A maioria dos
ministros seguiu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, de que a
alteração implementada na CLT viola direitos constitucionais como a proteção à
maternidade e a integral proteção à criança.
O Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF), por maioria de votos, julgou procedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 5938 para declarar inconstitucionais trechos de
dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) inseridos pela Reforma
Trabalhista (Lei 13.467/2017) que admitiam a possibilidade de trabalhadoras
grávidas e lactantes desempenharem atividades insalubres em algumas hipóteses.
Para a corrente majoritária, a expressão “quando apresentar atestado de saúde,
emitido por médico de confiança da mulher”, contida nos incisos II e III do
artigo 394-A da CLT, afronta a proteção constitucional à maternidade e à
criança.
A ação foi ajuizada no Supremo pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. A norma questionada
admitia que gestantes exercessem atividades consideradas insalubres em grau
médio ou mínimo e que lactantes desempenhassem atividades insalubres em
qualquer grau, exceto quando apresentassem atestado de saúde que recomende o
afastamento. Tal previsão legal, segundo a entidade autora, afronta a proteção
que a Constituição Federal atribui à maternidade, à gestação, à saúde, à
mulher, ao nascituro, aos recém-nascidos, ao trabalho e ao meio ambiente de
trabalho equilibrado. A eficácia dos dispositivos estava suspensa desde o fim
do mês passado por liminar deferida pelo relator, ministro Alexandre de Moraes.
No início da sessão desta
quarta-feira (29), em que se apreciou o mérito da ação, falaram na condição de
amici curiae os representantes da Confederação Nacional de Saúde (CNS), pela
improcedência da ação, e da Central Única do Trabalhadores (CUT), que defendeu
a inconstitucionalidade dos trechos da norma.
Proteção à maternidade
O relator iniciou seu voto observando
que, após a alteração legal, a norma passou a impor às grávidas e às lactantes
o ônus de apresentar atestado de saúde como condição para o afastamento. Esse
ônus, segundo o ministro, sujeita a trabalhadora a maior embaraço para o
exercício de seus direitos, sobretudo para aquelas que não têm acesso à saúde
básica para conseguir o atestado.
Na avaliação do ministro, a norma
está em desacordo com diversos direitos consagrados na Constituição Federal e
deles derivados, entre eles a proteção à maternidade, o direito à
licença-maternidade e a segurança no emprego assegurada à gestante, além de
normas de saúde, higiene e segurança. Sob essa ótica, a proteção da mulher
grávida ou da lactante em relação ao trabalho insalubre caracteriza-se como
direito social protetivo tanto da mulher quanto da criança. “A razão das normas
não é só salvaguardar direitos sociais da mulher, mas também efetivar a
integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com
a mãe nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura e sem os
perigos de um ambiente insalubre, consagrada com absoluta prioridade, no artigo
227 do texto constitucional, como dever também da sociedade e do empregador”,
assinalou.
Dessa forma, o ministro destacou que
a alteração deste ponto da CLT feriu direito de dupla titularidade – da mãe e
da criança. A seu ver, a previsão de afastamento automático da gestante ou da
lactante do ambiente insalubre está absolutamente de acordo com o entendimento
do Supremo de integral proteção à maternidade e à saúde da criança. “A proteção
à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não
podem ser afastados pelo desconhecimento, pela impossibilidade ou pela eventual
negligência da gestante ou da lactante em juntar um atestado médico, sob pena
de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido”, afirmou.
Não procede, segundo o relator, o
argumento de que a declaração de inconstitucionalidade poderia acarretar
retração da participação da mulher no mercado de trabalho. “Eventuais
discriminações serão punidas nos termos da lei, e o próprio texto
constitucional determina de maneira impositiva a proteção ao mercado de
trabalho da mulher mediante incentivos específicos”, ressaltou. Para o ministro,
também não procede o argumento do ônus excessivo ao empregador, pois a norma
isenta o tomador de serviço do ônus financeiro referente ao adicional de
insalubridade da empregada afastada. Com esses fundamentos, o relator votou
pela confirmação da liminar deferida e pela procedência do pedido para declarar
a inconstitucionalidade da expressão dos incisos II e II.
Retrocesso social
Em seu voto, a ministra Rosa Weber
apresentou apanhado histórico legislativo dos direitos trabalhistas das
mulheres no Brasil e no mundo. Segundo a ministra, contam-se 96 anos desde a
primeira norma de proteção ao trabalho da gestante no país. Isso revela, a seu
ver, quase um século de “afirmação histórica do compromisso da nação com a
salvaguarda das futuras gerações”. A Constituição de 1988, por sua vez,
priorizou a higidez física e mental do trabalhador ao exigir, no inciso XXII do
artigo 7º, a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de
saúde, higiene e segurança.
A ministra afirmou ainda que a
maternidade representa para a trabalhadora um período de maior vulnerabilidade
devido às contingências próprias de conciliação dos projetos de vida pessoal,
familiar e laboral. Dessa forma, os direitos fundamentais do trabalhador
elencados no artigo 7º “impõem limites à liberdade de organização e
administração do empregador de forma a concretizar, para a empregada mãe,
merecida segurança do exercício do direito ao equilíbrio entre trabalho e
família”. A alteração promovida pela Reforma Trabalhista, concluiu a ministra,
implicou “inegável retrocesso social”.
Também votaram pela procedência da
ação os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Carmen Lúcia,
Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte,
ministro Dias Toffoli.
Divergência
Único a divergir, o ministro Marco
Aurélio votou pela improcedência da ação ao argumento de que os preceitos que
regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino. “Toda
proteção alargada ao gênero feminino acaba prejudicando o gênero”, disse. Para
ele, é razoável a exigência de um pronunciamento técnico de profissional da
medicina sobre a conveniência do afastamento da trabalhadora. “Os preceitos
encerram a liberdade da prestadora de serviços e visam atender às exigências do
mercado de trabalho, para não se criar óbice à contratação de mão de obra
feminina”, afirmou.
FONTE: STF, 30 de maio de 2019.