, assim decidir da mesma forma. A simples leitura do precedente e do caso sub judice é insuficiente para a boa e adequada solução do caso concreto e destoa do substrato do sistema. Impõe-se, naturalmente, uma exposição da história do caso, um relato dos fatos, apresentação das questões a serem decididas e a resolução das mesmas, bem como a explicação dos motivos sobre o modo como foram resolvidas. A partir daí, os estilos dos magistrados podem variar, sendo alguns mais prolixos, ao apresentarem aspectos históricos da doutrina, por exemplo, e outros mais sucintos, confiando na autoridade dos precedentes sem o reexame de questões menos importantes.

[12] Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira acentuam que ao decidir uma demanda judicial, o magistrado cria, necessariamente, duas normas jurídicas. A primeira, de caráter geral, resultante da sua interpretação e compreensão dos fatos envolvidos na causa e da sua conformação ao direito positivo. A segunda norma tem caráter individual, e constitui a sua decisão para aquela situação específica que se lhe põe para julgamento. Desta forma o magistrado termina por elaborar norma que consubstancia a tese jurídica a ser adotada naquele caso concreto. Essa tese jurídica é que denominamos de ratio decidendi, e deve ser exposta na fundamentação do julgado, porque é base nela que o juiz chegará, no dispositivo, a uma conclusão acerca da questão em juízo.

[13] A jurisprudência é consagrada como fonte por excelência do direito britânico que é estruturado sob a forma de casos regrados ou case law. Assim, a lei denominada pelos ingleses como statute desempenhava, originalmente, apenas uma função secundária, limitando-se a acrescentar corretivos ou complementos à obra dos tribunais. Contemporaneamente, porém, há vastos setores da vida social que já são regulados por textos emanados pelo legislativo, como é o caso do direito administrativo, onde a lei e os regulamentos (delegated legislation, subordinate legislation) alcançaram nitidamente a função normativa primária.

A lei inglesa, contudo, não assume o caráter de princípio geral que ostenta a legislação nos sistemas de direito romanista; reveste-se de uma natureza eminentemente casuísta, afastando a generalização inevitável que uma obra de codificação “à francesa” produziria. O legislador inglês busca-se colocar, tanto quanto possível, no plano da regra jurisprudencial, considerada a única regra normal do direito. Apesar disso, os preceitos contidos na lei somente são plenamente reconhecidos pelos juristas quando aplicados, reformulados e desenvolvidos pela jurisprudência, ocasião na qual são verdadeiramente integrados ao sistema da common law.

 

[14] Três regras canalizam a equidade na sua aplicação usual: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais; considerar judiciosamente o objeto, a forma e a pessoas da relação sub judice; e, afinal, optar-se pela solução mais coerente com o equitativo (jus bonum et aequum).

[15] Os juízes começaram a recuperar seu poder a partir da Segunda Guerra Mundial. Com a (re) adoção das garantias, da autonomia e da independência, pouco a pouco o Poder Judiciário foi, na Europa Continental, tonando-se um verdadeiro Poder do Estado.

E, a partir daí, colocou-se a problemática da separação absoluta dos Poderes. O juiz aplica o direito preexistente, sendo, portanto, sua função, em certa medida, declaratória. Mas a lei escrita tem lacunas e, cada vez mais, precisa ser interpretada. Há, também, situações problemáticas, cuja solução não está prevista de modo especifico na lei. Então a função judicial não se cinge a declarar o direito, mas, há, hoje, a tendência a se reconhecer que, em certa dimensão, o cria.

[16] É o caso do verbete 119 da Súmula do TJ-RJ: “A garantia do juízo da execução, deferida penhora de receita, efetiva-se com a lavratura do termo e a intimação do depositário, fluindo o prazo para impugnação do devedor, independente da arrecadação”. Adverte Hartmann que o retromencionado verbete necessita de uma releitura, pois o termo inicial para o oferecimento da impugnação está previsto no art. 525 do CPC. Também não há necessidade de prévia garantia do juízo para recebimento da impugnação, nos termos do mesmo dispositivo.

[17] Inicialmente, não se pode confundir precedente e jurisprudência. Precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior em casos análogos. É composto das circunstâncias de fato que embasam a controvérsia, bem como da tese ou princípio jurídico assentado na motivação do provimento decisório (ratio decidendi).

A jurisprudência é a reiterada aplicação de um precedente, podendo virar, inclusive, uma jurisprudência dominante que, como o próprio adjetivo já informa, é a orientação que prevalece.  É o conceito utilizado, por exemplo, pelos artigos 557 e 557 §1º-A do CPC/73, para, respectivamente, negar ou dar provimento ao recurso, bem como mencionado nos arts. 120, parágrafo único, 543-A §3º, 543-C §2º, 544 §4º, II, “b” e “c”, todos do CPC/73.

[18] As características da repercussão geral demandam comunicação mais direta entre os órgãos do Poder Judiciário, principalmente no compartilhamento de informações sobre os temas em julgamento e feitos sobrestados e na sistematização das decisões e das ações necessárias à plena efetividade e à uniformização de procedimentos.

Neste sentido, esta sistematização de informações destina-se a auxiliar na padronização de procedimentos no âmbito do STF e dos demais órgãos do Poder Judiciário, de forma a atender os objetivos da reforma constitucional e a “garantir a racionalidade dos trabalhos e a segurança dos jurisdicionados, destinatários maiores da mudança que ora se opera.”,

Todavia, o termo repercussão geral é genérico, haja vista existir flexibilidade na verificação de tal requisito de admissibilidade recursal. Entretanto é contemplado pelo STF como existente quando a questão levada a seu crivo seja relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, bem como que tenha tal importância para a sociedade que ultrapasse os interesses subjetivos das partes litigantes.

[19] Através da jurisdição impõe o cumprimento desse direito (função secundária). Seus fins, como ressaltado anteriormente, são: solucionar conflitos de interesse, controlar as condutas antissociais e a constitucionalidade normativa. Como efeito, a atividade jurisdicional produz coisa julgada, característica ínsita desta espécie de função pública. Materializar o acesso à jurisdição deve ser visto como forma de promover a inclusão social dos indivíduos menos favorecidos, revitalizando a cidadania e o Estado de Direito.

[20] Não há dúvidas de que a jurisprudência, os precedentes judiciais e as súmulas são produzidos somente pelos tribunais colegiados. O precedente sempre corresponde a um pronunciamento judicial referente a um caso concreto. Não é possível haver precedente sem interpretação da norma por ele aplicada e conectada diretamente ao caso concreto. O precedente produz uma regra universal que pode ser aplicada como critério de decisão de caso concreto sucessivo em razão da identidade ou da analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do segundo casos.

A construção de súmulas remonta a prática tradicional consolidada do sistema judiciário luso-brasileiro e não deriva de decisão de caso concreto, mas de enunciado interpretativo, formulado em termos gerais e abstratos. Assim, o dictum sumulado não faz referência aos fatos que estão na base da questão jurídica julgada, daí não poder ser considerado como precedente em sentido próprio, mas apenas um pronunciamento judicial que traduz a eleição entre opções interpretativas referentes as normas gerais e abstratas. É evidente que sua finalidade é a eliminação das incertezas e divergências no âmbito jurisprudencial, procurando imprimir e assegurar a uniformidade na interpretação e aplicação do direito.

[21] No Estado Constitucional ainda que o Judiciário se apresente através de emaranhado de órgão e tribunais, os juízes têm competências definidas e a independência de cada um não está em atuar como entidade autônoma, descompromissada com as orientações dos tribunais superiores, inclusive com aqueles cuja atribuição é estabelecer o significado das normas.

Em síntese, a independência dos magistrados não está em poder contrariar os tribunais superiores, pois o cargo de juiz não existe para aquele que ocupa profira “a sua decisão”, mas para que ele colabora com a prestação jurisdicional, para que a decisão, em contraste ao precedente, nada representa, constituindo, em verdade, um desserviço.

Cumpre distinguir a independência do julgador e a independência de critério do juiz, porquanto aquela visa a assegurar que o juiz atue, sem ingerência ou pressões, conforme o Direito (é, portanto, objetiva e previsível, pois tem seu conteúdo jurídico). E, esta, por sua vez, é subjetiva, pessoal e imprevisível. Sendo assim a unificação de critérios através da jurisprudência, em conformidade com o direito, não afeta a independência dos juízes.

[22] Os enunciados de súmulas vinculantes ou não, nada mais representam do que normas gerais, que apesar de julgar um caso concreto, serão aplicadas reflexamente, a outras inúmeras situações similares ou idênticas. Não cabe mencionar que o judiciário estaria legislando, pois a sua atividade criativa se dá a partir da interpretação que o mesmo faz das leis já existentes.

Cada vez mais se percebe a jurisprudência como fonte de direito, pois o magistrado transforma a norma genérica e abstrata em norma concreta e específica. Mas, o judiciário não cria direitos subjetivos, mas apenas reconhece direitos preexistentes.

[23] Há muito tempo atrás, acreditou-se que manter o juiz atado e preso à lei era sinônimo de segurança jurídica. Ingenuamente, cogitou-se que o juiz apenas declarando a vontade da lei, respeitava o cidadão, a segurança e a previsibilidade no trato das relações sociais. Porém, a praxe acabou por demonstrar que a mesma norma jurídica pode gerar diversas interpretações e, consequentemente, variadas decisões judiciais. Atualmente, sabe-se que a certeza jurídica somente pode ser obtida mediante a vinculação dos precedentes.

[24] O direito britânico, pois, desde então, e até os dias atuais, passou a ostentar um caráter nitidamente dualista: a par das regras da common law, de base consuetudinária, produto da construção e consolidação jurisprudencial dos Tribunais Reais do século XIII, subsistem numerosas doutrinas de equity, fruto da jurisdição pessoal do monarca ou chanceler, nos séculos XV e XVI, que se destinaram, precipuamente, a corrigir ou acrescentar institutos jurídicos à common law.

A equity, por seu amadurecimento – resultante, inicialmente, da pesada influência do direito romano e do direito canônico, e, posteriormente, da formação histórica de um específico quadro político e social (pressão do Parlamento pela objetivação dos julgamentos, com vista à contenção das arbitrariedades do monarca), deixou de constituir mero acervo de decisões fundadas no senso pessoal de justiça do julgador para representar repertório vasto de regras objetivas e técnicas, tão estritas e jurídicas quanto às da common law.

[25] Teste de Wambaugh Eugene Wambaugh afirma que a ratio decidendi de um caso é o preceito sem o qual o caso seria decidido de outra forma. Logo, a ratio decidendi é uma proposição necessária para a decisão. Se ao inserir na proposição uma palavra que inverta seu significado e, assim, o tribunal, admitindo a nova proposição, a tivesse tomado em conta no seu raciocínio e houvesse obtido a mesma decisão, a proposição não constitui a ratio decidendi do caso, mas um obiter dictum, ou seja, aquela parte da decisão considerada dispensável para o precedente. Por outro lado, advindo decisão diversa, pode-se dizer que o intérprete obteve êxito na busca pela ratio decidendi.

[26] Para Herman Olyphant, a ratio decidendi de um caso não tem qualquer ligação com o raciocínio do juiz para chegar à decisão. Os fatos levados ao tribunal devem ser considerados estímulos a uma resposta, a decisão real do caso. A combinação de estímulo/resposta (= fatos/decisão) representa a ratio decidendi do caso.

[27] Consultando Arthur Lehman Goodhart para a identificação da ratio devem ser observados os fatos considerados pelo juiz como fundamentais, material facts, e a sua decisão neles baseada.

Estabelecidos quais sejam os fatos fundamentais do precedente e quais não são, é possível encontrar a proposição do caso, que é obtida na conclusão do juiz, baseado nos fatos fundamentais e na exclusão dos não fundamentais. Isso porque o juiz, quando analisa o direito, ao levar em contra os fatos do caso, confere maior peso às posições afirmadas pelo julgador com base nos fatos fundamentais do que qualquer outra afirmação. Conclui-se que a se baseada em um fato cuja existência não fora determinada pelo tribunal (fato hipotético), não configura uma ratio decidendi, mas somente um obiter decidum.

[28] Nos EUA vige grande maleabilidade da Suprema Corta na aceitação de casos nos casos irá se manifestar e no modo da manifestação. A competência tanto originária como a recursal, que a Constituição norte-americana prevê é ínfima, reconhecendo a importância tamanha não apenas aos casos por esta, julgados mas também à própria instituição. Em verdade é o imperativo da racionalidade do sistema que impõe a segurança jurídica, a isonomia e a eficiência.

[29] O direito fundamental a igualdade naturalmente inclui o direito a igualdade na aplicação do direito. E, seria um contrassenso, em um Estado Constitucional, que pessoas iguais, com casos concretos iguais e em um mesmo período histórico possam obter decisões diferentes e por vezes adversas por parte do Poder Judiciário. A previsibilidade e a confiança provenientes da jurisdição têm grande valia aos operadores do Direito no Estado Constitucional, pois permitem aos jurisdicionados preverem as consequências jurídicas de seus atos e condutas.

[30] Há de se alertar que nem mesmo em sua origem, ou seja, na Common Law (Reino Unido) aonde a força dos precedentes chegou a ser absoluta, insiste-se na imutabilidade dos precedentes, e nem na Suprema Corte dos EUA que, por diversas razões, tem revogado com grande frequência os seus precedentes distinguishing e do overruling fazem ruir a ideia de que a força obrigatória do precedente judicial impediria o desenvolvimento da doutrina e da jurisprudência, e enfim do Direito.

 

Considerações sobre ontologia processual civil contemporânea e o CPC/2015.

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Considerações sobre ontologia[1] processual civil contemporânea e o CPC/2015.

“O homem é definido como um ser que evolui, como animal é imaturo por              excelência”.    Friedrich Nietzsche

Cumpre em primeiro lugar esclarecer que a virada hermenêutica e ontológica provocada pela publicação de “Ser e tempo” por Heidegger e, depois por “Verdade e método” por Gadamer[2] em 1960 fincou as bases[3] de um novo olhar sobre a hermenêutica[4] jurídica quando se saiu do plano metafísico-objetivista baseado em Aristóteles e Tomás de Aquino[5] (cuja frase que melhor sintetiza é: “justiça é dar a cada um, o que é seu”) e o paradigma subjetivista muito identificado pela filosofia da consciência e que permanecem amparando as teses exegéticas dominantes[6].

Tudo aponta para a indispensabilidade do método ou do procedimento para se atingir a vontade da norma, seja para acessar o espírito do legislador ou, para se procurar obter a melhor resposta.

A resposta que encaminhará a solução do conflito, a partir dos elementos obtidos no caso concreto, não pode depender da vontade pessoal ou da subjetividade do julgador. A superação das teses positivistas que amparam o paradigma da discricionariedade[7] judicial ocorre através da opção por uma resposta judicial correta e adequada constitucionalmente e que ganha destaque e relevância, principalmente, por que esta resposta correta tem o poder de repelir a discricionariedade e a arbitrariedade no conteúdo das decisões judiciais.

É que na maioria das vezes, continua-se a crer que o ato interpretativo é ato cognitivo e, que interpretar a lei significa retirar da norma, tudo o que nela contém, o que denuncia o busilis metafísico nesse campo de conhecimento. Há, pois uma clara imbricação dos paradigmas metafísicos clássicos e os modernos, residindo na doutrina pátria como também na estrangeira um problema paradigmático[8].

Em verdade podemos situar que desde a definição de justiça até mesmo a estruturação do processo contemporâneo que não só abandonou o julgamento como vedete principal, vindo mesmo a conceber outras formas de composição de lide tais como a arbitragem, mediação e a conciliação.

E, neste aspecto o CPC/2015 trouxe uma significativa alteração, pois três fatores comprovam: a exigência de diálogo entre juiz e as partes, com o dever de cooperação não somente para sanar vícios processuais, mas igualmente, para proibir a decisão surpresa, a ampliação da exigência de boa-fé objetiva (confirmando a tendência legislativa e doutrinária criada desde o Código Civil Brasileiro de 2002) e a valorização dos julgamentos de mérito (o que importa dizer que será priorizado o exame quanto à existência ou não do direito alegado pela parte).

Procurou-se, em síntese, resolver de uma vez o conflito de interesses, para assegurar a justiça do caso. O novo codex processual visa evitar as decisões tipicamente processuais e tão comuns no sistema vigente e que nada esclarecem ou contribuem para atender o direito das partes.

Neste particular sentido, o CPC de 2015, o nosso primeiro código processual nascido em contexto democrático, não só efetivou como etapa obrigatória a audiência de mediação ou conciliação[9], como também positivou que o juiz poderá utilizar-se de tais métodos sempre que possível.

O grande escopo do processo é afinal prover a preparação para o provimento jurisdicional final, devendo se desenvolver em contraditório entre as partes, o que só vem a ratificar a definição do processo por Elio Fazzalari[10] como sendo “procedimento em contraditório” de maneira que garanta a plena e ativa participação (além de consciente) das partes, entendendo o como e o porquê do ato jurisdicional definidor de seus direitos.

A hermenêutica jurídica contemporânea trouxe uma releitura do direito constitucional e da força normativa da Constituição, principalmente em razão da grande expansão e consagração dos direitos e garantias fundamentais e, ipso facto, o fortalecimento da jurisdição constitucional.
A constitucionalização do direito foi uma hábil resposta ao positivismo clássico que tanto endossou barbáries notadamente na Segunda Grande Guerra Mundial[11]. Ademais, o Tribunal de Nuremberg exibira todas as feridas epistemológicas e pustulentas deste positivismo agressivo e pseudocientífico.

A constitucionalização do direito trouxe a horizontalização dos direitos fundamentais bem como a força vinculante do texto constitucional[12] seja em seu aspecto explícito ou implícito (além de fazer ressurgir a necessária interpretação axiológica).

É certo que o direito processual fora notoriamente o mais filtrado de todos os ramos jurídicos pela Constituição, exatamente por encarnar o microcosmo democrático, reproduzindo o funcionamento do Estado de Direito, com as devidas valorações à dignidade humana, a liberdade, igualdade, e, sobretudo, a respectiva legalidade e responsabilidade.

É verdade que o neoprocessualismo chegou ao Brasil após muitos anos, veio mesmo muito tardiamente para trazer a efetividade de direitos que já se positivada e, que não passava de promessa abstrata sem qualquer respaldo concreto no cotidiano do cidadão.

A consciência de que o processo é instrumento a serviço da ordem jurídica e cuja espinha dorsal é o contraditório[13], e mesmo o significado do pós-modernismo no direito processual brasileiro só trouxeram diversas ondas reformistas que desaguaram no CPC de 1973 e, fora modificando a mentalidade burocrata e letárgica de jurisdição, mas comprometeu seriamente sua organicidade e harmonia sistêmica.

O primeiro grande enigma[14] processual começa no território da busca da verdade, nos limites do devido processo legal, quando até certo momento havia o evidente predomínio da verdade formal em detrimento da verdade[15] material dos fatos e das alegações.

O desenvolvimento científico só veio trazer maior grau de certeza nesta busca da verdade no processo, é o caso, por exemplo, do exame de DNA nas demandas que envolvem a paternidade ou maternidade.

Ademais a própria racionalidade jurídica sempre preocupada como alcançar o conhecimento e, ainda, como suportar as consequências resultantes, tanto na modernidade como nos atuais debates contemporâneos só vieram endossar a relevância do contraditório participativo ou dinâmico.

Romper com a dialética aristotélica que fora antes tão incensada pelos medievais e, finalmente se encaminhar para a lógica jurídica de Chaim Perelman[16] que mostrou a força crítica da matemática dedutiva aplicável às disciplinas práticas e que se enredam em ser exatas.

Assim afirmou Perelman que o direito para Hobbes o direito não é a expressão da razão, mas sim, a manifestação de vontade do soberano. E, ainda aponta que a unificação das vontades individuais em uma só pessoa, para Hobbes, chama-se Estado – o Leviatã[17].

Já na filosofia de Spinoza, conforme bem explicou Perelman o ideal de racionalidade universal fora inspirado em Leibniz que é autor da fórmula cum Deus calculat, fit mundus (o mundo se realiza segundo cálculos divinos)[18].

Enfim, para o mundo racionalista é imprescindível à formação de uma ciência processual e o abandono de juízos de probabilidade, devendo prevalecer somente as verdades claras e evidentes. Como dado fundamental para o sucesso do normativismo e da justiça distributiva. Matematizar a ciência jurídica significa não perceber que se trata de uma ciência social aplicada e, particularmente a ciência processual é a que mais se próxima do tecido social e política onde estão latentes as necessidades dos jurisdicionados.

A matematização da ciência jurídica fora fenômeno que consistiu na assimilação por esta ciência de duas vertentes metodológicas do jusnaturalismo (por vezes até opostas) de um lado o racionalista bem próprio do pensamento francês, com Descartes, e de outro lado, de empirismo ou sensualismo (mais peculiar do pensamento inglês, como por exemplo, com Hobbes).

O sábio Ovídio Baptista da Silva lecionou que a aplicação da lógica às ciências explicativas, ocorrera para a verdadeira supressão da possibilidade de o julgador descobrir a verdade. Pois o julgador resta tolhido e constrangido em sua autonomia crítica para que possa ter diante do caso concreto e, por vezes, tomando por base distintos critérios axiológicos.

E, neste sentido o procedimento nem teria razão de ser, pois a justiça está mesmo representada no texto da lei e, por essa razão, a lei injusta não existiria. Noutro giro, no mundo profundamente racionalista a busca pela realização do direito seria inviável na medida em que o critério de determinação do justo e do injusto são tarefas delegadas ao legislador e não ao juiz.

O CPC de 2015 representa o deslocamento da centralidade da lei processual para o precedente judicial[19]. Saímos da literalidade da lei para a interpretação e aplicação da lei.

O positivismo jurídico caracteriza-se, pois, por sua posição contrária a todas as formas de metafísica jurídica e, portanto, distanciada completamente das teorias do Direito Natural. A verdade é que alheio à experiência da realidade ou do direito positivo, não existe o direito.

A supremacia da legislação como fonte de direito seguiu por várias formas distintas, seja no Reino Unido, seja na Alemanha e França[20]. O neopositivismo ou o positivismo lógico (ou a doutrina do Círculo de Viena) pretendeu fazer jus à função de estabilização das expectativas, sem ser obrigado a apoiar a legitimidade da decisão na autoridade inexpugnável de tradições éticas.

Kelsen e Hart elaboraram um sentido normativo próprio das proposições jurídicas e uma construção sistemática de regras[21] destinadas a garantir a consistência de decisões ligadas às regras e, tornar o direito independente da política.

O ideal da purificação do direito fora perseguido a exaustão. A legitimação da ordem jurídica em seu todo, fora transportada para o início, ou seja, para uma regra fundamental (ou regra de conhecimento) pela qual tudo se legitima e tem justificação racional e deve ser assimilada historicamente conforme o costume.

É engraçado perceber que antes da primazia da lei, havia a do costume, e novamente retornam aos holofotes no processo contemporâneo à luz da teoria dos precedentes judiciais, a predominância dos costumes. Conclui-se que o movimento é cíclico, metafísico e também contínuo, construindo a verdadeira ciranda das fontes de direito.

Considera-se ainda muito perigosa a máxima que venha encorajar as interpretações individuais mesmo as mais cerebrinas posto que a maior liberdade do julgador adotada e defendida pela Escola do Direito Livre[22], chega ao exagero de admitir o poder jurisdicional de correção da lei. Mas, com a ênfase atual da jurisdição constitucional e, em sua crescente importância e papel no trajeto evolutivo do direito processual civil brasileiro, como podemos refutar tal poder?

O inicial comprometimento da ciência processual já então desgarrada do direito material, com o racionalismo veio a transformação do processo em uma ciência em busca da verdade, sem a qual não se obtém justiça concreta.

E, nesta oportunidade, se rejeita a cognição sumária e se endossa a cognição plena, exaustiva e quase infinita que seria a mais adequada para a busca da verdade. Novamente o CPC de 2015 veio superar o impasse ao prever a tutela de urgência e de evidência.

Carnelutti explicou que a semente precisa de anos e até de séculos, para se tornar- uma espiga (veritas filia temporis). Assim se explicava que o processo dura e não se pode fazer tudo de uma única vez. É imprescindível ter-se paciência.

O que contrasta completamente com a Reforma do Judiciário uma vez proposta pela E.C. nº45/2004 que colocou o princípio da duração razoável[23] do processo[24].

Construiu-se uma contradição adiecto: se a justiça é segura não é rápida e, se é rápida, não é segura. Carnelutti que delineou o conceito de lide retratou o pensamento racionalista que tanto privilegiada a máxima duração do processo tida como medida capaz de assegurar a tão proclamada segurança jurídica[25].

É falsa a ideia de que as instituições processuais possam ser realmente neutras e livres de compromisso com a história e de seu contexto social e cultural. Portanto o dinamismo contemporâneo infectou fatalmente a noção de tempo no processo, é o processo eletrônico é a melhor expressão cultural disto.

Pontes de Miranda não aceitava a função do processo civil como meramente instrumental posto que composto de regras jurídicas tidas como secundárias, ao passo que as normas de direito material seriam as normas primárias.

De sorte que a Legislação e a Justiça seriam funções sucessivas e que surgem em ordem decrescente. Mas o pensamento do século XX se volta para a exaltação da estética da ação, como valor em si mesmo, assim segundo Robles o século se transformou fundamentalmente destrutivo.

A crise do modelo processual enxerga o processo como instrumento por força da racionalidade jurídica. A ideologia sociopolítica emergente neste século na Europa carregou o fenômeno da socialização do processo civil com o fito de incorporar os clássicos princípios do liberalismo às exigências do Estado Social de Direito, evidenciando a distinção entre o objeto do processo e procedimento que é reconhecido como mera formatação do instrumento capaz de atingir a efetiva e real tutela de direitos, pelo Estado, dos interesses litigiosos.

A crise do processo[26] pode ser identificada a partir do momento em que o valor de segurança jurídica deixa de ter o maior peso na balança de valores e cede lugar a outros tão importantes quanto ele. E, nesta dimensão se destacam os direitos fundamentais.

Dworkin ao formular suas teorias para o direito tentou evitar as falhas do positivismo, mostrando que a adoção de direitos concebidos deontologicamente podem satisfazer simultaneamente as exigências de segurança jurídica e da aceitabilidade racional.

Apesar de nosso direito pátrio reger-se pelo sistema do civil law que principalmente privilegia as normas escritas e cujas origens datam do direito romano.

O modelo dogmático do direito está preparado para tratar os conflitos e disputas interindividuais. Com a ascensão do radical individualismo, deu-se a redução da importância dos grupos na estrutura social e no sistema jurídico.

Hoje o que se percebe é que a crise do direito reflete a crise social e, com esta, as visíveis mudanças de comportamento dos indivíduos, dos conflitos e da sociedade. Daí, a relevância do processo coletivo[27] como melhor meio de se obter uma equidade na tutela de direitos.

A doutrina contemporânea salienta que pelas ações coletivas se tem um meio para alcançar uma justiça mais efetiva. E, o CPC de 2015 permitirá a coletivização da demanda quando for necessário e atender as exigências da lei processual.

A negação da natureza e objetivo puramente técnico do processo significa, ao mesmo tempo, a afirmação de sua permeabilidade aos valores tutelados na ordem político-institucional e jurídico-material (os quais buscam efetividade através dele) e o reconhecimento de sua inserção no universo axiológico da sociedade a que se destina.

Inegável que o direito processual civil está em descompasso com a realidade contemporânea[28] apesar de existirem sinceras tentativas de adequação. Em suma, pode-se afirmar que o ataque de Ronald Dworkin ao positivismo baseia-se na distinção lógica existente entre as normas, as diretrizes e princípios.

Desta forma, defende Dworkin que os juízes diante os casos difíceis devam socorrer-se dos princípios e, como não há uma hierarquia pré-estabelecida entre princípios, é possível que estes possam fundamentar decisões distintas. E, por serem os princípios[29] dinâmicos e capazes de mudarem de forma célere então todo esforço para canonizá-los, resta mesmo fadado ao fracasso.

Por tal razão, a aplicação dos princípios é automática e exige fundamentação judicial e integração da fundamentação à teoria.

Danilo Nascimento Cruz bem destacou em seu artigo “Proto-filtros conceituais para a leitura do Novo Código de Processo Civil Brasileiro de 2015” que o traço característico da constitucionalização do direito consubstancia-se pela irradiação do conteúdo substancial e valorativo das normas constitucionais e, até alguns juristas tentaram em vão elaborar um catálogo de condições para a constitucionalização do direito dentre as quais se incluem uma constituição rígida.

Desta forma, identificamos a força vinculante da Constituição e a sobreinterpretação desta e, por fim, a aplicação direta das normas constitucionais.

Logo no primeiro artigo da Lei 13.105/2015 há clara inserção dos princípios constitucionais como evidente opção ideológica, posicionando a CF/1988 como centro gravitacional de todo sistema processual civil pátrio.

Com o texto constitucional vigente estabeleceu-se o Estado Democrático de Direito e, a partir daí, se desenvolveu a constitucionalização de todo o direito, até mesmo do direito privado.

Desta forma, a aplicação e a interpretação do direito são feitas através da moldura constitucional. A Constituição não só serve de premissa interpretativa, mas também de argumentação jurídica de direitos e garantias, mas sobretudo, como guia principal da semântica processual brasileira.

Ainda se consagrou direito de aplicação genérica ao contemplar as garantias constitucionais e disciplinando o autêntico devido processo legal e o contraditório remodelado que incide em todo iter processus e, não somente no momento da contestatória.

Há certo consenso de que todas as formas reformistas no processo civil brasileiro tiveram por escopo dar-lhe maior efetividade[30], o que acarretou o reconhecimento de certa relativização do dogma da autonomia do processo.

Afinal, o exagerado apego metafísico dos valores absolutos deve ceder lugar ao pragmatismo capaz de trazer a justiça aos litígios reais. Sem perder de vista os princípios e diretrizes de sustentação dogmática e do sistema jurídico que garantem a estabilidade dos critérios de julgamento e, evita a atuação tópica e casuística, o intérprete que deve buscar a melhor forma de resolver os problemas concretos trazidos pelas partes, e para isso, sua análise da lei deve ir além de traduzir sua finalidade de integração e pacificação social.

O progresso das teorias das lacunas do direito sejam estas normativas, axiológicas ou ontológicas culminaram no reconhecimento da incompletude do sistema processual e, também de outros microssistemas derivados como o trabalhista, tributário e administrativo.

Leciona Maria Helena Diniz em seu Compêndio de Introdução a Ciência do Direito que são três tipos principais de lacunas: 1- a normativa; 2- a ontológica (quando há a norma, mas não corresponde aos fatos sociais); 3 – axiológica (onde existe a norma, mas ela se revela injusta, posto que sua aplicação traga uma solução insatisfatória ou injusta).

Mas precisamos recordar o mestre alemão Karl Larenz[31] que afirmava que “toda a lei contém inevitavelmente lacunas”, razão pela qual se reconheceu há muito a competência de tribunais para colmatar as lacunas da lei.

Assim, a interpretação da lei e o desenvolvimento judicial do Direito não devem ver-se como essencialmente diferentes, mas apenas graus distintos do mesmo processo de pensamento.

Significa que a simples interpretação da lei por um tribunal, desde que seja a primeira ou se afaste de uma interpretação anterior, representa um desenvolvimento do Direito, mesmo que a própria jurisprudência não tenha consciência disso.

Alertou Karl Larenz que “só pode decidir-se a um desenvolvimento do Direito Superior da lei quando o exijam razões de grande peso”. Reconheçamos que a efetividade processual depende sinceramente da sensibilidade do jurista e, principalmente, do estudioso do direito processual, que deve criar soluções visando a tornar o instrumento adequado à realidade social a que ele será aplicado (In: Bedaque, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 3ª edição, São Paulo: Malheiros, 2003, p.33).

O direito ao devido processo legal, ou ao justo processo, garantia que, de certa forma, sintetiza todas as demais, é, portanto, entendido em suas dimensões: formal e material[32].

Deve o processo estruturar-se formalmente de maneira a dar cumprimento, tanto quanto possível, aos vários princípios implicados, estabelecendo, a cada passo, a sua devida ponderação.

A contemporânea noção da instrumentalidade postula um processo tecnicamente estruturado que possa atender aos aspectos éticos da atividade jurisdicional. As garantias formais não são um fim em si mesmo. Devendo oferecer, dentro das possibilidades, resultado materialmente justo.

Há no ordenamento jurídico pátrio no mais alto patamar estão as verdadeiras cláusulas de direito fundamental e o princípio do direito mais favorável à pessoa humana e, em particular, mais favorável ao cidadão-trabalhador, não havendo distinção constitucional entre as normas que contemplam o direito material e o direito processual.

O insigne doutrinador Luiz Guilherme Marinoni nos ensina in litteris: “Diante da transformação da concepção do direito, não há mais como sustentar antigas teorias da jurisdição, que reservavam ao juiz a função de declarar o direito ou de criar a norma individual, submetidas que eram ao princípio da supremacia da lei e ao positivismo acrítico. O Estado Constitucional inverteu os papéis da lei e da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser compreendida a partir dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. Expressão concreta disso são os deveres de o juiz interpretar a lei de acordo com a Constituição, de controlar a constitucionalidade da lei, especialmente atribuindo-lhe novo sentido para evitar a declaração de inconstitucionalidade, e de suprir a omissão legal que impede a proteção de um direito fundamental. Isso para não falar do dever, também atribuído à jurisdição pelo constitucionalismo contemporâneo, de tutelar os direitos fundamentais que se chocam no caso concreto”. (In: Marinoni, L.G. A jurisdição no Estado Contemporâneo. In: Marinoni, L.G. (coord.) Estudos de direito processual civil: homenagem ao professor Egas Dirceu Moniz Aragão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 65).

A teoria ontológica do processo se edificava sobre os parâmetros da concepção aristotélico-tomista e estabelecendo a nítida distinção entre processo e procedimento.

Para o processo civil devem ser sempre lembrados Pontes de Miranda, jurista notável que fora o primeiro, no Brasil, a conceituar o processo como relação jurídica, depois veio Gabriel Resende Filho que estabeleceu a ligação entre o procedimentalismo dos mestres anteriores e a renovação científica que ocorreu no Brasil a partir do CPC de 1939, e Machado Guimarães construiu cientificamente as bases da processualística em muito de seus institutos fundamentais. E, por derradeiro, Moacyr Amaral Santos que com sua maravilhosa obra didática granjeou grande prestígio e fora reeditada à luz do CPC de 1973.

Registre-se também a vinda de Enrico Tullio Liebman para o Brasil que se estabeleceu em São Paulo em 1940 para ficar até o final da guerra, significou decisiva contribuição para a renovação do método do processo civil que trouxe a congregação de jovens processualistas no direito brasileiro, lançando as bases do que seria a Escola de São Paulo.

Apesar de Liebman ser portador da ciência processual europeia, o doutrinador italiano encantou-se inteiramente pelas obras de autores luso-brasileiros mais antigos e doo espírito herdado da legislação de Portugal. Rendeu-se aos talentosos processualistas que nos anos quarenta se reuniam para debater os grandes temas da ciência processual e traduziram a perfeita simbiose que formou a alma da Escola Processual de São Paulo.

Foram discípulos de Liebman e que também privaram de sua companhia nos encontros de sábados à tarde, juristas como Alfredo Buzaid, José Frederico Marques, Luís Eulálio de Bueno Vidigal, Bruno Affonso de André e que elevaram a cientificidade do direito processual brasileiro e traçaram as estruturas do sistema processual e propiciaram o amadurecimento de seus conceitos fundamentais.

Deste contexto surgiu o CPC de 1973, também chamado de Código Buzaid que inscreveu o sistema brasileiro entre os mais modernos e avançados do mundo. E, que propunha a conciliação técnico-científica do direito processual brasileiro e que já se tornara irreversível.

O processo que antes então era examina sob a visão puramente introspectiva e, visto costumeiramente como mero instrumento técnico predisposto à realização do direito material, passou a ser examinado em suas conotações deontológicas e teleológicas, aferindo-se os seus resultados na vida prática, pela justiça que fosse capaz de fazer.

O processualista contemporâneo consciente dos níveis expressivos do desenvolvimento técnico-dogmático de sua ciência deslocou sua atenção, passando a enxergar o processo a partir de um ângulo externo, examinando-o em seus resultados junto aos consumidores da prestação jurisdicional e da justiça.

Logo cedo no Brasil, criou-se um clima propício aos estudos constitucionais do processo. Já na Constituição republicana de 1891 transladou para o sistema jurídico muitos institutos do direito norte-americano, desde o princípio da unidade da jurisdição e da judicial review dos atos administrativos e legislativos, passando pelas garantias do due process of law e culminando com os instrumento constitucionais de defesa das liberdades.

Os trabalhos de Rui Barbosa traçaram com maestria as coordenadas processuais do controle da constitucionalidade[33] das leis, tal como havia sido transplantado do sistema norte-americano para o sistema jurídico brasileiro.

Foram o direito judiciário e o Poder Judiciário que traçaram as bases do devido processo legal, enquanto processo necessário para assegurar os direitos subjetivos tutelados pelo direito material.

E por surgir o processo como instrumento para a segurança constitucional dos direitos, sendo uma espécie de processo natural e devendo o procedimento ser modelado conforme as formalidades definidas pela lei brasileira.

Apesar de este desabrochar precoce do processo constitucional entre nós, fora um início tímido até que a Escola Processual de São Paulo que se inspirando na sensibilidade constitucional[34] de Liebman e se abeberando nos ensinamentos do mestre uruguaio Couture veio trazer os estudos processuais civis para a área do direito constitucional.

Nos anos cinquenta os estudos de Luiz Eulálio Bueno Vidigal sobre o mandado de segurança, de Alfredo Buzaid sobre o mesmo instituto e, ainda sobre a ação direta de inconstitucionalidade, esta obra que submete o instituto a tratamento científico e sistemático, enquadrando um dos instrumentos de processo constitucional nas categorias da moderna processualística; de José Frederico Marques, cujos trabalhos em torno da jurisdição voluntária e sobre o princípio constitucional da proteção judiciária marcam o ponto inicial dos modernos estudos brasileiros e as garantias do devido processo legal.

Multiplicaram-se os estudos de processo constitucional em 1980 e vem a lume a tese de doutorado de Kazuo Watanabe (Princípio da inafastabilidade do controle judicial no sistema jurídico brasileiro) que fora editada junto com outro ensaio sobre o mandado de segurança contra os atos judiciais.

Evidentemente precisamos entender a ontologia processual brasileira e perceber o íntimo e indissociável relacionamento sobre o direito e a cultura, especificamente no direito de processual civil.

Nesse sentido, Castanheira Neves[35] alude que irreversivelmente “o direito compete à autonomia cultural do homem, que, tanto no seu sentimento como no conteúdo da sua normatividade, é uma resposta culturalmente humana (…) ao problema também humano da convivência no mesmo mundo e num certo espaço histórico-social, e assim sem a necessidade ou a indisponibilidade ontológica, mas antes com a historicidade e condicionabilidade de toda a cultura”.

Lembremos que na clássica definição de Galeno Lacerda as vivências de ordem espiritual e material que singularizam determinada época de uma sociedade são responsáveis pela informação e molde do direito, fazendo-o, ao fim e ao cabo, espelho a refletir de forma segura e fiel a realidade histórica naquele espaço e tempo socialmente considerado.

Ao longo da história do processo há três modelos processuais tais como praxismo, processualismo e o formalismo. O praxismo congregou todas as manifestações culturais que formam aquilo que Nicola Picardi apontou como sendo a pré-história do processo civil, e, portanto, antes do aparecimento da ciência processual. Significa apontar o processo como iudicium e, não ainda, como processus.

A expressão “modelos processuais” não corresponde exatamente ao que usou Miguel Reale que conceituou modelos como estruturas normativas que ordenam fatos segundo valores, numa qualificação tipológica de comportamentos futuros, e que se ligam determinadas consequências (In: Para uma Teoria dos Modelos Jurídicos. In: Estudos de Filosofia e de Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 17).

A postura metodológica do praxismo era sincrética, pois baseada na noção de que o direito processual civil era adjetivo e só ostentava existência se ligado ao direito substantivo.

Cândido Rangel Dinamarco se refere que no período do sincretismo “os conhecimentos eram puramente empíricos, sem qualquer consciência de princípios, sem conceitos próprios e sem definição de um método”.

O processo mesmo como realidade da experiência perante os juízos e tribunais, era visto apenas em sua realidade física exterior e perceptível aos sentidos: confundiam-no com o mero procedimento quando o definam como sucessão quando o definiam como sucessão de atos, sem nada se dizerem sobre relação jurídica entre seus sujeitos e nem sobre a convivência política aberta para a participação dos litigantes (contraditório).

A racionalidade que informava o fenômeno jurídico de um modo geral era a racionalidade prática argumentativa dos sujeitos processuais direcionada à resolução de problemas concretos, à consecução do justo pelo iudicium.

Após, o praxismo, surgiu o processualismo que fora um movimento cultural próprio da Idade Moderna no campo do processo civil. Seu principal objetivo fora a tecnicização do direito e despolitização de seus operadores, reduzidos à condição de autênticos escravos do poder.

Conforme bem observou Ovídio Araújo Baptista da Silva, ao postular o processo civil como instrumento puramente técnico, totalmente alheio aos valores em sua intencionalidade operacional.

O método que servia o processualismo era o científico ou autonomista através do qual os estudiosos se lançaram à tarefa de expulsar da disciplina processual e qualquer resíduo de direito material, forçados que estavam a justificar o direito processual civil como ramo autônomo e próprio da árvore jurídica.

Identificava-se com a racionalidade teórica, do tipo positiva, apta a retirar do plano da relação jurídica processual o problema da justiça, colocando em seu lugar o problema da norma jurídica (como aquilo que provém, do Estado e, mais particularmente do Legislativo).

O direito tendia à norma estatal sendo passível de uma única interpretação verdadeira, onde a tarefa do juiz cingia-se a descobrir a vontade concreta da lei. Conforme bem expressa a célebre frase de Guiseppe Chiovenda, assumindo foros de clareza, certeza e previsibilidade (projeto iluminista e racionalista para a ciência jurídica).

O formalismo processual foi entendido como movimento cultural destinado a concretizar os valores constitucionais no tecido processual, dando força ao caráter instrumental e a racionalidade prática dirigida ao caso concreto.

Deixa o processo de ser visto como mera técnica assumindo a estatura de instrumento ético sem deixar de reconhecer, a sua estruturação igualmente técnica.

Afinal, atualmente vivenciamos o formalismo processual onde os valores constitucionais contaminam a técnica processual e propondo a delimitação de poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, a coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a que sejam atingidas suas finalidades primordiais.

Desta forma o formalismo investe-se na tarefa de indicar as fronteiras para o começo e o fim do processo. Neste contexto, observamos que o CPC de 2015 ampliou os limites da coisa julgada passando a incluir a questão prejudicial.

Cumpre assinalar que o advento do CPC de 2015 que inaugura o neoprocessualismo trazendo uma renovação dos princípios do direito processual, acentuando os poderes do juiz na relação jurídica processual, a ênfase para a autocomposição da lide pela mediação e conciliação e calcada na força normativa da Constituição Federal brasileira de 1988, além de tecer maior legitimação ao provimento judicial quando passa a exigir uma fundamentação jurídica mais detalhada das decisões judiciais.

Conclui-se que o processo civil brasileiro possui identidade própria que lhe são peculiares, não podendo o jurista deixar de considerar as nossas raízes, nossa evolução e nossas instituições no sentido de reafirmar o Estado de Direito e uma cidadania mais digna e atuante.

Enfim, o CPC de 2015 representa um importante passo e trouxe inúmeras novidades que renovaram as esperanças[36] dos juristas e da sociedade brasileira principalmente por dar ênfase ao diálogo entre o juiz e as partes, prover uma prestação jurisdicional mais simples e mais uniforme, a ampliação da exigência da boa-fé objetiva e trazer o ideal da maior saneabilidade processual que possível e valorizar os julgamentos de mérito admitindo incidentes de resolução de demandas repetitivas, no objetivo de obter maior efetividade processual.

 

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BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

 

[1] O significado de ontologia varia conforme a filosofia, para o aristotelismo, é a parte da filosofia que tem por objeto de estudo as propriedades mais gerais do ser, apartadas da infinidade de determinações que, ao qualificá-lo particularmente, ocultam sua natureza plena e integral. Já para Heidegger representa a reflexão sobre o sentido mais abrangente do ser, como aquilo que torna possível as múltiplas existências.

[2] Heidegger, e depois Gadamer, trouxeram à construção da hermenêutica filosófica, a contribuição produtiva do intérprete no movimento da compreensão, bem como a elevação da linguagem para dentro do processo interpretativo, e, também, atribuíram sentido ontológico ao conhecimento da verdade, ao contrário do apego à historicidade, realçado na hermenêutica clássica.

[3] Segundo Gadamer, o conjunto da ética humana se distingue essencialmente da natureza pelo fato de nela não atuarem simplesmente capacidades ou forças, mas que o homem vem a ser tal como veio a ser somente através do que faz e de como se comporta. A mudança e a indeterminação são as condições pela qual a justiça, a virtude e o bem podem ser qualificados como tais. O justo é essa estabilidade que se revela na própria indeterminação do mundo; na ambiguidade de que pode ser diferente do que é.

[4] Lênio Streck apesar de apontar que a hermenêutica seja identificada e conhecida por sua origem mitológica, particularmente a partir de Hermes, um semideus que corresponde ao mensageiro dos deuses com os mortais. A verdade é que apenas na modernidade que pode ser compreendida stricto sensu, a hermenêutica como a revolução provocada pelo nascimento do sujeito.

[5] A metáfora como fonte do conhecimento em Tomás de Aquino, faz-nos analisar dois conceitos fundamentais da filosofia tomista: a negatividade e participação que constituem uma chave original para o entendimento da realidade. A causa primeira das coisas é onde se encontra a explicação mais profunda da existência e, sendo suprarracional, encontra-se infinitamente afastada da inteligência e da imaginação do homem, numa transcendência radical, absoluta e incompreensível. Daí o porquê que é preciso negar qualquer qualidade e característica a essa causa, que não se confunde com nada do que existe. Descobre-se, portanto, a inutilidade de tentar subjugar a realidade sob a férrea lógica da razão humana, como fazem, os racionalistas mais exaltados.

[6] A recuperação do conceito de justiça a partir da diké de Anaximandro. Assim se revela como um cosmos, numa comunidade jurídica das coisas, descoberta só feita no fundo da alma humana, por uma faculdade intuitiva fugindo-se de qualquer investigação empírica. A justiça para Anaximandro recorda o conceito grego de culpa e que fora transferido da imputação jurídica para a causalidade física. A sua concepção de diké sobre os acontecimentos é o começo do processo de projeção da pólis no universo, contendo em germe, a ideia do futuro e harmônico ser eterno com seus valores.

[7] Com precisão cirúrgica vem a análise feita por Lênio Streck afirmar: “Em outras palavras: a escolha é sempre parcial. Há no direito uma palavra técnica para se referir a escolha: discricionariedade e, quiçá (ou na maioria das vezes), arbitrariedade. Portanto, quando um jurista diz que o “juiz possui poder discricionário” para resolver os casos difíceis, o que quer afirmar é que, diante de várias possibilidades de solução do caso, o juiz pode escolher aquela que melhor lhe convier.

[8] Há dois aspectos diferentes em relação aos quais, é possível cogitar de incerteza judicial: seja quanto aos meios da decisão e seja quanto ao seu conteúdo. O primeiro refere-se à aplicação das normas que devem reger o processo de tomada de decisão judicial. O segundo refere-se às expectativas normativas ou cognitivas que ela frustra ou confirma quando finalmente é tomada. Não existe uma relação necessária entre os dois tipos de incerteza. Nesse sentido uma pesquisa recente apontou que cerca de oitenta por cento dos magistrados brasileiros consideram que as cruciais causas da morosidade do Judiciário pátrio estariam ligadas à má qualidade da legislação processual. Com o advento do CPC de 2015 esperemos que pelo menos que venhamos reduzir as causas.

[9] Somente com a recusa de ambas as partes a respeito da realização da audiência obrigatória de conciliação ou mediação, e com fundamentadas razões, é que se deixará de realiza-la. Portanto, em regra esta será realizada, mesmo quando um dos litigantes se manifestar sobre a impossibilidade da composição amigável da lide.

[10] A teoria do processo vista como procedimento em contraditório tem suas bases em dois grandes doutrinadores: Rosemiro Pereira Leal e Aroldo Plínio Gonçalves. Essa teoria fora desenvolvida pelo processualista italiano, Elio Fazzalari, o principal estudo foi o aprofundar sobre o instituto do processo em conceitos que distinguisse do procedimento que é a sua estrutura técnico-jurídica. Acautelou-se o doutrinador italiano quando fez a distinção entre processo e procedimento, integralizando em sua teoria, o contraditório. O processo não pode ser definido pela mera sequência, direção ou finalidade de atos praticados pelas partes ou pelo juiz, mas pela presença de atendimento do direito ao contraditório entre as partes, em simétrica paridade. Portanto, o processo não pode ser entendido se não houver o contraditório, que só ocorre quando as partes em litígio possuem simétrica paridade, ou seja, o mesmo espaço-temporal no processo. O procedimento para Fazzalari, não significa o conceito particular de uma disciplina, mas um conceito geral do Direito, e deve ser colhido, extraído, de um complexo de normas. Simplificando, o procedimento não pode ser compreendido somente como atos ou série de atos realizados no processo se não for à luz de normas processuais. Enfim, consagrou Rosemiro Pereira Leal que o procedimento corresponde a uma estrutura técnica construída pelas partes, que sem a observância às normas processuais, ou sem a sua presença, o procedimento, pode ser considerado como amontoado de atos não-jurídicos sem qualquer legitimidade, validade e eficácia.

[11] As considerações de Eric Hobsbawn são importantes para ilustrar: “As orígines da Segunda Guerra Mundial produziram uma literatura histórica incomparavelmente menor sobre suas causas do que as da Primeira Guerra, e por um motivo óbvio. Com as mais raras exceções, nenhum historiador sério jamais duvidou de que a Alemanha, Japão e (mais hesitante) a Itália foram os agressores. Os Estados arrastados à guerra contra os três, capitalistas ou socialistas, não queriam o conflito, e a maioria fez o que pôde para evitá-lo. Em termos mais simples, a pergunta sobre quem ou o que causou a Segunda Guerra Mundial pode ser respondida em duas palavras; Adolf Hitler”. (In: HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XXI: 1914-1991. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª edição. São Paulo: Cia. das Letras, 1995).

[12] O engraçado ou pelo menos irônico é que a Constituição Alemã de 1919 trazia inovações consideráveis em matéria de Direitos Humanos, mas a vigência efetiva dos textos constitucionais depende de sua aceitação pela coletividade. E, apesar de possuir uma escrita equilibrada e prudente, refletia valores ainda não enraizados na sociedade alemã.

[13] Contraditório é mais do que isto, afinal é um elemento de extrema importância para a teoria em estudo, portanto, este deve representar também uma forma de garantia “participação, em simétrica paridade, das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são os “interessados”“.

[14] Os enigmas da ciência processual são múltiplos e começam com a definição de justiça, passa para a concepção de verdade, depois de ética processual, vindo também a questão da forma procedimental suplantar por vezes o próprio escopo do processo que é a pacificação social. A teleologia da interpretação das leis pelo judiciário é ainda uma descoberta reticente e muito pouco observada.

[15] Deverá a verdade no processo judicial corresponder à verdade. Sabemos, porém que a verdade formal é a que resulta do processo ainda que não exista a exata correspondência com os fatos conforme ocorreram historicamente. Já a verdade real é aquela a que chega o julgador, é a revelada pelos fatos conforme ocorreram historicamente e não como querem os litigantes que apareçam realizados. A distinção entre verdade real e formal surgiu no confronto entre o processo penal e o processo civil. Onde no civil, os interesses são, supostamente, menos relevantes do que os interesses no processo penal, em face dos bens tutelados serem a vida, a liberdade, o jus puniendi do Estado e, etc. Assim, no penal se busca a verdade real ao passo que no civil apenas a verdade formal. É certo que no processo penal justifica-se a busca da verdade real pelo juiz por se referir ao direito indisponível, ou seja, aquela que a lei considera essencial à sociedade, sendo tutelado pelo Ministério Público.

[16] Chaïm Perelman (1912-1984) filósofo de Direito que viveu e ensinou a maior parte de sua vida na Bélgica, foi um dos mais relevantes teóricos da retórica do século XX. Sua principal obra o Tratado da Argumentação de 1958.

[17] O Leviatã é criatura mitológica de grandes proporções e bem comum no imaginário dos navegantes europeus da Idade Média. O nome vem do hebraico liwjathan, cujo significado é “animal que se enrosca”, sendo modificado pelo latim bíblico para leviathan. Também conhecido como monstro marinho.

[18] O Conselho Nacional de Justiça decida aprimorar o relatório da Justiça em número que representa um importante instrumento de análise da estrutura e do desempenho do Judiciário para formulação de políticas de gestão, o relatório da Justiça em Números deve ser aprimorado a partir de 2016. Pretende o CNJ acrescentar indicadores inéditos, e aperfeiçoar alguns existentes e excluir os pouco relevantes.

O objetivo é democratizar o debate e garantir a excelência da nova versão. Disponível em: http://www.trf2.jus.br/Paginas/Noticia.aspx?Item_Id=2619&js=1  Acesso em 22.08.2015.

[19] O precedente judicial deve ser entendido como sendo a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto e cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. Um precedente judicial quando reiteradamente aplicado se transforma em jurisprudência que representa um conjunto de julgados harmônicos entre si, fruto da constante interpretação e aplicação da lei num determinado sentido. A súmula, por sua vez, é um enunciado normativo enumerado e publicado por certo tribunal e que demonstra seu posicionamento prevalente sobre determinado tema ou tese jurídica, posto que extraído da ratio decidendi de casos concretos anteriormente julgados. Quando o juiz utilizando o método de confronto, verifica que o caso em análise ou julgamento pode ou não ser considerado como análogo ao paradigma, chama-se distinguishing ou apenas distinguish.  Termos que podem ser usados para duas acepções diferentes, a saber: 1. Para designar método comparativo entre o caso concreto e o paradigma (distinguish -método); 2. Para designar o resultado desse confronto, quando se concluir haver entre estes alguma diferença.

[20] Luís Roberto Barroso, atual ministro do STF, aponta que o constitucionalismo francês procurou conceituar o postulado presente no preâmbulo da Constituição francesa de 1793, expressando-o da seguinte forma, in litteris: “A segurança consiste na proteção conferida pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades”.

[21]A defesa do direito concreto quando ameaçado, não constitui apenas um dever do respectivo titular consigo mesmo, mas também para a sociedade. Assim o titular também defende a lei, e com esta, a ordem essencial à vida em sociedade, ainda haverá quem negue que tal defesa representa um dever para com a sociedade? Se esta pode convocar um cidadão para a luta contra o inimigo extremo, uma luta na qual é empenhada a própria vida, se, portanto, a qualquer um cabe o dever e os interesses comuns contra o inimigo externo, tal dever não prevalecerá também no interior do país?

[22] A Escola do Direito Livre teve como seus matizes próprios de opiniões de François Gény, Büllow, Köhler,

Kantorowicz, Schlossmann, Erlich, Stammler e Mayer que preconizava o Direito Justo. Propôs novos métodos de interpretação, permitindo-se, em alguns países, ao juiz corrigir e completar a lei, guiado por orientações subjetivas, com a valoração interesses pelos próprios sentimentos, criando no lugar e ao lado do direito positivo. Não havia acordo entre os defensores desta corrente. Para uns, o juiz só pode criar o direito no silêncio da lei; Para outros, o juiz só pode criar o direito ao proceder à interpretação lógica; E, para tantos outros, em qualquer caso, o juiz tem a liberdade para, inclusive, ao interpretar a norma ir de encontro a mesma, todas as vezes em que tiver como objetivo buscar o direito justo. O juiz guiado pelo sentimento e pela consciência jurídica deve inspirar-se nos dados da realidade social.

[23]O desenrolar do processo em um prazo razoável é, ao contrário, fator de segurança, na acepção mais ampla desse valor. Com respeito a isso, a legislação processual repele a utilização de expedientes que impedem de se efetivar e de se oportunizar a tutela jurisdicional, a teor do que dispõem, só para exemplificar, os artigos 16 a 18, 273, inc. II, 461, 600, 879 e, mais recentemente, o renovado art. 14, caput, inc. V e parágrafo único, todos do Código de Processo Civil (CPC/1973).

[24] O legislador constitucional brasileiro incluiu, assim, o direito de todos terem assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, no inovador inciso LXXVIII, do art. 5º da CF/1988. José Afonso da Silva apontava como despiciendo o novo inciso, quando afirmou que o acesso à justiça só por si já inclui uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado, mas a crônica morosidade do aparelho judiciário o frustrava. Em verdade se encontra positivado apenas um princípio constitucional implícito, mas trata-se de pleonasmo benéfico.

[25] Afirmava Ovídio Baptista que a “urgência da tutela” e, não a tutela da urgência fez com que a procurada efetividade ficasse reduzida, tendencialmente, à simples celeridade na prestação da tutela processual exigida, constituindo mesmo, o tempo um dos parâmetros da justiça contemporânea. Assegura a Constituição italiana, em seu art. 111, o giusto processo e sua ragionevole durata. A segurança jurídica, porém, relaciona-se a um conceito mais amplo que, no dizer de Canotilho, porquanto subprincípio concretizador do princípio do Estado de Direito, constitui garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação, realização do direito, e cujos postulados são exigíveis perante qualquer ato, de qualquer poder (legislativo, executivo e judiciário). Reafirma Canotilho que a segurança jurídica abrange a ideia de proteção da confiança dos cidadãos, pode formular-se no direito do indivíduo de poder confiar que os efeitos jurídicos previstos no ordenamento são assegurados nas manifestações de seus atos ou de decisões públicas incidentes sobre o status jurídico, realizadas com base em normas vigentes e válidas.

 

[26] Os críticos opositores da Escola do Direito Livre entendem que na interpretação da norma o que deve prevalecer é a vontade da sociedade, representada pela lei e, de forma nenhuma, a vontade individual do juiz. Contra a Escola Livre ergueram-se estudiosos vários, apontando-lhe o grave defeito de comprometer a segurança jurídica, gerando um alarmante estado de anarquia. Por sua vez, os partidários da Escola do Direito Livre, todavia, centravam suas críticas na excessiva abstração do método tradicional que restava amarrado aos conceitos lógicos e formais, afastando-se da realidade concreta da vida e das relações em jogo e, fim do próprio Direito. Segundo Ferrara somente a interpretação teleológica e não há outra forma de concebê-la, pois é a que confere a eficácia prática à jurisprudência e está vinculada firmemente à lei, quer pela aplicação lógica, quer pela analógica, cujos germes e meios se contêm no Direito Positivo. O princípio não é invenção do jurista, porém descoberta do Direito, e que se encontra latente no direito positivo.

[27] É preciso combater a guetificação do processo coletivo no direito brasileiro. Guetificação conforme leciona Zygmunt Bauman é medida paralela e complementar à criminalização da pobreza, sendo um  modo de confinar e imobilizar os indesejáveis segundo determinada sociedade. A guetificação ocorreria a partir da interpretação da legitimidade coletiva dos agentes públicos em ênfase na capacidade econômica dos beneficiados por suas ações coletivas. Tal medida resultaria na redução de força dos pleitos processuais dos mais carentes, os quais teriam maiores dificuldades de batalhar por seus direitos, ao lado dos demais membros da sociedade.(In: MAIA, Maurilio Casas. O risco da guetificação no processo coletivo: breve reflexão sobre a legitimidade defensorial coletiva – o NCPC e a ADI 3943. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/o-risco-da-guetificacao-no-processo-coletivo-breve-reflexao-sobre-a-legitimidade-defensorial-coletiva-o-ncpc-e-a-adi-n-3943-por-maurilio-casas-maia/ Acesso em 22.082015).

 

[28] As teorias contemporâneas de justiça dentro da escola do pensamento político atual, tal como o utilitarismo, o igualitarismo liberal, o libertarismo, o marxismo e o comunitarismo. Num primeiro momento o objetivo da justiça é produzir o maior grau de felicidade possível para o maior número de pessoas alcançável. Para os igualitários, é relevantíssimo que a igualdade econômica e social seja o fundamental princípio na sociedade. Já para o libertarismo se defende que a liberdade individual e de mercado sob todos os seus aspectos. Para o comunitarismo, transcende a justiça individual para o conceito de justiça coletiva.

[29] Novamente o lúcido e sagaz Lênio Streck adverte que: “Se o constitucionalismo contemporâneo que chega ao Brasil apenas ao longo da década de 90 do século XX estabelece um novo paradigma, ou  proporciona as bases para introdução de um novo, o que impressiona, fundamentalmente, é a permanência de velhas formas de interpretar e aplicar o direito, o que pode ser facilmente percebido pelos Códigos ainda vigentes (embora de validade constitucional duvidosa em grande parte). Em tempos de intersubjetividade (refiro-me à transição da prevalência do esquema sujeito- objeto para a relação sujeito-sujeito), parcela considerável de jurista ainda trabalho com modelos (liberais-individualistas) “Caio”, “Tício” e “Mévio”…!”(In: STRECK, Lênio L. O pan-principiologismo e o sorriso do lagarto. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-mar-22/senso-incomum-pan-principiologismo-sorriso-lagarto Acesso em 23.08.2015).

[30] O valor efetividade inspira o reconhecimento de que todas as partes devem ser tratadas com condições de igualdade, dentro da relação jurídico-processual. Basta apenas mencionar que, para um processo ser efetivo, necessário se faz que seja observado o tratamento paritário das partes que o compõem, baseando-se na regra de igualdade de armas que deve acompanhar todos os momentos da sociedade democrática. Uma vez assegurado esse tratamento, seja em seu sentido substancial ou formal, não restam dúvidas que assim se perfaz seguro. Confirmam-se com isso que segurança e efetividade são valores extremamente interligados. Podem coexistir isolados, autonomamente, mas, para a realização primordial do processo, enquanto instrumento de pacificação social justa, devem ser conjugados de maneira harmônica, entrelaçados por suas facetas interdependentes. Daí, o lugar, também, à celeridade das tramitações.

[31] Karl Larenz (1903-1993) foi jurista e filósofo do direito alemão. Foi professor de duas importantes universidades da Alemanha: Universidade de Kiel e a Universidade Munique, nesta derradeira lecionou de 1960 até o fim de sua carreira acadêmica. Foi um dos pensadores da escola da jurisprudência de valores ou de princípios. Esta escola representa no processo de evolução do direito uma superação das contradições do positivismo jurídico, e por tal razão, é considerada por alguns como semelhante à escola do pós-positivismo. A jurisprudência dos calores caracteriza uma forma de se entenderem os conceitos de incidência e a interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão em regras e princípios, além de conceitos como igualdade, liberdade e justiça.

[32] O devido processo legal substancial transcende a simples decisão formal promovida pelo juiz de direito diante do caso concreto. Canotilho leciona que: “A teoria substantiva está ligada à ideia de um processo legal justo e adequado, materialmente informado pelos princípios da justiça, com base nos quais os juízes podem e devem analisar os requisitos intrínsecos da lei”. Dirige-se em primeiro momento ao legislador, constituindo-se num limite à sua atuação posto que deva pautar-se pelos critérios de justiça, razoabilidade e racionalidade. Já o devido processo legal em sentido formal tem como principal destinatário o juiz como representante do Estado.

Pois a ele compete o dever de obedecer aos ritos, bem como seus demais aspectos que circundam o processo, sem, portanto, o eivá-lo de nulidade, ou suprimindo de quaisquer garantias das partes. Corresponde a garantia que a parte tem em saber o que vai acontecer dentro processo, sem invocações, que possam comprometer seu direito. Em outras palavras é a regularidade formal em todo o procedimento já pré-estabelecido pela Lei em todos os seus termos.

[33] A Teoria neo-Institucionalista do processo preconiza fiscalidade (controle de constitucionalidade aberto a qualquer povo) do processo legiferante nas bases intituintes e constituintes da legalidade, vem como na atuação e modificação, aplicação ou extinção do direito constituído e trabalha a socialização do conhecimento crítico-democrático em pressupostos (direito fundamental) de auto-ilustração (dignidade) pelo exercício da cidadania como legitimação ao direito-de-ação coextenso ao procedimento processualizado”.

[34] Nesta pós-modernidade, o processo como instituição se infere “pelo grau da autonomia jurídica constitucionalizada a exemplo do que desponta no discurso do nosso texto constitucional”.

Portanto, é considerável a conquista da fundamentação do processo em princípios e institutos que repudiam a repressão e concentração política.  Hoje, a Jurisdição Constitucional realizada pelo processo, representa uma condição de igualdade institucional entre o Estado e os cidadãos.  Diante deste pensamento, Rosemiro afirma que no pós-modernismo não pode haver também “hierarquia de instituições jurídicas ou a prevalência de uma sobre as outras no bojo constitucional”, pois a constituição, sem sombra de dúvida, uma fonte jurídico-institucional, não representa um Estado instrumental.

 

[35] Antônio Castanheira Neves (1929) é filósofo do direito português e professor jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O direito deve ser entendido através da ideia de problema jurídico, de que são principal exemplo, os casos judiciais. Os problemas têm de serem resolvidos problemas jurídicos.

Estes, sim, são o ponto de partida necessário. A oposição de Castanheira Neves ao positivismo, ao jusnaturalismo e as várias teorias do silogismo jurídico, o que o tornou um dos primeiros defensores do interpretativíssimo jurídico, posição bem próxima da hermenêutica jurídica. O doutrinador lusitano afirma que a interpretação jurídica não é um elemento necessário da argumentação jurídica. O direito provém sempre é dos problemas jurídicos, que são concretos, historicamente situados, normativos e práticos.

Toda a decisão jurídica visa determinar o que é que alguém deve fazer num caso concreto, numa situação histórica e social concreta. A decisão judicial é também, em si mesma, uma ação. E, a interpretação, pelo contrário, nem sempre é necessária e, quando o é, é instrumental.

[36] A proposta de estabilização da tutela antecipada trata-se de uma revolução operada dentro do sistema processual brasileiro que sempre primou pela cognição plena e exauriente. Portanto, resta a adoção da possibilidade de um julgamento fundado no juízo de verossimilhança e na probabilidade, antes necessariamente provisório – adquirir imutabilidade que só era atribuída aos julgamentos definitivos de mérito. Consagra-se enfim um direito autônomo à tutela de urgência. Apesar de que o sistema não abandonou completamente a ideia de ordinariedade mas apenas a condicionou à iniciativa da parte interessada.

Guerra Fiscal – Inconstitucionalidade da Glosa de Créditos de ICMS

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Como bem se sabe, o direito ao crédito de ICMS é expressamente assegurado pelo artigo 155, § 2º, inciso I, da Constituição da República, cujo teor vale recordar, verbis:

“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

(…)

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

(…)

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

(…)” (nossos os grifos)

 

A limitação relativa ao aproveitamento do crédito do imposto, decorrente de aquisições de mercadorias, restringe-se apenas e tão somente aos casos de isenção ou não incidência, conforme previsão do § 2º, inciso II, alíneas a e b, do artigo 155, da Magna Carta.

                                                                             Assim é que, não sendo o caso de isenção ou não incidência, o exercício do direito ao crédito do ICMS, pelo contribuinte que adquire insumos ou mercadorias destinadas a revenda, não pode sofrer qualquer restrição senão pela própria Constituição Federal, sob pena de manifesta violação ao princípio da não-cumulatividade.

                                               De acordo com o Professor Paulo de Barros Carvalho, “A não-cumulatividade dista de ser mera recomendação do legislador constituinte, para fins de orientação das entidades tributantes. É diretriz básica, sem observância da qual se quebra a homogeneidade do imposto, rompendo-se o programa nacional que a Constituição estipulou. Nenhum Estado ou o Distrito Federal poderá passar ao largo desse princípio. É algo que se impõe com caráter incisivo a todos os destinatários” (in “Guerra Fiscal – Reflexões Sobre a Concessão de Benefícios No Âmbito do Icms”; São Paulo; Editora Noeses, 2.012, p; 64).

 

Neste mesmo sentido é a lição de Roque Antonio Carrazza, verbis:

“A dicção constitucional compensando-se o que for devido…confere, de modo direito, ao sujeito passivo do ICMS, o direito de abatimento, oponível ipso facto, ao Poder Público, no caso deste agir de modo inconstitucional, seja na instituição (providência legislativa), seja na cobrança (atividade administrativa) do tributo.

Efetivamente, a regra não encerra mera sugestão, que o legislador ou a Fazenda Pública poderão, ou não, acatar. Ela aponta sim uma diretriz imperativa, que dá ao contribuinte o direito de ver observado, em cada caso concreto, o princípio da não-cumulatividade do ICMS” (in “Curso de Direito Constitucional Tributário”; 13ª edição; São Paulo, Malheiros, 1.999, p. 568)

Como se vê, o mecanismo da não-cumulatividade há sempre que ser observado, fazendo nascer para o contribuinte, toda vez que ele adquire uma mercadoria ou um serviço com incidência do imposto, um crédito fiscal, que não pode sofrer quaisquer restrições por parte do legislador infraconstitucional ou pela Fazenda Pública.

Fixadas estas premissas, é possível concluir, sem maiores esforços, pela ilegitimidade da glosa, empreendida pelo Estado de destino de mercadorias, dos créditos de ICMS tomados por empresa adquirente, com base em documento fiscal emitido por empresa sediada em outro Estado – que goza de incentivos fiscais, previstos em normas não submetidas à aprovação do CONFAZ – com destaque do imposto, sendo conflitante com a Carta da República, no particular, o diploma normativo que trata deste tema.

Referido Diploma Normativo, consubstanciado na Lei Complementar nº 24/75, estabelece o seguinte, naquilo que interessa ao presente estudo:

“Art. 1º – As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.

Parágrafo único – O disposto neste artigo também se aplica:

(…)

IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus;

(…)”

“Art. 2º – Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal.

  • 1º – As reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação.
  • 2º – A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.
  • 3º – Dentro de 10 (dez) dias, contados da data final da reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada no Diário Oficial da União.”

“Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

II – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.”

Ora, conforme já explicitado, o direito ao crédito de ICMS, como direito constitucional que é (artigo 155, § 2º, inciso I, da Carta da República) não pode sofrer qualquer restrição senão pela própria Constituição Federal.

Em sendo assim, não há como negar que realmente mostra-se conflitante com a Magna Carta, porquanto contrária ao princípio da não-cumulatividade, a previsão contida no artigo 8º, da Lei Complementar nº 24/75, segundo a qual serão glosados, pelo Estado de destino, os créditos de ICMS, decorrentes de aquisições de mercadorias de empresas sediadas em outras Unidades da Federação, que gozam de incentivos fiscais, previstos em normas não submetidas à aprovação do CONFAZ.

Como bem observado pelo Professor Paulo de Barros Carvalho, “Não podemos esquecer que o Texto Constitucional atribui ao legislador complementar a competência para fixar a forma de concessões das isenções, incentivos e benefícios fiscais, sem, no entanto, permitir a determinação de sanções à sua inobservância, muito menos quando a sanção estabelecida acarreta a anulação de créditos, em manifesta violação ao princípio da não-cumulatividade, e possibilita a exigência de ICMS pelo Estado ou Distrito Federal de destino da mercadoria ou serviço, pessoa política que, nos termos da Constituição da República, não é competente para tanto” (obra citada, p. 73).

                                                                             Aliás, a previsão contida no já referido artigo 8º, da LC nº 24/75, também encontra óbice no pacto federativo, na presunção de validade das leis e na competência do Poder Judiciário, na medida em que não se mostra possível permitir que um Estado da Federação, ao se sentir lesado pela lei de outro Estado, julgue tal lei como inconstitucional (por descumprimento da forma exigida para a concessão do benefício ou incentivo fiscal) e, a partir de tal julgamento, passe a adotar postura de retaliação em relação ao mesmo (não aceitando créditos oriundos de aquisições feitas de estabelecimentos localizados no Estado que concedeu o benefício fiscal e exigindo, por via indireta, tributos por ele não cobrados).

Tal conduta insere-se no conceito de autotutela, que é expressamente vedada no ordenamento jurídico pátrio, o qual prevê que toda e qualquer ameaça ou lesão a direito deve ser apreciada pelo Poder Judiciário (artigo 5º, incisos XXXV e XXXVII, da CF/88).

A aferição quanto à constitucionalidade de determinada norma que venha a conceder este ou aquele benefício ou incentivo fiscal, ainda que sem aprovação do CONFAZ, é tarefa exclusiva do Poder Judiciário, mais precisamente do Colendo Supremo Tribunal Federal.

A propósito do tema, veja-se a lição de José Souto Maior Borges, citado por Paulo de Barros Carvalho, verbis:

“Não pode, entretanto, um Estado-membro da Federação impugnar, glosando-o, o crédito de ICMS destacado em documento fiscal, sob o pretexto de violação ao art. 155, parágrafo 2º, ‘g’, da CF (…) Não será correto reconhecer ao Estado-membro competência para, independentemente de um posicionamento jurisdicional, sobretudo em ação declaratória de inconstitucionalidade da lei ou dos atos infralegais impugnáveis, glosar o crédito havido como indevido. Ser ou não devido o creditamento do ICMS, nas relações interestaduais, é algo que somente pode ser indicado, em nosso regime federativo, pelo Supremo Tribunal Federal. O contrário importaria admitir pudesse um Estado-membro desconstituir por portas travessas a legalidade editada por outro, com comportamento ofensivo à federação, naquilo que é atributo essencial do pacto federativo nacional, a harmonia interestadual. E portanto instaurar-se-ia o império da desarmonia, contra a arquitetônica constitucional do federalismo brasileiro”  (obra citada, p. 76).

Destarte, se outro Estado da Federação concede benefícios fiscais de ICMS sem a observância das regras da Lei Complementar nº 24/75 e sem autorização do CONFAZ, cabe ao Estado lesado obter junto ao Colendo Supremo Tribunal Federal, por meio de ADI, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo daquele outro Estado e não simplesmente autuar os contribuintes sediados em seu território.

No ponto, vale a transcrição, uma vez mais, da lição do Professor Paulo de Barros Carvalho, in verbis:

“A Constituição de 1988 assegura às pessoas políticas o direito de proporem ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal visando a extirpar do ordenamento jurídico as normas que legitimamente tenham por objeto a concessão de benefícios fiscais unilaterais. Inconcebível, portanto, que qualquer das unidades federadas pretenda afastar os efeitos da concessão de benefícios fiscais que considera indevidos, fazendo-o mediante simples glosa de créditos, elegendo o contribuinte como ‘inimigo’ nessa ‘guerra fiscal’, e não o Estado que teria editado norma violadora do Texto Maior. Até mesmo porque o adquirente das mercadorias e serviços, tendo amparo documental que contenha todos os elementos do negócio mercantil, não tem a obrigação nem as condições necessárias para pesquisar eventual existência de incentivo fiscal concedido ao fornecedor.

Sobremais, além de faltar competência ao contribuinte para controlar a constitucionalidade de qualquer benefício fiscal concedido, caso este venha a ser declarado inconstitucional pelo órgão competente – o excelso STF -, a consequência será a imediata exigibilidade do crédito tributário relativo ao tributo não recolhido ao Estado de origem, que o havia dispensado ou reduzido de forma considerada indevida pelo Judiciário.

Contrariamente, a aplicar-se o preceito do art. 8º da Lei Complementar nº 24/75, estaria o Estado de destino das mercadorias e serviços habilitado a, ele próprio, fazer julgamento acerca da legalidade e constitucionalidade dos incentivos fiscais e, considerando-os indevidos, exigir o imposto não cobrado pela unidade federada de origem. Tal atitude, além de suprimir a apreciação judicial, representa manifesta ameaça ao pacto federativo, uma vez que acarreta a exigência do imposto estadual pela pessoa política destinatária da mercadoria ou serviço, desprezando a repartição constitucional das competências tributárias e o caráter nacional do ICMS. Caracteriza, também, nítida ofensa ao princípio da não-cumulatividade, preceito constitucional que não comporta restrição de espécie alguma, salvo aquelas que o próprio constituinte relacionou: isenção e não-incidência. A Constituição só proíbe o crédito do imposto nessas duas hipóteses, motivo pelo qual os incentivos concedidos mediante a adoção de técnicas diversas, como redução do imposto devido, da base de cálculo, diferimento ou até mesmo escrituração de crédito presumido, não possibilitam seja o creditamento obstado. Em casos como esses, tendo o benefício fiscal sido concedido sem autorização em convênio, cabe ao Poder Judiciário declará-lo inconstitucional, determinando que o ICMS seja exigido em consonância com o arcabouço constitucional do tributo, isto é, pelo Estado de origem das mercadorias e serviços.”

A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça alberga o entendimento até aqui esposado, conforme se infere pela leitura dos seguintes precedentes:

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. GUERRA FISCAL. TENSÃO CRIADA ENTRE OS SISTEMAS TRIBUTÁRIOS DOS ESTADOS FEDERADOS DO BRASIL. CONFAZ. NECESSIDADE DE SOLUÇÃO PELA VIA JURISDICIONAL, COM AFASTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. RECURSO PROVIDO.

  1. A impropriamente denominada guerra fiscal é um mecanismo legítimo dos Estados periféricos do capitalismo brasileiro, para tornar atraentes as operações econômicas com as empresas situadas em seus territórios; a exigência de serem as Resoluções do CONFAZ aprovadas por unanimidade dá aos Estados centrais o poder de veto naquelas deliberações, assim cirando a tensão entre os sistemas tributários dos Estados Federados do Brasil.
  2. Somente iniciativas judiciais, mas nunca as apenas administrativas, poderão regular eventuais conflitos de interesses (legítimos) entre os Estados periféricos e os centrais do sistema tributário nacional, de modo a equilibrar as relações econômicas entre eles, em condições reciprocamente aceitáveis.
  3. Recurso provido.” (RMS 38.041/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 04/11/2013)

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. CONCESSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO AO FORNECEDOR NA ORIGEM. PRETENSÃO DO ESTADO DE DESTINO DE LIMITAR O CREDITAMENTO DO IMPOSTO AO VALOR EFETIVAMENTE PAGO NA ORIGEM. DESCONSIDERAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL CONCEDIDO. IMPOSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO. LEI. AUTORIZAÇÃO. AUSÊNCIA.

  1. O mandamus foi impetrado contra ato do Secretário de Estado da Fazenda, com o objetivo de afastar a exigência do Fisco de, com base no Decreto Estadual 4.504/04, limitar o creditamento de ICMS, em decorrência de incentivos ou benefícios fiscais concedidos pelo Estado de origem da mercadoria. Deve-se destacar que a discussão travada na lide não diz respeito à regularidade do crédito concedido na origem, mas à possibilidade de o ente estatal de destino obstar diretamente esse creditamento, autuando o contribuinte que agiu de acordo com a legislação do outro ente federativo.
  2. Admite-se o mandado de segurança quando a impugnação não se dirige contra a lei em tese, mas contra os efeitos concretos derivados do ato normativo, o qual restringe o direito do contribuinte de efetuar o creditamento do ICMS.
  3. Na hipótese, o Secretário de Estado da Fazenda possui legitimidade para figurar no feito, porquanto, nos termos do art. 22 da Lei Complementar Estadual nº 14/92, compete-lhe proceder à arrecadação e à fiscalização da receita tributária, atribuições que se relacionam diretamente com a finalidade buscada na ação mandamental.
  4. O benefício de crédito presumido não impede o creditamento pela entrada nem impõe o estorno do crédito já escriturado quando da saída da mercadoria, pois tanto a CF/88 (art. 155, § 2º, II) quanto a LC 87/96 (art. 20, § 1º) somente restringem o direito de crédito quando há isenção ou não-tributação na entrada ou na saída, o que deve ser interpretado restritivamente. Dessa feita, o creditamento do ICMS em regime de não-cumulatividade prescinde do efetivo recolhimento na etapa anterior, bastando que haja a incidência tributária.
  5. Se outro Estado da Federação concede benefícios fiscais de ICMS sem a observância das regras da LC 24/75 e sem autorização do CONFAZ, cabe ao Estado lesado obter junto ao Supremo, por meio de ADIn, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo de outro Estado – como aliás foi feito pelos Estados de São Paulo e Amazonas nos precedentes citados pela Ministra Eliana Calmon – e não simplesmente autuar os contribuintes sediados em seu território.

Vide ainda: ADI 3312, Rel. Min. Eros Grau. DJ. 09.03.07 e ADI 3389/MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ. 23.06.06).

  1. A compensação tributária submete-se ao princípio da legalidade estrita. Dessa feita, não havendo lei autorizativa editada pelo ente tributante, revela-se incabível a utilização desse instituto. Precedentes.
  2. Recurso ordinário em mandado de segurança provido em parte.” (RMS 31.714/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 19/09/2011)

Do voto do relator do último julgado cuja ementa foi acima transcrita, Ministro Castro Meira, extrai-se a seguinte passagem:

“(…)

Recentemente, a Ministra Ellen Gracie concedeu antecipação de tutela em ação cautelar (AC 2611/MG) para suspender a exigibilidade de tributo cobrado pelo Estado de Minas Gerais decorrente de glosa ao creditamento realizado por contribuinte sediado em seu território que adquiriu mercadorias oriundas do Estado de Goiás.

No decisum, a eminente Relatora deixa claro que o único caminho possível a ser percorrido pelos Estados que se sintam prejudicados pela chamada ‘Guerra Fiscal’ é a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra as normas locais de outra unidade federada que não respeitem as disposições constitucionais e legais relativas à concessão de benefícios fiscais no âmbito do ICMS.

(…)”

Vale a transcrição, aqui, de trecho da decisão da Ministra Ellen Gracie, proferida na AC nº 2611/MT, referida pelo Ministro Castro Meira, in verbis:

“(…)

É que o Estado de Minas Gerais, inconformado com a inconstitucionalidade de crédito de ICMS concedido pelo Estado de Goiás, teria glosado parcialmente a apropriação de créditos nas operações interestaduais, com isso ofendendo a sistemática da não-cumulatividade desse imposto e a alíquota interestadual fixada pelo Senado, ambas com assento constitucional.

Entendo, pois, que há relevante discussão de índole constitucional, de modo que é o caso de reconsiderar a decisão recorrida e de conhecer do pedido de liminar.

  1. A pretensão de suspensão da exigibilidade do crédito, com a consequente suspensão da execução fiscal, merece acolhida.

Há forte fundamento de direito na alegação de que o Estado de destino da mercadoria não pode restringir ou glosar a apropriação de créditos de ICMS quando destacados os 12% na operação interestadual, ainda que o Estado de origem tenha concedido crédito presumido ao estabelecimento lá situado, reduzindo, assim, na prática, o impacto da tributação.

Note-se que o crédito outorgado pelo Estado de Goiás reduziu o montante que a empresa teria a pagar, mas não implicou o afastamento da incidência do tributo, tampouco o destaque, na nota, da alíquota própria das operações interestaduais.

Ainda que o benefício tenha sido concedido pelo Estado de Goiás sem autorização suficiente em Convênio, mostra-se bem fundada a alegação de que a glosa realizada pelo Estado de Minas Gerais não se sustenta. Isso porque a incidência da alíquota interestadual faz surgir o direito a apropriação do ICMS destacado na nota, forte na sistemática de não-cumulatividade constitucionalmente assegurada pelo art. 155, § 2º, I, da Constituição e na alíquota estabelecida em Resolução do Senado, cuja atribuição decorre do art. 155, § 2º, IV.

Não é dado ao Estado de destino, mediante glosa à apropriação de créditos nas operações interestaduais, negar efeitos aos créditos apropriados pelos contribuintes.

Conforme já destacado na decisão recorrida, o Estado de Minas Gerais pode arguir a inconstitucionalidade do benefício fiscal concedido pelo Estado de Goiás em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo certo que este Supremo Tribunal tem conhecido e julgado diversas ações envolvendo tais conflitos entre Estados, do que é exemplo a ADI 2.548, rel. Min. Gilmar Mendes, FJ 15.6.2007.

Mas a pura e simples glosa dos créditos apropriada é descabida, porquanto não se compensam as inconstitucionalidades, nos termos do que decidiu este tribunal quando apreciou a ADI 2.377-MC, DJ 7.11.2003, cujo relator foi o Min. Sepúlveda Pertence:

‘2. As normas constitucionais, que impõem disciplina nacional do ICMS, são preceitos contra os quais não se pode opor a autonomia do Estado, na medida em que são explícitas limitações.

  1. O propósito de retaliar preceito de outro Estado, inquinado da mesma balda, não valida a retaliação: inconstitucionalidades não nãos e compensam.’

O risco de dano está presente no fato de que a sede administrativa da Requerente está na iminência de ser leiloada.

  1. A pretensão manifestada pela Requerente não equivale, propriamente, à simples atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário. Para que seja obstado o curso da Execução Fiscal, faz-se necessária a concessão de tutela com tal efeito, conforme já destacado por este Tribunal por ocasião do julgamento da AC 2.051 MC-QO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe 9.10.2008. A pretensão, pois, em verdade, exige a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
  1. Ante o exposto, reconsidero a decisão anterior, conheço da ação cautelar e concedo medida liminar, para suspender a exigibilidade do crédito em cobrança, nos termos do art. 151, V, do CTN, sustando, com isso, a execução e os respectivos atos expropriatórios.”

Como se vê, também a Corte Suprema já expressou entendimento a respeito do tema ora em debate, assentando que a glosa pura e simples de créditos apropriados por contribuintes sediados no Estado de destino é ilegítima, pois não é aceitável que um erro seja compensado com outro, devendo o equívoco cometido pelo Estado de origem – ao conceder benefícios de ICMS ao arrepio das normas que exigem autorização do CONFAZ – ser solucionado no âmbito do Poder Judiciário, por meio da propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

Os precedentes acima transcritos estão a revelar que a jurisprudência pátria, mormente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, impõe a observância, pelo Estado de destino, do crédito de ICMS tomado pelo contribuinte sediado em seu território, decorrente de aquisição de mercadorias de empresa sediada em outra Unidade da Federação, mesmo que tal empresa goze de benefício fiscal que não foi submetido à aprovação do CONFAZ.

Considerações sobre o processo de conhecimento e o CPC/2015.

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As bases para novo conceito de processo na sistemática brasileira é inaugurada com o CPC/2015 que enxerga o processo como um procedimento em contraditório e, se preocupa com a efetiva prestação jurisdicional ofertada em tempo razoável e com respeito aos direitos fundamentais, principalmente o acesso à justiça.

 

O que plenamente justifica a atualização evolutiva do direito processual brasileiro que abandona a doutrina de Büllow e adota francamente Élio Fazzallari. Com ênfase à primazia do julgamento do mérito e que busca efetivamente sair da cultura do julgamento para a cultura da resolução do conflito, seja pelos meios autocompositivos ou por meios judiciosos. Mas, jamais dissociados do respeito ao princípio da boa-fé objetiva e ao princípio da cooperação presente no art. 6º do CPC/2015.

 

Em face do caráter geral e abstrato do conceito de relação jurídica, o que vem a neutralizar o conceito real de relação em vida, não escapando a teoria de Büllow de um cientificismo neutro e bem peculiar da pandectística.

 

É verdade que a teoria de Büllow fora capaz de demonstrar a dinâmica que envolve o demandante quando busca a tutela jurisdicional, mas encobriu as reais intenções do Estado que guarda o monopólico da jurisdição ou de quem exerce o poder, além de ignorar as necessidades das partes entendidas nas situações de direito material e as diferentes realidades dos casos concretos.

 

A pretensa neutralidade do conceito de relação jurídica camuflou a realidade concreta, apesar de que contribuiu para a formação da ciência processual que nasceu inicialmente imersa em si mesma e longe da realidade material da vida.

 

Wassermann[1] doutrinador alemão contemporâneo aludiu a respeito do conceitualismo pertinente ao processo civil do Estado Liberal Clássico que fora  traçado pelo nível de abstração, sendo a principal marca de enraizamento ZPO no pensamento burguês e liberal.

 

Afinal tanto o conceitualismo quanto a alta abstração foram típicos do direito civil da época e que contaminou todo o ZPO, considerado o baluarte do formalismo processual.
A lógica do BGB (Código Civil Alemão) e suas principais referências o cunharam de formalidade e isolado das referências sociais e passando para o ZPO tais características que defendiam que toda a criação jurídica deve ser abstrata, se abstraindo e se distanciando completamente da realidade.

 

O postulado da igualdade era formal, perante a lei e raramente debatido era identificado em matérias relacionadas à assistência judiciária gratuita aos pobres e indigentes era discutida e disciplinada.

 

Naquele tempo para o direito processual a parte existente era somente a constante no rol processual. No esquema da relação jurídica processual, a figura central era a jurisdição (daí o porquê ser também chamado de direito jurisdicional) e do desprezar a realidade concreta dos seus sujeitos, pôde-se acolher qualquer forma de exercício de poder.

 

Lembremos que nenhum Estado é neutro e tem fins e projetos orquestrados segundo seus valores. Porém, tal obviedade era ignorada pelo conceito pandectístico da relação jurídica processual.

 

Em verdade, a cientificidade do conceito de relação jurídica processual, esconde a verdadeira face da parte, e ignora a realidade social. Sendo impossível cogitar na legitimidade da jurisdição com base apenas na efetividade da participação as partes na formação da decisão.
A legitimidade do poder relaciona-se com a efetividade da participação das partes e, ainda na consideração dos aspectos sociais que são relevantes para materializar o acesso à justiça e garantir o acesso à ordem jurídica justa.
A crítica ao conceito de relação jurídica processual dirigiu-se à sua neutralidade descompromissada com a realidade da vida do homem, trata-se de uma crítica ideológico-cultural.

 

O processo contemporâneo vai além da relação que envolve juiz e as partes. E, está compromissado com os valores do Estado Constitucional. O processo é instrumento[2] por meio do qual Estado cumpre seu dever de dar tutela aos direitos, devendo ser focalizado por diversos ângulos que são imprescindíveis a concretização de um processo adequado.

 

Contudo, a participação das partes no procedimento embora relevante sozinha seria insuficiente para conferir legitimidade da jurisdição. Afinal, além de a parte ter o direito de influenciar na formação do convencimento do juiz, tem também o direito ao procedimento adequado à tutela do direito material.

 

Tal direito incide sobre o legislador obrigando-o a instituir procedimentos idôneos assim como sobre o juiz, especialmente em razão das normas processuais abertas que permitem às partes o poder de estruturar o procedimento segundo as necessidades do direito material do caso concreto.

 

O processo, nessa perspectiva exige mais um plus em relação à fria e neutra concepção de relação jurídica processual. Assim a adequação procedimental está relacionada aos princípios constitucionais de justiça. A legitimidade da jurisdição não depende apenas da participação dos jurisdicionados, mas igualmente da legitimidade de sua própria decisão que para Luhmann[3], não se apresenta como questão autônoma.

 

Inegavelmente uma das questões mais empolgantes do processo contemporâneo é a legitimidade da decisão jurisdicional especialmente quando o julgador confronta a lei infraconstitucional diante dos direitos fundamentais, tarefa imprescindível ao Estado Constitucional[4].

 

Sobre essa tormentosa questão controvertem-se no mínimo três correntes doutrinárias, a saber: os textualistas, os procedimentalistas e os substancialistas, cada uma dando sua solução ao problema da legitimidade da decisão, o que afeta a jurisdição e o processo que necessariamente aponta para decisão posto legitimada pelos direitos fundamentais.

 

Lembremos que a decisão judicial é o ato máximo de positivação do poder jurisdicional, ou seja, a razão de ser e de seu desenvolvimento.

 

O processo, ao culminar em decisão que coloca o direito fundamental em confronto com a lei infraconstitucional o que requer abertura à participação e observância de argumentação peculiar, inclusive o próprio juiz.

 

A percepção da autonomia e a natureza pública do direito processual não constitui fundamento para se perguntar apenas pelo fim do processo esquecendo-se do procedimento.

 

Engana-se que vê no procedimento mera sequência de atos que não tem finalidade e nem visa atender aos objetivos e necessidades específicas.

 

O procedimento no plano dinâmico tem evidente compromisso com os fins do processo e da jurisdição e, portanto, com a tutela dos direitos.··.

 

O processo visto como instrumento para a atuação da lei na esteira de Wach[5] e Chiovenda não permite perceber que a jurisdição depende do procedimento que é fixado em abstrato pelo legislador e, é aplicado e construído no caso concreto e, assim, compreendido pelo juiz.

 

A jurisdição no Estado contemporâneo caracteriza-se a partir do dever estatal de dar tutela aos direitos, com base nos direitos fundamentais, seja através de normas, princípios e atividades de jurisdição.

 

Ademais, o Estado Constitucional tem o dever de proteger todas as espécies de direito, com isso o juiz, é mais que mero aplicador da lei, tem o dever de compreender a lei a partir dos direitos fundamentais, no caso concreto.

 

É verdade que a sentença ao interpretar a lei e aplicá-la confere características ao caso concreto, mas é impossível que diante da pluralidade da sociedade e das constantes transformações dos fatos sociais, é necessário muito mais que isso, uma vez que a interpretação da lei, ou a norma formulada pelo juiz, depende do sentido outorgado ao texto e ao caso concreto. Portanto, é imprescindível compreender o caso concreto.

 

O significado redimensionado do contraditório foi ampliado a partir daquele previsto pelo direito liberal. Vai além da simples bilateralidade em audiência, estabelecendo o dever de diálogo e o direito de influência sobre o convencimento judicial e, na vedação da decisão-surpresa.

 

Embora o CPC/2015 aluda ao processo de conhecimento e ao processo de execução, é preciso reconhecer que o processo não possa ser qualificado como de conhecimento ou como de execução.

 

Isto porque conhecer e executar são atividades desempenhadas pelo juiz ao longo do processo. Conhecimento e execução são técnicas processuais que o juiz se vale para satisfazer ou acautelar os direitos, valendo-se do processo.

 

Embora o CPC de 2015 aluda ao processo de conhecimento e ao processo de execução, é preciso reconhecer que o processo não possa ser qualificado como de conhecimento ou de execução. Isto porque conhecer e executar são atividades desempenhadas pelo juiz ao longo do processo.

 

Conhecimento e execução são técnicas processuais que o juiz se vale para satisfazer ou executar os direitos, valendo-se do processo.
Essa divisão atende mais a organização ligada à tradição encarnada e positivada pelo Código Buzaid, do que a uma necessidade teórica ou prática supostamente inerente à estruturação do processo civil.

 

A rigor, o CPC/2015 sequer poderia ser chamado de processo de conhecimento na medida em que se admite a antecipação de tutela, e o cumprimento de sentença que deduzem a prática de atos concretos que interferem efetivamente na órbita jurídica das pessoas. Fazendo-nos a admitir que o processo de conhecimento admita dentro di si a atividade executiva, o que reflete evidente contradição.

 

O CPC/2015 não mais divide o procedimento comum de cognição ampla e exauriente em ordinário e sumário, como fazia o Código anterior.

 

O procedimento comum é aquele que se aplica à tutela cognitiva em caráter geral, é apenas um. Salvo os procedimentos especiais, todas as ações de cognição (aquelas que objetivam a uma sentença de definição de um conflito caracterizado pela incerteza de uma situação jurídica controvertida) submetem0se ao procedimento previsto pelos arts. 318 ao art. 538 do CPC/2015.

 

O procedimento no direito brasileiro é sincrético ou unitário, assim, há uma única relação processual que se presta a alcançar a sentença que define a situação conflituosa.

 

Não vige a velha dicotomia entre a ação de conhecimento e a ação de execução de sentença (actio iudicati). O cumprimento da sentença é apenas um capítulo ou parcela do procedimento comum que se segue à definição do direito subjetivo material, ameaçado ou lesado, rumo a realizar, concretamente a prestação a que faz jus aquele que provimento judicial que reconheceu como titular de uma situação de vantagem tutelada pela ordem jurídica.

 

O Código Buzaid em sua manjedoura em 1964 fora entregue ainda na qualidade de mero Anteprojeto, atendendo ao convite do então Ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta. Veio somente em 1972, finalmente como projeto fora encaminhado para o Congresso Nacional, sendo aprovado e sancionado em 1973, pelo Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, devidamente coadjuvado pelo então Ministro da Justiça e seu autor, Alfredo Buzaid.

 

Sofrera o Código Buzaid forte influência da processualística alemã do século XIX quando predominava o pensamento pandectista, que, aliás, retirou seu nome do Pandectas também conhecido como Digesto que representava uma vasta compilação de textos de mais 1500 livros escritos por jurisconsultos da época romana clássica e que buscava a integração do Direito Romano modificado pelo Direito Canônico (e ressalte-se humanizado por este) às leis imperiais alemãs e ao direito consuetudinário local.

 

Possuía cunho primordialmente normativista, considerando que o costume jurídico encontra sua força cogente por meio da vontade do legislador, plasmada pelo direito positivo. Sua principal contribuição foi o uso do conjunto de sistematização e da terceirização da experiência jurídica.

 

O pandectismo repudiava as teorias jusnaturalistas bem como a concepção absoluta ou abstrata da ideia do direito, considerado como um corpo de normas positivas a ser estabelecido com base no sistema científico do direito romano e, apresentava pontos de identidade com a Escola Francesa da Exegese[6], desenvolvida na mesma época.

 

Diferentemente dos franceses cuja premissa era a lei positivada e consubstanciada pelos Códigos promulgados por Napoleão Bonaparte, os pandectistas, ante a inexistência de legislação semelhante à francesa, procuravam se inspirar mais nos estudos romanísticos da Escola Histórica do Direito[7].

 

Chiovenda[8] fora doutrinador essencial e esclarecedor ao elaborar o estudo “Romanismo e germanismo no processo civil” em 1901 que consoante Calamandrei[9], um dos mais vigorosos discípulos do autor, constitui um dos pilares de toda obra chiovendiana, sendo célebre também o estudo publicado em 1903 e intitulado “A ação no sistema dos direitos”.

 

Buzaid recomendou a obra “Instituições de Processo Civil” de Chiovenda como sendo o livre-mestre para a compreensão de todo o CPC/1973, o que fora reforçado pelo ilustre doutrinador Cândido Rangel Dinamarco.
A influência do conceitualismo processual[10] europeu no CPC/73 é nítida e notável a partir de sua estrutura. E, mesmo em linhas básicas podiam ser compreendidas diante de suas relações com a realidade social e o direito material civil que vivenciava o mesmo clima de cientificismo da época.

 

Na época de Buzaid bastavam existir o processo de conhecimento, de execução e cautelar. Isto porque, devido à visão conceitualista, o que interessava eram apenas conceitos apenas puramente processuais, impermeáveis ao direito material.

 

O processo[11] de conhecimento visa dar a razão a uma das partes mediante sentença declaratória, constitutiva ou condenatória. Inicia com a propositura da ação que representa o direito ao processo e a um julgamento de mérito que termina com a prolação de sentença.

 

O estudo da distinção entre o processo e o procedimento é um marco referencial da evolução científica alcançada pelo direito processual. Por muito tempo a natureza jurídica do processo tido como relação jurídica defendida por Büllow em sua obra sobre as exceções e os pressupostos processuais feita em 1868.

 

A imanência do processo à jurisdição por ser instrumental é fundamento para o agrupamento em classificação conforme os fins da tutela requerida, por isso, a doutrina aponta três clássicos tipos: o processo de cognição, de execução e o cautelar.
O processo de conhecimento é aquela onde a tutela jurisdicional exerce a mais genuína das missões: a de dizer o direito, a do poder de julgar. A execução é necessariamente posterior à cognição ou, pelo menos, à atividade que lhe deu origem. Há a conexão sucessiva entre a execução e cognição. Atua o juiz em execução através de meios sub-rogatórios.

 

O critério que fundamenta a separação entre a cognição[12] e a execução é o critério da atividade do juiz. Pelo direito romano clássico não se trata de fases distintas de um mesmo processo, mas atividades que devem ser realizadas, de maneira naturalmente autônoma, em dois processos distintos.
Naquele o juiz apenas conhece com o fim de decidir a causa, já no outro promove a adequação da realidade àquilo que se encontra expresso no título executivo.

 

Já o processo cautelar visa assegurar que uma das partes, ou o próprio processo venha a sofrer dano jurídico ocasionado pelo perigo de demora. O provimento cautelar é, nessa linha, dependente do provimento do processo de cognição ou de execução.

 

É uma proteção provisória emprestada aos processos de conhecimento e de execução. Por essa razão, passou a se chamar tutela provisória[13] que se divide em tutela de urgência e tutela de evidência.

 

No contexto do Estado Constitucional do CPC de 2015 só pode ser entendido como sério esforço do legislador infraconstitucional para densificar o direito de ação como direito a um processo justo e, muito especialmente, como um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva.

 

E, o mesmo se aplica ao direito de defesa. O processo civil passa a ser concretização dos direitos fundamentais processuais civis previstos na Constituição vigente. O CPC/2015 reafirma-se como código contemporâneo e, antes de tudo, um Código Central, cuja ordem e unidade estão asseguradas pela Constituição Federal vigente.

 

O novo CPC brasileiro conta com uma parte geral e uma parte especial dividida em processo de conhecimento, cumprimento de sentença e processos nos tribunais e os meios de impugnação das decisões judiciais.

 

Segundo Marinoni basicamente a divisão até centrada em processo de conhecimento e processo de execução. E, tanto um como o outro processo se resolvem como sincréticos. A rigor, o processo de cognição não é somente de conhecimento assim como o processo de execução não é apenas execução puta.

 

Deve o CPC/2015 ser visto e interpretado pela tutela de direitos, sendo apropriado haver uma reconstrução interpretativa do sistema processual do novo CPC com base na teoria da tutela dos direitos.

 

Dogmaticamente, podemos dividi-lo em três grandes linhas doutrinárias: a primeira voltada para a teoria geral do processo civil; a segunda preocupada com a tutela dos direitos mediante o procedimento comum; e a terceira relacionada à tutela de direitos mediante procedimentos diferenciados.

 

Há inúmeras técnicas processuais que podem ser usadas como antecipatórias e as executivas e, ainda, a tutela preventiva ou inibitória.

 

O uso de cláusulas gerais com normas abertas e permeáveis dá maior importância à tutela de direitos não patrimoniais como, por exemplo, os direitos de personalidade, o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito à higidez do mercado financeiro, o direito à saúde, o direito à educação e o direito à segurança do trabalho dentre vários outros.

 

O novo CPC utiliza expressões que permitem a construção de sistema para a tutela dos direitos não só de prestar a tutela repressiva voltada ao dano e vocacionada para a proteção de direitos patrimoniais. Por isto, cogita em tutela do direito contra o ilícito e de sua remoção (art. 497, parágrafo único). E, arrola inúmeras técnicas processuais que podem ser usadas pelo juízo, como as previstas nos arts. 139, IV, 497, 498, 536, 537 e 538.

 

A tutela de direitos faz ser possível a tutela específica aos direitos, incluindo-se a tutela preventiva, ou seja, a inibitória, rompendo-se com o círculo vicioso da violação dos direitos e do seu mero ressarcimento em pecúnia como resposta padrão do processo civil.

 

O processo de conhecimento é onde predomina a cognição que segundo Watanabe é prevalentemente um ato de inteligência consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e provas produzidas pelas partes, isto é, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do iudicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.

 

É um dos mais relevantes núcleos metodológicos para o estudo do processo contemporâneo e nos conduz ao exame da técnica pela qual o magistrado tem acesso e resolve as questões que lhe são postas para apreciação.

 

Ressalte-se, porém, que a cognição não é atividade solitária do órgão jurisdicional e se realiza em um procedimento estruturado no contraditório e organizado segundo o modelo cooperativo, o que torna a participação das partes imprescindível.

 

A palavra “questão” assume dentro da dogmática processual, pelo menos dois significados, a saber: é qualquer ponto de fato ou de direito controvertido, de que dependa o pronunciamento judicial. Nessa acepção, dir-se-á com propriedade que “a solução é meio de que se vale o juiz para julgar”.

 

Por outro viés, a questão não constitui, em si, o objeto de julgamento, mas, uma vez resolvida, insere-se entre os fundamentos da decisão, entre as razões de decidir. Tal acepção é utilizada pela quase totalidade da doutrina.

 

Egas Dirceu Moniz Aragão ressaltava que: “Os litigantes formulam no processo afirmações que, constituem pontos a examinar. Se uma dessas afirmações (ponto) é contrariada pelo antagonista de quem a formulou, surge a questão, que é, portanto, o ponto controverso”.

 

Desta forma, o vocábulo “questão” pode ser entendido como thema decidendum, ou ao menos cada uma das partes em que ele se fraciona. E, neste caso se assemelha ao mérito, que nada mais é a questão principal do processo, o seu objeto litigioso.

 

Cumpre distinguir que há questões que são postas como fundamento para a solução de outras e, há aquelas que são colocadas para que sobre estas haja decisão judicial. Em relação a todas haverá cognitio, em relação às últimas, haverá também julgamento. Todas enfim compõem o objeto de conhecimento do magistrado, mas somente as últimas compõem o objeto de julgamento (thema decidendum) ou objeto da declaração.

 

As primeiras são as questões resolvidas incidenter tantum, mas de regra tal solução não se presta a ficar imune pela coisa julgada. Mas, o magistrado tem que resolvê-las como uma fase necessária do seu julgamento, mas não as decidirá. Mas sua solução comporá a fundamentação da decisão. E os incisos do art. 504 do CPC/2015 elucidam claramente ao informar que não fazem coisa julgada os motivos da sentença e nem as verdades dos fatos.

 

Apenas se trata de regra geral. Mas há casos em que a resolução de uma questão incidental pode, caso sejam preenchidos certos pressupostos (§§ 1º e 2º do art. 503 do CPC/2015), tornando-se indiscutível pela coisa julgada material, é o e que pode acontecer, por exemplo, com a questão prejudicial incidental.

 

Há questões, no entanto, que devem ser decididas, não somente conhecidos, são as questões postas para uma solução principaliter (compõem o objeto do julgamento), é o que se extrai do art. 503 do CPC: a decisão judicial tem força de lei, nos limites da questão principal expressamente decidida. A resolução de questão principal submete-se ao regime comum da coisa julgada – a resolução da questão prejudicial incidental, que conforme visto, se submete ao regime especial de coisa julgada.

 

A questão prejudicial pode ser incidental ou principal. No primeiro caso, a sua resolução pode, quando preenchidos certos pressupostos, tornar-se indiscutível pela coisa julgada material, de acordo com o regime jurídico comum. Note-se que a coisa julgada material de regime especial não se forma conforme a previsão contida nos primeiro e segundo parágrafos do art. 503 do CPC/2015.

 
A resolução da questão principal submete-se ao regime comum da coisa julgada enquanto que a resolução de questão prejudicial incidental se submete ao regime especial de coisa julgada.

 

A inconstitucionalidade da lei, cuja aplicação in concreto se discute judicialmente, é questão prejudicial que pode ser examinada por qualquer órgão julgador do Judiciário. Com a questão prejudicial, o magistrado resolvê-la-á incidenter tantum.

 

O controle difuso de constitucionalidade das leis caracteriza-se exatamente por essa peculiaridade, ou seja, qualquer magistrado, em qualquer processo, pode identificar a inconstitucionalidade e examiná-la como fundamento de sua decisão.

 

No entanto, a constitucionalidade da lei pode compor objeto litigioso do processo, pode ser a questão principal, o thema decidendum. É o que ocorre nos processos de controle concentrado de constitucionalidade das leis (ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade ou arguição de descumprimento de preceito fundamental).

 

Quando figurar como questão principal a constitucionalidade da lei federal somente pode ser examinada pelo STF, que tem competência exclusiva para decidir sobre a questão.

 

Observa-se que enquanto todos os juízes podem conhecer dessa questão (incidenter tantum) como simples fundamento, somente o STF pode decidir sobre esta como principaliter ou thema decidendum, ou ainda, objeto de julgamento. É por isso, que a solução de questão prejudicial incidental não se submete à coisa julgada, se o juízo não tiver competência em razão da matéria para tanto (art. 503, §1º, III do CPC/2015).

 

Atente-se que a distinção entre questão incidental e questão principal é muito relevante para que se possam confrontar os conceitos de objeto de processo e objeto litigioso do processo.

 

O objeto do processo é conjunto do qual o objeto litigioso do processo é elemento. Enquanto que o objeto do processo abrange a totalidade das questões que estão sob a apreciação dos órgãos julgadores, o objeto litigioso do processo restringe-se a um único tipo de questão principal, o mérito da causa, da pretensão processual. Conclui-se que o primeiro objeto faz parte apenas da cognição do magistrado enquanto que o segundo corresponde ao objeto da decisão.

 

O conceito de demanda costuma ser considerado como o ato que introduz o objeto litigioso, e, portanto, define o objeto do ato final do procedimento. A demanda pode ser inicial (manejada com a petição inicial) ou ulterior (como é o caso das demandas recursais, incidentais, reconvencionais, deduzidas através de pedido contraposto, incidente de falsidade, denunciação da lide, etc…).

 

Em doutrina se discute muito em que consiste o objeto litigioso: se ele é apenas o pedido ou se neste se inclui também a causa de pedir. Alguns doutrinadores não chegaram a alguma conclusão, outros anunciam posição sem maior profundidade, mas segundo, a maior parte da doutrina o objeto litigioso do processo é o pedido.

 

José Rogério Cruz e Tucci entende que o objeto litigioso do processo é pedido identificado com a causa de pedir. E, existe mesmo uma tendência doutrinária nesse mesmo sentido, até em razão do regramento da coisa julgada no direito brasileiro, e que exige a identidade de pedido e da causa de pedir para sua configuração (ex vi os arts. 337, §§ 1º, 2º e 4º, e, o art. 508 do CPC/2015).

 

Também comporá o objeto litigioso do processo a demanda proposta pelo réu, por reconvenção ou pedido contraposto. Mas tal concepção é apontada por Fredie Didier Jr., como insuficiente.

 

Pois quando o réu em sua defesa exerce um contradireito (direito que se exercita em face do exercício do direito do autor), como nos casos de compensação, exceção de contrato não cumprido e direito de retenção, o réu acrescenta ao processo a afirmação de um direito que comporá o objeto litigioso da decisão. O juiz decidirá sobre a existência desse contradireito, o que corresponde também a uma questão principal.

 

Afinal, o contradireito é uma situação jurídica ativa, situação de vantagem exercida como reação ao exercício de um direito. É um direito contra outro direito, assim como o antídoto é um veneno contra um veneno. É um direito que não é exercido por ação. A afirmação desse direito é feita na defesa, e não na ação.

 

Quando reconvém, ou formula pedido contraposto, o réu afirma ter direito e não um contradireito contra o autor. Os contradireitos servem para neutralizar a situação jurídica afirmada pelo autor, como é o caso da prescrição ou da exceção do contrato não cumprido, ou extingui-la, como no caso da compensação e do direito previsto no §4º do art. 1.228 do Código Civil brasileiro.

 

Há quem designe os primeiros como as exceções substanciais, enquanto os outros seriam os direitos potestativos exercitados na defesa. Talvez fosse preferível designar tudo como exceção substancial, que se dividiria em duas espécies, conforme a respectiva eficácia.

 

Desta forma, o réu ao exercitar um contradireito, afirma a causa deste e pede a consequência jurídica dele decorrente. A defesa, neste caso, não consiste em mera alegação de fato impeditivo ou extintivo do direito afirmado pelo demandante, e, nem se trata de defesa direta que nega os fatos afirmados pelo demandante ou questiona as consequências jurídicas pretendidas. Trata-se de defesa pela qual o réu exerce um direito, uma situação jurídica ativa, cuja peculiaridade é exatamente ser exercida contra a afirmação de um direito feita por outra pessoa.

 

Portanto, o objeto litigioso significa o conjunto de afirmações de existência de um direito feitas pelo autor e pelo réu. Assim, o mérito do processo é o resultado da soma de dois binômios, a saber: afirmação do direito pelo demandante (pedido somado à causa de pedir) somando a afirmação do contradireito pelo réu (pedido mais a causa da exceção).

 

E durante o processo, o objeto litigioso pode ser ampliado, com a propositura de demandas incidentais, tais como a denunciação da lide e o incidente de falsidade documental (que se transformou em preliminar de contestação).

 

Conclui-se que o exame da admissibilidade do procedimento corresponde ao exame da possibilidade de o objeto litigioso ser apreciado. O que é aplicável a qualquer procedimento, e não apenas ao procedimento principal: há objeto litigioso no recurso, na exceção de incompetência relativa, na exceção de suspeição, na reconvenção, e etc.
Quanto às questões de fato e de direito, há se lembrar de que fato e norma são elementos essenciais ao fenômeno jurídico: a eficácia jurídica surge após a incidência da hipótese normativa no suporte fático concreto (fato ou conjunto de fatos); ex facto oritur jus.

 

O fato jurídico é exatamente o fato ou conjunto de fatos aptos a produzir os efeitos jurídicos, em razão da incidência, o efeito jurídico é a consequência normativa que decorre do fato jurídico.

 

Seja qual for a postulação judicial, o demandante há de descrever os fatos e sobre o enquadramento normativo do seu pleito. A tarefa de aplicação do direito será feita através do julgador que irá examinar razoavelmente as questões de fato e as questões de direito. E, a distinção entre uma e outra é complexa.

 

Um primeiro critério distintivo fulcra-se no objeto da questão, na matéria na qual versa, seja fática ou jurídica (fato jurídico ou efeito jurídico).  Infelizmente, não é o melhor critério, pois é indiscutível que mesmo no suporte fático concreto, se possa encontrar um fato jurídico (fato após a incidência normativa) ou um efeito jurídico (relação jurídica, direito, dever etc.).

 

Sendo possível funcionar como questão fática uma questão que, olhada exclusivamente em seu objeto, mereceria inclusão entre as questões jurídicas. É o caso da ação rescisória (art. 966 do CPC/2015) onde boa parte dos fatos aptos a ensejar a rescisória envolve as questões jurídicas como prevaricação, concussão, corrupção e, etc. E nem por isso, se pode cogitar, numa perspectiva funcional, seriam estas questões de direito.

 

Portanto, reafirma-se ser melhor distingui-las com base no critério funcional. Considera-se a questão de fato toda aquela relacionada aos pressupostos fáticos da incidência, toda questão relacionada à existência e às características do suporte fático concreto, pouco importa se, examinada pela perspectiva do objeto, é questão de fato ou questão de direito. Assim, toda questão relacionada à causa de pedir será considerada questões de fato.

 

A questão de direito é aquela relacionada com a aplicação da hipótese de incidência no suporte fático, são todas as questões relacionadas às tarefas de subsunção do fato ou conjunto de fatos à norma ou de concretização do texto normativo.

 

As questões de direito podem ser apreciadas de ofício pelo magistrado. Vige a regra iuria novit curia, ou seja, do direito cuida o juiz. Mas, o magistrado não resta adstrito à iniciativa da parte para identificar a norma jurídica que lhe caiba aplicar. Lembrando que tal tarefa deve ser realizada em respeito ao princípio da cooperação (art. 6º do CPC/2015) e à regra que veda a decisão surpresa (art. 10 do CPC/2015).

 

Algumas questões de fato, como aquelas relacionadas à causa de pedir e às exceções em sentido estrito, não pode ser reconhecidas pelo juiz sem que tenha havido provocação da parte ou de interessado (arts. 141 e 492 do CPC/2015); outras, no entanto, podem ser examinadas ex officio, como se percebe do art. 493 do mesmo diploma legal.

 

As questões de direito não se submetem, em regra à preclusão e podem ser alegados a qualquer tempo, ressalvada a existência de anterior decisão a seu respeito, enquanto que as questões de fato, ao contrário, no mais das vezes se submetem à preclusão.

 

Há incidentes processuais que somente podem ter por objeto questões de direito, como é o caso do incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 e seguintes do mesmo diploma legal). Os recursos extraordinários, o recurso especial que somente podem ter objeto de julgamento uma questão de direito.

 

As questões de fato compõem o objeto de prova, ao passo que as questões de direito não requerem prova, mas não se pode confundir, entretanto, com a prova do direito, a que se refere o art. 376 do CPC/2015, pois neste caso, o teor e a vigência do direito objetivo são fatos.

 

Outra importante definição para o processo de conhecimento e, para o processo como um todo. É a definição de questões prévias que se dividem em questões preliminares e questões prejudiciais[14].

 

É cediço que existem questões que devem ser examinadas antes, posto que sua solução preceda logicamente à de outra. Eis as questões prévias e que sempre pressupõe a existência de ao menos duas questões: a precedente e a subordinada. Quando entre as duas ou mais questões existir relação de subordinação, dir-se-á que a questão subordinante é uma questão prévia.

 

As questões prévias dividem-se ainda em prejudiciais e preliminares. Entre duas ou mais questões pode existir uma relação de ordenação, no sentido de que as duas questões, ou mais exatamente as soluções que se lhe deem, estão ordenadas a um fim comum.

 

Não se distinguem às questões prévias pelo seu conteúdo (mérito ou não-mérito). O que realmente importa na distinção entre prejudicial e preliminar, não é, a natureza da questão vinculada, mas o teor de influência da questão vinculante terá sobre a vinculada.

 

Trata-se de equivocada distinção que se faz entre prejudiciais, como se fossem sempre de mérito, e as preliminares como se fossem sempre processuais.  A correta distinção baseia-se na relação que mantêm as diversas questões postas à cognição judicial.

 

De qualquer forma, é relevante sublinhar que a conceituação de questão preliminar e questão prejudicial são conceitos relativos, não há de se cogitar que uma questão X que seja, em si mesma, prejudicial ou preliminar, mas que é prejudicial ou preliminar da questão Y.

 

Adotando a concepção de José Carlos Barbosa Moreira. Considera-se preliminar a questão cuja solução, conforme o sentido em que se pronuncie, cria ou remove obstáculo à apreciação da outra. A própria possibilidade de apreciar-se a segunda questão depende, pois, da maneira por que se resolva a primeira.

 

A preliminar é uma espécie de obstáculo que o magistrado deve ultrapassar no exame de uma determina questão. É como se fosse um semáforo acesa a luz verde, permite-se o exame da questão subordinada, caso se acenda a vermelha, o exame torna-se impossível.

 

Normalmente se afirma que a questão preliminar não pode ser objeto de processo autônomo, tendo em vista o conceito estreito de questão. É plenamente possível que uma questão principal (pedido) seja preliminar a outro.

 

Para Barbosa Moreira existem três tipos de questões preliminares[15]: preliminares ao conhecimento do mérito da causa, preliminares de mérito e preliminares de recurso.

 

As questões preliminares ao conhecimento do mérito da causa são, na medida em que, a depender da solução que se lhes dê, podem impedir o exame do objeto litigioso do processo. Tais preliminares são questões processuais.

 

As questões preliminares de mérito já estão situadas dentro do meritum causal, e são suscetíveis de serem resolvidas em certo sentido, de dispensar o órgão julgador de prosseguir em sua atividade cognitiva (é o caso da prescrição). Mas, é bom sublinhar, que nem sempre a prescrição seja uma questão preliminar.

 

Pois conforme aduz Barbosa Moreira, a prescrição é uma questão preliminar em relação às demais questões de defesa suscitadas pelo demandado, uma vez acolhida a prescrição, as demais alegações do réu, nem sempre serão examinadas. Sucede que a prescrição é, porém, uma questão prejudicial ao exame do pedido (questão principal do processo); uma vez acolhida a prescrição, rejeita-se o pedido.

 

O pedido será examinado, porém não será acolhido. Reforça-se o que já se afirmou: uma questão não é essencialmente preliminar ou prejudicial. Vai depender sempre do tipo de relação de subordinação que mantém com a outra questão.

 

Quanto às questões preliminares de recurso são aquelas cuja solução depende a possibilidade de julgar-se o mérito da impugnação. São preliminares de recurso todos os seus requisitos de admissibilidade, tais como: cabimento, legitimidade, interesse, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, tempestividade, regularidade formal e preparo.

 

Considera-se questão prejudicial aquela cuja solução dependerá não a possibilidade nem a forma do pronunciamento sobre a outra questão, mas o teor mesmo desse pronunciamento.

 

A segunda questão depende da primeira não no seu “ser”, mas no seu “modo de ser”. A questão prejudicial funciona, utiliza Didier a metáfora, uma placa de trânsito que determina para onde o motorista (o magistrado) deve seguir.

 

Costuma-se aduzir que as questões prejudiciais[16] podem ser objeto autônomo. Exemplificando sobre as questões prejudiciais: a) validade de contrato, na demanda que se pretenda sua execução; b) filiação, na demanda por alimentos; c) a inconstitucionalidade da lei, na demanda em que se pretenda a repetição do indébito tributário, etc.

 

Quando a questão prejudicial for o próprio objeto litigioso do processo, a ser resolvida como principaliter, a doutrina costuma referir-se à causa prejudicial, ao invés de questão prejudicial, expressão que é restrita à situação em que o exame da questão fará parte apenas da fundamentação da decisão.

 

É de fato um problema terminológico, basta que se tenha em vista que tanto é questão a que apenas será conhecida como aquela que, além disso, será decidida.

 

A questão prejudicial pode ser interna, quando surge no mesmo processo em que está a questão subordinada, ou externa, quando está sendo discutida em outro processo. A distinção é relevante para fins de suspensão do processo (art. 313, V, a do CPC/2015).

 

Tratando-se de questão prejudicial interna, é possível que sua resolução como questão principal, não seja da competência do juízo do processo, ainda que este detenha competência para julgamento da questão prejudicial.

 

Nesse caso, três são as possíveis soluções: a) remessa de todo o processo para o juízo competente para o julgamento da questão prejudicial, que também teria a competência para julgamento da prejudicada (como pode ocorrer com a aplicação do art. 947 do CPC/2015); b) atribuição de competência ao juízo da causa para, incidentalmente, resolver à questão prejudicial (por exemplo: art.93,§1º do CPC/2015); c) são de julgamento, com a remessa do exame da questão prejudicial para a solução pelo juízo com competência exclusiva para a matéria trata nesse julgamento incidental, retornando o processo, a seguir, ao juízo originário para a resolução da questão principal, de acordo com o que se houver decidido no incidente (é o que ocorre no incidente de inconstitucionalidade em julgamento no tribunal, arts. 948, 949 do CPC/2015).

 

A questão prejudicial pode ser homogênea quando for integrante do mesmo ramo do Direito da questão subordinada (filiação/alimentos) ou pode ser heterogênea, quando pertencem as questões a ramos distintos de Direito (validade do casamento/crime de bigamia).

 

Essa distinção tem relevância para a solução dos problemas relacionados com a conexão por prejudicialidade. Se for heterogênea e externa a questão prejudicial, dificilmente será possível a reunião dos feitos como efeito da conexão por prejudicialidade, por força da incompetência absoluta em razão da matéria, a determinar, por isso mesmo, a suspensão de um dos processos (art. 313, V, a do CPC/2015). Quando, não obstante a heterogeneidade, o juízo tiver competência material para conhecer de ambas, a reunião das causas se impõe, em razão da conexão.

 

Com a evolução dos estudos processuais, disseminou-se a distinção entre os conceitos de ação, processo e mérito, passando a doutrina a classificar as questões conforme o seguinte trinômio: pressupostos processuais (que abarca tanto os de existência, como de validade do processo), condições da ação e as questões de mérito.

 

Percebe-se que tal classificação tem por base o objeto das questões. É mais correto dividir as questões em de mérito e de admissibilidade, sendo que os pressupostos processuais correspondem às questões de admissibilidade.

 

É que dois são os juízos realizados pelo magistrado: o de admissibilidade (analisa a validade do procedimento, a aptidão para prolação de sentença) e o juízo de mérito (juízo sobre o objeto litigioso). Se apenas existem dois tipos de juízo, porém é possível distinguir três tipos de questão: ou a questão é de mérito ou é de admissibilidade, tertium non datur (princípio lógico do terceiro excluído).

 

Há requisitos de admissibilidade do procedimento principal (aquele instaurado pela demanda inicial), cuja ausência compromete todo o processo, e os requisitos de admissibilidade de cada procedimento incidente ou recurso que companha a estrutura da relação jurídica processual (requisitos de admissibilidade do recurso, das exceções instrumentais, etc.), cuja falta inviabiliza apenas o procedimento a que se relaciona.

 

Enfim, o juízo de admissibilidade do procedimento consiste na verificação da possibilidade de o objeto litigioso do procedimento ser apreciado.

 

As questões de mérito (lato sensu) podem ser divididas em: as resolvidas pelo juiz com mero fundamento é o caso de algumas defesas do réu, o exame da questão incidental de mérito. A doutrina geralmente nomeia apenas essas como questões de mérito.

 

E, o mérito propriamente dito ou stricto sensu que é a questão principal, correspondente ao objeto litigioso. Chama-se de juízo de mérito a decisão sobre a questão de mérito principal, em que se examinam as outras questões de mérito (fundamentos).

 

A legitimidade ad causam extraordinária é uma questão de admissibilidade, mas pode vir a ser questão de mérito de um recurso onde se discuta a ilegitimidade de uma das partes, a competência do juízo, é geralmente, uma questão de admissibilidade, mas poderá ser questão de mérito na ação rescisória por incompetência absoluta (art. 966, II do CPC/2015) e no conflito de competência.
Quanto uma questão, que inicialmente era processual, vem a compor o mérito, haverá outras questões processuais que serão questões de admissibilidade. Sendo questão de mérito de um procedimento principal um pressuposto processual, a sua análise estará apta a ficar imune com a coisa julgada material.

 

O mérito do procedimento pode ser composto somente por questões anteriormente eram processuais. Pois quando se torna objeto litigioso do processo, a questão deixa de ser processual e passa a ser uma questão material ou de mérito.

 

Não se pode ignorar que o órgão jurisdicional realiza dois juízos no processo: admissibilidade e mérito. E, o primeiro é preliminar ao segundo. E, em cada um desses juízos, há questões incidentes e questões principais.

 

A questão principal do juízo de admissibilidade é a validade do procedimento, a questão principal do juízo de mérito é o pedido e a sua respectiva causa de pedir.  Todas as questões que devem ser examinadas para a solução dessas questões principais, são as questões incidentais.

 

 

Quanto às espécies de cognição pode ser visualizada em dois planos: no horizontal (extensão) que se refere à extensão e amplitude das questões que podem ser objeto da cognição judicial. É onde se definem quais as questões podem ser examinadas pelo magistrado. A cognição, assim poderá ser: plena onde não há limitação ao juiz conhecer; ou poderá ser parcial ou limitada quando é limitado o que o juiz pode conhecer.

 

O procedimento comum é de cognição plena, na medida em que não há qualquer restrição da matéria a ser posta sob apreciação; o procedimento especial da desapropriação, no entanto, é de cognição limitada, porquanto não se possa, em seu bojo, discutir a validade do ato expropriatório.

 

A limitação da cognição normalmente favorece à razoável duração do processo, daí a razão de muitos procedimentos especiais terem por característica exatamente a limitação cognitiva.

 

No plano vertical (profundidade) que diz respeito ao modo como as questões serão conhecidas pelo juiz.

 

A cognição ainda poderá ser, portanto, exauriente ou sumária, conforme seja completo e profundo ou não o exame. Somente as decisões fundadas em cognição exauriente podem estabilizar-se pela coisa julgada. Daí poder afirmar-se que a cognição exauriente é a cognição das decisões definitivas.

 

A cognição plena e exauriente é a regra. Mas, pode haver a cognição parcial, mas a limitação é apenas do quê, quanto às questões que podem ser resolvidas, a cognição é exauriente, de sorte que a sentença (julgado) tem aptidão para produzir coisa julgada material.

 

Ao estabelecer as limitações, o legislador leva em conta: a) as peculiaridades do direito material e/ou a necessidade de tornar o processo mais célere.

 

Ressalvando-se que o direito de questionar as questões controvertidas excluídas em demanda autônoma. Existe o prestígio dos valores de certeza e razoável duração do processo, na medida em que se permite a sentença em tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa.  São clássicos exemplos: os embargos de terceiro e a desapropriação.

 

Vislumbra-se ainda a cognição eventual[17] que pode ser plena ou limitada, somente haverá cognição se o demandado tomar a iniciativa do contraditório, eis porque eventual.

 

É exemplo a ação monitória (arts. 700 ao art. 702 do CPC/2015). A estabilização da tutela provisória satisfativa também se estrutura a partir desta técnica (art. 304 do CPC/2015). Sendo própria da cognição sumária[18] a possibilidade de tutela provisória seja esta satisfativa ou cautelar.

 

Referências:

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Volume 1. Teoria do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª edição. Volume 1. Salvador: Editora JusPODIVM, 2015.

SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. 3ª edição. Niterói: Editora Impetus, 2014.

PEREIRA, Clóvis Brasil. Os procedimentos especiais no Novo CPC nº09 . Disponível em: http://54.70.182.189/os-procedimentos-especiais-no-novo-cpc/ Acesso em 10.10.2015.

 

[1] Rudolf Wassermann (1925-2008) era doutrinador e advogado alemão. Entre 1971-1990 fora presidente do Tribunal Regional Superior de Braunschweig, fora juiz (1956-1957) no Tribunal de Berlim. Publicou obras intituladas: “As pessoas no tribunal” (1979), “A democracia espectador” (1986), “O Poder Judiciário não pode sair da história” (1990) e “O equilíbrio perturbado” (1995).

[2]  Processo não é fim e sim instrumento. Não basta se falar que ele é instrumento, o processo tem fins jurídicos que é efetivar a ordem jurídica material, mas não só isso. Ele deve efetivar fins sociais e fins políticos, a pacificação social é preocupação do processo. Os fins sociais devem ate falar mais alto que os jurídicos.
O processo serve para efetivar o direito estatal, se o processo é ineficaz o Estado também é ineficaz, ele não consegue impor a ordem jurídica. Se eu não acredito no aparato Estatal eu recorro então a outros meios. Por isso fins políticos devem ser conseguidos pelo Direito Processual.
Assim como acontece com Direito civil e administrativo o Direito Processual também está constitucionalizado. Os escopos e princípios constitucionais devem ser buscados pelo Direito Processual. No processo você vai trabalhar também com categorias processuais como a proporcionalidade. A própria questão da efetividade não é um valor absoluto, acima da efetividade, outros valores devem ser considerados.  Hoje trabalhamos com o Direito Processual Constitucional, valores Constitucionais são objetos de preocupação do processo.

[3]  Niklas Luhmann (1927-1998) foi um sociólogo alemão, sendo considerado um dos mais importantes representantes da sociologia alemã contemporânea. Adepto de uma teoria particularmente própria do        pensamento sistêmico. Teorizou a sociedade como um sistema autopoiético. Ao aplicar o conceito dos sistemas autopoiéticos ao direito. E, conseguiu reduzir a complexidade social. Os seus estudos apregoam que o direito, em seu viés autopoiético, se recria com base nos seus próprios elementos. Sua autorreferência permite que o direito mude a sociedade e se altere ao mesmo tempo movendo-se com base em seu código binário (direito/não direito). Tal característica permite a construção de um sistema jurídica dinâmico mais adequado à hipercomplexidade da sociedade atual. O elemento central da teoria de Luhmann é a comunicação. Sistemas sociais são sistemas de comunicação e a sociedade é o sistema social mais abrangente. Um sistema é definido pela fronteira entre ele mesmo e o ambiente, separando-o de um exterior infinitamente complexo. O interior do sistema é uma zona de redução de complexidade: a comunicação no interior do sistema opera selecionando apenas uma quantidade limitada de informação disponível no exterior. O critério pelo qual a informação é selecionada e processado é o sentido (em alemão Sinn).

[4] Baseado no pacto fundante do Estado (constituição) são determinadas as questões absolutamente indispensáveis para a vida, que serão declaradas intangíveis por meio dos direitos fundamentais e de suas garantias. Daí a afirmação da funcionalização dos poderes públicos em direção ao cumprimento dos direitos fundamentais. Desta forma, neste sentido, as imposições constitucionais careceriam de efetividade se não houvesse um órgão que garantisse, em última instância, o seu cumprimento. O papel de destaque conferido ao Poder Judiciário dentro do Estado constitucional de direito consiste em ser o órgão garantidor deste cumprimento.

[5] Adolf Eduard Ludwig Gustav (1843-1926) era jurista alemão. Avalia a teoria Adolf Wach e a divisão do direito à tutela jurídica em uma pretensão de direito material e outra processual.

Estuda o posicionamento de Giuseppe Chiovenda, que concebia a ação como um direito potestativo em face do adversário e concreto, ou seja, dependente da prolação de uma sentença de mérito favorável.

 

[6] A Escola da exegese também chamada de Escola filológica, fora uma das primeiras correntes juspositivistas. Floresceu em França no início do século XIX, a partir do Código Napoleônico, mas ultrapassou as fronteiras de seu país de origem, disseminando-se praticamente por toda Europa continental e América Latina. E, ainda hoje exerce influência no ensino e nas práticas jurídicas dos países de tradição romano-germânica. As origens da Escola remontam ao quadro existente após a Revolução Francesa. E, tem como contexto as modificações trazidas pela revolução liberal ao Estado, à sociedade e ao Direito, o que criou a necessidade de novas concepções jurídicas que atendesse a nova realidade.

Destacamos a mudança das funções do jurista posto que não fosse mais responsável por “criar o direito”, devido à mudança na concepção das fontes do direito, mas incumbido da tarefa de sistematizar o direito legislado através da sua exegese, que era a descoberta do sentido do direito expresso em suas normas legais pela vontade do legislador. Esse novo modo de formar juristas nas faculdades, se deu através de novo método de ensino que dava primazia a exclusividade da lei, isto é, no ensino da lei.

Preconizou a multiplicação das codificações, de maneira que viesse a eliminar as lacunas da lei, com a utilização de analogia para descobrir a norma oculta dada pela vontade do legislador, porém não aparente no texto legal, defendia a interpretação mecânica com base no silogismo, fundada na evidência do sentido literal do texto, utilizando outros métodos interpretativos apenas com a função de esclarecer a vontade do legislador que possuía a legitimação única da autoridade da lei, na medida em que esta é a vontade geral do povo.

[7] A Escola Histórica do Direito fora percursora do positivismo normativista que apareceu com a chamada jurisprudência dos conceitos que surgira nos territórios alemães no início do século XIX e exercer firme influência em todos os países de tradição jurídica romano-germânica. Fortemente influenciada pelo romantismo, partia do pressuposto de que as normas jurídicas seriam o resultado da evolução história e que a essência destas seria encontrada nos costumes e nas crenças dos grupos sociais. Enxergava o Direito como um produto histórico e uma manifestação cultural e que nascera do espírito do povo, o que em alemão seria Volksgeist. E, segundo Savigny, o Direito teria suas origens nas forças silenciosas e não no arbítrio do legislador.

[8] Guiseppe Chiovenda (1872-1937) foi reconhecido jurista italiano e autor de diversas obras jurídicas. Iniciou sua carreira de jurista lecionando nas Universidades de Parma (1902), Bolonha (1905), Nápoles e, mais tarde, em Roma (1907). Sua contribuição deu-se principalmente na área do direito processual, sendo conhecido como um dos maiores expoentes na doutrina jurídica italiana. Defensor do princípio da oralidade processual, seus pensamentos foram referências importantes na elaboração do CPC italiano de 1940. É conhecido por ter influenciado a doutrina processualística, dando-lhe rigor científico, superando a vetusta teoria imanentista do direito de ação, onde o direito processual era visto como mero reflexo do direito material. Atribui-se a Chiovenda a primazia de ter afirmado a autonomia da ação enquanto direito potestativo conferido ao autor, de obter, em face do adversário, uma atuação concreta da lei. Foi o principal renovador dos estudos processuais, dotado de sólida formação em direito romano, com grande domínio da dogmática e da história, tendo sido criador de uma nova escola científica do direito processual, colocando esta disciplina jurídica na categoria das ciências independentes e com um lugar próprio de um sistema geral dos direitos.

[9] Piero Calamandrei (1869-1956) foi jornalista, jurista, político e docente universitário italiano. Juntamente com Francesco Carnelutti e Enrico Redenti foi um dos principais inspiradores do Código Processual Civil italiano, de 1940, onde trabalhou na formulação legislativa e no ensino fundamental da escola de Chiovenda.  Fora impedido de continuar em sua carreira de professor universitário por não subscrever uma carta de submissão ao duce que era a exigência do fascismo reinante. Nomeado Reitor da Universidade de Florença em 26 de julho de 1943, até 8 de setembro, pois foi atingido por um mandado de prisão, somente exerceu efetivamente seu mandato em setembro de 1944, com a libertação em Florença, em outubro de 1947.

[10] É uma visão introspectiva do processo ela vê os próprios conceitos esquecendo o próprio objetivo do processo. É um estudo muito mais da estática, liga-se muito mais a preliminares. Ele pode terminar com ou sem resolução do mérito. Quando termina sem resolução de mérito o conflito não foi resolvido e torna-se uma grande frustração. A máquina pública é acionada e o conflito fica sem ser resolvido.

Antes não havia essa preocupação, e ate hoje isso predomina em alguns processualistas.

O processo deve ser voltado para o lado pragmático, ele deve ter um objetivo que é resolver a lide. A visão conceitualista trouxe frutos positivos, mas no final ela ficou defasada por ser muito radical. Está teoria predominou na primeira metade do século XX.

Predominava o Direito a teoria pura, deveria estudar a norma sem levar em consideração o pensamento da sociedade, se uma norma obedeceu à forma para ser criada já basta para ter validade.

No processo a preocupação era com á pureza, as leis deveriam ser respeitadas religiosamente, não importando o resultado.

[11] Conforme assinalou a professora e doutrinadora Ada Pellegrini Grinover o processo passa por uma transformação da linha abstrata para a linha concreta. A ideia do processo como um método técnico-jurídico, passa por um histórico de transformação nos anos 30, da escola processual de São Paulo e, a consolidação como ramo autônomo do direito, sem se prender ao direito material. Sem dúvidas, trata-se de uma fase crítica. Afinal chegamos ao processo como matriz constitucional no Brasil.

E este movimento perde força ao longo do século XX e ganhou força novamente na década de 1980, com a propagação de novos direitos e garantias constitucionais. E, ganha uma posição sociopolítica que abarca o tema de acesso à ordem jurídica justa, a universalidade da jurisdição, efetividade do processo, instrumento do processo e participação dos sujeitos do processo. Antes o processo não olha o que existia a sua volta. Depois, na fase instrumentalista, passa perceber do contexto a sua volta. E, a Constituição, abre-se um espaço para a crítica da posição sociopolítica. O processo ganha um objetivo teleológico, finalístico e característico da Constituição Brasileira de 1988. A transformação revista os institutos, princípios e dinâmica.

[12] Quanto ao conteúdo da cognição há quatro teorias que o explicam. A primeira teoria aponta que o objeto da cognição seria formado pelo binômio: pressupostos e as condições da ação. Sendo certo que o juiz primeiramente deve analisar os pressupostos processuais e depois as condições da ação. A segunda teria que é majoritária é defendida por Kazuo Watanabe, Liebman e Humberto Theodoro Júnior, seria formado pelos pressupostos processuais, condições da ação e mérito. Para a terceira teoria defendida por Celso Neves que cogita em pressuposto processual, supostos processuais, as condições da ação e mérito. Existe segundo esta teoria apenas um pressuposto processual que é o exercício do direito de ação e que conhecemos hoje como propositura da demanda. A quarta teoria é de Alexandre Freitas Câmara que aponta um trinômio por questões preliminares, questões prejudiciais e mérito. Essa teoria ressalta a existência das chamadas questões prévias.

[13] Inicialmente, verifica-se que o CPC/2015 preferiu adotar a terminologia clássica e distinguir a tutela provisória, fundada em cognição sumária, da definitiva, baseada em cognição exauriente. Eis o porquê que a tutela provisória (seja de urgência ou de evidência), quando concedida, conserva a sua eficácia na pendência do processo, mas pode ser a qualquer momento, revogada ou modificada (art. 296). Ainda, cabe dizer, que a competência para seu conhecimento será do juízo da causa ou, quando requerida em caráter antecedente, do juízo competente para o pedido principal, podendo o magistrado determinar as medias que considerar adequadas para a efetivação.

Especificamente, a tutela de urgência é espécie da tutela provisória, que se subdivide em tutela de urgência antecipada e tutela de urgência cautelar e que podem ser requeridas e concedidas tanto em caráter antecedente ou incidental. Apesar de todos os esforços doutrinários em diferenciar a tutela antecipatória e a tutela cautelar, o texto positivado em verdade promoveu a aproximação dessas duas tutelas jurisdicionais fundadas na urgência, ou seja, na necessidade imperiosa de dar solução, ainda que provisória, a determinada situação grave e que tem o tempo como maior inimigo.

O Código Fux deixa claro que os requisitos comuns para a concessão da tutela provisória de urgência que são: a probabilidade do direito ou fumus boni iuris; perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo ou periculum in mora. Abandonou-se a expressão “prova inequívoca de verossimilhança”. Eis ainda a conclusão presente no Enunciado 143 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A redação do art. 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada”.

[14] Tracemos as principais características da questão prejudicial: a) é antecedente lógico do mérito da causa; b) é um caso de superordinação (contrária à subordinação), ou seja, a prejudicial não está subordinada, é ela que subordina, que deve ser apreciada antes do julgamento do mérito da causa; c) é autônoma, porque se esta é questão de direito material, pode ser objeto de ação autônoma.

[15] Existem as chamadas questões preliminares impróprias ou dilatórias que são aquelas hipóteses que não acarretam a extinção do processo, tais como a conexão e a incompetência absoluta. O processo não será extinto, mas sim, remetido ao juízo competente para o julgamento da causa. Já as questões preliminares extintivas ou peremptórias, em regra, acarretam a extinção do processo. São estas: a inépcia da petição inicial, a perempção, a litispendência, a coisa julgada material, a incapacidade da parte, a convenção de arbitragem, a carência de ação, a falta de caução ou de outra prestação.

[16] Parece ser oportuno aludir que o CPC/2015 aboliu a ação declaratória incidental. Mas, por outro lado, compensando essa supressão passou a coisa julgada material também abrigar a questão prejudicial ao mérito, restando ressalvada de indiscutibilidade e estabilidade. É preciso acautelar-se sobre a dimensão do objeto do processo, para que não se tenha prejuízos futuros.

[17] A doutrina aponta ainda a cognição eventual plena ou parcial, mas exauriente (secundum eventum defensionis), que ocorrerá naqueles casos em que a cognição do juiz estará vinculada à eventualidade de o demandado se manifestar no processo. São os casos de: ação monitória e da ação de exigir contas.

[18] É aquela baseada em um exame não tão profundo como a realizada na cognição exauriente, mas que é pautada na existência de uma situação de urgência, normalmente caracterizadora de uma situação de urgência e de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou até mesmo da evidência do direito pleiteado. É calcada no juízo de verossimilhança (probabilidade) o que a faz ter a qualidade de provisória. Exemplificando as tutelas de urgência e de evidência.