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Reforma Tributária no Brasil

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*Eduardo Mirabile             

De tempos em tempos os representantes do povo brasileiro voltam à tona com assunto polêmico e de grande interesse para nosso País que é a necessidade e urgência de se fazer uma reforma tributária.

É sabido que os tributos são essenciais para compor o orçamento dos entes federativos, a fim de que possam movimentar a máquina estatal, com o pagamento do funcionalismo e os investimentos necessários que o Brasil precisa para cumprir com suas funções sociais.

Aliás, é bastante evidente que tais investimentos vão ao encontro de um dos objetivos fundamentais de nosso país determinado pelo artigo 3º, da Constituição Federal, de garantir o desenvolvimento nacional. Vemos assim que assegurar esse desenvolvimento não é qualidade ou opção momentânea de determinado governante, mas sim, obrigação decorrente de comando constitucional.

As pessoas públicas da administração direta por sua vez, quase que de forma unânime apontam que a porcentagem sobre o orçamento destinada ao pagamento do funcionalismo, mesmo em obediência à lei de responsabilidade fiscal, é de tal ordem que inviabiliza o crescimento do país em sua potencial plenitude e apontam como saída possível, senão necessária, uma reforma tributária.

O termo reforma tributária por si só é bastante amplo e pode ser entendido de diferentes formas conforme a interpretação ou a intenção que se pretenda dar a ela.

A reforma pensada por muitos defende uma nova repartição das receitas tributárias cujo modelo atual está previsto nos artigos 157  a 162 de nossa Carta Magna e que para seus seguidores não reflete mais uma justiça tributária entre os entes federativos, dotados segundo eles com muitas responsabilidades e atribuições, porém poucas receitas.

Essa cooperação financeira previstamente constitucionalmente é chamada pela doutrina de federalismo cooperativo que nada mais são do que técnicas ou mecanismos jurídicos onde entes federativos participam da receita tributária de outro ente.

Ora, não é preciso divagar muito para imaginar o que União, Estados, Municípios e Distrito Federal não brigarão para aumentarem sua participação nas competências tributárias e principalmente na sua repartição. Como é possível atender aos interesses aparentemente díspares desses entes que querem maior arrecadação?  Aumentar a repartição de um ente significa diminuir a de outro. Como sair dessa lógica que não atende aos interesses daqueles responsáveis pela gestão pública em nosso país?

A equação sugerida acima parece encontrar resposta que satisfaça a todos os entes federativos numa alternativa mais simples possível e longe de causar qualquer distúrbio ao pacto federativo: aumentar a carga tributária.

O tão combalido povo brasileiro, que já paga uma das maiores cargas tributárias do mundo e tão pouco recebe de benefícios sociais, corre o risco de vê-la aumentada para uma possível saída desse impasse. Em outras palavras, teme-se que a propagada reforma tributária venha a ser uma simples majoração tributária.

Devemos pensar e lutar por alternativas viáveis e mais justas do ponto de vista social. O aumento dos investimentos pode se dar através de aumento de arrecadação decorrente do crescimento da atividade econômica no país, num belo exemplo de círculo virtuoso. Ou ainda através de cortes de despesas supérfluas ou não prioritárias por parte de todos os entes federativos.

Vê-se de forma bastante clara que alternativas técnicas existem e estão à disposição de nossos legisladores e a pressão popular é meio eficaz para que junto a essas alternativas tenhamos vontade política de quem detém o poder legiferativo no país.

Assim, cabe a todos nós, titulares do poder, ficarmos vigilantes e cobrarmos de nossos representantes alternativas que garantam uma repartição tributária que atenda a justiça social, tão almejada em nosso país, sem que isso implique em mais sacrifícios à sociedade.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

EDUARDO MIRABILE, advogado especializado em direito securitário e transportes. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, sendo atualmente professor de Direito Constitucional. Ambiental e Biodireito da UNICASTELO. Foi professor da ESA e de cursos preparatórios para concursos públicos.  

Email: emirabile@ig.com.br

A doação voluntária de sangue como pena restritiva de direitos

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*Jayme Walmer de Freitas

Sumário: 1. As penas restritivas de direitos. 2. A prestação de serviços à comunidade. 3. A doação de cestas básicas. Natureza jurídica: prestação alternativa inominada (CP, art. 45, §2º). 4. A doação de cestas básicas e as transações. Crítica 5. O surgimento da ideia da doação de sangue. 6. A doação voluntária de sangue como modalidade de pena restritiva. Implantação. 7. Questionário suficiente sobre a doação de sangue. 7.1. Outras notas importantes. 8. Conclusões. 8.1 – Aspecto Jurídico. 8.2 – O veio humanitário.


1. As penas restritivas de direitos. No Brasil, as penas restritivas de direitos foram disciplinadas pela primeira vez, na reforma de 1984, limitando-se a infrações cuja pena não alcançasse o patamar de um ano, e às culposas. As penas restritivas previstas naquele momento histórico eram de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública; proibição de exercício de profissão, atividade ou ofício; suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo; limitação de fim de semana; e, multa.

O perfil de admissão de penas não privativas de liberdade foi acentuado logo após, com a Constituição Federal, em 1988. Em seu art. 5º, XLVI, a Carta Magna garantiu fundamentalmente que a individualização da pena seria disciplinada por lei ordinária e estabeleceu como penas, entre outras, a privação ou restrição da liberdade; a perda de bens; a multa; a prestação social alternativa; e, a suspensão ou interdição de direitos.

As penas restritivas de direitos, uma vez admitidas pela Lei Maior, receberam, dez anos mais tarde, relativa inovação através da Lei 9714/98, que alterou o Código Penal. O art. 43 do Código Penal trata das penas restritivas de direitos e foi reescrito, passando a prever além daquelas mencionadas acima, as penas de prestação pecuniária, perda de bens e valores, proibição de frequentar determinados lugares e a prestação alternativa inominada.

Ampliou o âmbito de incidência das penas restritivas. Essas são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade de crime cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos e desde que não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça, ou se for culposo. São autônomas porque não são acessórias, independem da imposição de sanção detentiva (reclusão, detenção ou prisão simples), como leciona Damásio de Jesus (Código Penal Anotado, p. 178); e substitutivas, porque individualizada a pena privativa de liberdade, o magistrado poderá substituí-la pela restritiva. Pode-se dizer que o legislador, sabiamente, optou pelo não encarceramento do criminoso que pratica infrações de leve e médio potencial ofensivo, consciente da falência do sistema penitenciário.

No consistente artigo "Em busca da Legalidade das Alternativas Penais", apresentado no I Congresso Brasileiro de Execução de Penas e Medidas Alternativas, realizado em Curitiba no ano de 2005, a Promotora de Justiça paranaense Mônica Louise de Azevedo citando Claus Roxin e diversos outros penalistas de renome, aponta caminhos para a superação da pena corporal fora da clausura do sistema penitenciário, com ênfase às medidas alternativas em infrações leves e de médio potencial ofensivo. Ponderou, aliás, que o festejado penalista alemão "observando os avanços e retrocessos dos últimos séculos da história das idéias penais, arrisca um prognóstico para o direito penal do século XXI, que acredita continuará existindo como fator de controle social secularizado: a gradativa substituição da pena privativa de liberdade por outras penas ou conseqüências jurídicas ao ilícito; a supressão definitiva das penas corporais, por se constituírem em atentados contra a dignidade humana; o retrocesso da utilização da pena de prisão e o surgimento de novas formas de controle eletrônico e de medidas terapêuticas sociais, além da maior utilização do trabalho comunitário e da reparação civil do dano. Justifica esta previsão pela inexistência de vagas e recursos financeiros para executar a pena de prisão de forma humanitária e pela impossibilidade de punir a maioria dos delitos com ela".

A falência do sistema prisional e a adoção de medidas inovadoras que atinjam o mesmo fim proposto pela pena, sem encarceramento, fizeram surgir três anos antes da modificação da codificação penal, a Lei 9099/95 que abarca infrações de menor potencial ofensivo – as contravenções penais e, atualmente, os crimes a que a lei comina pena máxima não superior a 2 (dois) anos –, e detém como objetivos maiores a reparação do dano à vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (art. 62, in fine). Inspirada na mitigação do princípio da legalidade e no consensualismo, o diploma permite a barganha entre o acusador e o autor do fato e seu advogado. O art. 76 preceitua que o órgão ministerial, ao oferecer sua proposta de acordo, poderá oferecer transação penal consistente na aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas. Há mais. No art. 89, ao oferecer a denúncia – nos crimes em que a pena máxima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano –, o órgão ministerial, nos crimes previstos em qualquer lei, poderá propor a suspensão condicional do processo, mediante condições determinadas.

Tanto na transação penal como no sursis processual, é praxe dos integrantes do Ministério Público, e até dos querelantes – nas ações penais de natureza privada – ofertarem propostas que contenham penas não catalogadas, como por exemplo, a doação de cestas básicas, que se tornou "coqueluche" em nossa nação, por seu caráter altruísta, pedagógico e socializante. Registre-se que, não obstante o teor das propostas, o agente do delito e seu advogado podem repeli-las ou questioná-las visando seu abrandamento. É a busca do consenso.

No mesmo diapasão, insere-se o foco principal do presente trabalho: a doação de sangue. E esta, diferentemente de qualquer outra pena restritiva de direitos, pressupõe contato pessoal entre o magistrado ou conciliador com o agente para explanação das nuances específicas desse ato de benevolência. Em outros termos, como se exporá, no curso deste trabalho, a pena consistente na doação de sangue somente pode derivar de transação penal e de suspensão condicional de processo, não de condenação, por sentença. É pressuposto inarredável o contato humano entre juiz, Ministério Público, agente e seu patrono. Nas palavras de Sérgio Salomão Shecaira, "O processo de aplicação da pena deve ser dialógico" (Prestação de Serviços à Comunidade, p. 90).

Explica-se: somente após o autor da infração e seu advogado optarem, dentre as propostas ministeriais, por aquela concernente à doação de sangue é que lhe será apresentado um questionário inicial com as exigências mínimas para o ato. Ultrapassada esta etapa, será lavrado o acordo a ser homologado judicialmente. Isto porque nem todos estão aptos a doar sangue, fator que, por si só, inviabiliza um decisório com semelhante determinação.

2. A prestação de serviços à comunidade. Dentre as penas restritivas, estou convencido que a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é a que mais aproxima o autor do fato, nas infrações de menor potencial ofensivo, ou o réu, nas de médio potencial, de seu semelhante e o torna um cidadão útil a si – melhoria na autoestima –, à família – da qual não fica segregado – e à sociedade – por receber algo concreto em seu prol e aprova a não segregação do semelhante. Essas penas têm a natureza de respeitar o homem em seu bem maior – a dignidade –, porquanto de sua aptidão e habilidade pessoal é que será determinado o que realizará em favor da comunidade. O autor da infração cumprirá a pena, trabalhando para a sociedade. Objetivamente, favorece a comunidade em que vive.

Observa-se em Guilherme de Souza Nucci, pensamento similar. Dispõe o doutrinador que "Trata-se, em nosso entender, da melhor sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade, pois obriga o autor de crime a reparar o dano causado através de seu trabalho, reeducando-se, enquanto cumpre pena" (Código Penal Comentado, p. 235).

E por seu caráter de cidadania e inserção ou reinserção social, pode ser considerada a mais adequada, para a maioria dos casos.

Ensinava Shecaira já dizia, no início da década de 90, que "No direito europeu e norte-americano – e nas legislações mais recentes e modernas – é a prestação de serviços à comunidade a principal alternativa penal à provação de liberdade de curta duração (…). Em um país que apresenta um quadro com grande número de pessoas que cometem pequenos delitos (especialmente crimes contra o patrimônio) e, de outro lado, que tem uma situação crônica de presídios superlotados, a prestação de serviços à comunidade é medida eficaz a ser incentivada como alternativa à pena prisional de curta duração" (ob. cit., pp. 90-91).

E quais são os momentos processuais rotineiros para sua imposição? São três: a) transação penal em crimes de ação pública ou privada; b) suspensão condicional do processo, no procedimento sumaríssimo da Lei 9099/95; e, c) suspensão condicional do processo, no rito ordinário do Código de Processo Penal ou especial de Lei Extravagante. Qualifiquei como rotineiros, uma vez que há situações excepcionais, como na emendatio libelli e na mutatio libelli em que no curso do processo, com a instrução praticamente finalizada, descobre-se o cabimento dos institutos despenalizadores.

A prestação de serviços à comunidade, em grande parte do Estado de São Paulo, é desenvolvida por órgão afeto à Secretaria de Administração Penitenciária denominado de Central de Penas e Medidas Alternativas, e que o torna um braço forte e importante para as Varas de Execuções Penais.

Em sua estratégia de ação, a Central de Penas realiza convênios com diversas entidades públicas e privadas, de modo a propiciar um leque de alternativas para o agente. Após entrevista prévia, o atendente, ciente do perfil do entrevistado, indica a instituição mais apropriada para o trabalho e, estando o agente concorde, será encaminhado para cumprir sua pena. De forma efetiva e palpável, o condenado retribui para a coletividade o mal que praticou.

Alberto Silva Franco esclarece que "é ele obrigado a prestar pessoalmente, durante certo número de horas semanais que se prolongam por tempo predeterminado, tarefas gratuitas junto a determinadas entidades, públicas ou particulares. Ao fazê-lo, é evidente que não dispõe mais do tempo livre correspondente a essas horas semanais já que, sob acompanhamento, vê-se na contingência, nesse espaço temporal, de realizar, sem remuneração, algum tipo de trabalho." (Código Penal e sua interpretação, p. 285).

E o art. 149, §1º, da Lei de Execuções Penais, prescreve que "O trabalho terá a duração de oito horas semanais e será realizado aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, nos horários estabelecidos pelo Juiz".

Emana claro do esposado que é da essência da prestação de serviços a realização de um trabalho personalíssimo exercido pelo agente em dia e horário que não afetem o seu labor diário. Daí poder ser realizado em finais de semanas e feriados ou em horário compatível com aquele.

Por esta razão que quando da primeira ideia de implantação da doação de sangue no Brasil, foi coibida pelo Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, interpretava-se como modalidade de prestação de serviços à comunidade, o que, por interpretação ampliativa, não deixaria de ser. No entanto, em voto da lavra do erudito ministro Celso de Mello, a interpretação foi restritiva e o sonho foi afastado até o início deste século. Naquela oportunidade, o STF foi instado a se manifestar acerca de sentença em que magistrado fluminense substituíra a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos consistente em doação de sangue. Pelo voto, a mesma foi cassada e determinada que outra fosse prolatada (HC 68.309/DF). No voto, o Ministro Celso de Mello destacou que "A exigência judicial de doação de sangue não se ajusta aos parâmetros conceituais, fixados pelo ordenamento positivo, pertinentes à própria inteligência da expressão legal ‘prestação de serviços à comunidade’, cujo sentido, claro e inequívoco, veicula a ideia de realização, pelo próprio condenado, de encargos de caráter exclusivamente laboral. Tratando-se de exigência conflitante com o modelo jurídico-legal peculiar ao sistema de penas alternativas ou substitutivas, não há como prestigiá-la e nem mantê-la".

Como ciência que é o Direito evolui e com o passar dos anos, surgia a doação de cestas básicas como a salvação dos mais humildes. E os integrantes do tripé jurídico encararam a novidade e, foi encontrada no próprio ordenamento jurídico – o Código Penal –, a qualificação técnico-jurídica para enquadramento do instituto. E, por idênticos fundamentos, a doação de sangue deve receber o mesmo enquadramento e se tornar uma realidade paulista e nacional igualmente simpática aos olhos da sociedade.

3. A doação de cestas básicas. Natureza jurídica: prestação alternativa inominada (CP, art. 45, §2º). A mesma afinidade que nutria pela pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, passou a me seduzir a pena alternativa inominada, por permitir a doação de cestas básicas para entidades que a revertem em prol de pessoas carentes. E idêntica simpatia me veio porque, agora – nunca é tarde para a consecução de objetivos sociais relevantes –, vislumbrei que a doação de sangue é tecnicamente idêntica.

Existe um adensamento doutrinário no sentido de que a doação de cestas básicas é uma prestação inominada. Não obstante, essa mesma doutrina pondera que a pena em questão – prestação alternativa inominada –, tal qual posta no diploma penal, ofende princípios basilares de Direito Penal e seria inconstitucional.

No escólio de Renato Marcão, respaldado por Cezar Roberto Bitencourt e Damásio de Jesus, "A pena de prestação de outra natureza ou inominada padece de flagrante inconstitucionalidade, já que equivale a uma pena indeterminada, contrariando o princípio da reserva legal albergado no art. 1º do Código Penal, de prestígio constitucional, conforme decorre do disposto no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal" (Curso de Execução Penal, p. 267).

É que o § 2º, do art. 45 do diploma penal dispõe que "No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza".

Acrescenta Renato Marcão que "Conforme asseverou Cezar Roberto Bitencourt, ‘em termos de sanções criminais são inadmissíveis, pelo princípio da legalidade, expressões vagas, equívocas ou ambíguas. E a nova redação desse dispositivo, segundo Damásio de Jesus, comina sanção de conteúdo vago, impreciso e incerto’" (ob. cit., p. 267).

Cezar Roberto Bitencourt, mesmo após criticar a pena inominada por ser indeterminada e, por conseguinte, violadora do princípio da reserva legal, arremata afirmando que essa pena seria, na realidade, "uma espécie substituta da substituta da pena de prisão!". E, como a substituição da prestação pecuniária se dá por uma prestação de outra naturezae dependente da aceitação do beneficiário, certamente é dotada de caráter consensual (grifei). E quem seria o beneficiário da pena convertida? Defende, com razão, que é "o beneficiário do resultado da aplicação dessa pena pecuniária, que, como afirmamos, tem caráter indenizatório (Tratado de Direito Penal, vol. I, pp. 518-519).

No mesmo sentido, a lição de René Ariel Dotti (Penas Restritivas de Direitos – críticas e comentários às penas alternativas. Lei 9.714, p. 100): "O Juiz não pode aplicar pena que não esteja expressamente prevista na lei. Trata-se de reafirmar o princípio da anterioridade da lei quanto à definição do crime e o estabelecimento da sanção".

Perfilha a mesma linha de entendimento, Luiz Flávio Gomes (Penas e Medidas Alternativas à Prisão, p. 64). Luiz Flávio lembra que Beccaria há mais de duzentos anos já postulava não só a existência de lei para a criação de delitos e penas, senão também a vinculação do juiz ao texto legal e, sobretudo, a legitimidade exclusiva do legislador para criar tais leis.

A despeito das respeitáveis críticas doutrinárias, o texto legal propiciou a abertura de um espectro de penas alternativas ao magistrado, com o fito de permitir, sempre, a transação, desde que evite o encarceramento e respeite os lindes constitucionais para tal fim. Caso o autor da infração não esteja em condições de arcar com determinada prestação alternativa nominada, um rol de opções lhe pode ser oferecido para atender à exigência estatal do cumprimento da pena.

Se o intérprete atentar para a redação do § 2º poderá inferir que na doação de cestas básicas, o dispositivo é atendido em toda a sua amplitude. Conquanto se critique a redação aberta, sujeita a toda espécie de interpretação subjetiva judicial, a doação se amolda perfeitamente ao disposto.

Vejamos: para distribuir cestas básicas, o magistrado criminal cadastra uma série de instituições em sua Vara, aptas e com estrutura para o recebimento e distribuição das mercadorias aos mais carentes da comunidade. A instituição deve ser reconhecidamente de utilidade pública e prestigiada nos meios sociais pelo seu trabalho em favor dos mais necessitados. Com este pré-requisito fundamental, preenche-se o tópico do dispositivo atinente a se houver aceitação do beneficiário. Como o art. 45, § 1º exige que seja "entidade pública ou privada com destinação social", o cadastramento é o bastante.

E a proposta ministerial de doação de cestas básicas a uma instituição de caridade aceita pelo agente constitui-se, então, na formalização de uma pena restritiva de direitos inominada. Neste acordo homologado judicialmente, o autor da infração assume a obrigação de entregar, dentro de certo lapso temporal, determinada quantidade de cestas básicas.

A doação de cestas básicas é, portanto, modalidade de prestação alternativa inominada não pecuniária homologada judicialmente.

Damásio, ao discorrer sobre o indigitado polêmico parágrafo e discutir as críticas sobre sua redação, defende que prestação de qualquer natureza como está na Lei significa, de fato, pecuniária ou não (grifei). E contradiz a maioria da doutrina ao asseverar que o dispositivo se encontra em consonância com as Regras de Tóquio, uma vez que estas recomendam ao juiz a aplicação se necessário e conveniente de qualquer medida que não envolva detenção pessoal. E acrescenta: "Medida liberal corresponde, entretanto, ao ideal de justiça, pela qual ao juiz, nas infrações de menor gravidade lesiva cometidas por acusados não perigosos, atribuir-se-ia o poder de aplicar qualquer pena, respeitados os princípios de segurança social e da dignidade, desde que adequada ao fato e às condições pessoais do delinquente" (Código Penal Anotado, pp. 188-189).

Damásio, em meu sentir, está coberto de razão ao defender que a prestação pode ter natureza pecuniária ou não, porquanto a lei ao prever a substituição da prestação pecuniária por prestação de outra natureza permitiu aos envolvidos no negócio jurídico a ser travado entre partes e juiz, escolher uma pena que corresponda aos ideais preconizados pela Carta Magna, desde que não privativa da liberdade e ajustada à realidade do agente.

Nessa esteira, Celso Delmanto et alli orienta que excluída a prestação pecuniária, a prestação de outra natureza "poderá consistir, v.g., na doação de cestas básicas ou em serviços de mão-de-obra" (Código Penal Comentado, p. 165).

Sem destoar, Mirabete declina que "se houver aceitação do beneficiário, ou seja, do ofendido ou da entidade pública ou privada com destinação social, a prestação pecuniária poderá constituir-se, por decisão, do juiz, em prestação de outra natureza, como o fornecimento de cestas básicas, por exemplo." (Código Penal Interpretado, p. 295).

Também Fernando Capez pugna, ao cuidar da prestação inominada, que "a prestação pecuniária poderá consistir em prestação de outra natureza, como, por exemplo, entrega de cestas básicas a carentes, em entidades públicas ou privadas. A interpretação, aqui, deve ser a mais ampla possível, sendo, no entanto, imprescindível o consenso do beneficiário quando o crime tiver como vítima pessoa determinada." (Curso de Direito Penal, p. 358).

O Pleno do STF, em voto da lavra do Min. Joaquim Barbosa, nos autos do Inquérito 2.721/DF, em 08.10.2009, deu por correta a decisão judicial que homologou a doação de cestas básicas, como pena alternativa, fundamentando que "O crime investigado é daqueles que admitem a transação penal e o indiciado cumpre os demais requisitos legais do benefício. Embora haja controvérsia sobre a possibilidade de a prestação pecuniária efetivar-se mediante a oferta de bens, a pena alternativa proposta pelo Ministério Público – doação mensal de cestas básicas e resmas de papel braile a entidade destinada à assistência dos deficientes visuais, pelo período de seis meses – atinge à finalidade da transação penal e confere rápida solução ao litígio, atendendo melhor aos fins do procedimento criminal".

O STJ tem como fora de discussão que a doação de cestas básicas consiste em modalidade distinta da prestação de serviços à comunidade, tanto que a rejeita como substitutiva daquela em sede de execução, caso inviável seu cumprimento por parte do condenado. Se o condenado não puder cumprir a prestação de serviços estipulada, deverá o juiz das execuções impor-lhe outra, adaptada à sua aptidão, sem substituí-la pela doação de cestas. Veja-se o seguinte aresto: "A competência do Juízo das Execuções Criminais limita-se à alteração da forma de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade aplicada pelo Juízo Criminal processante (CP, art. 59, inc. IV), ajustando-a às condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal’ (Lei 7.210/84, art. 148), sem, contudo, substituí-la por pena restritiva de direitos diversa" STJ (HC 38052/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 10/04/2006).

Os tribunais estaduais trilham no mesmo sentido.

Na doutrina, encontramos opiniões divergentes para a natureza jurídica da doação de cestas básicas. A juíza Rosana Navega Chagas, titular de Vara de Juizado Criminal de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro, em artigo específico onde defende a doação de sangue, distingue a pena de prestação de serviços à comunidade da prestação social alternativa prevista no texto constitucional aduzindo: "Frise-se que tal modalidade de pena, muito embora assemelhada, não é igual a pena alternativa da prestação de serviços à comunidade, uma vez que a lei tem por um dos seus princípios básicos não conter palavras inúteis. Em síntese, existem razões, de ordem técnica, para a nova denominação, e que consiste, a toda evidência, na criação de uma nova modalidade de pena alternativa a da prisão, quando couber".

Depois de muita reflexão sobre a melhor disciplina da natureza jurídica da doação de cestas básicas, convenci-me, graças à doutrina, que se insere no contexto da prestação inominada escudada no art. 45, §2º, do Código Penal. E, nesse diapasão, firmei o entendimento de que a doação de sangue, igualmente, deve receber idêntico tratamento.

A razão é a mesma esposada, porquanto o magistrado criminal cadastra, previamente, instituições idôneas para o atendimento ao futuro doador, por exemplo, em Sorocaba é a Colsan. Feito o acordo judicial, o autor da infração é orientado a lá comparecer, onde será submetido a exames de praxe para se certificar se pode, efetivamente, doar. Coletado seu sangue, receberá o comprovante respectivo que será apresentado em juízo, para as anotações de praxe quanto ao cumprimento da reprimenda.

Atendidos estes singelos requisitos da prestação inominada e o doador terá por cumprida sua pena, prestando um serviço comunitário de alcance imensurável, beneficiando diretamente a saúde de terceiros.

E se, malgrado o acordo judicial, o autor for impedido de doar sangue, por exemplo, por estar com ou ter tido hepatite ou ser portador de hepatite C? Nessa hipótese, deverá comparecer ao Cartório onde será informado da necessidade de substituição da pena de doação de sangue. Em regra, a substituição será pela doação de cestas básicas, ainda que imposta cumulativamente. 4. A doação de cestas básicas e as transações. Crítica. Como é conhecido por todos que militam na área criminal, a doação de cestas básicas tornou-se uma das modalidades mais figuradas, dentre as hipóteses de pena alternativa, dada sua capacidade de auxílio direto e efetivo aos mais carentes. Não obstante, salvo raríssimas exceções, como as contravenções penais de pequena expressão, a simples doação de cestas não deve ser a única sanção para o cumprimento da pena prevista no tipo penal incriminador.

Com a devida vênia aos que pensam diversamente, a simples e exclusiva doação de cestas básicas, não exerce papel algum na reeducação do agente. Por si só, é desproporcional e desarrazoada. É salutar lembrar que o juiz exerce o papel de educador, em praticamente toda sua vida profissional, e por ser conhecedor do direito – jura novit curia –, jamais deve banalizar a pena. É inconcebível o autor de um crime deixar o fórum dando de ombros, zombando de todo o aparato estruturado para recebê-lo, e expressando em alto e bom som que dará duas ou três cestas básicas e sua pena estará cumprida.

René Ariel Dotti ensina que "A pena deve retribuir juridicamente a culpabilidade do agente. Em última instância ela é o efeito de uma causa e deve guardar a relação de proporcionalidade entre o mal do ilícito e o mal devido ao infrator". (Bases e Alternativas para o Sistema de Penas, p. 212).

O órgão ministerial, do mesmo modo, deve refletir sobre essa crítica.

Em meu sentir, a doação de cestas básicas deve ser cumulada com outra. O simples comparecimento a uma instituição de caridade e a entrega dos mantimentos não exerce, pedagogicamente, o caráter preventivo especial. Conquanto a sociedade receba algo em favor de uma entidade que cuida de filhos seus, a reeducação inexistiu. Os próprios advogados criminais nos sugerem a cumulação. Alegam que se sentem profissionalmente reconhecidos ao conseguirem uma pena branda para seu cliente, mas se sentem frustrados, quando constatam que a medida punitiva é demasiado leve.

Assim, a par da doação de cestas básicas, em uma infração leve, nada impede que o órgão ministerial ofereça proposta de maior expressão penal, por exemplo, a prestação efetiva de serviços + doação de cestas básicas.

Repise-se que casos haverá em que a mera doação atenda ao reclamo da razoabilidade e da proporcionalidade, contudo estas situações são excepcionais para se tê-las como práxis.

5. O surgimento da ideia da doação de sangue. No início do ano de 2010, por problema de saúde enfrentado por um sobrinho de um grande amigo, tive contato com as consequências letais que a falta de sangue pode acarretar. Foi um alerta e, logo após, chamou-me a atenção várias notícias de morte ou de perigo de morte, em função da carência sanguínea em hospitais, com ênfase no nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e, em minha cidade, Sorocaba.

Fiz uma breve pesquisa e constatei que, em nosso país, não são raros os episódios de morte por deficiência de sangue para a transfusão salvadora de vidas.

Para que se tenha noção da gravidade do problema: o Brasil precisa de, pelo menos, 5.500 bolsas de sangue por dia, mas não consegue metade, justamente pela falta de doadores.

De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil, apenas 1,9% da população é doadora de sangue. Mesmo estando este porcentual dentro do parâmetro da Organização Mundial de Saúde (OMS) – de 1% a 3% da população -, o Ministério considera que é urgente e possível aumentar o número de brasileiros doadores: se cada pessoa doasse duas vezes ao ano, não faltaria sangue para transfusão no país. No Brasil, onde o volume coletado é equivalente ao número de doadores voluntários (3,5 milhões de bolsas de sangue por ano), essa quantidade disponível nos hemocentros poderia ser duas vezes maior. O ideal seria 5,7 milhões.

Nos finais de ano, o Ministério enfrenta uma preocupação maior, porque o estoque é reduzido em 30%, em função das férias escolares.

Para minimizar a falta de estoque, as campanhas de doação são frequentes em todo o país, como vemos rotineiramente.

Pelo sítio oficial da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, infere-se que a Fundação Pró-Sangue, ligada à Secretaria de Estado da Saúde e à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, coleta em média 12.000 bolsas mensalmente, volume de sangue equivalente a aproximadamente 32% do sangue consumido na Região Metropolitana de São Paulo, 16 % do Estado e 4% do Brasil.

A propósito, o desabafo da Dra. Maria Angélica Soares, coordenadora do Hemocentro do Hospital São Paulo da UNIFESP, em entrevista concedida a Dráuzio Varella: "Ninguém está livre de precisar de uma transfusão de sangue. Ninguém está livre de sofrer um acidente, de passar por uma cirurgia ou por um procedimento médico em que a transfusão seja absolutamente indispensável. Como não existe sangue sintético produzido em laboratórios, quem precisa de transfusão tem de contar com a boa vontade de doadores, uma vez que nada substitui o sangue verdadeiro retirado das veias de outro ser humano. Todos sabem que é importante doar sangue. Mas, quando chega a nossa vez, sempre encontramos uma desculpa – Hoje está frio ou não estou disposto; nesses últimos dias tenho trabalhado muito e ando cansado; será que esse sangue não me vai fazer falta… – e vamos adiando a doação que poderia salvar a vida de uma pessoa. Sempre é bom frisar que o sangue doado não faz a menor falta para o doador. Consequentemente, nada justifica que as pessoas deixem de doá-lo. O processo é simples, rápido e seguro." (www.drauziovarella.com.br).

Com um pouco de noção do que é doar sangue, percebi que o juiz é um ferramental impressionante para cooperar com o quadro atual ao estimular autores de infrações a praticarem uma boa ação. Se juízes e membros do Ministério Público, espalhados pelos mais distantes rincões, unirem seus esforços para inserir a doação de sangue como pena alternativa à prisão, nas hipóteses fincadas na Lei 9099/95 – transação penal e suspensão condicional do processo –, por certo milhares de vidas seriam poupadas.

Em outros termos, sob a ótica do sistema acusatório, o juiz, representando o Poder Judiciário, o Ministério Público ou o querelante oferecendo sua proposta, representando o Poder punitivo estatal, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, representando e ao lado do autor do fato, estaria formado o tripé de solidariedade em prol de pessoas que necessitam de sangue para sobreviver.

Uma vez que o ideal de todos esteja focado na probabilidade efetiva de se salvar vidas, basta agir.

Interessante notar que o problema é mundial e não somente brasileiro.

Para se aquilatar o que existe pelo mundo, a Cruz Vermelha Americana apresenta em seu sítio oficial, fatos e estatísticas de cuja abordagem extraio e destaco dois que são compatíveis com o presente trabalho:

a)Da necessidade: a cada dois segundos, alguém nos EUA necessita de sangue; mais de 38.000 doadores de sangue são necessários a cada dia; mais de um milhão de novas pessoas são diagnosticadas com câncer cada ano, muitas delas necessitam sangue, às vezes diariamente, durante o tratamento de quimioterapia; a vítima de um simples acidente de carro pode exigir até cem litros de sangue.

b)Dos doadores: a razão principal porque os doadores dizem doar sangue é que eles "querem ajudar o próximo"; dois motivos comuns citados pelas pessoas que não doam sangue são: "nunca pensei sobre isso" e "eu não gosto de agulhas"; uma doação pode ajudar a salvar as vidas de até três pessoas; se você começar a doar sangue aos 17 anos e doar a cada 56 dias até alcançar 76, você terá doado quantidade provável para salvar mais de 1000 vidas; a Cruz Vermelha Americana aceita doação de sangue somente de doadores voluntários.

Dado que a necessidade de sangue é universal, nos próximos itens retratarei como se iniciou este processo na Vara da qual sou titular e como está se desenvolvendo. Esta exposição visa auxiliar ou servir de subsídio para que qualquer colega faça o mesmo. Cada um dos protagonistas que forma o tripé da justiça brasileira deve colaborar para que a doação de sangue seja, a exemplo da doação de cestas básicas, um novo paradigma, uma pena alternativa inominada a ser igualmente adotada, com o diferencial natural de auxiliar na cura de doenças e salvar a vida do semelhante. Se em Nova Iguaçu (RJ) e em Curitiba (PR), bem como em inúmeras outras cidades que nessas se inspiraram, a doação voluntária de sangue – como pena alternativa inominada – é uma realidade, o estado de São Paulo e os demais estados da nação precisam a ela se irmanar. O Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil devem unir-se nessa cruzada para contribuir, de forma efetiva e intransigente, com a melhora da saúde em nosso país.

6. A doação voluntária de sangue como modalidade de pena restritiva. Implantação. Diante desse quadro de perene imprescindibilidade da matéria-prima que somente nós, humanos, temos e podemos materializar, senti-me impelido a desenvolver algo palpável, ainda que embrionário, na 1ª Vara Criminal de Sorocaba.

Conversei com o médico responsável pela Colsan – Associação Beneficente de Coleta de Sangue –, na cidade de Sorocaba, Dr. Frederico Brandão. A Colsan é uma entidade civil paulista, sem fins lucrativos, que atua na área de hemoterapia, promovendo a captação de doadores, coleta, análise e processamento do sangue e, posteriormente a distribuição dos hemocomponentes, bem como os procedimentos pré-transfusionais, ligada à Unifesp.

Houve imediata interação e aceitação do propósito lançado.

De nosso diálogo, ciente de como o futuro doador deve ser preparado para seu importante ato voluntário, mentalmente registrei os procedimentos a serem adotados na audiência preliminar ou na de suspensão.

Para que o autor do fato/réu não se sinta coagido a fazer o que não quer ou lhe é proposto, obrigatoriamente duas ou mais propostas hão de ser fornecidas pelo órgão ministerial ou querelante. Assim, na entrevista entre conciliador ou juiz com o autor da infração, ser-lhe-á dado ciência das propostas ministeriais. Aceita a proposta com doação voluntária de sangue, além das demais condições, estaria fechado o ciclo e alcançado o objetivo maior.

Convenci-me da viabilidade jurídica da nova modalidade de pena restritiva de direitos. Em seguida, conversei com os juízes criminais da Comarca sobre os meus propósitos e ponderei que se fazia imperativa a informação e a parceria com os demais protagonistas do cenário jurídico. Reuni-me com as Promotoras de Justiça atuantes na Primeira Vara Criminal, as quais concordaram de imediato. Por fim, o Defensor Público, que concordou e se irmanou à proposta.

Atentem que a Defensoria Pública e o órgão que dá orientação jurídica para os hipossuficientes na seara penal. Segundo o Defensor Público atuante na 1ª Vara Criminal, Dr. Octavio Bueno, a grande maioria dos entrevistados opta pela doação de sangue, pois não despenderá valor algum e, ao mesmo tempo, fará um grande bem para seu semelhante, inclusive salvando vidas.

Tive certa preocupação com a reação dos advogados, mas relatarei um episódio, aliás, dois, que ocorreram na semana do feriado de 15 de novembro de 2010, para que se possa avaliar o alcance do que representa a doação de sangue na opinião dos operadores do direito, os quais falam por si. Um advogado de fora da terra e desconhecedor da novidade orientou seu patrocinado a aceitar, dentre as propostas apresentadas, aquela que continha a doação de sangue e, ao final da tarde, procurou-me. Estava feliz com o acordo homologado, pois se tratava de um caso difícil, no qual seu cliente fora preso por violência doméstica e as condições da suspensão condicional do processo não só atendiam ao interesse de ambos, como retornava um benefício concreto para a comunidade sorocabana. Naquela mesma data, um réu indagado novamente, durante a audiência de instrução processual de um crime de furto tentado, pois recusara a suspensão condicional do processo anteriormente, ao tomar ciência da possibilidade de doação de sangue e orientado por seu patrono, indagou-me: "Sr. Juiz, eu posso salvar uma vida, não?".

Em suma, tenho claro que a maioria dos atores principais do cenário jurídico concorda com a novidade e a ela se integrará.

Em uma conversa com o Dr. Frederico, das últimas dez pessoas que foram doar sangue, somente uma foi impedida. É um percentual excelente: 90% tinham plena capacidade para doar!

7. Questionário suficiente sobre a doação de sangue. O Ministério da Saúde orienta para a doação voluntária com as seguintes proposições:

a) Para doar. Ao comparecer para efetuar a doação, o doador deverá trazer documento oficial de identidade com foto (identidade, carteira de trabalho, certificado de reservista, carteira do conselho profissional ou carteira nacional de habilitação); estar bem de saúde; ter entre 18 e 65 anos; pesar mais de 50 kg; não estar em jejum; e, evitar apenas alimentos gordurosos nas 4 horas que antecedem a doação.

b) Impedimentos temporários. Não poderá estar com febre, gripe ou resfriado, em estado de gravidez ou puerpério (parto normal, 90 dias; cesariana, 180 dias), fazendo uso de alguns medicamentos e nem se tratar de pessoas que adotaram comportamento de risco para doenças sexualmente transmissíveis.

c) Cirurgias e prazos de impedimentos. As mais comuns e que devem ser observadas são: extração dentária: 72 horas; apendicite, hérnia, amigdalectomia, varizes: 3 meses; ingestão de bebida alcoólica no dia da doação; transfusão de sangue: 1 ano; tatuagem: 1 ano.

d) Impedimentos definitivos. Não poderá doar sangue a pessoa que contraiu hepatite após os 10 anos de idade; com evidência clínica ou laboratorial das seguintes doenças transmissíveis pelo sangue: hepatites B e C, AIDS (vírus HIV), doenças associadas aos vírus HTLV I e II e Doença de Chagas; que faz uso de drogas ilícitas injetáveis e tenha contraído malária.

Juntamente com o Dr. Frederico, fizemos um quadro mais singelo de ser apreendido e preenchido pelo futuro doador. É o seguinte:


Questionário para seleção de doadores de sangue

SIM

NÃO

Você ingere bebida alcoólica todos os dias?

 

 

Você já teve doença que transmite por sexo (doença venérea)?

 

 

Você tem doença de Chagas?

 

 

Você tem/teve malária ou sífilis?

 

 

Você tem AIDS ou hepatite?

 

 

Você já usou drogas ilícitas (de fumar, cheirar ou injetar)?

 

 

Você já esteve preso?

 

 

Você tem ou teve convulsão (epilepsia)?

 

 

Fez tatuagem nos últimos 12 meses?

 

 

Este questionário atende os requisitos mínimos e qualquer resposta positiva, impõe que ele seja instado a optar por outra proposta. Sem olvidar que, ao comparecer para a doação, outras perguntas receberá, quando os profissionais da saúde poderão inferir, com maior acuidade, seu quadro clínico.

Orienta a Fundação Pró-Sangue do Hemocentro de São Paulo que "apenas pessoas saudáveis e que não sejam de risco para adquirir doenças infecciosas transmissíveis pelo sangue, como Hepatites B e C, HIV, Sífilis e Chagas, podem doar sangue. Antes de toda doação, o candidato é submetido a um teste de anemia, à aferição de seus batimentos cardíacos, pressão arterial e temperatura e respondem a um questionário onde é lhe perguntado detalhadamente questões sobre a sua saúde e sobre seu comportamento. Somente após essas etapas é que o candidato estará aprovado para a doação de sangue. Todo o sangue doado será rigorosamente testado para as doenças passíveis de serem transmitidas pelo sangue."

7.1. Outras importantes indagações.

a) Qual o intervalo para a doação? Homens: 60 dias (até 4 doações por ano); mulheres: 90 dias (até 3 doações por ano), segundo Normas Técnicas em Hemoterapia de Proteção ao Doador, contidas na Resolução RDC 153 de 2004.

b) Quais os cuidados a serem tomados após a doação de sangue? Evitar esforços físicos exagerados por pelo menos 12 horas; aumentar a ingestão de líquidos; não fumar por cerca de 2 horas; evitar bebidas alcóolicas por 12 horas; manter o curativo no local da punção por pelo menos de 4 horas; e, não dirigir veículos de grande porte, trabalhar em andaimes, praticar paraquedismo ou mergulho.

c) E o trabalhador sofrerá algum prejuízo? No Brasil, trabalhador sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) poderá deixar de comparecer ao serviço, sem prejuízo do salário, por um dia, em cada doze meses de trabalho, em caso de doação voluntária de sangue devidamente comprovada (art. 473 da CLT). Os funcionários públicos civis federais, sem qualquer prejuízo, podem se ausentar do serviço por um dia para doação de sangue, sem limite anual de doações (art. 97 da Lei nº 8.112/1990). 

8. Conclusões. A Lei 10.205, de 21 de março de 2001, regulamentou o § 4º do art. 199 da Constituição Federal, relativo à coleta, processamento, estocagem, distribuição e aplicação do sangue, seus componentes e derivados, estabelece o ordenamento institucional indispensável à execução adequada dessas atividades, e dá outras providências. E, em seu capítulo II – Dos Princípios e Diretrizes –, no art. 14, elege como fundamento da estratégia governamental, dentre outros, a universalização do atendimento à população; a utilização exclusiva da doação voluntária, não remunerada, do sangue, cabendo ao poder público estimulá-la como ato relevante de solidariedade humana e compromisso social; e, a proibição de remuneração ao doador pela doação de sangue.

Diante da certeza de que a atuação do Poder Judiciário em prol dos que necessitam de sangue para se curar e/ou para viver está em harmonia com as políticas públicas correlatas ao espírito de desprendimento individual e de solidariedade humana, finalizo este trabalho apresentando os tópicos formadores desse convencimento.

Duas vertentes preponderantes guiaram-me na realização desse trabalho: a viabilidade jurídica e o cunho humanitário.

8.1 – Aspecto Jurídico. A doação de sangue como pena restritiva de direitos, deve atender a três requisitos: tipicidade, voluntariedade e consensualidade.

a) Tipicidade. A doação de sangue é uma pena alternativa inominada, a exemplo da doação de cestas básicas, e encontra seu fundamento jurídico no art. 45, § 2º, do Código Penal. E como pena restritiva de direitos deverá atender aos seguintes postulados constitucionais: ter natureza social alternativa (art. 5º, XLVI, d), não ser proibida (art. 5º, XLVII), assegurar respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX) e preservar a dignidade da pessoa humana. É prestação alternativa inominada oriunda de proposta da acusação em audiências de tentativa de conciliação emanadas da Lei 9099/95, i.e., em transações penais e em audiências de suspensão condicional do processo. Não pode ser decretada em sede de sentença condenatória, por traduzir imposição e não consensualidade.

b) Voluntariedade/Consensualidade. Oferecidas duas ou mais propostas, estas serão apresentadas ao autor da infração que, sponte sua, escolherá aquela que lhe aprouver. Caso opte pela que contenha a doação de sangue, o juiz/conciliador expor-lhe-á o questionário prévio e inicial para que analise e responda se pode doar sangue, tornando indiscutível o caráter voluntário e não impositivo da aceitação. Ultrapassadas essas etapas, a lavratura do acordo poderá ser finalizada com a homologação judicial.

Note-se que se mostra essencial para a completude da exteriorização do ato de vontade, que a doação de sangue seja voluntária, sem representar imposição/ordem.

8.2 – O veio humanitário. Desnecessário estender-me sobre o alcance da pena em tela, uma vez que os quadros, estatísticas e as opiniões das autoridades médicas envolvidas falam por si. Para o juiz ingressar nessa cruzada do bem e da vida, basta articular-se e, em sua cidade, procurar o centro médico adequado para recepcionar os autores de infrações, e expor o ideal de implantação da doação de sangue como pena alternativa. A partir daí, fomentar o interesse dos demais integrantes do tripé judiciário e o auxílio para a comunidade estará materializado.

Tenho esperança que estas linhas sirvam de inspiração para que os colegas juízes, bem como os demais integrantes da justiça, adotem esta sugestão.

Evoco atitudes que nos chegam tímidas, uma vez que somente os Estados do Rio de Janeiro e Paraná divulgaram a adoção da doação de sangue como pena alternativa. Se cada um pensar bem, pressentirá que, logo, todo o país, via Poder Judiciário, poderá ser um agente de transformação do bem para evitar mortes e a eternização de algumas doenças. Daremos início a uma empreitada visando amenizar a dor de tantas famílias que vêm os seus falecer pela falta de sangue.

Repiso que cada juiz criminal detém, sob sua presidência, todo o campo de labor pertinente e indispensável à execução dessa tarefa nobilíssima, bastando que lidere a introdução da novidade em sua seara contatando os operadores do direito e com eles discutindo a implantação da medida.

Quiçá o Poder Judiciário brasileiro deixe de ser criticado por "n" fatores e passe e receber elogios por se tornar um vetor natural de mutação positiva da saúde brasileira.


BIBLIOGRAFIA

AZEVEDO, Mônica Louise. Em busca da Legalidade das Alternativas Penais. In I Congresso Brasileiro de Execução de Penas e Medidas Alternativas. Curitiba, trabalho inscrito em 08.03.2005.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral, vol. I. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral: vol. 1. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

CHAGAS, Rosana Navega. Doações Voluntárias de Sangue: uma alternativa para a pena e para a vida. TJRJ. Texto disponibilizado no Banco do Conhecimento em 16 de julho de 2008.

DELMANTO, Celso et alli. Código Penal Comentado. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

DOTTI, René Ariel. Penas Restritivas de Direitos – críticas e comentários às penas alternativas. Lei 9.714, de 25.11.1998. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

FRANCO, Alberto Silva, STOCO, Rui. Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8 ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GOMES. Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. Coleção Temas Atuais de Direito Criminal, vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Prestação de Serviços à Comunidade. São Paulo: Saraiva, 1993.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JAYME WALMER DE FREITAS: Juiz de Direito em São Paulo (SP), mestre em Processo Penal, professor de Direito Penal e Processo Penal,  É autor dos livros "Prisão Temporária" e "OAB 2ª Fase – Área Penal", ambos pela Editora Saraiva. 

Elaborado em 12/2010.


Participação obrigatória da OAB em concurso público para provimento de cargos na área jurídica – Parecer

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* Clovis Brasil Pereira

EMENTA:  CONCURSO PÚBLICO – CÂMARA MUNICIPAL DE GUARULHOS – NULIDADE DO EDITAL – PARTICIPAÇÃO DA OAB EM TODAS AS FASES – REQUISITOS PARA OS CARGOS DE PROCURADOR E AGENTE TÉCNICO PARLAMENTAR (ADVOGADO). 

Honrado com a nomeação do Excelentíssimo Presidente da OAB Guarulhos, para acompanhamento do Concurso Público designado pela Câmara de Vereadores, no que se refere aos cargos  ligados à carreira jurídica, relacionados à atividade da advocacia, passo a examinar algumas questões que dizem respeito ao interesse do órgão de classe. 

Trata-se de concurso para o provimento de cargos de Agente Técnico Parlamentar e Procurador VI, cujo Edital foi  inicialmente publicado no dia 13 de abril de 2010, conforme consta registrado no site da empresa organizadora do certame,  IBFC – Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação – www.ibfc.org.br  – e que foi aditado em 23 de abril de 2010 e 30 de abril de 2010, respectivamente. 

Na publicação do edital, tendo como exigência NÍVEL SUPERIOR COMPLETO, foram disponibilizados cargos de AGENTE TÉCNICO PARLAMENTAR, tendo como exigência aos candidatos, ser ADVOGADO e inscrito na OAB, e o de PROCURADOR VI, com a mesma exigência. 

Posteriormente, no aditamento publicado em 23 de abril de 2010, foi retirada a exigência do candidato estar registrado na OAB, embora tenha permanecido,  a de ser ADVOGADO.  Na semana seguinte, no dia  30 de abril, novo aditivo foi publicado,  quando foi suprimida a exigência do candidato ser ADVOGADO, bastando como exigência, a de ser Bacharel em Direito.  

Quanto ao concurso de PROCURADOR, as exigências permaneceram inalteradas. 

Quando recebi a honrosa designação, o edital do concurso já estava publicado, não tendo a Ordem dos Advogados do Brasil, tido a oportunidade de participar de todas as fases do concurso, conforme prevê a Constituição Federal, em seu artigo 132, que assim determina:  

“Art. 132 – Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira da  qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação  judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”. 

A obrigatoriedade da participação da OAB nos concursos convocados para o preenchimento de cargos de carreira jurídica, está expressa na Lei Orgânica do Município de Guarulhos, em seu artigo 80, que assim disciplina:

“Art. 80. O provimento inicial dos cargos de carreira jurídica, especialmente de Procurador Municipal dar-se-á exclusivamente por concurso público de provas, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, obedecendo-se nas nomeações a ordem de classificação.” (grifamos)

É importante relembrar, que em nossa cidade, já tivemos um caso precedente, em que a 57ª Subsecção da OAB, então presidida pelo ilustre Advogado e atual Conselheiro Estadual, Dr. Fábio Marcos Bernardo Trombetti, impetrou no ano de 2000, Mandado de Segurança  contra o então Prefeito Municipal de Guarulhos, pedindo anulação de Concurso já realizado,  para o provimento de cargo de Procurador Municipal, justamente porque a entidade não teve a oportunidade de participar de foram efetiva em todas as fases do concurso, compreendendo desde a fixação de regras e convocação do edital, até a formatação das questões, fiscalização da realização das provas, etc.

Na oportunidade, o Mandado de Segurança foi distribuído perante a 6ª Vara Cível de Guarulhos, registrado sob o nº 569/2000, tendo sido julgado procedente, de onde subtraímos a seguinte conclusão:

“… 7. Diante  do exposto e de tudo mais do que dos autos consta, CONCEDO A ORDEM, E JULGO PROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO DE NATUREZA CONSTITUCIONAL, CONSISTENTE EM MANDADO DE SEGURANÇA, para determinar que seja observado pelos impetrados o artigo 80 da Lei Orgânica do Município no que diz respeito ao concurso em questão para provimento de cargos de procurador municipal, de sorte que possa a impetrante participar de todas as fases do concurso em tela, nas fases preparatórias de análise e julgamento das inscrições, de elaboração e redação das questões a serem aplicadas aos candidatos, de fiscalização dos critérios de segurança das provas para evitar fraudes no concurso, de aplicação das provas, sua correção, análise e julgamento de recursos, anulando-se, assim, todos os atos anteriores no bojo do certame, em face do desrespeito as prerrogativas da impetrante nesta órbita.” (grifamos)

Referida sentença, foi integralmente confirmada pelo E. Tribunal de Justiça, ao julgar recurso de apelação cível nº 200.761-5/9-00, em sessão presidida pelo então Desembargador Dr. Ricardo Lewandowski, e relatado pelo Desembargador, Dr. Geraldo Lucena, de cujo Acórdão, destacamos, a título ilustrativo e esclarecedor:

“Na verdade, a participação de membro da Ordem dos Advogados do Brasil objetiva auxiliar na seleção de profissionais que lhes são vinculados como entidade de classe. Ademais, tem o caráter de fiscalizar o ingresso de especialistas que em última análise serão os defensores do Município junto aos órgãos Públicos”.

Mais adiante, assim expressa o V. Acórdão:

“… Quando a lei exige a participação de representante de uma entidade de classe no colegiado de seleção é para que efetivamente manifeste-se sobre o andamento do concurso, emitindo opiniões que deverão ser avaliadas em seu conjunto com o propósito de integração. Constitui tarefa elaborar questões que irão cair no certame, inscrição de candidatos, correção de provas, classificações, etc, de toda banca. Se algum membro não participa, ou se participa apenas formalmente não se cumpre o art. 80 da Lei Orgânica da Prefeitura Municipal de Guarulhos.” (grifamos)

Posteriormente, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, através do Provimento No. 114, de 10 de outubro de 2006, regulamentou as atividades dos advogados inscritos, no âmbito da Advocacia Pública, assim determinando:  

“…Art. 2º.  Exercem atividades de advocacia pública, sujeitos ao presente provimento e ao regime legal a que esteja, submetidos:  … III o os membros das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das respectivas entidades autárquicas e fundacionais;  IV – …”. 

Mais adiante, no art. 4º.  regulamenta: 

“A aprovação em concurso público de provas e de provas e títulos para cargo na advocacia pública não exime a aprovação em exame de ordem, para inscrição em Conselho Seccional da OAB onde tenha domicilio ou deva ser lotado.” 

No caso em análise, a própria Câmara Municipal, ao chamar o concurso público, colocou como exigência para o cargo de AGENTE TÉCNICO PARLAMENTAR, a do candidato ser inscrito na ordem, e consequentemente, ser advogado. 

Em razão das alterações posteriores, que suprimiram a exigência da inscrição na OAB, antecedendo a última reunião marcada pela Comissão de Concurso, para o dia 28 de julho de 2010, solicitamos a descrição legais das atividades que são atinentes ao cargo em análise. 

Recebi, como resposta,  o e-mail ora anexado por cópia, confirmando em seu título: AGENTE TÉCNICO PARLAMENTAR – (ADVOGADO). Vieram descritas as “ATRIBUIÇÕES INICIAIS”; a informação de que “PASSOU PARA”, com alterações do texto anterior; e ainda, a menção de que “PRETENDE-SE ALTERAR PARA”. 

Indagamos na reunião do dia 28/07/2010, a razão das sucessivas alterações, quando foi  mencionado que as ATRIBUIÇÕES INICIAIS, estavam previstas na  Lei  6.509/2009; o PASSOU PARA, estava ajustada ao previsto na Lei 6.709, de 28 de junho de 2010; e PRETENDE-SE ALTERAR PARA, está contido no Autógrafo nº 075/10, que seria ainda encaminhado ao Excelentíssimo Prefeito Municipal, para assinatura, em virtude de que, segundo alegaram, houve erro material quando da elaboração  do texto final. 

Parece-nos óbvio, que até agora, dois fatos se mostram suficientes para a nulidade do edital do concurso, ou seja:  

Primeiro:  que a OAB não foi chamada para acompanhar o concurso, desde a fase inicial, antecedente a publicação do edital, em afronta ao artigo 132, da Constituição Federal, e artigo 80, da Lei Orgânica do Município de Guarulhos; 

Segundo:  o edital não poderia ter sido aditado com base numa Lei ainda não existente, não promulgada, um vez que o edital do concurso foi publicado em 13/04/2010, aditado em 23/04/2010 e 30/04/2010, respectivamente, e a Lei nº 6.709, que  excluiu a exigência do advogado para o cargo de AGENTE TÉCNICO PARLAMENTAR, foi aprovado somente em 28/06/2010. 

Esses dois fatos, por si só, parece-nos suficientes para determinar a nulidade do edital de convocação do concurso, por vício insanável, fazendo necessário, ao nosso ver,  a publicação de outro edital, com as regularizações necessárias. 

Por sua vez, outras questões merecem algumas considerações.  

No caso específico do cargo de AGENTE TÉCNICO PARLAMENTAR, parece evidente que a atividade desse cargo, está centrada na elaboração de assessoria, consultoria e elaboração de pareceres, aos projetos encaminhados pelos Vereadores, quanto a viabilidade legal, nos diversos âmbitos do direito. 

Não é a simples denominação das atribuições, mas sim a natureza da atividade que será desenvolvida,  que deve nortear a exigência da formação profissional do ocupante do cargo.  Observa-se nas sucessivas alterações das atribuições, que se pretendeu tirar a expressão “assessoria especializada, assessoria de apoio à Grupo de Trabalhos”, que em tese é atividade privativa de advogado, para “Proceder estudos, Serviço de apoio”, dentre outras; no entanto, nas alterações ocorridas, ainda permanece a atividade de elaboração de “pareceres”, o que também, em tese, sendo de natureza jurídica, é atividade exclusiva de advogado. 

Chama ainda a atenção, o fato de que o CONTEÚDO PROGRAMÁTICO exigido para o provimento de ambos os cargos, é de igual teor, ou seja, se exige do AGENTE TÉCNICO PARLAMENTAR, o mesmo conhecimento do PROCURADOR. E por fim, quanto a remuneração, o cargo em que se pretende dispensar a condição de advogado, é superior a do procurador. Ou seja:  Agente Técnico, salário de R$ 4.353,00, com jornada de 40 horas semanal; Procurador, salário de R$ 2.289,11, com jornada de 30 horas semanal. 

No caso, admitindo-se que o provimento do cargo de Agente Técnico, prescinda da condição de advogado, é certo que tal possibilidade, fere os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois candidatos detentores de maior especialização profissional terão remuneração inferior do que os menos especializados. 

Assim, a prevalência da previsão contida no concurso, na forma pretendida pela Câmara, para provimento do cargo de Agente Técnico Parlamentar, por Bacharel em Direito, parece-nos que não deve preponderar, pois a natureza da atividade que será desenvolvida pelo ocupante do cargo, tem nítida natureza de assessoria e orientação jurídica, com elaboração de pareceres, o que exige ao nosso ver, a condição de advogado, regularmente inscrito na OAB. Além do mais, se mantida a deliberação do edital já publicado, tal deliberação representará um ato que desvaloriza e desprestigia a atividade da advocacia, além de evidente agressão ao Estatuto da Advocacia – Lei 8.906/94, que assevera: 

“Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I – a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;

II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

O ocupante do cargo de Agente Técnico Parlamentar, dará certamente consultoria e assessoria jurídica aos senhores vereadores, e essa é uma atividade privativa de advogado, e consequentemente, com exigência de inscrição na OAB.

Por fim, chamou-nos a atenção, ainda, o fato  dos candidatos a Agentes Técnicos Parlamentares, na função de ECONOMISTA, ENGENHEIRO CIVIL, ENGENHEIRO AMBIENTAL, BIÓLOGO, ECÓLOGO, DENTISTA, MÉDICO, ENGENHEIRO SANITARISTA, SOCIÓLOGO, CIÊNCIAS SOCIAIS e SERVIÇO SOCIAL, de todos, sem distinção, é exigido o REGISTRO no Conselho de Classe, excluindo-se, posteriormente à publicação do Edital, por meio de aditivos, tal exigência exclusivamente para a área jurídica, situação essa, no mínimo, estranha.

Quanto a aferição do conhecimento dos candidatos e classificação, o Edital prevê somente uma prova objetiva, com 50 questões, sendo apenas 20 questões de conhecimentos específicos.

Para o provimento de cargo que exige formação específica, que envolve vários ramos do conhecimento, como é o caso da área jurídica, parece-nos desproporcional a divisão das questões nos moldes propostos pela Comissão de Concurso, uma vez que o número de questões envolvendo o conhecimento específico, deveria ocupar pelo menos 2/3 das questões propostas, para que a avaliação atinja o propósito almejado, ou seja, averiguar a qualificação do profissional para a ocupação do cargo público disponibilizado. 

Assim, parece-nos apropriado que dentre as 50 questões que comporão a prova, 35 sejam de conhecimentos específicos, dividindo-se as demais 15 questões, entre as outras disciplinas previstas no edital, ou seja, Português, Raciocínio Lógico e Atualidades.

Por fim, observamos que o concurso versará  apenas de provas, não contemplando, na área jurídica, provas e títulos, conforme a previsão contida na Constituição Federal.

É certo que a Constituição Federal, em seu artigo 37, estabeleça em seu inciso I, que “a investidura em cargo ou emprego público, depende de aprovação prévia e, concurso público de provas ou de títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego”.

Não é menos verdade, que o artigo 132, da mesma Constituição, no Capítulo que trata da Advocacia Pública”, e que portanto, está tratando especificamente da atividade de advogado, estabelece que “o ingresso depende de concurso público de provas e de títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases…”.

A atividade atinente do cargo de Agente Técnico Parlamentar e Procurador, é dotada de grande complexidade, e exige um acentuado grau de conhecimento especializado, devendo valorizar os candidatos que além da formação superior básica, buscaram ampliar os horizontes de seus conhecimentos, através de cursos e eventos de especialização, inclusive, em cursos de Pós-Graduação, razão pela qual entendemos, que o provimento dos dois cargos mencionados, depende de concurso de provas e títulos, e não simplesmente de provas, como consta no edital, uma vez que à luz do que prevê a Constituição Federal, a norma incerta no artigo 132, que é específica, tem prevalência sobre a regra geral do artigo 37, II.

CONCLUSÃO

Pelas razões expostas, submeto à apreciação de Vossa Excelência, o presente parecer, concluindo conforme segue:

Primeiro:  O edital do concurso é nulo, pois a Ordem dos Advogados não foi chamada a integrar a comissão do concurso e acompanhá-lo em todas suas fases conforme determina a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Município de Guarulhos;

Segundo: O segundo e terceiro aditamento feitos ao edital, são nulos, pois incluíram regras  e requisitos novos, para o preenchimento do cargo de Agente Técnico Parlamentar (Advogado), previstos em uma pretensa lei, que só veio ser aprovada em 28 de junho de 2010, quando é certo que o Edital e aditamentos foram publicados anteriormente, ou seja, em 13, 23 e 30 de abril de 2010.

Terceiro: O cargo de Agente Técnico Parlamentar, pela natureza das atividades de assessoria e consultoria, deve ser preenchido por ADVOGADO, com inscrição na OAB, e não por Bacharel em Direito, conforme previsto no último aditamento.

Quarto: A aferição do conhecimento para os cargos de Agente Técnico Parlamentar e procurador, deve dar prevalência ao conhecimento específico, e não ao geral, conforme foi consta no edital, pelo que entendemos que a prova deve ter 35 de questões da área jurídica, e 15 em relação as demais áreas.

Quinto: Os candidatos aos cargos de Agente Técnico Parlamentar e Procurador, devem ser submetidos ao concurso de Provas e Títulos, à luz do que dispõe o artigo 132, da Constituição, e não apenas a concurso de provas.

É o parecer que respeitosamente submetemos à Vossa Excelência, para deliberação. 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

CLOVIS BRASIL PEREIRA  Advogado e Professor Universitário. Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito. Ministra cursos nas Unidades da ESA-SP – Escola Superior da Advocacia. Presidente da Comissão do Departamento Cultural e Eventos da OAB-Guarulhos. Colaborador  de vários sites e revistas jurídicas. Coordenador e editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br. :

Para o STF, consultar processo sem procuração, é um direito dos advogados

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*Clovis Brasil Pereira 

Em decisão proferida, por unanimidade, no dia 03/02/2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, confirmou liminar concedida em julho de 2007, pela então Presidente da Corte Constitucional, Ministra Ellen Grace, no Mandado de Segurança nº 26772,  que garantia ao impetrante, o direito de acesso aos autos de um processo que tramitava perante a Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, no estado de Goiás, por advogado sem instrumento de procuração nos autos.

O Mandado de Segurança foi relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, que lembrou em seu voto o artigo 7º, inciso XIII, da Lei 8.906/94 – o chamado Estatuto dos Advogados – que rege e disciplina o exercício da atividade dos advogados regularmente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, que “como  o processo em questão não é sigiloso, a pretensão do impetrante do MS seria plausível”.

Pelo teor do referido artigo: 

“Art. 7º  São direitos do advogado:

 XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos.   

A simples leitura do texto legal, não deixa dúvida quanto ao direito assegurado aos advogados em geral, de terem acesso aos autos dos processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, sendo inaceitável, que em determinadas situações, tanto no âmbito do Poder Judiciário, como nos demais Poderes, se criem embaraços ao exercício pleno da advocacia.

È imperioso lembrar, que se não bastasse o Estatuto da Advocacia estabelecer de forma cristalina o direito ao acesso  dos autos findos ou em andamento,  a lei maior, a Constituição Federal, em seu artigo 133, assim estabelece: 

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.  

Temos  portanto, na conjunção dos dois dispositivos legais – Constituição Federal e Estatuto da Advocacia –  que tal discussão seria simplesmente desnecessária,  se a lei fosse efetivamente cumprida.

De qualquer forma, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, de forma unânime, confirmando a liminar concedida no ano de 2007, pela Presidente da Corte, autorizando a consulta de processo não sigiloso, por parte dos advogados, mesmo em andamento e sem procuração,  se mostra de fundamental importância, pois cristaliza  um direito legalmente assegurado, e que por vezes, vemos ser desrespeitado, pela vontade individual e prepotência de alguns magistrados, que ao arrepio da ordem jurídica, através de meros atos  administrativos, impõem restrições absurdas ao pleno exercício da advocacia. 

É de se esperar, que a decisão do STF, tomada por unanimidade,  seja doravante, plenamente respeitada e sirva de norte à todos os órgãos do Poder Judiciário, Legislativo ou da Administração Pública em geral, em respeito à plena atividade da advocacia.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado e Professor Universitário. Especialista em Direito Processual Civil e Mestre em Direito. Ministra cursos nas Unidades da ESA/SP. Colaborador  de vários sites e revistas jurídicas. Coordenador e editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br. É Presidente da Comissão do Departamento Cultural da OAB/Guarulhos.

 


DIGNIDADE E CIDADANIAIgualdade de condições na medida das desigualdades

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ESPECIAL: *STJ – Acessibilidade e inclusão: palavras que vão deixando, pouco a pouco, as páginas amareladas dos dicionários, a poeira da estante, para ganhar sentido prático na vida das pessoas portadoras de deficiência física no Brasil. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma corte com vocação cidadã, vem contribuindo de forma sistemática para a promoção do respeito às diferenças e garantia dos direitos dos cerca de 25 milhões de cidadãos deficientes (Censo 2000).

Um exemplo de grande repercussão do Tribunal da Cidadania é o Projeto Inclusão Social, uma iniciativa estratégica do STJ que prevê diversas ações inclusivas em prol da acessibilidade física, digital e social dos deficientes. Por meio desse projeto, o Tribunal já capacitou servidores para o atendimento a pessoas portadoras de deficiência, realizou curso de Libras (linguagem de sinais), adaptou sua infraestrutura para receber cadeirantes e deficientes visuais e promove, todo ano, a Semana da Acessibilidade.

O STJ também inovou ao contratar deficientes auditivos para atividades de apoio do programa de digitalização de processos, o STJ na Era Virtual. E foi além, promovendo a inserção profissional de portadores de Síndrome de Down – jovens que estão tendo a primeira oportunidade de trabalhar de verdade no serviço de recepção das portarias da Casa.

Isonomia

Se institucionalmente o STJ está se firmando como um tribunal sensível às necessidades dos portadores de deficiência, é na sua função maior – o julgamento das questões que afetam diretamente o bem-estar da população – que o Tribunal garante aos cidadãos portadores de necessidades especiais a conquista de um espaço legítimo dentro da sociedade.

Nesse sentido, uma das decisões mais importantes da Casa, que devido à sua abrangência se tornou a Súmula 377, é a que reconhece a visão monocular como deficiência, permitindo a quem enxerga apenas com um dos olhos concorrer às vagas destinadas aos deficientes nos concursos públicos. Uma vitória para os deficientes visuais.

Diversos precedentes embasaram a formulação da Súmula 377, que indica a posição do Tribunal em relação ao tema, para as demais instâncias da Justiça brasileira. Em um deles, julgado em 2008, os ministros da Terceira Seção concederam mandado de segurança e garantiram a um cidadão portador de ambliopia (cegueira legal) em um dos olhos a posse no cargo de agente de inspeção sanitária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O relator do caso foi o ministro Felix Fischer, que reconheceu o direito líquido e certo do candidato à nomeação e posse no cargo pretendido entre as vagas reservadas a portadores de deficiência física.

Outra decisão significativa envolvendo deficiência física e concurso público aconteceu em junho de 2010. A Quinta Turma do STJ reconheceu o direito de um candidato, que não comprovou sua deficiência por meio de laudo pericial, à nomeação pela classificação geral do certame, uma vez que foi demonstrado que o cidadão não agiu de má-fé.

O candidato prestou concurso para o cargo de professor de Geografia do quadro do magistério do estado de Minas Gerais. Como possuía laudos médicos atestando sua condição de deficiente por causa das sequelas (perda de um terço dos movimentos) deixadas por um acidente de carro, o rapaz concorreu à vaga destinada aos portadores de deficiência, ficando em primeiro lugar. Entretanto, a perícia do concurso não reconheceu a deficiência, entendendo que as limitações não se enquadrariam para tal fim. O candidato, então, passou a esperar sua nomeação pela classificação geral (31º), mas descobriu que a administração já havia nomeado o 32º, rompendo a ordem classificatória.

Inconformado, o candidato recorreu ao STJ, alegando que “a reserva de vaga para portadores de deficiência cria uma lista especial, mas não pode excluir a pessoa da classificação geral”. A Quinta Turma aceitou a tese em defesa do professor com base no voto do ministro Arnaldo Esteves Lima: “Os argumentos defendidos pela parte guardam perfeita compatibilidade com o escopo do certame público, que é de proporcionar a toda coletividade igualdade de condições, na medida de suas desigualdades, de ingresso no serviço público. Não parece lógico, portanto, que a Administração, seja por aparente lacuna legal ou por meio de edital de concurso, venha a impedir o exercício de um direito constitucionalmente assegurado, em face unicamente da escolha da interpretação restritiva, que não se compadece em nada com as regras constitucionais da isonomia e imparcialidade”.

Dignidade

Em 2009, o STJ manteve a condenação do apresentador Carlos Roberto Massa, o Ratinho, por ter veiculado em seu programa de televisão sucessivas matérias nas quais utilizava imagens de um deficiente físico M.J.P. A Terceira Turma rejeitou uma nova tentativa da defesa de rediscutir os valores da indenização, fixados pela Justiça estadual em R$ 120 mil corrigidos.

A série de matérias foi ao ar em 2000 e denunciava falsas curas de deficientes físicos em alguns cultos no país. Em uma das imagens veiculadas, apareceu M.J.P, que havia procurado a 3ª Igreja Presbiteriana Renovada para aliviar seu sofrimento, uma vez que é realmente portador de amiotropia espinhal progressiva, uma patologia neuromuscular degenerativa. A chamada do programa dizia: “Ex-mulher desmascara falso aleijado curado pelo pastor”.

Ratinho alegou que foi induzido a erro por uma mulher que se fez passar por esposa de M.J.P. Entretanto, o tribunal estadual entendeu que ele falhou em não empreender uma investigação séria, principalmente porque a matéria foi ao ar com imagens de pessoas sem identificação. A decisão ressaltou também que havia na matéria sensacionalismo ofensivo à dignidade da pessoa humana. “Não é possível que um apresentador de programa de televisão que se diz jornalista, possa divulgar imagens, alardear fatos, sem buscar na fonte sua autenticidade.”

Isenção

Algumas decisões importantes do STJ garantem isenção de tarifas e impostos para os deficientes físicos. Em 2007, a Primeira Turma do STJ reconheceu a legalidade de duas leis municipais da cidade de Mogi Guaçu (SP). Nelas, idosos, pensionistas, aposentados e deficientes são isentos de pagar passagens de ônibus, assim como os deficientes podem embarcar e desembarcar fora dos pontos de parada convencionais.

O Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo (Setpesp) recorreu ao STJ, alegando que a lei proposta pelo legislativo local, isentando os deficientes do pagamento da tarifa de ônibus, feriria o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão do serviço público. Entretanto, o ministro Francisco Falcão, relator do processo, destacou que as duas leis municipais foram consideradas constitucionais pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). E concluiu: “Não se vislumbra nenhum aumento da despesa pública, mas tão somente o atendimento à virtude da solidariedade humana”.

O Tribunal da Cidadania também permitiu à M.C.R. isenção do IPI na compra de um automóvel para que terceiros pudessem conduzi-la até a faculdade. De acordo com a Lei n. 8.989/1995, o benefício de isenção fiscal na compra de veículos não poderia ser estendido a terceiros. Todavia, com o entendimento do STJ, o artigo 1º dessa lei não pode ser mais aplicado, especialmente depois da edição da Lei n. 10.754/2003. A cidadã que recorreu ao STJ tem esclerose muscular progressiva, o que a impede de dirigir qualquer tipo de veículo, mas, ainda assim, a Receita Federal de Uberlândia (MG) negou o pedido de isenção de IPI.

Aqui no STJ, os ministros da Primeira Turma atenderam os argumentos em defesa da cidadã, salientando que havia ficado suficientemente esclarecido que ela precisava de um carro para exercer suas atividades acadêmicas de aula de mestrado em Psicologia. O relator do caso, ministro Luiz Fux, fez questão de mencionar o estudo do procurador da República Marlon Alberto Weichert sobre a situação dos deficientes físicos no Brasil: “Se houvesse um sistema de transporte público acessível e um tratamento urbanístico de eliminação de barreiras arquitetônicas, o incentivo à aquisição de veículos com isenção poderia soar como privilégio. Mas a realidade é diferente. O benefício fiscal é o único paliativo posto à disposição de ir e vir”.

Um portador de deficiência física – em virtude de um acidente de trabalho – obteve nesta Corte Superior o direito de acumular o auxílio-suplementar com os proventos de aposentadoria por invalidez, concedida na vigência da Lei n. 8.213/1991. O INSS pretendia modificar o entendimento relativo à acumulação, porém o ministro Gilson Dipp, relator do processo na Quinta Turma, afirmou que a autarquia não tinha razão nesse caso.

O ministro Dipp esclareceu que, após a publicação da referida lei, o requisito incapacitante que proporcionaria a concessão de auxílio-suplementar foi absorvido pelo auxílio-acidente, conforme prescreve o artigo 86. Neste contexto, sobrevindo a aposentadoria já na vigência desta lei, e antes da Lei n. 9.528/1997, que passou a proibir a acumulação, o segurado pode acumular o auxílio-suplementar com a aposentadoria por invalidez. Essa orientação tem respaldo no caráter social e de ordem pública da lei acidentária. O julgamento aconteceu em 2002.

Pluralidade

Uma já distante decisão de 1999 preconizava a posição do STJ em defesa da cidadania plena dos portadores de deficiência. Quando a maior parte dos edifícios públicos e privados nem sequer pensavam na possibilidade de adaptar suas instalações para receber deficientes físicos, a Primeira Turma do Tribunal determinou que a Assembleia Legislativa de São Paulo modificasse sua estrutura arquitetônica para que a deputada estadual Célia Camargo Leão Edelmuth pudesse ter acesso à tribuna parlamentar.

A então deputada, que é cadeirante, ingressou com um processo contra o presidente da Assembleia, pois já havia solicitado reiteradas vezes a adaptação da tribuna a fim de que pudesse discursar como os seus pares. Todavia, o presidente à época argumentou que a lei assegurava somente o acesso a logradouros e edifícios públicos, e não a uma parte deles.

No entanto, o relator do processo, ministro José Delgado, enumerou mais de dez motivos que garantiam à deputada o direito de acesso à tribuna: “Não é suficiente que a deputada discurse do local onde se encontra, quando ela tem os mesmos direitos dos outros parlamentares. Deve-se abandonar a ideia de desenhar e projetar obras para homens perfeitos. A nossa sociedade é plural”. Nesse julgamento histórico, a Primeira Turma firmou o entendimento de que o deficiente tem acesso à totalidade de todos os edifícios e logradouros públicos.

E hoje, uma década depois, o plenário da Câmara dos Deputados está concluindo a reforma que permitirá aos recém-eleitos parlamentares cadeirantes acesso à tribuna mais importante do Brasil. Aos poucos, a poeira assentada na palavra acessibilidade dá lugar ao pó das construções de rampas que dão cidadania a milhares de brasileiros.

 

FONTE:   STJ, 06 de fevereiro de 2011.


HUMILHAÇÃO DE EMPREGADO GERA INDENIZAÇÃOTrabalhador tachado de bêbado será indenizado

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DECISÃO: *TST – A boa fama profissional é um bem protegido por lei e a reparação por dano moral está prevista na Constituição Federal. Sabendo disso, um auxiliar de depósito e separador de um supermercado pediu na Justiça do Trabalho ressarcimento pela humilhação de ser chamado de bêbado e ter sido suspenso por três dias, devido à denúncia de um colega de consumo de bebida alcoólica em serviço, acusação que, após apurações, não foi comprovada. Condenada a pagar indenização ao empregado, a WMS Supermercados do Brasil Ltda. apelou ao Tribunal Superior do Trabalho com o argumento de não haver provas contundentes a respeito do dano moral, mas o recurso foi rejeitado pela Oitava Turma.  

O fato constrangedor, ocorrido em abril de 2008, foi relatado por uma testemunha que informou que o incidente aconteceu “bem na hora da reunião da hora do almoço” e acarretou repercussões dentro da empresa. Afirmou, também, a existência de câmeras em todo o local de trabalho, razão pela qual o alegado consumo de bebidas alcoólicas, pelo autor, se realmente tivesse ocorrido, estaria registrado.

A indenização por danos morais foi definida na proporção de 1/12 da remuneração mensal do empregado (aí incluídos salário-base, horas extras e todas as parcelas que remuneram a jornada normal) pelo período de serviços prestados à da WMS. Para a condenação, estabelecida por sentença da 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre e mantida pelo Tribunal Regional do Rio Grande do Sul, foi considerado também que a empresa realizou, durante um certo tempo, revistas pessoais por meio de apalpação dos empregados por um guarda.

Na reclamação, o trabalhador havia alegado, ainda, que havia câmeras internas que vigiavam os funcionários em toda a sua jornada. Além disso, queixou-se da existência de comunicação pelo sistema interno, de hora em hora, da produtividade individual, porque aqueles com baixa produção eram objeto de chacotas por parte dos chefes. No entanto, o juízo de primeira instância considerou para a indenização apenas as revistas pessoais e a acusação e suspensão por consumo de bebida alcoólica, sem comprovação.

A WMS recorreu ao TST, pretendendo acabar com a condenação, mas a relatora do recurso de revista, ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, destacou que o Tribunal Regional “entendeu suficientemente comprovado os danos sofridos pelo autor”. Assim, a relatora considerou que, para afastar a conclusão acerca da indenização “seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado pela Súmula nº 126 do TST”.

A ministra explicou, ainda, que são impertinentes à controvérsia os dispositivos de lei invocados pela defesa da empresa – artigos 333, I, do CPC e 818 da CLT-, porque o TRT “não resolveu a lide à luz das regras de distribuição do ônus da prova, mas, sim, com fundamento na análise das provas constantes dos autos, consideradas suficientes pelo juízo”. Quanto a divergência jurisprudencial, a relatora considerou que as ementas apresentadas para comparação são inespecíficas, porque tratam de situações em que não foi comprovado o dano moral.

A Oitava Turma, seguindo o voto da ministra Cristina Peduzzi, não conheceu do recurso de revista. (RR – 103600-54.2008.5.04.0023)

 


 

FONTE:   TST, 04 de fevereiro de 2011.

CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITODébito sub judice não impede positivação de nome

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DECISÃO: *TJ-MT – De acordo com a atual orientação do Superior Tribunal de Justiça, o fato de o débito encontrar-se sub judice, por meio de ação revisional, não é motivo que, por si só, impede o registro do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito. Diante desse entendimento, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso não acolheu recurso interposto por um consumidor que teve negado, pelo Juízo da Terceira Vara Cível da Comarca de Rondonópolis, pedido de tutela antecipada formulado em ação revisional de contrato ajuizada em face da empresa Credicard – Administradora de Cartões e Crédito S/A (Agravo de Instrumento nº 91173/2010). 

Sustentou a relatora do agravo, desembargadora Clarice Claudino da Silva, que as Cortes de Justiça passaram a admitir o deferimento da tutela antecipada para excluir nome de devedor da Serasa apenas quando verificadas as seguintes condições, quais sejam, que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida funda-se na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; e que, sendo a contestação de apenas parte do débito, haja depósito do valor referente à parte tida por incontroversa, ou que seja prestada caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado.  

Consta dos autos que o ora agravante aderiu às cláusulas contratuais oferecidas pela agravada para a utilização de determinado montante em dinheiro por meio de cartão de crédito. No entanto, ao deixar de pagar o débito referente ao mês de outubro de 2009, no valor de R$ 637,54, assim como as parcelas subseqüentes, a dívida alcançou, em maio de 2010, o valor de R$ 4.708,51. Frente a essa situação, o agravante resolveu discutir administrativamente as cláusulas que tratavam dos encargos que incidem sobre o saldo devedor, mas não obteve êxito. Inconformado, propôs ação revisional e requereu, sem êxito, a antecipação de tutela tão-somente para não ter seu nome inscrito nos registros de proteção ao crédito. 

“Na hipótese, o devedor fundamentou o pedido de exclusão do seu nome da Serasa apenas no fato de que o débito encontra-se sub judice, não sendo preenchidas, portanto, as demais exigências”, ressaltou a relatora. O voto da desembargadora Clarice Claudino da Silva foi seguido pela desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas (primeira vogal) e pela juíza Anglizey Solivan de Oliveira (segunda vogal convocada).

FONTE:  TJ-MT, 07 de fevereiro de 2011.

 


DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIARMulher deverá receber medicamentos para fertilização in vitro gratuitamente

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DECISÃO: *TJ-RS – O Estado do RS e o Município de Bom Jesus deverão fornecer medicamentos à mulher que deseja realizar fertilização in vitro. A decisão é da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, baseada nos direitos constitucionais à saúde e ao planejamento familiar.

A autora é portadora de obstrução tubária bilateral e necessita dos fármacos Menotropina altamente purificada, Estradiol, Folitropina Recombinante e Antagonista do GnRH, para a concepção programada (por meio de fertilização in vitro). Afirmou que não tem condições de adquirir os produtos, de custo elevado.

No 1º Grau, a Juíza Carina Paula Chini Falcão condenou os réus, solidariamente, a fornecer os remédios sob pena de sequestro da quantia necessária.

No recurso ao Tribunal de Justiça, o Estado alegou que o tratamento de reprodução assistida é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), desde que os interessados se inscrevam no programa e aguardem a chamada. Ressaltou ainda que o procedimento não pode ser considerado essencial nem urgente.

O Município também apelou, defendendo que, apesar do direito à saúde ser garantido pela União, Estados e Municípios, foram ditadas leis para regionalizar as obrigações de forma que o Município não está obrigado por lei a fornecer o fármaco que não pertence à lista a qual está vinculado. Ainda, enfatizou que a autora não comprovou ter recebido negativa ou mesmo ter feito o pedido ao Estado.

Planejamento Familiar

Para o relator do recurso, Desembargador Arminio José Abreu Lima da Rosa, Municípios, Estados e a União são igual e independentemente responsáveis pelo fornecimento de remédios, assegurando o direito à saúde. A definição de como se dará a compensação entre os que tiveram que gastar mais cabe aos entes e não deve repercutir na população que precisa do serviço.

Destacou que a necessidade da autora está comprovada por atestado médico. Afirmou também que o direito ao planejamento familiar (incluído a reprodução assistida) e à saúde são garantidos pela Constituição. Ainda, salientou que a infertilidade humana não está fora do âmbito da saúde, fato reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina, na Resolução nº 1.358/92.

O magistrado citou voto do Desembargador Osvaldo Stefanello em julgamento de situação semelhante, quando referiu que a reprodução assistida não se trata de uma opção recorrente, de um capricho seu, mas sim de uma indicação médica para remediar a incapacidade de fecundação do próprio corpo, já que pelos métodos convencionais isso mostrou-se impraticável.

Observou que o atendimento da autora pelo SUS está impossibilitado ou é extremamente difícil, uma vez que a paciente reside em uma fazenda no Distrito de Casa Branca, interior do Município de Bom Jesus. Dessa forma, determinou que o Estado e o Município forneçam os medicamentos necessários.

A decisão é do dia 26/1. Acompanharam o voto do relator os Desembargadores Francisco José Moesch e Marco Aurélio Heinz.

Apelação Cível nº 70039644265

 


 

FONTE:  TJ-RS, 04 de fevereiro de 2011.

ASSÉDIO MORALHomossexual discriminado no trabalho será indenizado por assédio moral

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DECISÃO: *TRT-MG – Um ajudante de manutenção, contratado para prestar serviços em uma pousada, denunciou que foi vítima de discriminação por parte de um colega por conta de sua opção sexual. O trabalhador levou a questão ao conhecimento da sócia proprietária da pousada, que se mostrou indiferente em relação ao problema. Diante dos constrangimentos sofridos, o empregado chegou a acionar a Polícia Militar. Essa foi a situação examinada pela juíza substituta Eliane Magalhães de Oliveira, no julgamento de uma ação que tramitava na 2ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre. No entender da magistrada, o trabalhador tem direito à reparação dos danos morais sofridos em decorrência do assédio moral e da omissão deliberada da empregadora.  

De acordo com a versão apresentada pelo empregado, a proprietária do estabelecimento foi informada da ocorrência de assédio moral no ambiente de trabalho, mas não tomou nenhuma providência. Ao invés de buscar alternativas para a solução do problema, ela se limitou a declarar que não poderia fazer nada e sugeriu que o trabalhador pedisse demissão. Uma colega de trabalho, ouvida como informante, relatou que um dos empregados da pousada costumava chamar o reclamante de "bicha" e sempre dizia que não gostava de fazer suas refeições no mesmo horário que ele. Acrescentou a informante que todos os empregados costumavam comentar sobre os preconceitos que o reclamante sofria.  

Para a julgadora, as provas foram suficientes para confirmar as alegações do trabalhador, demonstrando o descumprimento de uma das obrigações patronais, que é respeitar a honra e a boa fama do empregado. "De fato, diante de todo o exposto, esse contexto me remete a concluir que a conduta da reclamada foi constrangedora e humilhante, na medida em que permitiu que o reclamante continuasse em contato com referido empregado assediador, denegrindo-lhe a imagem e ferindo sua dignidade" , finalizou a juíza sentenciante, condenando a empregadora ao pagamento de uma indenização por danos morais, fixada em R$2000,00. O TRT de Minas manteve a sentença, apenas modificando o valor da indenização para R$3000,00.

 


 

FONTE:  TRT-MG, 08 de fevereiro de 2011.

 

OFENSA PELO ORKUT EMBASA JUSTA CAUSAMantida justa causa de trabalhadora que lançou no ORKUT conversas ofensivas entre colegas da empresa

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DECISÃO: *TRT-Campinas-SP – A trabalhadora de empresa do ramo hoteleiro, demitida por justa causa por divulgar na internet (Orkut) conversas ofensivas entre funcionários, não concordou com a sentença da Vara do Trabalho de Indaiatuba – município da região de Campinas –, que julgou os seus pedidos improcedentes quanto às horas extras e quanto à própria demissão, cujo tratamento dado pelo empregador, segundo a autora da ação, não foi o mesmo para todos os empregados envolvidos no evento. 

Em recurso analisado na 4ª Câmara do TRT, o relator, desembargador Dagoberto Nishina de Azevedo, afirmou que "no tocante aos horários constantes dos espelhos, apesar de não assinados, são acolhidos como prova dos horários cumpridos, tendo em vista que a reclamante não demonstrou a inveracidade do que neles consta, não lhe socorrendo os depoimentos utilizados como prova emprestada, pois ambos foram colhidos de informantes, comprometidos em face da declaração de amizade". O acórdão concluiu, nesse aspecto, que "a reclamante faz jus a horas extras, assim consideradas as excedentes da oitava diária e quadragésima quarta semanal, a serem extraídas dos controles, enriquecidas com adicional previsto nas convenções coletivas constantes dos autos, pelos períodos de suas vigências, e fora delas, o percentual legal de 50%, incidindo sobre férias com 1/3, 13º salários e depósitos de FGTS coetâneos". 

No que se refere à justa causa, a trabalhadora, observou o relator, "não nega que tenha inserido as palavras ofensivas no Orkut, apenas alega que outros funcionários que também participaram das conversas virtuais não foram demitidos, alegando tratamento desigual". O acórdão ressaltou que "não há imposição legal para que o empregador puna todos os funcionários da mesma forma, apenas se exige a aplicação da penalidade de forma atual e proporcional à falta cometida, o que não está em discussão no apelo". 

Em conclusão, a decisão colegiada da 4ª Câmara afirmou que "tratando-se de relação individual de trabalho, os atos praticados têm a mesma conotação e não se comunicam com outros, no tocante às punições aplicadas". (Processo 00140-2005-077-15-00-4)

 


 

FONTE:  TRT-Campinas (SP), 07 de fevereiro de 2011.