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OMISSÃO NO PRONTO ATENDIMENTO GERA DANOS MORAISDemora no atendimento por causa de caução enseja dever de indenizar

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DECISÃO: * TJ-MT  –  O Hospital Jardim Cuiabá Ltda. deverá indenizar em R$ 40 mil a família de uma paciente que sofreu um acidente vascular cerebral, por ter exigido cheque caução antes da internação em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A decisão é da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que majorou o valor fixado em R$ 15 mil em Primeiro Grau, por entender ser reprovável a exigência de emissão de cheque caução quando se tratar de internação em UTI, dado a gravidade da enfermidade do paciente, por colocar o dinheiro em supremacia à vida, além de caracterizar coação moral (Apelação nº 120.459/2008).

A paciente foi encaminhada para o hospital pela família após passar mal e ficar desacordada. Ela recebeu pronto atendimento, foi diagnosticada, tendo sido recomendada pelo médico imediata internação na UTI. Entretanto, após o hospital constatar que o plano de saúde da paciente não era aceito na unidade, condicionou a internação ao recebimento de dois cheques caução de R$ 20 mil cada. A família da paciente relatou que naquele momento eles não estavam com o talonário e do horário da entrada da paciente no hospital até seu encaminhamento à UTI transcorreram duas horas. 

Conforme os autos, a paciente ficou internada no hospital apenas um dia, sendo transferida no dia seguinte para uma unidade conveniada ao seu plano de saúde, onde faleceu dois dias. Nas argumentações, a família alegou que a demora da internação na UTI teria colaborado para evolução do mal e para o óbito. Já a instituição hospitalar argumentou que seria seu direito exigir a caução, pois se tratava de atendimento particular, e tal fato não teria ocasionado nenhum dano à paciente. Asseverou que o retardamento da internação teria se dado por culpa da família, porque levou a paciente para o local não conveniado e demorou a prestar a caução. 

Entretanto, na avaliação do relator do recurso, desembargador Jurandir Florêncio de Castilho, a prática realizada pela unidade hospitalar demonstrou ignorância e desrespeito ao Juramento de Hipócrates, quando da solenidade de colação de grau, ou seja, salvar vidas. O magistrado pontuou a irresponsabilidade do hospital, pois, depois de a paciente ter sido diagnosticada com acidente vascular cerebral, uma das maiores causas de morte no Brasil, e tendo sido solicitada a internação pelo médico, a ré permaneceu inerte mesmo diante de um quadro tão grave no pronto atendimento, que jamais se assemelha a uma UTI, até que chegasse a garantia do pagamento.

A votação contou com a participação do desembargador Guiomar Teodoro Borges (revisor) e do juiz convocado Paulo Sérgio Carreira de Souza (vogal).


FONTE:  TJ-MT, 19 de março de  2009

CÓDIGO DE TRÂNSITO Preferência de passagem é assunto em julgamento de apelação

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DECISÃO:   * TJ-MS –  O Código de Trânsito Brasileiro determinou quais são as regras sobre a questão da preferência de passagem, as quais usualmente são respeitadas ou infringidas, ao se deparar com um cruzamento de vias. Assim, os veículos que transitam por fluxos que se cruzam, no caso de uma das pistas ser rodovia, a preferência é de quem estiver circulando por ela; da mesma forma, em rotatórias, aquele que estiver circulando pela rotatória mantém a prioridade. Ainda, nos casos de cruzamentos não sinalizados, o veículo que vier pela direita, terá a preferência de passagem.

Ainda segundo o Código, há preferência de passagem para situações como à dos que se encontram em circulação, veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, carros da polícia, ambulâncias etc, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos de alarme sonoro e iluminação. Nesta situação, todos os condutores deverão deixar livre a passagem pela faixa da esquerda, indo para a direita da via e, parando, se necessário. E ainda, a prioridade de passagem deverá ocorrer com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas às demais normas deste Código.

A recapitulação destes itens do Código de Trânsito foi necessária para avaliar o conteúdo do Processo nº 2008.032354-8, julgado na sessão de terça-feira (17), da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Isso porque, em princípio, o fato motivador da ação foi um acidente de trânsito, no qual um veículo particular e uma viatura do Corpo de Bombeiros se abalroaram numa rotatória no cruzamento das Ruas Padre João Crippa e Amazonas, em Campo Grande, no dia 1º de abril de 2003.

R.L de S.Z., proprietário do veículo, moveu uma ação de reparação de danos por acidente de veículos contra o Estado de Mato Grosso do Sul, pretendendo ser indenizado pelos danos decorrentes do mencionado acidente automobilístico. A ação foi julgada improcedente pelo juízo de primeiro grau. E, ainda, por outro lado, o juízo julgou procedente em parte o pedido contraposto na ação de reparação de danos materiais em que o Estado de Mato Grosso do Sul moveu justamente em face de R.L de S.Z. para  condenar o último a pagar a importância de R$ 2.358,00 a título de indenização por danos materiais, corrigida monetariamente pelo IGP-M/FGV desde a data do evento, acrescida de juros legais desde a data da citação (12.07.2004).

A apelação cível ajuizada por R.L. de S.Z. pretendia, dessa maneira, reformular a sentença com base no entendimento de que a preferência alegada pelo veículo do Corpo de Bombeiros, ao se dirigir no atendimento de uma ocorrência, não se constitui num direito capaz de transpor a situação na qual se encontrava o veículo particular, dentro da rotatória, e também numa situação preferencial, conforme exposto em sustentação oral do advogado da parte apelante.

O advogado elucidou, também, que o direito de preferência deve ser mantido desde que seja possível permitir a passagem, mas, numa situação em que não possa ocorrer, não justificaria avançar a rotatória, de forma que o veículo particular foi surpreendido pelo carro do Corpo de Bombeiros, o que ocasionou o abalroamento. Aliás, salientou o advogado, nos autos do processo, não houve a comprovação que o mencionado veículo de socorro estava devidamente identificado por dispositivos de alarme sonoro e iluminação.

Tendo em vista o exposto nos autos da apelação cível, o relator do processo, Des. Luiz Carlos Santini, reformou a sentença inicial, dando provimento ao recurso interposto por R.S. de S.Z a fim de que seja indenizado por danos materiais pelo Estado de Mato Grosso do Sul na quantia de R$ 1.272,35.

Ante duas disposições legais sobre preferência de tráfego, deve-se atentar para a inexistência de direitos absolutos, os fatos e, então, aplicar a preferência que, no momento, era prioritário, principalmente ante a inexistência de prova de estar o veículo de socorro com seus sinais de emergência e preferência ligados.

O relator foi acompanhado pelos demais desembargadores da 2ª Turma Cível que participaram do julgamento da apelação.


FONTE:  TJ-MS, 19 de março de 2009.

TAXA DE EMISSÃO DE BOLETOS BANCÁRIOS É ILEGALEmpresas estão proibidas de cobrar taxa para emissão de boleto bancário

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DECISÃO: * TJ-DFT –    O juiz considerou a cobrança abusiva porque não tem previsão legal

A Dibens Leasing S/A Arrendamento Mercantil e o Banco Fiat S/A não poderão mais cobrar qualquer taxa pela emissão de boletos bancários. A decisão é da 11ª Vara Cível de Brasília, que considerou ilegal a cobrança da tarifa e concedeu liminar em Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Com a decisão, as empresas não poderão cobrar, nos contratos novos ou nos vigentes, qualquer taxa pela emissão de boletos bancários, assim como devem manter todos os registros e documentos referentes aos já emitidos. Em caso de descumprimento, a Dibens ou o Banco Fiat pagarão multa diária de R$ 1 mil por boleto emitido e de R$ 5 mil por consumidor cujo registro de cobrança de tarifa por emissão não tenha sido mantido.

A sentença está fundamentada na Constituição Federal, que sujeita as instituições financeiras ao Código de Defesa do Consumidor. Segundo o juiz da causa, a cobrança não está autorizada pelo Banco Central (Bacen), órgão que disciplina as tarifas bancárias permitidas no Brasil. A Resolução nº 3.518/2007 e a Circular nº 3371 do Bacen, de 6/12/2007, foram analisadas pelo magistrado na decisão. Nº do processo: 2009.01.1.004529-9

FONTE:  TJ-DFT, 20 de março de  2009


FERIADO LOCAL DEVE SER COMPROVADO PELA PARTEParte tem que provar existência de feriado que suspende prazo recursal

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DECISÃO: * TST – A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a Caixa Econômica Federal entrou com recurso de revista fora do prazo legal, porque não comprovou a existência de feriado estadual que justificasse a prorrogação do prazo recursal. Para os ministros, a simples transcrição de lei não serve como prova de feriado local – é preciso esclarecer a fonte da qual foi extraída.  

A Caixa Econômica Federal recorreu ao TST com agravo de instrumento porque teve o recurso de revista considerado intempestivo, ou seja, apresentado fora do prazo legal, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ). Como o agravo foi rejeitado pelo TST, a CEF entrou com novo recurso – um agravo regimental. Nele, alegou que o feriado do Dia Nacional da Consciência Negra, no Rio de Janeiro, suspendeu o prazo do recurso. A Caixa disse ainda que juntou cópia da Lei Estadual nº 4007/2002 com sua data de publicação no Diário Oficial estadual, e alegou que não se pode exigir cópia da lei assinada pela governadora. Além do mais, as peças trasladadas do recurso foram autenticadas e, portanto, imprimem validade também à transcrição da lei.

Mas, de acordo com o relator do processo no TST, ministro Walmir Oliveira da Costa, o documento não serve como prova. Isso porque a transcrição da lei não estava autenticada nem assinada, e a parte não apontou a fonte da qual ela foi extraída. Para o relator, a autenticação, no caso, alcança apenas as cópias das peças do processo original.

O relator concluiu que o ônus de provar a suspensão do expediente forense era da Caixa, conforme estabelece a Súmula 385 do TST. E, se o documento em discussão não foi autenticado, é impossível essa comprovação. Por essas razões, ele negou provimento ao agravo e foi acompanhado pela Primeira Turma. Os ministros também condenaram a CEF ao pagamento de multa de R$ 1.257,50 por ter apresentado novo recurso com a finalidade de retardar o andamento do processo. ( A – AIRR – 515/2004-014-01-40.3)


FONTE:  TST, 18 de março de  2009

 

MERO DISSABOR NÃO CAUSA DANO MORALVenda incompleta de produtos resulta dano material,não moral

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DECISÃO: * TJ-SC –  A 7ª Turma de Recursos de Itajaí reformou parcialmente decisão do Juizado Especial da Comarca de Balneário Camboriú ao considerar que a aquisição de produtos de informática incompletos resulta em danos materiais e não morais ao consumidor afetado.

Segundo os autos, Manuel Franco Del Castillo comprou licença de uso da Microsoft e chave original do Windows, junto à empresa PF Link Treinamentos e Informática, sem receber contudo os códigos de acesso, chaves e demais senhas dos respectivos programas.

Ao buscar utilizar os novos recursos em seu computador, como era de se esperar, o consumidor deparou-se com a falta deles e buscou reparação judicial. Em 1º grau seu pleito foi atendido na íntegra.

A empresa pediu a reforma integral da sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais e ao ressarcimento da quantia paga pelo produto junto a 7ª Turma de Recursos.

Ficou claro na apelação que, apesar de constatada a originalidade da mercadoria, a mesma fora vendida fracionada e o cliente pagara o valor total. O juiz José Carlos Bernardes dos Santos, relator do processo, decidiu por descaracterizar dano moral por acreditar que mero dissabor cotidiano não ocasiona abalo de ordem moral ou psicológica, mas, apenas de cunho material.

Por unanimidade, a sentença foi reformada somente neste aspecto, mantida a condenação a empresa ao pagamento dos R$ 550,00, valor pago pelo produto. (Recurso Inominado n. 2008.700500-1)


FONTE:  TJ-SC, 19 de março de  2009

SÓCIO MINORITÁRIO RESPONDE POR DÉBITO TRABALHISTASócia minoritária e sem poderes de administração responde por débito trabalhista

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DECISÃO:  * TRT-MG  –  Ainda que a sócia detenha quantidade mínima de cotas da empresa e não possua poderes de administração, isso não a exime do pagamento do crédito trabalhista apurado no processo, principalmente se frustradas as tentativas de execução contra o sócio majoritário. Assim decidiu a 10ª Turma do TRT/MG, ao negar provimento ao recurso interposto pela sócia minoritária que pretendia a desconstituição do bloqueio do seu saldo bancário.  

A sócia reclamada alegou que possui apenas 0,1% das cotas da empresa executada, a qual não era administrada por ela, e que a importância bloqueada na conta conjunta que mantém com o seu marido refere-se a valores recebidos por ele a título de seguro de vida e acerto rescisório, parcelas impenhoráveis. Acrescentou não haver prova de abuso da personalidade jurídica, para justificar a execução dos bens particulares dos sócios.

Mas, para a relatora do recurso, desembargadora Deoclecia Amorelli Dias, a penhora sobre valor existente em conta bancária está amparada no artigo 655, do CPC, que estabelece uma ordem de preferência, visando a garantir o rápido pagamento ao credor. “Em se tratando de crédito trabalhista, de natureza alimentar, a sua aplicação se revela ainda mais pertinente, não sendo necessário perquirir acerca da conveniência deste para a executada. Até porque a execução decorre, justamente, da inadimplência empresária que recusa ou dificulta a solvência da dívida” – ressaltou.

No caso, o juiz de 1º grau somente determinou a despersonalização da pessoa jurídica após várias tentativas sem sucesso de obter o pagamento do crédito por meio do patrimônio da empresa devedora e do sócio majoritário. “Neste contexto, é irrelevante a sua condição de sócia minoritária e sem poderes de administração, tendo em vista a natureza alimentar do crédito trabalhista, que, por isso, não pode ficar indefinidamente à espera de ver adimplido os seus créditos apenas pela devedora principal. Logo, também não cabe limitar a sua responsabilidade à proporcionalidade da participação no capital social da empresa executada e, por conseguinte, não se exige a comprovação de atos de gestão fraudulenta ou ilícita da sócia em questão” – frisou a relatora, acrescentando que a recorrente não comprovou a origem dos valores existentes na conta bloqueada. (AP nº 00206-2005-025-03-00-2)


FONTE:  TRT-MG, 17 de março de  2009

Desconsideração da personalidade jurídica e o devido processo legal

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Isaura Meira Cartaxo Filgueiras

1 Legitimidade 

Para que possamos iniciar o tema da desconsideração da personalidade jurídica e seu devido processo legal, faz-se necessário mencionar que o processo é o meio utilizado pelo Estado para estabilizar e solucionar litígios diante do contraditório. O exercício do direito de ação que provoca a atividade jurisdicional do Estado é exercido pelo autor, e o réu, o qual também figura como parte nessa relação jurídica será a pessoa contra a qual se pretende auferir a prestação jurisdicional.

Na lição do Prof. José de Albuquerque Rocha: 

As partes da ação são o autor e o réu, ou seja, o sujeito ativo e o sujeito passivo da ação. O autor é a pessoa que pede em seu próprio nome, ou em cujo nome é pedida a prestação jurisdicional do Estado. Essa definição de autor consta, expressamente, do art. 2º do Código de Processo Civil.

O pedido pode ser entendido de dois modos: (a) pedido i mediato ou direto e (b) pedido mediato ou indireto.

O pedido imediato é a espécie de provimento jurisdicional requerido ao Estado. Esse provimento pode ser uma sentença declaratória, condenatória ou constitutiva, uma execução ou uma medida cautelar.

O pedido mediato ou direto é o bem da vida, ou a utilidade concreta, que se procura obter através do provimento jurisdicional. Esse bem da vida ou utilidade concreta pode ser material ou imaterial.

A expressão causa de pedir já traduz o seu significado. Em verdade, trata-se das razões, ou causas, com base nas quais o autor considera ter direito a determinado bem da vida e, por isso, de poder obtê-lo através da prestação jurisdicional.[1]

A legitimidade para agir se fundamenta no fato de saber, no caso concreto, quem pode propor a ação e em face de quem a mencionada ação será interposta.

Nesse sentido, convém mencionar a questão da legitimidade das partes, a qual informa que não se pode pedir ou ajuizar uma ação em face de quem não é o responsável. É o que informa Araújo Júnior:

Regra geral, a ação só pode ser ajuizada por quem se declara titular do direito material em face do obrigado ou devedor, na chamada legitimação ordinária, uma vez que somente assim é possível realmente solucionar a lide. De fato, ninguém pode pedir o que não é seu, e de nada adiantaria o ajuizamento de uma ação em face de quem não é obrigado. Em circunstâncias excepcionais, a lei permite (art. 6º, CPC), na chamada “substituição processual”, ou legitimação ordinária, que uma pessoa demande em nome próprio direito de outrem (…).[2]

Para compor a relação processual a parte deve estar no pólo subjetivo da sentença, e esta, conterá os aspectos objetivos e subjetivos das relações materiais, antes contraditórios, e que na formação do convencimento do juiz tornam-se definitivos.

1.2.1 Partes no Processo Civil

As partes são pessoas, físicas ou jurídicas, que participam da relação processual, sendo os sujeitos do processo.

Porém, a legitimidade constata-se duvidosa no momento da propositura da ação, em algumas situações, quando é difícil definir as partes, autor e réu, na relação jurídica processual. Assim, nesses casos, só há constatação da definição da legitimidade no final do processo com a prolação da sentença.

Em decorrência dessa dúvida exposta acima, surge à questão da definição das partes na desconsideração da personalidade jurídica. Em primeiro lugar, temos a empresa, pessoa jurídica que terá sua autonomia patrimonial afastada, episodicamente, por motivos de confusão patrimonial, fraude ou desvio de finalidade. Em segundo lugar, temos os sócios ou administradores da pessoa jurídica, os quais, em decorrência do exposto no artigo 50 do Código Civil devem ser responsabilizados com seus patrimônios pelo uso indevido e fraudulento da pessoa jurídica. Dessa forma, como o autor da eventual desconsideração poderá definir de forma eficaz, o pólo passivo dessa relação processual?

Utilizando-se das lições de Arruda Alvim, comenta o artigo 7º, do Código de Processo Civil:

Aspecto importante, a ser considerado, em torno do art. 7º, é o da hipótese de uma pessoa jurídica ser demandada e, durante o curso do processo de conhecimento, em sede cautelar ou na fase de execução, vir a ser atingida a pessoa física. Este fenômeno é possível, através do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, originariamente está como parte uma pessoa jurídica, mas verificar-se-á que uma dada pessoa física, ou mais de uma, diversa daquela que serviu para fins não albergados pelo direito. […] A Desconsideração da pessoa jurídica, originariamente, construção jurisprudencial, deverá ocorrer, na medida do desajuste comprovado da conduta da pessoa física, a influir de forma dominante ilicitamente no âmbito da pessoa jurídica, tendo em vista os fins a esta preordenados pelo sistema jurídico. Será a pessoa física, então, atingida e, efetivamente responsabilizada; e, para que o possa ser, necessário será coloca-la no pólo passivo, desconsiderando-se a pessoa jurídica. Esta possibilidade está sendo objeto de permissão crescente do legislador – e indicam-se em lei alguns parâmetros para o juiz poder vir a alterar a legitimidade, colocando também, como parte, quem originariamente não foi posto como tal no processo. Como diretriz que, em regra, deve ser a seguida, dever-se-á, no plano do processo, fazer vir a pessoa física, sem excluir a pessoa jurídica, que tenha sido desconsiderada.[3][GRIFO NOSSO]

De acordo com o pensamento de Arruda Alvim, os sócios ou administradores da pessoa jurídica, poderão ser colocados no pólo passivo da demanda juntamente com a pessoa jurídica, havendo todo um processo de conhecimento composto por um litisconsórcio passivo facultativo eventual. Porém, esse entendimento não é absoluto na doutrina e na jurisprudência, havendo diversas divergências doutrinárias que envolvem a desconsideração da personalidade jurídica e seus aspectos matérias.

1.2.2 Legitimidade passiva na Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Na desconsideração da personalidade jurídica temos a empresa, que foi utilizada de forma abusiva ou fraudulenta por parte dos sócios responsáveis, os quais escondendo-se sob o véu da pessoa jurídica, praticaram atos eivados de abusos na administração da pessoa jurídica, prejudicando, dessa forma, os credores.

Assim, o credor prejudicado poderá aplicar a teoria da desconsideração. Porém, parte da doutrina e jurisprudência assegura que os sócios devem participar do pólo passivo da demanda cognitiva, quando houver ocorrência de abuso á personificação societária por parte destes, almejando o credor, a responsabilização dos sócios com o seu patrimônio. Assim, o credor utilizaria o instituto do litisconsórcio facultativo eventual, com base numa interpretação extensiva da do art. 289 do CPC, que faculta a parte, ao ajuizar a sua ação, formular mais de um pedido em ordem sucessiva, para que seja atendido, na hipótese de o outro não ser, admitindo o cúmulo eventual de demandas.

Dinamarco, acerca do litisconsórcio facultativo, assevera que:

Na realidade, quando comum o litisconsórcio facultativo, o que se vê são os dois fenômenos ao mesmo tempo: cúmulo de pessoas como autores ou réus e cúmulo de demandas, no sentido de que com referência a cada uma dessas partes plúrimas se porá um pedido em juízo. Pois é precisamente isso que sucede quando é eventual ou alternativo o litisconsórcio, dando-se então, como em todos os casos de litisconsórcio facultativo comum, o cúmulo subjetivo e também objetivo de demandas.[4]

Dessa forma, havendo o litisconsórcio passivo facultativo eventual, os responsáveis, ou seja, os sócios ou administradores integrarão o título judicial resultante de um processo de conhecimento que obedecerá ao devido processo legal, o contraditório e ampla defesa, sendo  proposta legitimamente a execução contra eles.

Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa:

EMBARGOS À EXECUÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA ATINGIR EMPRESA QUE NÃO FOI PARTE NA AÇÃO ANTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. Nula, a teor do artigo 472, CPC, a decisão que estende a coisa julgada a terceiro que não integrou a respectiva relação processual. A desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que reclama o atendimento de pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito em prejuízo de terceiros, o que deve ser demonstrado sob o crivo do devido processo legal. Recurso especial conhecido e provido.[5] (GRIFO NOSSO). 

É o que, também, afirma Ulhôa Coelho:

Será sempre inafastável a exigência de processo de conhecimento de que participe, no pólo passivo, aquele cuja responsabilização se pretende, seja para demonstrar uma conduta fraudulenta (se prestigiada a formulação maior da teoria), seja para condená-lo, tendo em vista a insolvabilidade da pessoa jurídica (quando adotada a teoria menor).[6]

Defensor do respeito e obediência ao devido processo legal, Fábio Ulhôa Coelho em várias citações apresenta que deve-se incluir no pólo passivo da relação processual os representantes da pessoa jurídica que utilizaram fraudulentamente a autonomia patrimonial, obtendo uma maior segurança jurídica na demanda da desconsideração, impossibilitando para os sócios a alegação de uma ilegitimidade passiva.

De acordo com essa corrente, o credor social, ao ajuizar sua demanda, deverá promover a citação dos sócios juntamente com a da pessoa jurídica, pela formação de um litisconsórcio passivo facultativo eventual, pois, acaso se verifique no caso prática de fraude ou abuso de direito por meio da utilização indevida da personificação societária, poderá de logo ser decretada a responsabilidade patrimonial dos sócios que nela incorreram.

Caso o credor não tome estes cuidados, poderá ser alegada a ilegitimidade passiva dos sócios no processo de execução, por não terem figurado no processo de conhecimento de onde se extraiu o título executivo judicial.

Porém, não é unânime esse entendimento, diversos julgados e doutrina asseguram que a decretação da desconsideração da personalidade jurídica pode ser determinada em sede de execução, havendo legitimidade passiva dos sócios ou administradores da pessoa jurídica. Não necessitando de uma ação de conhecimento, pois esta, segundo a presente corrente, se mostraria morosa e não se coadunaria com a garantia constitucional da adequada tutela jurisdicional.

1.2 Limites Subjetivos da Coisa Julgada

A aplicação processual da desconsideração da personalidade jurídica deve obedecer ao limites subjetivos da coisa julgada, ao devido processo legal e também a outros princípios constitucionais como o da ampla defesa e do contraditório.

Rege o art. 472 do Código de Processo Civil:

A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Dessa forma, os efeitos jurídicos da coisa julgada só poderão alcançar àqueles que tenham integrado o processo de conhecimento, obedecendo ao disposto no art. 472 do Código de Processo Civil.

É o que dispõe o seguinte entendimento sobre os limites da coisa julgada:

EXECUÇÃO. GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. 1. Constitui ato de violência o chamamento a juízo em plena execução, de pessoa que nada tem a ver com o processo, no qual não teve oportunidade de defender-se e contra quem se pretende e execução de sentença não proferida contra ela e que, por isso, não se situa entre os sujeitos passivos de execução. 2. A sentença faz coisa julgada apenas para as partes entre as quais é dada, não beneficiando nem prejudicando a terceiros (art. 472 do CPC). […][7] (GRIFO NOSSO)

Ou seja, uma vez proposta a desconsideração da pessoa jurídica em face da empresa, finalizando o processo de conhecimento e estando recoberto pela coisa julgada, não há que se propor execução contra a pessoa física (sócio), pois estes não estavam constando no título executivo. É o caso também do cumprimento de sentença, quando os sócios não foram partes no processo, os quais não poderiam ser alcançados pelo efeito da coisa julgada.

Todavia, há entendimento no sentido de que os limites da coisa julgada não seriam óbices para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em sede de processo de execução ou de cumprimento de sentença.

Nesse sentido, os defensores dessa aplicação defendem que o Código de Processo Civil nos art. 592, II e 596 admite a constrição de bens dos sócios nos casos previstos em lei, estendendo-se aos administradores das sociedades por força do art. 50 do Código Civil.

Numa manobra doutrinária, os efeitos reflexos da coisa julgada são lembrados por seus defensores, quando a coisa julgada só poderá atingir diretamente quem foi parte da demanda, mas pode atingir indiretamente terceiros, que não participaram da relação processual original.

Diante disso, Marlon Tomazette afirma:

Assim sendo, não há dúvida de que os sócios ou administradores podem vir a sofrer os efeitos reflexos da sentença que reconheceu a obrigação da sociedade, sendo chamados a responder. "A responsabilidade pelo pagamento do débito pode recair sobre devedores não incluídos no título judicial exeqüendo e não participantes da relação processual de conhecimento, considerados os critérios previstos no art. 592, CPC, sem que haja, com isso, ofensa à coisa julgada". Nesses casos, eles poderão contestar a eficácia da sentença em relação a eles, uma vez que a autoridade de coisa julgada vale apenas para as partes da relação processual.[8]

Afirmando, assim, que a desconsideração da personalidade jurídica em sede de execução não gera ilegitimidade e não apresenta ofensa a coisa julgada, pois estaria configurado os efeitos reflexos da coisa julgada e a aplicação da responsabilidade patrimonial secundária.

1.3 Aplicação dos princípios derivados do devido processo legal na desconsideração da personalidade jurídica

De qualquer forma, ao se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica deve-se ter estrita atenção aos princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e do contraditório.

É o que informa Rubens Requião, em sua palestra inaugural na Universidade Federal do Paraná, publicada na Revista dos Tribunais:

[…] sua aplicação há de ser feita com extremos cuidados, e apenas em casos excepcionais, que visem impedir a fraude ou o abuso de direito em vias de consumação […] É preciso, para a invocação exata e adequada da doutrina, repelir a idéia preconcebida dos que estão imbuídos do fetichismo da intocabilidade da pessoa jurídica, que não pode ser equiparada tão insolitamente à pessoa humana no desfrute dos direitos incontestáveis da personalidade; mas também não devemos imaginar que a penetração do véu da personalidade jurídica e a desconsideração da pessoa jurídica se torne instrumento […] dos que, levados ao exagero, acabassem por destruir o instituto da pessoa jurídica […][9] 

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná acerca da cautela na aplicação da desconsideração, afirma:

Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada – Desconsideração da personalidade jurídica – Aplicação que requer cautela e zelo, sob pena de destruir o instituto da pessoa jurídica e olvidar os incontestáveis direitos da pessoa física – Necessidade de que seja apoiada em fatos concretos que demonstrem o desvio da finalidade social da sociedade, com proveito ilícito dos sócios. [Sem grifos no original]

Vindo o recorrido com suas contra-razões objetivando a mudança do julgado, incorre em erro grosseiro e pelo sistema de legalidade formal, a “eficácia dos atos do processo depende, em princípio, de sua celebração segundo os cânones da lei”, não podendo, assim, serem recebidos como razoes de apelação. A aplicação da Disregard Doctrine, a par de ser salutar método para evitar a fraude via utilização da personalidade jurídica, há de ser aplicada com cautela e zelo, sob pena de destruir o instituto da pessoa jurídica e olvidar os incontestáveis direitos da pessoa física. Sua aplicação terá de ser apoiada em fatos concretos que demonstrem o desvio da finalidade social da pessoa jurídica, com proveito ilícito dos sócios. Recurso Improvido.(GRIFO NOSSO)[10]

Diante disso, há a crítica a corrente que defende a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica em sede de execução, quando os sócios não participaram da ação em processo de conhecimento, só vindo a ter direito de defesa, por meio de embargos à execução ou por meio de agravo de instrumento. Pode-se afirmar que, há evidente cerceamento dos direitos constitucionalmente assegurados ao contraditório e a ampla defesa.

Como visto, o sócio não pôde ter a oportunidade de se manifestar acerca do título judicial e a sua responsabilidade é declarada sem que o administrador possa exercer o direito de defesa, afim de impugnar as condutas abusivas que lhe foram imputadas e ter a oportunidade de produzir as provas.

Outro ponto importante no que diz respeito à aplicação dos princípios derivados do devido processo legal na desconsideração da pessoa jurídica é que esta deve estar condicionada à presença de fraude ou do abuso do direito, devendo, portanto, estar comprovadas.

Diversos são os julgados que asseveram que só será admitida se comprovado ter havido fraude ou abuso de direito na utilização da pessoa jurídica.

Assim, expomos as seguintes decisões:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSUAL CIVIL. COMERCIAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – PRESSUPOSTOS OBJETIVOS – I – A desconsideração da personalidade jurídica é exceção ao princípio esculpido no artigo 20, caput, do Código Civil, assim, só será admitida se comprovado ter havido fraude ou abuso de direito na utilização da pessoa jurídica; II – Ausente motivo relevante que autorize a desconsideração da pessoa jurídica, exclui-se a possibilidade de penhora de bem pessoal de sócio da agravada. III – Recurso conhecido e desprovido. Conhecer e negar provimento. Unânime.[11]

EXECUÇÃO – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – PRESSUPOSTO DELA É A OCORRÊNCIA DE FRAUDE – Não é suficiente a insolvência da sociedade, hipótese em que, não tendo havido má-fé na utilização da separação patrimonial, a regra de limitação da responsabilidade do sócio tem vigência. O credor que pretender a desconsideração da sociedade deve fazer prova do mau uso dela ou da fraude perpetrada; caso contrário, suportará o dano daí decorrente. Desprovimento do agravo.[12]

A teoria da desconsideração apenas deve ser aplicada quando constatados, no caso concreto, os pressupostos necessários, ou seja, nos casos em que a autonomia patrimonial da pessoal jurídica foi manipulada para esconder fraudes, de modo a preservar as relações jurídicas. Sem este pressuposto, deve ser mantida a autonomia patrimonial.

1.3.1 Princípio da Ampla Defesa

O art. 5º, LV, da Constituição Federal declara o direito à ampla defesa, o qual é considerado um direito fundamental de ambas as partes, constituindo um meio adequado para o exercício do contraditório.

É o que rege a Carta Magna no referido artigo:

Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

     Segundo, o que ressalta, Rui Portanova acerca da ampla defesa:

não é uma generosidade, mas um interesse público. Para além de uma garantia constitucional de qualquer país, o direito de defender-se é essencial a todo e qualquer Estado que se pretenda minimamente democrático.[13]

A garantia a ampla defesa possibilita o réu trazer todos os elementos ao processo, a fim de que seja necessário, elucidar a verdade, ou mesmo, manter-se omisso, pois este instituto constitucional também garante a possibilidade de o réu não se manifestar.

1.3.2 Princípio do Contraditório

A presente garantia impõe que as partes envolvidas na relação processual devem ser ouvidas, sobre as provas e alegações trazidas aos autos, para que seja proferida uma sentença.

De acordo com a lição de Vicente Greco Filho:

O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável. [14]

Com isso, pela própria característica do processo que é a bilateralidade, não seria justo que o Estado atendesse apenas aos interesses do autor, sem oportunizar ao réu o seu direito de defesa.

Vejamos o que afirma Nelson Nery Júnior:

Por contraditório deve entender-se de uma lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis.[15]

Assim, o contraditório dá a oportunidade do direito à defesa quando a parte demandada, segundo a garantia constitucional assegura que esta deve ter conhecimento da existência da ação, como também o direito de se defender dos atos que lhe foram imputados.

1.3.3 Garantia do devido processo legal

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, LIV, assegura “que ninguém será privado da liberdade ou se seus bens sem o devido processo legal”. Esta garantia é de extrema importância, já que ao cidadão é dado o direito ao acesso ao Judiciário, o qual fundamentará suas decisões no direito material conforme as leis processuais.

Assim, com a finalidade de dirimir dúvidas e pôr fim as lides propostas no Judiciário o processo é o instrumento necessário para viabilizar todos os litígios e interesses das partes.

Dessa forma, José Cretella Júnior, conceitua o devido processo legal da seguinte forma:

[…] aquele em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente ouve o réu e lhe permite a ampla defesa, incluindo-se o contraditório e a produção de todo tipo de prova – desde que obtida por meio lícito.[16]

Como também informa Cruz e Tucci:

Em síntese, a garantia constitucional do devido processo legal deve ser uma realidade durante as múltiplas etapas do processo judicial, de sorte que ninguém seja privado de seus direitos, a não ser que o procedimento em que se materializa se constatem todas as formalidade e exigências em lei previstas.

Desdobram-se estas nas garantias: a) de acesso à justiça; b)do juiz natural ou preconstituído; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude da defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; e f) da tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável.

Conclui-se, portanto, que, também em nosso país, o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vem expressamente assegurado ao membro da comunhão social por norma de aplicação imediata (art. 5º, §1º, CF).[17]

As garantias ao devido processo legal devem ser entendidas em seu sentido amplo, abrangendo os processos administrativos e a aplicação de penalidades. Nesse contexto, o presente princípio constitucional visa legitimar o exercício da jurisdição.

Nesse sentido, ao se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica deve-se ter estrita obediência ao devido processo legal, como forma de legitimar todo o processo, dando a oportunidade às partes apresentarem suas defesas, provas, para que, só depois de esgotado todo o procedimento, seja assim, desconsiderada a autonomia da pessoa jurídica e levada a responsabilidade aos bens patrimoniais dos sócios.

É de bom alvitre expor a seguinte decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, acerca da observância ao contraditório e a ampla defesa, conforme art. 5º, LV da CF:

Agravo e Instrumento – Possibilidade de discutir-se, nos autos da falência já em curso, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da agravada, garantindo-lhe, todavia, o exercício pleno dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, dispensando, portanto, o ajuizamento de ação autônoma, para a perseguição daquela declaração – Recurso provido.[18] (GRIFO NOSSO)

Sabemos que a desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional, sendo esta, somente realizada quando houver a manipulação fraudulenta do princípio da autonomia patrimonial.

O devido processo legal garantia constitucional assegurada às partes e evidente proteção ao processo de irregularidades deve estar presente na aplicação processual da desconsideração, resultando a eventual responsabilidade, aos sócios, prolatada por meio de sentença judicial condenatória, proferida em ação de conhecimento da qual é parte ou litisconsorte passivo o sócio.

Entretanto, parte da doutrina e jurisprudência entende que a desconsideração pode ocorrer no processo de execução, por simples despachos interlocutórios, os quais determinam a penhora dos bens dos administradores, importando flagrante e grave desobediência ao devido processo legal, cerceando, qualquer tipo de defesa legítima por parte dos sócios.

Assim, a oportunidade ao contraditório e ampla defesa deve ser real e efetiva, e não, apenas em sede de execução, mais propriamente por embargos a execução, pois este contraditório não seria pleno o bastante como a norma constitucional preceitua, e mais, haveria a inversão do ônus da prova.

Diante disso, segue a seguinte decisão que afirma a necessidade de instauração de um processo de conhecimento, para que seja aplicada a desconsideração:

A ementa extraída de acórdão, cujo relator foi o Juiz Sena Rebouças, proferido em 1990, tem o seguinte teor: A doutrina da superação ou desconsideração da personalidade jurídica traz questão de alta indagação exigente do devido processo legal para a expedição de um provimento extravagante, que justifique invadir a barreira do art. 20 do CC/16. Não é resultado que se alcance em simples despacho ordinatório da execução, do arresto ou do mandado de segurança, todos de cognição superficial.[…] O ato da autoridade co-autora é de ilegalidade palmar, fazendo tabula rasa de princípio elementar de Direito consagrado no art. 20 do CC/16 “Universitas distat a singulis. Si quid universitate debetur, singulis non debetur; nec quod debet universitas singuli debt”. A impetrante pode ser empresa controlada pelo devedor (réu na ação cautelar de arresto), mas não se confunde com o devedor. As quotas de seu capital podem ser até objeto precípuo do arresto e da penhora (alcançando o devedor e executado, que detêm as quotas), mas a empresa não é executada.[19] (GRIFO NOSSO)

Lauro Limborço, em artigo publicado na Revista dos Tribunais, afirma:

[…] quem pretender atingir aquele que se serve de uma empresa para negociação pessoal, com prejuízos para terceiros, terá de utilizar o processo de cognição previsto no CPC, a fim de que, apurado o dolo, a simulação ou a fraude, possa responsabilizar pessoalmente o fraudador. E, certamente, se não dispuser de prova robusta, esbarrará na conservadora interpretação que tem sido dada ao caput do art. 20 do CC/16. Em conseqüência, no Brasil, é tarefa árdua, porque sabe-se que toda fraude é invariavelmente cercada de cautelas, de modo a dissimulá-la. A ação a ser proposta, através do procedimento ordinário, com a qual se pretende transpor a linha divisória entre a pessoa jurídica e a pessoa física, poderá ser simplesmente declaratória. Por constituir “ave rara” nos nossos Tribunais, deverá ser conduzida (a desconsideração) com especial desvelo.[20]

Dentre os pressupostos já expostos, o zelo por parte do julgador em determinar se os integrantes do pólo passivo estão presentes na demanda é essencial, quando a estes são movidos os efeitos diretos da sentença, sob pena de que, em relação a eles, a sentença deixe de fazer coisa julgada, conforme disposição do art. 472 do Código de Processo Civil.

Diante disso, é possível constatar que a decretação da desconsideração da personalidade jurídica em sede de execução por meio de um simples despacho atenta contra a ordem constitucional, transgredindo os princípios do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

[1] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, R. Cândido.Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros Editores. 20ª Edição, 2004, p. 170.

[2] ARAÚJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Processo Civil: processo de conhecimento. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.16.

[3] ARRUDA ALVIM, José Manoel. Manual de Direito Processual. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. v.2, p. 23.

[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. Vol. II. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 42.

[5] BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. 2º Câmara Cível. 4ª T. Recurso Especial nº 347.524/SP. Relator Min. Cesar Asfor Rocha. Julgado em 19/05/03, p. 234.

[6] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 2, p. 56.

[7] BRASIL.Tribunal de Superior do Trabalho. Pleno. 2ª Região. ROMS 0569/87-6.. Relator Min. José Ajuricaba. Julgado em 19/5/89, p. 8471.

[8] TOMAZETTE, Marlon. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica:desnecessidade de uma ação de conhecimento. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8840. Acesso em: 20/05/2008.

[9] REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos de Direito Comercial: sociedades comerciais (a desconsideração da personalidade jurídica no agrupamento de empresas). São Paulo: Saraiva, 1977. v. 1. p. 83-84.

[10] BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. 2ª Câmara. 2ª Região. Apelação Cível. 529/90. Relator Juiz Gilney Carneiro Leal. Julgado em 18.4.90, p. 673/160.

[11] BRASIL.Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Pleno. 3ª T.Cível. AGI 20000020005893. Relator Min. Wellington Medeiros. Julgado em 09.08.2000, p. 18.

[12]BRASIL.Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Pleno. 8ª C.Cível. AI 10.132/98. Relator Min. Des. Perlingeiro Lovisi. Julgado em 13.04.1999.

[13] PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 4.ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 125

[14] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 11.ª Edição atualizada. São Paulo: Saraiva, 1996, v. 2, p. 90

[15] 15 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. 5. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 129-130.

[16] CRETELLA Júnior, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1988. v. 1, p 530-531.

[17] TUCCI, José Rogério Cruz e. Garantias Constitucionais do processo civil: garantia do processo sem dilações indevidas. São Paulo: RT, 1999, p.259-260.

[18] BRASIL.Tribunal de Justiça de São Paulo. 3ª Câmara de Direito Privado. Agin 87.350-4. Relator Antonio Mansur. Julgado em 13/10/98.

[19] REBOUÇAS, Sena. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 657, 1990. p. 120.

[20] LIMBORÇO, Lauro. Disregard of Legal Entity. Revista dos Tribunais, São Paulo. n. 579.  1992. p. 16.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Isaura Meira Cartaxo Filgueiras: Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ (em curso), concluinte da Escola Superior da Magistratura, Esma-PB.

 

A Figura do Amicus Curiae ou “Amigo da Corte”

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Ravênia Márcia de Oliveira Leite

O ilustre Ministro Celso de Mello, já esclareceu que, “o pedido de intervenção assistencial, ordinariamente, não tem cabimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade, eis que terceiros não dispõem, em nosso sistema de direito positivo, da legitimidade para intervir no processo de controle normativo abstrato”, já que, “o processo de fiscalização normativa abstrata qualifica-se como processo de caráter objetivo” (RDA 155/155, 157/266 – ADI 575-PI (AgRG)). Ademais, tal proibição está incrustada no art. 7º, da Lei n.° 9.868/1999.

Todavia, tal proibição pode ser rechaçada pelo relator, o qual, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá por despacho irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades (art. 7º, § 2°da Lei n.° 9.868/1999).

O amicus curae ou “amigo da corte”, conforme tese vencedora no Supremo Tribunal Federal poderá apresentar sustentação oral, com base no art. 131, § 3°, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

“admitida a intervenção de terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do art. 132, §2°.”

O prazo para a sustentação oral do amicus curae será de 15 minutos, exceto, se houver litisconsortes são representados pelo mesmo advogado, contando-se, portando, o prazo em dobro, e dividindo igualmente enrte os do mesmo grupo, se não convencionarem diversamente.

Na ADI n.º 2.130/SC, no voto do Ministro Celso de Mello, o mesmo asseverou que “a admissão de terceiro, na condição de amicus curae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. Em suma: regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei n.° 9.868/99 – que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curae – tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional”.

Por analogia, admite-se a figura do amicus curae na Ação Declaratório de Constitucionalidade, já que a ADI e a ADC, são ações dúplices ou ambivalentes, ou seja, a procedência de uma implica a improcedência da outra. Da mesma forma, Pedro Lenza, in Direito Constitucional Esquematizado, entende ser cabível a figura do amicus curae na ADPF.

Por fim, mencione-se, a natureza jurídica do amicus curae como uma modalidade de intervenção de terceiros, segundo o art. 131, § 3°, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Assim, balizada na doutrina do ilustre Dr. Pedro Lenza, “parece razoável falarmos em uma modalidade sui generis de intervenção de terceiros, inerente ao processo objetivo de controle concentrado de constitucionalidade, com características próprias e bem definidas” quais sejam, por exemplo, a ausência de legitimidade para recorrer das decisões proferidas em ações diretas (DJ 18.042002).


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Ravênia Márcia de Oliveira Leite: Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar e em Direito Penal e Processo Penal – Universidade Gama Filho.

Repercussão Geral: análise crítica

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Roberto de Assis Matos

Na evolução do Estado até o atual Estado Democrático de Direito, tem sido o Supremo Tribunal Federal o órgão máximo do Poder Judiciário, com a função precípua de uniformizar a interpretação da legislação federal e das Constituições da República Federativa do Brasil. Para tanto, no decorrer de sua história, vinha analisando recursos sobre temas que, de alguma forma, conflitavam com o ordenamento jurídico federal e com as Constituições Federais.

O modelo idealizado para a nossa Corte Suprema, baseado no direito alienígena, com o tempo, mostrou-se insuficiente para atender com celeridade e eficiência os reclamos da sociedade acerca das interpretações arbitrárias e desconformes às leis federais e Cartas Magnas, o que culminou com a criação de um segundo órgão de cúpula no Poder Judiciário para que a função jurisdicional, cindida pela competência, pudesse ser mais célere e efetivamente prestada.

Não bastou. O ordenamento jurídico brasileiro, por conta de seu sistema federativo, atribui competência legislativa não só à União, mas, diversamente do que ocorre no sistema importado do direito alienígena, também aos Estados da Federação e aos Municípios, que detêm maior autonomia, o que significa dizer que, no Brasil, há um número excessivamente maior de atos e leis constantemente submetidos à exegese constitucional.

Algo deveria ser feito, uma vez que apenas onze hermeneutas de cúpula jamais conseguiriam oferecer uma prestação jurisdicional adequada. Passou-se, então, a criar mecanismos para dificultar ou restringir o acesso ao Supremo Tribunal Federal, sendo os mais recentes a súmula vinculante, a repercussão geral e seleção de recursos representativos de idênticas controvérsias, os dois últimos disciplinados pela Lei nº 11.418/2006.

Desde a denominada Reforma do Poder Judiciário, marcada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com a introdução do parágrafo 3º ao artigo 102 da Constituição Federal de 1988, aguardava-se a regulamentação, pela legislação infraconstitucional, daquilo que seria a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, lacuna esta preenchida pela citada Lei.

Com a entrada em vigor da Lei 11.418/06, surgem novos filtros para a admissão do Recurso Extraordinário, com o objetivo de reduzir o acesso ao STF.

Em apertada síntese, dispõe a Lei regulamentadora que alguns recursos, em que pesem discutirem questões constitucionais, se não mostrarem que extrapolam os interesses das partes em conflito, não serão conhecidos por não terem passado pelo novo filtro denominado repercussão geral.

Para regulamentar o dispositivo constitucional, a lei nº 11.418/06 acrescentou ao Código de Processo Civil o art. 543-A.

Passemos à sua análise.

O caput do citado dispositivo deixa claro que a repercussão geral é requisito específico de admissibilidade do RE, quando afirma que o STF não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral.

O parágrafo 1º, embora muitos afirmem tratar do conceito do que seja repercussão geral, a meu ver não a define, apenas afirma sua existência se houver demonstração de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassarem os interesses subjetivos da causa.

Conceito é definição e dizer que determinada matéria tem repercussão geral é dizer que a matéria ecoa ao longe, para fora dos limites do ambiente em que fora produzida. O problema de se atestar sua existência está em delimitar o que seja relevância econômica, política, social ou jurídica, estes sim conceitos eminentemente subjetivos. Parafraseando a inteligente e inesquecível colocação do Professor Alexandre Câmara acerca de ser o prequestionamento o “monstro” de Harry Potter, temos agora a repercussão geral como um outro “mostro do armário”, tal como aqueles do filme infantil Monstros S/A.

A existência da repercussão geral, dada a sua prejudicialidade, por uma questão de forma, deverá ser demonstrada em preliminar do RE, sendo o exame de sua admissibilidade exclusivo do STF, a teor do que dispõe o parágrafo 2º. Trata-se de regularidade formal que deve ser observada pelo recorrente, sob pena de não conhecimento do recurso. De outro lado, é vedado aos tribunais inferiores o exame acerca do preenchimento deste requisito de admissibilidade, não só pelo que dispõe este parágrafo, mas, principalmente, porque a recusa na admissão do RE por inexistência de repercussão geral deve ser feita pela manifestação de 2/3 dos Ministros do STF (CF, 102, par. 3º).

O parágrafo 3º expõe situação de presunção absoluta de repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF.

Temos aqui hipótese objetiva de presença de repercussão geral por relevância do ponto de vista jurídico, na medida em que as matérias sumuladas ou reiteradamente decididas certamente sempre terão relevância jurídica, a despeito de, também, ser possível a existência de relevância econômica, política ou social.

Ao que parece, quem bate o martelo acerca da existência ou não de repercussão geral é o Plenário do STF, dada a necessidade do quorum qualificado (2/3 dos Ministros do STF, ou seja, oito Ministros) para a recusa da admissão do RE. Complementando a exigência constitucional, vem o parágrafo 4º, do art. 543-A, do CPC dispor que se quatro dos Ministros da Turma (composta de cinco) decidirem pela existência de repercussão geral, dispensada está a remessa do RE ao Plenário. É que havendo quatro Ministros na Turma que entendam demonstrada a repercussão geral, de nada adiantaria a remessa do RE ao Plenário, uma vez que, no máximo, haveria sete Ministros para votarem pela recusa, quorum insuficiente a teor do disposto no art. 102, par. 3º, da CF/88. Importante não confundir o exame de admissibilidade propriamente dito (existência ou não de repercussão geral) com a mera verificação da obediência à regularidade formal da peça recursal (existência de preliminar de repercussão geral no RE), esta sim passível de apreciação pelo tribunal a quo, o qual poderá negar seguimento ao RE se constatada a omissão.

A decisão do Plenário do STF acerca da inadmissibilidade do RE por inexistência de repercussão geral tem eficácia vinculante, haja vista que valerá para outros recursos que disponham sobre matéria idêntica, os quais serão liminarmente indeferidos. Esta é a mensagem do parágrafo 5º. Ocorre que, ao dar eficácia vinculante à decisão do Plenário que nega seguimento ao RE por inexistência de repercussão geral, o legislador infraconstitucional retirou a exclusividade que a CF atribuiu ao Plenário do STF para recusar admissibilidade a RE por inexistência de repercussão geral, uma vez que permitiu ao relator indeferi-la liminarmente, em decisão monocrática.

O art. 543-A, parágrafo 6º, do CPC, possibilita a manifestação de terceiros que supostamente seriam afetados pela inadmissão do RE por inexistência de repercussão geral, antes de sua análise pelo STF. Embora haja vozes equiparando estes terceiros à figura do amicus curiae, parece-me que para as hipóteses de análise da repercussão geral seria necessário demonstrar um interesse direto na admissão do RE, exigência desnecessária para o amicus curiae, cuja participação objetiva dar maior legitimidade às decisões. A meu ver, na repercussão geral, o terceiro interveniente objetiva sempre influenciar positivamente na análise da admissibilidade, ao passo que a figura do amigo da corte tende a contribuir com maior imparcialidade, mais amplamente, já que a capacidade de colaboração, técnica ou não, extrapola o âmbito econômico, político, social e jurídico.

Por derradeiro, dispõe o parágrafo 7º que o resumo da decisão sobre a repercussão geral deverá constar da ata a ser publicada no Diário Oficial, que valerá como acórdão. Homenagem ao princípio da publicidade.

Exigência importante para dar conhecimento acerca do entendimento supremo a respeito de quais matérias estão repercutindo extra partes.

Ainda com o fito de desafogar a Corte Suprema, a Lei 11.418/2006 foi além ao acrescentar o art. 543-B ao Código de Processo Civil para disciplinar acerca dos recursos repetitivos que deverão ser submetidos à análise da repercussão geral.

Dispõe este dispositivo que, havendo recursos repetitivos, ou seja, multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, deverão os tribunais inferiores selecionar algum ou alguns representativos do litígio e encaminhá-los ao STF, sobrestando-se os demais até que o Tribunal se pronuncie a respeito.

Esta nova técnica restritiva assemelha-se às disposições dos artigos 285-A e 557, ambos do CPC, porém, no caso em análise, os tribunais recorridos deverão selecionar “processos-referência” para que o STF decida se a questão constitucional debatida contém ou não a repercussão geral exigida pelo art. 102, par. 3º, da CF, regulamentado pelo novel art. 543-A do CPC, de maneira que os demais recursos sobre o mesmo tema permaneçam aguardando a decisão superior na instancia a quo.

Já no STF, negado o conhecimento do RE-referência por inexistência de repercussão geral, os recursos sobrestados terão seu seguimento automaticamente inadmitidos por meio de decisão interlocutória vinculada do presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido. Importante salientar que, ao contrário da expressa irrecorribilidade da decisão proferida pelo STF acerca da inexistência de repercussão geral, a decisão proferida pelo tribunal a quo nos recursos sobrestados é passível de agravo de instrumento (CPC 544) para demonstração da ausência da “repetitividade” para o caso.

De outro lado, caso o STF, superado o exame de admissibilidade, julgue o mérito do recurso extraordinário referência, aqueles outros que foram sobrestados não necessariamente terão o efeito automático da admissibilidade e do provimento ou improvimento. Os tribunais inferiores, turmas de uniformização e turmas recursais, de acordo com a decisão proferida pelo STF, deverão declarar prejudicados os recursos sobrestados (se confirmada a decisão recorrida) ou se retratarem (por conta da reforma). É mais ou menos o que já ocorre com a aplicação do art. 518, par. 1º, do CPC, que autoriza o juiz a não receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STJ ou do STF. Note-se que não há vinculação dos órgãos inferiores com a decisão proferida pelo STF, de maneira que, ainda que o STF adote tese contrária à esposada pelo acórdão recorrido, tanto poderá haver retratação e conseqüente reforma como, também, manutenção do acórdão recorrido com determinação de remessa do RE sobrestado para análise do STF. Certamente, na hipótese de manutenção do acórdão recorrido, utilizará o STF do permissivo contido no par. 4º, do art. 543-B, do CPC, ou seja, distribuído o RE sobrestado a uma de suas turmas e sorteado o relator, fará ele o exame de admissibilidade e, ainda que admitido, cassará ou reformará, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

O art. 543-B, par. 4º, do CPC não deixa de ser uma variante do par. 1º-A, do art. 557, do mesmo estatuto processual, na medida em que confere ao relator (Ministro) competência para, monocraticamente, julgar o mérito de um RE. Aparentemente, o que distingue os citados dispositivos é a exigência expressa, pelo último deles, de afronta a súmula ou reiterada jurisprudência e, em sendo assim, a meu ver, a distinção deixa de existir. É que o STF, ao julgar um RE-referência, nada mais está a fazer do que expor seu entendimento, simultaneamente, a uma gama expressiva de recursos (represados) com fundamento em idêntica controvérsia, o que se equipara a reiteradas decisões acerca de matéria semelhante e, portanto, ao que se poderia chamar de “jurisprudência ficta” ou “jurisprudência em potencial” sobre aquela matéria ventilada.

No mais, dispõe a Lei que caberá ao RISTF estabelecer normas necessárias à sua execução, bem assim dispor acerca das atribuições dos Ministros, Turmas e órgãos do Tribunal.

É a emenda regimental nº 21 do STF que regulamenta o processamento do dispositivo da repercussão geral. Por derradeiro, a despeito da entrada em vigor da Lei 11.418, publicada em 19 de dezembro de 2006, após sua vacatio legis de sessenta dias, em julgamento Plenário, os Ministros do Supremo Tribunal Federal definiram que o filtro recursal da Repercussão Geral somente pode ser exigido nos Recursos Extraordinários em que o início do prazo para interposição tenha ocorrido após o dia 3 de maio de 2007, data em que foi publicada a emenda regimental nº 21 do STF, regulamentadora da questão.

CONCLUSÃO.

O legislador ordinário, ao dar eficácia plena ao preceito constitucional, estabeleceu filtros tendentes a evitar a remessa exagerada de recursos extraordinários ao STF, delimitando sua competência aos julgamentos apenas daqueles que contenham questões constitucionais com relevância econômica, social, política ou jurídica que transcendam os interesses individuais em conflito.

Almeja-se a uniformização da interpretação constitucional mediante decisões proferidas em recursos-amostragem.

Assistimos o nascimento de mais um pressuposto de admissibilidade dos Recursos Extraordinários, que deve ser analisado em duas fases. Num primeiro momento, a exigência de preliminar formal, sob pena de inadmissão, verificação esta da competência concorrente dos tribunais inferiores, turmas recursais ou de uniformização e do STF. Ao depois, a efetiva análise acerca da existência ou não da repercussão geral, inclusive com hipótese de presunção legal, exame este sim de competência exclusiva do STF.

As questões que se colocam são as seguintes: o objetivo almejado será alcançado com a adoção destes filtros? Haverá substancial diminuição de recursos encaminhados à Corte Suprema? Ainda que haja uma expressiva diminuição de RE’s, a que preço isso se dará? Será que não estamos diante de uma norma constitucional inconstitucional?

Objetiva-se desafogar o STF, entretanto, atribui-se ao seu Plenário (11 Ministros), competência exclusiva para negar seguimento por inexistência de repercussão geral, o que significa dizer que se compromete um Tribunal todo para se obter um não, quando poderia comprometer apenas metade dele, atribuindo a mesma competência para as Turmas, mantendo-se o quorum de 2/3. Em vez de 8 (do Plenário), bastaria que 3 (da Turma) dissessem não para afastar a repercussão geral e, em vez de um, dois recursos estariam sendo analisados no que diz respeito ao novo requisito de admissibilidade. De outro lado, esta hipótese poderia gerar uma divergência dentro do mesmo Tribunal, na medida em que as Turmas poderiam conflitar acerca de haver ou não repercussão geral em matérias idênticas. Seja como for, certo é que, para a análise acerca da existência ou não de repercussão geral, haverá que se fazer um exame, ainda que superficial, acerca do mérito (cognição sumária). Será que o legislador, tanto o constituinte quanto o ordinário, no afã de desafogar o STF, com a criação do novo requisito, não acabou por atribuir à Corte mais um ônus, sobrecarregando o Plenário com a necessidade de proferir parecer em praticamente tudo que chega ao STF? Ainda que as estatísticas nos mostrem substancial diminuição de RE’s encaminhados, o critério seletivo de julgamentos por amostragem deixaria de fora diversas situações de efetiva afronta às normas constitucionais, apenas pelo fato de não terem caráter de repercussão geral. Ao negar seguimento a RE por inexistência de repercussão geral, o STF estará dizendo ao jurisdicionado que, ainda que tenha havido afronta à CF, a interpretação desconforme não será apreciada e, conseqüentemente, não será afastada, tudo em prol da coletividade. Seria como que um in dúbio pro societate a infelicidade de se estar envolvido em um litígio que não ecoou para fora dos limites do processo. Seria esse o novo papel do STF? Guardião da Repercussão.

Percebe-se que a nova exigência constitucional prima pela supremacia do interesse público. Princípio de direito administrativo. Função típica do Poder Executivo. “Administração” da justiça, na medida em que os sujeitos da lide são colocados em segundo plano. Já não há mais espaço para a pacificação dos conflitos individuais em todas as esferas do Poder Judiciário.

Trata-se de uma redução da atividade jurisdicional. O escopo maior da jurisdição (pacificação) passa a ter caráter coletivo apenas. Parece estarmos diante da coletivização da atividade jurisdicional suprema. Está havendo uma mitigação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição e do acesso ao Poder Judiciário. O devido processo legal só será propriamente legal se tiver repercussão coletiva, pois, caso contrário, poderá ser passível de arbitrariedades ou interpretações desconformes à CF. A partir de agora será “princípio do devido processo legal transcendental”. É o princípio da celeridade sendo colocado acima de outros princípios e garantias individuais. Conflito nada aparente de princípios.

É a reforma do Poder Judiciário traduzida no constante ato legislativo de ora construir, ora demolir, de maneira que, entre uma emenda e outra, talvez não se tenha percebido que em uma de suas portas de acesso acaba de ser colocado um detector de interesses subjetivos. Demonstrar a repercussão geral em preliminar de RE será um verdadeiro exercício de legitimação extraordinária, na medida em que se buscará o convencimento acerca de se estar ali, em nome próprio, na defesa de interesses também alheios.

Em suma, não se entra mais no STF pela porta da frente, caminhando com o recurso debaixo do braço; entra-se, agora, apenas pelo estacionamento e desde que num ônibus fretado. E se forem vários os ônibus, a maioria deles nem sequer em Brasília poderá chegar.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Roberto de Assis Matos: Graduado em Direito pela UNESP – Universidade Estadua Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003). Diretor de Divisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, exercendo suas funções no Cartório do Juizado Especial Cível da Comarca de Ribeirão Preto. Professor de Direito Processual Civil do Curso de Direito do Centro Universitário Moura Lacerda da cidade de Ribeirão Preto. Pós graduando em Direito Processual Civil.

Elaborado em 7 de outubro de 2008.

COBRANÇA DE TAXA É ILEGAL
Justiça do Rio impede Banco Itaú de cobrar tarifa de renovação de cadastro

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DECISÃO: * TJ-RJ – A juíza Adriana Marques dos Santos Laia Franco, em exercício na 7ª Vara Empresarial da Capital, convoca, por meio de edital de intimação, os interessados em intervir como litisconsortes no processo 2009.001.001650-4, no qual foi decidida a suspensão, em todo o território nacional, da eficácia da cláusula contratual que permite ao Banco Itaú cobrar de seus clientes a tarifa para renovação de cadastro, no valor de R$ 39, parcelada em três vezes. A decisão determina também que o banco se abstenha de cobrar a tarifa no prazo de 24 horas a contar da intimação, sob pena de multa diária de R$ 1 mil por evento.

Segundo o Ministério Público do Rio, autor da ação civil pública, trata-se de prática abusiva e não traz qualquer benefício ao correntista, na medida em que não há contraprestação de serviço pela instituição bancária. O réu alegou que a tarifa tem como fato gerador a atualização de dados cadastrais para atendimento da regulamentação acerca da política "conheça seu cliente". Ainda de acordo com o banco, esses procedimentos visam a manter atualizadas as informações necessárias ao relacionamento da instituição e seus consumidores, independentemente da concessão de crédito, caracterizando efetiva prestação de serviço. Segundo a juíza, porém, ao abrir a conta, o correntista já realizou o pagamento da tarifa de abertura, bem como a referente à confecção de cadastro, quando se tornou cliente do banco.

"A manutenção atualizada dos dados fornecidos é obrigação da instituição financeira perante o Banco Central, sendo certo que a não observância desta determinação enseja sanções ao banco réu. Situação diferente dar-se-ia se o consumidor solicitasse um crédito e, para sua concessão, fosse cobrada uma tarifa para avaliação da liberação ou não do dinheiro. Nesta última hipótese, o consumidor teria uma contraprestação – ou ao menos a expectativa de uma – ao pagar pelo serviço", explicou a juíza.

Ainda de acordo com ela, "se o banco tem a obrigação perante o Banco Central de manter atualizados os dados cadastrais de seus clientes – o que certamente contribui para a proteção das atividades e do próprio sistema financeiro como um todo – esta responsabilidade é própria da parte ré e inerente à administração do serviço por ela prestado".

O edital de intimação para terceiros interessados foi publicado no dia 26 de janeiro de 2009, na página 11 do Diário Oficial do Judiciário. A 7ª Vara Empresarial da Capital está localizada na Avenida Almirante Barroso, 139, sala 608, Centro.


FONTE:  TJ-RJ, 13 de março de 2009