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Restabelecidas normas do Conama sobre áreas de proteção e licenciamento

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Resoluções tratam do licenciamento para empreendimentos de irrigação e dos limites de Áreas de Preservação Permanente, como dunas, manguezais e restingas.

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os efeitos da Resolução 500/2020, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que revogou três normas anteriores do órgão que tratavam do licenciamento para empreendimentos de irrigação e dos limites de Áreas de Preservação Permanente (APPs). As decisões liminares se deram nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 747, 748 e 749, que serão submetidas a referendo do Plenário. As resoluções revogadas voltam a ter eficácia.

Para a relatora, a revogação das normas protetivas, sem que se procedesse à sua substituição ou atualização, compromete não apenas o cumprimento da legislação como a observância de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. “O ímpeto, por vezes legítimo, de simplificar o direito ambiental por meio da desregulamentação não pode ser satisfeito ao preço do retrocesso na proteção do bem jurídico”, disse.

Na sua avaliação, a resolução vulnera princípios basilares da Constituição Federal (CF), sonega proteção adequada e suficiente ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. De acordo com a relatora, a norma tem como provável efeito prático, além da sujeição da segurança hídrica de parcelas da população a riscos desproporcionais, o recrudescimento da supressão de cobertura vegetal em áreas legalmente protegidas.

Risco de degradação

A ministra Rosa Weber verificou a ocorrência do perigo de dano (periculum in mora), um dos requisitos para a concessão da cautelar, devido ao elevado risco de degradação de ecossistemas essenciais à preservação da vida sadia, ao comprometimento da integridade de processos ecológicos essenciais e à perda de biodiversidade, considerando que a resolução está em vigor desde esta quarta-feira (28).

A relatora destacou que a revogação da Resolução 284/2001 sinaliza para a dispensa de licenciamento para empreendimentos de irrigação, mesmo quando potencialmente causadores de modificações ambientais significativas. A seu ver, a medida viola o artigo 225 da CF, o qual prevê que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O dispositivo também confere ao Poder Público a incumbência de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.

Código Florestal

Já a Resolução 302/2002 prevê parâmetros, definições e limites de APPs de reservatórios artificiais e institui a elaboração obrigatória de plano ambiental de conservação e uso do seu entorno. A ministra Rosa Weber salientou que a revogação da norma viola as medidas previstas nessa área no novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), consideradas constitucionais pelo STF.

A relatora assinalou que o código remete ao licenciamento ambiental do empreendimento a definição da faixa correspondente à área de preservação permanente no entorno de reservatórios artificiais decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais.

Segundo a ministra, ainda que haja necessidade de ajustes na resolução do Conama para se adequar ao novo Código Florestal, a simples revogação da norma causa “intoleráveis” ausência de regras e descontrole regulatório, situação incompatível com a ordem constitucional em matéria de proteção do meio ambiente.

Retrocesso
Por último, a relatora frisou que a Resolução 303/2002, que prevê parâmetros e limites às APPs e considerava que as áreas de dunas, manguezais e restingas têm função fundamental na dinâmica ecológica da zona costeira, é plenamente compatível ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Para ela, a revogação da norma distancia-se dos objetivos definidos no artigo 225 da CF e na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), sendo um “verdadeiro retrocesso relativamente à satisfação do dever de proteger e preservar o equilíbrio do meio ambiente”.

Assim, a ministra Rosa Weber suspendeu, até o julgamento do mérito das ações, os efeitos da Resolução 500/2020, com a imediata restauração da vigência e eficácia das Resoluções 284/2001, 302/2002 e 303/2002, todas do Conama.

Queima de resíduos

Por outro lado, a relatora negou pedido para suspender a Resolução 499/2020, do Conama, que regulamenta a queima de resíduos sólidos em fornos de cimento. Na sua avaliação, a norma atende a dispositivos previstos no artigo 225 da CF que exigem estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente e impõem ao Poder Público o controle do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. De acordo com a relatora, mostra-se consistente, ainda, com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010).  Leia a íntegra das decisões: ADPF 747, ADPF 748, ADPF 749

FONTE:  STF, 29 DE OUTUBRO DE 2020.

Assédio sexual: o que é, quais são os seus direitos e como prevenir?

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Assédio sexual: o que é, quais são os seus direitos e como prevenir?

Matéria especial explica os diversos aspectos da prática, que envolve o constrangimento no ambiente de trabalho

O assédio sexual é definido, de forma geral, como o constrangimento com conotação sexual no ambiente de trabalho, em que, como regra, o agente utiliza sua posição hierárquica superior ou sua influência para obter o que deseja. Em 2019, essa prática foi tema de 4.786 processos na Justiça do Trabalho. 

Segundo a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministra Maria Cristina Peduzzi, é dever do empregador promover a gestão racional das condições de segurança e saúde do trabalho. “Ao deixar de providenciar essas medidas, ele viola o dever objetivo de cuidado, configurando-se a conduta culposa”, assinala a ministra Peduzzi. “Cabe ao empregador, assim, coibir o abuso de poder nas relações de trabalho e tomar medidas para impedir tais práticas, de modo que as relações no trabalho se desenvolvam em clima de respeito e harmonia”.

Categorias

O assédio sexual pode ser de duas categorias. Por chantagem, quando a aceitação ou a rejeição de uma investida sexual é determinante para que o assediador tome uma decisão favorável ou prejudicial para a situação de trabalho da pessoa assediada. 

Já o assédio por intimidação abrange todas as condutas que resultem num ambiente de trabalho hostil, intimidativo ou humilhante. Essas condutas podem não se dirigir a uma pessoa ou a um grupo de pessoas em particular, e pode ser representada com a exibição de material pornográfico no local de trabalho.

 O ministro Augusto César, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em seu livro Direito do Trabalho: Curso e Discurso, observa que o assédio sexual por intimidação se aproxima do assédio moral horizontal – no caso, qualificando-se pela motivação sexual.

Crime

No Brasil, o assédio sexual é crime, definido no artigo 216-A do Código Penal como “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena prevista é de detenção de um a dois anos.

De acordo com a lei, o assédio é crime quando praticado por superior hierárquico ou ascendente. Há duas interpretações em relação à prática do ato: o assédio pode ocorrer pelo simples constrangimento da vítima ou pela prática contínua de atos constrangedores. 

O gênero da vítima não é determinante para a caracterização do assédio como crime. “A tipificação específica é de 2001, quando se introduziu o artigo 216-A no Código Penal, e a prática é punível independentemente do gênero”, explica a presidente do TST, ministra Maria  Cristina Peduzzi. No entanto, estatisticamente, a prática se dá preponderantemente em relação às mulheres.  

Legislação trabalhista

Embora o processo criminal decorrente do assédio sexual seja da competência da Justiça Comum, a prática tem  reflexos também no Direito do Trabalho. Ela se enquadra, por exemplo, nas hipóteses de não cumprimento das obrigações contratuais (artigo 483, alínea “e”, da CLT) ou de prática de ato lesivo contra a honra e boa fama (artigo 482, alínea “b”). Nessa situação, a vítima pode obter a rescisão indireta do contrato de trabalho, motivada por falta grave do empregador, e terá o direito de extinguir o vínculo trabalhista e de receber todas as parcelas devidas na dispensa imotivada (aviso prévio, férias e 13º salário proporcional, FGTS com multa de 40%, etc).

Caracterizado o dano e configurado o assédio sexual, a vítima tem direito também a indenização para reparação do dano (artigo 927 do Código Civil). Nesse caso, a competência é da Justiça do Trabalho, pois o pedido tem como origem a relação de trabalho (artigo 114, inciso VI, da Constituição da República).

Embora, no Direito Penal, a relação hierárquica faça parte da caracterização do crime, a Justiça do Trabalho pode reconhecer o dano e o direito à reparação, ainda que a vítima não seja subordinada ao assediador. São os casos de assédio horizontal, entre colegas de trabalho. A responsabilidade pela reparação é da empresa (artigo 932, inciso III, do Código Civil), e o empregador poderá ajuizar ação de regresso (ressarcimento) contra o agente assediador.

Produção de provas

Uma das dificuldades ao ajuizar uma ação de assédio sexual é a produção de provas. “Geralmente, os atos não são praticados em público. São feitos de forma secreta, quando a vítima está sozinha”, explica a ministra Maria Cristina Peduzzi. As provas são importantes para evitar alegações falsas e podem ser extraídas de conversas por aplicativos de mensagens e até por testemunhas do fato.

Prevenção

O empregador deve adotar posturas para evitar constrangimentos e violência no ambiente de trabalho, pois é sua obrigação cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho (artigo 157, inciso I, da CLTI). 

No relatório “Acabar com a violência e o assédio contra mulheres e homens no mundo do trabalho”, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estudou a questão em 80 países e destacou, entre as medidas de prevenção, a adoção de uma política sobre assédio sexual, com apresentação de direitos e obrigações dos trabalhadores e das empresas e a formação obrigatória sobre o tema.

Programa Trabalho Seguro

Prevenir o assédio moral e sexual e garantir relações de trabalho em que predominem a dignidade, o respeito e os direitos do cidadão são algumas das diretrizes de práticas internas da Justiça do Trabalho, previstas na Política Nacional de Responsabilidade Socioambiental da Justiça do Trabalho (Ato Conjunto CSJT.TST.GP 24/2014). 

Em termos mais abrangentes, o Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho (Programa Trabalho Seguro) da Justiça do Trabalho, em parceria com diversas instituições públicas e privadas, visa à formulação e à execução de projetos e ações nacionais voltados para a prevenção de acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho.

No biênio 2018-2019, o tema de trabalho escolhido pelo programa foi “Violências no trabalho: enfrentamento e superação”. A quinta edição do Seminário Internacional Trabalho Seguro, realizado entre 16 e 18/10/2019, discutiu situações que podem levar ao adoecimento, como assédio moral, sexual e discriminação. No biênio 2016-2017, o tema “Transtornos mentais relacionados ao trabalho” abrangeu aspectos como a exposição ao assédio moral e sexual, as jornadas exaustivas, as atividades estressantes, os eventos traumáticos, a discriminação, a perseguição da chefia e as metas abusivas, principais causas do início das patologias psicológicas e psiquiátricas.


FONTE:  TST, 30 de outubro de 2020.

De meu bem a meus bens: a discussão sobre partilha do patrimônio ao fim da comunhão parcial

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​​Ninguém se casa pensando em separação. Salvo nas hipóteses em que o casal define previamente o regime de bens em um contrato – o chamado pacto antenupcial –, as relações conjugais normalmente não começam com uma discussão clara e precisa sobre o patrimônio comum que será formado e sua futura destinação.

A extinção da sociedade conjugal traz a necessidade de fazer a partilha, etapa frequentemente dolorosa – especialmente no regime de comunhão parcial de bens, em que tudo o que é conquistado durante a convivência pertence a ambos, mas aquilo que cada um já tinha antes da união continuou sendo o patrimônio particular de cada um.

Esse regime é o que prevalece quando o casal não define outro no pacto antenupcial, ou quando o regime eleito é declarado nulo por qualquer motivo.

Na hora da separação, o conhecimento das regras aplicáveis a cada regime patrimonial nem sempre basta para evitar conflitos sobre o que entra ou não entra na divisão. A jurisprudência dos colegiados de direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cobre uma enorme variação de aspectos nessa eterna discussão sobre “o que é meu, o que é seu” – ou, em linguagem jurídica, sobre o que se comunica ou não no regime da comunhão parcial.

Legis​​lação

Os artigos 1.658, 1.659 e 1.660 do Código Civil de 2002 (CC/2002) descrevem os bens sujeitos à partilha na comunhão parcial.

Segundo o Código Civil, quando aplicável o regime da comunhão parcial, comunicam-se todos os bens que sobrevierem ao casal, na constância da união (artigo 1.658), excetuando-se, porém, os bens que cada cônjuge possuir ao se casar e os adquiridos individualmente – por exemplo, mediante doação (artigo 1.659).

Já o artigo 1.660 estabelece que entram na comunhão os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges, e também os que forem adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior.

Em julgamento de 2016, o ministro Luis Felipe Salomão explicou que, na sociedade conjugal, os bens adquiridos durante o casamento são de propriedade exclusiva do cônjuge que os adquiriu, e assim seguirá enquanto perdurar o matrimônio.

No entanto, após a dissolução do casamento, qualquer dos cônjuges tem o direito à meação, e este é um efeito imediato, segundo o ministro, de requerer a partilha dos bens comuns, sobre os quais tinha apenas uma expectativa de direito durante o desenrolar do matrimônio.

“Em regra, o regime da comunhão parcial de bens conduz à comunicabilidade dos adquiridos onerosamente na constância do casamento, ficando excluídos da comunhão aqueles que cada cônjuge possuía ao tempo do enlace, ou os que lhe sobrevierem na constância dele por doação, sucessão ou sub-rogação de bens particulares”, destacou o ministro.

Salomão acrescentou que tal entendimento é exatamente o que se depreende do artigo 1.658 do CC/2002: “No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes”.

Para o ministro, esse artigo exterioriza exatamente o princípio segundo o qual são comuns os bens adquiridos durante o casamento, a título oneroso, tendo em vista a aquisição por cooperação dos cônjuges.

“Assim, excluem-se aqueles levados por qualquer dos cônjuges para o casamento e os adquiridos a título gratuito, além de certas obrigações”, acrescentou, destacando que a enumeração das situações está no artigo 1.659 do CC/2002.

Verbas trabal​​histas

Para o STJ, as indenizações referentes a verbas trabalhistas nascidas e pleiteadas na constância do casamento comunicam-se entre os cônjuges e integram a partilha de bens.

Seguindo o entendimento firmado na jurisprudência da corte, a Terceira Turma confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que consignou que os créditos adquiridos na constância do casamento – ainda que decorrentes do trabalho pessoal de um dos cônjuges – são partilháveis com a decretação do divórcio.

No caso julgado, as verbas trabalhistas originaram-se de precatório no valor de quase R$ 1 milhão, e o tribunal entendeu que o crédito trabalhista foi gerado durante o período da constância do casamento; por isso, integraria o conjunto de bens adquiridos durante a união matrimonial, sendo passível de partilha.   

“A orientação firmada nesta corte é no sentido de que, nos regimes de comunhão parcial ou universal de bens, comunicam-se as verbas trabalhistas correspondentes a direitos adquiridos na constância do casamento, devendo ser partilhadas quando da separação do casal”, destacou o ministro Moura Ribeiro, relator do caso.

Crédito prev​​idenciário  

O crédito previdenciário decorrente de aposentadoria pela previdência pública, ainda que tenha sido recebido apenas após o divórcio, também integra o patrimônio comum a ser partilhado, nos limites dos valores correspondentes ao período em que o casal ainda permanecia em matrimônio sob o regime da comunhão parcial de bens.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) segundo o qual, no regime de comunhão parcial, não seria cabível a partilha de valores decorrentes de ação previdenciária, nos termos do artigo 1.659 do CC/2002.

“Tal qual nas hipóteses de indenizações trabalhistas e de recebimento de diferenças salariais em atraso, a eventual incomunicabilidade dos proventos do trabalho geraria uma injustificável distorção, em que um dos cônjuges poderia possuir inúmeros bens reservados, frutos de seu trabalho, e o outro não poderia tê-los porque reverteu, em prol da família, os frutos de seu trabalho”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

Ela apontou a existência de consenso entre as turmas de direito privado do STJ no sentido da comunhão e da partilha de indenizações trabalhistas correspondentes a direitos adquiridos na constância do vínculo conjugal, ainda que a quantia tenha sido recebida após a dissolução do casamento ou da união estável.

De acordo com a ministra, é preciso dar à aposentadoria pelo regime geral o mesmo tratamento dispensado pelo STJ às indenizações trabalhistas, às verbas salariais recebidas em atraso e ao FGTS – ou seja, devem ser objeto de partilha ao fim do vínculo conjugal.

Imóv​eis

Para o STJ, na separação e no divórcio, sob pena de gerar enriquecimento sem causa, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa empecilho automático ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco.

O entendimento foi confirmado pela Segunda Seção em julgamento de processo que envolveu pedido de fixação de aluguel pelo uso exclusivo do único imóvel do casal por um dos ex-cônjuges. 

Segundo o relator, ministro Raul Araújo, o Código Civil de 2002 buscou proteger a pessoa nas relações privadas à luz dos princípios basilares da socialidade, operabilidade e eticidade, abandonando a visão excessivamente patrimonialista e individualista do código anterior.

“Exige-se, por meio do princípio da boa-fé objetiva – cláusula geral do sistema –, um comportamento de lealdade e cooperação entre as partes, porquanto aplicável às relações familiares. Impõe-se, dessa forma, o dever de os cônjuges cooperarem entre si, o que deve ser entendido também no sentido de não impedirem o livre exercício das faculdades alheias”, observou.

Para Raul Araújo, uma vez homologada a separação judicial do casal, a mancomunhão, antes existente entre os ex-cônjuges, transforma-se em condomínio, regido pelas regras comuns da compropriedade, e que admite a indenização.

“Admitir a indenização antes da partilha tem o mérito de evitar que a efetivação desta seja prorrogada por anos a fio, relegando para um futuro incerto o fim do estado de permanente litígio que pode haver entre os ex-cônjuges, senão, até mesmo, aprofundando esse conflito, com presumíveis consequências adversas para a eventual prole”, destacou o ministro.

FG​​TS

Ao analisar partilha decorrente da dissolução de casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial, a Segunda Seção estabeleceu tese sobre a inexistência de direito à meação dos valores depositados em conta vinculada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) anteriormente ao matrimônio.

No julgamento do recurso, o colegiado também definiu que os valores depositados em conta do FGTS na constância do casamento sob o regime da comunhão parcial integram o patrimônio comum do casal, ainda que não sejam sacados imediatamente após a separação. 

De acordo com o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, pertencem ao patrimônio individual do trabalhador os valores recebidos a título de fundo de garantia em momento anterior ou posterior ao casamento.

Contudo, durante a vigência da relação conjugal, o ministro entendeu que os proventos recebidos pelos cônjuges – independentemente da ocorrência de saque – “compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não”.

Salomão lembrou que o titular do FGTS não tem a faculdade de utilizar livremente os valores depositados na conta ativa, estando o saque submetido às possibilidades previstas na Lei 8.036/1990 ou estabelecidas em situações excepcionais pelo Judiciário.

Segundo o ministro, os valores a serem repartidos devem ser “destacados para conta específica, operação que será realizada pela Caixa Econômica Federal, agente operador do FGTS, centralizadora de todos os recolhimentos, mantenedora das contas vinculadas em nome dos trabalhadores, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário e, consequentemente, providenciada sua meação”.

Previdênci​​a privada

Por outro lado, segundo o STJ, o benefício de previdência privada fechada é excluído da partilha em dissolução de união estável regida pela comunhão parcial.

Isso porque, segundo o colegiado, o benefício de previdência privada fechada faz parte do rol das exceções do artigo 1.659, VII, do CC/2002 e, portanto, é excluído da partilha em virtude da dissolução da união estável, que observa, em regra, o regime da comunhão parcial dos bens.

O entendimento foi firmado pela Terceira Turma em julgamento de recurso especial interposto contra acórdão que negou a ex-companheira a partilha de montante investido pelo ex-companheiro em previdência privada fechada.

Para o relator, ministro Villas Bôas Cueva, a legislação exclui da comunhão pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Segundo o ministro, a previdência privada fechada se enquadra no conceito de “renda semelhante”, por se tratar de uma espécie de pecúlio, bem personalíssimo.

O ministro destacou também que o resgate antecipado poderia comprometer o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de previdência.

Segundo ele, “tal verba não pode ser levantada ou resgatada ao bel-prazer do participante, que deve perder o vínculo empregatício com a patrocinadora ou completar os requisitos para tanto, sob pena de violação de normas previdenciárias e estatutárias”.

Villas Bôas Cueva consignou ainda que, caso o regime de casamento fosse acrescentado ao cálculo, haveria um desequilíbrio do sistema como um todo, “criando a exigência de que os regulamentos e estatutos das entidades previdenciárias passassem a considerar o regime de bens de união estável ou casamento dos participantes no cálculo atuarial, o que não faz o menor sentido, por não se estar tratando de uma verba tipicamente trabalhista, mas, sim, de pensão, cuja natureza é distinta”.

FONTE:  STJ, 27 de setembro de 2020.

Declaração de semi-imputabilidade exige incidente de insanidade mental e exame médico-legal

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​Por entender que o reconhecimento da inimputabilidade ou da semi-imputabilidade depende da prévia instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) contra acórdão que havia declarado a semi-imputabilidade do réu apenas com base no depoimento de vítima de estupro. O acórdão questionado invocou o artigo 26, parágrafo único, do Código Penal.

Com o provimento do recurso, em razão de dúvida sobre a sanidade do réu, o colegiado determinou a realização do exame médico-legal, nos termos do artigo 149 do Código de Processo Penal (CPP).

No recurso apresentado ao STJ, o MPRS sustentou que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) contrariou o Código Penal ao reconhecer a semi-imputabilidade – e, em consequência, aplicar a causa especial de redução da pena – somente com base nas declarações da vítima, sem determinar a realização de exame médico para verificar se, na época do crime, o autor realmente não era capaz de entender por completo o caráter delituoso de sua conduta.

Exame indispensáv​​el

Segundo o relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, o magistrado não possui conhecimentos técnicos para aferir a saúde mental ou a autodeterminação do acusado, o que leva à necessidade de produção de parecer técnico. Essa circunstância, entretanto, não impede o magistrado de decidir de forma diversa do apontado no laudo pericial, como previsto no artigo 182 do CPP, desde que a decisão seja devidamente fundamentada.

“Não há como ignorar a importância do exame pericial, considerando que o Código Penal adotou expressamente o critério biopsicológico”, destacou o relator ao reconhecer que a avaliação médica é indispensável para a formação da convicção do julgador.

Internação pr​​ovisória

Sebastião Reis Júnior apontou que a medida cautelar de internação provisória, no caso de crimes praticados com violência ou grave ameaça – prevista no artigo 319 do CPP –, também exige parecer pericial sobre a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade do réu.

Ao dar provimento ao recurso especial do Ministério Público, a turma decidiu pela cassação, em parte, do acórdão TJRS, determinando a realização do exame de sanidade.

FONTE:  STJ, 25 de setembro de 2020.

Em promissória com duas datas de vencimento, prevalece a que melhor reflete a vontade do emitente

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​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um credor para possibilitar o prosseguimento da execução de uma nota promissória com duas datas de vencimento. Para o colegiado, deve prevalecer a data posterior, já que a outra é idêntica à da emissão do título, podendo-se presumir que a data posterior seja a real manifestação de vontade do emitente quanto ao dia de pagamento da dívida.

Na hipótese dos autos, duas datas de vencimento constam do título: uma por extenso, a outra em algarismos. A data por extenso, adotada pelas instâncias ordinárias como marco temporal para a promissória, coincide com a data de emissão.

A sentença considerou que, verificada divergência entre dados da promissória, prevaleceria a informação aposta por extenso, por aplicação analógica da regra da Lei Uniforme de Genebra relativa às indicações do valor da dívida (artigo 6º do Decreto 57.663/1966).

Assim, o juiz julgou procedentes os embargos do devedor e declarou a prescrição da execução, proposta em julho de 2011 e relativa a um título cuja data de vencimento considerada foi fevereiro de 2008 – intervalo superior aos três anos previstos pela Lei Uniforme de Genebra para a execução. O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença.

No recurso especial, o credor afirmou que a coincidência da data de vencimento por extenso com a data de emissão do título seria fruto de erro, pois as partes teriam combinado que a nota seria paga em julho de 2008.

Vontade​​ presumida

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora, não é cabível a incidência analógica do artigo 6º da Lei Uniforme de Genebra – que diz respeito especificamente à divergência de valores no título – para considerar a data escrita por extenso como a que “oferece maior garantia de verdade, por se achar menos exposta a erro, adição ou falsidade do que a soma expressa em algarismos”.

Segundo a Ministra, ao prever métodos de resolução de ambiguidades nos dados da cártula, “o escopo buscado pela Lei Uniforme é de preservar ao máximo a manifestação de vontade do emitente”, de forma que, na hipótese dos autos, não seria possível presumir como vontade do sacador da nota promissória que a dívida fosse exigível no mesmo momento em que ele assinou a promessa de pagamento.

A relatora ressaltou que “a nota promissória é um título de crédito próprio, e, como tal, se propõe à concessão de um prazo para o pagamento, distinto da data da emissão da cártula, de forma que não faz sentido a emissão de uma nota promissória com data de vencimento coincidente com a data de emissão”.

Ela concluiu que, “se, entre duas datas de vencimento, uma coincide com a data de emissão do título – não existindo, assim, como se entrever, nessa hipótese, uma operação de crédito –, deve prevalecer a data posterior, ainda que eventualmente expressa numericamente, já que, por ser futura, admite ser presumida como a efetiva manifestação de vontade do emitente”, afirmou a relatora.

Defeit​​o suprível

Nancy Andrighi destacou que, embora a Lei Uniforme de Genebra não tenha tratado diretamente da hipótese de divergência entre as datas de vencimento, deve-se considerar que este defeito pode ser suprido, uma vez que o artigo 76 menciona que a data de vencimento não é pressuposto essencial da promissória.

“Portanto, se a Lei Uniforme de Genebra não tem disposição expressa sobre a disparidade de expressões da data de vencimento da dívida, deve prevalecer a interpretação que empreste validade à manifestação de vontade cambial de uma promessa futura de pagamento, a qual, na nota promissória, envolve, necessariamente, a concessão de um prazo para a quitação da dívida”, concluiu.  REsp 1730682

FONTE:  STJ, 25 de setembro de 2020.

Reduzida indenização de metalúrgico em razão de artrose e perda auditiva

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A perda da capacidade de trabalho foi parcial, e o dano teve outras causas .

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu reduzir o valor da indenização concedida a metalúrgico da General Motors do Brasil Ltda. em razão de doenças ocupacionais (artrose no ombro e perda auditiva). O colegiado, considerando que a perda da capacidade de trabalho foi apenas parcial e que outras causas, além das atividades desempenhadas por ele, haviam contribuído para o dano, diminuiu o valor arbitrado para a indenização de R$ 189 mil para R$ 50 mil.

Esforços repetitivos e ruídos elevados

O metalúrgico, que trabalhou para a GM por mais de 20 anos, disse que a artrose era decorrente de esforços repetitivos e sobrecarga ao manusear seguidas vezes uma peça de 40 quilos no setor de prensas. Também sustentou que os ruídos elevados a que era submetido diariamente causaram perda auditiva nos ouvidos, obrigando-o a usar aparelho em um deles.

O juízo da 3ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul reconheceu a doença ocupacional e fixou a indenização por danos morais em R$ 189 mil, condenação e valor mantidos pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP).  

Parâmetros da Turma

O relator do recurso de revista da empresa, ministro Mauricio Godinho Delgado, explicou que não há, na lei, critérios para a fixação das indenizações por dano moral e, por isso, cabe ao julgador aplicar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso, ele considerou que o valor aparenta ser excessivo, levando em conta fatores como a extensão do dano, as limitações para o exercício da função, o tempo de serviço, o grau de culpa e a condição econômica da empresa, o caráter pedagógico da medida e os parâmetros fixados pela Turma em casos semelhantes. 

A decisão foi unânime.  Processo: ARR-1000612-25.2016.5.02.0471

FONTE:  TST, 25 de setembro de 2020.

Bem de família: Justiça acolhe embargos de terceiro opostos por filha de devedor e afasta penhora de imóvel

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A Justiça de São Paulo acolheu embargo de terceiro oposto pela filha de um devedor, a fim de afastar a penhora de imóvel. A autora da ação afirmou que a casa é o único bem de sua família, sendo, portanto, impenhorável. A decisão é da 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP.

O entendimento apresentado pelos desembargadores é de que a Lei 8.009/1990 merece interpretação ampliativa, pois tem função garantidora da entidade familiar como um todo, nos termos do que dispõe a Carta Magna. Assim, o recurso contra a decisão em primeira instância foi provido pelo TJSP em votação unânime.

O desembargador-relator Francisco Giaquinto observou que a referida norma visa proteger as famílias, garantindo a moradia e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Segundo o magistrado, a filha demonstrou que o imóvel é, de fato, bem de família, e serve para sua morada e a de seus genitores.

Ele também lembrou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ dispensa prova de que o imóvel onde reside o devedor é o único de sua propriedade para o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família. Afirmou ainda que a exceção prevista no artigo 3º, V, da Lei 8.009/1990 também não se aplica ao caso.

A autora da ação foi representada pelo advogado Pedro Benedito Maciel Neto.

Impenhorabilidade de bem de família

Em julho, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, noticiou outra decisão da Justiça de São Paulo: o TJSP deu provimento a agravo de instrumento para determinar a impenhorabilidade da casa onde moram o agravante e sua família. No entendimento do tribunal, uma residência pode ser considerada bem de família – e, portanto, não estar suscetível a penhora – ainda que seu proprietário tenha outros imóveis.

FONTE:  IBDFAM, 25 de setembro de 2020.

Pai terá que custear alimentos e outras despesas dos filhos após ocultar bens

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O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ atestou que um homem ocultava os bens para alegar que não havia condições de financiar a pensão alimentícia de dois filhos gerados em seu ex-relacionamento. Com isso, além de custear os alimentos, ele foi condenado a pagar 25% do seu rendimento líquido e financiar os uniformes, material escolar e o plano de saúde dos jovens.

De acordo com os autos, a mãe alegou que o pai não vinha contribuindo de forma satisfatória com o seu dever, não dando a contribuição financeira para suprir as necessidades básicas dela e dos filhos. Em contrapartida, o homem contestou, afirmando que sempre contribuiu para o sustento dos jovens enquanto morava com eles e, após a separação, continuou pensionando.

Além disso, pontuou ter mais uma filha, fruto do seu atual relacionamento, e que sua situação financeira mudou drasticamente, pois, atualmente, se sustenta apenas com o salário recebido como agente político, tendo em vista que o serviço de entretenimento do qual era sócio não dá mais retorno financeiro.

Teoria da Aparência

A defesa da mãe apresentou a Teoria da Aparência embasada na doutrina do jurista Rolf Madaleno, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família –- IBDFAM. A hipótese trata sobre o fato do alimentante, sendo empresário, profissional liberal ou autônomo, se apresentar com insuficiência financeira para cumprir as suas obrigações enquanto circula ostentando riqueza incompatível esse argumento.

Para demonstrar a aplicabilidade da teoria no caso, foram utilizados dispositivos a fim de comprovar que o homem possuía uma situação, na verdade, excelente, usufruindo de vários bens com alto valor agregado. Foram também arquivadas nos autos fotos do homem com carros, lancha, jet-ski, casa com piscina, sauna, churrasqueira, etc.

Com a comprovação da real condição social do homem, o TJRJ deferiu o requerimento para a quebra de seu sigilo fiscal e bancário e foi comprovada a ocultação de patrimônio. Dentre os métodos utilizados, ele não usava cartão de crédito, fazendo suas movimentações em dinheiro. Tampouco possuía imóveis em seu nome, mesmo sendo um agente político e empresário do ramo do entretenimento.

Com o desenrolar do processo evidenciou-se a incongruência das informações prestadas pelo alimentante, que por inúmeras vezes caiu em contradição no depoimento e também nas provas juntadas por ele, que se mostraram contraditórias. O TJRJ determinou então a capacidade de prestar alimentos na forma requerida pela mãe aos seus dois filhos.

Fundamentação contemporânea

A advogada Regina Rodrigues, membro do IBDFAM, atuou no caso em favor da genitora e afirmou que ação foi proposta após muitas tentativas de chegar a um consenso.

“O genitor continuava a se esquivar de cumprir sua obrigação com relação aos alimentos dos filhos. Sempre se valeu da supremacia econômica para humilhar e intimidar a genitora, afirmando que se ela fosse à Justiça não receberia nada, uma vez que sua renda era baixa e nada tinha em seu nome”, revelou.

No seu entendimento, a sentença demonstrou a importância do papel do juiz na busca da verdade real, acolhendo os requerimentos de provas e oportunizando que as partes se utilizassem de todos os meios legais para obtenção de provas a fim de demonstrar a verdade e se alcançar a solução correta.

“Importante mencionar que, há três anos, a ação foi proposta e fundamentada em termos bem contemporâneos, tendo como cerne a busca pela solução correta, alcance da verdade, manutenção do rigor, no que diz respeito à verba alimentar e assim se deu. A sentença reflete isso”, conclui Regina Rodrigues.

FONTE: IBDFAM, 17 de setembro de 2020.

Percentual de 10% de honorários por falta de pagamento voluntário da condenação não pode ser relativizado

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​Na fase de cumprimento de sentença, caso não ocorra o pagamento voluntário da condenação no prazo de 15 dias, o acréscimo do percentual de 10% de honorários advocatícios – previsto no parágrafo 1º do artigo 523 do Código de Processo Civil de 2015 – tem caráter absoluto, não sendo permitida a relativização da norma pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ou pelos critérios estabelecidos no parágrafo 8º do artigo 85 do CPC.

O entendimento foi firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao rejeitar recurso especial de um devedor que alegava que o percentual de honorários na hipótese de não pagamento voluntário da condenação poderia ser fixado com base em apreciação equitativa do juiz.

Segundo o recorrente, seria preciso aplicar, no cumprimento de sentença, o mesmo entendimento adotado na fase de conhecimento em relação aos honorários de sucumbência: para evitar sua fixação em patamar excessivo, eles deveriam ser estabelecidos conforme os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

De acordo com o devedor, os honorários fixados no cumprimento de sentença representam mais de 12 vezes a verba honorária estabelecida na fase de conhecimento.

Menos subjetivi​​dade

“A lei não deixou dúvidas quanto ao percentual de honorários advocatícios a ser acrescido ao débito nas hipóteses de ausência de pagamento voluntário”, afirmou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, para quem “o percentual de 10% foi expressamente tarifado em lei”.

A magistrada lembrou que a Segunda Seção, ao debater o tema dos honorários advocatícios, entendeu que o CPC/2015 reduziu a subjetividade do julgador, restringindo as hipóteses nas quais cabe a fixação da verba por equidade.

Nesse sentido, destacou a ministra, a seção estabeleceu, ao julgar o REsp 1.746.072, que o parágrafo 2º do artigo 85 institui regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários sucumbenciais devem ser fixados entre 10% e 20%, calculados, de forma subsequente, sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa.

Por outro lado, segundo a seção, o parágrafo 8º do mesmo artigo – que prevê a fixação dos honorários por equidade – representa regra de caráter excepcional, de aplicação subsidiária, destinada às hipóteses em que, havendo condenação ou não, o proveito econômico for inestimável ou irrisório, ou o valor da causa for muito baixo.

Força de lei

No caso do cumprimento de sentença, a relatora ressaltou que a incidência de novos honorários advocatícios só ocorrerá se o devedor deixar transcorrer o prazo de 15 dias sem o pagamento voluntário.

“Vencido o prazo sem pagamento do valor devido, haverá acréscimo, por força de lei, da multa de 10% sobre o valor do débito atualizado, mais honorários advocatícios que o julgador deverá fixar, nos termos da lei, também em 10% sobre o valor devido”, concluiu a ministra ao rejeitar o recurso.  REsp 1701824

FONTE: STJ, 17 de setembro de 2020.

Para Terceira Turma, comerciante tem o dever de encaminhar produto defeituoso à assistência técnica

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​Por maioria, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o comerciante que vende um produto com defeito fica responsável por recebê-lo e encaminhá-lo à assistência técnica, independentemente do prazo de 72 horas após a compra, mas sempre observado o prazo decadencial do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O colegiado negou recurso apresentado pela Via Varejo contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que considerou a empresa responsável pelo encaminhamento do bem defeituoso à assistência técnica e a condenou a pagar danos patrimoniais aos consumidores, além de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 150 mil.

No recurso especial submetido ao STJ, a Via Varejo sustentou que o CDC não obrigaria o comerciante a coletar produtos com defeito nem a prestar assistência técnica no lugar do fabricante, pois este é quem possui a expertise técnica para fazer o conserto.

A empresa afirmou ainda não ter a obrigação legal de trocar mercadorias defeituosas no prazo de 72 horas, pois a legislação determinaria sua responsabilidade solidária somente se o produto, dentro da garantia, não fosse reparado em 30 dias. Por fim, pediu a redução da indenização.

Solidari​​​edade

O relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, lembrou que o STJ tem posição firme no sentido da responsabilidade solidária de toda a cadeia de fornecimento pela garantia de qualidade e adequação do produto perante o consumidor (AgInt no AREsp 1.183.072). Assim, respondem pelo vício do produto todos os que ajudaram a colocá-lo no mercado, do fabricante ao comerciante, passando pelo distribuidor.

Para o ministro, a solidariedade entre os integrantes da cadeia, prevista noartigo 18 do CDC, impõe à Via Varejo a obrigação de coletar e encaminhar para reparo os produtos adquiridos em suas lojas que apresentem defeitos de fabricação.

Moura Ribeiro mencionou precedente no qual a Terceira Turma estabeleceu que, havendo assistência técnica no mesmo município, o comerciante não seria obrigado a encaminhar o produto ao serviço especializado (REsp 1.411.136). Porém, segundo o ministro, tal posição deve ser revista.

Lógica ​​​de proteção

Para o magistrado, sendo indiscutível a caracterização da empresa varejista como fornecedora, nos termos do CDC, mesmo que haja assistência técnica no município, ela tem a obrigação de intermediar a reparação ou a substituição do produto – o que não significa dizer que deva reparar ou substituir o bem por seus próprios meios.

“Não deve prosperar o argumento por ela utilizado de que a intermediação dos produtos submetidos a reparo, com a coleta em suas lojas e remessa ao fabricante e posterior devolução, corresponde a medida mais gravosa ao fornecedor, se comparada à possibilidade de o consumidor encaminhar o produto diretamente ao fabricante, nas hipóteses em que assim a loja orientar”, ressaltou.

O ministro destacou que a lógica do CDC é proteger o consumidor. Impedir que ele possa entregar o produto defeituoso ao vendedor para que este o encaminhe ao conserto no fabricante significaria impor dificuldades ao seu direito de possuir um bem que sirva aos fins a que se destina – comentou.

Escolha do con​sumidor

Segundo Moura Ribeiro, a mais recente posição da Terceira Turma sobre o tema, no julgamento do REsp 1.634.851, foi considerar que o comerciante, por estar incluído na cadeia de fornecimento, é responsável por receber os produtos que apresentarem defeito para encaminhá-los à assistência técnica, e essa obrigação não está condicionada ao prazo de 72 horas após a compra.

“Nesse julgado, ainda ficou pontuado que cabe somente ao consumidor a escolha menos onerosa ou embaraçosa para exercer seu direito de ter sanado o defeito do produto em 30 dias, podendo optar por levá-lo ao comerciante que o vendeu, à assistência técnica ou, ainda, diretamente ao fabricante”, afirmou.

Ao manter a indenização coletiva de R$ 150 mil, o ministro explicou que os valores fixados a título de danos morais são baseados na análise de provas, e por isso não podem ser revistos em recurso especial, salvo quando irrisórios ou exorbitantes.  REsp 1568938

FONTE: 18 de setembro de 2020.