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Intervenção de Terceiros em face do CPC/2015

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Intervenção de Terceiros em face do CPC/2015

Primeiramente cumpre tecer os justos e merecidos comentários em homenagem ao Professor Alexandre Martins Flexa que tem nos propiciado não só por sua lavra doutrinária, mas principalmente por suas aulas didáticas proferidas no aplicativo Periscope disseminando gratuitamente o conhecimento sobre o novo Código de Processo Civil brasileiro. Parabéns, colega!!! Você é um exemplo para todos nós.

Aliás, já se tem fim a polêmica quanto ao início da vigência do novo codex posto que será mesmo em 18 de março de 2016, vide link

O processo é caracteristicamente intersubjetivo e tem entre os seus personagens os que integram a relação jurídica processual, seja o Estado-juiz, o demandante (autor) e o demandado (réu).

As partes[1] são os sujeitos parciais da relação jurídica processual, isto é, aqueles que pedem ou em face de quem se é pedida a providência jurisdicional, e que por essa razão, integram o contraditório e são atingidos pelos efeitos da coisa julgada.

Para que alguém participe e se torne sujeito em determinado processo, deverá propor a demanda, ou ainda, ser chamado ao juízo para ver-se processar ou intervir em processo já existente.

Sabemos da geometria inicial da relação processual que é relacionada a uma concepção triangular que se revela em ser o esquema mínimo, que é completado com a citação válida e regular do demandado.

O terceiro que é estranho à relação processual estabelecida inicialmente entre o autor e réu. É conceito que se consegue por negação[2]. E tal característica distingue o instituto da intervenção de terceiro do litisconsórcio, uma vez que os litisconsortes são partes originárias do processo, ainda que por equívoco, não venham mencionados na petição inicial (litisconsórcio necessário).

O sentido de terceiro é alcançado devidamente em face da situação jurídica do ingressante na lide em relação aos litigantes originais. O terceiro uma vez admitido em demanda alheia, passa ocupar posição distinta da dos demais litigantes.

É importante também distinguir a intervenção de terceiro[3] da substituição da parte ou sucessão processual, uma vez que a situação jurídica do substituto ou sucessor é idêntica à do substituído (cedente e cessionário herdeiro e falecido).

Assim, o terceiro como sujeito pode ser participante no processo, seja no polo ativo ou polo passivo. Havendo ainda as hipóteses excepcionais e expressamente previstas em lei.
A pluralidade subjetiva no processo é possível tanto no litisconsórcio como na intervenção de terceiros.

O autor ou demandante é quem propõe a demanda em face da resistência do demandado ou do réu, contrapondo-se ao juiz que é sujeito imparcial. Apesar do autor é o réu serem os sujeitos processuais parciais é possível haver a cooperação e, ainda, a obediência ao princípio da boa-fé objetiva.

Diz-se que existe a intervenção de terceiros no processo quando alguém dele participa sem ser parte da causa, com o fim de auxiliar ou excluir os litigantes, para defender algum direito ou interesse próprio que possa ser prejudicado pela sentença.

Apesar de que deve limitar-se a coisa julgada apenas às partes perante as quais é a sentença dada, seguidamente os efeitos da sentença se expandem podendo até mesmo indiretamente atingir a terceiros que estejam, por uma forma ou outra, ligados às partes, produzindo influências de vários tipos sobre alguma relação jurídica de que aqueles participem.

Em verdade há três posições que o terceiro interveniente pode assumir na demanda, a saber: para auxiliar a parte a que adere, para sustentar as razões que a esta competem; para se unir contra o adversário comum; que ingressa no processo em antagonismo contra ambas as partes, tentando a todas excluir, em defesa de algum direito inconciliável com o direito sustentado pelos ligantes.

A verdade que a intervenção de terceiro é excepcional posto que em geral não se admita que terceiro intervenha no processo, uma vez que a sentença normalmente só opera seus efeitos entre as partes, não atingindo a terceiros, vide o art. 506 do CPC/2015.

Salutar advertir que nem todo terceiro que pode intervir no processo poderá fazê-lo, sendo mesmo vedada a dita intervenção de quem não tenha interesse na demanda, ou que tenha somente mero interesse fático na solução do litígio.

Excepcionalmente, a sentença produz efeitos panprocessuais que pode atingir outras esferas jurídicas, que não apenas do autor e do réu. E, nesses casos, o terceiro resta autorizado a intervir no processo, respeitando-se o devido processo legal.

A legitimidade de terceiro é mensurada exatamente pela eficácia da coisa julgada[4] bem como pelas peculiaridades do direito material discutido na causa.

No fundo tais causas se fundem e se imiscuem pois é justamente a natureza do direito substancial que conecta o terceiro a determinada parte, quando os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada são finalmente definidos.

Há de o terceiro comprovar cabalmente a pertinência de sua intervenção no processo e, uma vez verificada a partir da afirmada relação com algumas das partes originárias do processo e da pretensão concretamente formulada na demanda.

Afinal, com a definição do interesse jurídico[5] é possível a intervenção de terceiro, desde que respeitadas também as reras da espécie interventiva.

Portanto não é suficiente que haja apenas a vontade do terceiro em intervir posto que seja indispensável haver o controle judicial sobre o seu ingresso no processo. Cabendo ao juiz aferir a legitimidade de terceiro para intervir e se encaixar nas hipóteses legais de cabimento,

O CPC/2015 prevê cinco modalidades de intervenção de terceiros: assistência, denunciação da lide, chamamento ao processo, incidente[6] de desconsideração da personalidade jurídica e amicus curiae.

Lembremos que no CPC/1973 a assistência não era tratada no capítulo das intervenções de terceiro, apesar de que no mesmo diploma legal em seu art. 280 reconhecesse que a assistência era espécie interventiva.
Reconhece-se, portanto, que tal falha fora sanada como o CPC/2015, tendo sido incluída a assistência nos artigos 119[7] aos 124.

A intervenção de terceiros pode ser espontânea ou provocada. A intervenção provocada se materializa através de um requerimento formulado por uma das partes e pode dar azo à seguintes figuras: a nomeação à autoria; a denunciação da lide; o chamamento ao processo.

As intervenções voluntárias ou espontâneas decorrem de ato de vontade do interveniente, são os casos da assistência e o amicus curiae; e as intervenções forçadas ou provocadas são a denunciação da lide, o chamamento ao processo e a intervenção dos sócios ou da pessoa jurídica decorrente da desconsideração[8] de personalidade jurídica ou desconsideração inversa, que também é possível pelo novo codex.

No que se refere à natureza jurídica da intervenção de terceiro, trata-se de incidente processual, visto que o terceiro realiza uma série de atos dentro de um processo em andamento, visando modifica-lo, sem que se instaure uma nova relação processual.

Não se confunde, pois, com o processo incidente[9], onde há uma relação jurídica nova, relacionada a um processo pendente.

Será espontânea a intervenção quando a iniciativa é do terceiro (era o caso da oposição e assistência). Será por inserção quando terceiro intervém em relação jurídica já existente (assistência, nomeação à autoria e chamamento ao processo). Será, por sua vez, por meio de uma nova ação quando existe a formação de nova relação processual, embora o mesmo processo.

A assistência[10] é a primeira das espécies de intervenção de terceiros prevista no CPC/2015, onde terceiro está autorizado a intervir no processo a fim de auxiliar a uma das partes sempre que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável à parte que pretende assistir.

Pode ocorrer a qualquer momento do processo, em qualquer grau de jurisdição, enquanto não transitada em julgado a decisão judicial.  Uma vez admitido o assistente, este só poderá praticar os atos processuais ainda não preclusos, ou seja, não são devolvidos prazos ao assistente para que possa praticar os atos nas fases processuais já superadas Tal como ocorre com qualquer das modalidades de intervenção, a assistência é admitida porque a sentença a ser proferida no processo em que interveio poderá atingir a sua esfera jurídico-patrimonial.

É certo, porém que para ser admitido como assistente o terceiro deverá demonstrar ter efetivo interesse jurídico na solução da demanda. Embora não haja definição de interesse jurídico, o que cabe a doutrina fazê-lo. Deve-se entender que é a existência de relação jurídica que envolva o assistente e o assistido apenas, ora porque envolve o assistente, assistido e adversário do assistido.

Há, portanto, duas espécies de interesse jurídico[11], a primeira concentrada na relação assistente e assistido e, a segunda entre o assistente e o adversário do assistido.

Alexandre Flexa, com sua habitual dom didático, nos exemplifica: Na primeira hipótese temos a ação de despejo proposta pelo locador em face de locatário.

Há o sublocatário, mas este será terceiro, pois não é parte da demanda que possui interesse jurídico[12] para intervir como assistente.

Já na segunda hipótese, imagine-se a ação de cobrança proposta pelo credor em face apenas de um dos devedores solidários (réu), o outro devedor solidário será o terceiro em relação ao processo. E, terá relação jurídica tanto com o assistido como também com o adversário do assistindo (vez que é devedor do adversário do assistido).

Na primeira hipótese, observa-se a existência de interesse jurídico somente entre assistido e assistente, é quando se tem a chamada assistência simples ou adesiva[13]. Na segunda hipótese, tem-se o interesse jurídico que se desenvolve entre assistente, assistido e adversário do assistido, há a assistência qualificada ou litisconsorcial[14].

Na assistência[15] simples o ingresso do assistente no processo se dá para defesa de direito alheio (direito do assistido) porque ostenta uma relação subordinada à relação jurídica discutida na demanda. No exemplo dado referente à sublocação, o assistente é titular apenas de contrato acessório, pode praticar todos os atos processuais desde que não sejam contrários à vontade do assistido, mas jamais poderá praticar atos que impliquem em disposição do direito do assistido. Afinal, o assistente não é titular da res in iudicium deducta, conforme se pode perceber do art. 122 do CPC/2015.

Contudo, o assistente simples pode ter sua atuação diferenciada, porém se o assistido se tornar revel, ou ainda, de alguma forma for omisso ou desidioso no processo, poderá atuar como como substituto processual[16], vide art. 121, parágrafo único do CPC/2015, passando a praticar atos em nome próprio, defendendo o direito do assistido.

Havendo, contudo, duas limitações, a saber: a) os atos continuam sendo de defesa, nunca de disposição de direito do assistido; b) esses atos podem tornar-se ineficazes se o assistido comparecer e manifestar-se expressamente de modo contrário. O comparecimento do assistido, agora substituído, deve ocorrer somente através da assistência litisconsorcial, na forma do art. 18, parágrafo único do NCPC. Atesta-se desta forma uma autêntica subversão de papéis, onde o assistente vira assistido e vice-versa.

Alvissareira é a previsão do art. 121, parágrafo único do CPC/2015 que veio a diluir antiga discussão doutrinária e jurisprudencial. Se quando o assistido não é revel, mas recorre, poderia o assistente simples recorrer?

Existem julgados do STJ que respondem negativamente e inadmitem o recurso. Mas, com a nova redação do dispositivo, o assistido simples poderá atuar em qualquer omissão do assistido, devendo ser admitido seu recurso caso o assistido não recorra.

Lembremos que o assistente simples, como sujeito do processo que passa a ser, submete-se naturalmente à eficácia da decisão proferida no processo, não podendo discutir seus fundamentos em processo posterior (art. 123 do CPC/2015[17]).

Porém, como tem a atuação limitada no processo[18], se prevê pode discutir novamente a justiça da decisão no processo em que interveio se não pode manifestar-se, porque ingressou após o momento processual oportuno, se não pode produzir provas ou se desconhecia as alegações e/ou provas que o assistido não quis aduzir ao processo, seja por dolo ou culpa.

Acertadamente, o novo CPC trata a assistência simples em seção distinta daquela que regula a assistência litisconsorcial, o que se justifica pela grande diferença de tratamento. O dispositivo comentado na lavra de Hartmann que aponta haver ajuste redacional ao indicar a postura do assistente simples e seus poderes, mas inova corretamente, ao substituir a antiga expressão “gestor de negócios” por “substituto processual”, eis que o assistente realmente tem uma espécie de legitimação extraordinária para atuar em juízo pelo assistido, mas jamais para praticar qualquer ato relativo ao direito material, conforme sugeria a anterior redação.

A assistência qualificada ou litisconsorcial é cabível sempre que o terceiro for titular da relação jurídica discutida no processo. Tem esse nomen iuris, pois o assistente qualificado é tratado como se fosse litisconsorte. Mas, ser considerado litisconsorte não é o mesmo que ser litisconsorte. Este é parte, podendo e praticar qualquer ato processual como lhe aprouver.

Ressalve-se que o assistente litisconsorcial não assume a posição de parte da demanda, mas apenas de parte do processo, podendo praticar todos os atos que importem em defesa do direito do assistido, tal como ocorre com o assistente simples.

A diferença reside na vontade do assistido, pois o assistente qualificado pode praticar atos de defesa, mesmo contra a vontade do assistido. Há autores, no entanto, que defendem que o assistente litisconsorcial torna-se parte da demanda, formando litisconsórcio facultativo unitário e ulterior.

Oferecido o pedido de assistência pelo terceiro juridicamente interessado, este será deferido desde que as partes não apresentem impugnação. Caso uma das partes faça impugnação ao pedido de assistência, dentro do prazo legal de quinze dias, alegando que o terceiro não ostenta interesse jurídico para intervir como assistente, o juiz permitirá que as partes produzam provas, se necessário, a fim de julgar o pedido o incidente.
Vale recordar que o CPC/1973, o art. 51, II previa expressamente a produção de provas, o que não ocorre no CPC/2015. Trata-se de omissão que na opinião de Alexandre Flexa, não pode levar à conclusão de inadmissibilidade de fase probatória, sob pena de violar frontalmente a ampla defesa. Também poderá o juiz rejeitar liminarmente o pedido de assistência (art. 120, in fine). Da decisão no pedido de assistência, caberá agravo de instrumento conforme o art. 1.015, IX do CPC/2015.

O art. 124 do CPC/2015 definiu a assistência litisconsorcial[19] que deve ser considerado juntamente com Enunciado 11 do FPPC: “O litisconsorte unitário integrado ao processo a partir da fase instrutória, tem direito de especificar, pedir e produzir provas, sem prejuízo daquelas já produzidas, sobre as quais o interveniente tem o ônus se manifestar na primeira oportunidade em que falar no processo”.

A denunciação da lide[20] é prevista nos arts. 125 ao art. 129 do CPC/2015 e pode ser definida como uma ação regressiva in simultaneus processus, podendo ser proposta tanto pelo autor quanto pelo réu

O art. 125 do CPC/2015 disciplina as três hipóteses de denunciação da lide, sendo suprimido o termo “obrigatório” posto que não mais haverá a perda do direito de regresso que poderá ser pleiteado por meio de ação autônoma.

No Código Buzaid, a denunciação da lide não era propriamente uma intervenção de terceiro, mas uma ação de regresso, de caráter eventual, inserida no processo principal e dependente da demanda originária.

No novo codex ainda ostenta sua natureza de ação incidental, mas uma vez aceita a denunciação, assa a ser uma autêntica intervenção de terceira, pois o denunciado ingressa no processo como litisconsorte do denunciante (arts. 127 e 128 do CPC/2015), sofrendo os efeitos da decisão judicial no processo na qualidade de parte da demanda.

Naturalmente será competente para processar e julgar a denunciação da lide o mesmo juízo da ação primitiva. Portanto, não se cogita em incompetência relativa. Porém se a incompetência for absoluta em razão da matéria impede a denunciação da lide, porém, a doutrina e a jurisprudência pátrias entendem que a incompetência absoluta em razão da pessoa não impede a denunciação da lide.

Indiscutivelmente a natureza jurídica da denunciação da lide é de ação de conhecimento incidental. Sendo, portanto, vedada, a denunciação em sede ação executiva e cautelar (tutela provisória).

O ajuizamento da denunciação da lide é facultativo, podendo o litigante, se desejar, ajuizar a ação de regresso de forma autônoma. Mas, cabe ressaltar, que a denunciação é uma ação de regresso antecipada. Mas, se preferir a ação de regresso autônoma, deve estar ciente que somente poderá fazê-lo após o efetivo cumprimento da obrigação na ação principal.

As hipóteses de admissibilidade da denunciação da lide estão elencadas nos dois incisos do art. 125 do NCPC[21]. A primeira hipótese de cabimento é na qual aquele que sofreu evicção (autor ou réu numa demanda reivindicatória) poderá denunciar a existência da lide ao alienante imediato, a fim de que este arque com os eventuais prejuízos que o denunciante-evicto possa sofrer.

A denunciação só pode ser feita ao alienante imediato, eliminando-se a possibilidade de denunciação per saltum, visando a alcançar os alienantes anteriores.

Norma semelhante àquela contida no inciso I, do art. 125 é a do art. 456 do Código Civil brasileiro[22] que dispunha que para poder exercitar o direito que da evicção[23] lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. Tal dispositivo foi revogado pelo art. 1.072, II do CPC/2015, sepultando qualquer possibilidade de admissão de denunciação da lide por salto[24].

A outra hipótese de cabimento da denunciação da lide, prevista no inciso II do art. 125 do CPC/2015 permite a intervenção sempre que a parte vencida numa ação judicial puder buscar ressarcimento do seu prejuízo perante outrem, que seja seu garantidor. É o caso do causador de acidente automobilístico que é demandado judicialmente pela vítima e seus familiares e denuncia à lide à seguradora, que assumiu em contrato, o dever de indenizar o segurado, caso este perdesse na demanda.

Tal previsão legal dá oportunidade de avaliarmos duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais, ambas voltadas ao debate sobre a possibilidade ou não de discussão de fato novo na denunciação da lide.

A primeira corrente, considerada ampliativa, admite a denunciação da lide em qualquer das hipóteses abrangidas pelo inciso II, que são genéricas, não permitindo distinção pelo intérprete. Tendo o denunciado fornecido garantia própria (aquela em que se deu transmissão do direito ao denunciado), tenha outorgado garantia imprópria (aquela em que o denunciado apenas responsabilizou-se pelo dano) seria possível a denunciação da lide, tornando cabível a discussão de fato novo decorrente da garantia imprópria.

Já a segunda corrente doutrinária é a restritiva e sustenta que somente será admitida a denunciação da lide quando se tratar de garantia própria, isto é, quando a derrota do denunciante acarretar automaticamente a derrota do denunciado, sem necessidade de debate de fatos novos ou de produção probatória na demanda incidental de regresso.

Tal corrente visa proteger a parte que enxergava sua lide demasiadamente prolongada pela parte contrária que, integrando uma demanda onde se debatia a responsabilidade objetiva, denunciava a lide ao seu garantidor, instaurando-se demanda incidental, onde se discutia a responsabilidade subjetiva.

A jurisprudência do STJ oscila entre essas duas correntes, mas a segunda corrente de caráter mais restritivo tem mais afinidade com a ideologia do CPC/2015 que visa enfatizar a celeridade processual harmonizada com a segurança jurídica.

Há a possibilidade de denunciação da lide pelo Estado ao servidor público nas ações de responsabilidade civil deste por ato de seus servidores. Para quem é adepto da corrente ampliativa, não há impedimento à denunciação da lide pelo Estado ao seu servidor. Mas, quem for adepto da corrente restritiva, não existe garantia própria, sendo, portanto, vedada a denunciação da lide.

E, nesse sentido há o pronunciamento do Desembargador Alexandre Freitas Câmara que se manifestou sobre o art. 70, III do CPC/1973 e vislumbrou ainda uma terceira corrente para a questão, discordando das duas correntes doutrinárias anteriormente aludidas, pois a proposição que nega a possível denunciação por ser somente possível em casos de garantia própria pareceu-lhe errônea, por criar distinção não prevista e nem decorrente da norma.

Já a compreensão extensiva também parece ser equivocada posto que a denunciação da lide é inadequada nos casos onde exista solidariedade entre demandado e terceiro. E, mesmo porque o Estado, que se torna civilmente responsável, tem direito de regresso em face de seu agente que tenha causado dano, mas tal fato, não exclui a responsabilidade deste perante o lesado, decorrente do art. 927 do C.C.

Assim, defende que nada impede haver um litisconsórcio facultativo obviamente, entre a pessoa jurídica de direito público e seu servidor que, aliás, já foi admitido pelo STF, relator Ministro Cunha Peixoto, RE 90.0701, j.18.8.1980, v.u., DJU 26.9.1980.

Prevalecendo tal entendimento, é patente o reconhecimento da solidariedade entre a pessoa jurídica de direito público e seu agente, o que torna inadequada a denunciação da lide, revelando-se cabível, no caso, o chamamento ao processo.

Fredie Didier Jr.[25], assume postura conciliatória diante das duas correntes aludidas, afirmando que a adoção deve decorrer da análise do caso concreto pelo juiz.

Posto que a intervenção de terceiro referente a denunciação da lide visa dar maior celeridade e economia processual. De sorte que se vier a comprometer a efetividade do processo e/ou a duração razoável deste, deve-se inadmitir a denunciação, ressalvando-se a ação de regresso por via autônoma. Por esta razão, justifica o doutrinador baiano, que há entendimentos díspares no STJ.

Uma vez oferecida a denunciação da lide pelo autor que dar-se-á pela petição inicial, formando-se um litisconsórcio entre o denunciante e denunciada. Por essa razão, é salutar que entre o denunciante e denunciado haja interesses coincidentes.

O denunciante (autor na demanda principal) quer a condenação do réu, da mesma forma que o denunciado, pois, desta forma estaria livrando-se do dever de ressarcir o denunciante de eventuais prejuízos que possa vir a sofrer.

Devidamente citado em primeiro lugar, antes mesmo do réu na demanda principal (art. 127) o denunciado poderá tomar uma das seguintes posturas:

  1. a) negar a qualidade de garantidor que lhe é imputada, prosseguindo-se a ação somente com o denunciante no polo passivo, mas não impedindo que o denunciado seja atingido pela sentença, caso o pedido do autor seja julgado improcedente;
  2. b) permanecer inerte, sendo decretada sua revelia na ação principal;
  3. c) assumir posição de litisconsorte ativo juntamente com o denunciante podendo aditar a petição inicial com novos argumentos que colaborem na vitória processual do denunciante.

Somente após o pronunciamento da manifestação do denunciado é que se fará a citação do réu na demanda principal e o processo segue seu curso normal.

A denunciação da lide oferecida pelo réu deve ser feita no bojo da peça contestatória (art.126), devendo o denunciante providenciar a citação do denunciado no prazo de trinta dias, sob pena de indeferimento da denunciação (art. 131 c/c art.126, in fine).

Efetivada a citação do denunciado, este poderia assumir um dos seguintes comportamentos:

  1. a) contestar o pedido autoral, hipótese em que se forma um litisconsórcio passivo entre denunciante e denunciado (art.128, I)
  2. b) permanecer inerte, sendo decretada sua revelia. In casu, faculta-se ao denunciante (réu na ação principal) desistir de sua defesa e prosseguir apenas na ação de denunciação, onde sua vitória tornou-se bastante provável em razão da presunção de veracidade decorrente da revelia (art. 128, II);
  3. c) confessar os fatos na ação principal, verificando-se a mesma consequência ocorrida no inciso II.

No CPC/1973 discutia-se sobre a possibilidade de a sentença condenar diretamente o denunciado na ação principal. E, Flexa indica como exemplo a demanda ajuizada pelo condômino do apartamento 401 em face do possuidor do apartamento do 501, em razão de vazamento que estava acarretando infiltrações na unidade do autor.

O possuidor do imóvel 501, um locatário, por exemplo, poderia denunciar a lide ao locador-proprietário, formando-se o litisconsórcio passivo entre denunciante e denunciado. Indagava-se se seria possível a sentença condenar diretamente o denunciado a ressarcir o autor da ação principal. A doutrina oscilava entre as duas possibilidades.

O CPC/2015 encerra essa discussão ao prever, no art. 128, parágrafo único, a possibilidade de o denunciado ser condenado diretamente a ressarcir o adversário do denunciante, desde que nos limites da garantia a que se obrigou o denunciado. Tal inovação merece elogios, pois proporcionará maior efetividade e celeridade ao provimento final.

O ônus da sucumbência faz-se mister ressaltar que existem duas ações no mesmo processo, quais sejam, a ação principal e a ação de regresso. Quando o denunciante sucumbe na ação principal e consagra-se vitorioso na denunciação, não há dúvidas que arcará com as custas pagas pela parte contrária e honorários advocatícios desta, enquanto o denunciado pagará ao denunciante as despesas com a denunciação além do que houver pago ao seu adversário na ação principal (incluindo os ônus sucumbenciais).

Assim, na mesma forma, quando o denunciante sucumbir em ambas as ações (a principal e de regresso) arcará com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, tanto do seu adversário na ação principal quanto do denunciado.
A maior divergência situa-se quando o denunciante sai vencedor na ação principal e, ipso facto, perdedor na denunciação. Neste caso, entende-se que o denunciante é ressarcido pelo sucumbente das suas custas processuais e honorários advocatícios e, arcará com as custas desembolsadas pelo denunciado (art. 129, parágrafo único).

O chamamento ao processo é espécie de intervenção de terceiros que tem por fim trazer à demanda, no polo passivo, o devedor principal (quando o responsável for acionado) ou os demais devedores corresponsáveis quando apenas um ou alguns demandados, aumentando a defesa do réu, que tratará à demanda como seus litisconsortes, outras pessoas para cumprirem consigo a eventual obrigação imposta pela sentença.

Caberá o chamamento ao processo sempre que houver solidariedade entre o réu (chamante) e o terceiro (chamado), devendo ser requerido no prazo da resposta.

Consagra-se aqui o famoso ditado popular que alude “dar com uma mão e tirar com a outra”, eis que o direito material autoriza o credor a demandar qualquer dos devedores solidários como melhor lhe aprouver, enquanto o direito processual permite ao devedor solidário demandado a trazer à relação processual os demais devedores que o credor não quis acionar.

Diferem-se chamamento ao processo e denunciação da lide na medida em que, nesta, o terceiro é trazido ao processo para ressarcir o prejuízo sofrido pela parte, enquanto naquela o terceiro suporta juntamente com a parte eventual condenação no processo.

As hipóteses de cabimento de chamamento ao processo estão previstas no art. 130, do CPC/2015, ressaltando que as três hipóteses ora elencada que partem do mesmo pressuposto da existência de solidariedade obrigacional entre chamante e chamado.

A primeira hipótese é prevista, por exemplo, em uma ação de cobrança ajuizada pelo credor em face do fiador, este poderá chamar ao processo o devedor principal. O chamado virá ao processo para tornar-se parte da demanda juntamente com o chamante, formando-se um litisconsórcio passivo.

A segunda hipótese de cabimento permite ao fiador de uma obrigação que for réu em uma ação, chamar ao processo os demais fiadores. Como há solidariedade ente fiadores, respeitou-se a premissa que vale para todas as hipóteses de chamamento ao processo. Também, nessa hipótese o chamado tornar-se-á litisconsorte do chamante no polo passivo da demanda.

Por fim, a terceira e última hipótese de cabimento, disposta no art. 77, III do CPC que autoriza o chamamento ao processo feito pelo devedor solidário que foi demandado aos demais devedores solidários.

Quanto a obrigação alimentar e as modalidades de intervenção de terceiro, podemos observar o posicionamento do processualista Cássio Scarpinella Bueno entende que a nova regra pode ser enquadrada como um típico caso de chamamento ao processo, na modalidade descrita no art. 77, inciso III, do Código de Processo Civil/1973, embora o autor reconheça que não existe solidariedade entre os devedores dos alimentos.

Sustenta sua posição na sistemática dos alimentos no plano do direito material, bem como no fato do chamamento ao processo ser destinado a dar maiores chances de que seja cumprido o encargo integralmente, sempre em benefício do autor da ação.

Já Fredie Didier Jr., comentando a nova regra do Código Civil[26], afirma que ela não prevê denunciação da lide nem chamamento ao processo, pelo simples motivo de que não existe direito de regresso nem solidariedade na obrigação alimentar entre parentes. Esse autor diz que é total a inovação introduzida pela nova regra e ela não encontra subsunção em nenhuma das outras espécies de intervenção de terceiros previstas na Lei Processual.

O art. 130 do CPC/2015 prevê o chamamento que é modalidade de intervenção de terceiro que é exclusivamente provocada pelo réu, de deverá efetuá-la na contestação. Sendo fixado o prazo de trinta dias úteis para o demandado forneça ao juízo todos os dados e elementos necessários para que a citação do chamado seja realizada, de modo evitar a indevida e injustificada paralisação do processo. E, ainda prevê prazo maior, de dois meses quando o chamado residir em comarca, seção ou subseção distinta daquela em que o processo tramita.

Uma vez efetivada a citação do chamado, este poderá ficar inerte, sendo decretada sua revelia, ou ainda, contestar o pedido do autor. Havendo revelia e não sendo presumidos os fatos alegados pelo autor na petição inicial, caso o chamante tenha contestado, dada a unitariedade do litisconsórcio instaurado.

Exarada a sentença, equivale a um título executivo judicial tanto para o autor, quanto para o devedor que pagou a dívida por inteiro e sub-rogou-se no crédito referente à quota-parte dos demais devedores (art. 132).

O chamamento ao processo no CDC é previsto no art. 101, II que disciplina outra forma de intervenção de terceiro, ao prever in litteris: “o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do CPC. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este”.

Desta forma, o fornecedor demandado poderá incluir no processo o seu segurador, encerra, não obstante a denominação de “chamamento ao processo”, típica hipótese de denunciação da lide.

Visou o legislador ao utilizar do chamamento para ampliar a garantia do consumidor ao abranger a possibilidade de se incluir no polo passivo da demanda o segurador do fornecedor de produtos ou serviços, que responderá pela cobertura securitária independentemente de ação regressiva.

Porém, a utilização da denunciação da lide, pode viabilizar a inclusão do demandado no polo passivo da relação processual, também se presta a essa finalidade. Mas, não importa o nomen iuris do instituto e, sim, o reforço de garantia fornecido ao consumidor.

Há de se lembrar de que não é admitido o chamamento no processo de execução[27], posto que procedimento não admita a prolação de sentença conforme alude o art. 78 do CPC/1973. Também não se aplica aos coobrigados cambiários.

 

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica

Cumpre primeiramente esclarecer que a personalidade jurídica é a aptidão genérica para possuir direitos e deveres do plano jurídico. E esta aptidão, refere-se à capacidade de fruir ou gozar direitos e suportar deveres, não implicando, necessariamente, capacidade de fato, ou seja, de exercício de direitos.

O início da personalidade das pessoas jurídicas, de outro passo, se dá pela previsão na lei ou pelo registro correspondente. Segundo Flávio Tartuce os direitos da personalidade se expressam por cinco grupos, a saber: intimidade e vida privada; nome, imagem, retrato e atributo; vida e integridade.

A tutela da personalidade jurídica se condensa basicamente nos direitos da personalidade, orientações normativas destinadas à proteção da pessoa humana.

Todos os direitos de personalidade que tem por principal fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana são direitos fundamentais. Aliás, conforme o Enunciado 274 do CJF, os conflitos entre direitos da personalidade se aplicam também às pessoas jurídicas, sobretudo pela previsão do art. 52 do Código Civil.

E o enunciado 227 da Súmula do STJ dá ensejo à reparação de danos morais ocasionados à pessoa jurídica.

Para fins didáticos é possível apontar distintas espécies de direitos de personalidade, conforme o bem especificamente tutelado. Entre tantos direitos, temos: o direito à saúde, direito à imagem, seja como imagem-retrato (representação física do corpo de uma pessoa ou partes do corpo), imagem-atributo (representação da pessoa perante a coletividade); direito autoral, direito à privacidade e intimidade e ao segredo.

E neste plano se inserem as imposições ao sigilo profissional e ao sigilo industrial.

As pessoas jurídicas são categorias jurídicas dotadas de personalidade autônoma a partir da reunião de pessoas e bens. Também são chamadas de pessoas coletivas ou morais, as pessoas jurídicas sempre serão representadas ou como quer Pontes Miranda, presentadas, havendo, pois a plena capacidade das pessoas jurídicas.

Sobre a discussão a respeito da existência da personalidade jurídica a doutrina se divide em dois grupos. Os defensores das teorias negativistas que negam a existência da personalidade jurídica das pessoas jurídicas e os defensores das teorias afirmativistas que insistem na existência da personalidade jurídica das pessoas jurídicas.

Dentre os afirmativistas se destacam as teorias da ficção legal, da realidade orgânica e da realidade técnica.
Consoante com a teoria da ficção legal que encontra em Savigny seu maior defensor, a personalidade das pessoas jurídicas resulta exclusivamente da lei. Por outro lado, a teoria da realidade orgânica ou objetiva que foi desenvolvida por Gierke e Zitelman, as pessoas jurídicas são organismos sociais vivos, dotados de existência material que, por sua vez lhe confere personalidade jurídica.

Por derradeiro, a teoria da realidade técnica ou jurídica criada por Maurice Hauriou que além de reconhecer a personalidade jurídica das pessoas jurídicas decorre da sua existência material também reconhece que a lei é o instrumento de atribuição dessa personalidade.

A teoria adotada pelo Código Civil brasileiro vigente é a teoria da realidade técnica que é produto das duas teorias anteriores e, tem causa não somente pela previsão em lei, mas sobretudo por sua expressão social.

Destaque-se que o art. 45 do C.C. estipula que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado se inicia a partir da inscrição de seu ato constitutivo no registro respectivo, precedida, quando for o caso, de autorização de um dos poderes do Estado.

Afora isso, para garantir a estabilidade da personalidade e a segurança jurídica prevê-se que em três anos decairá o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.

Curial lembrar que de acordo com a classificação adotada pelo Código Civil brasileiro as pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado.

E, nos termos do art. 44 do C.C. são pessoas jurídicas de direito privado, as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos, as empresas individuais de responsabilidade limitada.

É relevante ponderar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica seja utilizável para a desconsiderar, teoricamente, a personalidade jurídica de quaisquer pessoas jurídicas de direito privado, na maioria dos casos as discussões sobre a desconsideração recarão sobre as sociedades empresárias e sobre as empresas individuais de responsabilidade limitada – EIRELI[28].

Convém lembrar os tipos de sociedades existentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como das espécies de responsabilidade dos seus sócios. Pois além das sociedades em comum e em conta de participação, não personificadas (artigos 986 a 996 do Código Civil), o Código Civil disciplina as sociedades simples, não empresárias (arts. 997 e seguintes do C.C.) e as sociedades empresárias. Dentre as sociedades empresárias merecem destaque as seguintes: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples[29], sociedade em comandita por ações, sociedade limitada e sociedade anônima.

A EIRELI é disciplinada pelo artigo 980-A do Código Civil apesar de ser denominada de empresa, trata-se de empresa individual de responsabilidade limitada. É pessoa jurídica composta por um único sujeito. Se recorrermos à analogia pode-se afirmar que se aproxima da sociedade limitada com um único sócio. Em resumo, é sociedade limitada unipessoal, com algumas peculiaridades.

O sujeito que compõe a EIRELI é o titular de todo o capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a cem vezes o maior salário-mínimo vigente no país.

Apesar da EIRELI[30] não ser considerada propriamente como uma sociedade empresária, considerando a sua personalidade e autonomia em relação ao seu titular, nada impede que ela também seja submetida ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Há de se destacar que há três características fundamentais das sociedades sejam empresárias e simples, a saber, a sua autonomia negocial, capacidade processual e autonomia patrimonial.

Por ter autonomia negocial, as sociedades empresárias realizam negócios jurídicos em nome próprio e no seu próprio interesse. Logo, responde, em nome próprio perante terceiros. Em todo caso, o sócio ou administrador sempre agirá em nome e no interesse da sociedade empresária.

Por assumir obrigações em nome próprio as sociedades também possuem capacidade para figurar nos polo ativo e passivo das relações processuais. Sua capacidade processual decorre logicamente de sua capacidade civil, vale dizer, de sua capacidade de contrair direitos, deveres e ter poder de exercê-los em nome próprio.

Destaque-se que a sociedade empresária tem o seu próprio patrimônio, autônomo e distinto do patrimônio dos seus sócios. Nesse caso, é o patrimônio autônomo da sociedade que, e regra, responderá pelas obrigações assumidas com terceiros.

Ordinariamente, mesmo que se trate de modelo societário cujos sócios tenham responsabilidade ilimitada, a sociedade deverá ser responsabilizada primeiramente. Somente após o esgotamento do patrimônio da sociedade, em regra, poderá haver, subsidiariamente, a responsabilidade patrimonial do sócio. Dizemos, em regra, pois excepcionalmente o patrimônio do sócio poderá ser atingido antes do patrimônio da sociedade, como se passa nos casos de desconsideração.

São exatamente as autonomias negocial e patrimonial que tanto justificam a desconsideração da personalidade jurídica. Naturalmente só será adequado pretender a desconsideração quando houver uma personalidade jurídica autônoma considerada como tal no ordenamento jurídico.

Mas as sociedades empresárias se manifestam através de seus sócios e administradores[31]. Sem as pessoas naturais as sociedades não poderiam atuar no plano da realidade.

Prevê a legislação cível brasileira que a pessoa jurídica ficará obrigada pelos atos dos administradores exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo. E, no silêncio do estatuto ou contato social os administradores das sociedades poderão praticar todos os atos relacionados à sua gestão, com exceção da alienação de imóveis.

Neste caso, não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Como expressão, ainda que parcial, da teoria ultra vires[32], o parágrafo único do art. 1.015 do C.C. estipula que o excesso pelo menos uma das seguintes hipóteses: se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; provando-se que era conhecida do terceiro; tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.

Portanto, exceto nestes três casos a sociedade deverá responder perante terceiros em virtude dos atos praticados por seus administradores.

Ordinariamente, o alcance ao patrimônio dos sócios pela desconsideração da personalidade jurídica só ocorrerá quando houver condutas abusivas ou expressa previsão legal destinada à tutela de bens juridicamente relevantes.

O NCPC faz remissão genérica após os pressupostos previstos no ordenamento jurídico brasileiro para a desconsideração da personalidade jurídica. Assim o pedido terá que ser fundamentado nos pressupostos indicados em normas de direito material[33]. Também há previsão da desconsideração inversa da personalidade jurídica que também poderá ser manejada pelo incidente.

Inova o NCPC ao prever que é possível haver o incidente em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução de título executivo extrajudicial.

O requerimento deverá demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais para a desconsideração e sua instauração suspenderá o processo.

Com a firme preocupação com o contraditório, o legislador previu que, instaurado o referido incidente, o sócio ou a pessoa jurídica seja, citada para se manifestar e requerer as provas cabíveis em até quinze dias úteis (art. 135 do CPC/2015).

Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória; se a decisão for proferida pelo relator, caberá agravo interno (art. 136 do CPC/2015).

E, acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou oneração de bens havida em fraude de execução[34], será ineficaz em relação ao requerente (art.137 do CPC/2015). O referido dispositivo positiva entendimento jurisprudencial dominante no sentido de que se acolhido o pedido da desconsideração, a eventual alienação anterior de bens será considerada como fraudulenta e, portanto será considerada ineficaz perante o requerente.

A desconsideração da personalidade jurídica pode ser operada segundo parâmetros objetivos ou subjetivos. Em algumas hipóteses a constatação de prática de conduta ilícita do sócio indispensável para que se possa desconsiderar a personalidade jurídica. Nestes casos, cogita-se na Teoria Maior da Desconsideração[35] referenciada no elemento subjetivo.
Em outras hipóteses a aferição da prática de ato ilícito é irrelevante para haver a desconsideração. Nestes casos, a despeito da ilicitude das condutas dos sócios, pela assunção da Teoria Menor[36], pode haver a desconsideração da personalidade jurídica sempre que for necessária à tutela de bens juridicamente mais relevantes.
Em síntese, de maneira geral, pode-se afirmar que enquanto os artigos 50 do C.C. e o art. 34 da Lei 12.529/11 adotam a Teoria Maior, os artigos 29 do CDC, 10 e 448 da CLT e ainda o art. 4º da Lei 9.605/08 adotam a teoria menor.

Parte da doutrina defende que o Código Civil brasileiro adotou a teoria maior objetiva, a jurisprudência caminha em sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica pode se fundamentar tanto na teoria maior objetiva quanto na teoria maior subjetiva.

E, os expedientes fraudulentos em desfavor de terceiros praticados pelos sócios seriam causas legítimas para a desconsideração da personalidade jurídica. O redirecionamento de execução fiscal aos sócios da sociedade, nos termos do artigo 135 do CTN é um ilustrativo caso da aplicação da teoria maior subjetiva.

No NCPC passa a regrar o amicus curiae[37]. A proposta é que este terceiro vem a defender uma posição institucional e que não necessariamente coincida com a das partes, intervenha para apresentar dados proveitosos à apreciação da demanda.

O magistrado, considerando a relevância da matéria e da temática, objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da intimação (art. 138).

É verdade que o amicus curiae não era previsto no CPC/1973, mas já era previsto em leis específicas e utilizado no controle concentrado de constitucionalidade no STF e no julgamento de recursos repetitivos (hipótese expressamente mencionada no art. 138, §3º). Já o debate se deve ser admitido amicus curiae em causas individuais em primeiro grau. O CPC/2015 não veda expressamente a hipótese.

A existência da intervenção de terceiros vem a confirmar que todo processo possui uma dimensão de interesse público, não cabendo mais a vetusta noção de que seja mera coisa das partes ou dos litigantes.

Dada a constatação de que a complexidade social torna as relações jurídicas entre os sujeitos muitas vezes inter-relacionadas, sob diversas formas e graus, depreende-se que também sob muitas formas os efeitos produzidos pela sentença atingem aqueles que não foram partes em determinado processo.

Em todos os casos, as chamadas intervenções de terceiros ampliam os efeitos da sentença a ser proferida no processo, que atingirão também os sujeitos intervenientes.

Seja alargando o objeto do processo (pedido, pretensão nele deduzida), seja deixando-o intacto, a intervenção tem o efeito de fazer com que as novas partes fiquem diretamente sujeitas aos resultados do processo e, mais que isso, vinculadas à autoridade da coisa julgada nele produzida.

Afinal, é precisamente essa a utilidade das intervenções, quer coercitivas, quer voluntárias. Tendo o interveniente, na condição de parte, contribuído ativamente para a formação do provimento final, nenhuma razão constitucional há para negar-lhe a imposição da coisa julgada material.

Referências:

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ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003.

[1] O conceito clássico de partes, sem levar em conta a extensão subjetiva da sentença e da coisa julgada, é preciso e exato, mas de pouca utilidade, porque outros sujeitos podem ter iguais poderes e sofrer iguais efeitos. Em resumo, afirmar que alguém é ou não é parte pouco significa, para determinar seus poderes no processo e os efeitos que possa sofrer. A precisão e a dimensão desse conceito não têm impedido controvérsias a respeito da condição de parte do assistente, havendo afirmações no sentido de que não é parte em hipótese alguma; que é parte em qualquer caso; que é parte, se litisconsorcial a assistência.

[2] O conceito de terceiro é encontrado por negação, sendo o que não for parte do processo, seja porque nunca esteve nesta, seja porque foi parte, mas também o que deixou de sê-lo por qualquer motivo. Afirma Barbosa Moreira que é terceiro quem não seja parte, quer nunca o tenha sido, quer tenha deixado de sê-lo em momento posterior àquele que se profira a decisão judicial. Trata-se de conceito simples, mas decorrente da simples inatividade em relação ao processo.

[3] Além das duas novas inserções foram mantidas a assistência, a denunciação da lide e o chamamento ao processo.

[4] No caso da assistência, mais especificamente, a vinculação do interveniente ao resultado do processo se dá sob a forma do “efeito” ou da “eficácia da intervenção” (Interventionswirkung).

Da proibição, imposta pela lei, de que o assistente discuta a “justiça da decisão” proferida no processo em que interveio (CPC/1973, art. 55), extrai-se ficarem indiscutíveis e imutáveis, perante ele, não apenas o dispositivo, mas também os fundamentos jurídicos da sentença.

Se, por esse lado, a “eficácia da intervenção” assistencial é mais severa que a autoridade da coisa julgada, por outro é mais branda, haja vista que o assistente se subtrai dessa vinculação se demonstrar que não teve plenas condições de fazer valer suas razões no processo em função da conduta do assistido ou do estado em que recebera a causa.

[5] O conceito de interesse jurídico é o ponto mais tormentoso e controvertido no estudo da assistência, limitando-se o Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 50, a dispor que poderá intervir como assistente o terceiro que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas.

Iniciaremos este esboço doutrinário pelos conceitos que se nos afiguram mais completos, que são os fornecidos por Thereza Alvim e Arruda Alvim.

Segundo Thereza Alvim, o interesse será jurídico “se a esfera jurídica do terceiro puder ser atingida de fato, isto é, pelos fundamentos de fato e de direito da sentença ou pela própria decisão, de forma indireta, tenha ele entrado ou não no processo”. Em trabalho mais recente, Thereza Alvim afirma que “só será jurídico o interesse do terceiro, se a decisão judicial da lide, ou seja, do pedido que não foi, nem por ele, nem contra ele, feito, puder vir a afetar relação jurídica sua com o assistido, puder ser atingido por atos executórios afetando sua esfera jurídica, ou, ainda, puder ser alcançada sua esfera jurídica, atual ou potencialmente”, acrescentando que o terceiro será atingido apenas pela eficácia natural da sentença.

Arruda Alvim afirma que a esfera jurídica do assistente simples poderá ser afetada de duas formas: 1) se a própria decisão do processo alcançar relação jurídica sua com quem deseja assistir, como uma prejudicial; 2) se a justiça da decisão operar efeitos de fato na esfera jurídica do assistente simples. Esclarece esse autor que, para o interesse do terceiro ser considerado jurídico, “deve, do processo entre outras pessoas, pode resultar influência benéfica ou contrária, prejudicial ou indireta, no conflito de interesses, atual ou potencial, que tem ele com a parte a quem deseja assistir”.

Em outra obra, Arruda Alvim destaca que o interesse jurídico como justificador do ingresso do assistente simples deve ser aferido em função de a sentença poder afetar ou não esse terceiro.

Em interessante parecer, Arruda Alvim sustenta que o “mero reflexo prático na posição do assistente é o bastante para justificar o seu ingresso; a isto se reduz o interesse jurídico do assistente”, esclarecendo mais adiante que “recebe, pela lei processual vigente, a qualificação de jurídico o interesse do terceiro se vislumbrado estiver, atual ou potencial, atingimento de fato na sua esfera jurídica” e concluindo que “a tradição do nosso Direito é a mais liberal possível, tangentemente à configuração do interesse do assistente”.

Citando Rosenberg, bem demonstra que o conceito de interesse jurídico não pode ser delimitado de maneira formal, estando presente essa classe de interesse, segundo o processualista alemão, “sempre que o interveniente aderente esteja em relação jurídica tal com as partes ou o objeto do processo principal, que uma sentença desfavorável influiria de algum modo, juridicamente e em seu detrimento, em sua situação de Direito Privado ou Público”

[6] Incidente do processo é ato ou série de atos realizados no curso do processo. É um procedimento menor, inserido no procedimento desse processo, embora sem surgir nova relação jurídica processual. Temos como exemplo: as exceções instrumentais de suspeição, impedimento, incompetência relativa, o incidente de uniformização de jurisprudência, incidente de declaração de inconstitucionalidade.

Conclui-se que toda intervenção de terceiro é um incidente de processo, mas, jamais, um processo incidente, posto que terceiro ingresso em processo alheio, impondo-lhe alguma modificação.

[7] É o artigo inicial sobre a intervenção de terceiros. A assistência simples e a litisconsorcial ficavam situadas em local imediatamente anterior a este título. Com o CPC de 2015, a assistência tanto a simples como a litisconsorcial passou a ser expressamente considerada como modalidade de intervenção de terceiro, bem ao lado da denunciação da lide, do chamamento ao processo, da desconsideração da personalidade jurídica e do amicus curiae.  A oposição, por sua vez, fora realocada e atualmente passou a ser tratada como um dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa (art. 682 ao art.686). A nomeação à autoria que tenciona a correção de ilegitimidade passiva, desaparece com este nomen iuris, embora possa ser realizada diretamente no bojo da peça contestatória. O parágrafo único do art. 119 do novo CPC vez que nem sempre o procedimento especial autoriza o ingresso do assistente, basta ver o art. 10 da Lei 9.099/95.

[8] Em primeira análise cabe informar que a origem deste importante instituto: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, foi desenvolvida pelos tribunais norte-americanos e anglo-saxões, sendo, posteriormente, importada para o ordenamento jurídico brasileiro.

O instituto nasceu em virtude de casos concretos, em que o sócio de determinada empresa, utiliza-se da “blindagem patrimonial” para lesar credores, desviando o sentido da norma para interesses escusos e odiosos. Entre esses casos, dois merecem destaque: 1) State vs. Standard Oil Co., julgado em 1982 pela Suprema Corte do Estado de Ohio, nos EUA, 2) Salomon vs. Salomon & Co., julgado pela Câmara de Londres, em 1897, na Inglaterra.

Visando controlar esse desvio de finalidade e proteger os institutos da boa-fé objetiva e da finalidade social das empresas, entenderam os tribunais que a autonomia patrimonial não poderia albergar fraudes. Assim, quando houvesse desvio de patrimônio da sociedade para o patrimônio pessoal, com o objetivo de fraudar credores, não haveria fundamento para proteger o patrimônio pessoal dos sócios.

[9] Na lição de Fredie Didier Jr., processo incidente é uma relação jurídica nova, assentada sobre um procedimento novo. Considera-se incidente esse processo porque instaurado sempre de modo relacionado com algum processo pendente e porque visa a um provimento jurisdicional que de algum modo influirá sobre este ou seu objeto. São exemplos comuns: os embargos do executado, os embargos de terceiro, a cautelar incidental, a reclamação constitucional e a oposição autônoma.

[10] Há ainda a assistência anômala prevista na Lei 9.469/97, art. 5º: A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais. Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.

[11] Luiz Guilherme Marinoni também afirma que a existência de relação jurídica entre o terceiro e a parte não integra o conceito de interesse jurídico e, para confirmar seu raciocínio, invoca o clássico exemplo do tabelião que ingressa em processo em que se discute a existência de vício em escritura pública, em que se admite a assistência sem que haja relação jurídica.

[12] Em sua recente dissertação, João Luís Macedo dos Santos considera um importante parâmetro para a verificação da existência do interesse jurídico o entendimento retirado de julgamento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual deve partir-se da hipótese de vitória da parte contrária para indagar se dela adviria prejuízo juridicamente relevante.

Esse breve e exemplificativo panorama doutrinário é suficiente para demonstrarmos a fluidez conceitual de interesse jurídico. De todo modo, as posições doutrinárias fornecem relevantes subsídios para a identificação concreta do interesse jurídico.

[13] Quando o interesse do assistente for indireto, ou seja, não vinculado diretamente ao litígio, diz-se que a assistência é simples. A sublocação do exemplo não figura como objeto da lide. E, a admissibilidade de tal assistência decorre apenas do interesse jurídico indireto. E o assistente atuará como legitimado extraordinário subordinado, portanto, em nome próprio, auxiliará na defesa de direito alheio. A legitimação é subordinada, pois é imprescindível a presença do titular da relação jurídica controvertida. Trata-se o assistente simples de mero coadjuvante do assistente, tendo atuação complementar, não podendo ir de encontro à opção processual deste.

[14] Na assistência litisconsorcial por possuir interesse direto na demanda, o assistente é considerado litigante diverso do assistido, razão pela qual não fique sujeito á atuação deste. Poderá, portanto, praticar atos processuais sem subordinar-se aos atos praticados pelo assistido e gozará de poderes, como requerer o julgamento antecipado da lide, recorrer, impugnar ou executar sentença.

[15] Há uma sutil modificação no CPC/2015: no rol das condutas dispositivas do assistido que vinculam o assistente simples se acrescenta a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação (art. 122, NCPC). O CPC/1973, inexplicavelmente, não a mencionava no art. 53, certamente misturando desistência da ação, expressamente referida, com renúncia do direito sobre o que se funda a ação, conduta ignorada, nada obstante ainda mais gravosa ao assistido. Esse erro se repetia no inciso VIII do art. 485, hipótese de ação rescisória, que também não mencionava a renúncia, embora cuidasse da desistência. O curioso é que, tanto para o CPC/1973 como para o NCPC, são atos dispositivos bem diferentes, inconfundíveis: o primeiro leva a uma decisão sem resolução de mérito (art. 267, VIII, CPC/1973; art. 495, VIII, NCPC) e a segunda, a uma decisão com resolução de mérito (art. 267, II, CPC/1973). O NCPC corrige a omissão.

[16] Chama-se substituto processual aquela pessoa física ou jurídica a quem a lei, em excepcionais e expressas situações, confere legitimidade – chamada, portanto extraordinária, em contraposição à ordinária do art. 6º – para atuar em juízo em nome próprio -, mas no interesse de outro sujeito. O legitimado extraordinário figura, assim como parte no processo, apesar de não ser parte na relação jurídica material controvertida.  Os efeitos da sentença projetam-se naturalmente sobre o substituído, titular que é dos interesses em jogo.

[17] O referido dispositivo trata do mero ajuste redacional, disciplinando o fenômeno chamado de exceptio male gesti processus que traduz a rara hipótese que autorizam o assistente simples a discutir, em futuro processo a ser discutido, os fundamentos da decisão em que tenha participado como terceiro.

[18] “Ao intervir, o terceiro adquire a qualidade de parte. Qualquer que seja a modalidade de assistência, ele terá faculdades, ônus, poderes e deveres inerentes à relação processual”. (Cândido Rangel Dinamarco). A afirmação é discutível. O mesmo doutrinador paulista assevera: “Mesmo quando adjetivado de litisconsorcial, o assistente não é autor de demanda alguma nem em face dele foi proposta qualquer demanda; a procedência da inicial não lhe trará bem algum, nem retirará coisa alguma de seu patrimônio. Ele é sempre um auxiliar da parte principal”. Se é importante distinguir parte e auxiliar da parte, não se justifica a afirmação de que o assistente se torna parte.

Se parte é quem pede ou aquele contra quem é formulado o pedido, o assistente, mesmo litisconsorcial, parte não é.

Se definimos “parte” como aquele que é sujeito de direitos, poderes, ônus e deveres processuais, mesmo o assistente simples é parte. Mas, nesse caso, não se terá como distinguir a atuação do Ministério Público como fiscal da lei, de sua atuação como parte, porque em qualquer dos casos é sujeito de direitos e deveres processuais.

[19] Diz Athos Gusmão Carneiro: “O terceiro, ao intervir no processo na qualidade de assistente, não formula pedido algum em prol de direito seu. Torna-se sujeito do processo, mas não se torna parte (grifo meu). O assistente insere-se na relação processual com a finalidade ostensiva de coadjuvar a uma das partes, de ajudar ao assistido, pois o assistente tem interesse em que a sentença venha a ser favorável ao litigante a quem assiste”.

[20] A originária denuntiatio litis do direito romano não passava de um expediente por meio do qual o denunciante dava notícia ao denunciado da pendência da lide, de que poderia nascer, com a sucumbência do garantido (denunciante), o dever para o denunciado de indenizar-lhe os prejuízos, de modo a colocá-lo, através dessa comunicação que se fazia ao terceiro, em condições de ingressar na demanda como assistente do denunciante e preservar, com tal expediente, seu direito de propor contra o denunciado uma futura ação de regresso.  Esse tipo de denunciação da lide, que se resume na comunicação formal feita a um terceiro da existência da controvérsia, por uma das partes, dando-lhe ciência da demanda, de modo a assegurar o direito de regresso contra o denunciado, a ser exercido em demanda subsequente, portanto sem que a denunciação implique, desde logo, a propositura da causa de garantia entre o denunciante e o denunciado, é o modo seguido pelo moderno direito alemão.

[21] Haverá limitação quanto ao número de denunciações da lide. É o que informa o art. 125, §2º do NCPC que permite a denunciação sucessiva. Então, são possíveis até quatro denunciações da lide no mesmo processo. Ou seja, uma regular e uma sucessiva por cada parte no processo.

[22] A revogação do art. 456 do C.C. por parte do art. 125, I do NCPC pelo qual só é possível a denunciação ao alienante imediato e a não reprodução da regra contida no art. 73 do CPC/1973 indicam que o princípio da relatividade dos efeitos se sobrepôs ao princípio da função social quanto à evicção. Porém, se analisarmos, mais detidamente, se a função social não é norma de ordem pública que não possa ser afastada pela vontade das partes? Responde José Fernando Simão, positivamente pois o princípio cede por força de lei para dar espaço ao tradicional res inter alios acta.

[23] Especificamente sobre o instituto da denunciação da lide, mister se faz destacar três importantes inovações do NCPC sobre o assunto, quais sejam: fim da obrigatoriedade da denunciação da lide, limitação da denunciação da lide sucessiva e proibição da denunciação da lide per saltum.

Por derradeiro, a denunciação da lide per saltum, ou seja, aquela feita não ao alienante imediato, mas a qualquer um dos alienantes anteriores, desaparece do sistema jurídico brasileiro, notadamente pela opção legislativa contida no artigo 1.072, inciso II, do NCPC, que revogou expressamente o artigo 456 do Código Civil Brasileiro vigente, suporte atual para o entendimento majoritário no sentido de que seria possível a referida forma de denunciação.

[24] Importante consignar que infelizmente alguns civilistas vinham conferindo ao art. 456 do C.C. uma equivocada interpretação. Principalmente por conta da afirmação que haveria o caso de aplicação da eficácia externa da função social do contrato. E, daí extraíam que haveria uma solidariedade entre todos os integrantes da cadeia dominial. Mas, tal entendimento é inaceitável, pois se houvesse a norma civil brasileira criado uma hipótese de solidariedade, não haveria sentido em se prever o cabimento da denunciação da lide e, sim, de chamamento ao processo. Portanto, tal interpretação se mostrava inconciliável com sistema processual vigente.

[25] Fredie Didier Júnior, com razão, assinala que toda a construção dogmática acerca dos institutos da intervenção de terceiros pauta-se por ideias criadas na época em que o processo tinha uma concepção puramente individualista, servindo como mecanismo de solução de conflitos individuais, destacando que o fenômeno interventivo diz respeito, sobretudo, ao problema da legitimidade, que sofre inúmeras derrogações com o aprimoramento da tutela coletiva.

[26] Inicialmente cumpre frisar que a obrigação dos avós é obrigação caracterizada pela excepcionalidade, somente sendo admitida diante de prova inequívoca da impossibilidade de os pais proverem os alimentos, sendo obrigação subsidiaria e complementar.

A natureza da obrigação alimentar de modo geral e também dos avós deriva do princípio da solidariedade. Nas palavras de Rizzardo (2007 p. 721), “funda-se o dever de prestar alimentos na solidariedade humana e econômica que deve imperar entre os membros da família ou os parentes. Há um dever legal de mútuo auxilio familiar, transformado em norma ou mandamento jurídico. ”

As discussões tornaram-se maiores e mais ousadas após a vigência do Código Civil de 2002, que com a nova redação dos artigos 1.694 e 1.695, pode levar o intérprete do Direito equivocadamente, concluir que o legislador objetivou que os avós, paguem alimentos a seus netos de forma imperativa e indiscriminada.

Art.1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, a própria mantença, e aquele que, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

[27] Com razão adverte Zavascki que a doutrina predominante, na esteira do pensamento de Liebman, considera o responsável secundário como terceiro, e não como parte, na relação processual. Já em sentido contrário, na doutrina brasileira, conforme Araken de Assis percebe que tal orientação tem fim prático importante que seja o de definir como sendo os embargos de terceiro e não os embargos do devedor, o instrumento de defesa cabível do responsável secundário, mas deve ser tomada com reservas. A rigor o art. 592 CPC/1973 evidencia que, a rigor, apenas existem duas hipóteses, do sócio e do cônjuge, que são típicas de responsabilidade executória secundária.

Porém, é diferente a situação do sócio e a do cônjuge cuja responsabilidade patrimonial tem, no fundo, natureza fiduciária, em face da posição de proveito que, real ou presumidamente, obtiveram em decorrência do débito assumido pela sociedade ou pelo outro cônjuge. (In: ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003).

[28] A Lei nº 12.441/2011 que instituiu a figura da Empresa Individual De Responsabilidade Limitada se baseou em modelos criados por países europeus, principalmente França, Alemanha e Portugal, para admitir no ordenamento nacional uma sociedade empresária unipessoal com responsabilidade limitada.

A legislação alemã, em 1980, e a Francesa, em 1985, passaram a admitir a constituição de sociedades limitadas unipessoais e pluripessoais.

 

[29] Na sociedade em comandita simples há dois tipos de sócios: os sócios os comanditados, e comanditários. Os primeiros são, necessariamente, pessoas físicas que respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, colaborando com capital; já os segundos, são obrigados apenas pelo valor de suas quotas.  O contrato social deve prever especificamente quais são os sócios comanditados e comanditários.  Nesse tipo societário o nome empresarial, conforme já dito, só pode firma ou razão individual/social.

[30] Analisando a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, e fazendo-se uma análise puramente positivista, chegaremos à conclusão de que, em havendo confusão patrimonial, poderá haver desconsideração da personalidade jurídica. Ocorre que, devido à natureza da atividade dos empreendedores que almejam este tipo de constituição societária, sendo em sua maioria empreendedores individuais, micro e pequeno produtores, artesãos, prestadores de serviço, empresários individuais, há uma confusão patrimonial natural, já que a atividade deste tipo de empreendedor é, em sua natureza, de subsistência, não de investimento, como nas demais sociedades empresárias. Senão vejam-se os dados sobre localização do empreendimento e outras fontes de renda dos empreendedores extraídos da pesquisa Perfil do microempreendedor brasileiro, realizada em 2012 pelo SEBRAE, que poderá esclarecer o quanto são confusas as interações dos patrimônios dos empreendedores e dos empreendimentos.

[31] Há os seguintes pontos básicos: poderes do administrador, responsabilidade do administrador, responsabilidade coletiva e individual do administrador nos casos de administração plúrima, administrador “laranja” e responsabilidade da sociedade (vinculação). Existem duas espécies: comuns e especiais.  Poderes comuns ou intra vires (dentro das forças): Salvo restrição contratual, o administrador fica automaticamente investido. Decorrem do só fato de ser administrador.

Equivalem aos poderes do mandato em termos gerais (CC/1916, art. 1.295; CC/2002, 661) e aos da cláusula ad judicia para o advogado (CPC, art. 38, 1ª parte).

São os poderes de gestão ou para os atos normais de administração. Por exemplo, os atos relativos ao objeto social, admitir, demitir empregados, etc.

Poderes especiais ou ultra vires (além das forças): Há necessidade de outorga expressa. Isso não vigora apenas para o administrador de sociedade. Equivalem aos poderes especiais do mandato (CC/1916, art.

1.295, §§ 1º e 2º; CC/2002, art. 661, §§ 1º e 2º), o mesmo ocorrendo para o advogado (CPC, art. 38, 2ª parte). São os poderes para os atos que desbordam dos normais de gestão ou de administração;

[32] A Teoria Ultra Vires surgiu em meados do século XIX, por ação das cortes britânicas, com o objetivo de evitar desvios de finalidade na administração das sociedades por ações, e preservar os interesses dos investidores.  Essa teoria afirmava que qualquer ato praticado em nome da pessoa jurídica, por seus sócios ou administradores, que extrapolasse o objeto social seria nulo.

Com o tempo percebeu-se a insegurança que sua aplicação gerava para terceiros de boa-fé que negociavam com tais sociedades e, assim, tanto na Inglaterra, como nos Estados Unidos, ao longo do século XX, os órgãos judiciais flexibilizaram o rigor inicial da Teoria Ultra Vires.

Os atos ultra vires, ou seja, aqueles praticados pelos sócios ou administradores fora dos limites do objeto social, com desvio de finalidade ou abuso de poder, passaram de nulos a não oponíveis à pessoa jurídica, mas oponíveis aos sócios ou administradores que os houvessem praticado.

Para confrontar a Teoria Ultra Vires surgiu a Teoria da Aparência que protege o terceiro de boa-fé que contrata com a sociedade. Por essa última teoria, o terceiro – que de modo justificável desconhecia as limitações do objeto social ou dos poderes do administrador ou do sócio que negociou – tem o direito de exigir que a própria sociedade cumpra o contrato. Posteriormente a sociedade pode regressar contra o administrador ou sócio que agiu de modo ultra vires.

[33] A partir da vigência da lei 12.846/133, que ficou conhecida por Lei Anticorrupção, mais um diploma contempla norma voltada à desconsideração da personalidade jurídica, utilizando-se da seguinte redação:

Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática de atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

[34] A súmula 375 do STJ, de 18 de março de 2009, tem o seguinte conteúdo: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Anteontem, dia 21 de novembro, o site do STJ veiculou informação de que a 3ª turma reafirmava tal entendimento.

O Código de Processo Civil de 1973, no art. 593, não exige a prova da má-fé do adquirente para a caracterização da fraude de execução: “Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III – nos demais casos expressos em lei”.

A situação mais comum de fraude é a prevista no inciso II. Pelo seu teor, se corre demanda contra o devedor, capaz de reduzi-lo à insolvência, eventual alienação (ou oneração) de bens por ele praticada, nessas circunstâncias, é fraudulenta.

Quando ocorre alienação de bens pelo devedor em estado de insolvência, há duas ordens de interesses em conflito: a primeira, do credor frustrado com a alienação e, a segunda, do terceiro adquirente. Não se pode conferir o mesmo bem jurídico a ambos. Ou a alienação é incólume e o terceiro não pode ser alcançado, ou a alienação é ineficaz em relação ao credor, para beneficiá-lo. Na segunda hipótese, resta ao adquirente apenas ação contra o devedor que, provavelmente, será inócua.

Doutrina e jurisprudência, ao longo das últimas décadas, sensibilizaram-se diante de inúmeros casos em que a pessoa adquiria um determinado bem, normalmente imóvel, muitas vezes com bastante suor e sacrifício, e depois sucumbia sumariamente, por causa da inesperada declaração de fraude de execução, mesmo tendo tomado todos os cuidados considerados normais para a aquisição.

[35] O STJ entende que a regra do sistema jurídico brasileiro é a Teoria Maior pois para haver a desconsideração, além do inadimplemento é necessário comprovar a fraude/abuso cometidos pelos sócios. Fora de fato adotada expressamente no art. 50 do C.C.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves a característica fundamental das pessoas jurídicas: é ade que atuam na vida jurídica com personalidade diversa da dos indivíduos que a compõem (sócios).

A Teoria Menor da Desconsideração entende que a mera insolvência da PJ permite a desconsideração de sua personalidade. Tal teoria é aplicada de forma restrita, pois atinge somente o direito do consumidor e o direito ambiental.

[36] A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).

– A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

– Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.

– A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[37] Existem vários entendimentos a respeito da natureza jurídica do amicus curiae. Já mencionava Celso Mello, por ocasião do julgamento da ADI 2.130, referiu-se a uma intervenção processual. E, de acordo com o eminente doutrinador, é razoável afirmar que a natureza jurídica do amicus curiae é de modalidade sui generis de intervenção de terceiros, com as características próprias, aplicável ao processo objetivo de controle de constitucionalidade. Vide LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

INCAPACIDADE LABORATIVA: Empregado incapacitado para o trabalho por transtornos psiquiátricos não pode pedir demissão nem pleitear rescisão indireta

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DECISÃO: TRT-MG – Se o empregado está afastado temporariamente do trabalho por apresentar doença mental, não tem condições de pedir demissão nem de postular a rescisão indireta do contrato de trabalho. Assim, a relação de emprego poderá ser encerrada somente quando terminar o período de afastamento. Por maioria de votos, a 6ª Turma do TRT mineiro manifestou entendimento nesse sentido ao modificar a decisão de 1º grau que havia declarado o fim do contrato de trabalho por pedido de demissão. A sentença foi modificada de ofício, ou seja, independente de pedido da parte contrária.

No caso, ficou comprovado, pelos boletins de ocorrência juntados ao processo, que o motorista de ônibus era vítima frequente de assaltos e agressões durante a sua jornada de trabalho. Em consequência, passou a apresentar transtornos psiquiátricos desencadeados e agravados pelo trabalho em ambiente hostil, conforme atestou o perito oficial. Segundo o laudo pericial, o motorista apresenta autoestima e autoconfiança reduzidas, humor deprimido, desinteresse e retração social. De acordo com as conclusões periciais, ele se encontra total e temporariamente incapacitado para a atividade de motorista de coletivo urbano.

Diante desses fatos, a juíza sentenciante concluiu pela configuração da culpa patronal, entendendo que cabia à empresa tomar todas as medidas de precaução para melhorar o ambiente de trabalho do motorista. Acrescentou que, apesar de ser questão de segurança pública, a ré poderia cobrar providências das autoridades competentes ou contratar vigilantes para proteger os trabalhadores, o que não ocorreu. Por essa razão, ela condenou a empresa de ônibus ao pagamento de uma indenização por danos morais no valor de 5 mil reais. Além disso, a juíza considerou o motorista como demissionário, por entender que ele não tinha condições de continuar prestando serviços à empresa.

Entretanto, nesse ponto, o desembargador relator Fernando Antônio Viégas Peixoto manifestou entendimento diferente. Ele reconheceu que, diante dos transtornos sofridos, ficou impossível ao motorista dar continuidade à prestação de serviços, podendo, em tese, dar por rescindido o contrato de trabalho. No entanto, lembrou o desembargador que, por estar inapto para o retorno ao serviço, não é possível a ruptura do contrato de trabalho, nos termos dos artigos 476 da CLT e 59 a 63 da Lei 8213/91, com exceção de cometimento pelo empregado de falta grave ensejadora de justa causa, o que não é o caso. “Importante salientar-se que o empregado encontra-se incapacitado para o trabalho, por questões de saúde mental, o que favorece o entendimento de que não teria condições de pedir demissão, ou mesmo pleitear a rescisão indireta, por faltar-lhe o completo discernimento”, completou.

Assim, por entender que se trata de questão de ordem pública, o relator modificou a sentença, de ofício, para cassar a decisão no sentido de encerrar o vínculo empregatício do motorista por pedido de demissão. Ao finalizar, o desembargador deixou registrado no voto que o entendimento adotado não impede a eventual pretensão do reclamante, em outra demanda trabalhista, de rescisão indireta, após estar novamente apto para a prestação de serviços.


FONTE: TRT-MG, 19 de fevereiro de 2016.

 

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL:  Registro civil de filho pode ser alterado em virtude do casamento posterior dos pais

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DECISÃO: STJ – O matrimônio realizado após o nascimento de filho comum do casal, com mudança do nome da mãe, dá direito à alteração do registro civil do filho para que conste o nome atualizado dos pais. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferida em julgamento realizado na última terça-feira (16).

O entendimento da Terceira Turma foi firmado com base em ação que pedia a retificação de registro de menor, nascida em 2003, cujos pais só se casaram em 2010. Com o casamento, a mãe da menor adotou o sobrenome de seu esposo. Assim, os registros da criança passaram a não retratar a nova realidade da família, pois nos documentos da criança constava o nome de solteira da genitora.

O juízo de primeiro grau sentenciou favoravelmente à autora e determinou a averbação da certidão de nascimento da menor. Na fundamentação, o juiz entendeu que causaria constrangimento social à mãe da criança a diferença entre seu nome atual e aquele registrado na certidão de nascimento de sua filha.

A sentença foi reformada pela segunda instância. De acordo com entendimento do órgão colegiado, a certidão de nascimento da criança foi lavrada quando a mãe ostentava o nome de solteira, atestando a realidade na época. Como não houve erro na confecção do documento, conforme a Lei 6.015/73 (lei de registros públicos), o tribunal entendeu que não haveria motivo para a retificação do documento, mesmo diante de uma situação excepcional posterior ao nascimento.

Mudança justificada

Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, relator do caso no STJ, o ordenamento jurídico brasileiro permite a alteração dos registros civis em casos excepcionais, desde que as mudanças sejam devidamente justificadas e não prejudiquem terceiros. No caso analisado, o ministro entendeu que o pedido de retificação civil representa direito oriundo do princípio constitucional da dignidade humana e se sobrepõe ao interesse público de imutabilidade do nome.

O ministro ressaltou que “a alteração ora pleiteada não dificultará, na prática, a realização dos atos da vida civil ou gerará transtornos às partes envolvidas, pois a origem familiar da criança, base da sociedade, ficará ainda melhor resguardada pela certidão de nascimento. Por outro lado, a segurança jurídica, que se extrai do registro, cede lugar ao dever de respeito à própria individualidade do ser humano, consectário da sua personalidade, que se explicita, em grande parte, pelo nome com o qual o indivíduo é reconhecido socialmente”.

Em razão do princípio da segurança jurídica e da necessidade de preservação dos atos jurídicos, a Terceira Turma também determinou que o nome da genitora da menor anterior ao casamento seja informado na certidão de nascimento e nos registros posteriores da criança.

O processo tramita em segredo de justiça.


 

FONTE: STJ, 18 de fevereiro de 2016.

DIREITO DE PREFERÊNCIA: Não existe direito de preferência entre condôminos

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O direito de preferência deve ser observado apenas nos casos em que a alienação do bem indivisível se pactue entre condômino e estranho, e não entre condôminos.  Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que estendeu o direito aos coproprietários do imóvel.

Acompanhando o voto do relator, ministro Marco Buzzi, a turma concluiu que a regra do artigo 504 do Código Civil aplica-se somente quando há concorrência entre o condômino e um terceiro estranho.

“Não há que se falar em direito de preferência entre os próprios condôminos, que se igualam, de modo que se um condômino alienar a sua parte a um consorte, nenhum outro poderá reclamar invocando direito de preferência”, ressaltou o relator em seu voto.

Restrições

Segundo Marco Buzzi, o direito de preferência disposto no artigo 504 se refere às alienações a estranhos e deve ser interpretado de forma restritiva, não cabendo ao intérprete, extensivamente, aplicar tal norma aos casos de compra e venda entre consortes.

Citando doutrinas e precedentes, Marco Buzzi enfatizou que o direito de preferência visa impedir que condôminos sejam obrigados a compartilhar o domínio de um bem com terceiros estranhos à comunhão.

Para o relator, a alienação ou cessão de frações ideais entre condôminos não viola o direito de preferência, uma vez que não envolve o ingresso de estranhos; “pelo contrário, serão mantidos os consortes apenas com alterações no percentual da parte ideal daquele que adquiriu a parcela de outrem”. A decisão foi unânime.

O caso

No caso julgado, vários integrantes de uma mesma família que possuem lotes no condomínio requereram a anulação da operação de compra e venda de dois lotes adquiridos por um condômino que não faz parte da família, sob o argumento de desrespeito ao direito de preferência.

O juízo de primeiro grau julgou o pedido improcedente por entender que, estando os condôminos em igualdade entre si, a alienação feita de condômino para condômino não ofende qualquer direito dos familiares.

Os familiares recorreram para o tribunal paranaense, que reformou a sentença de primeiro grau e anulou a operação, concluindo que o direito de preferência não se restringe à alienação para terceiros estranhos ao condomínio. O condômino que comprou os lotes recorreu ao STJ.


FONTE: STJ, 18 de fevereiro de 2016.

 

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA: Tribunal mantém decisão que responsabiliza concessionária por acidente em estrada mal sinalizada

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A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, manter o acórdão emitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que responsabilizou solidariamente a Autopista Litoral Sul por um acidente em rodovia pedagiada, decorrente de má sinalização de obras.

Em primeira instância, apenas o condutor do veículo que causou o acidente havia sido condenado a indenizar a vítima. O acidente ocorreu em 2009, em um trecho da BR 101, próximo a Florianópolis (SC). Um veículo fez uma conversão proibida, atravessando cones que sinalizavam a obra, e chocou-se contra uma moto. A condutora da moto ficou tetraplégica em decorrência do acidente.

Sentença reformada

Ao recorrer para o TRF4, a vítima obteve sucesso, tendo a sentença sido reformada em acórdão que condenou solidariamente a concessionária responsável pelo trecho (Autopista Litoral Sul) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT). Além de pensão, os réus foram condenados ao pagamento de indenização por danos estéticos e morais, mais a aquisição de uma cadeira de rodas para a vítima.

Inconformada com a decisão, a Autopista Litoral Sul recorreu para o STJ alegando que o acidente fora causado em um trecho em obras de responsabilidade do DNIT – o que, portanto eximiria sua responsabilidade – e que não era possível estabelecer o nexo causal entre a possível falha de sinalização na rodovia e o acidente causador da lesão permanente na vítima.

Os argumentos foram rejeitados pelos ministros. Para o relator do recurso, o desembargador convocado Olindo Menezes, não há indícios de irregularidade no acórdão do TRF4, e não é possível reexaminar o mérito da questão. Logo, não é possível fazer novo questionamento com relação à existência ou não de nexo causal entre a má sinalização da obra e o acidente. Também não é possível discutir o valor da indenização por danos estéticos e morais.

Caso semelhante

O desembargador apontou que o STJ já examinou de forma detalhada uma situação semelhante envolvendo a responsabilidade de empresas que administram rodovias. A conclusão foi enfática ao estabelecer o vínculo de responsabilidade.

O voto destacou decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, ao julgar o RE 327.904-1/SP adotou a tese da dupla garantia, de forma a garantir ao particular a possibilidade de ingressar com ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que preste serviço público. O STF frisou a possibilidade quase certa de obtenção do pagamento do dano.

Com a decisão, é mantido o entendimento de que a empresa detentora da concessão para explorar rodovia é responsável solidária no caso de acidente em que foi comprovado, no decorrer do processo, que a falta de sinalização em obra provocou acidente, causando lesão permanente a pessoas. Destacou o relator que “se estabeleceu automaticamente uma relação de consumo entre a vítima do evento e a recorrente (concessionária do serviço público)”.


 

FONTE: STJ, 19 de fevereiro de 2016.

 

 

Compreender a virada linguística

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A virada linguística ou linguistic turn é denominação adotada para o novo rumo que a filosofia ganhou no século XX e que Donald Davidson em uma entrevista nos derradeiros dias de vida, considerou como algo que não vai retroceder.

 

Em resumo podemos dizer que com a filosofia, os gregos antigos perguntavam sobre a realidade, os modernos, com Descartes, passaram a questionar sobre o conhecimento da realidade, e, assim, criaram a dualidade sujeito objeto, que transformara a filosofia em epistemologia (subjugando a metafísica, a ontologia e a cosmologia) atingindo tanto a ética como a estética e à submetendo à teoria do conhecimento.

 

Enfim, criaram um método. Posto que a tarefa primordial da filosofia seja explicar o conhecimento, focando a atenção para o polo cognitivo da relação sujeito-objeto e, então, passo a criar uma exposição de como é que o conhecimento é possível e como é que este ocorre.

 

O conhecimento é mais que mera crença verdadeira e bem justificada, torna-se o centro da filosofia.

 

Torna-se necessário explicar doravante não mais de forma vaga, a verdade e como as crenças ganharam o valor de verdade. Desta forma o texto da epistemologia segue o texto do método.

 

É verdade que os textos de epistemologia e de método muito avançaram ao ponto de ampliarem muito o que chamamos de filosofia da mente[1].

 

Tentando explicar o funcionamento do aparado cognitivo e a verdade, os filósofos chegaram a dois pontos:

  1. o sujeito não é uma unidade e, talvez, nem seja sujeito, talvez tenhamos de manter a noção de mente e de individualidade, mas não associá-la, mais imediatamente, à noção de sujeito moderno – ou abandonamos tal noção ou a reconstruímos.
  2. a mente não consegue apontar para o real e explorar o real sem a linguagem, pois esta não é apenas a expressão de pensamentos e, sim, a maquinaria do próprio pensamento e a única forma pela qual acessamos o pensamento nosso e de outrem.

 

Este segundo ponto é o centro do giro linguístico: os filósofos tenderam, então a concentrar atenção na linguagem, em vários sentidos. A filosofia da linguagem ganhou um impulso enorme no século XX e tende a chamar cada vez maior atenção, ainda, como ponto central no século XXI.

 

Essas duas conclusões fizeram a ponte da filosofia moderna para a filosofia contemporânea.

 

A virada linguística igualmente chamada de giro linguístico, representa importante marco do desenvolvimento da filosofia ocidental ocorrido durante o século XX, cuja a principal característica é a relação entre a filosofia e linguagem.

 

O fato é que a linguagem não é meio transparente de pensamento havia sido ressaltada por uma forma muito diferente de filosofia da linguagem surgida nos trabalhos de Hamann e Humboldt.

 

Ainda em 1813, em sua apresentação intitulada “Sobre os diferentes métodos de tradução”, Schleiermacher reconheceu a dualidade da relação entre falantes e linguagem:

 

Em certo sentido toda pessoa está limitada pela linguagem: “Em certo sentido toda pessoa está limitada pela linguagem; as coisas do lado de fora da esfera da linguagem não podem ser concebidas claramente.

 

A formação das ideias e a extensão de suas ligações são todas controladas pela linguagem que o falante aprendeu desde a infância, que também controla a inteligência e a imaginação do falante.

 

Apesar disso, entretanto, todos os pensadores independentes e de mente aberta são capazes de criar linguagem, de outra maneira a ciência e a arte nunca estariam aptas para desenvolverem-se de seu estado original para o seu atual estado de perfeição.”

 

Wittgenstein pode ser considerado um dos idealizadores da virada linguística, a partir das ideias presentes em seus primeiros trabalhos de que os problemas filosóficos surgem de uma falta de compreensão da lógica da linguagem, e suas observações sobre os jogos de linguagem em seu trabalho posterior (Investigações Filosóficas). É dele a famosa frase: Os limites de minha linguagem significam os limites de meu mundo”.

 

Outros movimentos intelectuais bastante diferentes entre si estiveram associados com o termo virada linguística. Que se popularizou com a antologia “The Linguistic Turn Essaysin Philosophical Method que Richard Rorty editou em 1967.

 

Mais tarde, Rorty dissociou-se da virada linguística e da filosofia analítica em geral e o termo foi criado pelo filósofo austríaco Gustav Bergmann.

 

Na década de setenta as humanidades reconheceram a importância da linguagem como agente estruturador. Foram decisivas para a virada linguística[2] nas humanidades os trabalhos de outra tradição, especificamente o estruturalismo de Ferdinand de Saussure e o consequente movimente do pós-estruturalismo. Entre os teóricos influentes estão incluídos Judith Butler, Luce Irigaray, Julia Kristeva, Michel Foucault e Jacques Derrida.

 

O ponto de vista de que a linguagem constitui a realidade é contrário à intuição e grande parte da tradição ocidental de filosofia. A visão tradicional que Derrida chama de núcleo metafísico do pensamento ocidental via as palavras a funcionar como rótulos vinculados a conceitos.

 

De acordo com essa visão tradicional, existe algo como ‘a cadeira real’, que existe em alguma realidade externa e corresponde aproximadamente com um conceito no pensamento humano chamado “cadeira” ao qual a palavra linguística “cadeira” se refere (essa é a tradicional teoria da verdade como correspondência).

 

Entretanto, o fundador do estruturalismo, Ferdinand de Saussure, sustentava que as definições de conceitos não podem existir independentemente das diferenças entre palavras, ou, dito de outra maneira, que o conceito de algo não pode existir sem ser nominado.

 

Portanto as diferenças entre os significados de uma palavra estruturam a nossa percepção; existe uma cadeira real apenas enquanto nós estivermos manipulando sistemas simbólicos.

 

Nós não estaríamos sequer aptos a reconhecer uma cadeira como uma cadeira sem simultaneamente reconhecer que uma cadeira não é todo o resto – em outras palavras uma cadeira é definida como uma específica coleção de características que são definidas elas mesmas em certas maneiras, e assim por diante, e tudo isso no sistema simbólico da linguagem.

 

Portanto, tudo que nós pensamos como ‘realidade’ é na verdade uma convenção de nomes e características, uma convenção que ela mesma é chamada de ‘linguagem.

 

De fato, tudo fora da linguagem é por definição inconcebível (sem nome e significado[3]) e, portanto, não pode invadir ou entrar na realidade humana, pelo menos não sem ser imediatamente apreendido e articulado pela linguagem.

 

Os oponentes a essa interpretação seria o conceito de realismo filosófico, a crença em uma realidade ontológica, completamente independente de nossos esquemas conceituais práticas linguísticas, crenças e, etc.

 

Essa teoria é sustentada, de modo geral, por filósofos que sustentam a teoria da verdade em sua formação (não a formulação de John Searle de tal teoria, por exemplo). De tal forma que o relativismo se mostraria como verdade de não-verdades.

 

É trivialmente atribuída à Wittgenstein a responsabilidade da alteração das formas disponíveis da filosofia e suas implicações estruturais em todo e qualquer campo do conhecimento. Embora tal pensador tenha atuado de forma decisiva, cominado à concepção metafísica tradicional da filosofia um desuso quase total, ainda podemos identificar predecessores que já rejeitavam tal atributo ao conhecimento.

 

A corrente filosófica chamada de pragmatismo já ganha contornos antes da aparição do Círculo de Viena e dos autores da nova corrente filosófica que utiliza a linguagem como fonte de conhecimento e objeto de estudo.

 

De fato, tal passagem é feito com a corrente da filosofia da língua inglesa, tendo como percussores mais apontados William James, que fora o primeiro a usar tal terminologia e, Charles Sanders Peirce.

 

Essa nova estrutura de apresentação ecoa igualmente em Edmund Husserl quando, ainda na busca de métodos que levassem aos conceitos tradicionais, mantendo ainda a tradição metafísica de uma consciência conceitual inata presa, contudo, nos objetos, propôs u novo caminho inaugurando o método fenomenológico.

 

Nessa nova estrutura e forma de pensamento influenciada maciçamente pela ciência matemática, outros autores, assim como Husserl preferiram enveredar-se por outro caminho: o caminho da lógica formal.

 

A estagnação do velho paradigma da consciência é confirmada mais fortemente em autores como Kutschera, Frege[4] e no próprio Russel entre outros de semelhante renome, onde o pragmatismo em sua fase contemporânea, ou seja, já em sua migração para o velho continente, ganha grande sedimentação com a identificação da escola ou Círculo de Viena.

 

O Círculo de Viena dedica grande relevância à linguagem conferindo a esta uma estrutura lógica e formal que, ainda é dependente, mas auxiliava e disponibilizava novos métodos de investigação para a experiência, ou ciência empírica.

 

Este alicerce era construído por estudos sobre linguagem que obedeciam e visavam à lógica matemática. Nos dizeres de Paci, temos duas razões para tal relevância sublinhada:

 

“A primeira razão pela qual se impõe, portanto, uma filosofia da linguagem científica, é que esta nasce do mesmo seio da pesquisa física e experimental. Há, porém, de se notar uma segunda razão. A lógica matemática revela claramente que um conhecimento é logicamente válido enquanto expressa uma determinada forma. É depois que a coerência das relações entre os termos vem assumir um valor em primeiro plano”.

 

O Círculo da Viena cultivou sua lógica simbólica ou matemática tanto na Áustria como na Inglaterra e nos EUA assim como os lógicos poloneses do chamado Círculo de Varsóvia onde prevalece a tendência geral e antimetafísica, alguns consideravam que a metafísica é impossível, outros opinavam que não tem nenhum sentido, que seus enunciados são tautológicos ou puramente emotivos ou sem significação controlável.

 

São empiristas num novo sentido. Esses movimentos são às vezes chamados empirismo lógico ou positivismo lógico ou neopositivismo, às vezes cientificismo ou fisicalismo e inclinam-se para a matematização do pensamento.

 

Richard Rorty trouxe outra abordagem significativa interessante, quando relata a transição do papel da linguagem na filosofia que, na tradição platônica constituía-se apenas como um medium no conhecimento, tendo um aspecto meramente instrumental.

 

Com a nova demanda filosófica, a linguagem desvincula-se da coadjuvante estruturalização, para um papel de maior centralidade. Essa movimentação da linguagem é iniciada devido à alteração de valores, resultante do historicismo hegeliano e pelo advento da modernidade.

 

Para Rorty, esse cenário desenvolve-se dentro da busca pela verdade, não mais por ela mesma e sim, por seus significados. Isso se dá, reiterando o exposto anteriormente, pela transformação do paradigma e o reconhecimento, ao menos por parte desta escola, da inviabilidade do argumento transcendental.

 

A verdade, por esse novo viés, torna-se manifesta por meio de pilares estruturais alternativos que, por meio de um rigorismo direcionado para proposições formais, a verdade insurge-se na própria experiência.

 

Por derradeiro, Rorty ainda destaca que esse movimento de destranscendentalziação da filosofia cominou com a negação do mundo ideal platônico, quer em sua primeira abordagem, quer em sua abordagem posterior, elaborada por Kant, em busca de padrões éticos universais e transcendentais, ou metafísicos, que viriam subjetivamente, ou seja, pelo sujeito, para ele mesmo, por via unicamente da ratio.

 

O que se segue, é a tentativa de resgate desses ideais kantianos, o denominado neokantismo[5], por nova ótica. A linguagem então passa a ser o foco dessa busca ética e o framework ou pilar estrutural, que levaria os novos filósofos à tecelagem sistêmica de novas considerações.

 

Desta nova preocupação, surgem expoentes da filosofia da linguagem, que modelizam e paradigmatizam os diversos campos cognoscíveis. Para o Direito e a teoria do Direito, contudo, dois autores, merecem maior atenção: Pierce e Searle.

 

Charles Sanders Peirce teve um denso labor feito e suas obras foram em sua maioria coletada em conferências dadas por ele ou papers publicados separadamente, mostram um elo interessante e ao mesmo tempo sutil na ampla abordagem dada em distintos temas. Nem sempre a tentativa de inovação fora bem-sucedida, como marco notório de toda sua abordagem.

 

Pierce chama de pragmatismo seus objetivos, a ética encontrada nas palavras, ou a ética da terminologia e os juízos viabilizados pela estrutura de uma teoria gramatical.

 

O pragmatismo não foi uma teoria que alimentou os autores. Foi projetada e construída, para usar a expressão kantiana, arquitetonicamente. Espera-se que ponha um fim a essas prolongadas controvérsias entre filósofos que não podem ser resolvidas por nenhuma observação dos fatos e em que, todavia, cada uma das partes envolvidas proclama provar que a outra parte está enganada.

 

Um bom exemplo disso é observável quando Peirce trata dos métodos de raciocínio da ciência. Nesse ponto, ele ataca a crítica de Stuart Mill teceu frente ao raciocínio desenvolvido por Kepler, questionando a plausibilidade dos pressupostos seguidos por Mill.

Embora tais críticas procedem, não existe nada de inovador em tais críticas elaboradas à técnica nominalista de conhecimento, desenvolvida por Mill pai e adotada por seu filho.

 

A tarefa que Peirce atribui à pragmática não é, nem ao longe, simplista ou modesta. Visa tal método acabar com os mal-entendidos da filosofia que para Peirce residem na mera diferença de significados atribuídos ao mesmo signo[6]. Para prosseguirmos, porém, é necessário que tracemos o que poderíamos, sob a luz dos ensinamentos de Peirce, chamar de signo.

 

O signo é um padrão, um arranjo de itens, qualidades, eventos, processos e qualquer coisa que é signo, de qualquer natureza, pode ser abstraída na forma desse padrão.

 

Esse padrão é irredutivelmente triádico e S-O-I: (relação sujeito-objeto-interpretante) são seus termos. Os termos dessa relação são definidos conforme a posição que ocupam relativamente aos outros termos.

 

Pugliesi afirma que pode-se generalizar o conceito de signo a todas as formas portadoras de informação e é essa condição que torna as formas significativas. Assim, em relação ao criador de significados em que o homem se constituiu, tudo pode ser signo, com a provável exceção da imagem do espelho conforme Umberto Eco, observou.

 

Peirce pretende padronizar a forma como se dá o juízo dos signos, para que se saiba exatamente sobre o que se faz menção e, ainda, quais as eventuais relações que podem ser atribuídas ao signo em questão, dentro de dado contexto.

 

Afinal, as formas de harmonização de entendimento dos signos dentro da atmosfera científica. Peirce aborda in litteris:

 

Mas o pragmatismo não se propõe a dizer no que consiste os significados de todos os signos, mas simplesmente a estabelecer um método de determinação dos significados do conceito intelectuais, isto é, daqueles a partir dos quais podem resultar raciocínios.

 

Ora, todo raciocínio que não é totalmente vago, todo aquele que deveria figurar numa discussão filosófica envolve e gira em torno de um raciocínio necessariamente preciso.

 

A referida harmonização mencionada por Peirce deveria ter, necessariamente, as consequências práticas, ou seja, deveria enervar-se pelo mundo da experiência, determinando crenças e viabilizando juízos.

 

Desta forma, a harmonização prática teria consequências no assentamento das concepções intelectuais chegando, por fim, na solução dos mal-entendidos e das distintas concepções sígnicas.

 

Há, contudo, certas espécies de experiências inevitáveis, é o que se chama de consideração prática. A partir do que, justifica-se a máxima, crença da qual constitui o pragmatismo, a saber.

 

A fim de determinar o significado de uma concepção intelectual dever-se-ia considerar quais consequências práticas poderiam concebivelmente resultar, necessariamente, da verdade dessa concepção: e a soma destas consequências constituirá todo o significado da concepção.

 

A ética da terminologia abordada por Peirce a quem atribuiu caráter ativo, ligado à esfera da ação. Peirce divide a filosofia em três grandes estruturas, classificando-as com base na preocupação analítica dada por elas ao signo.

 

Assim, desta forma, Peirce adota as terminologias de primeiridade, secundidade e terceiridade em sua referência a estes três grandes blocos. A disposição seria feita conforme demonstra o quadro:

 

 

 

Primeiridade Secundidade Terceiridade
Fenomenologia Filosofia Normativa – Ética, Direito, Lógica, Estética. Metafísica
Contempla o fenômeno universal – seu caráter imediato Investiga as leis universais e necessárias da relação dos fenômenos com os fatos Tenta compreender a realidade dos fenômenos em sua própria manifestação.
Caráter imediato do fenômeno = primeiridade Relação dos fenômenos com seus fins = secundidade. Realidade manifesta dos fenômenos: terceiridade
Fato Norma Valor

 

Considerando a atribuição dada por Peirce à ética, caracterizando-a como estudo das ações morais relacionadas a um fim ou finalidade.

 

O filósofo ressalta a necessária vontade ou voluntariedade do ato aprovado. Assim, a aprovação de um ato voluntário é uma aprovação moral.

 

Essa voluntariedade tem estreita ligação com a racionalidade da ação, ou seja, com a forma racional que envolve a escolha e o uso de signos numa comunicação. Desta forma, a linguagem, como um todo, é permeada por tais atos volitivos.

 

A ideia de aprovação também deve permear a linguagem, incluindo a forma como se usam os signos em uma comunicação ou expressão, especialmente a comunicação científica.

 

Eis aí, a necessidade de uma ética da terminologia, quer seja, estudos dos atos linguísticos aprováveis racionalmente em uma comunicação que visa ao conhecimento científico.

 

Dentro destas preocupações, Peirce tenta elaborar regras que absorvem, sem impor, uma ética terminológica a todos aqueles que visam usufruir as estruturas de uma forma geral, no campo do conhecimento científico.

 

A primeira dessas regras é justamente a necessidade de não imposição das mesmas.

 

Diz Peirce que as razões intuitivamente dispostas o levaram a estas, mas diz ele: se tivesse de desenvolver as razões cuja força eu mesmo sinto, suponho que elas teriam peso também junto a outros.

 

Tais razões originam-se em face de algumas observações feitas por Peirce:

 

1ª: A linguagem é a própria essência do pensamento e não um mero instrumento;

2ª: O progresso do pensamento está diretamente proporcional à sua precisão;

3ª: Nenhuma mente pode dar um passo sem a ajuda de outra mente;

4ª: Se faz necessário um acordo geral acerca do uso de termos e notações. Acordo este que será realizado por força de princípios racionais sobre a conduta dos homens;

 

Delimitadas tais regras, o conhecimento científico estaria harmoniosamente disposto. Isso não significa, porém, em uma imposição.

 

De fato, as estruturas utilizadas forma previamente questionadas e determinadas de maneira racional, o que denota uma estrutura científica e, por conseguinte, mais evoluída, direcionando-se para os padrões ideais, que, para Peirce são os padrões da matemática lógico-formal.

 

A teoria gramatical do juízo é bem mais que a preocupação com os objetivos do pragmatismo, Peirce formula, ainda dentro de um viés linguístico, uma estrutura que possibilita uma concepção subjetiva virtual, ou seja, a formulação de símbolos, composta através de relações entre índices, ícones e signos que viabilizariam, e seriam responsáveis, pelos juízos de valores produzidos e, como consequência, pelas crenças apresentadas.

 

Como crença, entende-se um hábito inteligente segundo o qual devemos agir quando se apresentar à ocasião. Há importante relação entre os signos e as ideias, ou imagens, que, experimentalmente, nós associamos a estes signos.

 

Destaca-se como experimentalmente, pois Peirce atribui a formulação dos símbolos, que são as formas como cada um de nós preenche conceitualmente os signos, lato sensu, um caráter ligado à esfera dos sentidos, às experiências vividas por aqueles que carregam tais associações.

 

Assim, os juízos seriam atos da consciência[7] nos quais reconhecemos uma crença. A caracterização mais relevante destes juízos seria o reconhecimento de que as crenças utilizadas como padrões valorativos, dentro da ocasião apresentada, seriam as mais adequadas possíveis para o sujeito em questão, dadas todas as demais crenças que este detém.

 

Com tal explicação feita, nota-se a subjetividade das percepções de mundo, bem como sua possível relativização. Desse modo, quando Peirce atribui à solução por intermédio do juízo um caráter virtual, remeter-se-á imediatamente às formas de percepção do mundo que se apresentam para aquele que elabora o juízo. O que não significa, necessariamente, que seja a mais adequada.

 

Longe disso, o sujeito que emana o juízo tem determinadas concepções da realidade, dadas suas associações sígnicas com suas experiências, que o leva a interpretar a situação face estas suas pré-concepções. É virtual, portanto, pois seu juízo é desencadeado pela concepção de mundo que sua estrutura linguística, pela qual ele vê e interpreta as ocorrências materiais, o possibilita enxergar.

 

John R. Searle[8] era herdeiro de uma tradição linguística distinta da de Pierce. Searle[9] baseia seus estudos amparado pela teoria da linguagem de J. Austin e enfoca-se, assim como este último, numa preocupação direcionada para a comunicação mais usual e não para o delineamento de estruturas lógico-científicas via pragmatismo, como fizera o autor anteriormente exposto.

 

Desta forma, a teoria de Searle ruma por outros caminhos, o caminho da ação de se comunicar, os atos da fala.

 

A razão para que este estudo se concentre nos atos de fala é simplesmente a seguinte: toda comunicação linguística envolve atos linguísticos. A unidade da comunicação linguística não é, como se tem geralmente suposto, o símbolo, a palavra ou a frase, ou mesmo a ocorrência do símbolo, palavra ou sentença na execução do ato de fala.

 

Considerar a ocorrência como uma mensagem é considerá-la como uma ocorrência produzida ou emitida.

 

Mais precisamente, a produção ou a emissão de uma ocorrência de frase sobre certas condições é um ato de fala, e os atos de fala são a unidade básica ou mínima da comunicação linguística.

 

O que se torna importante salientar é a natureza da comunicação. Para Searle, a comunicação constitui-se basicamente frente aos atos da fala. Estes, para serem considerados como tais, devem possuir uma carga de intencionalidade[10], atribuídas, pois, por um ser ou seres mais ou menos semelhantes que nós.

 

O que podemos concluir com isso é que um som, mesmo que uma frase, externada sem intenção é o mesmo que um ruído, ou seja, não detém conteúdo comunicacional.

 

Contudo, não se pode dizer que todo aquele ser que visa a se comunicar logra êxito nesta tarefa. A intencionalidade da comunicação não faz dessa comunicação, por si só, um ato da fala.

 

Os atos da fala conseguem identificar-se como núcleos comunicacionais pelo fato de a mensagem enviada ser compreensível pelo seu destinatário, causando certa reação neste último.

 

Esta reação pode ser positiva, ou seja, aquela desejada pelo emissor da mensagem, ou que era sua expectativa, ou negativa, ou seja, recusando-se a aceitar ou acatar a mensagem emanada.

 

Em qualquer um dos casos, há a compreensão da mensagem emitida. Esta compreensão pressupõe um conjunto de regras estabelecidas e compartilhadas pelo emissor e receptor.

 

A hipótese sobre a qual se assenta este trabalho é, como dissemos, a de que falar uma língua é adoptar uma forma de comportamento regido por regras. De um modo mais conciso, falar é executar atos de acordo com certas regras. A fim de justificar essa hipótese e explicar o que é a fala proporemos algumas das regras a que obedecemos quando falamos

 

Searle evidenciou essa ideia em sua obra quando expõe: Um modo de compreender este ponto de vista é perguntar qual a diferença entre considerar um objeto como um exemplo de comunicação linguística e não o considerar sobre este ângulo.

 

Uma diferença crucial é a seguinte quando consideramos que um ruído, ou uma inscrição numa folha de papel constituem, enquanto mensagem, um exemplo de comunicação linguística, uma das coisas que devemos supro é que o ruído ou a marca foram produzidos por um ser, ou seres mais ou menos semelhantes a nós e foram produzidos com certas intenções.

 

Se nós considerarmos o ruído ou a marca como um fenômeno natural, tal qual o vento nas árvores ou uma mancha de papel, exclui-los-emos da classe da comunicação linguística, mesmo que o ruído ou a marca não possam ser distinguidos das palavras faladas ou escritas.

 

Dentro dessas observações Searle constata apenas algumas modalidades dentro das quais nós podemos nomear os atos da fala, identificando neles a intencionalidade e são quatro:

  1. atos enunciativos ou de enunciação;
  2. atos proposicionais ou de proposição
  3. Atos ilocucionais;
  4. Atos perlocucionais (já aderindo à terminologia de J.Austin).

 

Cabe ressaltar que a integralidade dos atos expostos acima é que compõe os atos da fala. Estes tipos de atos constituem os atores que estarão presentes em qualquer estrutura ou contexto da fala. Assim, os atos da fala serão compostos, na íntegra, pelo conjunto destas quatro modalidades ativas.

 

A respeito dos atos enunciativos ou de enunciação diante da tentativa de comunicar-se, a primeira preocupação daquele que intenta fazer com que o outro adquira, ou conheça, alguma informação, é buscar transcrever a mensagem em linguagem de forma a exteriorizá-la.

 

Para Searle, o desdobramento é inerente a execução dessa mensagem, via morfemas ou frases.

 

Assim, depara-se com uma inevitável enunciação que não possui a necessidade de ser expressa nos moldes gramaticais ou linguísticos apresentados como aceitos, bastando que o emissor exteriorize a mensagem de alguma forma.

 

Seria incompatível com a estrutura linguística proposta por Searle, se tentássemos isolar bruscamente esse tipo de ato comunicacional dos demais. Os atos da fala são, sobretudo, o conjunto de todos os atos linguísticos citados anteriormente e não sua separação. Assim, todos detêm um papel importante no ato de se comunicar, possuindo função bem delineada em seus diferentes aspectos, porém impassíveis de separação.

 

Desta forma, os atos enunciativos seriam a forma, o medium de uma determinada comunicação. Seria o formato de como se tenta passar a mensagem.

 

Representa a codificação da mensagem propriamente dita. Consegue-se, de forma clara, distinguir funcionalmente este ato dos outros, identificando, contudo, que extraído do contexto lato sensu, a codificação da mensagem propriamente dita (estrutura gramatical, gestos e palavras utilizadas) perde por completo os moldes sobre os quais desejaria a compreensão dela emanada, tornando esta última incompreensível.

 

A respeito dos atos proposicionais de forma bem simplificada, suficiente podemos identificar com aquilo que conseguimos entender da mensagem emanada. Poderiam ser identificados com a compreensão da mensagem codificada, ou seja, a apreensão imediata de seu significado.

 

Ao enunciarmos Lucia e Joana são companheiras de estudos, a proposição está em informar qual a relação que torna a vida das duas pessoas em comum.

 

Dentro desses moldes, a estrutura gramatical (enunciativa – as palavras empregadas) que tenta informar que as sujeitas são companheiras de estudos poderia ser considerada como um ato enunciativo, ao passo que a informação em si vinculada ao primeiro, seria o que podemos c de ato proposicional.

 

Searle faz profundas referências às proposições que se ligam imediatamente aos conceitos de predicação e referência com os quais, contudo, Searle não se preocupa, ou não logra êxito em defini-los com precisão, muito embora deixe bem clara a ligação desses conceitos com a compreensão da mensagem e não com sua ilocução.

 

Sobre os atos ilocucionais, podemos compreender a contextualização que nos permite dar significado, ou a orientação no sentido de indicar como as proposições devam ser entendidas.

 

Devemos aludir, porém, que a diferenciação de ambas é realmente difícil de identificar e mesmo que identificada, não faz sentido algum isolarmos um ato comunicacional do outro, ou seja, para se estudar os atos da fala, deve-se sempre analisá-los em forma de unidade, em forma de uma grande composição.

 

Palavras empregadas, acentuações e outras ferramentas linguísticas podem vir a tornar clara a estrutura ou a forma pela qual aquela proposição, expressa por um ato enunciativo, deve ser interpretada.

 

Essa distinção é muito mais identificável em estruturas e padrões de comunicação verbal, onde a entonação da voz pode mostrar quais as relações que se estabelecem ou tentam estabelecer-se entre os comunicadores.

 

Isto se desdobra também, como afirma Searle, da seguinte forma: “Os processos utilizados em português para marcar esta força ilocucional incluem, pelo menos, a ordem das palavras, o acento tônico, a entoação, a pontuação, o modo do verbo e os verbos chamados performativos. ”

 

Posso indicar o tipo de ato ilocucional que realizo, começando a frase com “Peço desculpas”, advirto, afirmo e, etc….

Os atos ilocucionais, portanto, estão ligados intrinsecamente aos delineamentos e contornos que propiciam a contextualização das mensagens emanadas.

 

Não se deve, ainda, confundir tal estrutura, embora, como já reiteradamente afirmamos, tais atos formem a unidade do ato da fala, com os últimos atos comunicacionais a serem brevemente abordados, ou seja, os atos perlocutórios.

 

Os atos perlocutórios compõem os atos da fala correspondem simplesmente aos efeitos gerados pela mensagem emanada sobre aquele que recebe a mensagem. Esse ato está intimamente ligado ao ato ilocucional, pois o efeito gerado no receptor vai depender, e muito, da forma como ele compreendeu a mensagem, em função do contexto sintático e semântico que norteava a comunicação, além é, claro da estrutura enunciativa e proposicional.

 

Dentro dessas formas, todo e qualquer efeito tido sobre o receptor (esclarecimento, sujeição, ordenação) podem ser considerados como atos perlocutórios e serão inevitavelmente indexados aos demais atos ilocucionais, compondo os atos da fala.

 

Para esclarecer a formação dos atos da fala, façamos o seguinte delineamento: imaginemos certa mensagem que determinado emissor tem interesse de exteriorizar. Sendo assim ele o faz dentro de padrões enunciativos tais como gestos, palavras, frases e, etc.

 

Esses padrões enunciativos, se considerados como um todo, expressarão certa proposição, pois a disposição do código escolhido para a exteriorização propicia certa compreensão.

 

Essa proposição terá sentido condizente com a contextualização encontrada no momento da emanação da mensagem, de acordo com a base contextual e até mesmo textual, ou seja, a ilocução e, por fim, essa mensagem causará certo efeito no receptor (ordem, acatamento, recusa) cumprindo enfim sua função perlocutória.

 

O Direito encarado como o ápice da manifestação comunicacional em diversas esferas, tanto a pública como a privada, entre cidadãos, entre cidadão-grupo, entre grupos, entre Estado-grupo ou Estado-cidadão mostra a relevância e a necessidade de comunicar o direito tanto quanto possível, com todas as demais áreas de conhecimento, com vista à aplicação adequada e coerente com o contexto social apresentado na sociedade contemporânea.

 

 

Referências.

MARCANTONIO, Jonathan Hernandes. A virada linguística e os novos rumos da filosofia. Disponível em:

SEARLE, John R. Os actos da fala. Trad. Carlos Vogt (coord.) Coimbra: Almedina, 1981.

PUGLIESI, Marcio. Por uma teoria do direito – aspectos micro-sistêmicos. São Paulo: RCS, 2005.

HUSSERL, Edmund. Meditações cartesianas. Trad. Frank de Oliveira. São Paulo: Madras, 2001.

Foucault, Michel. Isto não é um cachimbo. Trad. Jorge Coli. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

RORTY, Richard. Consequences of Pragmatism. Minnesota (USA): The Haverster Press Limited, 1982.

 

 

[1][1] Searle começou trabalhando na filosofia da linguagem e realmente não foi até que ele estava na meia-idade que ele entrou acidentalmente na filosofia da mente. Ele pensou que estava apenas tentando responder como funciona a linguagem, Searle defende, que os ruídos que saem de nossas bocas são apenas ruídos físicos, ondas acústicas, e ainda assim esse é um fenômeno físico natural tem significado.

Com esse pensamento, Searle entrou no campo da filosofia da mente tentando descobrir como é que a partir da física chegamos na a semântica? A partir do ruído encontramos o significado? Então, isso é parte de uma questão geral sobre a natureza da relação entre a realidade humana e da realidade básica, como descrito pela física e química. Por 40 anos, esse tipo de pergunta tem sido uma preocupação constante de Seale. Ele declarou que ele não encontrou nenhum filósofo da mente que diz o que precisa ser dito. É por isso que ele escreve tantos livros sobre o assunto. Ele diz que vai continuar a escrever, apenas porque há muitas visões equivocadas que ainda estão por aí a fora. Ele ressalta que a pior catástrofe na filosofia da mente foi Descartes.

[2] Searle apoia que não existe uma linha divisória nítida entre a filosofia da linguagem e linguística, mas a filosofia da linguagem lida com fatos empíricos, e geralmente o objetivo é chegar a certas características universais subjacentes de significado, comunicação e, especialmente, para analisar a estrutura lógica de referência, verdade necessária, atos de fala, etc, e essas análises não são dadas por apenas analisando os fatos empíricos sobre esta ou aquela linguagem particular.

A razão pela qual a filosofia da linguagem não é tão central hoje, diz Searle, é que muitos filósofos, eu por exemplo, viemos a crer que a filosofia da linguagem é ela própria dependente de resultados na filosofia da mente.

A linguagem é uma extensão das capacidades biologicamente mais fundamentais da mente humana. Foi na Oxford de Austin, Ryle e PF Strawson que John Searle foi moldado como um filósofo da linguagem, e foi em Oxford que Searle adquiriu muitos dos traços característicos (a adoção de um método filosófico centrado principalmente em um tipo informal de análise lógica; o respeito do senso comum e por resultados da ciência moderna, como restrições sobre a teorização filosófica; a reverência a Frege e pelo o tipo de clareza estilística que marcou textos de Frege.) que têm marcado sua filosofia no estudo da linguagem desde então.

[3] O que é exatamente significado? O que é necessário para um orador para dizer algo e significar algo pelo que ele diz? Qual é o significado das palavras em uma língua, e onde as palavras têm um significado convencional?”. John Searle, AN INTERVIEW WITH JOHN SEARLE

Em “Speech Acts”, ele tenta enfrentar os problemas da linguagem fregeana dos fatos da linguagem das declarações, referência e predicação, e se afastar dessa nova lógica com atos de fazer declarações, questionamentos, comandos e promessas.

Os primórdios dessa ruptura são documentados no ensaio de Austin de 1946 “Other Minds” em uma discussão sobre a forma como usamos frases do tipo “Estou certo de que” e “Eu sei que” na linguagem comum.

As ideias de Austin sobre o que ele chamou de “enunciados performativos” foram expressas em palestras que ele proferiu em Harvard em 1955, palestras que foram publicadas postumamente sob o título de “Como fazer as coisas com palavras”.

Austin apontou também para a existência de um outro conjunto de condições, que têm a ver principalmente com o lado mental do performativos, as condições para o efeito que os participantes devem ter os pensamentos, sentimentos e intenções adequadas para o desempenho de cada determinado tipo de ato.

[4] Searle afirma que a filosofia da linguagem foi inventada por Frege. Frege defendeu uma teoria da referência[22] na qual uma expressão tem sua referência de determinada pelo sentido ou modo de apresentação, que foi revista por Bertrand Russell que criou uma teoria da referência direta para responder as conclusões de Frege. Searle diz que todas as teorias e propostas na filosofia da linguagem hoje, são apenas tentativas de responder às perguntas propostas por Frege. Ele afirma que a questão mais geral da filosofia da linguagem é: “Como exatamente a linguagem se relaciona com a realidade? Como é possível, uma vez que tudo o que sai da minha boca é um conjunto rajadas acústicas, que estes sons se tenham significados? O que é exatamente significado? O que é para um orador para dizer algo e significar algo pelo que ele diz? Qual é o significado das palavras em uma língua, onde as palavras têm um significado convencional?”. John Searle AN INTERVIEW WITH JOHN SEARLE

[5] O neokantismo ou neocriticismo é corrente filosófico desenvolvida na Alemanha a partir de meados do século XIX até os anos de 1920. Preconizou o retorno aos princípios de Immanuel Kant, opondo-se ao idealismo objetivo de Hegel, então predominante, e a todo tipo de metafísica, mas também se colocava o cientificismo positivista e sua visão absoluta da ciência.

 

Zurück zu Kant ! (“Retorno a Kant !”) era a palavra de ordem dessa corrente de pensamento, que no entanto não pretendia um simples retorno mas o aprofundamento da filosofia kantiana, em duas linhas: Em direção a uma racionalização da religião (Cohen, com referência ao judaísmo);Em direção a uma teoria do conhecimento (Cassirer).

O neokantismo pretendia, portanto, recuperar a atividade filosófica como reflexão crítica sobre as condições que tornam válida a atividade cognitiva – principalmente a Ciência, mas também os demais campos do conhecimento da Moral à Estética.

As principais vertentes do neocriticismo alemão foram a Escola de Baden, que tendia a enfatizar a lógica e a ciência, e a Escola de Marburgo, que tanto influenciaram boa parte da filosofia alemã posterior, particularmente o historicismo e a fenomenologia.

 

[6] Entre tantas boas definições de signo produzidas por Peirce, sublinho essa: Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, ou seja, cria, na mente desta pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomina interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de ideia que eu, por vezes, denominei fundamento do representamen. (Collected Papers, 5.228).

A definição clássica de signo é algo que é usado, referido ou tomado no lugar de outra coisa (aliquid pro aliquo). A palavra signo, portanto, pode abarcar desde os “signos naturais”, também chamados de índices ou sintomas, como as nuvens carregadas e a fumaça, que indicam (são índices de) chuva e fogo, respectivamente; até os signos substitutivos (ícones), como a maquete de um edifício, a planta de uma casa ou o retrato de uma pessoa e os símbolos (a bandeira de um país, a suástica, a estrela de David, etc.). O signo linguístico é, contrariamente às nuvens carregadas da chuva e à fumaça, um signo artificial. Por outro lado, o signo linguístico é o signo propriamente dito, em oposição aos signos com expressão derivativa, como os sinais, os signos substitutivos e os símbolos, mencionados anteriormente. O signo linguístico é artificial pois remonta uma relação arbitrária entre um significado e um significante, como descrito por Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Linguística Geral. Saussure definiu o signo linguístico como o formativo da relação (sua formante) entre um conceito e uma imagem sonora. Tanto os conceitos, como imagens sonoras, são entidades mentais. A imagem acústica (ou sonora) “não é o som material, físico, mas a impressão psíquica dos sons, perceptível quando pensamos em uma palavra, mas não a falamos”

[7] Somente quando os epifenomenalistas entenderem que “A consciência é um fenômeno de primeira pessoa causado por processos físicos no cérebro” que eles poderão entender que isso é mais que possível e é um fenômeno real.  Em defesa de seu argumento Searle afirma que o epifenomenalismo decorre de três erros:

A pressuposição das categorias dualistas.

A pressuposição de que toda causalidade deve seguir o modelo de objetos físicos empurrando outros objetos físicos.

A pressuposição de que, para qualquer nível de causalidade, se podemos fornecer um relato do funcionamento desse nível em termos das microestruturas mais básicas, então o nível inicial era causalmente irreal, epifenomênico – ineficaz.

Searle rejeita o epifenomenalismo, o dualismo de propriedades e qualquer tipo de dualismo, a alternativa tradicional para o monismo, alegando que a distinção é um erro.

Ele rejeita as ideias de que porque a mente não é objetivamente visível, não cai sob a rubrica do fisicalismo.

Searle argumenta que o problema mente-corpo tradicional tem uma “solução simples”: os fenômenos mentais são causados ​​por processos biológicos no cérebro e são neles mesmos, características do cérebro.

Mais precisamente, os estados mentais são macro-propriedades de neurônios (nível superior do cérebro) em muito, da mesma maneira que a solidez de um corpo é a macro-propriedade das moléculas (nível inferior da matéria).

No entanto, Searle também sustenta que o mental é “real e ontologicamente irredutível” ao físico, uma visão que decorre do seu entendimento da situação e da natureza da consciência. Searle acredita que a consciência é essencial para a mente; subjetividade é essencial para a consciência, e não puramente objetiva.

A descrição física da consciência nunca poderia captar ou explicar seu caráter essencialmente subjetivo. No entanto, Searle defende que irredutibilidade é um resultado “trivial” de nossas “práticas de definição” e é totalmente compatível com sua teoria.

[8] John Rogers Searle é filósofo e escritor norte-americano, professor da Universidade de Berkeley, na Califórnia, Estados Unidos. É membro da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia Europeia de Ciência e Arte, destinatário de oitos títulos honoríficos e, é membro da Guggenheim Fellow, conferencista da BBC Reith e duas vezes nomeado Fullbright Fellow.

Searle começou sua filosofia com o estudo do campo da linguagem em Atos da fala, o passo inicial em uma longa viagem ainda inacabada, abraçando não só a língua, mas também nos domínios da consciência e dos estados mentais, da realidade social e institucional, da racionalidade, da conexão do “eu” (self) com a intencionalidade individual e coletiva, da percepção e do realismo direto e, mais recentemente, na busca de uma explicação de uma estrutura racional como base para a existência de livre-arbítrio na filosofia da mente e na filosofia da sociedade.

[9] Charles Sanders Peirce (Cambridge, 1839 e 1914) foi um filósofo, pedagogista, cientista e matemático americano. Seus trabalhos acadêmicos trouxeram importantes contribuições à lógica, matemática, filosofia e, principalmente à semiótica. É também um dos fundadores do pragmatismo, junto com William James e John Dewey. Segundo Paul Weiss, filósofo, o considerou como o maior e o mais versátil filósofo dos EUA e o maior estudioso da lógica.

Licenciou-se em ciências e doutorou-se em química em Harvard. Ensinou filosofia na Universidade Johns Hopkins. E, antecipou muitas das problemáticas do Círculo de Viena.

Era também físico e astrônomo. Estudou particularmente linguística, filologia e história, com contribuições também na área da psicologia experimental.

Seus estudos levaram ao que ele chamou de Categorias do Pensamento e da Natureza, ou Categorias Universais do Signo. Vide o quadro no texto.

[10] Saul Kripke defendeu a teoria da referência direta quando aplicada a nomes próprios que se tornou popular por Gottlob Frege, Bertrand Russell, e PF Strawson, mas ele ataca a teoria descritivista dos nomes próprios.

Para Kripke, os nomes próprios são “designadores rígidos”, no sentido de que eles designam os mesmos indivíduos em todos os mundos possíveis.

No entanto, em sua opinião, o que é uma teoria dos nomes deve explicar, em primeiro lugar, não é como referência acaba fixada em todos os mundos possíveis, mas como referência se fixa no nosso mundo real Kripke afirma que os nomes próprios não têm qualquer “sentido”, porque os sentidos só oferecem fatos contingentes sobre as coisas.

Kripke propõe uma visão mais precisa de como conseguir nomes de referência a objetos em “Naming and Necessity” Kripke propõe vários exemplos que apontam deficiências na teoria descritivista, bem como uma visão mais precisa de como conseguir nomes de referência a objetos As críticas oferecidas por Kripke foram publicadas em “Naming and Necessity” e a resposta de Searle em “Intencionalidade”. A teoria descritivista dos nomes próprios é basicamente aceita por John Searle, que desenvolveu sua teoria pela primeira vez no contexto de uma teoria de atos da fala e, em seguida, em uma teoria mais geral da intencionalidade da mente, parte dessa teoria foi apresentada por Searle no livro Atos da fala no capítulo 7 de Atos de Fala, Searle conta a história básica e as questões associados com o que veio a ser chamada de teoria da descrição de nomes próprios.

Ele apresenta um relato modificado de referência ao nome próprio, no contexto de sua consideração mais geral de referência como ato da fala, que ele argumenta é capaz de lidar com os problemas que surgiram para as versões iniciais de Frege e Russell, e reter o poder explicativo dessas apresentações e ser capazes de solucionar certos enigmas sobre a referência. A teoria da descrição, tal como formulado por Frege e Russell, diz Searle, que elas caem em dois problemas.

A verdade das decisões judiciais ou a filosofia do CPC/2015.

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Analisar os paradigmas da metafísica clássica e moderna calcados no dualismo sujeito-objeto e que formam a ideia de verdade no neopositivismo e, estão igualmente presentes nas decisões judiciais.

 

Aliás, com o CPC/2015 vários paradigmas são trazidos tais como: a prioridade pela autocomposição das partes por meio de mediação e conciliação, a primazia do julgamento do mérito, prevendo a maior sanabilidade que possível, a previsão do contraditório dinâmico e mais efetivo, o endosso legitimador da fundamentação das decisões judiciais e, por fim, a maior celeridade processual pela simplificação e até customização do rito processual.

 

O CPC/2015 assumidamente neoprocessualista[1] filia-se consequentemente ao neopositivismo[2] que é explicado tanto pela filosofia como pela teoria geral do Direito e, ainda, a epistemologia jurídica.

 

A garantia de eficácia do CPC está ligada aos problemas de linguagem, pois os juristas estão diariamente envoltos com a linguagem e, esta é indispensável para que possam articular os pensamentos, bem como expressar-se. Há quem cogite no chamado “juridiquês”.

 

A linguagem ao longo dos anos tem sido estudada tanto pela filosofia do Direito como pela filosofia da linguagem, tendo em vista que desde da Antiguidade Clássica procurou-se descobrir a noção de verdade, ou seja, basear-se para poder decidir e como deveria ser tal decisão.

 

E nesse contexto, a metafísica tem por fim analisar a partir da matriz hermenêutica, por meio de filósofos e juristas que também trataram do tema. Os primórdios da filosofia da linguagem começam com Platão e sua noção sobre a verdade, que se encontrava nas coisas, uma vez que as palavras e a linguagem podiam ser enganosas.

 

Tanto Platão quanto Aristóteles traçaram suas teorias de maneira a rechaçar a ideias dos sofistas, posto que não acreditassem que a linguagem deveria ser utilizada como melhor conviesse ao indivíduo. Enfim, questiona-se o que deveria ser buscado: era a verdade.

 

Já para Aristóteles é através da essência das coisas que se poderá dar sentido àquilo que se fala, ou a forma como o mundo se apresenta. Apresentava-se o entendimento contrário, o qual foi elaborado pelos estoicos, pois estes não comungavam que os objetos possuíssem essência, sendo que, seus textos serviram de base para que Saussure[3] realizasse sua teoria sobre o signo[4].

 

O pensamento dominante na metafísica clássica permaneceu durante toda a Idade Média, quando então muitos textos gregos foram traduzidos para o cristianismo. E, Santo Agostinho[5] busca no interior a solução para a verdade, enquanto que Santo Tomás de Aquino[6] sustenta na razão divina a noção de verdade.

 

Em oposição as suas ideias, surge o nominalismo de Guilherme Ockham[7] que enfatizou a importância da linguagem. Posteriormente, apresenta-se a influência da metafísica da Escola da Exegese[8] surgida na França e na Escola da Jurisprudência dos Conceitos[9] elaborada da Alemanha, onde apesar de tentarem dar uma resposta ao sistema positivista, não deixaram de importar os mesmos preceitos já presentes na Antiguidade Clássica.

 

A relevância dessa corrente é grandiosa, especialmente porque esta constituiu o primeiro esforço sistemático no sentido de elaborar um conhecimento científico acerca do direito positivo e, nessa medida, ela é precursora de toda a ciência jurídica[10] contemporânea.

 

O nome mais destacado à jurisprudência dos conceitos é o Georg Puchta, principal discípulo de Savigny e mentor do projeto de construção do sistema conceitual abstrato que ele próprio chamava de genealogia dos conceitos.

 

Como a principal obra de Puchta chamava-se Pandekten (Pandectas) e esse mesmo título foi utilizado por vários dos juristas que levaram à frente a sua proposta teórica que ele propôs, passou-se a designar como pandectística a corrente que buscou aplicar ao direito o método propugnado por Puchta.

 

Embora esse método tenha sido utilizado também no estudo do direito público, a pandectística é uma escola tipicamente ligada ao direito privado, tendo atingido sua formulação mais acabada nas Pandectas de Bernhard Windscheid, que exerceram tal influência que vieram a praticamente servir como base para a codificação do direito germânico ocorrida no final do século XIX.

 

Acontece a ruptura trazida pela metafísica moderna a partir da noção de sujeito formulado por Descartes, ser pensante, sendo o filósofo responsável pela criação do solipsismo[11] como consequência do cogito ergo suum, ou seja, penso logo existo.

 

No mesmo período, surgiu o contratualista Thomas Hobbes[12], grande defensor da sociedade civil que apontou que esta seria resultado de um contrato e novamente trouxe a linguagem como fundamental instrumento para formulação do Estado. Mais tarde, a teoria de Immanuel Kant apontou que a linguagem possui caráter acessório, pois o conhecimento pertenceria ao indivíduo a priori.

 

Através de Nietzsche[13] aconteceu novamente uma ruptura paradigmática, pois não concordando com os pensadores gregos e com Kant, expôs sua teoria a partir dos problemas que a linguagem[14] apresenta para o pensamento real.

 

Após a exposição filosófica sobre a metafísica moderna relaciona-se sua influência para a ocorrência da Escola da Jurisprudência dos Interesses[15], bem como com o problema da discricionariedade[16] judicial, onde o sujeito solipsista decide conforme sua consciência.

 

Sendo que essa corrente de pensamento somente foi derrubada a partir do giro linguístico. Há um impasse a superar na interpretação do Direito, de qual forma maneira a discricionariedade do julgador ultrapassa as barreiras do positivismo, ou melhor, fere a própria democracia.

 

Para abordar tal questão, optou-se pelo método hermenêutico[17], a fim de contrapor a interpretação e as ideias apresentadas pelos filósofos que construíram o entendimento dentro da metafísica clássica e moderna.

 

Quando se inicia um estudo filosófico na busca do essencial, ou seja, do que está nas entrelinhas dos problemas e teorias fundamentais das ciências. É aquilo que os olhos não podem ver na primeira observação, tendo em vista que é necessário um esforço para que se consiga visualizar quais os problemas jurídicos que a sociedade enfrenta, para então buscar possíveis respostas.

 

Desta forma, a filosofia do Direito transcende ao Direito, visto que tende a responder os questionamentos feitos por este. Dentre tais questionamentos e problemas que o Direito[18] enfrenta, percebe-se que ainda se decide conforme os padrões aristotélicos e da filosofia da consciência, onde o conceito de verdade fica restrito ao dualismo objeto- sujeito. Alega-se que o dualismo tem elevado a discricionariedade do intérprete da norma.

 

Esse dualismo vem da busca pela verdade que desde a Antiguidade constituía um problema, algo que deveria ser desvendado. Nesse período o senso comum acreditava que era verdade, era o mundo sensível, ou seja, aquele que os sentidos poderiam perceber e tocar.

 

Com isso, a verdade passou a ser relacionada à coisa (objeto do mundo sensível), sendo que a linguagem para ser considerada verdadeira deveria registrar adequadamente a coisa.

 

Na metafísica clássica a verdade está relacionada ao objeto, a coisa. Em Crátilo[19], de Platão, apresenta-se a discussão sobre a linguagem, pois são contrapostas duas teses, de um lado o naturalismo, onde cada coisa tem um nome por natureza e de outro o convencionalismo, defendido pelos sofistas, no qual a ligação dos nomes é terminantemente arbitrária e convencional.

 

Não há uma relação entre as palavras e as coisas, sendo que Platão tomou a posição intermediária entre ambas. Isso porque, no naturalismo há a noção de que a significação de uma palavra está ligada ao seu som, enquanto que Platão traçou a noção de que uma afinidade natural deve existir entre o som e a significação da palavra, por isso apesar de as palavras não imitarem os sons, elas representam a essência das coisas.

 

Ou seja, as palavras são a própria coisa, o próprio ser. Logo, para o filósofo a palavra será justa somente quando apresentar corretamente a coisa. Tal teoria de Platão representa o pensamento objetivista, no qual as coisas têm características que se relacionam, sendo a tarefa da linguagem ser a expressão correta da ordem objetiva das coisas.

 

Platão questionou-se a respeito da forma mais segura para se obter o conhecimento, pois que através dos nomes é possível conhecer com exatidão a coisa, assim como por meio das coisas em si mesmas (visto que uma coisa difere-se a todas as outras que não são seus semelhantes), assim pode-se partir da imagem que reproduz consequente a verdade sobre a coisa, ou partir da verdade, para então conhecer a coisa e sua imagem e verificar então se foi acertadamente realizada.

 

Platão recomenda que se deva começar o conhecimento pela verdade, não é pelos nomes que se deve partir, mas sim, das coisas. Tal conclusão platônica representa a principal ideia da metafísica clássica, posto que deseje demonstrar que através da linguagem, não se chega à verdade sobre as coisas, pois o que é real, só é conhecido em si mesmo, sem a intervenção linguística, onde é possível conhecer as coisas sem os nomes.

 

Assim como a verdade está no objeto, a linguagem seria unicamente um instrumento, sendo que o conhecimento não necessita dela. Nesse sentido, a linguagem não é a formadora da experiência humana, mas sim, um instrumento posterior, haja vista, que possui a função de designar com sons, o que fora percebido sem esta.

 

Diferencia a linguagem do conhecimento, pois para o filósofo a linguagem possui função secundária ao pensamento, o próprio pensar seria uma atividade não linguística.

 

Defende Platão que não existe uma autonomia da linguagem em relação às coisas, dessa forma, ele e Aristóteles possuem um entendimento contrário ao convencionalismo, haja vista que, conforme se percebe nas suas teses, não ser possível confiar na linguagem, inclusive, os sofistas gregos haviam formulado muitos paradoxos, com o cretense mentiroso: Um cretense diz: “todos os cretenses são mentirosos”. Ora, quando um cretense diz que “todos os cretenses são mentirosos”, não se sabe se o que ele diz é mentira ou verdade.

 

A partir de Platão tem-se a noção de metafísica, na medida em que é possível exprimir de suas ideias uma universalidade do discurso que apresenta uma verdade sobre o ser, a coisa Seu discurso apresenta uma correspondência entre o pensamento e o ser.

 

Para Josef Simon[20], o filósofo grego iniciou a filosofia ontológica, uma vez que enxergou no “ser das coisas”, o seu objetivo, ao tentar eliminar o poder dos nomes sobre os significados, ao passo que a retórica sofística a este se manteve presa.

 

Com Aristóteles surge a primeira metafísica, depois de ter sido discípulo de Platão por dezenove anos, elaborou sua própria tese, visto que não satisfeito com a resposta do mestre que deu aos sofistas. Criou uma teoria voltada para significação, objetivando a refutar a proposição sofística.

 

Como Aristóteles não concordou com a noção de Platão de que as palavras possuíam uma relação mimética com as coisas. Veio a romper com esse vínculo proposto pelo seu mestre e, finalmente escreveu a sua teoria baseada na teoria da significação, onde a linguagem será o signo e o ser, o significado.

 

Enquanto que em Platão, a linguagem é apenas um instrumento, cuja relevância é secundária se comparada às coisas e as ideias, para os sofistas a linguagem tem absoluta importância, tanto que desvincula o ser da verdade.

 

Aristóteles concorda inicialmente com os sofistas, no sentido do valor que a linguagem possui em sociedade. Porém, na sua teoria será a essência das coisas que darão possibilidade de sentido às palavras. Sem a essência, as palavras perderiam a sua função de significante.

 

Para Aristóteles, a metafísica, era chamada de ciência primeira, que estuda o ser, enquanto ser e os acidentes próprios do ser. Ao contrário das demais ciências que o estudam limitadas sob determinado ponto de vista. Portanto, a metafísica analisar os questionamentos sobre os princípios, as causas mais elevadas, é evidente que tais princípios devem ter uma natureza própria.

 

Voltando a tese aristotélica percebemos que o indivíduo é formado por matéria e forma, sendo seria como cada um se individualiza e a forma seria a maneira pela qual a matéria se organiza.

 

Assim, todos os indivíduos de uma mesma espécie teriam uma mesma forma, diferenciando-se na matéria, em face de que os indivíduos são diferentes uns dos outros, ao menos numericamente.

 

Para Aristóteles, a matéria e forma são impossíveis de serem divorciadas, posto que constituam uma unidade.

 

O ser humano, a partir da abstração de seu intelecto consegue se relacionar com diferentes objetos, a partir dos quais têm a mesma forma, diferenciando-se de acordo com suas qualidades particulares da matéria.

 

Logo, a ideia de ser humano, de homem, é uma natureza comum a todos os homens, a partir da forma de ser humano, por meio desta, também é possível distingui-los dos demais animais.

 

Por essa razão o que existem são as substâncias dos seres, se não houvesse indivíduos, não existiriam, ipso facto, nem espécies, nem gêneros, pois, é justamente dessa substância que depende o conhecimento humano.

 

Didaticamente Aristóteles explicou que o ser pode ser entendido de diversas maneiras, mas estes diferentes sentidos, se referem a uma só coisa, isto é, uma mesma natureza, sendo que não existe entre eles apenas uma similaridade de nome.

 

Um ser pode ser muitos significados, mas todos se referem a um único princípio, a sua ideia de substâncias. A essência não é o ser, mas sim, esta é ele no ser.

 

Conclui-se que a metafísica seria uma ciência que estuda igualmente os seres enquanto seres.  E, tendo em vista que cada ciência possui um objeto que lhe é próprio, na metafísica, o seu objeto de análise é o motivo da existência das demais coisas, necessita Aristóteles ao determinar a essência como objeto, estabelecer os princípios e as causas essenciais.

 

Segundo Aristóteles as palavras só possuíam sentido definido porque as coisas possuíam essência, a linguagem não manifestava (teoria defendida por Platão) a coisa, mas sim, a significava.

 

A palavra denominada pelo filósofo, relaciona-se com a coisa devido à significação e não por semelhança ou imitação. Logo, para que o pensamento e a linguagem ocorram é preciso que as palavras tenham um sentido definido, o que é possível a partir da essência.

 

Isto advém da distinção aristotélica existente entre o discurso geral e a proposição, onde explica que somente com a proposição, pode-se observar quando algo é verdadeiro ou falso. Sendo que os discursos são verdadeiros quando apresentam as semelhanças com as coisas em si.

 

Para tanto, dizer que aquilo que é, não é, ou que aquilo que não é, ou é falso. Enquanto que dizer que aquilo que é, que não é, ou é verdadeiro.

 

Importante há de se distinguir a semelhança de significação, tendo em vista que não haja semelhança completa entre os nomes e as coisas, porque os nomes são limitados, ao passo que as coisas são numericamente infinitas, o que determina que muitas venham a ser nomeadas com um único nome.

 

A linguagem e mais propriamente a palavra será o símbolo do real, pois como não apresenta uma semelhança completa com a coisa, não poderá ser utilizada no lugar destas, de modo que exprime uma ligação ou distância em face e que, ao mesmo tempo em que a palavra não pode ser entendida como um signo do real, esta expressa uma relação simbólica, cujo sentido é determinado pela intervenção do ser, o que permite, por exemplo, que se diferencie a linguagem humana dos sons produzidos pelos animais.

 

Com o surgimento do discurso advém o problema de seja universal, as coisas são singulares. E, por meio da convenção, as palavras são significativas e para garantir que estas conservem a devida significação, ou seja, uma unidade objetiva, Aristóteles utilizou-se da noção de essência das coisas.

 

A comunicação entre humanos somente é possível porque as palavras possuem uma unidade de sentido, ao contrário de Platão que defendia a secundária importância da linguagem.

 

A metafísica aristotélica[21] também pode ser caracterizada como ontologia, uma vez que a linguagem não traz um discurso do ser, mas somente pode ser compreendida a partir do seu fundamento, ou seja, do ser em si.

 

Dessa forma, a ontologia como ciência primeira, seria o estudo das condições de possibilidade da comunicação humana.

 

Diametralmente opostas às teorias de Platão e Aristóteles, os estoicos vão assumir um viés materialista, pois, para estes, apenas o que existe é o corpo, o qual é passível de tensões e acontecimentos. Logo, somente o indivíduo singular é o real.

 

O significante seria a palavra, já o significado seria a coisa que é relevada pela palavra, que é formada através do pensamento humano, enquanto que o objeto existe no mundo exterior ao pensamento.

 

Por essa razão, a palavra e o objeto são corpóreos, enquanto que o significado que é também chamado de entidade, é incorpóreo, mas presente no pensamento. Tal entidade não se confunde com as palavras, somente poderá ser expresso a partir das palavras, logo, esta é o que dá sentido à fala.

 

A linha divisória nos estoicos foi traçada entre as palavras e o sentido (corpóreo e incorpóreo), tendo em vista que o fundamental aqui não seja a ideia, mas os próprios corpos com suas ações e paixões, não sendo a ideia mais do que um efeito.

 

O acontecimento (termo usado no sentido estoico como algo que não é um ser, mas um quase-ser, sendo efeito incorporal dos corpos) pertence à linguagem, mas acontece às coisas, não são seres, mas dão-se na superfície dos seres.

 

A importância dos estoicos é enorme que mais tarde Saussure realizou a sua interpretação sobre o signo, caracterizando este como a união entre significante e significado, na realidade, usou-se da terminologia estoica.

 

A verdade é que Aristóteles iniciou a tradição no pensamento metafísico, e com a evolução, a busca pela verdade continuou por toda Idade Média, que a relacionou à razão divina, sendo que tais filósofos utilizaram-se do pensamento grego, vindo adaptá-lo ao cristianismo.

 

A teoria da significação de Aristóteles, Lacan[22] e Santo Agostinho vieram elaborar suas teorias baseadas na função significante da palavra.

 

Para o filósofo Santo Agostinho a busca pela verdade direciona à interioridade do ser humana, ao invés, de nas coisas ou palavras. Assim, a verdade é ínsita ao indivíduo, pois não é possível adquiri-la. A compreensão dos signos é possível a partir do interior, sendo esta, exterior aos signos e aos objetos.

 

Com a presença do absoluto, as palavras e coisas possuem sentido, visto que a palavra em si não possui verdade, as palavras somente levam as pessoas a apreender novas palavras (e como as palavras são signos, a relação será signo-signo), formando um sistema fechado de significações, por isso elas incitam a busca pela verdade, a qual somente é possível com uma iluminação interior.

 

De modo que o caminho para a verdade é consequentemente o caminho para Deus, o qual leva para o interior das pessoas. Essa interioridade é condição de possibilidade para a linguagem, e não o contrário, tendo em vista o que se dá no âmbito exterior, é a relação signo-signo, a qual sem a interioridade não é passível de compreensão.

 

O signo é enganador posto que não tenha uma relação natural com a coisa. Portanto, o Deus agostiniano é ao mesmo tempo íntimo e transcendente, familiar e distante, uma espécie de iluminador do pensamento, o que demonstra que nessa teoria a verdade está relacionada a algo que não é sujeito, mas sim, Deus, visto que a interioridade do indivíduo depende da iluminação divina.

 

Já par Jacques Lacan, a função significante da palavra traduz que a linguagem seja uma rede ou teia sobre o conjunto de coisas da realidade, cuja utilização permite expressar o mundo simbólico. Para ele as coisas têm um nome devido às relações entre os signos, descartando a ideia de que denominação advém dos signos ou das coisas, logo, também a verdade somente será possível a partir da interioridade do sujeito.

 

Para Tomás de Aquino se o intelecto humano e divino, permanecendo as coisas, o que é impossível, fossem eliminadas, de nenhum modo permaneceria a noção de verdade. Como a verdade está em Deus, observa-se que há igualdade do intelecto divino e da coisa, tendo em vista que o intelecto divino primordialmente entende a realidade humana, a qual é a sua própria essência, por meio desta, o intelecto divino apreende todas as coisas. Dessa forma, a noção de verdade depende da igualdade do intelecto divino com as coisas criadas.

 

Ressalta-se que, a adequação entre o intelecto divino e a essência divina (realidade, coisas criadas por Deus) não ocorre como entre mesurante e mesurado, tendo em vista que um não é princípio do outro, pelo contrário, são totalmente idênticos.

 

A ideia de essência trazida por Tomás de Aquino tem nítida base aristotélica, sendo adaptada ao cristianismo, tanto que utiliza os mesmos termos que são referidos pelo filósofo grego em seus textos.

 

Na era medieval foi apoiado pelas teses aristotélicas e a razão divina que comandava todas as coisas e é responsável pela noção de verdade. O sujeito estava submetido ao objeto, de modo que a subjetividade somente será construída na Idade Moderna, cujo rompimento paradigmático será autor da construção do Estado Absolutista e demais acontecimentos modernos.

 

De qualquer maneira, durante a era medieval, o nominalismo será a corrente de pensamento que terá uma postura antimetafísica. Fora Guilherme de Ocklam, um filósofo do século XIV, que adotou a posição nominalista em discussão com a ideia universalista da natureza das espécies.  No nominalismo, o universal corresponde a um conceito por meio do qual nos referimos a essas qualidades ou características.

 

O universal é alusão a um termo, um conceito, não um ente ou ser conforme defendeu Aristóteles, mas ao mesmo tempo não é só uma palavra pois existe um relacionamento mental ao conceito, o qual é a referência dos gêneros e espécies.

 

Por essa razão, defende uma valorização da linguagem em frente às coisas e que, consequentemente, não se deve supor a existência de entidades metafísicas, como a teoria platônica do mundo inteligível, pois, estas possuem uma explicação deficitária.

 

O que as coisas de mesmo nome têm em comum é apenas a denominação. Conforme se percebe, ao contrário de Guilherme de Ockham, para Aristóteles os conceitos são as diferentes funções da linguagem enquanto demonstração dos diversos aspectos do real. Logo, não poderiam ser consideradas as essências independentes.

 

Ocorre que, o modo como se fala sobre determinadas coisas já demonstra como estas são percebidas, logo, a filosofia deve buscar explicar e demonstrar de maneira crítica de que forma dá-se essa pré-compreensão, cuja mediação é feita através da linguagem.

 

É certo que os principais marcos filosóficos da metafísica clássica é relevante que se sublinhe na medida em que sua influência pode ser detectada na postura positivista, bem como até que ponto a ideia do objeto, torna-se um impasse no julgamento do Judiciário.

 

Apesar da tentativa no século XIX de se excluir a metafísica da interpretação do Direito, a Escola da Exegese que surgiu na França, em 1804, a jurisprudência dos conceitos criada na Alemanha[23] em 1900 e a doutrina positivista acabaram por integrar e incorporar o conceito de objeto da metafísica clássica.

 

É sabido que o positivismo refere-se aos fatos, ou seja, a interpretação da realidade será somente o que se pode contar, medir, ou pensar, sendo definido por meio empírico.

 

Na ciência jurídica, a manifestação do positivismo se dá através dos códigos e de toda legislação escrita. Na Escola da Exegese, tem-se a ideia de juiz como boca da lei[24], isto é, o mito do dado, sem poder alterar o texto feito pelo legislador[25], porque se fundava na concepção da perfeição do sistema normativo, na ideia de que a legislação era completa, e de que, na generalidade da lei, encontrava-se a solução para todas as situações jurídicas.

 

Consagrava-se assim que a lei escrita era a única fonte do Direito, onde se devia busca a mensagem e a vontade do legislador, a aplicação das leis. Esta era a função do jurista, buscar o sentido da norma que o legislador imprimiu, e dele apreender para o caso concreto, visto que a interpretação praticamente não era permitida. Em existindo a lacuna ou obscuridade, deveria ser utilizada o método lógico de interpretação.

 

Seguindo a linha doutrinária da Escola da Exegese, na jurisprudência dos conceitos, existe uma concepção de sistema jurídico fechado e autossubsistente. Como na Alemanha não havia os Códigos da mesma forma que em França, basearam-se nos sistemas normativos do Direito Romano, de forma que o Direito era visto como um corpo de normas positivas. E, conferia o primado à norma legal e as respectivas técnicas de interpretação. Negava qualquer fundamento absoluto ou abstrato à ideia do Direito.

 

O referido positivismo presenta nas duas escolas acima mencionadas é considerado positivismo exegético, mais tarde Hans Kelsen partindo da doutrina positivista que já era aplicada e procurava resolver o problema da interpretação formulando o positivismo normativo que enfatiza a semântica ao invés da sintaxe.

 

Kelsen, em sua teoria pura do Direito, supera a questão da interpretação pelo julgado e elaborou uma divisão entre o Direito e a ciência do Direito, diferenciando, por conseguinte, a interpretação como ato de vontade e interpretação como ato de conhecimento.

 

No primeiro caso, resta presente quando se aplicam as normas, pois nesse momento cria normas, que são aplicadas ao caso concreto, tal é a interpretação dos órgãos jurídicos.

 

Enquanto que o segundo produz proposições, pois, interpreta de modo abstrato a norma que é dada, sendo esta a interpretação utilizada pelo cientista do Direito. Nesse espaço de movimentação trazido pela interpretação como ato de vontade, está presente o solipsismo do julgador.

 

De qualquer modo a crença dos julgadores de que o positivismo exegético continua sendo a forma correta para decidir, a edição de súmulas vinculantes e conceitos prontos pela jurisprudência, além da contínua e progressiva busca pela verdade real, como se houvesse essências, ratifica essa perspectiva objetivista, onde não se pode questionar o produto, ou seja, as normas e ementas, porque o que domina é a razão do legislador, ou do órgão superior, dependendo da discricionariedade em questão.

 

Portanto, as ideias platônicas podem ser bem relacionadas com a formulação de conceitos jurídicos abstratos prévios, pressentes no entendimento dos Tribunais. Em linhas gerais, o sentido está na própria coisa, na sua essência, imutável e permanente.

 

A metafísica moderna faz a viagem do subjetivismo até a discricionariedade[26]. E, é inaugurada com a noção de sujeito trazida por Descartes. Refere-se a uma ruptura filosófica, através da qual é possível entender a modernidade e o papel do Direito.

 

Assim, a modernidade cria o sujeito, o qual, na realidade é quem cria a modernidade. Foi a modernidade que alterou o espaço da experiência e a forma como o tempo histórico até então era demarcado, pois no medievo, com o predomínio do pensamento cristão, e o assujeitamento forçado do sujeito à razão divina, a realidade da sociedade ficava adstrita a uma dupla tensão no presente de um lado, o passado que condiciona a vida a partir de seu caráter pedagógico; de outro, o futuro que se mantém obscuro pelo temor/certeza da chegada do juízo final. De suma importância essa ruptura para a ocorrência do pensamento hermenêutico nos moldes que vimos atualmente.

 

Uma realidade colocada em dúvida, com Descartes, percebe-se que é apenas o sujeito (que diz: eu penso) que vai continuar isento de críticas. O filósofo parte do ponto de que como todos os pensamentos que as pessoas têm quando estão acordadas, também podem lhes correr enquanto dormem, sem que nesse caso sejam considerados verdadeiros, resolveu simular que todas as coisas que até então haviam passado pelo seu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de seus sonhos.

 

Porém, ao considerar que tudo era falso, chega-se à conclusão de que ele o ser pensante, precisava ser alguma coisa. Logo, adota como primeiro princípio de sua teoria filosófica a máxima do penso, logo existo. Visto que considerou uma verdade bastante abalizada e correta, podendo ser livre de todas as críticas dos céticos diante de sua teoria.

 

Descartes fora bem feliz em sua formulação subjetivista, uma vez que ao notar que em penso, logo existo, não há nada que comprove que ele diz a verdade, tão somente que para pensar é preciso existir, vai estabelecer como regra geral que apenas as coisas que se idealiza de maneira clara e distinta é que são verdadeiras, a dificuldade que resta é distinguir de maneira correta quais são as coisas que concebe distintamente.

 

O filósofo vai além desse problema dos sonhos, entende que os sentidos também podem enganar as pessoas, como quando alguém está com icterícia e enxerga tudo amarelo, ou então ao observar os corpos celestes, estes parecem muitos menores do que realmente o são.

 

Tendo em vista o período de forte influência cristã em que Descartes escreveu sua filosofia, vai estabelecer que Deus seja o ser perfeito, aquele que fornece o conhecimento e permite que os indivíduos vejam as coisas claramente e distingam àquelas eivadas de verdade.

 

Conclui que independente de estar dormindo ou acordado, o sujeito não se deve deixar persuadir a não ser pela evidência da razão que possui em si mesmo, pois é somente esta que vai estabelecer o que é verdadeiro, ou seja, vai permitir que se observasse se as coisas e as palavras possuem um fundamento de verdade.

 

Na sua obra Discurso do Método, Descartes fixa que o método deveria ser o momento da subjetividade e da probabilidade de certeza. A consequência do argumento (do cogito) o penso, logo existo, representando o solipsismo cartesiano, onde há o isolamento do eu em relação a todo mundo externo, bem como ao próprio corpo que também se considera externo ao eu.  Esse solipsismo apresenta uma certeza tão viril e forte porque é carregada de subjetivismo.

 

Contudo, como Descartes pretende construir um conhecimento científico, tanto que chama o seu livro de Discurso do Método, procura encontrar uma perspectiva para ultrapassar essa ideia de que a única realidade certa é a existência do puro pensamento.

 

E tal propósito fora possível a partir da afirmação da existência de Deus, o que rompeu com o solipsismo e trouxe a noção de algo fora do cogito.

 

Essa existência decorre da ideia inata que os indivíduos possuem de Deus, o qual é perfeito e permite com se veja e pense com clareza, observando-se então um realismo, no qual, a existência e a inteligibilidade do mundo externo são garantidas pela existência de Deus, sendo o conhecimento a representação verdadeira, a correspondência entre a ideia e o objeto externo.

 

Por essa razão, Descartes constrói uma reflexão que não depende da tradição e da linguagem, tendo em vista que é a consciência, a subjetividade que permite a certeza plena, a qual é o problema do conhecimento, sem a necessidade de uma mediação linguística, uma vez que é através da autointuitição que se cria o conhecimento, sem a interferência da comunidade linguística.

 

Diferentemente dos filósofos medievais da metafísica clássica que propunham a verdade como razão divina, Descartes apesar de trazer a ideia da existência de Deus como método para romper com o solipsismo de sua própria teoria, a verdade estará na razão do indivíduo, o qual enxerga ao mundo com clareza e, é passível de tomar suas decisões conforme sua própria consciência.

 

A contribuição de Thomas Hobbes fora importante que desenvolveu uma forte teoria sobre o envolvimento entre o indivíduo e o Estado na Idade Moderna. O estado de natureza, no qual o homem se encontrava, colocava-o em constante guerra de todos contra todos, o que levou à vida em sociedade organizada, como meio de sobrevivência.

 

Esse estado de natureza descreve como o homem se comportaria quando não está submetido às leis e contratos impostos pela sociedade. Por isso, os homens são essencialmente iguais, tendo em vista que as diferenças entre eles são irrelevantes, sendo que o poder do soberano é concebido para permitir que os indivíduos coexistam, impedindo o estado de natureza, onde acabariam por se exterminar uns aos outros.

 

A construção e o funcionamento da sociedade pressupõe que o indivíduo ceda parte de seus direitos ao poder soberano, cujo poder deve ser exercido de forma absoluta para que a sociedade seja eficaz, o que não demanda uma realização pessoal do soberano, mas sim, que o soberano exerça o seu poder em nome dos indivíduos que a ele o confiaram.

 

Tudo isso ocorre por o homem deseja sobreviver e, em nome da sobrevivência que firma contrato com os demais membros da sociedade.

 

É por conta da natureza de contrato que Hobbes é chamado de contratualista, em face de entender que a sociedade civil resulta de contrato firmado entre os indivíduos, sendo que o poder absoluto é o que garante a paz civil.

 

Na tese contratualista, a linguagem é fundamental instrumento para a formulação do Estado, pois é através desta que as pessoas podem compreender e aderir ao pacto social.  Se não há uma correta compreensão do pacto, consequentemente, ocorre uma má formação do Estado.

 

A linguagem tem a função de construir as relações sociais e políticas, sendo que a sua interpretação equivocada e subjetiva é que pode trazer maiores riscos e prejuízos para o Estado. A origem e a formação do Estado além de romper com as teorias metafísicas medievais. Hobbes também pode ser considerado um nominalista, devido a essa importância que acarreta à linguagem.

 

De sorte que fica evidente que fora a vontade dos homens que faz com eles consigam vencer a barbárie. A palavra “vontade” é de suma influência quando se discute acerca do solipsismo e discricionariedade.

 

Foi a filosofia crítica de Kant que ofereceu a metafísica moderna uma nova visão para o conhecimento, pois abalou as estruturas do direito natural ao questionar o dogmatismo metafísico e ao defender a autonomia ética e normativa.

 

Assim, se construiu a teoria na qual a linguagem possui um caráter acessório, cuja função é ajudar na medida em que idealiza as palavras como signos das representações, ou seja, são formas sensíveis que ligam conteúdos inteligíveis, sendo estes últimos àqueles que representam genuinamente as coisas.

 

Desta forma, o signo limita-se a acompanhar o conceito como guardião, para produzir-lhe oportunamente, o que relega a linguagem a uma função de ajudar, uma vez que a função principal seja reservada ao pensamento.

 

Dessa forma, Kant formula a verdade formal[27] que seria a concordância do conhecimento com o objeto em análise, ou então, do conhecimento consigo mesmo, por isso, a verdade é conhecida como uma relação imanente ao espírito, a concordância do conhecimento com o objeto representado.

 

A verdade seria a objetividade do pensamento. Essa objetividade a que se refere o filósofo pode ser reduzida ao critério de validade universal do juízo, sendo compreendida como aquilo que se impõe à razão comum da todos os homens.

 

Assim, a verdade é acordo do juízo com as leis imanentes da razão, é a unidade entre o sujeito e o objeto. Para Kant[28], as experiências necessitam de ser avaliadas segundo o “eu penso”, pois ao se conectar a uma consciência, o indivíduo pode, diante das diferentes representações apontar para uma unidade de consciência.

 

Portanto, diferentemente do eu cartesiano, o “eu penso” de Kant não é puro e posterior às experiências, muito antes, pelo contrário, são as experiências que lha dão unidade, de modo que não pode afastar-se delas.

 

De modo que conforme a dialética transcendental[29], a razão não produz o conhecimento porque não remete aos objetos de uma experiência possível. A metafísica como era concebida não poderia ser considerada ciência porque não tem objetos próprios e não produz um conhecimento do real.

 

Assim, as questões sobre o cosmos, a perfeição de Deus e a imortalidade da alma, nãos e manifestam no tempo e no espaço, são transcendentes, e tais conceitos não possuem relação com a intuição.

 

Logo, suas discussões baseiam-se no campo do agir ético, onde concebeu o homem não como um sujeito do conhecimento, mas sim, como agente livre e racional. Kant em sua crítica transcendental ainda presente na noção de sujeito enquanto submisso às coisas e objetos.

 

O intrigante e genial Lenio Streck traz o entendimento de qua análise da linguagem em Kant é complexa e problemática, posto que não admita que a discussão se reduza a linguagem, por isso, a coloca como um instrumento secundário.

 

De forma que para Kant a palavra ou o signo não apresenta uma relação natural com o significado, até porque este não faça parte da palavra, visto que é alheia a esta, já que pertence ao conhecimento a priori.

 

Somente a partir de um conceito de significante, que não possui sentido, se completa seu ciclo da significação, ou seja, é o conceito que faz o signo significativo.

 

O responsável pela quebra do paradigma metafísico-essencialista foi Nietzsche[30] proveniente dos filósofos gregos, tendo em vista que para ele não existe nenhuma semelhança, nem afinidade prévia entre o conhecimento e essas coisas que seria necessário conhecer, isso porque para rebater Kant defende que as condições da experiência e aquela que o objeto possui, são diferentes.

 

Nietzsche[31] defende a ruptura entre o conhecimento e as coisas, por isso, que o último princípio da modernidade, formulador por ele é chamado de vontade do poder, ou seja, comando.

 

É uma forma refinada de positivismo vez que o Direito passa a depender de discursos adjudicadores e do protagonismo do poder do intérprete, haja vista que nessa perspectiva a ideia antecede a matéria.

 

No campo da linguagem Nietzsche entende que esta se interpõe entre o pensamento e o real, pois dá forma ao modo que as pessoas pensam e aquilo que é pensado.

 

Observa que a linguagem possui concepções e conceitos históricos que pode acarretar o equivoco, o engano, contudo acredita não existir uma solução para tal problema, vez que a nova linguagem estaria submissa às mesmas dificuldades.

 

Em sua crítica afirmou que a crença da gramática, no sujeito e no objeto linguístico e, nas palavras de atividade, subjugou até atualmente os metafísicos. Esta crença eu ensino abjurar, sendo que como a linguagem é exterior ao pensamento, formaria empecilho, já que na realidade não se pensa em palavras, porque quem pensa em palavras, não pensa as coisas, os objetos, não pensa objetivamente, de modo que pensar seria uma luta contra a linguagem, pois estamos habituados, onde as palavras nos faltam, a não pensar com rigor, porque é penoso continuar a pensar com rigor, e outras vezes, conclui-se automaticamente que onde termina o reino das palavras, aí termina o reino da existência.

 

A busca pelo conhecimento, pela verdade[32], na metafísica moderna traz a ideia da segurança, uso seguro. A virada do subjetivismo estabelece que a maneira correta do uso da razão é a capacidade de julgar, isso faz com que a vontade (a vontade de poder[33] trazida por Nietzsche) supere a razão.

 

A perspectiva moderna tem forte poder de influência para a corrente da jurisprudência dos interesses, na qual o juiz é o sujeito que vai buscar a vontade do legislador quis dizer com a lei, oportunizando uma discricionariedade ao julgador. A jurisprudência dos interesses é escola hermenêutica que surgira na Alemanha, bem no começo do século XX e teve como representantes Philipp Heck, Max Rümelin, Paulo Oertmann[34] e Stampe.

 

Propõe que deveriam ser investigados os interesses, onde as normas jurídicas são juízos de valor a respeito desses interesses, de maneira que o juiz diante do caso concreto, deve encontrar o interesse que o legislador[35] mais procurou defender.

 

A sentença como solução do litígio deve incluir os interesses que estão em disputa, cabendo ao juiz sopesá-los no conflito[36]. O objeto dessa análise dos interesses traz uma solução justa para o caso concreto. E, parte de duas ideias centrais: a primeira é de que o juiz deve obedecer ao Direito positivo, sendo sua função precípua, proceder o ajuste de interesses, em resolver as lides, do mesmo modo que o legislador, ao promover a valoração dos interesses feita pelo legislador, deve prevalecer sobre a valoração que o juiz venha a fazer segundo o seu critério pessoal.

 

A segunda ideia consiste na função do juiz que não se limita a subsumir os fatos às normas, pois compete-lhe também construir as novas regras para as situações que a lei não previu e não regulou, e, ainda, corrigir as normas deficientes.

 

Assim, o julgador deveria proteger a totalidade dos interesses do legislador, sendo que a partir da sua subjetividade irá analisar como isso irá ocorrer, logo, nos conflitos de interesses o juiz irá se basear nas suas próprias avaliações, atinente ao pensamento social ciente, para então combinar e harmonizar os interesses do legislador.

 

Eis que surge a nobre figura do intérprete[37], e o juiz tem o poder para tanto, ou seja, manusear o procedimento para então manifestar o justo.

 

Larenz explicou que a jurisprudência dos interesses progressivamente substituiu os rígidos conceitos elaborados pelo legislador, através da ideia de ponderação diante de uma situação complexa, bem como da visualização da lide, sendo seus critérios utilizados para ocorrência da conformidade na resolução desses conflitos, de modo a preservar a ordem jurídica vigente, quando no julgamento do caso concreto.

 

Ofertou-se aos julgadores uma consciência sadia, tornando frequentemente supérfluas as pseudomotivações, permitindo que a jurisprudência analisasse os eventos da vida real, e se tornando metodicamente mais consciente e eficaz, e também mais diferenciada e livre. Suprimiu-se as necessidades da época em que fora criada, uma vez que procurava ultrapassar os limites da jurisprudência dos conceitos.

 

Conforme-se observa Karl Larenz[38] sustenta que jurisprudência tornou-se mais consciente e mais presente, o que se pode relacionar com a filosofia da consciência, advinda da vontade do julgador.

 

A metafísica moderna se preocupa com a discricionariedade judicial, o qual acaba por aplicar de forma errônea o próprio positivismo normativo. É esse sujeito solipsista (egoísta, que basta a si mesmo) que se encarrega de realizar sua própria inquirição do processo, pois ele vai produzir a prova ex officio e vai decidir conforme os princípios do livre convencimento do juiz e da livre apreciação da prova.

 

Mas, o problema da discricionariedade se confronta com a noção de Estado Democrático de Direito[39], o que após todas as lutas para garantia plena dos direitos individuais e fundamentais, delega ao juiz a livre possibilidade de decidir de maneira arbitrária.

 

O sujeito solipsista[40] é aquele que decide conforme sua consciência, tendo em vista que o mundo é somente um esboço ou rascunho daquilo que ele quer e decide o que é.

 

Decorre daí vários jargões como aquele que atrela semanticamente a sentença[41] ao sentire, ou seja, a decisão estaria ligada às sensações do julgador.

 

Com a Constituição Cidadã, finalmente derrotamos a noção de juiz “boca da lei”, o que, aliás, na Justiça do Trabalho nunca fora assim, colocando-se no seu lugar, o império dos princípios. Ocorre que, para a adoção de tais princípios não existem limites, e com a errônea interpretação da teoria da argumentação de Alexy, a importação da jurisprudência dos valores e a própria ilusão brasileira sobre o ativismo judicial do common law instaurou-se a salutar possibilidade de ponderação de princípios.

 

O mesmo ocorre com a separação de poderes, pois o judiciário às vezes cumpre funções de parlamento. Porém, após séculos para a construção científica do Direito, não se pode permitir que o judiciário decida de qualquer forma e crie entendimentos, cuja possibilidade de mudança, somente seja possível a muito custo pelo entendimento de poucos juízes e filósofos do Direito.

 

Embora exista a influência do dualismo sujeito-objeto[42] que permanece ainda nas decisões judiciais, a ruptura com tal pensamento ocorre no século XX, através do giro linguístico, para o qual comungaram as ideias de Heidegger, Wittgeinstein, Austin, Gadamer[43] e Habermas.

 

A transferência do conhecimento para o campo da linguagem, ou seja, compreender que a linguagem através da ação, dá sentido ao mundo, posto que exista a descoberta de que, para além do elemento lógico-analítico, pressupõe-se sempre uma dimensão prático-pragmático.

 

É a partir do pensamento hermenêutico consegue superar o dualismo e ao menos no âmbito filosófico, aplicar o Direito conforme a democracia.

 

A reviravolta hermenêutica[44] tão bem comentada por Streck revela que resta superado o esquema sujeito-objeto. Há avanços concretos para a eficácia de direitos, contudo, ao mesmo tempo, a noção de sujeito-objeto continua a crescer a partir da formulação de conceitos prévios, por meio de súmulas, jurisprudências dominantes, sob a desculpa de que a lei não pode abarcar todas as hipóteses de aplicação.

 

O paradoxal é identificar a institucionalização da súmula com efeito vinculante aponta na direção contrária, isto é, parece que os juristas descobriram um modo de abarcar as múltiplas hipóteses de aplicação de uma lei.

 

Ainda quando da análise do caso concreto, diante da jurisprudência dos interesses, a comunidade jurídica, espera que o intérprete e julgador, procure os valores entranhados no texto legal.

 

Ocorre que, com o giro linguístico, evidente que a norma não pode ficar a mercê da vontade do intérprete, através dos ensinamentos de Gadamer, observa-se que por meio da antecipação de sentido que se dá na aplicação porque não há cisão entre interpretar e aplicar, funciona como uma blindagem contra a discricionariedade na atribuição dos sentidos.

 

Tal posição positivista e a forma como está evoluindo a prática judiciária, onde não se consegue se libertar do esquema sujeito-objeto, bem como dos paradigmas presentes na metafísica clássica e moderna, sendo que as decisões, inclusive dos órgãos superiores, apresentam uma mistura de objetivismo e subjetivismo.

 

A preocupação com a limitação do poder cuja discussão já estava presente nas teorias contratualistas do Estado, em um Estado Democrático de Direito não pode permitir que as arbitrariedades realizadas pelo Judiciário continuem a ocorrer, muito menos que se propaguem ideias de que as sentenças[45] vêm de sentire.

 

Não se pode interpretar a norma com uma filosofia da consciência e calcada nos paradigmas aristotélicos. Evidentemente a filosofia e a metafísica possuem grande influência para a aplicação do Direito, seja na forma com que o processo se forma e até a decisão, pondo resolução na lide. A revolução ocorrida pela filosofia da linguagem mudou a forma como era observado o mundo, e assim também o Direito se transformou conforme o pensamento filosófico.

 

A crise notabilizou o protagonismo do Judiciário e na discricionariedade do intérprete possui relação com a crise que o conhecimento passou durante a metafísica clássica e moderna, tendo em vista que a busca pela verdade e pela origem do conhecimento, acabou por construir duas correntes dominantes.

 

A primeira corrente advém da metafísica clássica, onde se acreditava que o sentido estava nas coisas. Conforme defendia Aristóteles, as coisas possuíam uma essência e era ela que proporcionava o sentido. Na Antiguidade, as teorias que analisaram a linguagem, esforçaram-se para combater o pensamento dos sofistas, tendo em vista que a própria linguagem criava armadilhas, por isso a verdade, o conhecimento estava no exterior, na coisa.

 

Nos paradigmas aristotélicos, a linguagem significava a coisa, sendo que a palavra relacionava-se com a coisa devido a significação, construindo a sua teoria da significação.

 

Durante a época medieval é possível perceber que o conhecimento não pertencia ao indivíduo, e só era possível com a razão divina. O que comandava o campo da filosofia era a razão divina, tanto que Santo Agostinho entendeu que as palavras (os signos) somente levavam as pessoas, a aprenderem novas palavras, formando um sistema fechado de significações, a verdade só era acessível através da iluminação divina.

 

Na metafísica moderna quebrou-se a ideia do objeto. A partir do argumento do cogito, eu penso, logo existo de Descartes, passa-se a adotar a filosofia da consciência, nesse contexto, é o sujeito o senhor do mundo, do seu destino, sendo quem comanda e sub-roga o objeto.

 

Kant ao construir o “eu transcendental”, criou a ideia do conhecimento a priori, sendo que para o filósofo era possível solucionar o problema do conhecimento a partir da de conceitos de entendimento e da razão. Sendo a razão que o sujeito possui aquela que prevalece, valendo-se a linguagem como instrumento. Em discordância ao pensamento de Kant.

 

Coube a Nietzsche elaborar o último conceito da modernidade[46] que é a vontade do poder, ou seja, o intérprete vale-se do solipsismo e discricionariedade no momento de decidir.

 

A concepção de verdade ratifica a ideia que depende de conceitos prontos, entendimentos dominantes e extratos que condicionem toda a jurisprudência, além de criar mecanismos no próprio sistema processualista visando barrar recursos cujo entendimento divirja daquele então dominante.

 

A partir da concepção de que a verdade está no sujeito, intimamente relaciona-se com a Escola da Jurisprudência dos Interesses, onde se ressalta a vontade do intérprete como aquela que prepondera diante da norma, tendo em vista que é justamente esse o dever do julgador, dar à norma a correta interpretação diante do caso concreto e contexto histórico vigente no momento do processo.

 

A metafísica moderna[47] trouxe consigo o problema do solipsismo, o protagonismo do intérprete, onde o julgador sob o pseudoargumento de que está protegendo os direitos fundamentais, baseia-se em princípios[48], realizando a ponderação equivocada no sistema jurídico brasileiro.

 

Os julgadores que continuam a basear suas decisões de acordo com a sua consciência, desconsiderando as normas processuais do CPC/2015, a fim de que o processo possua andamento de acordo com a sua vontade.

 

Em termos linguísticos e filosóficos, o CPC/2015 trouxe aperfeiçoamentos redacionais, vindo inclusive a positivar vários posicionamentos jurisprudenciais pacificados pelas cortes superiores brasileiras. E, visam ainda na busca da efetiva justiça ao promover a maior homogeneização das teses jurídicas aprovadas aplicando-as nas demandas repetitivas e evitando a loteria judiciária.

 

Conforme o nobre doutrinador Luiz Guilherme Marinoni já aludiu devemos encarar o processo civil como uma comunidade de trabalho regida pela ideia de colaboração, portanto, é reconhecer que o juiz tem o dever de cooperar com as partes a fim de que o processo civil seja apto a atingir efetivamente a uma decisão justa, fruto de efetivo dever de engajamento do juiz no processo.

 

A colaboração não apaga obviamente o princípio da demanda e as suas básicas consequências; o juízo de conveniência a respeito da propositura ou não da ação e a delimitação do mérito da causa continuar tarefas ligadas exclusivamente à conveniência das partes.

 

Abandona-se a noção de que o processo seja exclusivamente das partes ou exclusivamente do juiz, é comum ao juiz e às partes.

 

O CPC/2015 preocupa-se firmemente com a celeridade processual aliada a segurança jurídica valendo-se de técnicas de julgamento[49] e de filtros recursais capazes de não só garantir não apenas o acesso à justiça, mas a concretização dos direitos fundamentais.

 

A partir do pensamento hermenêutico conseguimos superar o dualismo e, ao menos no âmbito filosófico, para aplicar o Direito em conformidade com a democracia. E, revelando um positivismo que não viole os direitos fundamentais dos cidadãos e ao mesmo tempo proteja a democracia e a dignidade humana.

 

Referências:

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JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1977.

DESCARTES, René. Discurso de Método. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

PLATÃO. Crátilo: diálogo sobre a justeza dos nomes. Lisboa: Sáda Costa Editora, 1996.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

______________________. Verdade e Consenso. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

BECKER, Rodrigo Frantz; NÓBREGA, Guilherme Pupe. Artigo 942 do novo CPC pode massacrar a divergência nos julgamentos. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-27/artigo-942-cpc-massacrar-divergencia-julgamentos  Acesso em 05.02.2016.

QUEIROZ, Paulo. Crítica da vontade de verdade. Disponível em: http://www.pauloqueiroz.net/critica-da-vontade-de-verdade/  Acesso em 05.02.2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. O Projeto do CPC: Críticas e proposta. São Paulo: RT, 2010.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. Revista Panóptica. Ano 1. n.6, Disponível em: http://www.panoptica.org/seer/index.php/op/article/download/59/64%3E.%20Acesso%20em%3A%2018  Acesso em 05.02.2016.

 

[1] A expressão “neo” (novo) permite chamar a atenção do operador do direito para mudanças paradigmáticas. Pretende colocar a crise entre dois modos de operar a Constituição e o Processo, para, de forma crítica, construir “dever-seres” que sintonizem os fatos sempre cambiantes da realidade ao Direito que, para não se tornar dissociado da vida, tem de se ajustar – sobretudo pela hermenêutica – às novas situações ou, ainda, atualizar-se para apresentar melhores soluções aos velhos problemas.

Luís Roberto Barroso apud Cambi, ao buscar sentido para os prefixos “neo” e “pós”, bem sintetiza o tempo presente2: “Vivemos a perplexidade e a angústia da aceleração da vida. Os tempos não andam propícios para doutrinas, mas para mensagens de consumo rápido. Para jingles, e não para sinfonias. O Direito vive uma grave crise existencial.

[2] Cabe a princípio esclarecer a falta de unanimidade em se fazer a distinção entre o neopositivismo e a filosofia da linguagem. Existem autores que não fazem tal distinção, e outros ainda separam a filosofia da linguagem da filosofia analítica.

O neopositivismo ou positivismo lógico, ou ainda, empirismo lógico teve seu início com o Círculo de Viena e se marcou caracteristicamente pela aversão da metafísica e a valorização das ciências empíricas e da lógica (matematização).

E o extremo dessa valorização das ciências empíricas resulta na criação de uma filosofia da ciência, que quer ser como ciência tendo um método e o mesmo rigor científico. Desta forma, a exploração da realidade é tarefa da ciência, cabendo a filosofia ser a metodologia da ciência. Assim, o problema da filosofia, não é o que é real, qual é conteúdo do ser, mas o pretende dizer propriamente?

[3] O método semiótico tem como conceito fundamento o estudo do signo e, segundo Saussure apresenta um primeiro elemento chamado de significante, caracterizado não por sua natureza material, mas com a imagem acústica, a impressão psíquica do som que pode desencadear um outro fenômeno psico-semiótico, o significado, o segundo elemento constituinte do signo.

Afirma Saussure que a língua é o mais importante dos sistemas de signos. Sendo o mais complexo e o mais utilizado dentro os chamados sistemas de expressões sígnicas, mesmo sendo a língua, para ele, apenas uma parte do universo semiótico. Para Saussure existe uma ciência geral dos signos, da qual a Linguística poderia ser tão somente uma subdivisão, questão que será elucidada com apoio de Roland Barthes.

Segundo Charles Sanders Peirce a semiótica é constituída por três níveis: o sintático, o semântico e pragmático. O primeiro revela a relação que o signo tem com seu interpretante, o segundo refere-se à relação existente entre o signo e o seu referente (objeto) e o último se importa com a relação do signo com ele mesmo e com os outros signos.

Em face da complexidade da linguagem humana, seus signos e respectivas significações. Roland Barthes, além de definir a semiótica como sendo a ciência que se ocupa do estudo de qualquer sistema de signo, considerando suas substâncias e/ou limites, também refuta Saussure, quando diz que: A Linguística não é parte, mesmo privilegiada, da ciência dos signos: a Semiologia é que é uma parte da Linguística: mais precisamente, a parte que se encarregaria das grandes unidades significantes do discurso.

[4] O signo linguístico para Saussure é, pois, uma entidade psíquica de duas faces, sendo a combinação do conceito e da imagem acústica. O significante é a apresentação física do signo, de forma sonora ou imagética. O significado é o conceito que permite a formação da imagem na mente de um indivíduo quanto este entra em contato com o significante;

Portanto, o signo é resultado de um conjunto de relações mentais. Em cada signo existe uma ou várias ideias de acordo com o contexto, com a leitura ou com o leitor e seu estado emocional. O signo, para Saussure, é um elemento binomial e, sua natureza é dicotômica. O significado e o significante traduzem as pontas da bifurcação do signo, agem dialeticamente, embora sua relação de reciprocidade seja considerada pelo próprio Saussure como arbitrária. Não é possível admitir a existência do significante sem o significado e vice-versa, assim como não é possível estabelecer ou definir um elemento de relação objetiva entre o conceito e sua imagem acústica.

[5] Santo Agostinho é um dos maiores pensadores católicos e além de filósofo era também um escritor primoroso. Sua obra-prima “Confissões” apesar de não ser um livro fácil, mostra-se como obra de grande atualidade. Para Agostinho, o tempo não tem realidade em si, é uma invenção do homem, constituído por três nadas: o passado, que não existe mais; o futuro que ainda não existe e o presente por ser tão fugaz é uma mistura de passado e futuro. É partir daí que se compreende com relativa facilidade a concepção agostiniana de Deus.

Assim como Platão (427-347 a.C.), Agostinho concebe Deus como uma entidade que pertence a um reino de verdades atemporais, perfeitas e imateriais, com o qual só temos contato de maneira não-sensorial: tendo sido feitos à imagem e semelhança de Deus, uma parte desse reino existe dentro de nós (e pode ser identificado com a alma).

Dentro é outra palavra chave para conhecer o pensamento de Agostinho: em sua busca filosófica, ele deixou de lado a reflexão sobre o mundo exterior, e fez uma profunda introspecção para descobrir a sua interioridade, a essência do ser humano. Por isso, Agostinho é considerado também um pioneiro da psicologia. Para encerrar, convém lembrar que o cristianismo – antes de Agostinho – pouco tinha de filosófico: consistia da crença num Deus criador que se fez homem e num conjunto de instruções morais. Por isso, o filósofo pôde conciliá-lo sem contradições ao platonismo.

[6] A verdade está apenas no intelecto? (Utrum veritas sit tantum in intellectus?]. Para defender a objeção de que a verdade estaria somente no intelecto. Tomás de Aquino usa os argumentos de Agostinho em Solilóquios e rejeita a tese de que o verdadeiro é aquilo que se vê, tomando o exemplo das pedras que estão debaixo da terra são falsas, pois não poderiam ser visualizadas.

Também rejeita a tese de que o verdadeiro é o que aparece como tal sujeito que conhecer, se este quer e pode conhecê-lo. Ao justificar que a coisa está inacessível aos sentidos não pode ter estatuto de verdade. Assim, infere-se que a verdade não estaria para o âmbito do intelecto, mas sim da coisa. A conclusão é que a verdade se manifesta, por assim dizer, conforme o conhecimento da coisa. A verdade não tem dependência de um sujeito que a conhece, e seria essencial dizer a origem da verdade no conhecimento, ou seja, nas coisas. O equívoco dos antigos filósofos foi considerarem a manifestação de uma entidade é necessariamente a verdade, ao passo que, sua não-manifestação configuraria condições de não-conhecimento.

Aristóteles, citado por Tomás, afirma nos Primeiros Analíticos: “o que faz que uma coisa seja tal o é mais do que ela. ”.

O Filósofo coloca em evidência a manifestação da entidade em relação à sua própria existência, no sentido da manifestação perpassar seu âmbito existencial.  O fato da coisa ser ou não-ser está relacionado com uma opinião verdadeira ou falsa.

Assim, a verdade se encontra mais nas coisas do que no intelecto. Tomás, em sentido contrário, recorre à Aristóteles, que afirma em IV Metafísica que “o verdadeiro e o falso não estão nas coisas, mas no intelecto. ” Tomás sugere a seguinte solução: “Assim como chamamos bem [Bonum] àquilo que tende o apetite [Appetitus], chamamos verdade [Verum] àquilo que tende ao intelecto [Intellectus]. ”.

[7] O termo “nominalismo” refere-se a uma abordagem reducionista de problemas sobre a existência e natureza de entidades abstratas; opõe-se, portanto, ao platonismo e ao realismo. Enquanto o platônico defende um enquadramento ontológico em que coisas como propriedades, gêneros, relações, proposições, conjuntos e estados de coisas são tomadas como primitivas e irredutíveis, o nominalista nega a existência de entidades abstratas e tipicamente procura mostrar que o discurso sobre entidades abstratas é analisável em termos do discurso sobre concretos particulares da experiência comum.

Nominalistas como Abelardo e Ockham insistiam em que tudo o que existe é particular. Argumentavam que o discurso sobre universais é um discurso sobre certas expressões linguísticas — as expressões de aplicação geral — e procuraram fornecer uma explicação da semântica de termos gerais suficientemente rica para acolher a ideia de que os universais devem ser identificados com estes.

Numa acepção, “nominalismo” refere-se a um grupo de temas filosóficos e teológicos relacionados entre si, e de um modo geral articulados por alguns pensadores de finais do séc. XIV, influenciados por Guilherme de Ockham. Estes pensadores expressavam dúvidas acerca da metafísica aristotélica, em particular acerca da sua eficácia em provar a existência de Deus. Concederam prioridade à fé sobre a razão e enfatizaram a omnipotência divina de maneiras que em ética levaram frequentemente à teoria dos mandamentos divinos e a um cepticismo geral acerca do nosso conhecimento tanto das relações causais como da distinção entre substância e acidente.

[8] A Escola da Exegese também chamada de Escola filológica foi uma das primeiras correntes de pensamento juspositivista, florescendo na França no início do século XIX, a partir do Código Napoleônico, tendo, entretanto, ultrapassado as fronteiras do seu país de origem, disseminando-se por toda a Europa continental e América Latina, e exercendo, ainda hoje, influência no ensino e nas práticas jurídicas dos países de tradição romano-germânica.

As origens dessa Escola remontam ao quadro constituído após a Revolução Francesa. As modificações trazidas pela revolução liberal ao Estado, a sociedade e ao Direito levará à necessidade de novas concepções jurídicas que servissem à nova realidade. Por um lado, a mudança das funções do jurista, não mais responsável por criar o direito, devido a mudança na concepção das fontes de direito, mas incumbindo-se da tarefa de sistematizar o direito legislado através da sua exegese, que não era nada mais do que a descoberta do sentido do direito expresso em suas normas legais pela vontade do legislador. De outro lado, um novo modo de formar os juristas nas faculdades do direito, com um novo método de ensino que fosse focado na exclusividade da lei, isto é, no ensino da lei.

A Escola preconizava a multiplicação das codificações, de forma a eliminar as lacunas da lei; a utilização da analogia para descobrir a norma oculta, dada pela vontade do legislador, porém não aparente no texto legal, e a interpretação mecânica calcada no silogismo, fundada no sentido literal do texto, utilizando de outros métodos interpretativos apenas com a função de esclarecer a vontade do legislador, legitimação única da autoridade da lei, na medida em que é, esta vontade, legitimada pela vontade geral do povo.  Foi hegemônica na França durante todo o século XIX, acabando quando as condições que a possibilitaram não mais persistiam. Isto ocorreu, de um modo, com a mudança das condições sociológicas, a partir da Revolução Industrial que mudou a sociedade francesa, tornando as velhas formas inaplicáveis, de forma literal, a fatos novos e a uma conjuntura completamente diferente. De outro modo, quando o saber jurídico passou a receber influências da história e a perceber a necessidade de uma hermenêutica jurídica que controlasse a aplicação da lei, recebendo o auxílio de outras fontes.

[9] A jurisprudência dos conceitos fora a primeira subcorrente do positivismo jurídico, segundo a qual a norma escrita deve refletir conceitos quando de sua interpretação. Seus principais representantes foram Ihering, Savigny e Puchta, considerado por muitos como seu fundador. Fora precursora da ideia de que o direito provém de fonte dogmático, imposição do homem sobre o homem e não uma consequência natural de outras ciências ou da fé metafísica. Entre as principais características da jurisprudência dos conceitos estão: o formalismo, com a busca do direito na lei escrita; a sistematização; a busca de justificação da norma específica com base na mais geral. E, o direito deveria, prevalentemente, ter base no processo legislativo, embora devesse ser justificado por uma ideia mais abrangente relativa a um sentido social.

E o direito histórico não se revela nos códigos e nas leis, pois estes elementos normativos precisam ser compreendidos como parte de uma tradição jurídica que os conforma. Assim, a unidade do sistema jurídico não podia ser encontrada na própria lei, mas nos elementos que a formam, ou seja, nos conceitos jurídicos estratificados em uma determinada tradição. Portanto, a descrição sistemática do direito é elaborada pelos próprios juristas, a partir de uma análise do direito positivo como um todo. E, como a tradição jurídica germânica não era legalista, mas basicamente consuetudinária e romanística, foi a partir do estudo dessas fontes que os estudiosos germânicos buscaram construir um sistema de conhecimentos.

Seguindo esses passos, a cultura germânica experimentou uma sistematização dos conceitos presentes em sua tradição, o que representa uma espécie de autoconhecimento, na medida em que os estudiosos investigaram a sua própria cultura e sistematizam as suas os seus conceitos, gerando a corrente que veio a ser conhecida como Jurisprudência dos conceitos. Essa foi a escola que primeiramente tentou infundir no direito uma perspectiva propriamente científica, tendo em vista que a objetividade do conhecimento científico não está baseada na homogeneidade dos fatos com que ela trabalha, mas na sistematicidade dos modelos teóricos elaborados para conferir unidade à diversidade.

Em meados do século XIX, elegeu-se como objetivo da ciência jurídica germânica a análise do direito positivo historicamente dado na busca de extrair deles os conceitos que o estruturam, possibilitando uma descrição unificada e sistemática da totalidade do direito de um país, segundo os padrões de um sistema lógico de organização piramidal. Essa escolha metodológica representou o surgimento da Jurisprudência dos conceitos, escola positivista que representou o ápice do formalismo jurídico novecentista e que se caracterizava por deduzir “as normas jurídicas e a sua aplicação exclusivamente a partir do sistema, dos conceitos e dos princípios doutrinais da ciência jurídica, sem conceder a valores ou objetivos extrajurídicos (por exemplo religiosos, sociais ou científicos) a possibilidade de confirmar ou infirmar as soluções jurídicas.

[10] É oportuno fazer a distinção entre Direito Positivo e Ciência do Direito ou Ciência Jurídica, tendo em vista o emprego errôneo e indiscriminado de um e de outro, como se tratassem da mesma linguagem. Na perspectiva de Hans Kelsen, a Ciência do Direito busca conhecer e compreender o seu objeto de estudo, qual seja, a norma jurídica, o ordenamento jurídico, ou seja, o Direito Posto. Nessa medida, a Ciência do Direito tem seu próprio paradigma, o qual se vale de uma linguagem descritiva e predicativa para enunciar as constatações encontradas ou expressar o significado de seu objeto.

De tais enunciados extraem-se proposições, as quais se submetem ao crivo da verificabilidade, da testabilidade, do falso/verdadeiro, em relação ao paradigma metodológico adotado. A Ciência Jurídica vale-se da lógica apofântica ou alética ou formal, que se opera sobre o mundo do ser, sendo, repise-se, descritiva e predicativa.

Por sua vez, o Direito Positivo consiste num conjunto de normas jurídicas, que se caracterizam por proposições acentuadamente prescritiva e relacional, dotadas de imperatividade e autorizamento. Imperativa no sentido de dar um norte, uma direção à conduta humana, seja uma permissão, proibição ou obrigação, segundo os anseios sócio-políticos de uma sociedade organizada de um determinado tempo e lugar. Autorizativas por possibilitarem a legitimação por parte do lesado em exigir do Poder Estatal a satisfação ou a reparação do seu direito violado. Nesse sentido, o Direito Posto está submetido à lógica deôntica, a qual opera sobre o mundo do dever ser. De seus enunciados colhem-se também proposições, as quais não mais são verificadas segundo o binômio do verdadeiro/falso, mas segundo os critérios da validade ou invalidade em relação à conformação ao ordenamento jurídico em referência.

[11] Filosoficamente é doutrina segundo a qual só existem efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões sem existência própria. Considerado como uma possibilidade intelectual (caso limite da filosofia idealista), o que jamais fora endossado integralmente por algum pensador. Enfim, é concepção filosófica que aponta que além de nós, só existem as nossas experiências. O solipsismo é a consequência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre esses estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles. O “solipsismo do momento presente” estende este ceticismo aos nossos próprios estados passados, de tal modo que tudo o que resta é o eu presente.

[12] Na Introdução do Leviathan, Thomas Hobbes (1588-1679) apresenta o homem sob dois aspectos básicos: como matéria ou corpo, e como artista. Essas características, apresentadas em matizes diversos, irão percorrer todas as páginas dessa obra do pensador inglês. Como matéria ou corpo, o homem não difere dos demais seres ou objetos que fazem parte do universo.

O homem é muito mais do que um corpo, é um corpo que deseja e expressa seu desejo através da fala, da linguagem elaborada, que faz do homem um ser criador, um verdadeiro artista.

Como artista, caberá a ele o grande papel de imitar a natureza em sua função criadora, aproximando-se de uma função demiúrgica. E é como artista-demiurgo que o homem empreenderá, a partir do desejo, a maior de todas as suas obras: a construção de sua própria humanidade. Essa construção, de acordo com o pensamento hobbesiano, não cessará nunca, pois o desejo humano não conhece fim.

O homem é apresentado como um ser de desejo (homo desiderium) e de palavra (homo loquens), que em seu processo de hominização, movido pelo desejo de paz – esse bem universal – se servirá da palavra para criar a estrutura que lhe garanta a realização de sua humanidade plena.

A linguagem, que a princípio é a formalização do desejo, será abordada em seu aspecto de instrumento político, isto é, enquanto realizadora do pacto social, que institui um poder soberano. Este poder soberano, além da linguagem performativa, usará também a linguagem gestual como força retórica para a obtenção da obediência e da paz.

[13] A discussão que Nietzsche realizou sobre a linguagem influenciou importantes filósofos do século XX como, por exemplo, Heidegger, Foucault e Merleau-Ponty.  Já Guervós demonstra que em Nietzsche existe uma profunda reflexão sobre a “relação entre dança, pensamento e linguagem”.

Nietzsche foi o precursor de muitas das reflexões sobre a linguagem que atravessaram o século XX.

Conhecer sua perspectiva sobre a linguagem é, de certa forma, conhecer os fundamentos das discussões travadas neste século sobre a linguagem. No “projeto de transvalorização dos valores, Nietzsche ataca a pretensão da linguagem de ser veículo para a cristalização da verdade”. Ele questiona a necessidade que o homem possui de ter verdade, de alcançar a verdade.  Em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, § 1, Nietzsche conceitua a verdade da seguinte forma:

As verdades são ilusões cuja origem está esquecida, metáforas que foram usadas e que perderam a sua força sensível, moedas nas quais se apagou a impressão e que desde agora não são mais consideradas como moedas de valor, mas como metal desejo humano de encontrar uma relação adequada entre a palavra e o objeto.

Entretanto, ele afirma em Considerações extemporâneas, § 26, que o ser humano não possui domínio da palavra.  A palavra é fugidia. Quando o homem pensa que dominou a palavra, ela já fugiu do seu controle. Por causa disso o homem nunca domina a palavra e, por conseguinte, nunca possui a verdade. O que o ser humano possui é uma crença sobre os objetos. O homem pensa que conhece as coisas em si mesmas. Sobre essa questão ele afirma, em Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral, § 1, “acreditamos saber algo das coisas em si mesmas, quando falamos de árvores, de cores, de neve e de flores e, entretanto, não possuímos nada mais que metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades originais.

Na Gaia ciência, § 354, Nietzsche afirma que a linguagem surgiu a partir da necessidade de conservação da existência humana. Ela se desenvolveu por meio do intelecto com o intuito de estabelecer a associação entre os homens. Neste caso, ela “não surgiu em função da verdade, ou com o fim de esclarecer a verdade”.

Para Nietzsche a origem da linguagem não está ligada a verdade, a metafísica e a qualquer outra forma de cosmologia racional criada pela filosofia no Ocidente. Pelo contrário, todas essas concepções teóricas são formas de negação da linguagem. Toda a grande teoria criada pela filosofia para falar da linguagem não passa de uma forma de não-falar, ou seja, é uma impossibilidade de afirmar qualquer coisa sobre a linguagem.

 

[14] A linguagem é um organismo vivo que não pode ser teorizado por um sujeito qualquer. Ela é um enigma, no qual o ser humano não pode decifrar. Resta ao homem apenas aceitá-la. A pergunta: o que é a linguagem? Não pode ser respondida com uma teoria, mas unicamente com a palavra enigma. É por causa disso que, para ele, só a linguagem pode falar da própria linguagem. Em sua essência a linguagem é enigma e qualquer teoria metafísica desenvolvida pelo homem “não pode representar a essência dos objetos.

[15] A jurisprudência dos interesses corresponde a segunda subcorrente do positivismo jurídico, segundo a qual a norma escrita deve refletir interesses, quando de sua interpretação. Seu principal representante foi Phillipp Heck. Caracteriza-se pela ideia de obediência à lei e subsunção como conflito de interesses em concreto e em abstrato, devendo prevalecer os interesses necessários à manutenção da vida em sociedade, materializados nessa mesma lei. É de cunho claramente teleológico.

A jurisprudência por ser fonte indireta de Direito, o juiz não fica vinculado a sua aplicação, mas terá nela importantes subsídios para decidir o caso que lhe foi apresentado. A crítica se deu, em virtude da interpretação preconizada feita pela escola da exegese, onde não se coadunou com a realidade dos tempos modernos, devido ao processo evolutivo das nações. A escola exegética acredita em uma lógica dedutiva na aplicação da lei e na interpretação do Direito, o que não estava codificado, não era possível aplicar, ocasionando o surgimento de oposição às ideias exegéticas. A partir daí observaremos que a crítica feita pela jurisprudência dos interesses fixou alguns princípios que deviam ser seguidos pelos juízes na elaboração de suas sentenças.

Não era admissível, que uma sociedade em constante mudança por causa dos fatos sociais, permanecesse com uma interpretação literal do texto legal, deduzindo o sentido oculto da lei pela lógica.

A Jurisprudência dos Interesses se destaca pela sua valorização pragmática, ou seja, as modificações que a vida social e com isso as suas necessidades práticas que se modificam, trazendo novas demandas sociais que por muitas vezes são contraditórias entre as atuais e as novas, entre outras possibilidades. Devido a essa necessidade de verificar os interesses e eles estão protegidos por lei, surge à defesa que o Direito tem por ideia uma finalidade, que “a função judicial é também de ajustar os interesses, como o legislador o faria se tivesse de legislar sobre aquele caso”. Thiago Viera Mathias de Oliveira destaca uma característica crucial do pensador Ihering, um dos maiores influenciadores da Jurisprudência dos interesses. Para o teleologismo de Ihering, a lei deveria ser elaborada tendo em vista certo grau de abstratividade, permitindo-lhe grande mobilidade e, portanto, podendo ser interpretada de acordo com seus fins, em suma, o bem social, passando o Direito a ser determinado a partir de suas próprias construções. A finalidade é uma influência direta de Ihering, que possuía uma preocupação maior de como o direito era desenvolvido no cotidiano da sociedade, do que o seu formalismo conceitual nas letras da lei. Direito para Ihering possuía um caráter subjetivo que tinham dois pilares principais, o fim prático que aquele direito possa produzir, que pode se chamar o pilar substancial e o pilar formal que se resume na proteção desse direito pela lei.

 

[16] Para Hart, o poder de discricionariedade do juiz estaria pautado na própria aplicação de princípios e doutrinas para fundamentações de decisões. Sendo, inclusive, contraditório Dworkin alegar que o uso de princípios em decisão jurídica não gera discricionariedade, pois estes são conhecimentos gerais e passíveis de diversas interpretações, sendo seu uso sujeito a discricionariedade.

Não apresenta o princípio um consenso de aplicabilidade, pois o caso concreto é passível de interpretação e diversos posicionamentos. Para Hart, quando Dworkin admite o uso do princípio como fundamento de decisões, este afirma a própria discricionariedade diante da múltipla possibilidade de interpretação de princípios ao caso concreto.

Feldhaus, ao interpretar a doutrina de Kant, discorre sobre as regras de aplicação da norma e a possibilidade de o juiz recorrer a outros elementos fora da formalidade jurídica, a saber:

“Qualquer ambiguidade de norma na indicação da ação correta torna a norma inapta para a vigência, pois, nesse caso, o juiz precisaria recorrer a outros elementos, além da mera formalidade jurídica. ”.

Do texto acima apura-se uma intenção de pensamento positivista, com ausência de poder discricionário do juiz e impossibilidade de usufruir da moral, da ética e dos costumes para proferir decisões jurídicas.

Essa distinção também pode ser observada na obra de Kant quando há referência aos deveres de direito e deveres de virtude. O primeiro, deveres de direito, está ligado ao dever para os quais a legislação externa é possível. O segundo, a legislação externa, não tem relevância, pois apresenta conexão com um fim que é também um dever.

O conceito de Kant de direito estrito parece até mesmo excluir do código positivo qualquer regra que não apresente precisão matemática na determinação do direito em sua aplicação. Qualquer ambiguidade da norma na indicação da ação correta torna a norma inapta para a vigência, pois, nesse caso, o juiz precisaria recorrer a outros elementos, além da mera formalidade jurídica. ”.

A doutrina de Kant faz importante distinção entre deveres morais e legais. Para a análise de cumprimento de deveres legais, não se admite o uso da discricionariedade pelo magistrado, este pensamento afasta o uso da moral em interpretações legais.

Para Dworkin, o pensamento positivista reduz a interpretação normativa em normas e regras, desconsiderando princípios, e fica sujeito a discricionariedade do intérprete. Na sua visão, não haveria discricionariedade se os princípios que norteiam as normas jurídicas concretas fossem usados.

Na visão de Hart, o juiz deve decidir com discricionariedade quando a norma jurídica não existir no caso concreto. Ele afirma que o ordenamento jurídico não contempla resposta a todos os casos e, portanto, seria necessário o uso da discricionariedade para a decisão, principalmente em casos difíceis.

[17] A modernidade equaciona esse problema de uma maneira bastante original: apesar de a evidência ser uma experiência subjetiva (cada pessoa sente algumas coisas como evidentes), a evidência racional deve ter um caráter objetivo, na medida em que a racionalidade é a mesma para todos os homens. Assim, havendo parâmetros objetivos de racionalidade, tudo o que puder ser demonstrado para um indivíduo com base nesses parâmetros deve ser aceito também por todos os outros homens. Portanto, desde que um homem comprove racionalmente uma ideia, ele terá certeza absoluta de ter descoberto uma verdade, mesmo que ela contrarie a crença de todas as outras pessoas. Nesse contexto, os critérios de evidência racional passaram a ser a pedra de toque de todo o sistema de conhecimento moderno, pois são eles que servem como elo entre a subjetividade da evidência e a objetividade da verdade.

[18] Quanto ao conhecimento jurídico, analisando suas principais matrizes epistemológicas, partindo-se do método adotado pelo positivismo jurídico, pelo pós-positivismo e do realismo jurídico volta-se para a revalorização e resgate do discurso jurídico de tradição aristotélico-tomista o que serviu para outros pensadores como Karl Larenz, Herbert Hart, Ronald Dworkin, dentre outros.

Conhecer é ato pelo qual o sujeito cognoscente (sujeito pensante) dirige sua atenção e seu intelecto para apreender certas propriedades do objeto cognoscível, posto que o objeto em si, em oposição à imagem ou às características deste capturadas pela mente, continuará sempre incognoscível em sua essência, representar-se uma coisa. É operação imanente pela qual um sujeito pensante se representa um objeto. É o ato de tornar um objeto presente à imaginação ou à inteligência. É ato de sentir, perceber, imaginar ou pensar um objeto.

No processo interativo dialético entre o sujeito e objeto, conduz à formação do conhecimento, o qual imprescinde da união e atuação conjunta de três elementos, a saber, do “eu”, ou seja, daquele que se dispõe conhecer algo, do exercício da atividade intelectiva por este “eu” pensante e o objeto a ser pensado, para que ocorra e possa esse conhecimento ser traduzido em linguagem.

[19] Crátilo é um debate sobre a origem da linguagem e sobre a relação entre as palavras e o que ela significa. Platão por ser essencialista, acreditava que as coisas têm uma medida, em essência própria.

De acordo com Platão, as coisas têm uma verdade única e fixa que traduz os nomes e que transcende a experiência humana. Os nomes são legatários das essências que independem da opinião humana, está fora do mundo humano. Para aprofundar mais a sua explicação, na defesa de sua tese, de que as coisas têm essência permanente, não podendo ser deslocadas em todos os sentidos por nossa fantasia.

Ao final do diálogo Crátilo de Platão, deparamo-nos com a constatação de que os nomes não seriam capazes de dizer a essência das coisas, o que parece pôr em xeque a tarefa da filosofia pensada como atividade de busca do conhecimento presidida pelo logos.

[20] Josef Simon é filósofo alemão contemporâneo e ex-professor da Universidade de Bonn, tem escrito muito a respeito da metafísica, epistemologia, a filosofia do idealismo alemão e vários filósofos como Kant, Hamann e Nietzsche. O mais influente trabalho foi na filosofia da linguagem.

A reflexão sobre o legado da filosofia de Kant, marcada, especialmente, pela interpretação do modo peculiar como ele buscou validar (objetivamente) as pretensões do homem à verdade, bem como dos critérios que norteiam a pretensão de validade dessa reivindicação a partir de uma nova disciplina do pensamento – a filosofia transcendental –, passa, certamente não pela primeira vez, por uma curiosa e, a nosso ver, promissora inflexão. Essa nova inflexão, apresentada em um livro de 2003 e de autoria de um emérito professor da Universidade de Bonn, Josef Simon, procura incorporar temas relativos à filosofia da linguagem ao núcleo rígido da filosofia transcendental.

[21] Metafísica, Aristóteles buscou investigar o “ser enquanto ser”. Significa que buscou compreender o que tornava as coisas o que elas são. Nesse sentido, as características das coisas apenas nos mostram como as coisas estão, mas não definem ou determinam o que elas são. É preciso investigar as condições que fazem as coisas existirem, aquilo que determina “o que” elas são e aquilo que determina “como” são.

Em sua metafísica, Aristóteles fala acerca dos primeiros princípios. Os primeiros princípios dizem respeito aos princípios lógicos, a saber: o princípio de identidade, da não contradição e do terceiro excluído. O princípio de identidade é autoevidente e determina que uma proposição é sempre igual a ela. Disto pode-se afirmar que A=A. O princípio da não contradição afirma que uma proposição não pode, ao mesmo tempo, ser falsa e verdadeira. Não se pode propor que um triângulo possui e não possui três lados, por exemplo. O princípio do terceiro excluído afirma que ou uma proposição é verdadeira ou é falsa, e não há uma terceira opção viável. Tais princípios, deste modo, garantem as condições que asseguram a realidade das coisas.

[22] Jacques Lacan definiu o sujeito com o que um significante representa para outro significante. É sabido que o conceito de sujeito não é unívoco e comporta uma diversidade de interpretações e definições. O termo sujeito foi promovido ao patamar de conceito com o pensamento de Descartes.

A noção de significante utilizada por Lacan é proveniente de Ferdinand de Saussure, um linguista que propôs uma visão estruturalista da linguagem. Para Saussurre, a linguagem seria formada por elementos chamados signos. Esses, por sua vez, seriam compostos de duas dimensões, unidas arbitrariamente, ou seja, em função do acaso, a saber: o significante e o significado. O significante seria a parcela material do signo linguístico (o som da palavra, por exemplo). Já o significado seria o conceito, o sentido, a ideia associada ao significante. A teoria da linguagem de Saussure é estrutural porque pressupõe que o valor de um determinado signo não é dado a priori, mas depende da relação com os demais signos do sistema linguístico.

[23] O chamado “Anspruch auf rechtliches Gehör” (pretensão à tutela jurídica) no direito alemão, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretensão envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão incumbido de julgar. Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º LV, da CF/1988.

[24] Chamam-se interpretativistas, os que, embora admitam que o aplicador da Constituição – tal como o aplicador de qualquer norma jurídica – não deva prender-se à literalidade do texto, mesmo assim consideram incompatível com o princípio democrático qualquer criatividade judicial em sentido forte, isto é, qualquer forma de interpretação dos enunciados normativos que ultrapasse o âmbito de seu significado linguisticamente possível, porque isso implicaria atribuir aos juízes uma legitimidade que é privativa dos titulares de mandatos políticos.

[25] A função legislativa é maior e menor do que a função normativa. Maior porque abrange a produção de atos administrativos sob a forma de leis [lei apenas em sentido formal, lei que não é norma, entendidas essas como preceito primário que se integra no ordenamento jurídico inovando-o]; menor porque a função normativa abrange não apenas normas jurídicas contidas em lei, mas também nos regimentos editados pelo Poder Judiciário e nos regulamentos expedidos pelo Poder Executivo.

[26] O termo discricionariedade pode ser apontado em três acepções, indicadas por Dworkin. A primeira seria a escolha pelo juiz entre critérios que um homem razoável poderia interpretar de diferentes maneiras. A segunda é a ausência de revisão da decisão tomada por uma autoridade superior, sendo estas discricionariedades em sentido fraco.  A terceira acepção, que seria a discricionariedade em sentido forte, ponto este de divergência entre Hart e Dworkin. Neste, implica a ausência de vinculação legal a padrões previamente determinados. Para Hart, poderia, na terceira acepção, na ausência de vinculação legal, o juiz usar o poder discricionário para proferir decisão, enquanto Dworkin é contra este poder, alegando não ser o juiz membro do legislativo.

Hart procura traçar uma teoria descritiva da lei, em busca da segurança jurídica e pela eficiência da pressão social. Tenta também criar critérios para dizer quais regras e quais princípios são leis, sendo irrelevante sua justificação. Entre a discussão, Hart contesta a interpretação feita por Dworkin de que a discricionariedade seria criar direitos com liberdade “sem freios”. Para Hart, o juiz poderia aplicar a discricionariedade apenas aos casos de omissão da lei e sendo vedada reformas de larga escala ou novos códigos, sempre pautando a decisão em padrões dogmáticos e racionalidade.

[27] […] Que é a verdade? – Kant responde – A definição nominal do que seja a verdade, que consiste na concordância do conhecimento com o seu objeto, admitimo-la e pressupomo-la aqui; pretende-se, porém, saber qual seja o critério geral e seguro da verdade de todo o conhecimento. Kant parece falar sobre uma verdade material (objetiva) – materielle (objektive) Wahrheit) – e uma verdade formal – formale Wahrheit –, distinção sobre a qual nos debruçaremos agora, movidos pelas duas questões acima colocadas, não esquecendo que a pergunta pela verdade deve ser, segundo Kant, entendida como a pergunta pelo critério de verdade: «1) Será que há um critério material e universal da verdade? 2) Será que há um critério formal e universal da verdade?». Busca-se definir um critério de verdade que seja universal e não particular, o que significa que deverá ser um critério válido para todos os casos, para todos os objetos em geral, abstraindo toda e qualquer particularidade e a distinção entre estas. A questão que se coloca é se existe um tal critério material e/ou formal.

[28] A interpretação de Josef Simon, ora brevemente apresentada, conduz a filosofia de Kant para um domínio ainda, a nosso ver, inexplorado, e isso não apenas por enfatizar o papel da imaginação para o conhecimento e usos da razão em sua orientação cognitiva e comunicativa, rejeitando assim uma simples interpretação formalista, dominante na Pesquisa-Kant; talvez a principal força dessa interpretação, que, julgamos, carece ainda ser melhor aprofundada, assente-se no fato de que ela concretamente abre um horizonte de interlocução da filosofia kantiana com problemas filosóficos contemporâneos, tais como temas relativos a uma visão pragmática da teoria da linguagem e da teoria da comunicação, bem como a uma nova (uma vez que supera os impasses daquela formalista) concepção de “subjetividade”, de indivíduo, que não se assenta em uma razão plena de “certezas absolutas”, plena de convicções atemporais, mas sim em “certezas falíveis”, e, uma vez que essas são simplesmente pontos de vista plausíveis, precisam ser constantemente justificadas pela razão em sua orientação cotidiana. Para essa forma de racionalidade, “riscos” no significar e comunicar são e devem ser sempre considerados.

[29] Na “dialética transcendental”, finalmente Kant examina a possibilidade dos juízos sintéticos a priori na metafísica. A “coisa em si” (alma, Deus, essência do cosmos, etc.), não nos é dada em experiência alguma. Ora, como chega a razão a formar esses objetos? Sintetizando além da experiência, fazendo a síntese das sínteses, porque aspira ao infinito, ao incondicionado, ao absoluto. Nas célebres, “antinomias”, Kant mostra que a razão pura demonstra, “indiferentemente”, a finitude e a infinitude do universo, a liberdade e o determinismo, a existência e a inexistência de Deus. Ultrapassando os limites da experiência, aplica arbitrariamente as categorias e pretende conhecer o incognoscível. A metafísica é impossível como ciência, pois não se pode chegar mais, além disso.

[30] Para Nietzsche a vontade de verdade é fruto da metafísica que nasceu na Grécia antiga com Sócrates e ao longo dos séculos foi propagada pelo Ocidente. Por isso, toda a história da metafísica é simultaneamente a história da busca do homem pela verdade. O problema é que a verdade não passa de pura ilusão. A verdade é uma ilusão que gerou outra ilusão, ou seja, a metafísica. Segundo Nietzsche, em Além do bem e do mal, § 20, é por causa dessa dupla ilusão, isto é, a metafísica e a verdade, que o homem vive aprisionado pelo “encanto da gramática”. Esse encanto é a tentativa de o homem encontrar uma similitude entre a palavra e o pensamento, entre a palavra e o objeto. É a constante ilusão humana de que a palavra pode representar perfeitamente o objeto e, com isso, ser possível descrever a realidade.

Para Nietzsche o homem utiliza o poder criador da linguagem, por meio da metáfora, para nomear os objetos e criar uma ilusão de estabilidade existencial e social. O homem olha para a história e vê a estabilidade, ou seja, durante séculos os objetos tiveram os mesmos nomes. Essa estabilidade ganhou mais força com o advento da verdade produzida pela metafísica. Entretanto, tudo isso é ilusão.

[31] O pensamento pós-moderno é herdeiro filosófico de Nietzsche e de Heidegger. De Nietzsche o pensamento pós-moderno herdou a crítica a todo tipo de idealismo; filosófico, ideológico e científico. A frase “Deus está morto” sintetiza a falência de todos os fundacionismos e a impossibilidade do pensamento metafísico. Heidegger, em parte herdeiro de Nietzsche, ainda aprofunda mais esta crítica, colocando-a como fato dado.

Assim como vivemos a chamada pós-modernidade e nesta identificamos a fragmentação de toda a unidade entre a ciência, arte e religião, assim temos que reconhecer que, se ainda procuramos razões que não sejam razões da ciência, essas não são mais razões ou fundamentos metafísicos. O pós-metafísico é um mundo sem fundamentos absolutos. Como diz Bauman é um mundo líquido.

[32] Parafraseando aqui Demócrito, concluir-se-ia, sem exageros, que “a verdade jaz num abismo”, o que para Kant equivaleria a dizer: a verdade encontra-se na certeza oculta à razão de um ato estético, ou seja, na síntese entre tempo e conceito. Ao revocar uma pretensão puramente normativa (formalista) de verdade em Kant, Simon quer enfatizar, vale dizer, a importância pragmático-filosófica da razão em sua Weltorientierung, isto é, na diversificação dos seus modos de significação e comunicação dos sentidos das coisas.

[33] A Vontade de Poder por sua vez é um conceito – parcialmente situado na perspectiva de Schopenhauer – através do qual Nietzsche pretende dar conta da essência da vida, do fundo de onde germina a vida. Onde há vida, movimento, existe vontade de poder. A vida é vontade de potência. Eliminar esta dimensão da vida, como pretenderia um certo sentimentalismo, seria como querer amputar um órgão vital. O encontro com a filosofia de Nietzsche é desconcertante não somente pela sua dura crítica ao modo de valorar e viver moderno, mas também pela desconstrução do modo de pensar tradicional. Em Nietzsche o pensamento é força, desejo ativo. É um pensamento nômade. Agora o monumental edifício da filosofia ocidental corre o risco de ver corroído seus próprios fundamentos. Pelo menos desde Aristóteles filosofia foi predominantemente sistema, coerente e totalizante da realidade. Ela sempre procurou a verdade na forma de um sistema mais ou menos complexo ordenado pelo pensamento lógico e formal.

[34] Paul Ernst Wilhemlm Oertmann (1865-1938) foi advogado alemão. Tornou-se conhecido principalmente por ter publicado em 1921 a obra intitulada “A base para o negócio – um novo conceito legal”.  O Supremo Tribunal assumiu a doutrina da base de negócios no ano após a introdução da base em 03 de fevereiro de 1922 em sua decisão “Vigognespinnerei” para ter em conta a inflação em um contrato para a compra de uma fábrica de fiação.

[35] O legislador como pessoa é substituído pelas forças sociais (interesses). Daí não se falar mais em voluntas legislatoris. No entanto, não é possível identificar Heck totalmente com as correntes objetivistas da interpretação já que não se limitava a analisar o que objetivamente o texto normativo poderia dizer, mas exortava a necessidade de se buscar os “interesses históricos” que embasavam a lei.

[36] O desenvolvimento judicial do direito na modalidade de “superador da lei”, o que traz as seguintes características: O juiz realiza esse grau de desenvolvimento judicial do Direito porque tem o dever de decidir uma questão jurídica; o desenvolvimento judicial do direito superador da lei tem de estar embasado naquilo que Larenz chama de “razões de grande peso”;  o desenvolvimento judicial do Direito supera a lei, mas está dentro do quadro e dos princípios diretivos do ordenamento jurídico no seu conjunto;

Considerando-se essas características, verifica-se que a superação da lei que resulta da criação judicial do direito parte da premissa de que o julgador necessita decidir, mas que a lei não é suficiente para permitir-lhe a prática desse ato. Nem pode ele recorrer à técnica de integração da lacuna como um desenvolvimento judicial de Direito imanente à lei, porque nem teleologicamente ela lhe possibilita isso.

[37] Em “Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral”, § 1, Nietzsche afirma que a linguagem é a “primeira metáfora”, ou seja, a linguagem é a metáfora que possibilita ao homem construir todas as coisas que estão dentro da sociedade (arte, ciência, religião, etc). Tudo que existe dentro da vida social é metáfora e, por conseguinte, interpretação. Em Além do bem e do mal, § 22, ele afirma que até as leis construídas pelos físicos são interpretações, logo também são metáforas.

[38] Karl Larenz (1903-1993) foi jurista e filósofo do direito alemão. Destacou-se na área do Direito Civil, tendo produzido obras que fizeram e ainda fazem autoridade na disciplina. Seus ensinamentos muito influenciaram os pensadores pátrios. Dentre os que adotaram sua doutrina, destacou-se Orlando Gomes. Foi um dos pensadores da escola da jurisprudência dos valores.

A teoria de Karl Larenz sobre interpretação jurídica tem como pressuposto a necessidade da interpretação das normas, a qual deriva de situações de fato problemáticas quanto à compreensão do sentido e alcance do texto da norma, como, por exemplo, quando o intérprete da lei se vê diante de conceitos/palavras que comportam mais de um sentido ou quando verifica que há uma espécie de conflito de normas que potencialmente regulam a mesma situação fática, mas em sentidos totalmente contrários.

[39] Com a queda das doutrinas oficiais ligadas às ditaduras derrotadas, na Alemanha e na Itália, os teóricos do direito tiveram de remeter-se às doutrinas pré-bélicas para iniciar a reconstrução de uma teoria jurídica que acompanhasse e favorecesse o renascimento dos Estados Democráticos.

Porém, exatamente às doutrinas pré-bélicas podia-se censurar, no mínimo, o fato de não terem oposto nenhuma barreira à afirmação das ditaduras. O positivismo jurídico, que havia caracterizado as primeiras décadas do século XX, pregara a aceitação do direito que vinha do Estado, qualquer que fosse seu conteúdo. A tese da indiferença do conteúdo do direito positivo já não podia ser aceita.

Com isso, a elaboração europeia ocidental, mesmo não podendo receber por inteiro o modelo do Common Law3, começou a elaborar teorias que, embora não prevendo uma criação imediata do direito por parte do juiz, lhe reservavam uma tarefa criativa no delimitado âmbito das normas jurídicas positivas, mas estendido para além de tais normas com a ajuda de máximas da experiência e de princípios gerais.

[40] Lenio Luiz Streck publicou interessante obra cujo título é: “o que é isto? – decido conforme minha consciência? Que pretende combater o juiz solipsista, como uma espécie de juiz Robson Crusoé que decidiria, não segundo a Constituição, mas segundo a sua consciência e vontade apenas.

Afinal, o Direito não é aquilo que o judiciário afirma que é. Nem tampouco é aquilo que em segundo momento, a doutrina afirma quando compila a jurisprudência, este se define a partir do repertório de ementários ou enunciados com pretensões objetivadoras.

[41] As leis, regulamentos, atos administrativos e sentenças judiciais devem concordância formal e conteudística em relação à Constituição, e a eventual contradição deve ser passível de controle por parte de uma instância destinada para isso, como, por exemplo, um Tribunal Constitucional. São normas que criam Direito a partir da norma superior. Há aqui uma misto de execução e produção jurídica.

[42] A filosofia de Hegel pode ser interpretada como uma superação do dualismo entre sujeito e objeto, mas de um modo mais amplo pode-se dizer que Hegel pretende superar, por um lado, a objetividade grega que empregava uma atenção toda especial para o homem em sua identificação com o mundo; por outro lado, a subjetividade da modernidade na perspectiva cartesiana e humana, bem como a revolução copernicana de Kant. Com isso, tem se em Hegel a busca pela superação do dualismo entre o subjetivo e o objetivo, ou, entre sujeito e objeto.  Superar o dualismo kantiano, para Hegel, é compreender que Kant separa fenômeno de coisa em si, retirando a necessidade e a universalidade da razão, promovendo um conhecimento formal e parcial, já que Hegel afirma que o conhecimento é a visão da totalidade. Nesse sentido, Hegel irá afirmar que o a priori kantiano não é possível, uma vez que o conhecimento em Hegel é resultado e não a busca da coisa em si que, segundo Kant, não é possível de ser conhecida, mas ao menos pode ser pensada.

[43] Gadamer lucidamente alude que não é a história que pertence a nós, mas nós que pertencemos à história.  Muito mais do que nós compreendemos a nós mesmo na reflexão, já estamos compreendendo de uma maneira auto-evidente na família, na sociedade e no Estado em que vivemos. A lente da subjetividade é um espelho deformante.  Como diz Gadamer, ‘quem pensa a linguagem já se movimenta para além da subjetividade. ” E não seriam o espírito de transgressão e a tendência ao isolamento/solipsismo inerentes aos pensadores que se pretendem originais?

Mas não é só. Para Lenio Streck, que cita voto proferido por um certo ministro que afirma não importar o que os doutrinadores pensam, “já como preliminar é necessário lembrar – antes mesmo de iniciar nossas reflexões no sentido mais crítico – que o direito não é (e não pode ser) aquilo que o intérprete quer que ele seja. Portanto, o direito não é aquilo que o Tribunal, no seu conjunto ou na individualidade de seus componentes, dizem que é”.

[44] Em 1999 aportou no Direito brasileiro uma verdadeira reviravolta hermenêutica através da obra de Lenio Streck, Hermenêutica Jurídica e (m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica da Construção do Direito. O conhecimento sobre o Direito não se orienta pelo sentido projetado pelas duas grandes reviravoltas que atingiram a filosofia durante o Século XX. Não há pois acesso direito aos objetos. O conhecimento das coisas do mundo depende, necessariamente, da mediação linguística.

[45] Busca-se, a partir dos preceitos firmados anteriormente, a máxima eficácia da relação processual visando seu resultado útil e, mormente, seu término com sentença definitiva (não terminativa, portanto) pacificando a relação contenciosa nos moldes preconizados pelo Estado Constitucional, mormente, pelos direitos fundamentais. Tais vertentes devem ser guiadas pela reconstrução interpretativa e argumentação jurídica com técnicas efetivas e idôneas para tutelar, desta maneira, o direito material ou o bem da vida.

[46] Nietzsche ultrapassa os pressupostos filosóficos da modernidade a partir, notadamente, da noção de vontade de potência como interpretação, do conferir a toda afirmação o estatuto de interpretação e da busca de uma nova linguagem para expressar seu pensamento. Recusamos, por isso, a afirmação de Habermas, em seu Discurso filosófico da modernidade, de que a Filosofia de Nietzsche estaria circunscrito à modernidade ao permanecer subsidiada por uma consciência temporal e pelo apelo à racionalidade.

É o fio condutor do corpo que Nietzsche propõe, em termos de interpretação, como medida das produções humanas. Efetivamente, ele entende a esfera de um sujeito somente como deslocamento, quer dizer, como crescendo ou diminuindo enquanto se esforça para ser mais. A sua introdução se deve a razões práticas, utilitárias, que visam à compreensão do vir-a-ser a partir de sua fixação.

Não há sujeito, mas sujeitos, quer dizer, o homem como multiplicidade de vontades de potência: “A hipótese de um sujeito unitário talvez não seja necessária”, escreve Nietzsche, e, na sequência, introduz no lugar da unidade a hipótese de uma multiplicidade, que passa a nortear a sua investigação acerca do homem: “talvez seja igualmente permitido admitir uma multiplicidade de sujeitos, cuja interação e luta entre si estejam na base do nosso pensamento e, em geral, da nossa consciência”

 

[47]  O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), ao ler o Tratado da Natureza humana de Hume, afirmou que este o havia “despertado do sono dogmático”, isto é, de sua crença inquestionável na metafísica clássica. Com isso dá início a uma crítica da razão teórica, ou seja, um estudo para determinar o que a razão pode ou não efetivamente conhecer.

O filósofo realiza uma verdadeira “revolução copernicana” na filosofia, estabelecendo que não é a realidade que determina nossa maneira de pensar, como Hume argumenta, mas que é nossa maneira de pensar que determina a realidade.

Através das formas a priori de sensibilidade (aquelas que existem antes da experiência) e dos conceitos a priori do entendimento, Kant demonstra que existem dois tipos de realidade: a) aquela que apreendemos através dos nossos “filtros” apriorísticos, os chamados fenômenos e b) a que é inapreensível à experiência e que Kant chama de noumeno. Sendo este noumeno ou “coisa-em-si o objeto da metafísica, então esta não é possível.

[48] O direito não é indeterminado ou incompleto para Dworkin, pois além do direito explícito, haveria princípios implícitos que mantêm coerência com o direito e apresentam melhor justificação moral. Nesta linha de raciocínio, o direito nunca seria incompleto ou indeterminado e não poderia o juiz aplicá-lo com discricionariedade.

[49] Nesse sentido vale a pena sublinha o art. 942 do CPC/2015 que no julgamento da apelação, do agravo de instrumento ou da ação rescisória, se não se obtiver a unanimidade, será este suspenso e, prosseguirá apenas com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possível inversão do resultado inicial, até então obtido antes da suspensão. O voto minoritário deixa de ser mera dissidência, mas uma efetiva posição que mereça uma análise por maior número de julgadores.

Portanto esse julgamento ampliado ou de um julgamento em etapas sucessivas que funcionará como espécie de confirmação do acórdão em determinadas hipóteses, causa especial estranheza visto que a ideia inicial era a redução de recursos.

DANOS MORAIS COLETIVOS: Turma destina indenização por dano moral coletivo a fundo de proteção da criança e do adolescente

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A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu sentença que condenou a KTX Calçados Ltda. a pagar indenização de R$ 50 mil, a título de danos morais coletivos, por ter desrespeitado normas de jornada de serviço e intervalos para alimentação e repouso. O valor será destinado a um fundo mantido pelo Município de Governador Valadares (MG) para a proteção de crianças e adolescentes, inclusive com o combate ao trabalho infantil.

O Ministério Público do Trabalho (MPT)ajuizou ação civil pública após constatar a submissão de empregados a jornadas superiores a dez horas diárias, sem o devido intervalo para repouso e com registro de ponto não correspondente à realidade. A KTX, em sua defesa, sustentou ser descabida a indenização, por entender que a ofensa a direito trabalhista individual não afeta a coletividade.

O argumento da empresa, no entanto, foi refutado pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Governador Valadares, que julgou procedente a ação e fixou a indenização em R$ 50 mil. Como o MPT solicitou o repasse do valor ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou a entidade assistencial, o juiz destinou a quantia para o Instituto Nosso Lar, responsável por projetos sociais naquela cidade.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) absolveu a empresa da indenização, acolhendo. Segundo o TRT, as violações aos direitos dos empregados ocorreram, porém não houve ofensa à moral e aos valores da coletividade. Por outro lado, o Regional manteve a decisão de primeiro grau que determinou à KTX Calçados obediência à legislação sobre jornada de trabalho e intervalos de descanso.

TST

A relatora do recurso do Ministério Público ao TST, ministra Kátia Magalhães Arruda, identificou o dano moral coletivo, porque as normas de proteção da jornada se relacionam com interesses da coletividade, como a segurança e a saúde do trabalhador. Ela restabeleceu a indenização, mas alterou sua destinação para o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente de Governador Valadares, do qual o Ministério Público participa.

O objetivo da mudança, explicou, é apoiar o combate ao trabalho infantil, a educação e a profissionalização de adolescentes e a proteção dos direitos trabalhistas e sociais.  A mudança da destinação da verba teve fundamento no artigo 88, inciso IV, da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que prevê a manutenção de fundo municipal dentre as diretrizes da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

FAT

Apesar de a jurisprudência predominante do TST indicar o Fundo de Amparo ao Trabalhador como destino das indenizações por dano moral coletivo, Kátia Arruda defende que, nesse caso, o FAT não é o caminho mais adequado porque serve a diversos fins, inclusive o financiamento de programas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo a ministra, essa amplitude de finalidades não condiz com o artigo 13 da Lei 7.347/85, que orienta o uso dos valores obtidos por meio de ação civil pública na reconstituição do bem lesado. Processo: RR-927-68.2011.5.03.0099


FONTE: TST, 05 de janeiro de 2016.

DIREITO DE AÇÃO: Mandado de segurança pode ser usado para contestar decisão sem fundamento jurídico

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Mandado de segurança, uma ação usada para garantir um direito líquido e certo, pode ser utilizado também para contestar decisão judicial manifestamente ilegal ou sem fundamento jurídico. A decisão unânime foi tomada pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar uma disputa entre a Caixa Econômica Federal (CEF) e uma empresa em dificuldades financeiras.

Em 2013, a CEF fez um acordo de renegociação da dívida de uma empresa de biotecnologia, devedora do banco, que então passava por dificuldades financeiras. A empresa tinha dois empréstimos junto à Caixa. Pelo acordo, a Caixa foi autorizada a bloquear os recursos na conta corrente da empresa na data do vencimento do pagamento, caso a dívida não fosse paga.

Meses após firmar o acordo com a Caixa, a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central de São Paulo.  A solicitação foi aceita, mas a Caixa, como credora da empresa, não foi informada da decisão. A Caixa recorreu então ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), alegando que não havia sido consultada no processo de recuperação judicial. O TJSP não aceitou os argumentos da Caixa, que recorreu ao STJ.

No julgamento na Quarta Turma do STJ, o ministro Raúl Araújo considerou “teratológico” (sem fundamentação jurídica) o ato da 2ª Vara de Falências de não ouvir a Caixa no processo de recuperação judicial da empresa. No voto, o ministro salientou o entendimento já firmado pelo STJ (Súmula nº 202) de que mandado de segurança é um instrumento jurídico que pode ser usado contra decisão judicial manifestamente ilegal.


 

FONTE: STJ, 05 de janeiro de 2016.

DIREITO DO CONSUMIDOR: Segunda Turma determina que anúncio em TV a cabo informe preço e forma de pagamento

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A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou decisão da Justiça do Rio de Janeiro para que uma empresa que anuncia produtos em um canal de televisão a cabo divulgue o preço e a forma de pagamento.

A ação civil pública foi proposta pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro contra empresa que oferecia seus produtos em um canal de TV fechada sem informar o preço e a forma de pagamento. Esses dados só eram informados quando o consumidor ligava para a central de atendimento da empresa, numa chamada tarifada, independentemente de comprar ou não o produto.

A empresa alegou que não houve violação à legislação e que seguiu as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), organização não-governamental que tem por objetivo impedir que a publicidade abusiva ou enganosa cause prejuízos ao consumidor ou anunciante.

O juízo de primeiro grau aceitou os argumentos da Comissão de Defesa do Consumidor e condenou a empresa a informar o preço e a forma de pagamento. O juiz fixou uma multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão. Inconformada, a empresa recorreu, mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença de primeira instância.

A empresa então acionou o STJ. Na análise do caso, os ministros da Segunda Turma aprovaram, por unanimidade, o voto do ministro Humberto Martins, que destacou o direito à informação como garantia fundamental expressa na Constituição Federal.

O ministro salientou ainda que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) traz, entre os direitos básicos, a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam”.

“O caso concreto é exemplo de publicidade enganosa por omissão, pois suprime algumas informações essenciais sobre o produto (preço e forma de pagamento), as quais somente serão conhecidas pelo consumidor mediante o ônus de uma ligação tarifada, mesmo que a compra não venha a ser concretizada”, justificou Humberto Martins.


FONTE: STJ, 06 de janeiro de 2016.