Home Blog Page 52

A força jurídica dos preâmbulos das constituições

0

Autora: Gisele Leite

Apesar de nem todas as constituições possuírem preâmbulo posto que nem seja elemento obrigatório para sua plena eficácia e para cumprir suas naturais funções[1].

A palavra preâmbulo na forma latina praembulus tem sentido de “que vai adiante”. Onde o prefixo “prae” significa antes, ante ou diante, por causa de, e o “ambulus” significa andar, caminhar, passear ou transitar. Portanto, conclui-se que prae+ ambulo significa “o que caminha antes”.

De qualquer forma deve servir de guia para os intérpretes e executores da lei constitucional, principalmente quando diante de obscuros, ambíguos ou lacunosos teores que necessitem de aclaramento.

É comum que os textos fundamentais venham normalmente precedidos de um teor preparatório que cumpre a tarefa de introduzir solenemente os ditames constitucionais propriamente ditos.

Os preâmbulos passaram a existir desde os primórdios do constitucionalismo moderno, a começar pela Constituição dos EUA, com destaque para a Constituição de Virgínia de 1776, a Constituição norte-americana de 1787[2] e pela Constituição francesa de 1791.

A Convenção de Filadélfia também conhecida como Convenção Constitucional possuía comovente preâmbulo, fora uma reunião ocorrida entre 25 de maio a 17 de setembro de 1787 para resolver problemas nos EUA, após a independência do Reino Unido da Grã-Bretanha.

Convocada a Convenção da Filadélfia, que, em 1787, aprovou a primeira Constituição (jurídica e escrita) no sentido moderno do termo, aliás, a primeira e única constituição escrita que os EUA, como nação independente e soberana, que tiveram. Além disso, também por força do pacto constituinte de 1787, foi criada a primeira República Federativa e presidencialista no âmbito da evolução político-institucional da humanidade.

Apesar disso, fica o registro de que a Constituição americana de 1787 não fora o resultado de uma decisão prévia e planejada, mas sim, a forma encontrada pelos integrantes da Convenção da Filadélfia para resolver um problema concreto e imediato, qual seja, o da estruturação e organização interna do poder.

Desta forma, considerando que o texto aprovado pela Convenção de 1787 foi, antes de entrar em vigor (o que veio a ocorrer em julho de 1788), submetido a um processo de ratificação pelos Estados que integravam a antiga confederação e que, portanto, renunciaram à sua soberania, é necessário destacar a importância, para tal ratificação, dos escritos de Alexander Hamilton James Madison e John Jay, publicados na imprensa de Nova York, entre outubro de 1787 e maio de 1788, sob o título de “O Federalista”, e que, juntamente com outras contribuições de destaque, ajudaram a formar, no seu conjunto, não apenas o substrato e a justificação teórica da nova ordem constitucional, mas também para a evolução constitucional posterior.

No caso brasileiro quase todas as nossas constituições foram acompanhadas de preâmbulo[3]. Jorge Bacelar Gouveia citado por Sarlet, Marinoni e Mitidiero aduz: “os preâmbulos de qualquer obra literária ou artística, estão antes e, por isso, não fazem parte do enredo que se vai relatar”.

A alta incidência do uso dos preâmbulos revela, por sua vez, que sua função não é (pelo menos não em todos os casos) meramente simbólica, ainda que não se atribua a força normativa própria, poderá se tratar de um momento privilegiado para o constituinte formular espécie de síntese e mesmo expressar quais valores e/ou a noção de direito e de justiça subjacente ao texto constitucional.

É verdade que a mensagem preambular informa de forma objetiva e prioritária que somos uma sociedade pluralista, fraterna e solidária em contraponto a uma sociedade monista, cujo Estado seja centralizador, ditatorial, arbitrário e opressor das liberdades públicas.

Esclarecendo ainda que o Brasil é um Estado de Direito, ou seja, onde as leis definem a autonomia e funcionamento do Brasil, que tem como forma de governo a república, sendo ainda uma federação como forma de estado, onde os Estados, Municípios e Distrito Federal estão unidos de forma indissolúvel.

É de conteúdo variável mas em sua grande maioria são caráter introdutório que acena com posturas valorativas, convicções, motivações e ideologias, de modo que se pode cogitar em notas filosóficas tecendo fragmentos de religião civil conforme lecionou Häberle[4] citado por Sarlet, Marinoni e Mitidiero[5].

Nesse diapasão os preâmbulos trazem esclarecimentos importantes sobre as circunstâncias e razões que justificam a normatização constitucional e também a explicação sobre a legitimidade, além de situarem a constituição no contexto da tradição jurídica, expondo os enunciados objetivos e promessas.

A legitimação democrática do processo constituinte está explícita no preâmbulo da vigente constituição brasileira e ainda a razão de ser do ato constituinte que é estabelecer o Estado Democrático de Direito que foi objeto solene referência.

O Estado de Direito como foi expressamente enunciado no preâmbulo que expõe a tábua de valores, assegurando o exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça[6] como canones supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e despida de preconceitos.

O Estado Democrático de Direito é, por sua vez, fundado na harmonia social e assume o compromisso (na ordem interna e internacional) com a solução pacífica das controvérsias.

Fechando o preâmbulo não obstante sermos um Estado laico, há a invocação de Deus[7] que à exceção das constituições de 1891 e 1937 sempre e de algum modo se fez presente nos preâmbulos das anteriores constituições brasileiras.

Já na fase inaugural do preâmbulo da Constituição Imperial de 1824 restou registrado que Dom Pedro I promulgou a Constituição “por graça de Deus”, na Constituição de 1934 “na confiança de Deus”, mas a própria origem do ato constituinte não foi atribuída à Deus[8] o que se repetiu nas constituições de 1946, 1967-1969 que a própria Assembleia Constituinte invocou a proteção divina.

A contradição em termos pelo fato do Estado estar fundado na separação entre a Igreja e o Estado não foi considerado um problema relevante. Porém, há quem enxergue nesta invocação aspectos positivos, desde que esta não resulte na erosão do Estado laico[9] e no tratamento preferencial de uma confissão religiosa, ou na prática de tolerância de discriminações em razão de religião ou credo, visto que o vínculo com Deus aponta para uma consciência e reconhecimento de que o Estado sendo uma obra humana, é limitado quanto ao seu poder e a sua atuação tem por fim a realização existencial humana.

A indagação a respeito da força jurídica das disposições contidas nos preâmbulos, não sendo possível dentro da evolução constitucional e do direito constitucional comparado, haver uma única resposta, sendo diversas alternativas. E, as possibilidades vão desde irrelevância jurídica até o reconhecimento simbólico, político, indo até a atribuição de eficácia jurídica direta e até mesmo similar às das demais normas constitucionais contidas no corpo permanente da lei fundamental.

Na primeira hipótese o preâmbulo possuiria valor meramente político ou mesmo moral, assumindo cunho propedêutico, de simples declaração, mas sem implicar qualquer vinculação no plano jurídico.

Apesar dessa compreensão, a tendência que verifica é a de atribuição de alguma força jurídica aos preâmbulos, destacando-se, neste contexto três alternativas:

  1. a) força jurídica meramente legal portanto inferior à constituição[10];
  2. b) força jurídica constitucional direta;
  3. c) força jurídico-constitucional indireta[11].

No direito comparado é possível referir-se aos casos da Alemanha e França. No primeiro caso, o preâmbulo da Constituição de Weimar (1919) não tenha tido, por força da orientação dominante, sua relevância jurídica reconhecida, no âmbito da Lei Fundamental de 1949, o Tribunal Constitucional Federal e também expressiva doutrina atribuem eficácia direta ao preâmbulo, todavia não no sentido de ser fundamento autônomo para dedução de posições jurídicas (deveres concretos ou direitos subjetivos) mas servindo de parâmetro interpretativo para a aplicação do direito infraconstitucional; e para o controle de constitucionalidade.

A decisão a favor da democracia adotada pelo povo alemão em virtude de sua existência política encontra expressão no preâmbulo (“O povo alemão estabeleceu para si esta Constituição”).

No caso da França, o preâmbulo[12] é considerado parte integrante do texto constitucional e do assim denominado bloco constitucional ou de constitucionalidade juntamente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão[13], de 1789, e do Preâmbulo da Constituição de 1946 operando a orientação pelo Conselho Constitucional, servindo de parâmetro do controle de constitucionalidade das leis.

No Brasil, o valor jurídico do preâmbulo segue mobilizando a doutrina embora na esfera jurisprudencial do STF tenha negado[14] tal valor refutando o seu caráter normativo e força obrigatória.

A decisão do STF partiu da premissa de que apenas os princípios contidos no bojo da Constituição Federal possuem força normativa própria[15].

Em julgado do HC 94163, DJ 23/10/2009 o STF pontificou que no âmbito da interpretação e aplicação, os valores e objetivos expressos no preâmbulo servem se invocados de reforço argumentativo mas sempre em conjunção com os preceitos normativos do texto principal da Lei Magna. Constata-se que majoritariamente em doutrina admite-se a eficácia normativa indireta e não autônoma.

Vital Moreira e Canotilho concordam que: “O preâmbulo não é juridicamente relevante”. Faz parte do documento constitucional e foi aprovado juntamente com a constituição. O seu valor jurídico é, no entanto subordinado. Funciona como elemento de interpretação e, eventualmente de integração das normas constitucionais.

Os constitucionalistas portugueses referem-se à intenção socialista presente na Constituição Portuguesa de 1976 que deixou de encontrar correspondência no texto constitucional desde a segunda revisão constitucional ocorrida em 1989, porém, os intérpretes lusitanos não são partidários da posição doutrinária da irrelevância jurídica do preâmbulo.

Pelo contrário, sustentam que não é juridicamente irrelevante, fazendo parte do documento constitucional tanto que fora aprovado juntamente com a Constituição. Também são contrários a qualquer procedimento revisor do preâmbulo posto que seja uma certidão de origem, um título de legitimidade e um bilhete de identidade, sem o que não teria sentido passar por novação constitucional.

Sarlet e Marinoni partilham que o valor normativo do preâmbulo não pode ser pura e simplesmente enquadrado num único modelo, considerando a própria heterogeneidade de seus enunciados, seja por sua função, seja em razão a sua maior ou menor densidade normativa.

Uadi Lammêgo Bulos destaca que o preâmbulo não possui eficácia normativa, não vale como norma jurídica, mas possui inegável importância como vetor interpretativo sendo utilíssimo para se entender as linhas gerais da manifestação constituinte originária. No preâmbulo o constituinte declara tudo que se pretende na Constituição, mas não deve ser tomado isoladamente.

Embora que para os defensores de sua normatividade apontem no preâmbulo o espírito da constituição, com a missão de estabelecer o seu roteiro básico, sendo princípio norteador na captação semântica das expressões e terminologias utilizadas nas disposições constitucionais.

Mas no preâmbulo apesar de ausente o caráter normativo, reconhece-se que lá residem princípios diversos bem como valores e objetivos formulados pelo constituinte que em grande parte reproduzidos pelo menos em similar normatividade do que àquela atribuída aos princípios contidos na parte permanente da constituição.

O caráter subsidiário desses princípios decorrentes de estarem sediados no preâmbulo não poderia retirar-lhes sua força jurídica, inclusive como parâmetro de controle de constitucionalidade e mesmo com a eficácia derrogatória da norma anterior e incompatível com seu sentido.

Também não importa em negar-lhe força jurídica direta[16], já que exista a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade de disposição legal com base no preâmbulo implica na extração de efeitos pela jurisdição.

No Brasil em face do caráter analítico da constituição e, ainda pelo fato de praticamente todas as disposições (especialmente os valores e objetivos nestas mencionados) firmarem a reprodução direta ou indireta no corpo constitucional, verifica-se que uma posição mais tímida, reservando ao preâmbulo um papel menos central, é sustentável, mas não constitui a única alternativa disponível.

Apesar da decisão da Suprema Corte brasileira, não havemos de consentir que seja o preâmbulo mero ornato apenas compondo formalmente o texto constitucional. Reduzi-lo a mero enunciado ideológico seria transformá-lo numa fórmula vazia e nula, o que seria inconcebível principalmente por ser cláusula emanada do Poder Constituinte.

Tendo o STF reconhecido sua força interpretativa do para as demais normas constitucionais. Pois enfim, o preâmbulo representa uma síntese sumária dos grandes fins da Constituição.

________________

Referências:

AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 42.ed. São Paulo: Ed. Globo, 2002.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 9.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da república portuguesa anotada. 3.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993.

COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 2.ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2003.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas, 1990.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Alberta dos Intérpretes da Constituição. Contribuição para a Interpretação Pluralista e Procedimental da Constituição. Trad. de Gilmar F. Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997, 2002.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara, 1934, v.1.

_____________________________________ Comentários à Constituição federal de 10 de novembro de 1937. Rio de Janeiro: Pongetti, 1938. v.1.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. v.4 Coimbra: Coimbra Editora, 1994.

PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais: elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2000.

SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G. Bittencourt; MITIDIERO, Daniel F. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6.ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 10.ed. são Paulo: Ed. Malheiros, 1993.

NOTAS

[1] Nelson Nery e Rosa Maria Nery resumiram como funções do preâmbulo em três níveis: a de síntese, pois resume uma política de decisão fundamental do povo, chefe do Poder Constituinte. A segunda função é a de afirmação ideológica já que explicita os princípios fundamentais do perfil ideológico de determinado regime político. E, o terceiro engloba uma função simbólica opaca e que se converte em fator de integração nacional, pois revelam o sentimento do povo representado pelo Poder Constituinte.

[2] Lê-se o preâmbulo da Constituição norte-americana: “Nós, o povo dos Estados Unidos, para formar uma União mais perfeita, estabelecer a justiça, garantir tranquilidade doméstica, fornecer para a defesa comum, promover o bem-estar geral e seguro as bênçãos da liberdade para nós mesmos e nossa posteridade, ordenar e estabelecer esta Constituição para os Estados Unidos da América.”.

[3] O preâmbulo significa uma diretriz geral, carta de intenções para melhor compreensão da Lex Mater. É uma proclamação de princípios, porém não possui força normativa, sendo despido de qualquer obrigatoriedade. Seu objetivo foi assegurar valores supremos: direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, igualdade e justiça.

[4] Peter Häberle estudou direito em Tübingen. Bonn, Freiburg im Breisgau e Montpellier. Há uma interessante entrevista dada pelo jurista alemão, vide em: http://www.conjur.com.br/2011-mai-29/entrevista-peter-haberle-constitucionalista-alemao onde aliás revelou ser um admirador de nosso STF e do ministro Gilmar Mendes que é um constitucionalista líder no Brasil.

[5] Para Peter Häberle, os preâmbulos são pontes no tempo, exteriorizando as origens, os sentimentos, os desejos e as esperanças que palmilharam o ato constituinte originário.

[6] Da leitura do preâmbulo podemos destacar os princípios-mestres da constituição brasileira que são: liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça.

[7] Bulos entende que o Deus citado nas constituições de quase todo mundo refere-se a um Deus ecumênico, irrestrito, não pertencendo a esta ou àquela religião em particular. Há os que afirmem que a invocação à divindade é garantia constitucional de liberdade de expressão religiosa, conforme bem determina o art. 5º, inciso VI da CF/1988.

[8] No máximo com seu preâmbulo estabelece-se de que o Brasil é um estado teísta, que defende a existência de Deus, sem pender para qualquer lado. O fato mereceu a ADI por omissão de 2076 movida em face do Estado do Acre, por meio do Partido Social Liberal, pelo motivo de não ter este Estado, no preâmbulo de sua Constituição mencionado a palavra Deus. Não obstante os fundamentos lançados pela inconstitucionalidade por omissão eventualmente realizada pelo Estado do Acre, o STF por unanimidade decidiu que tal omissão não ofendia o princípio da parametricidade, eis que da palavra Deus não se retiraria qualquer princípio central inerente à CF, restando completamente respeitados, tanto o art. 25 da CF quando o art. 11 dos ADCT.

[9] Apesar de o Brasil ser um Estado leigo posto que com a Proclamação da República, o país deixou expressamente de adotar qualquer religião oficial, de modo que desde então, todas as demais Constituições brasileiras não mais ousaram reduzir liberdades em razão de crença religiosa, sendo certo que apenas duas constituições brasileiras não mencionaram a palavra “deus” em seu preâmbulo, que foi a Constituição republicana de 1891 e a chamada Constituição Polaca (a de 1937).

[10] Kelsen em sua clássica obra “Teoria Geral do Direito e do Estado” apontou que o preâmbulo é uma solene introdução que expressa as ideias políticas, morais e religiosas que a constituição pretende promover. Mas não estipula quaisquer normas definidas para a conduta humana e, assim, carece de conteúdo juridicamente relevante. Possuindo antes um caráter mais ideológico do que jurídico.

[11] Sobre a natureza jurídica do preâmbulo existem três posicionamentos doutrinários: a) a tese da irrelevância jurídica (portanto situa-se no domínio da política); b) tese da plena eficácia (tem a mesma eficácia que qualquer outro dispositivo da constituição); c) a tese da relevância jurídica indireta (que é uma posição intermediária, pois reconhece o preâmbulo integra o texto constitucional, mas não tem força normativa, apesar de vir do mesmo poder constituinte originário que elaborou a Lei Maior).

[12] O preâmbulo da Constituição francesa de 1958(a quinta republicana) declarou: “O povo francês proclama solenemente sua adesão aos Direitos Humanos e aos princípios da soberania nacional tais como foram definidos pela Declaração de 1789, confirmada e complementada pelo Preâmbulo da Constituição de 1946 e os direitos e deveres como definidos na Carta para o Meio Ambiente de 2004. A Constituição francesa não exibe um catálogo de direitos humanos. Havendo previsão em outros textos e fora do bojo constitucional.

[13] DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS – Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum; Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão; Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações; Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades; Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso.

[14] Quando o guardião da Constituição optou por retirar do preâmbulo sua força normativa, realizando notória diferenciação entre texto de lei e a norma, em nada prejudicou os direitos e garantias fundamentais, que já constam de forma pródiga no bojo da Constituição. Reconheceu o STF que o preâmbulo não tem força normativa, não podendo servir de parâmetro ao controle de constitucionalidade, seja via de ação ou por via de exceção.

[15] O conteúdo do preâmbulo não tem propriamente relevância jurídica, não cria direitos ou obrigações, não vigendo qualquer espécie de cogência, contudo serve como diretriz interpretativa das normas constitucionais, em face dos objetivos e finalidades constitucionais vigentes. Possui valor simbólico por refletir a crença do povo brasileiro, dessa forma transcende a pura análise técnica da questão.

[16] O STF já expressamente reconheceu que não possível conviver com duas Constituições num mesmo país, pois cada uma exterioriza uma ideia própria de Direito e uma concepção político-ideológica de mundo (com exceção do art. 34, caput do ADCT da CF/88 que conferiu vigência parcial da eficácia temporal de alguns dispositivos da CF/1967). Conclui-se então que enquanto o preâmbulo não possui força normativa conforme confirma a jurisprudência do STF, o ADCT tem natureza de norma constitucional contendo portanto obrigatoriedade.

Sem participação da OAB, qualquer fase de concursos do Ministério Público é nula

0

Uma nova norma publicada pelo Conselho Nacional do Ministério Público reconhece como obrigatória a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases de concurso para ingresso no MP, inclusive na fase de recursos. Em caso de descumprimento, serão consideradas nulas “todas as fases posteriores à comprovada ausência de participação”, conforme o Enunciado 11, publicado na terça-feira (31/1).

O texto foi aprovado pelo Plenário do colegiado em dezembro, em breve análise. O conselheiro Sérgio Ricardo fez apenas a ressalva de que a medida só vale quando candidatos apresentarem questionamento à banca, e não nos eventuais recursos ao próprio Ministério Público. Em concursos da magistratura, a participação da Ordem foi reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça em 2013.

Outra norma também publicada no dia 31 (Recomendação 49) proíbe que representantes do MP assinem posteriormente presença em plantões, audiências judiciais e sessões de órgãos da administração superior, “especialmente quando tais ocorrências gerarem qualquer forma de compensação financeira ou no trabalho”. As corregedorias de todos os ramos do Ministério Público devem fiscalizar ausências injustificadas em atos com presença obrigatória.

A Resolução 155/2016 fixa diretrizes para a organização e o funcionamento do regime de plantão ministerial nas unidades do Ministério Público da União e dos MPs estaduais, enquanto a Recomendação 48/2016 sugere parâmetros para a atuação do MP no controle do dever de gasto mínimo em saúde.

Já a Resolução 154/2016 trata da atuação dos membros do MP na defesa dos direitos fundamentais das pessoas idosas residentes em instituições de longa permanência. Segundo o texto, promotores que acompanham o tema devem inspecionar asilos pessoalmente, pelo menos uma vez por ano. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNMP.

FONTE:  CONJUR, 03 de fevereiro de 2017.

Reforma da Previdência tem tramitação questionada no STF

0

Um grupo de 28 deputados federais ingressou com Mandado de Segurança (MS 34635), no Supremo Tribunal Federal (STF), para questionar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que trata da Reforma da Previdência.

Os parlamentares sustentam que a proposta foi enviada pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados, em 5 de dezembro do ano passado, sem que fosse acompanhada de estudo atuarial prévio para atestar a necessidade de mudanças na legislação, condição que alegam ser necessária para a alteração dos Regimes  Próprio e Geral, conforme exigência dos artigos 40 e 201 da Constituição Federal e do artigo 1º da Lei 9.717/1998. Acrescentam que também não houve discussão prévia e aprovação colegiada do Conselho Nacional de Previdência Social, com participação dos trabalhadores, requisito previsto no artigo 10 da Constituição e nos artigos 3º, 4º e 5º da Lei 8.213/1991.

Alegam que a proposta já foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara “em tempo recorde” e que agora está sob responsabilidade da Comissão Especial destinada a proferir parecer técnico à PEC 287/2016. “Ao contrário do mero aperfeiçoamento das regras existentes, trata-se de agravamento das condições para aposentadorias e pensões, direito social e fundamental de cada cidadão brasileiro, daí que as formalidades para seu protocolo e tramitação são imprescindíveis”, afirmam os deputados.

O mandado de segurança se volta contra ato do presidente da República quanto ao envio da proposta sem estudo atuarial e sem ouvir o Conselho Nacional de Previdência Social; contra ato do presidente da Câmara consubstanciado em suposta omissão quanto às inconstitucionalidades alegadas; da Comissão de Constituição e Justiça, que resultou na aprovação da admissibilidade da proposta “sem que ela obedecesse aos requisitos formais de apreciação”; e do presidente da Comissão Especial, órgão responsável pela próxima etapa da apreciação da proposta.

Os parlamentares pedem a concessão de liminar para suspender a tramitação da PEC 287 até o julgamento final do mandado de segurança. No mérito, o MS requer a nulidade da aprovação do parecer de admissibilidade pela CCJC da Câmara e que se determine à Presidência da República o envio de mensagem modificativa à proposta com a apresentação de documento que comprove aprovação pelo Conselho Nacional de Previdência Social, bem como do estudo atuarial que confirme as mudanças exigidas no projeto. Por fim, que se determine que os presidentes da Câmara dos Deputados e da Comissão Especial se abstenham de dar seguimento à proposição enquanto tais documentos não forem apresentados.

O relator da ação é o ministro Celso de Mello.


FONTE: STF, 15 de fevereiro de 2017

CONLUIO: Acordo prejudicial a empregado que teve advogado pago pelo empregador foi anulado

0

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que desconstituiu a sentença homologatória de acordo firmado entre a América Latina S.A. – Distribuidora de Petróleo e um motorista de carreta. Segundo o relator, ministro Alberto Bresciani, o acordo não condizia com a vontade do empregado, pois foi patrocinado por advogado indicado pela empresa.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) julgou procedente a ação rescisória ajuizada pelo trabalhador, por entender que houve vício de consentimento. No recurso para o TST, a empresa sustentou que a decisão do TRT se baseou “apenas em indícios”, e que houve má valoração das provas do processo.

Conluio

De acordo com o relator, porém, o que se verificou foi um conluio entre a empresa e o advogado que representou o trabalhador, visando à quitação do contrato de trabalho perante o Judiciário. Documentos e testemunhas demonstraram que a empresa tinha por hábito indicar o advogado para que seus empregados postulassem a rescisão do contrato na Justiça do Trabalho. Uma delas disse que foi orientada a não questionar o acordo perante o juiz, pois “poderia levar até dez anos para receber o seu FGTS e as outras parcelas rescisórias”.

Segundo o ministro Bresciani, os depoimentos corroboraram os fatos narrados pelo trabalhador, deixando claro que o acordo não condizia com a sua vontade e foi realizado, na verdade, à sua revelia. E, segundo o artigo 485, inciso VIII, do CPC de 1973, o vício de consentimento justifica a sua anulação.

Por maioria, a SDI-2 manteve a decisão regional que determinou o corte rescisório da sentença. Ficou vencido oministro Vieira de Mello Filho.

Processo: RO-5028-21.2013.5.09.0000


 

FONTE: TST, 16 de fevereiro de 2017.

 

 

Mulher foi autorizada a trocar nome de registro por nome social

0

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso interposto por uma mulher que pleiteava a mudança do prenome com que foi registrada, por ser conhecida em seu meio social e familiar, desde a infância, por um nome diferente.

Na ação, a autora alegou que, apesar de seu prenome não ser por si só motivo de constrangimento, a situação lhe causava embaraços no dia a dia, por gerar desconfiança e insegurança nas pessoas e em locais que frequenta.

Na origem, o pedido foi rejeitado pelo fato de a recorrente ter solicitado a mudança fora do prazo previsto em lei e também porque o juízo entendeu que o prenome, aparentemente, não era suscetível de expor a pessoa ao ridículo.

Segundo o artigo 57 da Lei 6.015/73, que dispõe sobre registros públicos, o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família.

Flexibilidade

Em seu voto, o ministro relator do recurso no STJ, Marco Buzzi, ressaltou que o tribunal, com amparo na doutrina acerca do tema, tem adotado postura mais flexível em relação ao princípio da imutabilidade ou definitividade do nome civil, pois cada caso precisa ser analisado individualmente.

“O ordenamento jurídico, além das corriqueiras hipóteses de alteração de nome – tais como exposição ao ridículo, apelido público, adoção, entre outras –, tem admitido a alteração do prenome quando demonstrada a posse prolongada pelo interessado de nome diferente daquele constante do registro civil de nascimento, desde que ausentes quaisquer vícios ou intenção fraudulenta”, afirmou o ministro.

No caso em julgamento, assinalou Marco Buzzi, o pedido de alteração se devia justamente à posse prolongada e ao conhecimento público e notório de nome diferente do registro civil.

“Nos casos em que não se vislumbra vício ou intenção fraudulenta, orienta a doutrina que a posse prolongada do prenome é suficiente para justificar a alteração do registro civil de nascimento, visto que faz valer o direito da personalidade do indivíduo e reflete sua vontade e integração social”, concluiu o magistrado.


FONTE: STJ, 16 de fevereiro de 2017.

O advogado na mediação

0

Autores: Gisele Leite, Edivaldo Alvarenga Pereira.

É sabido que o advogado é indispensável à mediação e, a Constituição brasileira vigente ainda determina que o advogado seja indispensável à justiça. De maneira que se revela proveitosa a reunião do mediador com os advogados das partes quando se relembra que as leis brasileiras e particularmente o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil preconiza expressamente a colaboração dos advogados no procedimento de mediação ou conciliação (art. 26 da Lei 13.140/2015).

Outro fato relevante é quando ocorre de um dos mediandos estar acompanhado de seu advogado e, o outro mediando não. Quando cumpre ao mediador decidir, se poderá ou não dar prosseguimento, mas somente quando houver o equilíbrio entre as parte não se observando a instauração de vantagem entre estes, caso contrário, deverá o mediador suspender a mediação e, aconselhar a parte desassistida e desacompanhada a procurar a Defensoria Pública, ou então, constituir advogado.

Sabemos que o conflito humano é realmente inevitável e, o tempo só veio adicionar maior complexidade a teia estratégica das relações humanas, o que faz com que a controvérsia, a lide e litígios aumentem assombrosamente.

Segundo dados informados pelo Conselho Nacional de Justiça no Brasil, o nível crescente de litígios registrou em 2012 o total de 28.200.000 de novas ações comparado com que antes era registrado ainda em 1988 que era de 350.000.

Ressalte-se que não é exclusividade brasileira, pois diversos países no mundo já registraram também o exorbitante crescimento dos conflitos judiciais.

Analisando criticamente os principais fatores propulsores de tamanha litigiosidade, observa-se a insegurança jurídica diante a prolífera legislação brasileira e a dificuldade de se obter sua aplicação de forma bem-sucedida; há, ainda, a privatização de serviços públicos e também o progresso bancário e mercantil e de diversos setores da economia pátria.

Aliado também ao aumento real do salário mínimo e os programas de distribuição de renda que majoraram o poder de compra de milhões de cidadãos, que se tornaram ativos consumidores do mercado brasileiro.

A cultura moderna consolidou a crença de que a melhor forma de solução de conflitos é a oferecida pelo Estado, pelo Judiciário, através do magistrado e dentro da dialética do processo judicial tendo regras e princípios determinados, o que já fora objeto de discurso no STF na posse da Presidência da mais alta corte judiciária no Brasil.

Houve a franca advertência de que há de se debelar a cultura judicialista que se estabeleceu no Brasil, segundo a qual todas as questões precisam passar pelo crivo do Judiciário para serem resolvidas.

O notório e estrondoso abarrotamento do judiciário pátrio torna tormentosa a busca pelo ideal de justiça que não mais significa dar a cada um, o que é seu, mas atender aos jurisdicionados dentro da propalada duração razoável do processo.

Pois em priscas eras, Rui Barbosa já advertira: “Justiça tardia é justiça nenhuma”.

Diversos esforços empreendidos pelo poder público foram efetivados, desde as sucessivas reformas do CPC de 1973, até mesmo a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais visando-se com celeridade e eficiência atender a reticente cidadania dos jurisdicionados.

Ainda no contexto evolutivo, entrou em vigor recentemente o neoprocessualista Código de Processo Civil de 2015, em 18 de março de 2016 trazendo diversas inovações para se debelar a cultura adversarial e, buscar a justiça restaurativa e a cultura da paz através da mediação e conciliação (além de também prevista a remodelada Lei de Arbitragem pela Lei 13.129/2015[1]).

É preciso destacar que o advogado, nesse contexto, possui um papel diferenciado podendo ser facilitador para se obter o melhor resultado que possível e, ainda, o mais célere, pois com o diálogo cooperativo é possível encontrar a solução conjunta e consensual, dirimindo os problemas e, concorrendo para o deslinde do procedimento.

Lembremos que o Código de Ética e Disciplina da OAB[2] prevê em seu artigo 2°, inciso VI que dentre os deveres do advogado está “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios”.

Em termos metafóricos “não se deve tentar apagar o incêndio com um balde de gasolina”. Atente-se também que é relevante o dever de urbanidade principalmente devido ao cross examination permitido expressamente pelo CPC de 2015, assim poderá inquirir, ou mesmo, solicitar esclarecimentos diretamente dos sujeitos do processo, sejam as partes, as testemunhas, peritos ou terceiros.

Os mecanismos de solução de conflitos podem ser classificados em dois grupos, a saber: os autocompositivos, com características cooperativas e dialógicas e, os heterocompositivos, com características decisórias. Mas, ressaltando que nem sempre os métodos heterocompositivos se valem de poderes decisórios para providenciar a adequada solução dos conflitos de interesses.

Nesse segundo grupo figuram a arbitragem, que possui natureza voluntária e incidente sobre os direitos disponíveis e a jurisdição estatal, de submissão compulsória.

A referida diferenciação nos conduz a uma figura idealizada e didática chamada de Pirâmide da Solução de Conflitos[3], cuja indicação implica em afirmar que todo conflito só se resolve de forma terminativa por um único mecanismo, apesar de que podem ocorrer outros, durante o processamento do conflito, que tem em sua base a negociação, passando depois pela mediação, conciliação e arbitragem e, no topo está o Poder Judiciário que prima em ser o guardião da solução das controvérsias, além de ser o único que pode coercitivamente dar eficácia às decisões originárias diante dos demais métodos.

Ao percorrermos da base até o topo da referida Pirâmide[4], com o uso da sucessão de mecanismos, majora-se sensivelmente a intervenção de terceiros alheios ao conflito, robustece-se o formalismo, agravando-se a litigiosidade e, o processo então tende a se tornar penosamente mais duradouro e menos eficaz.

A mediação é, pois, instituto caracterizado pela não adversidade, além de se peculiarizar pela voluntariedade, imparcialidade, independência e sigilo.

A intervenção do mediador que é solicitada e aceita pelas partes, demonstra claramente que é um terceiro imparcial, isento e, ainda que as decisões permaneçam sob a responsabilidade dos envolvidos no conflito.

A principal função do mediador é a de facilitar a comunicação entre os litigantes e, detectar as possíveis causas do conflito. Na mediação são usadas as técnicas de comunicação e negociação que devem ser aplicadas até mesmo no Judiciário, buscando-se de forma pacífica as soluções mais adequadas que satisfaçam os interesses dos mediandos, concretizando a justiça e minimizando-se os custos e o tempo gasto com todo o deslinde.

A vontade dos mediandos devem ser atentamente ouvida e respeitada, cabendo ao advogado e ao mediador nas devidas proporções e dentro de suas atribuições, trazer esclarecimentos específicos para trazer a lume, os laços fundamentais do relacionamento existente entre os mediandos, a fim de decifrar as reais necessidades e interesses que duelam no litígio.

A mediação proporciona a integral solução do conflito, visando não somente dirimir a lide presente, mas igualmente restabelecer o relacionamento entre os litigantes que prossegue para além da controvérsia, e, assim prevenindo o aparecimento de conflitos futuros. Eis, então a sua função prospectiva.

É preciso não olvidar que durante o procedimento mediacional não existem apenas os critérios concretos objetivos, mas igualmente as questões e busilis subjetivos. Todo o procedimento da mediação visa reconstruir o diálogo entre as partes envolvidas, também os capacita para que sozinhos possam resolver seus próprios conflitos. Eis, então a sua função pedagógica.

É importante que os advogados e advogadas se qualifiquem e desenvolvam novas habilidades principalmente para atuarem durante a mediação, aperfeiçoando as técnicas de comunicação e negociação e, mesmo, em sua atuação nos chamados MESC’s (Mecanismos Extrajudiciais de Solução de Conflitos) de forma a auxiliar seu cliente, na obtenção de resultados céleres, úteis, eficazes e plenamente reconhecidos pelo Judiciário.

A mediação está em harmonia e sintonia com o preâmbulo da Constituição Federal de Brasileira de 1988 principalmente por se inserir no Estado Democrático de Direito onde se assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a segurança e a justiça reconhecida como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica das controvérsias.

Também a Resolução 125 do CNJ, de 29 de novembro de 2010 estimula sinceramente que os próprios órgãos judiciais estatais ofereceram mecanismos de soluções de controvérsias, em especial, os chamados meios consensuais, tais como a mediação e a conciliação. Aliás, previu a implantação de tais serviços gradativamente no prazo de doze meses.

Há, sem dúvida, a necessidade de mudança de cultura abandonando-se a litigiosidade e a solução via julgamento, para se migrar para a cultura da paz e, em prol dos ideais da justiça restaurativa.

O advogado deve buscar a capacitação e o aperfeiçoamento para atuar também na mediação. E muitas dessas habilidades requeridas, infelizmente, não são adquiridas na formação acadêmica, mas são possíveis de serem conquistadas pela prática pessoal e profissional, com a influência de saberes interdisciplinares, bem como através de formação específica atinente a mudança de cultura.

As técnicas específicas de escuta ativa, da análise e de definição de interesses auxiliam a comunicação entre os litigantes visando a flexibilização de posições ortodoxas, na busca de opções e soluções eficazes, especialmente entre as pessoas que possuem vínculo que vai perdurar.

A sensibilização através do diálogo dos mútuos interesses e necessidades faz com que a mediação requeira uma postura colaborativa do advogado, que continua a atuar na defesa do interesse do cliente. Mas, não diante de uma arena e nem num ringue, mas num plano cooperativo e diálogo já preconizado pelo art. 6° do CPC/2015.

O advogado deve, a priori, verificar se de fato a mediação é o meio adequado para se compor a lide e, se for, pode haver a fase de pré-mediação.

É mesmo curial que o advogado venha cientificar seu cliente sobre o significado da audiência de mediação ou conciliação, devendo explicar o procedimento da mediação bem como diferenciá-la dos demais métodos de resolução de conflitos.

Deve, ainda, levantar e indicar as posições do cliente, usando para tanto a investigação através de questionamentos, a fim de visualizar e mapear todo conteúdo do conflito.

Existem as questões subjetivas e, que em geral, não estão claramente expostas, e que são finalmente compreendidas com o devido o mapeamento do conflito que dá acesso a panótica capaz de satisfazer a todos os interesses simultaneamente de ambas as partes, arquitetando uma negociação ou finalizando um acordo com maior probabilidade de obtenção de resolução satisfatória.

Atentamos que as decisões que ocorrem antes da mediação são muito relevantes, pois autorizam o advogado a se preparar adequadamente, diminuindo em grande parte a falha no procedimento.

As diretrizes para o desenvolvimento exitoso da mediação devem ser lidas e obedecidas conforme a Lei 13.140, de 26 de junho de 2015.

Convém sublinhar que se resguardam os direitos, pois durante o procedimento de mediação, resta suspenso o prazo prescricional a partir da data de assinatura do termo inicial.

Cabe ainda o advogado, cabalmente esclarecer ao cliente sobre a assinatura do termo inicial de mediação, inclusive sobre a cláusula de confidencialidade e da forma de pagamento de custas judiciais.

Aliás, como a maioria das vezes, há a famosa triangularização entre o juiz, autor e réu, cumpre ao causídico advertir seu cliente que o mediador não decide e nem julga, mas apenas funciona como facilitador para a tomada conjunta de decisões pelas partes, auxiliando na identificação de seus interesses, cuidando do ambiente da mediação para que seja favorável à formação de acordo que pode ser mais eficaz e célere e, por vezes, até mais efetivo para a plena resolução do conflito.

Vige ainda a possibilidade de reuniões em separado com apenas uma das partes durante a mediação, devendo o advogado dar ciência ao seu cliente que isto não significa que o mediador esteja preterindo ou preferindo uma das partes no conflito.

Deve ainda esclarecer que a reunião em separado visa dar a devida atenção a cada parte, na procura de subsídios suficientes para a entabulação de um futuro acordo.

Há de se esclarecer que o papel do mediador é diferente daquele conhecido por processo judicial, de sorte que o comportamento adversarial e, por vezes, belicoso não é adequado no procedimento da mediação.

Desta forma, o advogado deve estar em harmonia com o espírito cooperativo que tanto caracteriza os mecanismos autocompositivos. Para que o representado não perca a oportunidade de expressar-se posto que não esteja submetido a julgamento, podendo fazer perguntas, tirar dúvidas, minudenciar a história que envolve o conflito e, até mesmo, desistir do procedimento de mediação.

Sua vontade é livre e soberana, mas deve atender ao dever de urbanidade e atender ao mínimo civilizatório.

Conforme o entendimento de John W. Cooley a postura do cliente influencia diretamente no desenvolvimento da mediação como um todo.

A cena não deve ter protagonista e antagonista, deve haver um contexto de equidade e cooperação, não sendo o lócus de acusações ou de defesas.

Deve o advogado estar ciente que o procedimento da mediação é certo, onde os representantes dos litigantes devem apresentar de forma sucinta a controvérsia, devendo pontuar o cliente de forma clara o conflito, tendo em vista a informalidade do procedimento, é possível que as partes no transcurso da mediação mudem os seus objetivos, respondendo aos estímulos do advogado e do mediador.

Nas disputas financeiras, por exemplo, o advogado deve ter planejadas as estratégias e as possibilidades de propostas determinando logo o valor mínimo aceitável sem, todavia, revelá-lo.

Já quanto às questões não financeiras, todos os envolvidos na mediação precisam exercer a criatividade, apresentando diversas sugestões possíveis para a satisfação dos interesses das partes.

É fundamental a relevância que a avaliação do advogado faz no decorrer da mediação e que seja o mais realista que possível, sopesando os pontos fracos e fortes, pois a decisão está e permanece nas mãos dos envolvidos no litígio.

A mediação para obter o devido êxito depende que as partes sejam responsáveis por decidirem ou não, por um acordo, sendo indispensável à apresentação de procuração contendo expressos poderes para transigir e negociar, posto que a sua ausência acarrete a frustração na outra parte inviabilizando qualquer possível acordo.

A atuação do advogado perante a política pública de tratamento adequado dos conflitos incluiu a observância de princípios ou negociações dos méritos que se resume em quatro pontos fundamentais tendo em vista o método de negociação de Harvard[5] que são:

  • Separe as pessoas do problema;
  • Concentre-se nos interesses, não nas posições;
  • Crie variedade de possibilidades antes de decidir o que fazer;
  • Critérios (que tem por base um padrão objetivo).

Quando as negociações[6] se transformam em uma disputa, os negociadores frequentemente desenvolvem opiniões negativas sobre o outro. É imperioso que os negociadores pautam suas propostas e condutas pela boa-fé, assim se afastando do ceticismo e gerando uma desvalorização reativa.

Diante de divergências entre os envolvidos, ou mesmo quando surgirem dúvidas quanto à condução do procedimento da mediação, será indicada e recomendável que o mediador reforce a cooperação, sendo chamado para dar a contribuição sobre o debate interno, podendo até solicitar o afastamento temporário do advogado, durante a etapa determinada da mediação.

Sendo concluída a mediação de forma satisfatória, impõe=se a necessária redação do acordo, dotado de cláusulas precisas e objetivas, a fim de se evitar os conflitos futuro, além do que, caso a mediação, não alcance o seu objetivo que é a resolução do conflito e poderá inclusive eliminar os pontos de controvérsia e, favorecer além de facilitar a futura retomada dos entendimentos.

Uma vez que a mediação é bem-sucedida, normalmente os advogados conseguem adotar comportamento amistoso, colaborando com maior facilidade, para resguardarem os interesses de seus clientes.

O cumprimento da mediação é, em regra, maior e mais frequente do que o de decisões judiciais, tendo em vista que este instituto cria todas as condições de incentivo ao cumprimento de obrigação pactuada, como por exemplo, o devedor que vem a pagar integralmente a dívida ou o pagamento parcelado, seja respeitado após o fim do procedimento, em se cogitando de conflitos financeiros.

Para a elaboração do termo final da mediação, devem ser observados seguintes os requisitos, a saber:

  1. a) qualificação das partes e dos seus procuradores, prepostos, quando houver; sendo importante verificar se a carta de preposição confere poderes para a pessoa física apresentada representar a pessoa jurídica na demanda;
  2. b) o resumo do conflito, narrando suas principais características, narrativas e interesses em colidência;
  3. c) a descrição do acordo, com os direitos e obrigações de cada parte que anuir, ou a declaração de não ser mais possível a obtenção de uma solução consensual;
  4. d) local, data, assinatura do mediador, e, caso tenha sido celebrado o acordo, também as assinatura das partes e dos seus respectivos procuradores (advogados), quando houver.

Lembremos que o termo final da mediação constitui o título executivo extrajudicial e, que após ser homologado judicialmente, tornar-se-á título executivo judicial.

Cumpre também observar que em caso de ser necessário o procedimento de cumprimento de sentença, poder-se-á igualmente levar a protesto o referido título executivo judicial, inclusive solicitar a negativação de cadastro creditício do executado inadimplente.

Devendo ainda constar detalhadamente no acordo judicial firmado o resumo do caso concreto debatido, a finalidade do acordo, os direitos, condições e formas de cumprimento deste, bem como a previsão de multa e juros de mora por descumprimento ou mora, e indicar a legislação que regerá as obrigações e eventuais penalidades.

O Conselho Federal da OAB possui ainda uma Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem (CEMCA) que instituiu órgão consultivo para atuação juntamente com o Colégio de Presidentes de Comissões de Mediação e Arbitragem das Seccionais Estaduais da OAB e entidades nacionais que também reúne as Comissões Seccionais e as entidades de âmbito nacional.

Enfim, os advogados e advogadas brasileiras devem se comprometer em envidar esforços no sentido de se capacitar também para a cultura do não litígio[7], e para concretização da cultura da paz e voltada para a justiça restaurativa, sempre pautada no consenso e na colaboração a fim de que estejam habilitados para propiciar a solução do conflito não apenas pela via judiciosa, mas, principalmente, pela negociação, mediação ou conciliação ou arbitragem bem como outro método compositivo que se mostre adequado.

O advogado deve, portanto ser capaz de promover a efetividade da justiça e da pacificação social.

__________

Referências:

CINTRA, Roberto Ferrari de Ulhôa. A sociedade civil e o Judiciário. Disponível em:http://www.aui.org.br/artigos/docs/A_sociedade_civil_e_o_Judiciario-Roberto_Ulhoa_Cintra.pdf Acesso em 24.01.2017.

MAIA NETO, Francisco. O papel do advogado na Mediação. In: Arbitragem, Mediação. A Reforma da Legislação Brasileira; ROCHA, Caio Cesar Vieira; SALOMÃO, Luís Felipe (coordenadores). São Paulo: Atlas, 2015.

COOLEY, John W. A advocacia na mediação. Tradução René Loncan. Brasília: UnB, 2001.

MENDES, Gilmar Ferreira. Posse na Presidência do STF

NOTAS

[1] Uma das primeiras mudanças notáveis trazidas pela nova lei se encontra logo no artigo 1º da lei de arbitragem com a inclusão dos parágrafos 1º e 2º, permitindo a utilização do instituto da arbitragem pela administração pública direta e indireta.

Vale ressaltar que a prática de arbitragem por parte da administração pública indireta já era aceita pela maioria da doutrina. Neste sentido, o Poder Judiciário vinha admitindo procedimentos arbitrais para entidades públicas, sendo que o STJ decidiu que, quando os contratos celebrados com entes públicos versassem sobre serviços públicos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro, ou seja, atividade econômica em sentido estrito, os direitos e obrigações deles decorrentes seriam transacionáveis, disponíveis e, assim sendo, sujeitos à arbitragem.

A Lei 13.129/15 também modificou a lei das Sociedades Anônimas4, ao inserir o artigo 136-A. O novo dispositivo regula a inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, obrigando todos os acionistas, quando observado o quórum qualificado do artigo 1365 da mesma lei.

Outro aspecto importante é a nova redação dos artigos 35 e 39 da lei de arbitragem estabelecem que o STJ, e não mais o STF, homologue ou denegue sentença arbitral estrangeira. Tal alteração formalizou uma prática que já vinha sendo utilizada nos últimos anos. Isto porque a EC 45/2004 transferiu a competência do STF para o STJ para processar e julgar sentenças estrangeiras.

[2] A Resolução 02/2015 aprovou o Código de Ética e Disciplina da OAB em 19 de outubro de 2015. Destaca em seu artigo 2º, parágrafo único.  São deveres do advogado:

I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da advocacia;

II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;

III – velar por sua reputação pessoal e profissional;

IV – empenhar-se, permanentemente, no aperfeiçoamento pessoal e profissional;

V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;

VI – estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes,

prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;(…)

[3] Chamou Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra a uma série de etapas ou degraus de “Pirâmide da Solução dos Conflitos”, onde apurou que os agentes da sociedade procuram pacificamente resolver seus conflitos em doze diferentes patamares.

Desses, apenas dois se encontram no Poder Judiciário. Os demais agentes, a quem denomino pacificadores, moderadores, mediadores, árbitros e conciliadores, estão agora melhor se posicionando e “oferecendo” serviços especializados, visando a solução do conflito por composição das partes e não mais pela frieza da sentença.

Na Pirâmide, encontra-se a “intimidade do cidadão”, momento em que o contendor internaliza o conflito podendo, aqui, desistir ou prosseguir em suas intenções beligerantes. Se insiste em solucioná-lo, uma vez que não se pacificou, submete-o à “negociação” (segunda etapa da nossa Pirâmide).

Eis quando procura diretamente (sem o auxílio de terceiro) a outra parte e propõe algum tipo de acordo.

Não tendo tido sucesso na empreitada, submete o conflito à opinião e crítica do seu “núcleo familiar” (terceiro degrau da Pirâmide) e dele recebe importantes subsídios para orientá-lo. Mais uma vez, o conflito no seu íntimo pode se pacificar ou agudizar.

Caso insista em seu pleito, o conflitante buscará a solução no andar superior – o quarto degrau –, uma nova etapa para tentar encontrar a solução, e é, pois nesta etapa que surge o “pacificador”, o qual, encontrado nas estruturas já existentes na sociedade, trata de pacificar o conflito.

Há, aqui, uma infinidade de agentes sociais que contribuem para a solução do conflito: o cidadão de respeito, o líder de bairro, o síndico do edifício, o ouvidor/ombudsman etc., que se incumbem gratuitamente de pacificar o conflito.

[4] Nesta “Pirâmide da Solução dos Conflitos” do patamar mais baixo – a “intimidade do cidadão” – até o mais alto, a decisão em “segunda instância”. São doze degraus e a sociedade civil ocupou dez deles, enquanto o Judiciário ocupou apenas dois.

O princípio que autoriza tal desempenho da sociedade civil é o “Princípio da Subsidiariedade”, que determina que o Estado só deve fazer o que a sociedade não quer fazer (ou não pode). E, mediante a efetivação dos institutos já citados: a pacificação, a moderação, a mediação, a arbitragem e a conciliação, enfim, com o cabal funcionamento da “Pirâmide da Solução dos Conflitos”, a sociedade está mostrando sua disposição em apaziguar as brigas geradas no seu seio, deixando ao Judiciário, com sua sentença, os casos absolutamente insolúveis por acordo.

[5] O Harvard Negotiation Project, liderado pelo renomado Prof. William Ury, apresenta conceito e método de negociação riquíssimo, abaixo serão apresentadas as principais dicas:

A primeira dica se refere ter consciência para se preparar. Ury sugere perguntas essenciais para iniciar o planejamento: Qual é o real foco? Quem são os envolvidos? Qual o seu objetivo? O que o outro lado deseja? Qual o grau de flexibilidade?

Ury possui enfoque numa dica valiosa que se refere à BATNA (best alternative to a negotiated agreement), significa ter opção/plano B/reserva caso o objetivo principal não seja alcançado.

Separe as pessoas dos problemas ao analisar o que está empacando uma negociação, não descarregue as insatisfações nas pessoas. Ury possui pensamento relevante para esse tema que envolve ser duro com os problemas e suave com as pessoas.

Crie relacionamentos sinceros, busque ouvir e ter empatia para entender os interesses da outra parte.

Um dos principais pontos do método Harvard é o foco nos interesses e não nas posições, as posições se referem às soluções pré-concebidas da negociação e é necessário entender os interesses camuflados.

Exemplo prático: uma empresa já estabilizada no mercado deseja crescer de maneira não orgânica através da compra de uma startup; mas o empreendedor deseja 20 milhões em sua startup e esse valor é bem acima do valor avaliado pelo mercado (ele possui uma posição), ao entender os interesses camuflados se descobre que a empresa é como um filho para o empreendedor, assim, ao oferecer a manutenção da direção geral do negócio para ele, acaba diminuindo o preço para o patamar avaliado pelo mercado.

Bons acordos têm várias opções. A criatividade é importante no ato de negociar, pois é raro chegar num bom acordo se as partes não explorarem várias opções. Busque opções para “crescer o bolo” para depois dividir.

Utilize critérios objetivos. Grande sucesso na negociação é a argumentação, argumente usando critérios objetivos, por exemplo: custos, panorama de mercado, precedentes, referências, amostras quantitativas, comprovações de qualidade.

A negociação é a arte do não erro, demanda profissionalismo e preparação. Por isso, essas recomendações são valiosas para melhores negociações.

[6] O método baseia-se em quatro pontos fundamentais: pessoas, interesses, opções e critérios. E, tem como premissa de que a negociação deve ser baseada em princípios, onde cada negociador deve focar no núcleo da questão e nos critérios objetivos e procurar soluções possíveis e consensuais.

[7] Finalmente, no Brasil já se começou a haver a tentativa de se adotar um direito mais voltado à realidade social vivente, desenvolvendo-se as formas de composição de conflitos calcadas em conciliações, comissões, arbitragem, mediações. Tendo em vista que muitos juízos já estão conscientes de seu papel aplicando direito alternativo, que na realidade, é o direito formado por sentimentos gerais de agradabilidade e que emergem dos desejos da sociedade.

Afinal o Direito não pode se restringir ao Estado e nem tampouco à lei, é ciência bem mais ampla e complexa, devendo ser informado por dados empíricos de ciência que reflitam os processos sociais de aproximação e promovendo sentimentos de agradabilidade e pacificação.

 

DANOS MORAIS E ESTÉTICOS: 450 salários mínimos de indenização

0

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) majorou de R$ 150 mil para 450 salários mínimos (R$ 396 mil) a indenização devida a motociclista que ficou tetraplégica após sofrer acidente em rodovia mal sinalizada que estava em obras, em Santa Catarina.

A concessionária Autopista Litoral Sul, responsável pela sinalização das obras de duplicação da via e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão responsável pela fiscalização da rodovia federal, foram condenados solidariamente ao ressarcimento dos danos morais e estéticos.

Após ser atingida por um carro e arremessada da moto, a motociclista sofreu uma lesão na coluna cervical, que deu causa à tetraplegia traumática. Depois de passar por cirurgia, o laudo médico apontou a necessidade de cadeira de rodas, par de botas, cama elétrica, cateterismo vesical, além do afastamento do trabalho por tempo indeterminado.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) fixou o valor de R$ 150 mil para reparação dos danos morais e estéticos. Não satisfeita, a vítima interpôs recurso especial no STJ. Considerando a situação grave e o número de condenados solidariamente, o relator, ministro Gurgel de Faria, afastou a aplicação da Súmula 7 do STJ, que impediria o conhecimento do recurso.

Gravidade

O relator observou que o valor da indenização não reflete a gravidade do caso, “mostrando-se insuficiente para reparar ou ao menos compensar as consequências permanentes dos danos suportados”.

Ele mencionou precedentes do STJ, como o Recurso Especial 1.349.968, no qual a Terceira Turma majorou para R$ 200 mil a indenização devida a um jovem de 20 anos que ficou paraplégico após acidente de trânsito.

Citou também o Agravo em Recurso Especial 170.037, da Segunda Turma, que manteve a condenação da União ao pagamento de R$ 400 mil de indenização a outro jovem que ficou tetraplégico após cair de árvore apodrecida.

“Nesse contexto – tetraplegia ocasionada por acidente de trânsito em rodovia mal sinalizada –, tenho que a fixação do quantum indenizatório em 450 salários mínimos se coaduna com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”, afirmou.

AgRg no REsp 1501216


FONTE: STJ, 07 de junho de 2016.

PRESCRIÇÃO AFASTADA: Turma afasta prescrição em ação por perda auditiva descoberta mais de 20 anos após rescisão contratual

0

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a prescrição declarada em uma ação trabalhista ajuizada 20 anos após a extinção do contrato de trabalho por um empregado da Companhia Estadual de Geração e Transmissão de Energia Elétrica (CEEE-GT), do Rio Grande do Sul, que pede indenização por danos morais decorrente de perda auditiva de origem ocupacional.

Ele alegou que trabalhou na empresa entre 1961 a 1989 como auxiliar de operação, até se aposentar, exposto sistematicamente a ruídos ambientais de altíssimo nível dentro da usina, sem os devidos equipamentos de proteção. As condições de trabalho resultaram na sua debilidade auditiva, diagnosticada em 2011 como “perda auditiva neurossensorial bilateral em grau moderado” por meio de exame audiométrico. Nove dias depois, ajuizou a reclamação trabalhista pedindo indenização por danos morais.

Diante da ausência de outra prova, a sentença afastou a prescrição total, considerando a ciência inequívoca da doença em 4/7/2011, data em que o empregado foi submetido ao exame audiométrico, e condenou a empresa ao pagamento de indenização no valor de R$ 15 mil. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) reformou a sentença por entender que o prazo prescricional teria se iniciado no término do contrato de trabalho, e extinguiu o processo. No entendimento regional, é sabido que essa moléstia é progressiva enquanto houver a exposição ao ruído, e, cessada a exposição, para de se desenvolver, “não sendo razoável nem crível que demorasse cerca de 20 anos para ter consciência de que sofria de perda auditiva”.

TST

Afirmando que, de acordo com a jurisprudência do TST, o marco inicial da prescrição é a data da ciência da extensão e dos resultados da lesão, a ministra Kátia Magalhães Arruda, relatora do recurso do trabalhador, assinalou que, diferentemente de outras moléstias, a perda auditiva de origem ocupacional não progride quando cessada a exposição ao ruído. Assim, “foge à razoabilidade fixar como regra geral a observância do marco prescricional coincidente com o término do contrato de trabalho”.

Segundo ela, não se pode presumir que em todo e qualquer caso o empregado tenha tomado ciência da perda da audição ainda na vigência do contrato, sobretudo quando a perda é leve ou moderada, “nas quais há zona cinzenta” e, mesmo quando ele “tem sensações físicas que dificultem a realização de suas tarefas laborais ou cotidianas, isso serve apenas como indício de que está acometido de doença”. A ministra observou ainda que, “precisamente porque o diagnóstico exige o exame audiométrico, mesmo quando se convence intimamente de que está doente, o trabalhador não tem conhecimento da exata dimensão do problema, a profundidade ou extensão da lesão e seus efeitos na sua capacidade laboral ou na sua vida social”.

Boa-fé

No entendimento da relatora, quando não há indício de fraude na ação ajuizada muito tempo após a extinção do contrato de trabalho, deve-se presumir a boa-fé do empregado, conforme orienta os princípios gerais do Direito. “O caso não é de contagem de prazo de prescrição civil, mas de prescrição trabalhista, não havendo prescrição a ser declarada”, concluiu.

Com a decisão, unânime, o processo retornará ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região para prosseguir no julgamento do recurso ordinário.

Processo: RR-652-90.2011.5.04.0811


 

FONTE:  TST, 08 de junho de 2016

DANO MORAL CARACTERIZADO:  Homem com prótese barrado na porta de banco será indenizado

0

A decisão é oriunda do Juizado Especial Cível (JEC) da Comarca de Canoas, onde o autor ingressou com a ação de danos morais pelo constrangimento a que foi submetido. Falha a tentativa de conciliação entre as partes, o Banco do Brasil foi condenado ao pagamento de R$ 3 mil de indenização.

No relato do ocorrido, o cliente – que usa prótese mecânica em uma das pernas ¿ disse ter sido proibido de entrar na agência e que após pelo menos 30 minutos foi atendido pelo gerente, na área onde ficam os terminais de autoatendimento. O Banco do Brasil, de outro lado, afirmou que o acesso foi negado em nome da proteção de todos os clientes e que não teria sido comprovada a causa do bloqueio da porta.

Decisão

Um vídeo (com captação de áudio) feito pelo autor da ação foi apresentado como prova. A decisão destaca alguns trechos. Em um deles, um funcionário da agência bancária se afasta do cliente ao perceber a gravação e avisa que chamará a brigada militar. Depois, outra funcionária sai pela porta giratória e pede desculpas ao homem. Por fim, o gerente se nega a conversar com o autor, pois está sendo filmado. A cena foi presenciada por outros clientes.

A sentença conclui que o cliente provou “de modo suficiente o fato constitutivo de seu direito”, em situação que ultrapassou o limite do mero dissabor. E que, verificada a falha na prestação de serviço, esta causou abalo psicológico no autor capaz de ensejar indenização por danos morais.

A sentença, da qual cabe recurso, é de 31/5.

Processo nº 9000725-882016.8.21.0008 (Comarca de Canoas)


FONTE: TJRS, 07 de junho de 2016.

Incidente da colegialidade qualificada em face do CPC/2015

1

Autoras:
Denise Heuseler
Gisele Leite

É preciso entender primeiramente que o recurso é meio voluntário de impugnação de decisões judiciais sendo capaz de produzir, no mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração do pronunciamento jurisdicional impugnado.

Portanto, o recurso é voluntário movido pela insatisfação dos litigantes. Mas, nem todo pronunciamento judicial admite recurso, posto que existam decisões irrecorríveis tais como os despachos.  É o caso também da decisão que releva a pena de deserção (art. 1.007, §6º), e no caso da decisão do relator do recurso especial que reputa prejudicial um recurso extraordinário, vide o art. 1.031, §2º do CPC/2015.

Porém, não se pode confundir decisão irrecorrível com a decisão irrecorrível em separado. É que de fato existem decisões contra as quais não se admite um recurso próprio, autônomo e interponível imediatamente, mas não significa que seja irrecorríveis.

É o caso das decisões interlocutórias proferidas nos processos que tramitam nos Juizados Especiais Cíveis contra as quais não se admite recurso em separado, mas que podem ser impugnadas no mesmo recurso que ataca a sentença.

O sistema do CPC/2015 tal fenômeno se manifesta quando as decisões interlocutórias não agraváveis (vide o rol do art. 1.015). O fato de não ser possível a interposição de agravo de instrumento não significa que, uma vez proferida a sentença não venha ser possível a interposição de impugnação através de preliminar da apelação (art. 1.009, §1º).

O recurso é endoprocessual, portanto, não acarreta novo processo, mas apenas seu prolongamento. Eis aqui a principal diferença entre o recurso e a demanda autônoma de impugnação.

As demandas autônomas de impugnação têm como exemplos clássicos a reclamação e a ação rescisória. Ademais, é preciso lembrar que o sistema brasileiro adota a taxatividade recursal por força do qual só existem os recursos expressamente previstos em lei.

Os embargos infringentes são recurso cuja subsistência é bastante criticada, principalmente em razão da excessiva duração dos processos no Brasil, além de ser um recurso tipicamente de origem lusitana.

Mas, por outro lado, tal recurso apesar de muito censurado tem permitido o aperfeiçoamento da prestação jurisprudencial pois permite a reflexão a respeito das questões trazidas ao tribunal, a partir do voto divergente ou vencido obtido no julgamento colegiado.

O CPC/2015 extinguiu os embargos infringentes, porém estabeleceu o mecanismo de ampliação[1] do quórum da deliberação quando no julgamento de determinados recursos vier a surgir o voto vencido. É o que consta do art. 942 do CPC/2015.

Com a supressão dos embargos infringentes veio a substituição por uma nova técnica de julgamento para os acórdãos que não forem unânimes. Tal técnica consiste que sejam convocados membros tabelares em número suficiente para que o resultado possa ser reformado, seja para o julgamento imediato ou em futura sessão.
Embora, não se trate de recurso, há o que o denominam erroneamente de “embargos infringentes cover[2]”.  Tal forma de proceder não fica restrita apenas a apelação e à rescisória conforme prevê ainda o CPC de 1973.

Pode ser adotada a técnica[3] referida nas situações indicadas no parágrafo terceiro do art. 942, portanto, é expressamente previsto também no julgamento do agravo de instrumento quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

Adiante, no quarto parágrafo do mesmo dispositivo legal, há as situações em que a mesma técnica não é aplicável, é o caso de o incidente de assunção de competência, o IRDR, da remessa necessária e de acórdão não unânime proferido nos tribunais pelo plenário ou pela corte especial.

Apesar da ortodoxia do art. 530 do CPC/1973, a doutrina já entendia que existiam outras hipóteses[4] de cabimento dos embargos infringentes. O art. 557 do CPC/1973 permite o julgamento monocrático do recurso pelo relator desde que preenchidos todos os requisitos previstos em lei.

Sendo a apelação julgada contra a sentença de mérito julgada monocraticamente pelo relator, caberá recurso de agravo interno para o órgão colegiado e, sendo o acórdão desse recurso não unânime, reformando a sentença de mérito originariamente recorrida pela apelação, caberão os embargos infringentes.

Da mesma forma, ocorre no julgamento nos embargos declaratórios interpostos contra acórdão de apelação e de rescisória, desde que no primeiro caso, o resultado seja de reforma de sentença de mérito e no segundo, de procedência da ação rescisória e o resultado dos embargos de declaração possa a integrar a decisão recorrida.

Além do acórdão de agravo interno e dos embargos de declaração há ainda outro entendimento no sentido de que o acórdão que decide o agravo retido ou de instrumento pode ser excepcionalmente recorrível por embargos infringentes.

É o caso de decisão interlocutória de mérito que reformada pelo tribunal, gera acórdão que extingue o processo com resolução de mérito, sendo tal julgamento proferido por maioria[5] de votos, quando se entende ser cabível os embargos infringentes.

Um exemplo básico é a decisão que afasta a alegação de prescrição que feita pelo réu, que interpõe recurso provido por maioria de votos. Tal acórdão não sendo unânime, também enseja o cabimento de embargos infringentes.

A técnica de julgamento adotada pelo novo CPC visa dar maior segurança jurídica em face de um número maior de julgadores.

No entanto, há uma relevante incongruência, pois, se manteve a exigência de que a decisão por maioria de votos na ação rescisória, só estará sujeita à ampliação do colegiado no julgamento de procedência, ou seja, quando decidir pela rescisão da decisão. E, ainda a previsão que exige o julgamento do agravo de instrumento que reforme a decisão interlocutória que julgar parcialmente o mérito.

Ocorreu o afastamento da previsão mais restritiva do art. 530 do CPC/1973. Então diante do art. 942 do CPC/2015, é possível haver duas interpretações diferentes, a saber: O legislador infraconstitucional por ter criado uma técnica de julgamento bem mais simples e informal que a gerada pelos embargos infringentes, teria decidido conscientemente alargar o cabimento para qualquer julgamento por maioria de votos.

Ou então, teria havido uma omissão involuntária do legislador. Daniel Amorim A. Neves, ilustre doutrinador e processualista acredita que é mais possível a segunda hipótese, pois não teria sentido limitar a espécie de resultado na ação rescisória e no agravo de instrumento.

É forçoso reconhecer que o art. 942 do CPC/2015 cria uma técnica de julgamento com objetivos muito parecidos com aos dos embargos infringentes, mas com a natureza de incidente processual e, não de recurso.

É preciso lembrar que o simples incidente processual jamais gera uma relação processual nova. Diferentemente do processo incidental que é exatamente uma nova relação jurídica processual. Como exemplos de incidentes processuais temos a impugnação ao valor da causa, a alegação de conexão, a arguição de suspeição do magistrado, a arguição de incompetência relativa ou absoluta e impugnação à gratuidade de justiça. Doravante, pelo CPC/2015 todos esses incidentes são preliminares da contestação, não existindo mais autonomamente.

A pedra fundamental para distinção ente incidente processual e processo incidente reside se dá ou não ensejo a uma nova relação processual. Pois o incidente jamais gera uma nova relação processual.

Esses incidentes podem ser divididos em questões prejudicais e procedimentos incidentes. As questões prejudicais são os pontos fundamentais vinculados ao direito que devem ser resolvidas previamente porque se relacionam ao mérito da questão principal, seja por que exista uma dependência lógica entre as duas questões.

Já os procedimentos incidentes são os interpostos ao longo da causa principal e que demanda solução pelo próprio magistrado criminal, antes que o mérito seja conhecido e decidido. Estes correm em paralelo ao procedimento principal exatamente para não tumultuar, embora com este tenha ligação íntima. É o caso de arguição de impedimento ou suspeição do promotor, deve-se decidir tal questão antes mesmo do mérito ser julgado.

Há os doutrinadores que denominam de incidente de colegialidade[6] qualificada e que será implementado de ofício, ou seja, sem a iniciativa das partes.

O CPC/2015 faz uma aposta, porém sem ter os dados estatísticos[7] cruciais para agir com maior segurança. Apesar de ser uma forma mais simples que os embargos infringentes e que tende a tornar o julgamento mais estáveis.

É notável que a partir das hipóteses de cabimento que se objetiva aumentar a segurança[8] jurídica através da majoração do número de julgadores. Sendo cabíveis diante dos julgamentos por maioria, de votos na apelação, na ação rescisória e agravo de instrumento que julga o mérito deixando claro que tal técnica veio para efetivamente substituir os embargos infringentes.

Frise-se que só está sujeita a ação rescisória à referida técnica em comento no julgamento de procedência, ou seja, diante a rescisão da decisão. E quanto ao agravo de instrumento quando julgar parcialmente o mérito.

Ainda que presentes os requisitos expressos no art. 942 CPC/2015 e o §3º do novo codex não se adotará a referida técnica de julgamento sempre que possível o prosseguimento do julgamento se dê na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que por ventura componham o colegiado.

A dita celeridade processual restou então frustrada porque se admite aos advogados o direito à sustentação oral e a continuação do julgamento deveria ser realizado em outra sessão, salvo as hipóteses de advogados de ambas as partes estiverem presentes.

Mas, a interpretação mais provável é que em caso de continuação imediata de julgamento, não haja direito à sustentação oral, considerando-se que esta ou já ocorreu no início do julgamento, ou o advogado renunciou ao seu direito de fazê-lo.

É lamentável, pois é claro que existe o interesse na sustentação oral que pode exatamente surgir diante de inesperado julgamento por maioria de votos. E, nesse caso, não só não haverá a sustentação oral, como também, não terá comparecido à sessão de julgamento.

No CPC/73 o efeito devolutivo dos embargos infringentes permite que todos os julgadores que compõe o colegiado votem livremente quando decidirem o recurso, mesmo que em sentido contrário, ao voto proferido no julgamento por maioria de votos. Como não há recurso, não há de se cogitar em efeito devolutivo, mas a mudança de opinião do magistrado que tiver participado do julgamento não unânime é garantida pelo §2º do art. 942 do CPC/2015.

De sorte que os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento final.

Registre-se ainda que há duas inovações criadas pelo indicado dispositivo legal, a primeira se refere que não há razões e contrarrazões após o julgamento por maioria de votos, devendo os julgadores se valerem das razões e contrarrazões do recurso de apelação ou agravo de instrumento e dos fundamentos do autor e do réu já apresentadas e constantes nos autos.

Serão logicamente revogadas as previsões regimentais que renovam totalmente o órgão julgador dos embargos infringentes, de forma que os julgadores que estiverem envolvidos no julgamento não unânime terão a participação obrigatória no julgamento que amplia o número de julgadores.

Por derradeiro, é conveniente lembrar do contido no art. 1.045 do CPC/2015 que informa que as regras do CPC se aplicam imediatamente aos processos pendentes, bem como que as antigas regras sobre o procedimento sumário e os procedimentos especiais que foram revogados continuam a valer nos processos pendentes até que a sentença tenha sido proferida.

 

Referências

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.

FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel. BASTOS, Fabrício.  Novo Código de Processo Civil. O que é inédito. O que mudou. O que foi suprimido. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015.

DE MELO, Nehemias Domingos (coordenador) Novo CPC Anotado. Comentado. Comparado. Colaboradores: Denise Heuseler, Estefânia Viveiros, German Segre, Gisele Leite, Marcia Cardoso Simões. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.

FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. A técnica da complementação do julgamento da apelação no Novo CPC. Disponível em: http://portalprocessual.com/a-tecnica-da-complementacao-do-julgamento-da-apelacao-no-novo-cpc/ Acesso em 25.02.2016

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Novo Código de Processo Civil. Comparado e Anotado. Niterói: Impetus, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Volume 2. Tutela dos Direitos Mediante Procedimento Comum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual De Direito Processual Civil. Volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

STRECK, Lenio Luiz; HERZL, Ricardo Augusto. O que é isto – Os novos embargos infringentes? Uma mão dá e a outra… Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-jan-13/isto-novos-embargos-infringentes-mao-outra. Acesso em 25.02.2016.

[1] Também não se sustenta o argumento de que certos tribunais não conseguirão cumprir a norma com a celeridade porque seus órgãos colegiados fracionados não têm apenas três ou quatro julgadores, o que determinaria a necessidade de integração de outro julgador ou outros dois julgadores adicionais. O art. 941 do CPC/2015 respeito a autonomia dos tribunais que poderá dispor sobre como se dará a técnica de ampliação de colegialidade.

[2] Denominar esse novo e importante instituto de embargos infringentes automáticos não enxerga a relevante missão dessa nova técnica de julgamento. Com ela garante-se sim a segurança jurídica, evitando erros de julgamento, principalmente em matéria fática, que não podem ser revistos nos tribunais superiores.

Também não se cogita que o CPC/2015 há previsão de quando houver julgamento divergente, que o voto vencido deva ser declarado, o que numa visão simplista, facilitaria a interposição de recursos aos STJ e STF e justificarei a retirada da técnica prevista no art. 941. Nada é mais equivocado que tal visão, pois as matérias de fato não sobre aos tribunais superiores e serão sepultadas em segundo grua por votações que não são majoritárias.

[3] Por essa técnica que elimina as divergências no mesmo tribunal, se a votação em segunda instância ficasse dois a um, outros dois julgadores serão convocados e a condenação poderá se alterar para uma improcedência, o que em muitos casos representa uma absolvição.

O instituto da ampliação da colegialidade difere da conhecida uniformização de jurisprudência que é de rara aplicação, pois tem caráter corretivo e não preventivo.

Elimina o estado de divergência que tão compromete a própria visão que os jurisdicionados tem sobre a qualidade dos órgãos do Poder Judiciário com decisões diametralmente opostas, em casos com mesma similitude fática e jurídica.

[4] Não havia previsão legal para embargos infringentes na lei 1.533/51, art. 20.Já na Lei 12.016/2009 não deixa mais dúvidas, posto que proíba expressamente os embargos infringentes contra decisão não unânime proferida em MS. De fato, segundo prescreve o art. 25 de referido diploma legal, ―não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.

O dispositivo legal em apreço veio a consagrar a orientação seguida tanto pelo Supremo Tribunal Federal, quanto pelo Superior Tribunal de Justiça. Isso porque referidos tribunais superiores já haviam inclusive editado súmulas antes do advento da Lei 12.016/09.

De um lado, o entendimento cristalizado na Súmula 597 do STF era no sentido de que ―Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança, decidiu, por maioria de votos, a apelação. Referido verbete sumular veio a ratificar outra Súmula desse mesmo tribunal. Trata-se da Súmula 294, cuja redação é a seguinte: ―São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão do STF em mandado de segurança. A orientação sedimentada nessa última súmula aplicava-se às próprias decisões do STF. Trilhando o mesmo caminho, o STJ veio a editar a Súmula 169: ―São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança.

[5] Alerta Marinoni que o CPC/2015 foi sensível ao fato de que a ausência de unanimidade pode constituir indício da necessidade de maior aprofundamento da discussão a respeito da questão decidida, submeteu o resultado não unânime à ampliação do debate.

Lenio Luiz Streck comentou em artigo intitulado “O que é isto – Os novos embargos infringentes? Uma mão dá e a outra… Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jan-13/isto-novos-embargos-infringentes-mao-outra Acesso em 25.022016 que, in litteris: ” (…)1º) Observa-se a criação de (ou transformação em) uma espécie de embargos infringentes com remessa necessária; assim, a eficácia do acórdão não unânime está diretamente condicionada à imediata suspensão do julgamento para a sua reanálise em momento posterior, diante de uma nova quantidade de julgadores; assim como nas hipóteses de remessa de ofício, não haverá transito em julgado da decisão (o que impede a sua execução definitiva e a oferta de embargos de declaração) se a nova técnica não for observada;(…)”.

[6] A colegialidade é da essência do tribunal, mas a realidade vem demonstrando que em muitos casos predomina o monólogo de certas turmas julgadores e por vezes impera o julgamento monocrático. O que aponta para a perda da colegialidade que é uma criação brasileira e se justifica plenamente pelas peculiaridades que temos. Onde a divergência passa a ser uma atitude mais consciente, e até pode conduzir a julgamentos de qualidade superior.

[7] Rodrigo da Cunha Lima Freire alega que estatisticamente os embargos infringentes do CPC/1073 nunca representaram um problema. Pois sempre se apresentou em número pequeno e em percentual de provimento dos mesmos sempre fora alto. E, ressalta que a nova previsão não eliminou dúvidas como: a) caberiam embargos infringentes contra acórdão proferido em mandado de segurança?; b) caberiam embargos infringentes contra acórdão de agravo que reformasse decisão de mérito?; c) caberiam embargos infringentes contra acórdão de remessa necessária? d) caberiam embargos infringentes contra acórdão de embargos de declaração? e) caberiam embargos infringentes contra acórdão de recurso ordinário constitucional? f) caberiam embargos infringentes contra acórdão que, no julgamento da apelação, anulasse uma sentença de mérito? g) caberiam embargos infringentes em processo falimentar?

Muitas dessas questões foram resolvidas por enunciados de súmulas, tais como a Súmula 255 do STJ (“Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de matéria de mérito”); a Súmula 390 do STJ (“Nas decisões por maioria, em reexame necessário, não se admitem embargos infringentes”); a Súmula 88 do STJ (“São admissíveis embargos infringentes em processo falimentar”); e as Súmulas 169 do STJ e 294 do STF (posteriormente positivadas no art. 25 da Lei n. 10.016/09: “Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé”).

[8] Por outro lado, Streck argumenta que o consenso não é e nem nunca foi sinônimo de justiça das decisões; assim, se a decisão, mesmo que por maioria, respeitar o dever democrático de integridade (respeito às normas jurídicas, em especial à Constituição) e coerência (compreendendo que nenhuma decisão pode partir de um grau zero de compreensão ou meramente da consciência ou moralidade do julgador, mas sim, deve ser construída a partir de uma tradição jurídica que leve em consideração a doutrina e a jurisprudência.