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Esclarecimentos sobre a Lei 14.020, de 07/07/2020.

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  • Gisele Leite  e  Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Enfim, em 07 de julho de 2020 a Medida Provisória 936/2020[1] (Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e da Renda) fora convertida na Lei 14.020 e positivou sobre os acordos de suspensão temporária do contrato de trabalho[2].

Primeiramente, observa-se que a suspensão do contrato laboral poderá ser aplicada em parcela dos empregados. E, ainda, durante o Estado de Calamidade Pública[3]em face da pandemia de Covid-19[4], o empregador poderá acordar por uma suspensão temporária do contrato laboral[5] de seus empregados, ou ainda de forma setorial,em alguns departamentos, consubstanciando parcial ou total dos postos de trabalho.

A duração máxima dos acordos de suspensão de contrato laboral será de sessenta dias, fracionável em dois períodos de trinta dias, podendo ser prorrogado por prazo determinado em ato do Poder Executivo.

Uma vez respeitado o limite temporal do estado de calamidade (que é de cento e oitenta dias ou até 31 de dezembro de 2020) reconhecido pelo Decreto Legislativo 6/2020, o Executivo poderá prorrogar o prazo máximo de suspensão temporário do contrato laboral, na forma do regulamento. Mas, até o momento não ocorreu publicação no Diário Oficial da União de Ato do Poder Executivo prorrogando o prazo de duração desses acordos.

Em tempo, a suspensão temporária do contrato laboral será pactuada de acordo com os artigos 11 e 12 daLei 14.020/2020, seja por convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, ou mesmo, por acordo individual por escrito entre empregador e empregado, devendo, a proposta de acordo, ser encaminhada ao empregado com a mínima antecedência de dois dias corridos.

Durante a suspensão temporária do contrato laboral, o empregado permanece a fazer jus a todos os benefíciosconcedidos pelo empregador aos seus empregados[6] e, ficará autorizado a contribuir para o Regime Geral da Previdência Social na qualidade de segurado facultativo[7], na forma prevista pelo artigo 20 da Lei 14.020/2020.

O restabelecimento do contrato laboral ocorrerá no prazo de dois dias corridos, contados da cessação do estado de calamidade pública; da data fixada com termo de encerramento do período de suspensão pactuado, ou da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sua decisão de antecipar o fim do período de suspensão pactuado.

Se durante a suspensão temporária do contrato laboral, o empregado mantiver as atividades laborais, ainda que parcialmente, seja por meio do teletrabalho, trabalho remoto ou à distância, restará descaracterizada a suspensão temporária do contrato de trabalho e, o empregador estará sujeito a: ao pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais e trabalhistas referentes a todo o período; às penalidades previstas na legislação em vigor; e às sanções previstas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

A empresa empregadora que tiver auferido, no ano-calendário de 2019, a receita bruta superior a R$ 4.800 000,00(quatro milhões e oitocentos mil reais)[8]somente poderá suspender o contrato laboral de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal correspondente ao valor de trinta por cento[9]do valor do salário do empregado, durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho pactuado.

Diante de toda técnica apresentada, surgem vários questionamentos. Infelizmente ainda irrespondidos.

Tendo,as empresas interrompido suas atividades em função tanto da pandemia quanto das determinações estatais e, consequentemente, deixaram de funcionar a máquina empresarial que, por sua vez, não gerou lucro, ao contrário, prejuízo óbvio, seriam capazes, essas empresas, de retomar suas atividades de acordo com o determinado pela lei?

Hipoteticamente, se algum funcionário tiver sucumbido ao Covid-19, o que há de se considerar: a suspensão do contrato de trabalho como desvinculação da empresa ou como afastamento temporário mantendo-se o vínculo com a empresa?

Na realidade, enxergo com boa vontade, força e esperança para a continuidade do negócio para todos os envolvidos: empregador, empregado, fornecedores de produtos e serviços, até para os bancos onde essas empresas movimentam seu capital, todos como fonte de tanto.

Espera-se que, com muito cuidado e prudência, a retomada das atividades seja realizada de forma coerente para que não acarrete dano maior do que a pandemia causou.

[1]Sem dúvida, a medida provisória representa o instrumento preferido do Presidente da República para governar. Basta uma simples assinatura e a MP passa a vigorar no mundo jurídico, regulando relações, gerando obrigações, estabelecimentos procedimentos e, direitos, nos mais diversos assuntos. Os destinos da MP podem ser os seguintes, a saber: 1. Aprovação sem alteração; quando oPresidente do Congresso Nacional promulga a lei de conversão. Não precisando retornar para o Chefe do Poder Executivo para a promulgação, cabendo esta última autoridade somente o ato de publicar; 2. Aprovação com alteração. Lembrando que até a sanção ou veto, a MP mantém íntegros seus efeitos. E, essa previsão é alvo de severas críticas, pois, afinal, confere a MP eficácia mesmo depois de rejeição do Congresso Nacional. Mas, foi a opção do legislador fora em busca de evitar o vácuo normativo entre a alteração da MP e a respectiva sanção ou veto do projeto desta decorrente; Torna-se imprescindível que as emendas guardem pertinência temática. Assim, caso certa matéria não fora colocado pelo Executivo como de urgência e relevância, não caberá ao Congresso Nacional fazê-lo, do contrário se configura a violação do processo legislativo; Prevalece a crença lógica que MP não deverá ser totalmente alterada. De sorte que uma parte será inédita e outra não. E, a parte inédita só valerá a partir da lei de conversão, ao passo que a parte mantida valerá normalmente desde a edição da MP; Não apreciação ou rejeição tácita; Ocorre que após cento e vinte dias, sem a apreciação pelas duas casas componentes do Congresso nacional; e a consequência é a mesma que a rejeição expressa e o efeito é retroativo, desde a edição da MP; O Congresso Nacional possui sessenta dias para a edição do Decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas relativas ao período em que valia a MP, sob pena de essa última permanecer regulando tais relações. A referida retroatividade deve ser aplicada parcimoniosamente, pois a regra prevalente da MP é a precariedade. Não gerando direitos adquiridos; Rejeição expressa é uma das maiores peculiaridades segundo a melhor doutrina. E, mesmo com a rejeição a MP prossegue tendo efeito por sessenta dias, caso o Congresso Nacional, nesse mesmo período, não venha editar o Decreto Legislativo; Com a rejeição, a MP não poderá ser reeditada na mesma sessão legislativa, que, no Congresso Nacional, é de 02 de fevereiro a 22 de dezembro. Refere-se ao princípio da irrepetibilidade. Nem mesmo a proposta de maioria absoluta da Casa Legislativa poderá excepcionar tal princípio… Porém, não alcança a edição de MP em período de convocação extraordinária do Congresso Nacional.

[2]Além de se aplicar aos empregados regidos pela CLT, aos aprendizes e aos empregados sob o regime de jornada parcial, as normas previstas na MP 936/20 são compatíveis com os demais regimes especiais de contrato de trabalho.

[3]A Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente de surto pandêmico iniciado no ano de 2019. Tal lei estabelece medidas que visam à proteção da coletividade. Posteriormente, a pandemia do Covid-19 acarretou, por meio do Decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020, o reconhecimento oficial do estado de calamidade pública no Brasil. Além de flexibilizar limites orçamentários e permitir a destinação excepcional de mais recursos à saúde sem cometimento de crime de responsabilidade fiscal, a medida também legitima a instauração de regimes jurídicos urgentes e provisórios, com a finalidade de conter os impactos da situação calamitosa.

[4]Com a finalidade de reduzir o risco de contágio pela Covid-19, o CNJ editou a Resolução 313, de 19 de março de 2020, por meio da qual estabeleceu o regime de plantão extraordinário no âmbito do Poder Judiciário, com exceção do STF e da Justiça Eleitoral.

[5]A suspensão do contrato de trabalho só pode ser feita uma única vez. O parágrafo primeiro do artigo 8º da MP é taxativo e impõe o acordo escrito individual da suspensão do contrato de trabalho, caso contrário não terá nenhuma validade e se interpretará como inexistente a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Claro é que o período anterior à suspensão temporária do contrato de trabalho não pode ser computado como tal, uma vez que o acordo individual firmado entre empregador e empregado só terá validade dois dias depois que foi firmado o acordo individual de suspensão temporária do contrato de trabalho.

[6]O vale-transporte possui regramento próprio (Lei nº 7.418/1985), e não poderia ser interpretado propriamente dito como benefício. Se o vale-transporte apenas serve para o deslocamento residência-trabalho e vice-versa, qual sua necessidade de quitação, visto que o contrato de trabalho está temporiamente suspenso?Outro benefício que poderia ser suspenso temporariamente pelo mesmo prazo da suspensão temporária do contrato de trabalho é o vale-refeição ou vale-alimentação concedido única e exclusivamente para alimentação do empregado durante a jornada de trabalho.

[7]É segurado facultativo o maior de dezesseis anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, na forma do art. 199, desde que não esteja exercendo atividade remunerada que o enquadre como segurado obrigatório da previdência social.

[8]Não foi inserido expressamente no texto legal a respeito das empresas com receita bruta inferior a R$4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). Portanto, conclui-se que os empregados destas empresas apenas serão remunerados durante a suspensão temporária pelo Poder Público, sem nenhuma ajuda compensatória mensal a ser quitada pelo empregador.

[9]Há uma enorme lacuna dentro da base de cálculo estabelecida no referido parágrafo. Determina-se que a base de cálculo seja o valor de salário do empregado, mas não estabelece qual gênero de salário. Há empregados que o salário-base é ínfimo, mas a remuneração final é gigante, seja pelo labor extraordinário, seja pelo labor noturno, seja pelo labor com agentes insalubres ou perigosos,seja pelo pagamento variável de comissionamento ou percentual etc. A interpretação pode ser em diversas linhas de entendimento.


Autores:  Gisele Leite e Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Affectio societatis e a pessoa jurídica de direito privado

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  • Reinaldo Monteiro

O vínculo de cooperação entre os sócios é fator fundamental e responsável pela saúde e continuidade da sociedade. Cerca de 65% das empresas não sobrevivem após a primeira metade da década do nascimento. Evidentemente que são vários fatores que levam a sucumbência, mas um deles chama a atenção que é a vontade livre e mútua de constituir e estar em sociedade. A preservação dos elementos que levaram as pessoas a se unirem em sociedade é relevante para o sucesso ou insucesso do negócio.

Vige no Brasil o princípio da livre associação, possibilitando as pessoas imbuídas de capacidade civil, se associarem na busca do objetivo comum. O respaldo está no inciso XVII do artigo 5º da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

…………………………………

XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

A liberdade de associação permite que as pessoas dotadas de capacidade para a prática dos atos da vida civil possam se unir, dando vida a pessoa jurídica, distinta dos seus componentes, e com vida jurídica própria.É evidente que no cenário capitalista as pessoas buscam ganhos financeiros, por meio da atividade exercida e desenvolvida pela pessoa jurídica. Também, é evidente que tais ganhos serão oportunamente, preservando a saúde financeira da pessoa jurídica, repartidos entre as pessoas que a constituíram e de acordo com a participação de cada um.

A doutrina classifica as sociedades contratuais como sociedades de pessoas, pela evidente participação dos sócios na composição e muitas vezes na administração da sociedade. Pessoas físicas são dotadas de desejos e vontades e é este o ponto que merece a máxima atenção. A convivência entre pessoas é sempre um pontoque merece destaque.  A sociedade,na qualidade de detentora de personalidade jurídica possui vida própria distinta dos seus sócios ou fundadores, porém, não é dotada de desejo e vontade. A condução dos negócios da pessoa jurídica está atreladaas atitudes tomadas e adotadas por pessoas físicas. A continuidade da vida da sociedade depende de uma série de fatores, mas certamente do relacionamento entre os sócios e os administradores.

O mercantilismo ganha força nos séculos XV e XVII e neste período as pessoas sentem a necessidade de se unirem com a finalidade de constituir um negócio próprio. Os esforços de cada um, agregados com objetivos comuns, fizeram com que as pessoas fossem se amoldando no relacionamento em busca do ponto de equilíbrio, para a conquista de objetivo comum – lucro.

A doutrina identificou que entre as pessoas que se unem para a concretização de um objetivo comum existe um elemento subjetivo e imprescindível de ligação, que forma um vínculo que vai além da vontade de constituir a sociedade e obter resultados financeiros. A este elemento atribuiu o nome de “affectio societatis” ou “animus contrahendisocietatis”, ou simplesmente “animus societário”.

A “affectio societatis” aparece no relacionamento entre pessoas, que no dizer de COELHO[1]corresponde à disposição dos sócios em formar e manter a sociedade uns com os outros. Sendo motivo relevante para a decretação da dissolução da sociedade, quando sofre abalo, deteriora e desaparece. Acrescenta MARTINS[2]que a affectio societatis é o liame de estarem os sócios juntos para a realização do objeto social. Nas palavras de FAZZIO JUNIOR, citando Fábio Konder Comparato[3], “A affectio societatis é, portanto, não um elemento exclusivo do contrato de sociedade, distinguindo-o dos demais contratos, mas um critério interpretativo dos deveres e responsabilidades dos sócios entre si, emvista do interesse comum. Quer isto significar que a sociedade não é a única relação jurídica marcada por esse estado de ânimo continuativo, mas que ele comanda, na sociedade, uma exacerbação do cuidado e diligência próprios de um contrato bonaefidei. (…) Há assim dois elementos componentes da affectio ou da bona fides socieatis, representativos do duplo aspecto dessa relação: a fidelidade e a confiança. A fidelidade é o escrupuloso respeito à palavra dada e o entendimento recíproco que presidiu à constituição da sociedade, ainda que o quadro social se haja alterado, mesmo completamente. Por outro lado, a confiança é também um dever do sócio para com os demais, dever de tratá-los não como contrapartes, num contrato bilateral em que cada qual persegue interesses individuais, mas como colaboradores na realização de um interesse comum”.

O legislador brasileiro não se preocupou com esta questão ao redigir o artigo 981 do código civil. Não exige, como elemento constitutivo da sociedade a demonstração da “affectio societatis”. Cuidou-se apenas dos aspectos formais e objetivos, deixando para os sócios, o ajuste do relacionamento interpessoal.

Art. 981 Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Não obstante a ausência de previsão legal não desnatura ou afasta a “affectio societatis”. Não é possível visualizar a existência de sociedade contratual (sociedade de pessoas) se os sócios não estiverem alinhados, comungando com o mesmo propósito que é, perseguir até atingir o fim comum. É salutar que eventuais rusgas no relacionamento sejam dirimidas rapidamente, para que não se torne a relação pessoal insuportável, que certamente respingará na pessoa jurídica.

Nas sociedades contratuais o que também se pode estender as sociedades em comum, a “affectio societatis” surge no momento em que as pessoas manifestam a intenção de associar-se e dura enquanto se mantém o laço de cooperação mútua e a combinação de esforços na realização de objetivos do ente empresarial.

Não se identifica qualquer subordinação entre as pessoas, mesmo em se tratando de sócio minoritário. Todos estão no mesmo nível. São detentores de direitos e obrigações perante a sociedade que criaram. É importante destacar este ponto, tendo em vista a questão da sociedade de fato, sociedade em comum ou simplesmente sociedade irregular. A ausência de contrato escrito pode levar a dúvida se as pessoas que conduzem a sociedade são ou não sócios, mas a ausência de instrumento contratual não prejudica ou afasta a existência da “affectio societais”. A caracterização ocorre pelo liame de cooperação mútua entre as pessoas e não pela formalização do contrato escrito.

A ausência da “affectio societatis” significa dizer que a sociedade não se constituiu e, portanto, não há elemento para sua permanência no campo societário. A desarmonia não se coaduna com os princípios da sociedade. Ocorrendo, a sociedade caminhará para a bancarrota.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. CONFIGURAÇÃO DA PERDA DA AFFECTIO SOCIETATIS. DESNECESSIDADE DE APURAÇÃO DE FALTA GRAVE PARA EXCLUSÃO DE SÓCIO. APURAÇÃO DE HAVERES. LIQUIDAÇÃO QUE DEVE SER FEITA POR ARBITRAMENTO NOS TERMOS DO ART. 475-C, DO CPC. (…) O dissenso grave e o consequente desaparecimento da affectio societatis entre sócios de uma sociedade comercial, autoriza a sua dissolução parcial, com a retirada de um deles. A caracterização da quebra da affectio societatis induz à dissolução parcial da sociedade, sendo desnecessária a apuração de falta grave para tal fim”. (TJSC. Apelação Cível nº 679015. Relator: Desembargador Cláudio ValdyrHelfenstein, Terceira Câmara de Direito Comercial, Julgamento: 12-5-10)”.

Superior Tribunal de Justiça.

EMPRESARIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. CUNHO FAMILIAR. DISSOLUÇÃO. FUNDAMENTO NA QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS. POSSIBILIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. NECESSIDADE DE OPORTUNIZAR A PARTICIPAÇÃO DE TODOS OS SÓCIOS. CITAÇÃO INEXISTENTE. NULIDADE DA SENTENÇA RECONHECIDA. 1. Admite-se dissolução de sociedade anônima fechada de cunho familiar quando houver a quebra da affectio societatis. 2. A dissolução parcial deve prevalecer, sempre que possível, frente à pretensão de dissolução total, em homenagem à adoção do princípio da preservação da empresa, corolário do postulado de sua função social. 3. Para formação do livre convencimento motivado acerca da inviabilidade de manutenção da empresa dissolvenda, em decorrência de quebra do liame subjetivo dos sócios, é imprescindível a citação de cada um dos acionistas, em observância ao devido processo legal substancial. 4. Recurso especial não provido. (STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 1303284 PR 2012/0006691-5 (STJ – data da publicação: 13/05/2013)

 SOCIEDADE ANÔNIMA FAMILIAR. DISSOLUÇÃO PARCIAL.

A Seção reiterou ser possível a dissolução parcial de sociedade anônima familiar com apuração de haveres, no caso de quebra da affectio societatis, até para preservar a sociedade e sua utilidade social (Lei n. 6.404/1976, art. 206, II, b). Precedente citado: EREsp 111.294-PR, DJ 10/9/2007. EREsp 419.174-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgados em 28/5/2008. – 2ª seção. 

SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. QUOTAS DE CAPITAL. PENHORABILIDADE.

São penhoráveis, por dívida particular do sócio, as respectivas quotas de capital na sociedade limitada, porquanto prevalece o princípio de ordem pública, segundo o qual o devedor responde por suas dívidas com todos os bens presentes e futuros, não sendo, por isso mesmo, de se acolher a oponibilidade da affectio  societatis. Precedentes citados: REsp 172. 612-SP, DJ 28/9/1998, e REsp 34.692-SP, DJ 29/10/1996. REsp 201.181-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 29/3/2000.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM PERDAS EDANOS. EXTENSÃO DA OBRIGAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. AFFECTIO SOCIETATIS. RUPTURA. INEXEQUIBILIDADE DO CONTRATO SOCIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INGRESSO EM SOCIEDADE LIMITADA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL.NÃO CABIMENTO.

      1. Em ação de rescisão de contrato cumulada com perdas e danos, oacórdão recorrido considerou que as obrigações cumpridas pelarecorrida, nos termos do contrato preliminar, autorizavam suainclusão no quadro societário da empresa da qual são sócios os recorrentes. Assim, determinou a alteração do contrato social a fimde incluí-la como sócia com base nas regras processuais que asseguram a concessão de tutela específica para o cumprimento daobrigação de fazer.
      1. No tocante à extensão do cumprimento das obrigações de cada contratante, a demanda foi solucionada pelas instâncias ordinárias com ênfase na interpretação do contrato firmado entre as partes e nasua contextualização com os demais elementos fático-probatórios produzidos na instrução processual. Sob esse prisma, a pretensão recursal esbarra nos rigores contidos nas Súmulas nºs 5 e 7/STJ.
      1. Em contrato preliminar destinado a ingresso em quadro de sociedade limitada, a discussão passa pela affectio societatis, que constitui elemento subjetivo característico e impulsionador da sociedade, relacionado à convergência de interesses de seus sóciospara alcançar o objeto definido no contrato social. A ausência desse requisito pode tornar inexequível o fim social. Inteligência dosarts. 1.399, inciso III, do Código Civil de 1916 ou 1.034, incisoII,  do Código Civil de 2002, conforme o caso.
      1. Apresenta-se incabível provimento jurisdicional específico que determine o ingresso compulsório de sócio quando ausente a affectio societatis, motivo pelo qual se impõe a reforma do acórdão recorrido para decretar a resolução do contrato, a fim de que se resolva aquestão em perdas e danos.
      2. Recurso especial provido em parte. Sentença restabelecida. (REsp 1192726 / SC – RECURSO ESPECIAL – 2010/0083659-8 – T3 – TERCEIRA TURMA – DJe 20/03/2015).

As empresas tendem a se desintegrar como fenômeno natural decorrente das novas tecnologias, de novas exigências e de novos mercados.  Hoje, ninguém almeja adquirir uma máquina de escrever, a menos para enfeite, adorno ou simplesmente com a intenção de colecionar. Perdeu-se a utilidade frente ao crescimento dos computadores e outras tecnologias de comunicação.

A deterioração das organizações se observa pela elevada quantidade de falências decretadas e pela expressiva quantidade de recuperações judiciais deferidas. Em 2018 foram decretadas 930 falências das 1.459 requeridas; e, 1.215 recuperações judiciais deferidas, das 1.408 requeridas. Aponta-se ainda que que em 2016 ocorreu uma diminuição de 64.368 empresas, comparado com o ano de 2015. [4]

A vida das sociedades depende de uma série de fatores e entre eles está a capacidade dos sócios e administradores de compreenderem as razões do fenômeno da deterioração que possam afetá-los e adotar providencias visando ajustar os planos iniciais, remodelando não só fisicamente como o ajuste na affectiosocietatis. A capacidade das pessoas em manter alinhadas, compromissadas e em harmonia, sem dúvida é elemento determinante da continuidade da empresa. Há de considerar que as pessoas, também, sofrem declínio, provocados pela idade e pelas doenças. Não é suficiente que os sócios estejam em harmonia na conquista do objetivo e do resultado financeiro. É preciso que o contrato social preveja eventuais variações que possam ocorrer no futuro, como a reorganização do quadro societário, decorrente do falecimento, do envelhecimento e da incapacidade de sócios. Este é o ponto mais crítico.

A busca de substituto ou o ingresso de novo componente no quadro societário ou na administração da empresa, certamente afetará a affectio societatis e exigirá flexibilidade dos sócios remanescentes, para amoldar ao novo perfil que será formado após a alteração societária.

É nítida a intenção do legislador em preservar o convívio entre os sócios ao impedir a cessão livre de quotas às pessoas estranhas ao quadro societário. Não obstante a falta de previsão legal sobre a affectio societatis para constituição de sociedade, o legislador preocupou-se em manter a harmonia societária no momento da alteração do quadro societário.

[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 17 ed. São Paulo: Saraiva. V.2, p. 422

[2] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 30ª ed. atualizada por Carlos Henrique Abrão. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 173.

[3] FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito Comercial. 13ª ed. São Paulo: Atlas. 2012. p. 130

[4]https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101590.pdf – Estatística do Cadastro Central de Empresas 2016 – Rio de Janeiro 2018. Consulta efetuada em 5 de fevereiro de 2019.

Já noticiava a Gazeta Mercantil de 05.10.1978, que anualmente surgem cem mil novas sociedades e, que 82% delas desaparecem antes de completar três anos.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

REINALDO MONTEIRO:   advogado corporativo, consultor jurídico empresarial e professor do Centro Universitário FIG-UNIMESP.

 

A lei n. 14.010-2020 e os tratamentos relativos ao direito de família e das sucessões

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  • Flávio Tartuce

Foi sancionada no último dia 10 de junho de 2020 a Lei n. 14.010/2020, que cria um Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do coronavírus. Como se sabe, a nova norma tem origem no Projeto de Lei n. 1.179/2020, proposto originalmente pelo Senador Antonio Anastasia, após iniciativa dos Ministros Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e Antonio Carlos Ferreira, do Superior Tribunal de Justiça. Para o trabalho de sua elaboração foi composta uma comissão de juristas, liderada pelos Professores Otavio Luiz Rodrigues Jr. e Rodrigo Xavier Leonardo, que elaborou o texto, contando com minha participação, mediante sugestões enviadas à coordenação dos trabalhos e também ao Senador Rodrigo Pacheco e ao Deputado Vanderlei Macris, na tramitação no Congresso Nacional. As propostas feitas por mim também foram assinadas pelos Professores José Fernando Simão e Maurício Bunazar.

Ao final, muitos foram os vetos realizados pelo Sr. Presidente da República, Jair Bolsonaro, após ouvir os seus respectivos Ministérios, o que acabou por esvaziar a concretude da nova lei, especialmente no âmbito dos contratos. Houve também um grande atraso na sua votação na Câmara dos Deputados, o que prejudicou o seu caráter emergencial, pois quando da sua sanção já estamos, aparentemente, superando a primeira onda da pandemia em muitos locais do País.

Sobre o Direito de Família e das Sucessões, as duas regras que estavam no Projeto de Lei n. 1.179/2020 foram totalmente mantidas, sem qualquer modificação ou veto. São os arts. 15 e 16 da Lei n. 14.010/2020, o primeiro sobre alimentos e o segundo sobre a abertura e encerramento dos inventários.

Pois bem, a primeira norma dispões que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º, do CPC/2015, deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, e não mais em regime fechado, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Esse art. 15 da Lei n. 14.010/2020 segue o texto constante da Recomendação n. 62, de 17 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que em seu art. 6º orienta os magistrados com competência cível que “considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus”. No mesmo sentido, aliás, já vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, desde o início da crise pandêmica, como se retira dos seguintes acórdãos, das suas duas Turmas de Direito Privado:

HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEVEDOR DE ALIMENTOS. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DA MEDIDA POR PRISÃO DOMICILIAR. SUPERAÇÃO DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA N. 691/STF. RECOMENDAÇÃO N. 62/2020 DO CNJ. PANDEMIA DO CORONOVÍRUS (COVID 19). SITUAÇÃO EXCEPCIONAL A AUTORIZAR A CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DA PRISÃO CIVIL. 1. Controvérsia em torno da regularidade da prisão civil do devedor inadimplemente de prestação alimentícia, bem como acerca da forma de seu cumprimento no momento da pandemia pelo coronavírus (Covid 19). 2. Possibilidade de superação do óbice previsto na Súmula n. 691 do STF, em casos de flagrante ilegalidade ou quando indispensável para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, o que não ocorre no caso dos autos. 3. Considerando a gravidade do atual momento, em face da pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19), a exigir medidas para contenção do contágio, foi deferida parcialmente a liminar para assegurar ao paciente, o direito à prisão domiciliar, em atenção à Recomendação CNJ n. 62/2020. 4. Esta Terceira Turma do STJ, porém, recentemente, analisando pela primeira vez a questão em colegiado, concluiu que a melhor alternativa, no momento, é apenas a suspensão da execução das prisões civis por dívidas alimentares durante o período da pandemia, cujas condições serão estipuladas na origem pelos juízos da execução da prisão civil, inclusive com relação à duração, levando em conta as determinações do Governo Federal e dos Estados quanto à decretação do fim da pandemia (HC n. 574.495/SP). 5. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA” (STJ, HC 580.261/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020).

HABEAS CORPUS. OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA. INADIMPLEMENTO PRISÃO CIVIL. DECRETAÇÃO. PANDEMIA. SÚMULA N. 309/STJ. ART. 528, § 7º, DO CPC/2015. PRISÃO CIVIL. PANDEMIA (COVID-19). SUSPENSÃO TEMPORÁRIA. POSSIBILIDADE. DIFERIMENTO. PROVISORIEDADE. 1. Em virtude da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19), admite-se, excepcionalmente, a suspensão da prisão dos devedores por dívida alimentícia em regime fechado. 2. Hipótese emergencial de saúde pública que autoriza provisoriamente o diferimento da execução da obrigação cível enquanto pendente a pandemia. 3. Ordem concedida” (STJ, HC 574.495/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 01/06/2020).

HABEAS CORPUS. FAMÍLIA. PRISÃO CIVIL. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR EM FAVOR DE EX-CÔNJUGE. INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO ATUAL (SÚMULA 390/STJ). SITUAÇÃO FINANCEIRA DO DEVEDOR. INCURSÃO PROBATÓRIA INVIÁVEL EM SEDE DE RITO SUMÁRIO. PACIENTE IDOSO E CONVALESCENTE DE DOENÇA GRAVE. SITUAÇÃO OBJETIVA. PANDEMIA DO COVID-19. RISCO DE CONTÁGIO. CABIMENTO DE PRISÃO DOMICILIAR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. No caso em exame, a execução de alimentos refere-se a débito atual, não estando demonstrada pelas provas pré-constituídas a efetiva ausência de rendimentos. A verificação da redução da capacidade econômica do alimentante e a revisão das justificativas apresentadas para o inadimplemento da obrigação demandam dilação probatória, inviável em sede de Habeas Corpus. 2. Diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em regime diverso do fechado em estabelecimento estatal. 3. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para que o paciente, devedor de alimentos, possa cumprir a prisão civil em regime domiciliar” (STJ, HC 563.444/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 08/05/2020).

De todo modo, como se pode retirar da parte final do art. 15 da Lei n. 14.010/2020 e também dos julgados, o afastamento da prisão civil em regime fechado no presente momento não afasta a viabilidade de cobrança posterior da dívida em aberto. Merece ser destaque, ainda, o último acórdão, ao afastar a prisão do devedor idoso, o que já vinha sendo aplicando mesmo antes do surgimento da Covid-19.

Acrescente-se ainda decisão do próprio STJ que afastou a prisão civil do devedor de alimentos compensatórios – aqueles que visam apenas a reequilibrar o equilíbrio econômico-financeiro após o fim do casamento ou da união estável –, em tempos de pandemia. Como constou do trecho final da ementa, “na hipótese dos autos, a obrigação alimentícia foi fixada, visando indenizar a ex-esposa do recorrente pelos frutos advindos do patrimônio comum do casal, que se encontra sob a administração do ora recorrente, bem como a fim de manter o padrão de vida da alimentanda, revelando-se ilegal a prisão do recorrente/alimentante, a demandar a suspensão do decreto prisional, enquanto perdurar essa crise proveniente da pandemia causada por Covid-19, sem prejuízo de nova análise da ordem de prisão, de forma definitiva, oportunamente, após restaurada a situação normalidade” (STJ, RHC 117.996/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 08/06/2020). Na verdade, o próprio Tribunal já vinha entendendo que não cabe a prisão civil em casos tais, presentes esses alimentos.

Sobre o Direito das Sucessões, o art. 16 da Lei n. 14.010/2020 trata da suspensão dos prazos para a instauração e o encerramento dos processos de inventário e da partilha, previstos no art. 611 do CPC/2015. Para as sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, o termo inicial para a instauração será o dia 30 de outubro de 2020, e não mais dois meses da abertura da sucessão, como consta da norma processual. Além disso, está previsto no comando que o prazo de doze meses para que seja ultimado o processo de inventário e a partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor da lei – 12 de junho de 2020, quando foi publicada  –, até a citada data de 30 de outubro.

Como se sabe, as sanções para o descumprimento dessa norma processual dizem respeito à possibilidade de cada Estado da Federação ou o Distrito Federal instituir uma multa pelo retardamento do início ou da ultimação do inventário, não havendo qualquer inconstitucionalidade nessa instituição, conforme consta da Súmula 542 do Supremo Tribunal Federal.

No caso de São Paulo, por exemplo, o tema está tratado pela Lei Estadual n. 10.750/2000, no seu art. 21, inc. I, que prevê uma multa de 10% a 20%, calculada sobre o ITCMD, a última se houver um atraso superior a 180 dias no seu requerimento. No Rio de Janeiro, o art. 37, inc. V, da Lei Estadual n. 7.174/2015 também prevê uma multa de 10% sobre o imposto, cobrada em dobro quando constatada a infração no curso de um procedimento fiscal. Outras unidades da Federação, como Santa Catarina e o Distrito Federal, preveem multas fixas de 20% sobre o ITCMD, nas Leis n. 13.136/2004 e 5.452/2015, respectivamente.

Rodrigo Reis Mazzei e Deborah Azevedo Freire entendem que todas essas multas fiscais foram afastadas pelo artigo da nova lei emergencial, eis que “como é a lei federal que trata do prazo de instauração do inventário causa mortis, os diplomas estaduais e o distrital estão atrelados a tal comando, somente podendo aplicar a multa se não for descumprido o preceito que emana da legislação produzida pela União Federal, em respeito ao art. 22, I, da CF/88. Em suma, somente a União Federal pode regular Direito Civil e Direito Processual Civil, sendo o prazo para a instauração do inventário causa mortis assunto íntimo à competência prevista no art. 22, I, do Diploma Constitucional. O fato faz com que, inclusive, não seja incomum que a legislação local traga menção à aplicação de legislação federal em relação ao prazo para a instauração do inventário causa mortis” (MAZZEI, Rodrigo Reis; FREIRE, Deborah Azevedo. A instauração do inventário causa mortis. Breves (mas não óbvias) anotações a partir do regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Revista Nacional de Direito de Família e das Sucessões, n. 35, Porto Alegre: Magister, mar./abr. 2020. p. 23).

Sendo assim, concluem que a suspensão dos prazos do art. 611 do CPC/2015 pela Lei n. 14.010/2020 afasta essas multas fiscais: “isso, porque como os ditames do citado dispositivo do CPC estão afetados pelo art. 19 do RJET, caso se obedeça à normatização transitória não há conduta contrária à legislação que permita a imposição de qualquer multa, inclusive de natureza fiscal” (MAZZEI, Rodrigo Reis; FREIRE, Deborah Azevedo. A instauração do inventário causa mortis. Breves (mas não óbvias) anotações a partir do regime jurídico emergencial e transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Revista Nacional de Direito de Família e das Sucessões, n. 35, Porto Alegre: Magister, mar./abr. 2020. p. 23). Anote-se que os autores comentaram o art. 19 do então Projeto n. 1.179/2020, que hoje equivale ao art. 16 da Lei n. 14.010/2020.

Todavia, a questão não é pacífica. José Fernando Simão –  em artigo ainda inédito, escrito em coautoria comigo e com Maurício Bunazar -, sustenta que essa conclusão não vale para o Estado de São Paulo, citando os últimos autores e rebatendo os seus argumentos. Vejamos as suas palavras:

“Curiosa é a conclusão, em meu sentir, equivocada, sobre a legislação tributária do Estado de São Paulo. Afirmam os autores que: ‘Em São Paulo, por exemplo, o art. 21, I, da Lei nº 10.705/2000, prevê que se o inventário (ou arrolamento) não for requerido dentro do prazo fixado pela legislação federal, o ITCMD será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto, mas se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento).

Com a devida vênia, a lei estadual de São Paulo não diz isso. O artigo 21 deve ser lido conjuntamente com o artigo 17. Seguindo máxima de Jean Portalis, um dos autores do Code Napoleón, uma lei não se interpreta por leitura de um artigo isoladamente, mas sim, um artigo pelo outro. E o artigo 17 da Lei 10.705 de 2000 assim determina:

‘Artigo 17 – Na transmissão ‘causa mortis’, o imposto será pago até o prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento, observado o disposto no artigo 15 desta lei. § 1º – O prazo de recolhimento do imposto não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias da abertura da sucessão, sob pena de sujeitar-se o débito à taxa de juros prevista no artigo 20, acrescido das penalidades cabíveis, ressalvado, por motivo justo, o caso de dilação desse prazo pela autoridade judicial’.

Há prazo limite para recolhimento do tributo expresso e que, como se sabe, o prazo da lei especial (para recolhimento do tributo), ao não mencionar a abertura do inventário, não se suspende pela lei especial. Aliás, a interpretação em sentido contrário ignora um fato: o tributo pode ser recolhido, mesmo se inventário não houver. Uma tabela ajuda na compreensão da questão. (…).

Em conclusão, a data da abertura do inventário, para fins da lei paulista, é irrelevante, pois o ITCMD deve ser recolhido em 180 dias da abertura da sucessão, da morte, sem qualquer relação com o prazo de 2 meses do artigo 611 agora ‘dilatado’ pelo RJET.

Para o caso de São Paulo, o RJET é inócuo caso o recolhimento do ITCMD não ocorra no prazo máximo de 180 dias contados da morte: haverá multa de 20%. Vamos agora explicar, então, o texto do artigo 21, I da lei paulista, compilado por Rodrigo Mazzei e Deborah Azevedo Freire:

‘I – no inventário e arrolamento que não for requerido dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão, o imposto será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto; se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento)’.

Se o inventário não for requerido em 60 dias da abertura da sucessão (o que não corresponde aos dois meses do art. 611 do CPC, pois prazo que se conta em dia difere de prazo que se conta em meses), mas o tributo for recolhido nesse prazo, multa não há. Se o inventário for requerido nesse prazo e o tributo não for recolhido, multa haverá de 10%, salvo dilação desse prazo pela autoridade judicial (art. 17 da lei 10.705/2000). Essa é a interpretação sistemática da lei paulista. Não por fatias, mas um artigo lido pelo outro. O artigo 17 é chave de interpretação do artigo 21” (SIMÃO, José Fernando. Comentários ao que sobrou da Lei n. 14.010/2020, que cria um sistema emergencial de Direito Privado em Tempos de pandemia. No prelo).

De fato, essa é uma questão tormentosa, que deve atingir o Poder Judiciário, havendo fortes argumentos nas duas teses levantadas. A priori, estou filiado às primeiras lições, diante da competência da União Federal para tratar de temas atinentes ao Direito das Sucessões, correlato ao Direito Civil e Processual Civil. Ademais, a lei emergencial de 2020 parece ser mais específica do que as normas estaduais, como se o seu próprio nome demonstra. Além disso, vale lembrar que o fim social da norma emergencial – nos termos do art. 5º da LINDB –, foi justamente o de suspender esses prazos processuais e, como consequências, as multas fiscais. Sendo assim, concluir o contrário esvaziaria sobremaneira a nova regra. De toda sorte, reitero a minha percepção que o debate exposto existirá no futuro, com interesses conflitantes de contribuintes e do Fisco Estadual. Veremos como a jurisprudência brasileira se comportará no futuro.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

FLÁBIO TARTUCE:   Pós-Doutorando e Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor Titular permanente e coordenador do mestrado da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito Privado da EPD. Professor do G7 Jurídico. Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCONT). Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em São Paulo (IBDFAM/SP). Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.

 

Gestante com contrato temporário não tem direito à garantia provisória de emprego

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Uma consultora de vendas que prestou serviços para a Tim Celular S.A. em Cuiabá (MT) e soube de sua gravidez após o fim do contrato temporário não tem direito à garantia provisória de emprego. A decisão da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho segue entendimento recente do Pleno do TST, que considerou inaplicável a estabilidade da gestante no caso de contratação temporária.

Gravidez

A consultora foi contratada pela Spot Representações e Serviços Ltda., de Brasília (DF), para prestar serviços à TIM até 12/2/2016. O laudo de ultrassonografia obstétrica, de 6/5/2016, comprovou que ela estava grávida de 13 semanas na data da dispensa. Em sua defesa, a Spot alegou que a estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) seria incompatível com a contratação temporária.

Compatibilidade

Condenada ao pagamento de indenização no primeiro grau, a Spot recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (MT), que manteve a sentença, por entender que não há incompatibilidade entre a garantia constitucional à estabilidade provisória gestacional e a modalidade contratual. Segundo o TRT, a empregada que se descubra gestante durante o contrato por prazo determinado, “a exemplo do temporário”, tem garantido o seu direito ao emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. “Eventual dispensa implementada durante esse interregno é ilegal e, portanto, anulável”, registrou.

Efeito vinculante

A relatora do recurso de revista da Spot, ministra Kátia Arruda, destacou que, em novembro de 2019, o Pleno do TST, ao julgar Incidente de Assunção de Competência (IAC-5639-31.2013.5.12.0051), considerou inaplicável a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante contratada sob o regime de trabalho temporário previsto na Lei 6.019/1974.

Por ter efeito vinculante, o entendimento do Pleno foi adotado pela Turma.

A decisão foi unânime.  Processo: RR-722-05.2016.5.23.0003

FONTE:  TST, 03 de julho de 2020.

Para Quarta Turma, mutuário tem um ano após fim do contrato para cobrar seguro do SFH por vício de construção

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​A ação para cobrar a cobertura securitária por vício de construção (o chamado vício oculto), no caso de apólice pública vinculada ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), deve ser ajuizada durante o prazo do financiamento ao qual o seguro está vinculado ou, no máximo, em até um ano após o término do contrato. Assim, é inviável a pretensão de acionar o seguro por vícios de construção anos após o fim do financiamento.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, seguindo o voto da ministra Isabel Gallotti, rejeitou o recurso de um grupo de proprietários que pretendia usar o seguro habitacional para reparar problemas estruturais dos imóveis oito anos após a quitação dos contratos.

Os proprietários compraram unidades de um conjunto habitacional em 1980, assinando financiamento que foi quitado em 2000. Oito anos depois, alegando vícios de construção, eles acionaram a companhia seguradora responsável pela apólice vinculada ao financiamento.

O Tribunal de Justiça do Paraná reconheceu a prescrição do direito dos proprietários em mover a ação, considerando o prazo prescricional de um ano previsto na alínea “b” do inciso II do parágrafo 1º do artigo 206 do Código Civil.

Fatores ​​externos

Em seu voto, a ministra Isabel Gallotti fez uma longa explanação sobre as peculiaridades do seguro habitacional vinculado ao financiamento, utilizado no Brasil desde a criação do SFH pela Lei 4.380/1964.

Uma das características apontadas por ela é a cobertura para danos decorrentes de eventos futuros e incertos, decorrentes de fatores externos, não incluídos os vícios de construção. Para que estes sejam considerados compreendidos na cobertura, ressaltou, é imprescindível que haja cláusula nesse sentido.

“Não é inerente à natureza do contrato de seguro a cobertura de vício intrínseco à coisa. Ao contrário, trata-se de risco não coberto, salvo disposição contratual explícita”, afirmou Gallotti ao lembrar que, em regra, a responsabilidade por defeito de construção é do construtor e de seus responsáveis técnicos.

Dir​​eito público

A ministra explicou que o caso em julgamento era referente a apólice pública, não mais disponível após alterações legislativas que restringiram o seguro habitacional à contratação de apólices privadas.

Na apólice privada – assinalou –, o risco é da seguradora; na apólice pública, o risco é garantido por um fundo e submetido a normas de direito público, sendo inviável aplicar o Código de Defesa do Consumidor para eventual responsabilização desse seguro quanto aos vícios de construção, já que não era um serviço contratado livremente no mercado, mas imposto por lei, com regras estabelecidas pela autoridade pública.

“Penso que princípios gerais como a boa-fé objetiva, lealdade e confiança recíproca não podem justificar a obrigação de cobertura de sinistros expressamente excluídos pela apólice de seguro habitacional”, disse ela.

Base a​​tuarial

A regulamentação da apólice pública – comentou Isabel Gallotti – exclui, como regra geral, a cobertura de vícios de construção, mas há exceção.

“Em prol do equilíbrio da apólice única só haverá a cobertura de vício intrínseco ao imóvel caso se trate de financiamento concedido a mutuário final (pessoa física) e ainda não decorrido o prazo legalmente previsto para a responsabilidade objetiva do construtor (cinco anos do habite-se), exigindo-se, também, seja o responsável identificado, localizado e não falido.”

Segundo a ministra, a cobertura irrestrita de vícios de construção, por períodos mais longos do que a responsabilidade do próprio construtor, e em termos não estipulados na apólice, tornaria o seguro sem base atuarial, inviabilizando financeiramente o SFH.

Ela afirmou que, uma vez extinto o contrato de financiamento, extingue-se necessariamente o contrato de seguro a ele vinculado, cuja finalidade é assegurar a evolução normal do financiamento, garantindo que as prestações continuarão sendo pagas em caso de morte ou invalidez do mutuário e que o imóvel dado em garantia à instituição financeira não perecerá durante a execução do contrato.

Com a quitação do financiamento – prosseguiu Gallotti –, extingue-se também o contrato de seguro e cessa o pagamento do prêmio. Ela lembrou que nada impede o mutuário de adquirir uma segunda apólice para obter cobertura mais ampla, que supere o período do financiamento e abranja outros tipos de risco.

Marco​​ inicial

A ministra citou precedentes do STJ no sentido de que, sendo o vício oculto percebido somente após a extinção do contrato, a seguradora tem o dever de cobrir o dano.

Segundo ela, a jurisprudência do tribunal considera que os vícios ocultos, que se consolidam ao longo dos anos, dificultam a demarcação do momento exato de sua ciência pelo mutuário e do início do prazo prescricional; por isso, adotou-se o entendimento de que esse prazo – que é de um ano – começa a contar quando a seguradora, comunicada do problema, deixa de pagar a indenização.

No entanto, para Gallotti, a postergação indefinida do termo inicial da prescrição, além de incoerente com a finalidade do seguro, “acarreta insustentável ônus ao sistema, inviabilizando a constituição das reservas técnicas necessárias ao seu equilíbrio”.

Mesmo considerando que a extinção do contrato não dispensa a seguradora das obrigações constituídas em sua vigência, a ministra apontou a necessidade de se observar o prazo legal de um ano para a prescrição das ações de mutuários destinadas a cobrar o seguro vinculado ao SFH.

“Não se podendo precisar a data exata da ciência do defeito de construção ensejador do sinistro, o prazo anual de prescrição inicia-se a partir do dia seguinte ao término da vigência do contrato de financiamento”, concluiu a magistrada.  REsp 1743505

FONTE: 02 de julho de 2020.

Instituição médica deverá indenizar casal por divulgação de resultado teste de gravidez a terceiros

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A 9ª Vara Cível do Foro Regional de Santo Amaro condenou uma instituição médica ligada ao poder público a indenizar um casal por danos morais, no valor de R$ 10 mil para cada um, pela divulgação de exame de gravidez a terceiros.

Consta dos autos que a autora, menor de idade à época dos fatos, realizou exames de rotina numa Unidade Básica de Saúde e uma funcionária da entidade-ré foi até sua residência para informar que seu teste de gravidez tinha dado positivo. Não encontrando ninguém na casa da autora, a funcionária dirigiu-se à vizinha e informou o resultado do exame, além de divulgar para funcionários da UBS. A requerente alegou que não havia realizado exame nenhum e que a atitude da preposta do laboratório provocou um escândalo na igreja em que frequentavam e na família do casal. O constrangimento foi tamanho que a autora fez exame posteriormente para constatar que não estava grávida e que tampouco havia realizado aborto.

O juiz Anderson Cortez Mendes afirmou que o caso é de responsabilização civil da empresa fornecedora do serviço. “Ao efetuar o desempenho de sua atividade empresarial, a ré deveria cercar-se das cautelas indispensáveis para que transtornos indevidos não fossem acarretados aos consumidores”, escreveu o magistrado na sentença.

O juiz ressaltou que a comunicação indevida dos resultados de exames a terceiros não responsáveis pela autora, que era menor de idade na época, além da divulgação de resultado de exame que sequer havia sido feito, ocasionou transtornos aos autores que geram o dever de indenizar. “Não se pode negar, nessa esteira, os transtornos ocasionados aos autores frente aos seus pais, comunidade e a igreja que frequentam com a divulgação de resultado de exame positivo para gravidez sequer realizado pela autora, menor de idade, na época dos fatos, por si só, afetam sua normalidade psíquica”, pontuou. “Anote-se que o dano moral não é somente indenizável quando implica na provocação de abalo ao nome e a imagem da pessoa, mas também quando há como consequência do ato ilícito o sofrimento psicológico, tal como aquele decorrente dos transtornos causados pela recalcitrância do fornecedor em atender aos anseios do consumidor”, concluiu o juiz.

Cabe recurso da sentença.          Processo nº 1017046-81.2020.8.26.0002

FONTE:  TJSP, 06 de julho de 2020

JUSTIÇA GRATUITA: Condomínio consegue justiça gratuita diante de precária situação financeira

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TJ/SP considerou que muitas das pessoas que residem nos imóveis são, presumivelmente, de baixa renda, e negar o benefício poderia impossibilitar o livre acesso à justiça.

A 27ª câmara de Direito Privado do TJ/SP assegurou gratuidade de justiça a condomínio. O colegiado considerou que demonstrado o índice de inadimplência dos condôminos, sendo plausível, portanto, sua precária situação financeira.

Na origem, trata-se de ação de execução contra o espólio de um morador que já não pagava as despesas condominiais há quase dois anos. No início, não foi pedida a gratuidade ao juízo, mas conforme o processo avançou e o tempo se passou, a condomínio narrou a piora da saúde financeira, pois outros condôminos também ficaram inadimplentes, chegando o índice de inadimplência em 40%.

O condomínio alegou que não poderia arcar com o valor dos honorários periciais da causa, de R$ 3,6 mil, e requereu o deferimento do benefício da gratuidade, o que foi negado pelo juízo de 1º grau.

O relator do agravo, desembargador Campos Petroni, o benefício era devido eis que o condomínio “acostou aos autos os documentos que indicam o índice de inadimplência dos condôminos, sendo plausível, portanto, sua precária situação financeira“.

Ademais, muitas das pessoas que residem nesses imóveis são, presumivelmente, de baixa renda, o que implicaria em arrecadação menor pelo Condomínio, ao fixar despesas condominiais adequadas e à altura do poder aquisitivo dos seus moradores (genericamente falando).”

Para o desembargador, negar o benefício da justiça gratuita “é privá-las dos seus direitos individuais fundamentais, amplamente assegurados pela Carta Magna. É, frise-se, impossibilitar o livre acesso à justiça”.

A decisão foi unânime. A advogada Susanne Vale Diniz Schaefer representa o condomínio.     Processo: 2111948-15.2020.8.26.0000

FONTE:  Migalhas, TJSP, 06 de julho de 2020.

INJURIA RACIAL: Mulher deverá indenizar segurança em R$ 10 mil por injúria racial

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Uma mulher que cometeu o crime de injúria racial contra o segurança de um restaurante em Belo Horizonte, Minas Gerais, terá que lhe pagar R$ 10 mil, por danos morais. A decisão é da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG. O acórdão confirma o entendimento proferido pela 25ª Vara Cível, que determinou o pagamento da indenização, além de multa por dia de atraso no pagamento.

No recurso enviado ao TJMG, a acusada disse que os argumentos apresentados pelo segurança eram frágeis e que a testemunha indicada por ele não sabia ao certo quais teriam sido os termos usados na ofensa. Ela alegou que, ao ser instada pelo segurança, disse apenas que ele parecia um “chato de galocha” e que “somente porque veste roupa preta acha que é o tal”.

No entanto, a testemunha do ofendido confirmou que a frequentadora o chamou de “urubu, negro, safado e macaco”. De acordo com o relato do profissional, ele fazia a vigilância de um restaurante próximo a uma tradicional feira que ocorria aos sábados, e que era comum frequentadores da exposição irem ao banheiro. Diante disso, a administração do restaurante decidiu cobrar uma taxa de R$ 0,50.

Ele conta que a frequentadora entrou na casa, foi ao banheiro, não consumiu nada e, ao sair, foi informada por ele da taxa. Revoltada, jogou o dinheiro no balcão, proferindo palavras que, segundo a ação de danos morais inicial, configuram injúria racial. Várias pessoas, de acordo com o trabalhador, presenciaram o fato.

Para os desembargadores que julgaram o caso, não restaram dúvidas de que a mulher ofendeu o homem com palavras racistas, e as testemunhas disseram ter certeza dos termos usados pela mulher. Portanto, diferentemente do alegado pela parte autora, inexistem elementos capazes de retirar a credibilidade do depoimento utilizado como lastro para a condenação.

Importância da conscientização

Na última sexta-feira (03/07), foi comemorado o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. Buscando reforçar essa batalha de conscientização social, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.875/19 que permite que os órgãos públicos e as empresas estatais federais firmem compromissos de combate ao racismo estrutural em suas dependências.

Para Caroline Ingrid de Freitas Vidal, presidente da Comissão da Diversidade Racial e Etnia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o projeto tem muita sensibilidade e olhar voltado à qualificação do combate ao racismo dentro da estrutura pública atual.
“Ele visa fomentar a qualificação de servidores, motivar a cultura de denúncia e treinamento do funcionalismo público em combate ao racismo, injúria e outras práticas discriminatórias em razão de cor, raça e religião”, afirma.

Em sua opinião, o projeto “vem como avanço porque propõe que os órgãos reúnam números e apresentem estudos de forma a melhorar o atendimento à população negra. Também faz recorte especial às mulheres negras que, segundo pesquisas, sofrem ainda mais. Principalmente em setores de atendimento de ponta como a saúde”.

FONTE: IBDFAM, 06 de julho de 2020.

EFEITO DA PANDEMIA: Ministro restitui prazo após única advogada da parte contrair Covid-19

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​​O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo de Tarso Sanseverino decidiu restituir o prazo processual em um agravo em recurso especial em virtude de a única advogada constituída por uma das partes ter sido acometida pelo novo coronavírus (Covid-19).

No pedido de devolução do prazo, a advogada apresentou atestado médico com a recomendação de que, em razão da doença, ela deveria ficar afastada de suas atividades profissionais e permanecer em isolamento domiciliar durante 21 dias, contados da realização do teste sorológico.

Além disso, a advogada alegou que, também por causa da pandemia, não conseguiu substabelecer o mandato a outro profissional, tendo em vista que os advogados que atuam na sua região estão em quarentena ou em isolamento.

Ao deferir o pedido, o ministro Sanseverino destacou que, conforme a jurisprudência do STJ, a doença que atinge o advogado e o impede totalmente de praticar atos processuais constitui justa causa para efeito do artigo 223, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, quando o defensor for o único constituído nos autos.

FONTE: STJ, 01 DE JUNHO DE 2020.

 

Morte emblemática e silêncio contundente

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  • Gisele Leite 

Resumo: Não importa a quantidade de melanina. Existe igual proporção de humanidade que exige sempre a dignidade a ser respeitada.

Palavras-Chave: Racismo. Violência policial. Racismo Estrutural. Dignidade Humana. Desigualdade.


Os EUA vivenciam a mais forte onda de manifestações populares desde 1968, quando após o assassinato do líder em defesa dos direitos civis, reverendo Martin Luther King Junior.

O estopim dos presentes protestos foi a explícita asfixia letal de George Floyd, um afro-americano de quarenta e seis anos de idade que fora realizada por policial branco que se ajoelhara sobre seu pescoço, por mais de oito minutos.

O homicídio acarretou fortes manifestações populares em repúdio em mais de setenta e cinco cidades norte-americanas e, mesmo em outros países; como o Reino Unido, apesar de que em mais de quarenta cidades norte-americanas fora decretada pelas autoridades o toque de recolher.

Deu-se, igualmente, o uso da Guarda Nacional (que é a força militar para emergências) quando foi acionada mais de dezesseis mil soldados que foram distribuídos entre os vinte e quatro Estados e a capital Washington.

O infame assassinato de George foi chocante e os protestos ocorrem justamente em meio a pandemia do Covid-19 e, trouxeram os gritos uníssonos de multidões: – Black Lives Matter! (Vidas negras importam!) e I can’t breathe (Não consigo respirar).

A população de Minneapolis, em Minnesota, ocupou a rua em protesto e as imagens de delegacias, lojas e automóveis incendiados circulam pelasredes sociais e na imprensa internacional, retratando a intensa revolta de milhares de cidadãos com o mais brutal caso de violênciapolicial no país, repudiado em todo o mundo.

O vídeo da morte de Floyd demonstra perfeitamente e fora realizado por uma testemunha ocular, mostrando que a vítima restava completamente imobilizada e, já deitada rente ao chão, e sua fala em agonia que anunciava que não conseguia respirar. O que representou poderoso gatilho para haver a presente e ruidosa indignação.

Os ativistas da causa negra contra o racismo nos EUA defendem-se que o protesto é pacífico e, não há incluem atos de vandalismo que quebram e incendeiam propriedades. Há oportunistas juntando-se aos ativistas para fins ilegais, infelizmente.

Mas, a morte do Floyd não é caso isolado nas comunidades pobres e negras norte-americanas que são submetidas a constante e excessiva vigilância policial.

O historiador Julian Zelizer da Universidade de Princeton assinala que os negros vivem com medo perante exatamente aqueles que deveriam protegê-los. Há estudos que apontam que os negros têm 3,5 vezes maiores chances de serem mortos por policiais, em comparação aos brancos. E, ainda, entre os adolescentes tal possibilidade é vinte e uma vezes maior. Estatísticas balizadas registram que a cada quarenta horas a polícia ianque mata uma pessoa negra.

O Jornal Extra, em 25.05.2015 apontou que o racismo e violência policial são as maiores causas de homicídios de jovens no Brasil. E, ainda, informaque a cada dez minutos, uma pessoa é assassinada no país. Meninos têm 12 vezes mais chances de fazer parte dessas estatísticas que meninas.

Meninos negros[1] têm três vezes mais chances de serem assassinados que os brancos. Se o garoto for negro e morar na Paraíba, a relação é 13 vezes maior.(In: https://extra.globo.com/noticias/brasil/racismo-violencia-policial-sao-as-maiores-causas-de-homicidios-de-jovens-no-brasil-16266973.html Acesso em 07.6.2020).

Aliás, os excessos da parte dos policiais não representam a única faceta do racismo dos EUA, nem foram o único motivo dos protestos atuais. É a profunda desigualdade que os afeta, bem como elevados níveis de mortalidade materna, além de serem os negros a maioria da população carcerária e, as contumazes vítimas fatais do Covid-19.

Até a pandemia dissemina-se com maior facilidade entre negros e mestiços que sofrem desproporcionalmente, seja em número de contaminados e, em número de óbitos.

Zelizer. ainda aponta. a resposta equivocada de Trump que só fez inflamar os ânimos, quando se precisava de líder apaziguador e, não mais, de um piromaníaco no cenário já conturbado. Outra infeliz coincidência com a triste realidade brasileira.

O racismo estrutural é a naturalização ou banalização de pensamentos e práticas de discriminação racial. E, nosso país carrega o pesado fardo de três séculos de escravidão, tendo sido o derradeiro país a aboli-la, pelo menos formalmente em 1888.

E, depois de mais meio século, restou então fixado no inconsciente coletivo brasileiro, a marginalização de pessoas negras e mestiças que deixam de exerce por direito sua cidadania plena.

É o caso da prática recorrente de piadas vexatórias abordando negros, indígenas, asiáticos, bem como, outras etnias que são expostas e ridicularizadas por práticas degradantes e criminosas. Aliás, entre nós, tem até sujeito ativo do crime, integrando o Ministério da Educação (o que por si só, parece ser outra piada ou ironia de gosto duvidoso).

O racismo estrutural é parte integrante do cotidiano brasileiro e, não é velado, apesar de vozes dissidentes. Por isso, existe o uso reiterado de eufemismos tais como “pessoa de cor”, “moreno”, “queimado” e “pardo[2]”, o que acentua o nítido desconforto em utilizar as palavras “negro”, “negra” ou “preto” e “preta”.

O racismo social igualmente já foi chamado de estrutural segundo Carl E. James[3] pois a sociedade é arquitetada de forma a excluir número expressivo de minorias da participação em instituições sociais, se bem, que no Brasil os negros e mestiços não representem minorias.

Recentemente, uma criança de apenas cinco anos de idade morreu após a queda do novo andar de edifício de luxo na capital pernambucana (35 metros de altura). A vítima da queda, era filho da empregada doméstica, e estava sob os cuidados de Sarí Mariana Corte Real, a primeira-dama da cidade de Tamandaré, qual fora solta após o pagamento de régia fiança de vinte mil reais, por homicídio culposo.

Convém frisar, oportunamente, que houve, in casu, o famoso dolo eventual, diante da comprovação cabal de filmagem[4] que viralizou tanto na mídia brasileira como em redes sociais, demonstrando o abandono da criança no elevador de serviço, tratando-se, portanto, de homicídio doloso.

Miguel, filho de Mirtes, na ocasião acompanhou a sua mãe ao trabalho, porque em face da presente pandemia não tinha a creche em razão de medidas de isolamento social e, não poderia ficar com sua avó materna, pois esta precisava ir ao médico.

Aliás, a mãe de Miguel, Mirtes, como empregada doméstica prosseguiu trabalhado, apesar de seu serviço não ser reconhecido e considerado como essencial pelas listas oficiais brasileiras.

Cumpre, ainda, sublinhar a responsabilidade civil do referido Condomínio de luxo remanesce, pois o lugar oferece explícita periculosidade factível de ser simplesmente evitada através de cuidados e providências mínimas.

Mirtes e a sua mãe trabalhavam para Sarí e Sérgio Hacker, o atual prefeito de Tamandaré, mas pediram demissão. A morte de Miguel, mais um arcanjo caído, credita-se provavelmente ao racismo estrutural brasileiro, onde vige a tolerância para atos tanto constrangedores como abandonos letais.

Há quem condene a mãe de Miguel. Há quem condena a patroa. Mas, não há quem condena a consciência sistemática de não se importar com a vida humana e, a urgente necessidade de se preservar sua dignidade.

Novamente, o Presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo alcunhou publicamente o movimento negro de “escória maldita”[5], além de manifestar rejeição às religiões de origem africana.

E, o fato de ser negro, não lhe confere imunidade, nem credenciamento para cometer o crime de racismo bem como promover a discriminação contra as religiões de cepa africana.

Não vige imunidade penal nem moral para quem comete crime imprescritível e inafiançável de racismo[6], ou ainda, de injúria racial[7]. Infelizmente, tudo ocorre mediante o desgoverno brasileiro atual que entoa o mais contundente silêncio[8].

Referências:

DORIGNY, Marcel. As abolições da escravatura no Brasil e no mundo. São Paulo: Contexto, 2019.

FERREIRA, Antônio Honório. Classificação racial no Brasil, por aparência ou por origem?Disponível em: https://anpocs.com/index.php/papers-36-encontro/gt-2/gt30-2/8192-classificacao-racial-no-brasil-por-aparencia-ou-por-origem/fileAcesso em 07.06.2020.

FURTADO FILHO, Emmanuel Teófilo. Combate à Discriminação Racial no Brasil e na França: Estudo Comparado da Efetivação dasAções Afirmativas. São Paulo: LTr, 2013.

GOMES, Laurentino.  Escravidão. Vol.1 Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte deZumbi de Palmares.  Rio de Janeiro: Editora GloboLivros, 2019.

HEYWOOD, Linda M. Diáspora Negra no Brasil. 2ª edição. São Paulo: Contexto, 2008.

JORNAL EXTRA. Data: 25.05.2015 Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/brasil/racismo-violencia-policial-sao-as-maiores-causas-de-homicidios-de-jovens-no-brasil-16266973.html Acesso em 07.6.2020).

LEITE, Gisele. O que é preconceito? Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/374355 Acesso em 07.6.2020.

_____________. Ainda sobre o preconceito … Disponível em: https://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/2729962Acesso em 07.6.2020.

______________. Constitucionalismo norte-americano e separação de poderes. Disponível em: https://juristas.com.br/2020/06/06/constitucionalismo-norte-americano-e-separacao-de-poderes/ Acesso em 7.6.2020.

_______________. Em um país chamado favela. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/em-um-pais-chamado-favela Acesso em 07.06.2020.

_______________. Considerações sobre a segregação racial nos Estados Unidos (EUA). Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/consideracoes-sobre-a-segregacao-racial-nos-estados-unidos-euaAcesso em 07.06.2020.

PARDO – Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pardos Acesso em 07.06.2020.

[1]O manual do IBGE define o significado atribuído ao termo “pardo” como pessoas com uma mistura de cores de pele, seja essa miscigenação mulata (descendentes de brancos e negros), cabocla (descendentes de brancos e ameríndios), cafuza (descendentes de negros e indígenas) ou mestiça.De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, os pardos compõem 79,782 milhões de pessoas, ou 42,6% da população do Brasil.Estudos genéticos contemporâneos revelam que os pardos possuem ancestralidades europeia, indígena e africana, variando as proporções de acordo com o indivíduo e a região.

[2] O primeiro recenseamento geral da população, o de 1872, diferenciava as pessoas pela condição de serem livres ou escravas. As categorias de cor utilizadas foram aquelas que estavam mais disseminadas na população à época: preto, pardo, branco e caboclo. Preto e pardo eram as categorias de cor, reservadas aos escravos, mas também para as pessoas livres. O segundo censo geral, o de 1890, também adotou o critério misto para compor as categorias (preto, branco, caboclo e mestiço), de modo a referir-se, explicitamente, à ancestralidade ou ascendência das pessoas. Nota-se que o termo mestiço substituiu o

termo “pardo” e deveria ser usado para se referir, exclusivamente, aos descendentes da união de pretos e brancos. O termo “mestiço” deu lugar ao termo “pardo” e criou-se a categoria amarelo para designar os imigrantes asiáticos, particularmente japoneses e seus descendentes, que ingressaram no país a partir de 1908. O Censo de 1950, segundo dos censos modernos, seguiu as cores do Censo de 1940 e explicitava que a categoria” pardo” deveria abranger os índios, mulatos, caboclos, cafuzos e outros, um amálgama de aparência e origem.

[3] Professor de Educação da Universidade de York onde é nomeado em programas de pós-graduação em Sociologia e na Escola de Serviço Social, e também atua como diretor do Centro de Educação e Comunidade de York. Ele é o autor de Race in Play: Entendendo os mundos socioculturais dos estudantes atletas (CSPI, 2005), coeditor da popular coleção Raça e racialização: leituras essenciais (CSPI, 2007) e autor de inúmeros livros e artigos acadêmicos, bem como um colaborador regular da mídia nacional.

[4]  In: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-miguel-video-mostra-caminho-percorrido-por-menino-antes-de-cair-do-9o-andar-e-morrer.ghtml

[5]  In: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/06/02/presidente-da-fundacao-palmares-chama-o-movimento-negro-de-escoria-maldita.ghtmlEsta não é a primeira vez que Sérgio Camargo se envolve em polêmica. A nomeação dele, em novembro de 2019, pelo presidente Jair Bolsonaro chegou a ser suspensa na Justiça por declarações incompatíveis com o cargo.

[6]A prática de racismo ainda é uma realidade na sociedade brasileira. Por conta disso, ao formular a Constituição Cidadã de 1988, o constituinte se preocupou não somente em garantir direitos e liberdades individuais, mas também em assegurar que isso fosse concretizado por meio da punição a comportamentos que violem tais direitos. O crime de racismo é uma dessas formas de violação dos direitos e liberdades individuais e, dessa maneira, é por meio do Inciso XLII do Artigo 5º da Constituição Federal que ele é definido como crime.

[7] Ao contrário da injúria racial, cuja prescrição é de oito anos – antes de transitar em julgado a sentença final –, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal. Apesar disso, de acordo com o promotor Pierobom, na prática é difícil comprovar o crime quando os vestígios já desapareceram e a memória enfraqueceu. O promotor lembra de um caso em quefoi possível reconhecer o crime de racismo após décadas do ato praticado, o Habeas Corpus 82.424, julgado em 2003 no Supremo Tribunal Federal (STF), em que a corte manteve a condenação de um livro publicado com ideias preconceituosase discriminatórias contra a comunidade judaica, considerando, por exemplo, que o holocausto não teria existido. A denúncia contra o livro foi feita em 1986 por movimentos populares de combate ao racismo e o STF manteve a condenação por considerar o crime de racismo imprescritível.

(In: https://www.politize.com.br/artigo-5/criminalizacao-do-racismo/).

[8]Segundo um levantamento feito pela “GloboNews”, do ano de 1988, até ano de 2017, apenas 244 processos de injúria racial e racismo foram finalizados no Estado do Rio de Janeiro. Isso demonstra que, apesar dessas práticas serem frequentes em nossa sociedade, ainda não conseguimos solucioná-las e puni-las devidamente, mesmo com as disposições constitucionais do inciso XLII.