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JUSTIÇA DO TRABALHO É COMPETENTE PARA JULGAR DANO MORALTurma declara competência da JT para julgar dano moral decorrente de incidente ocorrido após extinção do contrato de trabalho

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DECISÃO:  * TRT-MG  –     A 4ª Turma do TRT-MG, em julgamento de recurso ordinário, declarou a competência da Justiça do Trabalho para julgar pedido de indenização por danos morais relativo a incidente ocorrido após a extinção do contrato de trabalho entre as partes. 

No caso, após ser dispensada do trabalho, a empregada havia ajuizado reclamatória pleiteando o pagamento de parcelas trabalhistas, alegando também que durante a vigência do contrato tinha sido agredida fisicamente e chamada de ladra pelo reclamado e sua mãe. A ação resultou em acordo entre as partes, devidamente quitado. Mas a reclamante alegou que, em função desta reclamatória, o ex-patrão, em represália, enviou à sua casa viaturas da Polícia Militar, cujos policiais apresentaram-se fortemente armados e invadiram a residência, causando constrangimento a ela e a seu filho menor. 

Na defesa, o reclamado suscitou a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o recurso, pois não havia mais relação de trabalho entre as partes, sendo que o filho da reclamante nunca lhe prestou qualquer serviço. Alegou ainda que, com a celebração do acordo, fez-se coisa julgada sobre qualquer assunto referente à extinta relação jurídica. Acolhendo essas alegações, o juiz de 1ª Instância extinguiu o processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, IV, V, e VI do CPC.

Porém, para o desembargador relator do recurso, Júlio Bernardo do Carmo, embora o contrato de trabalho já estivesse extinto, o fato alegado como ensejador da indenização pretendida decorreu da relação empregatícia. Por isso, a competência para julgar o caso é, sim, da Justiça do Trabalho, como também seria se o fato tivesse ocorrido na fase pré-contratual. “O pedido de indenização por dano moral decorreu essencialmente da conduta do reclamado ao enviar à casa da autora, em represália ao ajuizamento de reclamação trabalhista, a Polícia Militar, para ofendê-la de forma grave, em um momento em que já não mais existia a relação de emprego” – frisou, acrescentando que, justamente em função do acordo celebrado, com quitação plena pelo extinto contrato de trabalho, a reclamante imaginou que o ex-empregador não poderia mais lhe atingir. Como a ocorrência foi posterior ao acordo, justifica-se a nova ação: “Ainda que, no dia em que teriam ocorrido os fatos alegados na inicial, já não mais existisse vínculo de emprego entre as partes, continuava e se esperava, fosse ainda observado pelas partes, a probidade e boa-fé” – concluiu.

O relator lembrou que a questão, inclusive, já obteve pronunciamento do STF, em acórdão da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, no qual se concluiu não ser relevante para fixação da competência da Justiça do Trabalho que a solução da lide remeta a normas de Direito Civil, desde que o fundamento do pedido se assente na relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho.

Portanto, já que os fatos alegados pela reclamante referem-se a questões oriundas da relação de emprego, a Turma deu provimento parcial ao recurso para declarar a competência da JT para julgar a reclamação trabalhista em relação à ex-empregada (e não a seu filho), determinando o retorno do processo à Vara de origem para julgamento dos pedidos feitos pela autora.  (RO nº 01824-2007-032-03-00-0 )

FONTE:  TRT-MG, 11 de julho de 2008.

 

 


 

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA EXIGE ATO DE VONTADE Juíza nega pedido de vínculo socioafetivo pós-morte

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DECISÃO:  * TJ-GO  –  “A paternidade socioafetiva só terá abrigo no ordenamento jurídico, como relação de filiação, se fundada num ato de vontade, que se sedimenta na afetividade. Inverter esses valores, em nome da visão moderna, numa aplicabilidade mormente afetiva, mas desprovida da vontade, é caminho perigoso. O Direito não pode correr este risco. Não se faz Justiça sem equilíbrio e eqüidade”. Com este entendimento, a juíza Maria Luíza Póvoa Cruz , da 2ª Vara de Família da comarca de Goiânia, julgou extinta a Ação Declaratória de Relação Avoenga Socioafetiva “Pos-Mortem” ajuizada por E.A.C.B e outros, contra A.S.L, para que fossem declarados netos de um casal que criou e educou a mãe dos autores. 

Para a juíza, “o sentido da paternidade socioafetiva não pode abrigar uma interpretação extensiva, e chegar ao ponto, de o Poder Judiciário, suprir a vontade da pessoa, que, movida pela solidariedade, abriga em sua família uma criança, ou mesmo um jovem, e passa a educá-lo, para mais tarde impor-lhe o prêmio, de pai/mãe socioafetivo, gerando efeitos na esfera do Direito de Família e Sucessório”. Prosseguindo, disse que seria como reconhecer que a “adoção” possa ser estabelecida pela forma “presumida”. 

Segundo Maria Luíza, a mãe dos atores foi “criada” pelo casal, não tendo sido registrada nem adotada por eles. A menção de seus nomes nos registros de nascimento não tem o condão de atribuir-lhe efeitos socioafetivos, observou a magistrada, “pois, antigamente, os registros eram feitos aleatoriamente, sem necessidade de comprovar o que o declarante alegava”. Ao final, a juíza disse que a busca de possíveis vínculos sociais e afetivos da mãe dos autores com a mãe e o pai requerida “só tem o constrangedor propósito econômico, de imediatos reflexos no direito Sucessório. E dar guarida para a busca desta esdrúxula e tardia reivindicação parental, é criar uma parentalidade póstuma, é afastar um juízo ético, justo”. 

Os proponentes alegaram que a mãe, apesar de ter sido devidamente registrada pelos pais biológicos, jamais conviveu com eles, não estabelecendo qualquer vínculo afetivo. Ponderaram que ela foi criada e educada pelo casal, sendo tratada sempre como filha, desfrutando condição de igualdade com os filhos biológicos do casal, e que consta em seus registros de nascimento o nome de ambos na qualidade de seus avós maternos. A filha do casal afirmou que a mãe dos autores nunca foi criada como filha pelos seus pais, e sim, acolhida por eles, uma vez que os seus biológicos não tinham condições econômicas de criá-los. Segundo afirmou todos já morreram e que o único motivo da declaração de suposta relação socioafetiva é “financeira” e que caso os seus pais tivessem interesse em reconhecer a mães dos autpores como filha, teriam efetuado o pedido de adoção, o que não ocorreu. Finalmente, aduziu que não há como ser declarada uma relação de afetividade que não existiu, vez que depois do casamento da mãe dos autores esta não teve mais convivência com seus familiares.


FONTE:  TJ-GO, 11 de julho de 2008.

História de um caso judicial real: Libertação de uma mulher, por sua condição de mulher, narrada em três capítulos.

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* João Baptista Herkenhoff                                                        

Primeiro capítulo:  O dia em que Edna foi libertada. 

         No dia nove de agosto de 1978 compareceu a minha presença, no Fórum de Vila Velha (ES), Edna S., grávida de oito meses, que estava presa na Cadeia da Praia do Canto, em Vitória, enquadrada no artigo 12 da Lei de Tóxicos (tráfico).

         Diante do quadro dramático – uma pobre mulher grávida, encarcerada –, proferi, em audiência, despacho que a libertou.

         Anteriormente, Edna vira-se envolvida noutro processo, enquadrada em crime de lesões corporais leves porque, utilizando-se de um pedaço de vidro, ferira Neuza Maria Alves.

         O motivo da agressão de Edna a Neuza foi ter Neuza abandonado a Escola de Samba “Independente de São Torquato” para desfilar na Escola de Samba “Novo Império”.

         Neuza era figura importante do desfile, como porta-bandeira da Escola, na qual também Edna desfilava, como passista.

         Depondo em audiência, um ano após ter Edna sido solta para dar à luz, disse Neuza, a vítima das agressões que, se dependesse dela,

         “pediria que a Justiça fosse mais calma com a acusada, pois o fato ocorreu por provocação de outra pessoa, a acusada tem uma filha pequena e, além disso, está se regenerando”.

         Diante dos fatos proferi sentença absolutória, por entender que

         “a Justiça Criminal, dentro de uma visão formalista, localiza-se no passado, julga o que foi. A Justiça Criminal, numa visão humanista, coloca-se no presente e contempla o futuro.”

         O despacho que libertou Edna, no processo de tóxicos, e a sentença absolutória, no processo de lesões corporais, são transcritos, na íntegra, a seguir.

         A) Despacho libertando Edna, a que ia ser Mãe.

A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens, mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.

          É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.

         Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar ao Mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.

         Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.

Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão."

Foi ao vê-la grávida, incomodada com o peso do feto, pois recusou sentar-se dizendo que ficava mais à vontade de pé, que eu pude compreender a dimensão do sofrimento de Edna. Foi diante de Edna mulher, Edna ser humano, que pude perceber o que significava para ela estar presa.

B) Sentença absolvendo Edna.

         A Justiça Criminal, dentro de uma visão formalista, localiza-se no passado, julga o que foi. A Justiça Criminal, numa visão humanista, coloca-se no presente e contempla o futuro. A Justiça Criminal não é uma máquina calculadora que só fecha suas contas quando o saldo é zero. A Justiça Criminal é sobretudo um ofício de consciência, onde importa mais o valor da pessoa humana, a recuperação de uma vida, do que a rigidez da lógica formal.

         A prova testemunhal convence que Edna é hoje uma pessoa inteiramente recuperada para o convívio social. Como ficou demonstrado, sua vida está inteiramente dedicada a sua casa. Compareceu hoje perante este Juízo com uma filha nos braços. Insondáveis caminhos da vida… Da última vez que veio a esta sala de audiências, a criança, que hoje traz nos braços, ela a trazia no ventre. Por despacho deste juiz, foi naquela ocasião posta em liberdade.

         Creio que a sentença justa, no dia de hoje, é a sentença que absolve a acusada. Não se trata da sentença sentimental, da sentença benevolente, como se julga tantas vezes, erradamente, sejam as sentenças deste juiz. É a sentença que crê no ser humano, é a sentença convicta de que muitas vezes pessoas marginalizadas pelas estruturas sociais encontram, no contato com o julgador, o primeiro relacionamento em nível de pessoa. Absolvo a acusada, em voz alta, sentença ouvida, palavra por palavra, pela acusada, para que sinta ela que desejo tenha uma vida nova. Liberto-a deste processo e espero que nunca mais fira quem quer que seja.

         Considerando tudo que foi ponderado, atendendo ao gesto de perdão da vítima Neuza Maria Alves, atento à criança que Edna traz no colo, sua filha Elke, desejando que esta sentença seja um voto de confiança que Edna saiba compreender – ABSOLVO a acusada da imputação que lhe foi feita.

Segundo capítulo:   Não fui eu que libertei Edna, foi Edna que me libertou.                                                  

         De todas as decisões que proferi, nenhuma se tornou tão conhecida quanto a decisão através da qual libertei Edna, a que ia ser Mãe .

         A decisão em torno de Edna, acrescida de inúmeros comentários, está largamente presente na internet, numa centena de localizações.

         Apresentações artísticas do texto, com acréscimo de som e imagens, foram feitas como, por exemplo, o trabalho realizado por Odair José Gallo, um outro trabalho produzido por Mari Caruso Cunha e uma versão sonora, sem imagens, realizada pelo advogado Doutor Adriano Cardoso Cunha, de Cabo Frio (RJ).

         No Instituto de Letras, da Universidade de Brasília, a acadêmica Elaine Cristina Oliveira Sousa produziu um primoroso texto acadêmico, olhando a decisão que libertou Edna, não sob o aspecto jurídico, mas sob o ângulo lingüístico. O trabalho de Elaine Cristina foi realizado dentro da disciplina “Introdução à Análise do Discurso”, com a Professora Francisca Cordélia, do Departamento de Línguas Clássica e Vernácula, do Instituto de Letras, da UnB. Propôs-se Elaine Cristina Oliveira Souza a fazer uma leitura da ideologia presente no texto. Na percepção da brilhante estudiosa, o mais importante, no caso, não é apenas o discurso ideológico, mas principalmente a prática discursiva e sua relação com a prática social. Elaine Cristina desdobrou a decisão em diversos fragmentos, fazendo profunda análise de cada um.

         Dramatizações foram produzidas, debates foram promovidos, em diversas faculdades e noutros espaços, chegando ao meu conhecimento apenas uma fração dessas iniciativas.

         A sentença inspirou a alma de poetas.

         Stellinha Mattos, poetisa de grande sensibilidade, falecida no Rio de Janeiro, em 2006, depois de ter completado 100 anos, escreveu:

         “Bendita seja

         mulher, fonte de vida,

         por um grande juiz

         compreendida

         e por seu coração absolvida!

         Que se afastem as pedras do caminho,

         que se afastem todos os espinhos,

         na estrada

         por onde ela passar.”

         João Udine Vasconcelos, advogado e poeta, residente em Fortaleza, produziu este soneto, a que deu o título de “O bom juiz”:

         “Só das almas autênticas, serenas,

         Flui a verdadeira e pura luz:

         Clarão de paz das razões amenas

         Emanadas do doce Cristo Jesus!

         E dessas almas sinceras, leais,

         Como é bela e digna a de um Juiz

         Que julga homens não como animais

         Mas com alma e paixão em despacho feliz.

         No uso da Hermenêutica, o coração

         Pulsa forte e amoroso, derramando

         Em sangue a Justiça em reta emoção.

         No Alvará em que o fogo do amor arde

         À mulher grávida, em crime banal,

         Colocando-a com o feto em liberdade.”

         Sobre o despacho de Edna recebi centenas de cartas e mensagens eletrõnicas, todas guardadas no meu arquivo.

         Por muitos caminhos (caminhos misteriosos, a meu ver), o despacho de Edna tem chegado a milhares de pessoas, sem que eu tenha meios de aquilatar a dimensão dessa divulgação.

         Dei a decisão no meio de um expediente forense trepidante , com muitas audiências designadas na agenda .

         O caso de Edna entrou em pauta mais ou menos às três horas da tarde .

         O despacho foi proferido verbalmente . Eu fui ditando e a diligente Escrivã Valdete Teixeira foi datilografando.

         Quando concluí a decisão , Edna, que tudo acompanhou palavra por palavra , indagou:

         – “ Doutor João, estou livre ?”

         Respondi:

         – “Está.”

         – “ Doutor João, se meu filho for homem ele vai se chamar João Batista.”

         Redargui:

         – “A senhora sabe como João Batista morreu?”

         – “ Não sei não ”, Edna respondeu.

         – “Cortaram a cabeça dele”, expliquei.

         – “ Não tem importância . Ele vai se chamar João Batista mesmo .”

         Mas nasceu uma menina que recebeu o nome de Elke, em homenagem a Elke Maravilha .

         O despacho em favor de Edna encontrou eco , na consciência das pessoas , desde o momento em que foi prolatado.

         Eu não me apercebera, no instante da proferição, de que a decisão contivesse um apelo emocional forte .

         Quando terminei as audiências do dia e passei pelo Cartório Criminal, para me despedir dos funcionários , o Dr. Henrique Francisco Lucas, titular do cartório , disse-me:

         “ Doutor João, já tirei mais ou menos trinta cópias xerox do despacho de Edna, solicitadas por pessoas que queriam guardá-lo consigo .”

         Respondi então ao Dr. Henrique:

         “Vamos ver então o que há nesse despacho .”

E o li calmamente para sentir o motivo pelo qual causara essa reação , já que nunca acontecera que de uma decisão minha fossem tiradas trinta cópias xerox, solicitadas por trinta pessoas diferentes .

Fatos ulteriores convenceram-me de que alguma coisa especial aconteceu naqueles minutos em que libertei Edna, a começar pela própria Edna que simplesmente deixou a prostituição , como vim a saber pela boca da própria Edna:

“Quando o senhor me soltou, Doutor João, eu decidi: posso passar fome , mas prostituta eu não serei mais .”

Em e-mail que me mandou no dia 11 de março de 2005, o jornalista Chico Pardal, do jornal “A Gazeta”, de Vitória, manifestou seu desejo de escrever uma matéria sobre o “caso Edna”.

Eu respondi ao e-mail do jornalista, nestes termos:

Não sei onde Edna estaria hoje. Não sei se uma matéria em grande jornal não iria constrangê-la. Só vejo ser essa matéria possível se isto não a incomodar, se a matéria não lhe trouxer qualquer mal (a ela e à filha).

Posso lhe dizer que Edna me fez mais bem do que eu a ela.

Edna me ensinou a ser juiz e depois do encontro com ela nunca mais fui o mesmo.

Se não tive medo de libertá-la diante dos dogmas dominantes;

se não tive medo de libertá-la numa fase histórica em que os magistrados estavam privados de suas garantias;

se não tive medo de arrostar o "figurino" obrigatório que fazia da maconha, mesmo o simples consumo, um delito gravíssimo porque através desse delito os jovens não simpáticos ao regime podiam ser colhidos;

se não tive receio de todos esses perigos, não poderia, dali para a frente, ter qualquer outro tipo de medo.

Por isso, concluo: eu libertei Edna e Edna também me libertou.

Nunca escrevi isto que estou dizendo a você neste e-mail. Estou abrindo minha alma, queridíssimo Chico Pardal. 

Terceiro capítulo:  Edna está correndo mundo. 

Quando estive na França, senti que o despacho libertando Edna transpunha o interesse simplesmente das pessoas inseridas dentro do contexto legal , social e lingüístico brasileiro .

Mostrando o texto em português a amigos franceses e tentando fazer através de uma explicação oral a mediação lingüística , constatei que a decisão do juiz brasileiro encontrava eco no falante de Língua Francesa. Para essa transposição de sentido apenas verbal ( não se tratou de uma tradução ), contei com a ajuda de um amigo brasileiro radicado na França – o Professor José Maria Luiz Ventura que tinha um vasto círculo de amigos franceses e brasileiros . José Maria Luiz Ventura há muito tempo é um verdadeiro Embaixador honorário do Brasil na França e, especialmente , na Normandia.

Em 2004, ao reformular minha homepage, tive uma idéia que executei de pronto . Coloquei o despacho de Edna, em minha homepage, não apenas em Francês , mas também em Espanhol , Italiano, Inglês e Alemão .

Fiz isso por curiosidade , por distração , neste empenho de buscar novidades neste trecho de vida que já não é tão jovem (72 anos hoje). Mas tomei esta iniciativa também para fazer um teste : será que os falantes de idiomas estrangeiros , além dos franceses, encontrariam sintonia com a decisão judicial que libertou Edna?

Além de colocar o despacho traduzido, na homepage, utilizei buscadores internacionais que possibilitam o acesso ao texto nos diversos idiomas . Palavras-chave fazem a chamada conveniente . Não tenho controle dos acessos que estão ocorrendo, mas estou seguro de que algumas entradas estão acontecendo, pois tenho recebido e-mails do Exterior.

Registro a seguir o despacho de Edna nos vários idiomas contemplados pela homepage, conforme referido.

As traduções transpuseram em muito o que se requereria de um trabalho apenas profissional. Os tradutores colocaram alma na transposição do sentido e emoção do texto primitivo. Sou gratíssimo a minha sobrinha Evelyne Lacroix Herkenhoff (francês) e aos amigos e amigas Thais Brandão Fonseca Moreira (inglês), Miguel Herrera Allende (espanhol), Ingrid Heid Rocha (alemão) e Danuza Scarton Rabello Alves (italiano) pelo carinho com que se dedicaram na realização deste encargo de arte e sensibilidade.

A) Libertação de Edna, em francês.

Décision en faveur de la libération de Edna, future mère.

            L’accusée est, pour diverses raisons, mise en marge de la société; de par sa condition de femme dans une société machiste, de par sa condition sociale: elle est pauvre et son latifundium se résume aux sept palmes de terre des vers immortels du Poète; mise en marge parce qu’elle est prostituée, méprisée par les hommes mais aimée par un Nazaréen, qui, un jour, a vécu dans ce monde; parce qu’elle n’a pas de santé, parce qu’elle attend un enfant, sanctifiée par le foetus qu’elle porte en elle, femme face à laquelle ce juge devrait s’agenouiller, en hommage à la maternité mais, dans notre structure sociale, elle attend son fils en prison, ce qui signifie qu´elle ne bénéficie pas des soins prénatals.

Cette liberté que je lui accorde à travers cette décision est double: liberté pour Edna et son fils qui, s´il peut entendre le son de la parole humaine du ventre de sa mère, sentira la chaleur et l´amour du mot que je lui adresse, pour que cet enfant naisse dans ce monde tellement injuste avec la force de lutter, souffrir et survivre.

           Quand des milliers de brésiliennes, y compris jeunes et sans discernement, sont stérilisées; quand il faut affirmer au monde que les êtres humains ont le droit de vivre, qu´une meilleure distribution des biens de la terre est nécessaire, non pas une réduction des commensaux, quand pour des raisons futiles voire de commodité, des femmes se privent d´enfanter, Edna élève ce palais de justice, à travers le foetus qu´elle porte en elle.

Ce juge renierait tout son crédo, renoncerait à tous ses principes, trahirait la mémoire de sa Mère s´il laissait Edna sortir de ce palais de justice pour être incarcérée.

Sortez libre, bénie de Dieu, avec votre fils, mettez-le au monde, que chacun des pleurs d’un enfant qui naît soit l’espérance d’un nouveau monde, plus fraternel, plus pur, peut-être un jour chrétien.

Qu´on élabore immédiatement un ordre de libération en sa faveur.

B) Despacho libertando Edna, em inglês.

Dispatch freeing Edna, who was going to be a mother.

The defendant is marginalized for multiple reasons: for being a woman in a male-dominated world; for being a poor person whose only piece of land will be the one she will be buried in, as immortalized in verse by the poet; for being a prostitute, despised by men, but loved by a Nazarene who once lived in this world; for being in poor health; for being pregnant, sanctified by the fetus she carries inside her, a woman before whom this judge should kneel down, in homage to motherhood; nevertheless, due to our social structure, instead of getting pre-natal care, she expects her baby in jail.

The freedom I grant in this dispatch has a dual purpose:  freedom to Edna and freedom to her baby.  If it can hear the sound of the human voice from its mother´s womb, may it feel the warmth and the love of the words I am uttering, so that it may come to this unfair world with strength to fight, suffer and survive.

While so many people reject pregnancy; while thousands of Brazilian girls, still young and immature, are being sterilized; when we should tell the world that all living beings have the right to live, that we must distribute the world assets more fairly instead of reducing the comensals; while for comfort or even futile reasons, women abstain from giving birth, Edna ennobles this Court today with the baby she carries inside her.

This Judge would deny all his beliefs and tear up all his principles, he would betray the memory of his Mother if he allowed Edna to leave this Court under arrest.

          Leave this Court free, blessed by God.  Leave with your baby and give birth to it, because every cry of a baby that is born is the hope of a new world, purer, more fraternal, and some day Christian.

          This release order is to be issued incontinently.

C) Decisão de Edna, em espanhol.

Despacho liberando a  Edna, la que iba a ser madre.

La acusada es multiplemente marginalizada: por ser mujer, en una sociedad machista; por ser pobre, cuyo latifundio son los siete palmos de tierra de los  versos inmortales del poeta; por ser prostituta, desconsiderada por los hombres pero  amada por um Nazareno que cierta vez pasó por este mundo; por no tener salud; por estar embarazada, santificada por el feto que tiene dentro de si, mujer delante de la cual este juez debería arrodillarse, como homenaje a la maternidad, pero que sin embargo,  en nuestra estructura social, en vez de recibir cuidados prenatales, espera a su hijo en la carcel.

Es una doble libertad la que concedo en este despacho: libertad para Edna y libertad para su hijo que, si desde el vientre de la madre puede oir el sonido de la palabra humana, sienta también el calor y el amor de la palabra que le dirijo, para que venga a este mundo tan injusto con fuerzas para luchar, sufrir y sobrevivir.

          Cuando tanta gente huye de la maternidad; cuando millares de brasileñas, incluso jóvenes y sin dicernimiento son esterilizadas; cuando se debe afirmar al Mundo que los seres humanos tienen derecho a la vida y que es necesario distribuir mejor los bienes de la tierra y no reducir los comensales; cuando por motivos de comodidad e incluso motivos fútiles muchas mujeres se privan de generar vida, Edna engrandece hoy a este Foro, con el feto que trae dentro de si.

Este juez renegaría todo su credo, rompería todos sus principios, traicionaría la memoria de su Madre, si permitiese que Edna saliera de este Juzgado bajo prisión.

Salga libre, salga bendecida por Dios, salga con su hijo, traiga a su hijo a la luz, porque cada llanto de niño que nace es la esperanza de un mundo nuevo, más fraternal, más puro y algún día cristiano.

Despáchese incontinenti el mandato de libertad.

D) Despacho de Edna, em alemão.

Urteil zur Freilassung von Edna, derjenigen, die Mutter wird.

Die Angeklagte ist vielfältig benachteiligt: weil sie eine Frau in einer Männergesellschaft ist; weil sie arm ist und als Grundbesitz – so die unsterblichen Verse des Poeten – nur die sieben Spannen Erde besitzt, wo sie mal begraben wird; weil sie eine Prostituierte ist, von den Menschen missachtet, aber von einem Nazarener, der einst durch diese Welt lief, geliebt wurde; weil sie krank ist; weil sie schwanger ist, selig gemacht durch den Fötus, den sie in ihrem Leib trägt, und vor die dieser Richter sich niederknien sollte, in einer Ehrung der Mutterschaft; die jedoch in unserer sozialen Struktur anstatt pränatalen Beistand zu bekommen, im Gefängnis auf die Geburt ihres Kindes wartet .

Es ist eine doppelte Freiheit, die ich mit diesem Urteil gewähre: Freiheit für Edna und Freiheit für Ednas Kind, damit dieses – wenn es im Mutterleib den Laut der menschlichen Stimme hören kann – die Wärme und die Liebe meiner Worte fühlen kann; damit es in dieser so ungerechten Welt, in die es kommen wird, Kraft zum Kämpfen, zum Leiden und zum Überleben findet .

In einer Zeit, in der sich so viele Menschen der Mutterschaft entziehen; in der Tausende von Brasilianerinnen, noch sehr jung und unüberlegt sterilisiert werden; wenn der Welt gesagt werden muss, dass die Menschen ein Recht auf das Leben haben; dass man die irdischen Güter besser verteilen muss und nicht die Tischgenossen reduzieren; in einer Zeit, in der die Frauen aus Bequemlichkeit oder auch aus belanglosen Gründen sich dem Austragen von Kindern entziehen, ehrt Edna heute dieses Gericht, mit dem Fötus, den sie in sich trägt .

Dieser Richter würde seinem Kredo abschwören, all seine Prinzipien zerreißen, die Erinnerung seiner Mutter verleugnen, wenn er erlauben würde, dass Edna dieses Gericht verhaftet verlassen würde .

Geh frei hinaus, geh von Gott gesegnet fort, geh mit deinem Kind, bringe dein Kind ans Licht, denn jedes Weinen eines Neugeborenen ist die Hoffnung auf eine neue, brüderlichere, reinere Welt, irgendwann vielleicht eine christlichere Welt .

Es werde sofort der Freilassungsbefehl ausgefertigt.

E) Decisão que libertou Edna, em italiano.

Sentenza di assoluzione di Edna, che stava per essere Madre.

L’accusata è moltiplicatamente marginalizzata: per essere donna, in una società maschilista; per essere povera, e la sua proprietà è la terra necessaria per la sua tomba come recitano i versi imortali del poeta; per essere prostituta, disprezzata dagli uomini ma amata da un Nazareno che un giorno è passato per questo mondo; perchè è gravida, santificata dal feto che porta dentro di sè; insomma, è una donna davanti alla qualle questo Giudice dovrebba inginocchiarsi in omaggio alla sua maternità, anche se nella nostra società invece di ricevere le cure prenatali stà aspettando un figlio in prigione.

Con questa sentenza concedo una doppia libertà: la libertà di Edna e la libertà del figlio di Edna che, se dal ventre dalla mamma potesse udire il suono della parola umana, sentirebbe il calore dell’amore e della parola che gli rivolgo affinché venga a questo mondo tanto ingiusto con le forze sufficiente per lottare, soffrire e sopravvivere.

Mentre tanta gente evita la maternità, migliaia di donne brasiliane anche se giovanne e senza discernimento, sono sterilizzate; se si deve affermare al Mondo che tutti gli esseri hanno diritto alla vita, è necessario distribuire meglio i beni della terra e non diminuire i beneficiari; quando per una ragione di conforto o anche per i motivi futili le donne si privano del piacere della maternità, Edna nobilita questo Tribunale com il feto che porta dentro di sè.

Questo Giudice rinnegarebbe tutto il suo credo e i tutti i suoi principi, tradirebbe la memoria di sua madre se permettesse che Edna uscisse dal Tribunale imprigionata.

Vai libera, vai benedetta da Dio, va con tuo figliolo e dagli la luce, perché ogni pianto di neonato è una speranza di un mondo nuovo, più fraterno, più puro e forse un giorno cristiano.

Si rilasci incontinente la sentenza di scarcerazione.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

João Baptista Herkenhoff, Juiz de Direito aposentado, Professor do Mestrado em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor. Autor, dentre outros livros, de “Introdução ao Direito – abertura para o mundo do Direito, síntese de princípios fundamentais” (Rio, Thex Editora). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br


Alteração da composição do capital social da empresa locatária e sua repercussão na fiança locatícia.

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Jaques Bushatsky

I. A cessão da participação societária é modalidade de negócio de larga e legal utilização.

A velocidade com que têm se verificado as cessões de participações societárias, em tempos de pujança de alguns setores da economia, vem fazendo aflorar com repetição, as situações em que se preste fiança em locação comercial de imóvel, ocorra a alienação do capital da sociedade locatária e em seguida, pretenda o locador, em face do inadimplemento de aluguéis e encargos executar aquele que originalmente prestara fiança.

É questão evidentemente relevante, sob seus aspectos econômico (a gestão e a extensão das fianças), social (somente em São Paulo, contam-se aos milhões as locações e destas, cerca de 70% são garantidas por fianças: como ficaria tal mercado, caso findasse estendida a obrigação do fiador que não anuiu com alterações contratuais?), jurídica, pois exigida a aplicação dos dispositivos legais pertinentes.  

Mencione-se desde já que nestas rápidas anotações, não se pretende a já ultrapassada interpretação que era, tempos atrás, conferida à Sumula 214 do STJ (O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu), ao contrário: persegue-se, exatamente, a prevalência da Súmula referida, coerente com o disposto no artigo 819 do Código Civil de 2002 (A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva).

II. O inadimplemento dos aluguéis nessas velozes cessões é circunstância menos rara do que se imaginaria.

Não é raro o surgimento de inadimplemento de aluguéis nessas situações. Malgrados os estudos que devam ser feitos quando se cogitem investimentos, ainda ocorrem negócios eivados de palmar ignorância mercadológica, de franca inaptidão gerencial, de açodado descuido quanto à documentação ou à regularização dos ajustes.

Tal se dá, mormente, naquelas aquisições realizadas sem acompanhamento técnico, é evidente. E, é aí que surgem os erros, é aí que se verifica no que tange à locação imobiliária, que o antigo fiador não expressou anuência quanto às alterações experimentadas pela sociedade afiançada.

III. Sobre a sociedade locatária e a intenção do fiador ao dar a garantia.

Pessoas que reciprocamente se obriguem a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de determinada atividade econômica e a partilha dos resultados respectivos, celebram sociedade. E as sociedades são regidas pelo atual Código Civil, nos artigos 981 e seguintes úteis.

Guardado o foco deste rápido estudo, anotado que não se cuida aqui das sociedades anônimas, interessa somente realçar que, regra geral, a alteração de sócios traz evidentes mutações na sociedade.

É possível pinçar no Código, em rápido passeio: 1) a impossibilidade de substituição de sócio em suas funções, sem o consentimento dos demais (artigo 1002); 2) a ineficácia da cessão de quota que não seja seguida da alteração contratual correspondente (artigo 1003); 3) a responsabilidade do cedente de quota por até dois anos contados da averbação da modificação do contrato (parágrafo único do artigo 1003); 4) as regras e as exigências relativas á administração da sociedade (artigo 1001); 5) a responsabilidade solidária dos administradores (artigo 1016); 6) a vedação, ao administrador, de fazer-se substituir no exercício das suas funções (artigo 1018); 7) a responsabilidade dos sócios perante terceiros (artigo 1023 e seguintes); 8) a possibilidade de exclusão do sócio que coloque em risco a atividade social (artigo 1085); são apenas alguns exemplos.      

É inegável (e parece o bastante neste passo) quão importante (de fato e diante da lei) é a composição do quadro social. E é óbvio que essa composição consista motivo determinante[1] da decisão de prestar-se fiança.

Basta, em reforço, apreciar a evidência de que poucos sorriem quando solicitados a afiançar, isso é notório (artigo 334 – I, do CPC); e, sob a ótica de quem a presta, mais que prestar garantia, faz-se um favor aos sócios da empresa (e não a esta, propriamente dito, sob o prisma  íntimo), esta a efetiva intenção do garantidor (artigo 112, do Código Civil).

Daí entender-se que a fiança é prestada, mesmo quando em favor de sociedades, “intuitu personae”.

IV. Se foi alterado o quadro societário da locatária, desnaturou-se a fiança outorgada.

Indubitável, é destinada a outorga de fiança, a garantir uma determinada sociedade, integrada por pessoas específicas, que na espécie ora discutida, mercê da cessão da participação no capital, se tornaram estranhas ao quadro social. Retiraram-se.

Ora, uma vez provada e incontroversa a absoluta alteração da composição social da empresa locatária, já decretou o Superior Tribunal de Justiça: “1. É cabível a exoneração da garantia fidejussória prestada à sociedade após a retirada da sócia-fiadora, em face da quebra da affectio societatis. 2. Tendo a sócia fiadora e seu cônjuge notificado o locador de sua pretensão de exoneração do pacto fidejussório, em razão da sua retirada da sociedade que afiançaram, direito lhes assiste de se verem exonerados da obrigação, uma vez que o contrato fidejussório é intuitu personae, sendo irrelevante, no caso, que o contrato locatício tenha sido estipulado por prazo determinado e ainda esteja em vigor. 3. Em se cuidando de contrato de natureza complexa em que a fiança pactuada o é enquanto preservado o contrato societário, faz-se evidente que a resolução de qualquer dos contratos implica a resolução do remanescente, mormente se a essência complexa do contrato foi aceita pelo locador, na exata medida em que locou o imóvel à pessoa jurídica, sendo fiadora uma de suas sócias. 4. Recurso provido.”[2]

Também do STJ[3], se tem, dentre vários outros acórdãos: “Nos termos do art. 1500 do Código Civil, o fiador tem o direito de se desligar da fiança, se esta não mais lhe convém, como no caso, prestada em razão dos antigos integrantes da firma. Com a retirada deles, non extenditur fidejusso”.

Na mesma lógica[4], vê-se em acórdão relatado pelo Desembargador Francisco Kupidlowski[5]: “Ora, a fiança, em face de sua natureza, não se estende de pessoa a pessoa, pois, tratando-se de obrigação personalíssima, há a relação pessoal direta entre o afiançado e fiadores, fundada na confiança, e em favor do garantido. Essa natureza de garantia caracteriza-se pela sua unilateralidade, gratuidade, acessoriedade e natureza "intuitu personae", visto que o seu ajuste decorre da confiança de que desfruta o fiador (…).  Por conseguinte, qualquer mudança a esse respeito desvirtua o instituto da fiança, pois, do contrário, estar-se-ia dando interpretação extensiva ao negócio. (…). A alteração do quadro societário da pessoa jurídica Caravelas Guindastes Ltda. desvirtuou completamente a garantia intuito personae prestada no contrato celebrado entre as partes, na medida em que a fidúcia lançada no referido instrumento é de ordem pessoal, dada em função da pessoa afiançada, que, in casu, foi descaracterizada desde o momento em que se verificou a modificação societária (no ano de 2002). Conclui-se, portanto, que a partir do momento em que os autores se retiraram da sociedade, a fiança por eles prestada perdeu efeito porque desnaturada a relação ensejadora da garantia.”(SIC).

É remansoso, diga-se, o entendimento de exonerar-se o fiador, em caso de cessão da locação[6], tão somente essa circunstância será suficiente para livrar os antigos fiadores da cobrança de aluguéis que venha a ser intentada.  Mesmo sob este prisma, interessa observar que são bastante comuns as cessões de participações societárias, com o singelo intuito de mascarar-se a cessão do maior ativo em jogo, o ponto comercial.

Não é outra a razão que leva locadores a preverem, aliás, uma série de barreiras no contrato de locação, no que disser com a cessão do capital social, servindo de exemplo, a estipulação de obrigatório aviso ou pedido de anuência ao locador ou, previsão costumeira nas locações em shopping centers, a cobrança de valores semelhantes, na cessão da participação social, àqueles cobrados em casos de singelas cessões do contrato de locação propriamente dito.

V. Se ocorreu aditamento sem a participação dos fiadores, estes não responderão.

Pretender-se cobrar de fiadores que não anuíram, significaria dizer que eles seriam instados a pagamento que jamais prometeram, em imediata irritação, ao menos, aos artigos 818 e 819 do CC/2002 e à Súmula 214, do  STJ.

Desnecessário alongar-se: não há lei ou jurisprudência que obrigue fiador que não participou de aditamento escrito, a suportar os ônus da garantia anterior.

E, sob o enfoque da execução, o artigo 568 – I, do CPC aponta como sujeito passivo da execução, “o devedor, reconhecido como tal no título executivo”. Logo, não figurando o antigo fiador em qualquer título (resgatado o pressuposto dessas linhas: a não existência de documento expressando a responsabilidade), não poderá ser executado.

VI. As balizas das declarações prestadas para instruir ação renovatória de locação e a questão em foco.

Exige, o artigo 71 – VI, da Lei n. 8245 de 1991, que a petição inicial da ação renovatória de contrato de locação seja instruída com “prova de que o fiador do contrato ou o que o substituir na renovação aceita os encargos da fiança, autorizado por seu cônjuge, se casado for”

Trata-se de situação cediça, o ajuizamento de renovatórias, nas locações comerciais, cumprindo recordar que em boa parte das locações em que surge o problema ora cuidado, há renovatória em curso. E a explicação para essa circunstância é simples: são cedidas participações em empresas que ao menos aparentem ser lucrativas; ora, a rentabilidade de empresas comerciais raramente prescinde da boa localização, vale dizer, do estabelecimento em local disputado e que somente por isso, acarreta a perseguição da renovação da locação através do judiciário. Fosse ruim a localização, provavelmente seria fraca a empresa, sequer se discutiriam os temas aqui agitados…

A exata amplitude dessa declaração: é singelamente, um documento necessário para o ajuizamento da renovatória.

De qualquer modo, essas declarações – em estrita atenção à lei – somente expressam a garantia locatícia nos estritos limites (artigo 819, do CC/2002) da própria demanda, aqueles noticiados na vestibular da ação, ou seja, renovação (artigo 51, da Lei 8245/1991) por determinado prazo, a partir do termo final anterior; aceitação dos valores propostos na vestibular. A imaginar-se de outro modo, restará abalado o artigo 819 do Código Civil.

Vem a pelo, a conclusão alcançada no TJSP, em voto[7] do Desembargador Dyrceu Cintra: “A declaração pela qual se comprometeram a prosseguir afiançando a locação em caso de renovação do contrato data de 02.12.90 (f 86). Tal documento foi feito, evidentemente, para atendimento ao disposto no artigo 71, VI, da Lei 8.245/91.E deve ser entendido no exclusivo âmbito temporal relacionado à renovação do contrato, que tinha prazo de 48 meses (fls. 09). A aceitação do encargo expressa naquele documento se restringe, pois, à primeira renovação, pelo mesmo prazo (artigo 51, caput, da Lei 8.245/91). Não se pode entender que a responsabilidade se prolongue indeterminadamente, enquanto durar a locação, pela mesma razão já exposta de início.”

VII. O fiador só responde pelo que prometeu e por quem garantiu.

Parece evidente que a alteração da composição do quadro social da sociedade locatária repercutirá na fiança. Esta, quando é prestada, o é em favor da sociedade locatária, mas esta entidade é compreendida com o quadro social (dentre outros relevantes aspectos) existente na oportunidade da prestação da garantia.

Alterações intrínsecas à sociedade inquilina, assim como alterações no pacto locatício, implicarão na exoneração do fiador que não tenha sido chamado – e concordado – a anuir. Afinal,  a sociedade, expressão da conjugação de esforços e capitais, que sofreu alteração de sócios, já não guarda relação exata com o garantidor.


NOTAS

[1]  Na letra de Gildo dos Santos (Locação e Despejo – Comentários à Lei 8245/91, 1ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, 1992), "Quando a fiança é prestada a uma pessoa natural ou jurídica, o fiador sempre leva em conta a pessoa ou as pessoas dos sócios em quem confia, de sorte que esse contrato de garantia não passa de pessoa a pessoa, posto que essa garantia, contrato genérico, não admite interpretação extensiva (C. Civil, art. 1483 e art. 1490)" (p. 92).  (SIC)  "Acrescente-se mais que, em se cuidando a fiança de garantia intuito personae a não permitir extensão de uma a outra, persona ad personam non extenditur fidejussio no dizer de Casaregis, obrigação fundada na confiança, no grau de amizade, parentesco ou credibilidade que possa merecer o afiançado, não é curial se possa estendê-la, mesmo em se tratando de pessoa jurídica a inquilina, a terceiros continuadores do negócio, mas estranhos à fidúcia original entre as partes". (ob.cit. p. 93).  

[2] STJ – REsp 285.821/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, julgado em 19.09.2002, DJ 05.05.2003 p. 325. 

[3] Recurso Especial 299036- MG, rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca julg. 10/04/01, DJ 08/10/01. 

[4] Igualmente: “Frente ao caráter personalíssimo da sociedade e a natureza ‘intuito personae’ do contrato de fiança outorgado precisamente quando do ingresso dos novos sócios, viável a exoneração após a retirada dos mesmos, substituídos por pessoas desconhecidas.” (2º TAC-SP, Ap. c/ Rev. 426.969.00/5, 9ª Câmara, Relator: Juiz Francisco Casconi, julg. 19.04.95)  

[5] Processo n. 1.0024.06.196937-4/001(1); Relator: Francisco Kupidlowski; Data do Julgamento: 27/09/2007.

[6] Aliás, esse é o entendimento unânime de nossos Tribunais: 1)"… A fiança, por ser avença acessória e restritiva, extingue-se automaticamente com a cessão da locação" (Ap. Civ. 186006524, 3ª Câmara do TARS, relator Celeste Vicente Rovani, JTARS 59/253); 2)"Locação. Aluguel. Transferência de contrato a terceiros. Falta de aquiescência dos fiadores. Pretendida execução contra estes, inadmissibilidade" (Ap. 4307/84, 3ª Câmara do TARJ, relator Miguel Pacha, RT 596/222).

[7] Apelação n. 1001776 – 0/8; 36ª Câmara de Direito Privado do TJSP; julgamento aos 12/04/2007.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Jaques Bushatsky: advogado em São Paulo, membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP

 

Breves comentários sobre a “maior” idade do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90

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* Paulo Roberto Pontes Duarte  

Freqüentemente se diz que os jovens perderam o respeito, os ideais, a meta. Ora, isso não é de hoje; sempre o jovem recebeu pecha de arquétipos negativos. Há 5 mil anos, no alto do Nilo, uma pedra recobriu um túmulo egípcio. Nela estava gravada esta frase desconsolada: “ A juventude está se desagregando” (In: Gabriel Chalita. A solução está no afeto, 2001, pág. 35).  

Dia 13 de julho é o dia internacional do velho e bom rock in roll, que por sinal foi um gênero musical que teve muita importância na formação crítica de gerações, a exemplo na década de 80 em nosso país dizia a letra de uma música de uma banda do Distrito Federal a Plebe Rude: “Somos a minoria mas pelo menos falo o que quero apesar da opressão”. Ainda hoje, embora num Estado Democrático de Direito a liberdade de expressão é cercada pelo aparato estatal.

Diga-se, também, que dia 13 julho é a data que foi aprovada a Lei Complementar nº 197 de 2000 que instituiu a Lei orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina que, na época da graduação tivemos a oportunidade de ser estagiário formalmente, inclusive na Promotoria da Infância e Juventude, quando houve o  primeiro contato com o Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Na mesma época trabalhávamos como professor de cidadania à adolescentes entre 14 e 16 anos numa comunidade carente na cidade de Florianópolis, descobrindo na prática a aberração do assistencialismo, a falta de interesse da administração municipal em políticas públicas que pudessem agregar no desenvolvimento do adolescente, praticas que, em continuidade contribuíssem na redução dos atos infracionais cometidos por uma parcela excluída  da sociedade.

 Portanto, em razão dessas experiências vivenciadas acreditamos ser pertinente uma breve reflexão ao tema, pois não existe juventude perdida e sim uma sociedade relapsa e um poder público omisso em suas obrigações disciplinas na Lei Maior de 88.

 Por fim,  no dia 13 e julho de 2008 o Estatuto da Criança e do Adolescente completa 18 anos que esta em vigor, considerado um marco em nosso ordenamento jurídico por disciplinar os direitos e as garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes.

Nutritivo salientar, com o advento da  Lei nº 8.069/90 revogou o Código de Menores que estava em vigor deste 1979, antes deste tínhamos como referencia legislativa sobre a matéria em comento  o Código de Menores de 27, também conhecido como Código de Mello Matos.

Importante frisar que existem três doutrinas que definem os parâmetros legais para o direito da população infanto-juvenil. De modo que seus valores repercutem na órbita jurídica. Temos a doutrina do direito penal do menor, a doutrina da situação irregular e por fim a doutrina da  proteção integral, esta adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

 O ilustre desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina  Antônio Fernando  do Amaral e Silva com muita propriedade define esse novo direito, senão vejamos:"caracterizado pela coercibilidade, passa garantir às crianças e adolescentes ‘todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhes oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições e dignidade (Estatuto, artigo 3º).’"[1]

 A propósito, reza o art. 4º: “ É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

 Evidencia-se, nestes termos definitivamente o acolhimento da doutrina da proteção integral, de certa forma disciplinando o art. 227 da Carta fundamental o que ressalta a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.

Com efeito, após mais de trinta anos da Declaração dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes da ONU, mais precisamente em  1959 nosso país adota uma legislação que determina o poder público implementar políticas públicas, como também a descentralizar o atendimento a população infanto-juvenil.

 Posteriormente, importante fazer menção,   que em 12 outubro de 1991 foi sancionada a Lei nº 8.242 que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, órgão colegiado integrado por representantes do Poder Executivo e, em igual número, por representantes de entidades não-governamentais de âmbito nacional de defesa e atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

Urge salientar, apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente estar completando 18 em vigor, uma de sua maiores dificuldades de aplicação ainda diz respeito a visão equivocada de diversos seguimentos da sociedade, e não diferente de operadores do direito que tratam a criança e o adolescente como objeto e não como pessoa em desenvolvimento,  sujeito de  direitos.

 Pois bem, falando em 18 anos,  há a questão da redução da idade penal para 16 ou também, cogita-se para que a imputabilidade penal passe para os 14 anos.

 Sempre que ocorrem crimes com repercussão nacional com a participação de adolescentes terem cometido um ato infracional cogitasse o “Movimento Lei e Ordem”. Assim, utiliza-se o direito penal como  resposta à população, que o Estado está cumprindo seu papel. Criando-se a nefasta idéia que  penas mais rígidas ou redução da idade penal reduzirá há ocorrência de crimes.

 Com o devido respeito, razão não assiste, pois de que resultou a Lei 8.072/90? Houve alguma redução dos crimes que esta Lei disciplina? A população se sente mais segura com a tal Lei sobre os crimes hediondos?

 Desse modo, confunde-se política policial com política criminal buscando uma efetiva repressão à custa das garantias processuais positivas na Lei Maior.

 Ao cuidar do tema discorre Antônio F. do Amaral e Silva: “O critério dos 18 anos é de política criminal, nada tem a ver com capacidade ou incapacidade de discernimento, ou seja, "admitir que a imputabilidade (penal-comum) aos 18 anos se baseia na falta de entendimento do caráter ilícito, anti-social ou reprovado dos crimes, implica comparar adolescentes a insanos mentais, o que nada tem de "coerente"[2].

Obviamente, o critério adotado para idade penal  de 18 anos em nosso país é uma questão de política criminal. A propósito esse foi o entendimento do legislador constituinte. Se formos analisar no âmbito da criminologia podemos concluir que submeter os jovens menores de 18 anos ao sistema carcerário destinado aos adultos será mais danoso a própria finalidade da prevenção e repressão criminal.

Por outro lado, os argumentos de que um jovem pode votar ou que pode tirar sua primeira habitação não são motivos para responsabilizar pelas regras do código penal e pelo código de processo penal a população infanto-juvenil. 

O Superior Tribunal de justiça ao aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente tem-se posicionado de forma humanista, o que se deve esperar das Cortes brasileiras ao interpretá-lo.

Assim, os Ministros tem decido de forma mais justa para o adolescente infrator, enfatizando a importância das medidas sócio-educativas, pois sua finalidade é retirar os adolescentes de situação de risco e promover a reintegração social, pois são pessoas em desenvolvimento.

Cristalino restou a louvável decisão do STJ ao garantir ao adolescente  aguardar a decisão em regime de liberdade assistida, pois estava internado por tempo indeterminado por ter violado em tese  o tipo penal de tráfico de drogas.  

Nesse rumo, a  5º turma ao conceder o pedido de habeas-corpus,  enfatizou  que a aplicação da medida de internação só pode ser imposta se a infração atribuída ao adolescente estiver prevista no artigo 122 no Estatuto da Criança e do Adolescente. Este artigo   estabelece medida  de internação, podendo ser aplicada  quando:

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

De qualquer forma, a questão da redução da idade penal não está apenas insculpida no art. 228 da Carta Política. Devemos ressaltar que trata-se de uma garantia fundamental a premissa  da idade da imputabilidade penal, por força do art. 60,§ 4º, inciso IV, da própria Constituição Federal. Logo, uma cláusula pétrea, protegida pela intangibilidade.

Por fim, desde Beccaria, que foi uma das primeiras vozes a levantar-se em nome da humanidade contra a opressão jurídica, oferece-nos subsídios para refletimos que a punição não é o meio mais eficaz de prevenir a ocorrência de crimes.

“É preferível prevenir os delitos a ter que puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de proporcionar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e do males desta existência”.[3]

Respeitando o entendimento diverso, não acreditamos que reduzindo a idade penal diminuirá a participação de adolescentes na pratica de atos infracionais. Como mencionado no preâmbulo deste ensaio, por um período de dois anos vivenciamos diariamente a vida de uma comunidade carente. Na atualidade, passados alguns anos, poucos estão trabalhando, poucos continuaram a estudar, outros estão privados de liberdade pois foram sucumbidos pela falta de oportunidade e do direito de sonhar, muitos outros perderam a vida.

Caro leitor, Sabes o que é encontrar um ex-aluno seu, hoje adulto  e falar: “ professor lembra de Fulano… morreu… tomou tantos tiros…”.

Portanto, o poder público deve garantir condições necessárias aos Conselhos Tutelares, aos programas sociais que possibilitem a aplicação das medidas sócio-educativas, assim o Estatuto da Criança e do Adolescente será um instrumento de pedagogia social, pois uma notável característica é sua aplicação multidisciplinar.

Destarte,  é preciso que a sociedade seja melhor esclarecida sobre a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente. Que tenham uma visão crítica, mas com fundamento, que principalmente cobrem do poder público suas obrigações na efetivação das políticas públicas em cada município.

De mais a mais, como bem enfatiza Gabriel Chalita: “ Não há nada tão belo e tão profundo como anseio pela liberdade.Não há nada tão buscado e tão difícil de ser obtido. É a satisfação de um anseio atávico esse que os seres vivos buscam alcançar na liberdade a qualquer custo – sem liberdade, não há vida”.[4]

Afinal, vamos punir pessoas em desenvolvimento que não tiveram oportunidade?  A criança e o adolescente não podem ser pensados como o futuro da nação, na verdade são o presente de nosso país. 

 


 

NOTAS

[1] SILVA, Antônio F. do Amaral e. O Estatuto, Novo Direito da Criança e do Adolescente e a Justiça da Infância e da Juventude. Retirado de www.direitoejustiça.com em 20 de maio de 2002.

[2] SILVA, Antônio Fernando do Amaral, Mandar jovens de 16 anos para o sistema carcerário vai resolver a questão da violência e criminalidade?, p. 2.

[3] Cesare Baccaria. Dos Delitos e das Penas, pag. 101.

[4] Opit. Cit. Pag. 69 

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Paulo Roberto Pontes Duarte: Advogado – Membro da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB/SC – formado na Escola de Preparação e Aperfeiçoamento do Ministério Público do Estado de Santa Catarina – Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal

e-mail: paulo-diver@bol.com.br

 

 

 

 

Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais

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* Guilherme França Moreira dos Santos

1. Introdução

            Através do presente trabalho busca-se elaborar uma investigação acerca da possibilidade de a Pessoa Jurídica ser responsabilizada penalmente quando da ocorrência de crimes ambientais.       

            Não se discute a grande importância da tutela do meio ambiente nos dias atuais, especialmente porque o avanço tecnológico, de forma geral, traz em seu bojo, além do desenvolvimento, inúmeros problemas ambientais.

            O que proporciona divergências doutrinárias é a forma como essa tutela pode se dar no campo do Direito Penal sem, contudo, desrespeitar alguns princípios básicos que norteiam esse ramo do Direito.

Além disso, muito se argumenta se seria o Direito Penal o instrumento mais adequado para cuidar do assunto, não sendo os Direitos Administrativo e Civil capazes de tutelá-lo.

            Sendo assim, analisaremos quais são os elementos que ensejam estas divergências na Doutrina, levando-se em consideração, após uma breve exposição da evolução histórica da responsabilidade penal da pessoa jurídica e da proteção jurídica ao meio ambiente em outros países, os fundamentos doutrinários favoráveis e, logo adiante, os contrários à responsabilização penal das pessoas jurídicas de forma geral e, mais especificamente, no que tange aos crimes ambientais.

2. Breve Histórico Sobre a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 

De modo geral, podemos dizer que as civilizações oscilaram entendimentos entre tendências individualistas e coletivas. Desde a Idade Antiga até a Idade Média, predominaram as chamadas sanções coletivas, impostas às tribos, famílias, comunas, vilas e cidades, que perderam espaço com o advento do liberalismo, após a Revolução Francesa. [1]

Na verdade, durante esse período, alguns direitos e garantias essenciais à existência do ser humano em sociedade passaram a ser reconhecidos, criando uma orientação libertadora do indivíduo no que tange às velhas e autoritárias relações medievais, dando fim às referências às sanções coletivas que pudessem pôr em risco as liberdades individuais.[2]

Como destaca Silvina Bacigalupo, além do liberalismo presente no período Iluminista, o Absolutismo, ao buscar suprimir todo o poder dos que poderiam competir com o Estado, ajudou a reduzir a representatividade das coletividades, que perderam o poder político e os direitos que tinham, deixando de ameaçar a soberania do Estado e, por essa razão, tornou-se desnecessária a responsabilização das mesmas no campo penal. Com essas modificações na concepção de indivíduo e sociedade, estava aberto o caminho para a responsabilidade individual.[3]

Vale lembrar, ainda, a existência de uma outra corrente de pensamento acerca do sentido evolutivo da responsabilidade penal da pessoa jurídica segundo a qual no período pré-moderno, não pode ser admitido o conceito de responsabilidade penal dos entes coletivos pelo fato de, nesse tempo, não haver sequer uma solidez na compreensão do significado de pessoa jurídica.

Destarte, cabe mencionar, de forma sucinta, o que dizem os doutrinadores acerca da evolução histórica do conceito de responsabilidade penal da pessoa jurídica, através de uma breve análise sobre a forma como as Antigas Sociedades tratavam o tema, observando-se sua concepção na Babilônia, Grécia Antiga, Roma Antiga, dentre outros.

Ao retratarmos o direito babilônico, faz-se mister lembrarmos do Código de Hammurabi[4], que norteava as ações dessa civilização e no qual pode-se observar a responsabilização de toda a coletividade pelas ações praticadas por um de seus membros.

Já na Índia, identifica-se o Código de Manu[5] como o maior expoente de sua antiga legislação, no qual podemos observar uma forte influência religiosa sobre as leis penais, que acarretava em punições que não se limitavam à pessoa do condenado, como por exemplo no caso do crime de falso testemunho, em que todos os membros da família do agente do delito, inclusive os que estivessem por nascer, eram condenados à morte.[6]

No direito hebreu, é importante analisar os livros da Bíblia, através dos quais se pode observar uma característica marcante da lei penal hebraica, qual seja, a igualdade existente entre os culpados dos fatos delitivos, independentemente de sua condição social e de sua convicção religiosa e política.[7]

No direito grego, tal qual no direito romano, uma característica marcante é o afastamento de conceitos teocráticos. Podemos distinguir duas fases do direito grego: uma primeira de caráter coletivista e outra, de marcante individualismo.

Nessa sociedade existiam diversos tipos de agrupamento, dentre os quais: tribo, fratria, genos e tiasos, sendo que este último é considerado por parte da doutrina como uma espécie de pessoa jurídica de direito privado passível de punição pelos seus delitos.

As outras modalidades de agrupamento supramencionadas possuíam conotação familiar que, tendo em vista o fato de nessa época não existir a justiça criminal do Estado, assumiam para si a responsabilidade pelos atos de um de seus membros e a vingança sobre quem os ofendesse.

            Numa fase posterior, a partir do século VII a.C., decorrente da invenção da moeda, as concepções coletivistas foram afastadas, dando lugar ao individualismo econômico, no qual a responsabilidade passou de coletiva à individual, sendo que, no que diz respeito aos crimes de caráter religioso e político, as penas coletivas permaneceram por mais de um século.

No direito romano, tardiamente é que se passou a conhecer o conceito de representação. Até então, distinguia-se perfeitamente os direitos e obrigações da corporação (universitas) dos de seus membros (singuli).

            Mais precisamente com o advento do Império é que foi conhecida a responsabilidade coletiva no direito romano, quando se observou o surgimento de conjuntos de pessoas detentores de direitos subjetivos, que passaram a ser titulares de direitos e obrigações distintas das que possuíam seus membros.

            Nessa linha de raciocínio, Mestre, Valeur e Afonso Arinos de Mello Franco defendem que o direito romano aceitava a idéia da capacidade delitiva das pessoas coletivas, formando uma corrente notadamente minoritária.[8]

Para a maior parte da doutrina, apesar do reconhecimento de direitos subjetivos às corporações, tais entidades eram consideradas pura ficção, não diferenciando, na essência, das pessoas que as compunham.

Por esse motivo, muitos entendem que o direito romano não conhecia a figura da pessoa jurídica, não sendo as pessoas coletivas responsáveis criminalmente (princípio societas delinquere non potest), ressalvada, todavia, a possibilidade de acusação contra o município (principal universitas) quando houvesse cobrança ilegal de impostos em favor do mesmo.

Na verdade, a grande contribuição do direito romano reside na fixação de raízes sólidas para diferenciar-se a responsabilidade singular da coletiva.[9]

            Os glosadores não criaram uma teoria sobre a pessoa jurídica. Para eles, as corporações não eram entidades distintas das pessoas que as compunham, podendo figurar como sujeito ativo de infrações criminais.

Havia crime da corporação quando a totalidade de seus membros iniciava uma ação penalmente relevante por meio de uma decisão conjunta, ou ainda, por meio de decisões tomadas pela maioria dos membros.

Nos demais casos, a imputação da responsabilidade pela ação criminosa era feita de acordo com os princípios da imputação individual.

Já os pós-glosadores, influenciados pelas concepções canonistas, consideravam a universitas (espécie de corporação) uma pessoa ficta, entendendo, ainda, ser possível a prática de crimes por parte da mesma, sendo certa a existência de mecanismos para a exclusão dos membros inocentes dos efeitos das sanções de caráter coletivo.

O direito canônico, em sua época medieval, influenciado pelo direito germânico, admitiu de forma ampla e irrestrita a responsabilidade penal das corporações. A eventual punição de inocentes (pessoas que faziam parte dos entes punidos, mas que não haviam contribuído para a prática delituosa) não era considerada empecilho para a responsabilização das corporações, uma vez que se acreditava na compensação divina.

Partindo da premissa de que os direitos não pertenciam à totalidade dos fiéis da Igreja, mas a Deus, os canonistas começaram a elaborar um conceito técnico-jurídico de pessoa jurídica, que considerava a capacidade jurídica da universitas independente da capacidade jurídica de seus membros.

Podemos observar aqui o surgimento do conceito de pessoa jurídica, que por ficção jurídica, passa a ter capacidade jurídica e, assim, concluir que os canonistas foram os primeiros a distinguir a corporação e seus membros, bem como a responsabilidade entre os mesmos, restando clara uma grande semelhança entre a teoria desenvolvida por eles e a teoria da ficção de Savigny.[10]

O direito germânico se mostrava favorável a criminalização da pessoa jurídica. Nele havia uma peculiaridade especial: “a população se dividia em grupos, cujos integrantes, ligados entre si por traços de mútua responsabilidade, quando se verificava um delito, deveriam deter o criminoso sob pena de, não o fazendo, pagarem uma indenização em dinheiro”.[11]

Cabe destacar, ainda, o direito francês, no qual há previsão da capacidade delitiva dos agrupamentos. Como exemplo temos a cidade de Toulouse, que em 1331 foi condenada pelo Parlamento de Paris à perda de seu direito de corpo e comunidade, com o confisco de seu patrimônio. Contudo, com o advento da Revolução Francesa, a responsabilidade passou a ser individual, restando alguns resquícios de responsabilidade coletiva.

No direito português, adepto de concepções do direito canônico, eram comuns as sanções às pessoas jurídicas, bem como aos indivíduos. Com a Revolução Francesa, o pensamento dos portugueses em relação à possibilidade de se incriminar as pessoas jurídicas começou a se modificar, passando a considerar o que hoje entendemos como princípio da responsabilidade pessoal. Já no século XIX, durante o apogeu das concepções individualistas do liberalismo, foi definitivamente abolida a idéia de incriminação das pessoas jurídicas.

Na época do descobrimento do Brasil, não havia entre os povos que habitavam a costa brasileira uma consciência da personalidade individual. A responsabilidade coletiva era a regra. Como sabemos, a sociedade indígena se organizava através das tribos, que sentiam e reagiam como um todo, sendo solidárias nas ações e nas responsabilidades.

Com a chegada dos portugueses, o direito penal brasileiro passou a ser o das Ordenações, que não previa a responsabilidade coletiva. No entanto, apesar da objeção presente no artigo 179, inciso XX, de nossa primeira Constituição, o Código Criminal do Império de 1830 em seu artigo 80 e o Código Penal de 1890, no parágrafo único do artigo 103, abordaram a responsabilidade corporativa.[12]

Existem dúvidas acerca da real intenção do legislador com os supracitados dispositivos legais. E não faltam razões para isso, tendo em vista a redação do referido artigo 103, que caminha no sentido oposto ao previsto no artigo 25 do mesmo Código, que afirma a responsabilidade penal como sendo exclusivamente pessoal.[13]

Dessa forma, Sérgio Salomão Shecaira entende que não é possível se falar sobre responsabilidade da pessoa jurídica no direito positivo brasileiro, salvo o disposto no artigo 225, parágrafo 3° [14] e no artigo 173, parágrafo 5° [15] de nossa Constituição, sendo certo que a aplicabilidade desses dispositivos é ponto muito questionado na doutrina, como poderemos observar mais adiante, após breve análise dos modelos de proteção jurídica ao meio ambiente em outros países.

3. A Proteção Ambiental em Outros Países

Nas últimas décadas, observamos a realização de inúmeros Congressos e Convenções internacionais sobre o meio ambiente, sendo exemplos mais recentes e famosos a Conferência do Rio de Janeiro em 1992 (ECO 92) e, marcando o fim do milênio, a Convenção Sobre Mudanças no Clima.

Sobre o primeiro, é importante destacar que, após negociações nas quais ficaram evidenciadas as diferenças de opinião entre o Primeiro e o Terceiro Mundo, foi produzida a Agenda 21 (documento com 2.500 recomendações para melhorar a conservação do planeta).

O resultado mais notório dessa Conferência foi o Protocolo de Kyoto, que consiste em um tratado o qual obriga os países signatários a reduzir as emissões de gases que provocam o aquecimento acelerado e anormal do planeta.

Assim como acontece com as demais recomendações da Agenda 21, o Protocolo de Kyoto apresenta grandes dificuldades para ser efetivamente implementado, uma vez que interesses econômicos e políticos, por certas vezes, acabam por determinar as diretrizes de leis  e tratados internacionais que se revestem sob o manto da preservação do meio ambiente.

Não obstante o disposto acima, a internacionalização da preocupação com a proteção ambiental é motivada, também, pelo ideal de preservação da própria espécie humana, tornando-se um tema de interesse de todos e que, portanto, deve ser analisado, também, sob uma ótica globalizada. 

Sendo assim, torna-se interessante observar a forma como alguns países tratam o tema, conforme faremos a seguir, de forma sucinta.

Em Portugal, segundo Fernando Alves Correia, o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado passou a ser visto como direito fundamental do cidadão.[16]

Observa-se, conforme entendimento do mesmo autor, que o direito ao ambiente é ao mesmo tempo direito positivo, ao impor a todo cidadão o dever de defesa do ambiente e negativo, pois trata de direito à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de ações ambientalmente nocivas; estando apoiado, como no direito alemão, em três princípios fundamentais: o da prevenção, o do poluidor-pagador ou da responsabilização e o da cooperação. [17]

Na França, podemos encontrar uma das legislações mais ricas neste sentido, com normas disciplinando a matéria desde 1917, sendo o Código do Meio Ambiente, publicado em 1995, um de seus maiores expoentes.[18]

Além disso, a expressiva quantidade de associações com finalidade ambiental (cerca de 20.000) demonstra o grande interesse dos franceses em relação ao meio ambiente.

A lei francesa traz em seu bojo planos objetivando a proteção do ambiente tanto na  esfera interna, como na externa, com previsão de cooperação internacional,[19] não se encontrando, entretanto, uma efetiva concretização dessas normas.[20]

Na Itália a situação é um pouco diferente. Embora não exista um corpo unitário de normas voltadas à tutela e preservação do ambiente, restando figuras penais dispersas em textos variados, pode-se dizer que as mesmas são aplicadas com grande eficiência.

            Para ilustrar tal disposição, podemos citar, dentre outros, o art. 21 da Lei 319, de 10 de maio de 1976, segundo o qual, aquele que descarregar substância poluente em águas públicas ou privadas, superficiais ou subterrâneas, internas ou em alto-mar, é punido com prisão de dois meses a dois anos e multa de 500 mil a 10 milhões de liras.[21]

            De forma mais superficial, podemos enumerar Bélgica, Suécia, Suíça, sem olvidar da consagrada responsabilidade penal dos entes morais nas legislações da Grã Bretanha, Irlanda do Norte e Holanda, ainda que restritas às violações à economia, ao ambiente, à saúde pública e à segurança no trabalho, bem como os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, México, Costa Rica e Cuba, como exemplos de países que aplicam sanções penais às pessoas morais.[22]

            No que se refere ao Brasil, antes de qualquer comentário ou menção ao que a doutrina nos oferece sobre o tema, cumpre destacar que a Constituição Federal prevê a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica em matéria ambiental,[23]  conforme disposto em seu artigo 225, § 3°.[24]

Nesse dispositivo, encontra-se o fundamento constitucional da responsabilidade penal da pessoa jurídica na esfera da proteção ambiental. Entretanto, somente dez anos após a promulgação da Constituição Federal em 1988, o mesmo foi regulamentado pela Lei n. 9.605/98.

            Na verdade, a grande importância de um meio ambiente ecologicamente equilibrado levou o Direito a tutelá-lo, por intermédio da tipificação das infrações ambientais que, muitas das vezes, são praticados por empresários que se escondem atrás do escudo representado por suas empresas. Destarte, configura-se, assim, um quadro de impunidade que levou parte da doutrina e da jurisprudência a reconhecer a utilização do Direito Penal contra as condutas lesivas ao meio ambiente, com a conseqüente punição das pessoas jurídicas, conforme veremos a seguir.

4. Fundamentos Doutrinários Favoráveis à Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica nos Crimes Ambientais 

Já antes do advento da Lei 9.605/98, a promotora Sílvia Capelli, com base na recomendação do Conselho da Europa a seus Estados Membros, em 1977, no sentido de que se devia buscar soluções para a responsabilização dos entes coletivos em casos de violação do meio ambiente, sustentava que a neocriminalidade estaria a exigir do legislador um enfrentamento no que concerne à prática de fatos ofensivos excepcionais, capazes de causar lesões em toda sociedade frente à reconhecida insuficiência das regras existentes para obstá-las.[25]

Podemos citar, dentre os defensores da responsabilização penal da pessoa jurídica, Sérgio Salomão Shecaira, João Marcelo de Araújo Júnior, Valdir Sznick, Vladmir Passos de Freitas, José Henrique Pierangelli, Gilberto Passos de Freitas e Édis Milaré.

Para estes renomados autores, a previsão constitucional é explícita no sentido de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica, devendo a legislação infraconstitucional possibilitar a aplicação de tal previsão.

Apesar de inúmeras críticas, Eládio Lecey sustenta a responsabilização penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais sob o argumento de que a complexidade da vida moderna tem cada vez mais substituído a pessoa individual pelas empresas, através das quais têm sido praticadas expressivas infrações atentatórias ao meio ambiente.[26]  

De forma geral, dentre outros argumentos defendidos por esses autores para validar a responsabilidade penal dos entes coletivos, mais especificamente no que tange às questões ambientais, observamos a refutação do Princípio da Intervenção Penal Mínima, com base no fato de que o crime ambiental não se assemelha aos delitos comuns, constituindo-se o meio ambiente em bem jurídico de difícil reparação.

Nessa modalidade de crime, o sujeito passivo não é um indivíduo apenas, mas toda a coletividade, restando claro seu maior alcance. Assim, segundo tais doutrinadores, deve-se utilizar todos os meios para se criminalizar as condutas nocivas ao meio ambiente, a fim de que o bem jurídico de valor incalculável seja protegido.

Nesse sentido, Antonio Herman V. Benjamin observa que se o Direito Penal é, de fato, a ultima ratio na proteção de bens individuais, com mais razão impõe-se sua utilização quando se está diante de valores que dizem respeito a toda a coletividade.[27]

Além disso, segundo ensinamentos de Vladimir Passos de Freitas, ”as sanções administrativas e as civis no Brasil têm se revelado insuficientes para proteger o meio ambiente”.[28]

O mencionado doutrinador entende que, do ponto de vista administrativo, tal posicionamento reside no fato de que nossos órgãos ambientais contam com sérias dificuldades de estrutura, escassez de funcionários, entre outros fatores que configuram um quadro de sucateamento desses órgãos. Não obstante, o processo administrativo é notadamente moroso, podendo a questão ser, ainda, contestada através de recurso próprio interposto junto ao Judiciário.

Já no âmbito civil, as sanções, apesar de mais eficientes, nem sempre atingem seus objetivos, tendo em vista que muitas empresas poluidoras embutem nos preços de seus produtos e serviços o valor de eventual reparação que se veja obrigada a fazer, configurando-se uma situação na qual as indenizações a serem pagas, muitas vezes, compensam o dano causado, sob a ótica da relação custo/benefício.

Para Abel Costa de Oliveira, a aplicação somente dos Direitos Administrativo e Civil não reduz o curso de degradação ambiental, pois, no campo administrativo, existe grande interferência política, que quase sempre redunda em impunidade; e na esfera cível, as demandas se estendem, tamanha a dificuldade em se quantificar os danos causados, em se providenciar perícias, executar sentenças, além da falta de técnicos, causando sempre a sensação de impunidade.[29]

De acordo com os doutrinadores favoráveis à sujeição criminal do ente coletivo, a Constituição Federal consagrou enorme importância aos crimes ambientais ao atribuir responsabilidade penal à pessoa jurídica por intermédio de seu artigo 225, § 3°. Ao legislador coube apenas cumprir o que a Lei Maior considerou de máxima importância, declarando as pessoas jurídicas passíveis de responsabilidade penal, conforme disposto no art. 3° da Lei 9.605 de 12.02.1998, in verbis: 

Art. 3° As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

 A referida disposição legal gera polêmica, pois aduz à conclusão de que o constituinte desejou punir criminalmente a pessoa jurídica que praticar crimes ambientais no Brasil, onde sempre foi adotado o princípio societas delinquere non potest. Dessa forma, estaria se rompendo com tradição do Direito Penal pátrio, baseado no caráter subjetivo da responsabilidade.

Segundo Vladimir Passos de Freitas, sua grande força reside no fato de que nos crimes ambientais mais graves, dificilmente se identifica o verdadeiro responsável, recaindo a culpa, invariavelmente, sobre o motorista do caminhão, o piloto da embarcação ou sobre o vigia noturno da grande empresa. Isso fez com que inúmeros países do mundo passassem a punir penalmente as pessoas jurídicas nos crimes praticados contra o meio ambiente.[30]

Cumpre aqui salientar o entendimento de Luiz Vicente Cernicchiaro, no sentido de que o constituinte não desejou incriminar a pessoa jurídica, pois os princípios da responsabilidade pessoal e da culpabilidade são restritos à pessoa física, uma vez que somente ela pratica conduta, comportamento inseparável do elemento subjetivo.[31]

            No que se refere à culpabilidade, nunca é demais lembrar que a pessoa jurídica não possui capacidade de entender e querer, sendo a potencial consciência da ilicitude, atributo exclusivo da pessoa física. Dessa forma, pode-se afirmar que a pessoa jurídica é inimputável, não possuindo capacidade de culpabilidade. É certo que a falta de qualquer dos três elementos da culpabilidade, quais sejam: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa, impedirá a configuração da mesma, proporcionando a não admissão, na seara do Direito Penal, da aplicação da pena, posto que nullum crimen nulla poena sine culpabilidade.

Sendo assim, para alguns doutrinadores, a culpabilidade deveria ser redefinida, em relação à pessoa coletiva. Nesse sentido, Eládio Lecey[32] afirma que não se pode buscar na pessoa jurídica o que ela não pode ter (consciência da ilicitude), mas pode-se encontrar uma conduta e chegar a um juízo de reprovação social e criminal sobre a ação dela.

Dessa forma, para tais doutrinadores, deveria se modificar o conceito de culpabilidade com relação à pessoa jurídica, pois seus critérios de reprovação dizem respeito às pessoas físicas.

Ainda segundo Eládio Lecey,[33] na pessoa jurídica, como a finalidade da pena não diz respeito ao juízo interno de reconhecimento do erro como acontece com a pessoa física, mas à exemplaridade e retribuição, basta o juízo de reprovabilidade, que é sempre externo, sem a consciência da ilicitude, a qual é própria da pessoa humana, para que haja culpabilidade e imposição de pena, tornando possível a criminalização da pessoa jurídica e atendendo, assim, aos anseios da sociedade.

Para Fernando Galvão, a responsabilidade penal da pessoa jurídica não viola o princípio da culpabilidade uma vez que tal princípio não se relaciona à pessoa jurídica, sendo necessária a construção de um novo princípio que se adapte à realidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica.[34]

Outro argumento utilizado pelos autores favoráveis à criminalização da pessoa jurídica sobre a ausência de culpa da mesma é de que nas sanções civis e administrativas reprova-se alguém que, também, não tem consciência nem vontade. Nessa trilha, Sérgio Salomão Shecaira questiona: “não seria uma burla de etiquetas permitir a reprovação administrativa e civil por um crime ecológico (por exemplo), mas não uma reprovação penal?”[35]

Como se pode observar, tendo em vista que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não pode ser definida com base no conceito tradicional de culpabilidade, muitos doutrinadores tentam justificá-la por outros caminhos. Em outro exemplo disso, encontramos a vinculação entre responsabilidade penal da pessoa jurídica e a chamada responsabilidade social.

De acordo com esse entendimento, toda ação institucional é desenvolvida em um complexo social, e essa conduta, quando praticada em benefício da pessoa jurídica e contrária ao ordenamento jurídico, deve ser valorada.

Segundo Edis Milaré e Paulo José da Costa Júnior, a responsabilidade social é uma categoria complexa, da qual são elementos a capacidade de atribuição e a exigibilidade de outra conduta.[36]

Para se verificar a existência do primeiro elemento, deve-se observar se a infração foi cometida por: i) decisão de seu representante legal, ii) decisão contratual e/ou iii) decisão de órgão colegiado, no interesse ou benefício da pessoa jurídica. Isso porque, há casos em que o comportamento criminoso dos diretores das corporações somente traz benefícios a eles próprios, sendo necessário, portanto, que a empresa aufira benefícios para que lhe possa ser imputada a conduta.

Com relação a exigibilidade de outra conduta, pode-se dizer que somente o erro inevitável sobre o elemento descritivo do tipo ou sobre a causa de justificação afasta a exigibilidade de conduta conforme o dever, não sendo cabível o erro de proibição, uma vez que o conhecimento das normas pelas pessoas jurídicas é presumido, tendo em vista sua própria organização, que a obriga a contar com informações técnicas e jurídicas.[37]

Cumpre ressaltar que “a responsabilidade social não se equivale à responsabilidade objetiva, porque a responsabilidade social permite eximentes, tais como o erro de tipo e as causas de justificação. Já a responsabilidade objetiva não tolera eximentes”.[38]  

No que tange à crítica de que a responsabilização penal da pessoa jurídica violaria o Princípio da Personalidade das Penas, Sérgio Salomão Shecaira afirma que na legislação penal brasileira, existem três formas de punição previstas, quais sejam: penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa, sendo que nenhuma delas deixa de, ao menos indiretamente, atingir terceiros.[39]

Nessa linha, refuta-se, ainda, o fato de os doutrinadores contrários à responsabilização penal da pessoa jurídica afirmarem que esta deveria ter natureza civil ou administrativa, posto que, dependendo da multa aplicada nessas esferas, no plano puramente do valor pecuniário ela atingiria os sócios minoritários, dentre outros que não participaram da decisão, tanto quanto eventual pena similar, aplicada na esfera criminal.

Outra crítica rebatida por essa parte da Doutrina diz respeito ao fato de que seriam inaplicáveis certas penas às pessoas jurídicas, como por exemplo, a prisão. Sérgio Salomão Shecaira argumenta que, por se tratar de uma pena que possui um caráter altamente aflitivo, devendo ser utilizada somente em último caso, chegando-se a se lutar por sua não aplicação, é absolutamente contraditório lamentar a impossibilidade de sua aplicação junto às entidades coletivas.[40]

Afasta-se a crítica que é feita com base no argumento de que a pessoa jurídica é incapaz de arrependimento, não podendo ser reeducada através da pena que lhe é imposta, a partir do discurso de que a imposição da pena deve ter como maior objetivo sua relevância pública e não objetivos morais. Em assim sendo, a punição da empresa (e eventual exposição do fato na mídia) pode funcionar como fator inibidor da prática de condutas criminosas por parte de outras empresas, atingindo-se assim, grande relevância pública.[41]

Recente decisão reforça o posicionamento dos mencionados doutrinadores. Nessa trilha, merece ser transcrita a Ementa Oficial do Recurso Especial n° 564960/SC, julgado em 02/06/2005 pela 5ª Turma do STJ, pub. no Diário de Justiça da União em 13/06/2005, cujo relator era o Ministro Gilson Dipp, na qual ficou disposto que: 

CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO.

I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial.

II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente.

III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.

IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.

V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.

VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.

VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.

VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado."

IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade.

X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.

XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado…", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.

XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal.

XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. [42] 

            Como se pode perceber, o julgado acima relacionado está em plena consonância com os argumentos trazidos pelos adeptos da responsabilização penal das pessoas jurídicas de forma geral e, mais especificamente, no que concerne à prática de crimes ambientais. No entanto, cumpre destacar que esta corrente, favorável à responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais, busca justificar sua posição com base em argumentos vastamente refutados pela Doutrina, conforme demonstraremos a seguir.

5. Fundamentos Doutrinários Contrários à Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas nos Crimes Ambientais 

            Em lado diametralmente oposto à corrente acima analisada, se situam os contrários à responsabilidade penal das pessoas jurídicas, os quais afirmam que a adoção dessa disposição violaria inúmeros princípios norteadores do Direito Penal, restando claro que o legislador de 1998, ao elaborar a Lei n° 9.605/98, “nada mais fez do que enunciar a responsabilidade penal da pessoa jurídica, cominando-lhe penas, sem lograr, contudo, instituí-la completamente”.[43]

Dentre os principais doutrinadores contrários ao tema, podemos citar: Nelson Hungria, Aníbal Bruno, Paulo de Bessa Antunes, Luiz Regis Prado, Cezar Roberto Bitencourt, Renê Ariel Dotti, Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Júnior.

Conforme ensinamentos de Luiz Regis Prado, o Direito Penal brasileiro adota o princípio societas delinquere non potest ou irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, tendo em vista que a pessoa jurídica carece de elementos indispensáveis à configuração de uma responsabilidade penal subjetiva (adotada pelo sistema penal pátrio), quais sejam: capacidade de ação no sentido penal estrito, capacidade de culpabilidade e capacidade de pena (princípio da personalidade da pena).[44]

Considerando-se que o ente coletivo não é dotado de consciência e vontade, uma vez que esses elementos são próprios da pessoa humana, e que a ação, de acordo com a teoria finalista de Welzel, consiste no exercício de uma atividade finalista, no desenvolvimento de uma atividade dirigida pela vontade à consecução de um determinado fim, sendo a omissão a não-realização de uma atividade finalista, é certo que falta à pessoa jurídica o primeiro elemento do crime: capacidade de ação ou omissão.

Dessa maneira, conclui-se que só o ser humano, enquanto pessoa-indivíduo, pode ser qualificado como autor ou partícipe de um delito, decorrendo daí a máxima nullum crimen sine actione.

Logo, embora as pessoas jurídicas possam realizar contratos (na verdade, vincularem-se aos contratos celebrados pelas pessoas físicas que atuam em seu nome), não parece convincente que possam, por si só, realizar uma ação ou omissão típica, pois a celebração de contratos pelas mesmas se dá através de representantes (pessoas físicas que atuam em seu nome), ao passo que para alguém praticar um delito é essencial que tenha realizado pessoalmente a ação reprovável juridicamente.

Na seqüência, cumpre analisar o fato de não ser a pessoa jurídica capaz de culpabilidade, uma vez que para que ela exista é necessária a conjugação de três fatores: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa.

Ora, se a pessoa jurídica não é capaz de praticar ações, resta claro que a mesma carece de consciência e vontade, características estas inerentes às pessoas físicas, sendo, portanto, inviável imaginarmos a possibilidade de o ente coletivo se adequar a qualquer das condições supracitadas para que se configure a culpabilidade e, sem culpabilidade, não será possível admitir, na seara do Direito Penal, a aplicação da pena, posto que nullum crimen nulla poena sine culpabilidade.

No âmbito da culpabilidade, não pode haver responsabilidade sem culpa, sendo esta um juízo de censura pela realização do injusto típico que vai ao encontro de uma inteligência e vontade, próprias do ser humano. Logo, considerando-se os aspectos supramencionados, a pessoa jurídica não é capaz, por si própria, de cometer um crime, necessitando, sempre, recorrer a seus órgãos, que são compostos por pessoas físicas.

Conforme ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt, “[…] a responsabilidade penal ainda se encontra limitada à responsabilidade subjetiva e individual”.[45]

Nesse sentido, afirma Luiz Regis Prado que o artigo 3° da Lei 9.605/98, ao ir de encontro ao axioma societas delinquere non potest e de outros princípios constitucionais penais, busca consagrar a responsabilidade penal objetiva, sendo, portanto, difícil não considerá-lo inconstitucional.[46]

            Outra questão interessante, abordada por Carlos Ernani Constantino, diz respeito à possibilidade de a aplicação do art. 3° da Lei 9.605/98 (Lei do Meio Ambiente), o qual prevê que “a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”, causar o bis in idem, ao impor ao sócio que cometeu crime doloso ou culposo contra o meio ambiente, as conseqüências da punição à pessoa jurídica que o mesmo integra, bem como a própria condenação individual em si.[47]

Com relação aos argumentos apresentados anteriormente no sentido de validar a utilização do Direito Penal em detrimento do Civil e do Administrativo, bem como do Princípio da Intervenção Penal Mínima, resta claro que o sucateamento dos órgãos governamentais não a justifica, devendo-se buscar a responsabilização penal pessoal dos dirigentes que tenham se utilizado da empresa para praticar crimes ambientais em benefício próprio, estabelecendo-se, ainda, responsabilidades administrativas mais estritas e definidas para as pessoas jurídicas, mesmo que se valha do Poder Judiciário para aplicar as penas impostas nessa esfera.            

De forma geral, costuma-se apontar, além dos já mencionados, os seguintes argumentos para se refutar a responsabilidade penal da pessoa jurídica: i) transposição do princípio da personalidade das penas, uma vez que a condenação de uma pessoa jurídica poderia atingir pessoas inocentes como os sócios minoritários e acionistas que de forma alguma contribuíram para a prática do delito, enfim, pessoas físicas que indiretamente seriam atingidas pela sentença condenatória; ii) impossibilidade de arrependimento da pessoa jurídica, tendo em vista que aqueles fins que normalmente se atribuem às penas não poderiam ser imputados à pessoa jurídica, pelo fato de a mesma não ser dotada de capacidade de compreensão, que a possibilite distinguir fato ilícito de fato lícito, o que é fator determinante para a punição das pessoas físicas; e iii) não adoção de um sistema de adaptação, de modo expresso, com vistas a permitir a adequação da responsabilidade penal da pessoa jurídica no âmbito do sistema penal tradicional, diferentemente do que ocorreu na França,[48] onde a denominada Lei de Adaptação (Lei 92-1336/1992) alterou inúmeros textos legais para torná-los coerentes com o novo Código Penal, contendo, inclusive, disposições de processo penal, no intuito de uma harmonização processual que possibilitasse a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

6. Conclusão 

            Diante do exposto acima, não há como se afastar a conclusão de que a tese defendida pelos doutrinadores favoráveis à responsabilidade penal da pessoa jurídica de forma geral e, mais especificamente em relação aos crimes ambientais, não merece prosperar.

Isto porque, conforme mencionado, ainda que tal posicionamento seja oriundo de disposição constitucional e infraconstitucional, desenvolvido em consonância com os anseios da população brasileira e mundial, não se pode simplesmente ignorar princípios e institutos norteadores do Direito Penal, abolindo tudo o que foi conquistado e garantido até hoje.

            Cumpre salientar que o principal argumento dos defensores da sanção penal à pessoa jurídica nos crimes ambientais é a grande importância do meio ambiente e a necessidade de se punir de forma efetiva (leia-se, penalmente) seu maior degradador, normalmente uma pessoa jurídica.

Ora, não se discute a enorme importância que possui o meio ambiente e a necessidade de se punir aquele que o degrada. Pelo contrário, deve-se buscar coibir toda e qualquer prática que possa prejudicar o meio ambiente. No entanto, essa busca não pode se dar a todo e qualquer preço, extrapolando certos limites, sendo certo que devem ser respeitados os princípios norteadores do Direito Penal, as garantias e direitos individuais.[49]

Vale dizer que, ao contrário do que ocorreu na França, nosso legislador apenas enunciou a responsabilidade penal da pessoa jurídica, sem lograr, contudo, instituí-la de forma efetiva.

Logo, tendo em vista tudo o que foi apresentado no presente trabalho, incluindo-se aí as inúmeras imperfeições técnicas da lei 9.605/98 (Lei Ambiental), como por exemplo o fato de os danos perpetrados contra a fauna serem considerados crimes e os contra a flora apenas contravenções, resta claro que o sistema jurídico-penal brasileiro não comporta a responsabilidade penal da pessoa jurídica.


NOTAS

[1]  AMORIM, Manoel Carpena. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Revista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 3, n. 10, 2000, p. 23-24. apud SANTOS, Emerson Martins dos. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 55, p. 85, jul./ago. 2005.

[2]  LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. “Responsabilidade penal da pessoa jurídica. As bases de uma nova modalidade de direito sancionador”. Revista Ibero-Americana de Ciências Penais. n. 1, set/dez 2000. p. 178.

[3]  BACIGALUPO, Silvina. La responsabilidad penal de las personas jurídicas, Barcelona, Bosch, 1998, p.30.

[4]  O Código de Hammurabi é um corpo de leis estabelecidas por Hammurabi durante o seu reinado na Babilônia, entre 1795 e 1750 a.C. Nele é dada ênfase ao roubo, agricultura, criação de gado, direitos da mulher, da criança, do escravo, assim como ao assassinato, a morte e a injúria. A punição é diferente conforme a classe do ofensor e da vítima. Ninguém podia alegar desconhecimento dessas leis, uma vez que o código era exposto livremente à vista de todos. Detalhe curioso é que, com exceção dos escribas, poucas pessoas sabiam ler naquela época. Net. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Hamurabi>. Acesso em: 10 abr. 2006.

[5]  O Código de Manu (séc. II a.C. – séc. II d.C.), constitui-se na legislação do mundo indiano e é parte de uma coleção de livros bramânicos, enfeixados em quatro compêndios: o Maabâta, o Romaiana, os Purunas e as Leis Escritas de Manu. Segundo as leis de Manu (Manu foi o “Adão” do paraíso indiano), o castigo e a coação são essenciais para se evitar o caos na sociedade. É um “código” elitista, onde se promove a superioridade do pensamento sacerdotal. Neste código há uma série de idéias sobre valores, tais como: verdade, justiça e respeito. Os dados processuais que versam sobre a credibilidade dos testemunhos atribuem validade diferente à palavra dos homens, conforme a casta que pertencem. Net. Disponível em:  <http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Manu>. Acesso em: 10 abr. 2006.

[6]  SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. 2. ed. atual. ampl. São Paulo: Método, 2003. p. 29.

[7]  Inúmeros são os exemplos de tal disposição, dentre os quais podemos destacar: o dilúvio e a destruição de Sodoma e Gomorra, onde as punições iam além da pessoa do condenado, estendendo-se à família, coisas, localidades, etc; podendo chegar até a quarta geração da família do condenado.

[8]  CASTELO BRANCO, Fernando. A pessoa jurídica no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 39. apud SANTIAGO, Ivan. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na lei dos crimes ambientais. Rio de Janeiro, 2005. p. 41.

[9]  SILVA, Guilherme José Ferreira da. Incapacidade Criminal da Pessoa Jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 16.

[10]  BITENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade pena da pessoa jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 55.

[11]  SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit., p. 37.

[12]  Ibidem, p. 41.

[13]  Ibidem, p. 42.

[14]  Art. 225, parágrafo 3°: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

[15]  Art. 173, parágrafo 5°: A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

[16]  Apud MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 161.

[17]  Apud Ibidem, p. 162.

[18]  SANTOS, Celeste Leite dos. Crimes contra o meio ambiente: responsabilidade e sanção penal. 3. Ed., aum. e atual., São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p.11.

[19]  Segundo ensinamentos de Michel Prieur, “Na França, por um lado, há uma tendência à descentralização, a fim de que as decisões recaiam, cada vez mais, nos poderes locais. E, por outro lado, à ampliação da cooperação internacional, pois, como mostrou o acidente de Chernobyl, cada dia é mais imperioso que cresça a coordenação e a harmonização entre os países. Então há dois movimentos: um que vai na direção do supranacional e outro na do local; os Estados nacionais não existirão mais nesta esfera e assim se diz que há que se pensar globalmente e se atuar localmente”. Apud MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 157.

[20]  Conforme lições de Michel Prieur, “o grande número de textos especiais não deve criar ilusões. Na realidade, é sobretudo o ex-artigo 434-1 do Código Rural, relativo à destruição de venenos, que serve de fundamento aos resultados penais visando a reprimir a poluição das águas. Para o resto, a maior parte dos textos não foi jamais objeto de uma aplicação penal”. Apud FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 219.

[21]  Ibidem, p. 218.

[22]  CAPELLI, Silvia. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica em Matéria Ambiental: uma necessária reflexão sobre o disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal. Revista de Direito Ambiental, n. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan/mar 96, p. 100-106.

[23]  Assim também o faz, mas em matéria de ordem econômica e financeira, em seu capítulo sobre os princípios gerais da atividade econômica, mais especificamente através do § 5° do artigo 173, que determina que: “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com a as natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.

[24]  Constituição Federal, Art. 225, § 3°: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

[25]  CAPELLI, Silvia. Op. cit., p. 100-106.

[26]  LECEY, Eládio. A proteção do meio ambiente e a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: FREITAS, Vladmir Passos de (Org.). Direito ambiental em evolução. Curitiba: Juruá, 1998. p. 45.

[27]  BENJAMIN, Antonio Herman V. Crimes contra o meio ambiente: uma visão geral. In: CONGRESSO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ministério Público e democracia. Fortaleza, 1998. Livro de teses, t. 2, p. 391. Apud FREITAS, Vladimir Passos de. Op. cit., p. 198.

[28]  Ibidem, p. 199.

[29]  OLIVEIRA, Abel Costa de. A pessoa jurídica no banco dos réus. Revista Jurídica da FIC-UNAES, Campo Grande: maio-out/1999. apud Kist, Dário José; Silva, Maurício Fernandes da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei n° 9.605/98. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4168> Acesso em: 10 jun. 2008.

[30]  FREITAS, Vladimir Passos de. Op. cit., p. 209.

[31]  CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal na Constituição. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 142. apud FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 200.

[32]  LECEY, Eládio. Op. cit., p. 47.

[33]  Loc cit.

[34]  ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 26.

[35]  SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 94.

[36]  MILARÉ, Édis; COSTA, Paulo José da. Direito Penal Ambiental: Comentários à Lei 9.605/98. Campinas: Millennium, 2002. p. 21.

[37]  Ibidem, p. 23.

[38]  Loc. cit.

[39]  Para ilustrar tal situação, o renomado autor nos fornece o exemplo de um chefe de família privado de sua liberdade. Nesse caso, sua mulher e filhos se vêem privados daquele que mais contribui no sustento do lar, suportando, indiretamente, a pena imposta ao mesmo. Além disso, resta claro que eventual pena pecuniária pode recair sobre o patrimônio de um casal, ainda que só o marido tenha sido condenado. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Op. cit., p. 89-90.

[40]  Ibidem, p. 92.

[41]  Ibidem, p. 92-93.

[42]  BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Criminal.

[43]  Prado, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente: meio ambiente, patrimônio cultural, ordenação do território e biossegurança (com análise da Lei 11.105/2005). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 181.

[44]  Ibidem, p. 146-147.

[45]  Bitencourt, Cezar Roberto. Manual de direito – parte geral. 4. ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 1997. Apud KIST, Dario José; SILVA, Mauricio Fernandes da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei n° 9.605/98. Jus Navigandi, Teresina, ª 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4168. Acesso em: 11 jun. 2008.

[46]  Prado, Luis Regis. Apud Kist, Dario José; Silva, Mauricio Fernandes da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei n° 9.605/98. Jus Navigandi, Teresina, ª 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4168. Acesso em: 11 jun. 2008.

[47]  CONSTANTINO, Carlos Ernani. Meio Ambiente – o artigo 3° da lei 9.605/98 cria o intolerável ‘bis in idem’. Júris Síntese – CD ROM – n. 16, mar-abr/99. Apud Kist, Dario José; Silva, Mauricio Fernandes da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei n° 9.605/98. Jus Navigandi, Teresina, ª 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4168. Acesso em: 11 jun. 2008.

[48]  Prado, Luiz Regis. Crimes contra o ambiente: anotações à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998: doutrina, jurisprudência, legislação – 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 37.

[49]  Nesse sentido, vale destacar o artigo mencionado a seguir, no qual é feita uma análise crítica de uma decisão proferida pelo TRF da 4ª Região, que condena uma pessoa jurídica e seu diretor pela prática de crimes ambientais: COSTA, Helena Regina Lobo da; ESTELLITA, Heloisa. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: um caso de aplicação de pena com fundamento no princípio do porque sim. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo, v. 11, n. 133, p. 7-9, dez. 2003.

Referências Bibliográficas

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CAPELLI, Silvia. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica em Matéria Ambiental: uma necessária reflexão sobre o disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal. Revista de Direito Ambiental, n. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, jan/mar 96, p. 100-106.

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FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza: de acordo com a lei 9.605/98. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

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Kist, Dário José; Silva, Maurício Fernandes da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei n° 9.605/98. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4168> Acesso em: 11 jun. 2008.

LECEY, Eladio. A Proteção do Meio Ambiente e a Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Curitiba: Juruá, 1998.

MILARÉ, Édis; COSTA, Paulo José da. Direito Penal Ambiental: Comentários à Lei 9.605/98. Campinas: Millennium, 2002.

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PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1° a 120 – 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

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SILVA, Guilherme José Ferreira da. Incapacidade Criminal da Pessoa Jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Guilherme França Moreira dos Santos:  Advogado – Departamento Jurídico da  Shell Brasil Ltda

Contato: guilhermefms_adv@yahoo.com.br

INDENIZAÇÃO MORAL POR NEGATIVAÇÃO INDEVIDA Telemar é condenada a pagar indenização de 10 mil por negativação indevida

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DECISÃO:  * TJ-DFT  –  A Telemar Norte Leste terá que pagar indenização de 10 mil reais a um cidadão que teve o nome incluído no Serasa, sem nunca ter contratado os serviços da telefônica. A decisão é da juíza da 19ª Vara Cível de Brasília, e dela cabe recurso.

Na ação, o autor pede a declaração de inexistência de dívida e a reparação de danos morais, decorrentes da inclusão de seu nome em bancos de dados de inadimplentes. Alega, pois, que o débito é inexistente e que jamais contratou o serviço cobrado.

A Telemar, por sua vez, afirma que ao possibilitar a realização de contratos verbais age com a intenção de facilitar o acesso à telefonia, seguindo normas da ANATEL. Tais contratos são firmados com a solicitação dos dados pessoais do contratante, que a empresa defende serem de conhecimento exclusivo dos mesmos. Dessa forma, alega que a utilização dessas informações por terceiros isenta a empresa da responsabilidade decorrente do ato.

Tal alegação, no entanto, não é recepcionada pela juíza da 19ª Vara Cível, que declara: “É inegável que a concessionária dos serviços deve fornecê-los de maneira adequada, eficiente e segura, sob pena de reparar o dano que causar, até porque é direito básico do consumidor a ‘efetiva’ prevenção e reparação de dano (CDC, artigo 6º, VI)”. Ocorre, prossegue ela, que as cautelas adotadas pela empresa mostraram-se insuficientes para coibir o resultado lesivo. “Tanto é assim que não asseguraram que a pessoa contratante dos serviços era a mesma apontada no cadastro de restrição ao crédito”, finaliza.

Diante da negativação realizada de forma irregular – visto que o autor não deu causa à habilitação de linha telefônica em seu nome – restou clara a existência de dano moral a ser indenizado, decorrente do abalo causado à imagem e honra objetiva do autor.

Assim, a magistrada condenou a empresa Telemar Norte Leste S/A a declarar a inexistência de débito questionado e prestar ao autor reparação por dano moral no valor de dez mil reais, corrigidos monetariamente. A sentença foi publicada no Diário da Justiça em 2/7/08 e aguarda o trânsito em julgado.  Nº do processo:2005.01.1.010107-3


FONTE:  TJ-DFT,  08 de julho de 2008.

INDENIZAÇÃO POR OFENSA MORAL EM CAMPANHA POLÍTICAOfensa em campanha gera indenização

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DECISÃO:  * TJ-MG  –  Uma doméstica residente em Pedra Azul, interior do Estado, que chamou uma médica de “macumbeira” e “perseguidora” em programa eleitoral gratuito veiculado numa rádio da cidade foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais a indenizar a ofendida em R$ 3 mil pelos danos morais causados. A decisão foi da 15ª Câmara Cível.

No dia 24 de setembro de 2004, durante a veiculação do programa eleitoral gratuito em uma rádio da cidade, foi transmitido o depoimento da doméstica, no qual ela afirmava ter trabalhado na casa da médica (casada com o então candidato a vice-prefeito). A doméstica disse que a médica a obrigou a trabalhar doente, que não recebeu nenhuma ajuda da patroa e que, ao ser demitida, ela não quis lhe pagar o que era devido.

Consta nos autos que a doméstica ainda fez a seguinte declaração: “…o candidato a prefeito da oposição diz que não gosta de feitiço, não precisa de macumbeira, pois tem quem faça para ele, a esposa do vice-prefeito. Ela pode até subir num palanque, chorar ou até subornar uma pessoa que já trabalhou com ela, pra falar que o que eu disse é mentira…”.

Afirmou ainda que já tinha visto a médica colocar o nome de pessoas em fôrmas de gelo, queimar velas com mel e folhas de comigo-ninguém-pode e também espetar agulhas em nomes de pessoas escritos no papel.

Na ação ajuizada pela médica, a doméstica alegou em sua defesa que fez as declarações porque se sente perseguida pela médica desde que ajuizou ação trabalhista contra a ex-patroa. Alegou ainda que a médica não teria sua honra ofendida por uma ex-empregada, um pessoa paupérrima.

A sentença de primeira instância condenou a doméstica ao pagamento de indenização no valor de R$ 10 mil. Ela recorreu e os desembargadores do TJ, por maioria de votos, reformaram a sentença, fixando a indenização por danos morais em R$ 3 mil.

Eles entenderam que foram demonstradas as agressões verbais dirigidas em público e que havia o dever de indenizar. Contudo, destacaram que a fixação desse valor deve levar em conta o estado de quem o recebe, as condições de quem paga e a extensão do dano. O desembargador Maurílio Gabriel acompanhou o voto do relator, desembargador Mota e Silva. Ficou vencido em parte o vogal, desembargador Bitencourt Marcondes, que entendeu que deveria ser mantido o valor fixado em primeira instância. Processo: 1.0487.05.012607-6/001

FONTE:  TJ-MG,  09 de julho de 2008.


COMPENSAÇÃO INDEVIDA DE CHEQUES FURTADOSBanco devolverá valores compensados em cheques furtados por filha de correntista

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DECISÃO:  *  TJ-RS  –  É dever da instituição bancária conferir devidamente a assinatura aposta em cheques, decidiu a 1ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais do Estado. Os magistrados condenaram o Banco Bradesco S/A em razão da falha no serviço. O réu não verificou a falsificação de assinatura em talonário furtado por filha de correntista. O banco devolverá R$ 1.100,30 indevidamente compensado na conta-corrente. O valor será corrigido monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros de 12% ao ano.

A autora da ação recorreu da sentença de improcedência do Juizado Especial Cível de São Sebastião do Caí. Solicitou a indenização dos descontos referentes aos cheques furtados, apesar de não ter efetuado o registro da ocorrência e nem comunicado o fato ao Bradesco.

Na avaliação do relator, Juiz João Pedro Cavalli Júnior, o réu tem o dever de ressarcir os valores indevidamente descontados da correntista. Salientou ser absolutamente possível detectar a falsidade das assinaturas nos cheques, que apresentam diferença grosseira com a da correntista.

“Ademais, restou incontroverso que o banco não confere assinaturas em cheques de pequenos valores (menos de R$ 100,00), conforme constatação”, asseverou o magistrado. Segundo o Juiz, o banco sequer especifica a norma ou regulamento legal que autorizem esse procedimento adotado. “Desse modo, constatada a falha no serviço do réu, resta afastada a hipótese de culpa exclusiva da vítima, requisito necessário a afastar a responsabilidade objetiva do fornecedor”, afirmou citando disposto no Código de Defesa do Consumidor.

Acompanharam o entendimento do relator, os Juízes Ricardo Torres Hermann e Heleno Tregnago Saraiva. Proc. 71001663442

 


 

 

FONTE:  TJ-RS,  08 de julho de 2008.

ACORDO DO DEVEDOR SOLIDÁRIO NA EXECUÇÃO DA SENTENÇAÉ válido acordo parcial que desobriga devedor da solidariedade declarada em sentença

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DECISÃO:  * TRT-MG  –  Pelo teor de decisão da 5ª Turma do TRT de Minas Gerais, com base em voto do juiz convocado João Bosco Pinto Lara, nada impede que, na fase de execução, seja feito acordo parcial entre o reclamante e alguns devedores, desobrigando-os da solidariedade declarada na sentença.

Segundo esclarece o relator, em caso de obrigação solidária, os devedores estão individualmente vinculados à prestação e os credores podem reclamar a dívida por inteiro de qualquer um deles. Assim, diante do credor, cada devedor responde pela totalidade da dívida. Entre os devedores é que a prestação se reparte proporcionalmente à participação de cada um na dívida. Algumas cláusulas adicionais como, por exemplo, a condição, o prazo ou a forma do pagamento não atingem a essência da obrigação, que segue sendo uma só.

No caso, a sentença considerou válido o acordo parcial entre o reclamante e o 2º, 3º e 4º reclamados, determinando o prosseguimento da execução em relação ao 5º reclamado. Este alegou que a responsabilidade solidária dos réus pelo valor pleno da obrigação exigiria a unanimidade das partes também no acordo, que não poderia ter sido celebrado sem a sua presença. Argumentou ser injusto o fato de que a maior parte da dívida tenha ficado sob a responsabilidade de um único devedor.

Mas, com fundamento nos artigos 275 e 282 do Código Civil, o relator concluiu que: “Ainda que a prestação seja indivisível, permite-se ao credor exigir ou receber total ou parcialmente a dívida de algum dos co-devedores. Se o fizer, os demais devedores seguem obrigados pelo restante do valor, não se inibindo o credor, perante eventual inadimplência, voltar-se contra qualquer dos devedores, segundo melhor lhe convenha”.

Ele destaca que o artigo 282 do Código Civil autoriza o credor a renunciar à solidariedade em favor de um ou mais devedores. Se isso ocorrer, a solidariedade continua em relação aos demais devedores. “Assim é que o devedor beneficiado fica obrigado perante o credor apenas por parte na dívida, apenas deixando de responder pela totalidade da obrigação. Ou seja, a solidariedade continua, não para o efeito de poder o reclamante cobrar toda a dívida, mas sim com a dedução da parcela quitada” – explica, frisando que o devedor que quitou a dívida parcialmente ou em sua totalidade tem o direito de acionar a Justiça para obter dos demais devedores o reembolso da quantia paga.

Com base nesses fundamentos, a Turma determinou o prosseguimento da execução contra o 5º reclamado.  (AP nº 00935-2006-104-03-00-7)


FONTE:  TRT-MG,  09 de julho de 2008.