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EXCLUSÃO SOCIAL É CONDENADAEscola é multada em ação de deficiente

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DECISÃO: *TJ-MG – Um colégio de Pirapora, cidade situada 430 km a norte de Belo Horizonte, vai ter de pagar multa de 1% sobre o valor da causa por protelar a ação movida por uma aluna portadora de deficiência que não conseguiu frequentar aulas com acompanhamento especial.

A decisão, da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), determina também que o processo seja remetido à Delegacia Regional de Polícia Civil para apuração de suposto crime de desobediência a ordem legal e que a escola pague multa por descumprimento de decisão judicial, caso esta seja confirmada em sentença.

A aluna, atualmente com nove anos, possui paralisia cerebral e necessita de auxílio para alimentação, higiene e locomoção. Sua mãe, que a representa no processo, afirma que o Colégio Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento se recusou a efetuar a matrícula da criança, em 2009, sob o argumento de que não possuía equipe especializada para seu atendimento educacional.

Considerando que sua filha já era assistida por profissionais de associações de apoio a deficientes, a mãe esclareceu que desejava matriculá-la no colégio para promover sua inclusão social, através das atividades curriculares e extracurriculares. Segundo afirma, sua filha havia cursado três anos em outra escola, de ensino infantil, onde nunca fora excluída de nenhuma atividade.

Diante da constante negativa do colégio em matricular a criança, a mãe resolveu então ajuizar a ação. Em fevereiro de 2010, o juiz Valdiney Camilo Campos deferiu medida de urgência, determinando que o colégio providenciasse a matrícula, garantisse a frequência da criança na primeira série do ensino fundamental e fornecesse os cuidados básicos para sua inclusão. Em caso de descumprimento da decisão, foi estabelecida multa diária no valor de R$ 1 mil.

Apesar de efetuar a matrícula, o colégio negou a entrada da aluna em sala de aula, uma vez que não estava acompanhada pela equipe de profissionais das associações de apoio a deficientes. A mãe da criança então entrou com petição para solicitar o cumprimento da liminar, argumentando que sua filha precisaria apenas de uma monitora ou auxiliar para ajudá-la nas atividades essenciais dentro do colégio. O pedido foi deferido pelo juiz Leonardo Antônio Bolina Filgueiras.

Protelação

Apesar de reiteradas decisões do juízo de Pirapora, o colégio não disponibilizou meios para que a aluna recebesse os cuidados básicos, impossibilitando sua frequência às aulas. Todos os recursos impetrados pela escola foram negados.

Decisão do juiz, em agosto de 2010, determinou que a escola contratasse profissional de apoio para acompanhar o processo de escolarização da aluna, de forma que os custos dessa atividade fossem embutidos nas mensalidades escolares, e estabeleceu multa em caso de descumprimento. Inconformada, a escola interpôs embargos, que também foram negados.

Por fim, em outubro de 2010, o juiz Leonardo Filgueiras aplicou multa por litigância de má-fé, equivalente a 1% do valor da causa, e determinou a remessa de cópias do processo à Polícia Civil para apuração de suposto crime de desobediência a ordem legal. Determinou também a remessa à contadoria para o cálculo das multas por descumprimento das decisões. Estabeleceu ainda que novos embargos de declaração com cunho procrastinatório implicariam em elevação da multa para 10% sobre o valor da causa.

Recurso

A escola recorreu da última decisão do juiz de Pirapora, através de agravo de instrumento. A desembargadora Márcia de Paoli Balbino, relatora do recurso, confirmou a decisão quanto à multa por litigância de má-fé e à remessa das peças processuais à Polícia Civil.

Quanto ao envio do processo para o cálculo da multa por descumprimento de decisão judicial, a desembargadora afirmou que a ação ainda não foi sentenciada. Por esse motivo, é “impossível qualquer discussão acerca da execução antecipada da multa na presente fase processual”.

A relatora determinou também que a multa por descumprimento de decisão judicial cessasse a partir de 19 de janeiro de 2011, data em que o juiz de primeiro grau autorizou o pedido da mãe para matricular a criança em outra instituição de ensino, já que o início de novo ano letivo estava próximo, e o processo já se arrastava por quase um ano.

O voto da relatora foi acompanhado pelos desembargadores Eduardo Mariné da Cunha e Luciano Pinto.   Processo: 0618150-94.2010.8.13.0000 


FONTE:  TJ-MG,  24 de maio de 2011

 

 

Monitoramento estatal da comunicação oral do defensor com o defendido no processo penal.

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Violação a garantias constitucionais e a prerrogativas profissionais

* Edson Pereira Belo da Silva

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Princípios Constitucionais e Dignidade Humana. Bens jurídicos constitucionais. 4. Direitos e Garantias Fundamentais do Acusado e Processo Penal. 5. Direito do Defendido à Comunicação Reservada com o seu Defensor. 6. Violação a Prerrogativas Profissionais. 7. Conclusão.

1. introdução

O presente artigo busca demonstrar que a pretensão do poder estatal em monitorar as conversas dos advogados com os clientes nas unidades prisionais – notadamente aqueles investigados ou acusados da prática de delitos hediondos ou assemelhados e de comandar "organizações criminosas" –, não está em consonância com os princípios constitucionais que regem o Estado Democrático de Direito (artigos 1.º a 4.º) e os direitos e garantias fundamentais (artigos 5.º a 17) do defendido (investigado, indiciado, acusado, preso ou condenado), além do que viola as prerrogativas do advogado.

O monitoramento dessa comunicação particular sacrifica, sobretudo, a dignidade humana do defendido (CF, artigo 1.º, III), pois o Estado pode valer-se de prova ilícita para privar a sua liberdade por conta da violação à garantia do devido processo legal (CF, artigo 5.º, LIV), da qual são corolários os direitos de defesa e ao silêncio, dentre outros, em especial. Por sua vez, a cidadania, outro princípio fundamental (CF, artigo 1.º, II), também restará violado, na medida em que o cidadão defendido não mais terá preservado ou mantido e sigilo o conteúdo da sua comunicação reservada com o defensor, direito esse decorrente da Lei Maior, do Código de Processo Penal (artigo 185, § 5.º) e da Lei de Execução Penal (artigo 41, inciso IX).

Por outro lado, o defensor, portador de prerrogativas (CF, artigo 133, Lei n.º 8.906/1994, artigo 7.º, III) para o efetivo exercício de seu ministério constitucional e essencial à Justiça, terá quebrado o seu sigilo profissional, sem motivo legal justificado.

Tais princípios, direitos, garantias e prerrogativas não são absolutos, conforme entendimento doutrinário; pelo que cedem à decisão judicial motivada e específica, principalmente em relação ao defensor, o qual não pode valer-se de tais predicados legais para, eventualmente, praticar delitos, em concurso ou não com o defendido.

A entrevista pessoal e reservada com o advogado é um direito do cliente, preso ou não; ao passo que a comunicação livre e particular do defensor com o defendido é uma prerrogativa profissional, sobremaneira para o exercício da plenitude de defesa.

2. Princípios Constitucionais e dignidade humana

Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Valores esses albergados pela Lei Maior com o escopo de dar sistematização ao documento constitucional, de servir como critério de interpretação e, sobretudo, expandir os seus valores, pulverizando-os sobre todo o universo jurídico. 1

Destarte, logo no seu Preâmbulo, 2 ou seja, antes mesmo de dar conteúdo aos seus atuais 250 artigos, a Constituição Federal de 1988 deixa assente que o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça são os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Os quatro primeiros artigos do texto constitucional vigente – os quais inauguram o Título I, denominado de "Dos Princípios Fundamentais" – delineiam os contornos básicos do Estado social e Democrático de Direito que identifica a nossa República. Neste referido título, além do regime democrático social, encontram-se expressos outros fundamentos, objetivos e, sobremaneira, princípios fundamentais regentes do Estado brasileiro, tanto no plano jurídico interno como nas relações internacionais.

Ainda nesse contexto, oportuno enfatizar que a Lei Fundamental em vigor foi à primeira na história do constitucionalismo pátrio a prever um título próprio destinado aos "Princípios Fundamentais", situando logo na abertura do texto constitucional, após a aludida parte preambular e antes dos "Direitos e Garantias Fundamentais" (CF, artigos 5.º ao 17).

Essa postura organizacional e valorativa do legislador Constituinte, deixa clara e inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de todo ordenamento constitucional, inclusive dos direitos fundamentais, que também integram aquilo que se pode denominar de núcleo essencial da Constituição material. No mesmo sentido, e sem precedentes no aspecto evolutivo constitucional, foi o reconhecimento do princípio da dignidade humana, no âmbito do direito positivo. 3

Dentre os princípios fundamentais descritos no artigo 1.º da Lei Maior, 4 com o fim de desenvolver o presente estudo, destaca-se substancialmente dois deles, quais sejam: a "cidadania" e a "dignidade da pessoa humana" 5 (incisos II e III, respectivamente).

O primeiro princípio ("cidadania") consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais, da dignidade humana, da integração participativa no processo do poder, com igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro, de contribuir par o aperfeiçoamento de todos. 6 por sua vez, a expressão "cidadania", fundamento da República brasileira, não se resume apenas à posse de direitos políticos, mas, em acepção diversa, parece galgar significado muito mais abrangente, consubstanciado no pensamento de Hanna Arendt "do direito a ter direitos"; de modo que a idéia de cidadania está entrelaçada, intimamente, com a dignidade humana.

Quanto ao segundo princípio ("dignidade humana"), apesar da dificuldade da doutrinaria em defini-lo, pode-se afirmar ser ele um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar. Ademais, tal princípio fundamental apresenta-se em uma dupla concepção: em primeiro lugar prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos; ao passo que, em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. 7

A doutrina constitucional tem entendido que se a Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direito fundamentais, ela repousa na dignidade humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado. Como característica essencial da pessoa, a dignidade é um princípio que coenvolve todos os princípios relativos aos direitos e também aos deveres das pessoas e à posição do Estado perante elas. Na qualidade de princípio axiológico fundamental e limite transcendente do poder constituinte, ter-se-á que a dignidade humana como um metaprincípio. 8

Como se vê, uma das características salientes do Estado de Direito de que aqui se trata é seu comprometimento prioritário, não como o Estado e o poder instituído constitucionalmente, mas com os direitos fundamentais, inerentes à cidadania, razão de ser, justificativa primeira e última de um Estado que se pretenda verdadeiramente democrático. 9

Portanto, os princípios constitucionais fundamentais, em especial o da "dignidade humana", norteiam o ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo assim limites para atuação estatal na sociedade contemporânea, sobremaneira na esfera penal.

3. Bens jurídicos constitucionais

A Constituição Federal delimita quais são os bens jurídicos relevantes carecedores de proteção do Direito Penal (vida, liberdade, propriedade, igualdade, segurança, artigo 5.º, caput). No presente estudo, apenas duas categorias de "bens jurídico-penais individuais merecem destaques": a) os bens jurídicos denominados personalismos, como a vida, a integridade física, a liberdade, a honra; b) e os bens pessoais, como o patrimônio. 10 Bem jurídico é aquele que esteja a exigir uma proteção especial, no âmbito normativo penal, por se revelarem insuficientes em relação a ele, as garantias oferecidas pelo ordenamento jurídico em outras áreas extrapenais. 11

Vale ressaltar, que o legislador ordinário penal, visando à incriminação de certas condutas, deve sempre se nortear pelas diretrizes estabelecidas na Constituição Federal e os valores nela consagrados para definir os bens jurídicos, tendo em conta o caráter limitativo da tutela penal, pois, como já enfatizado, os bens dignos ou merecedores de tutela penal são, em princípio, os de indicação constitucional especifica e aqueles que se encontram em harmonia com a noção de Estado de Direito. O recurso à privação de liberdade deve ser a ultima ratio, quando absolutamente indispensável. 12

Uma vez violado bem jurídico-penal, nasce para o Estado o dever de prestar a tutela jurisdicional à sociedade, por meio do devido processo legal, com vistas a punir o infrator da norma repressora, segregando-lhe o bem jurídico-constitucional mais caro, depois da vida, a liberdade de locomoção.

Qualquer que seja o bem jurídico-penal individual violado, sempre resultará em ofensa à dignidade humana da vítima. Por outro lado, sem a fiel observância do devido processo legal (e penal), no tocante a persecução penal, o investigado, indiciado ou acusado, de igual forma, também terá sua dignidade humana violada, mas pelo Estado.

4. Direitos e garantias fundamentais do acusado e processo penal

A dignidade humana, como foi visto, a partir da Constituição brasileira de 1998 passou a ser parâmetro de interpretação jurídica para todas as áreas do Direito, de sorte que, sem exagero, o sistema jurídico pátrio gravita em torno desse fundamental princípio.

Para salvaguardar ou proteger mencionado princípio, a mesma Lei Maior estabeleceu um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, notadamente no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, tanto que a doutrina nacional passou a denominá-los de "Constituição Penal", "Processo Penal Constitucional", dentre outros, justamente porque tal norma fundamental cuidou de prevê-los.

A doutrina processual, por seu turno, tem entendido no sentido de que o direito processual, como ramo do direito público, tem suas diretrizes fundamentais traçadas pelo direito constitucional, a ponto de asseverar que o direito processual penal chega a ser apontado como direito constitucional aplicado às relações entre autoridade e liberdade. Mas, além de seus pressupostos constitucionais, comuns a todos os ramos do direito, o direito processual é fundamentalmente determinado pela norma constitucional. 13

Pode-se afirmar, por esse pensamento doutrinário, que o Processo Penal é instrumento pelo qual se materializam os direitos e garantias fundamentais do cidadão investigado ou acusado. Vale dizer ainda, que o processo constitui a primeira e mais fundamental garantia do indivíduo, pois é por meio desse instrumento, que se realiza a proteção efetiva dos direitos fundamentais consagrados pela Constituição. 14

Sob esse enfoque, percebe-se que o acusado não é um mero "objeto" da investigação criminal ou uma simples "coisa" no processo penal, mas sim sujeito (cidadão) de direitos e garantias, cujo qual também goza dos sobreditos princípios fundamentais, mais especificamente, da dignidade humana. Ora, tanto é patente essa garantia-proteção penal-constitucional que a Constituição Federal resguarda a "dignidade física e moral do preso" (artigo 5.º, xlIx); de modo que, com relação ao investigado ou acusado em liberdade, a exegese não pode ser diferente.

A preservação do bem jurídico"liberdade", um dos fundamentais e invioláveis direitos da pessoa no Estado Democrático de Direito, encontra fundamento nas garantias constitucionais, inerentes ao devido processo penal, previstas no artigo 5.º, a saber: a) acesso à justiça penal (LXXIV e LXXVII); b) juiz natural em matéria penal (XXXVII, XXXVIII e LIII);c) tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal (caput do artigo 5.º); d) plenitude de defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes (XXXVIII, a, lv); e) inadmissibilidade do uso de prova ilícita (LVI); f) da publicidade dos atos processuais penais (LX); g) direito à não auto-incriminação, ao silêncio e à assistência familiar e de advogado (LXIII); h) liberdade provisória (LXIV); i) motivação dos atos decisórios penais (artigo 93, IX); j) duração razoável do processo penal (LXXVIII); l) legalidade da execução penal (XLV, LXVI, LXVII, LXVIII, LXIX, L, LXXV).

5. Direito do defendido à comunicação reservada com o seu defensor

Importante frisar, desde logo, que o atual Código de Processo Penal, em seu artigo 185, § 5.º, prevê que "Em qualquer modalidade de interrogatório, 15 o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor". Idêntico direito está previsto na Lei n.º 7.210/1984 (LEP, artigo 41, inciso IX).

Essas previsões legais decorrem, sobretudo, da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 – Pacto de San José da Costa Rica, que passou a integrar o nosso sistema jurídico por força do imperativo constitucional (artigo 5.º, § 2.º) 16 e do Decreto Presidencial n.º 678, de 6 de novembro de 1992 – a qual em seu artigo 8.º, 2, d, estabelece o direito do acusado de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se com ele livremente e em particular.

As expressões "entrevista reservada" e "comunicar-se livremente e em particular" deixam claro, a nosso sentir, que esse caráter reservado ou particular da entrevista do defendido com o seu defensor está revestido de sigilo, de modo que o conteúdo dessa entrevista goza de inviolabilidade, só podendo ser revelado pelo próprio defendido, posto ser dever legal do advogado (artigos 34, VII, da Lei n.º 8.906/1994, e 154 do Código Penal) guardar para si tudo o que ouviu e sabe do cliente.

Pouco importa se o defensor é constituído ou público, ainda sim o investigado ou acusado tem o direito de se comunicar com ele de forma livre e particular, isto é, sem as presenças de terceiros no local da entrevista e de sistema de monitoramento do áudio ou da comunicação. Oportuno frisar que mesmo sendo a aludida entrevista particular realizada por meio de videoconferência (CPP, artigo 185, § 4.º), fundamental é que o conteúdo dessa comunicação restrinja-se apenas ao defensor e defendido.

A entrevista reservada pode ser exercida livremente pelo defendido a qualquer momento da persecução criminal ou da execução penal, devendo a autoridade pública (policial, judicial, prisional) cuidar para que a sigilosidade do seu conteúdo se mantenha preservada, fornecendo os recursos materiais (parlatórios condignos e sem monitoramento da comunicação, por exemplo), pois, como dito, ela é inviolável.

Não haveria sentido lógico algum a legislação citada tornar reservada ou particular a entrevista do defendido com o seu defensor se depois ela seria revelada, no todo ou em parte, pelos agentes públicos que a monitoram, sem decisão judicial. O ordenamento jurídico não é perfeito porque os seres humanos também não o são; porém, acredita-se que esse ordenamento tem um sentido lógico para o qual foi criado.

O desrespeito à entrevista particular ou à comunicação oral reservada, por meio do monitoramento estatal, implica diretamente na violação de pelo menos quatro dos mencionados direitos e garantias constitucionais de processo penal, quais sejam: a plenitude de defesa, a proibição do uso de provas ilícitas, o direito ao silêncio e a assistência de advogado.

É na comunicação reservada que o defendido leva ao conhecimento do defensor, detalhadamente, a sua versão sobre os fatos e as circunstâncias que lhes são atribuídos pelo Estado. Depois de tomar conhecimento do que lhe foi revelado, o defensor traça uma estratégia defensiva, erguendo teses, e, com a aquiescência do defendido, passa a materializá-las nos autos da investigação ou da ação penal. 17

é nesse instante, vale salientar, que o defendido faz revelações substanciais e comprometedoras ao seu defensor, cujas quais podem até implicar na segurança de ambos e de seus familiares, já que a questão poderia estar a envolver pessoas poderosas, do setor público e privado, como é comum acontecer, inclusive em todas as Regiões do país. Mesmo que as informações absorvidas do defendido, na entrevista reservada, sejam até certo ponto "irrelevantes" e digam respeito apenas a ele, ainda sim elas estão acobertadas pelo manto da inviolabilidade.

O desejado monitoramento pelo Estado dessa "entrevista reservada ou particular" – daí a efetiva necessidade de decisão judicial para tanto –, além de violar o sigilo da comunicação, também atinge o direito ao silêncio do defendido, cujo qual, ao revelar sua versão fática para o defensor, ainda que a título de desabafo, pois sabe da incidência do sigilo profissional, é posteriormente surpreendido nos autos (e hoje extra-autos) com a revelação do diálogo que confidenciou somente ao defensor.

Mas, se por ventura, na entrevista reservada e "monitorada" pelo poder estatal, constar à confissão do defendido ou detalhes relevantes do delito a ele imputado, isso pode ser tido como prova contra ele, mesmo que tal monitoramento tenha sido determinado por decisão judicial? E essa prova é valida para efeito de condenação, uma vez silenciando o acusado por completo no feito? Diante do monitoramente, de que forma o defendido deverá proceder para se comunicar reservadamente com o defensor, visando elaborar sua defesa? Se o silêncio imperar nas entrevistas com os presos, por causa da possibilidade do seu monitoramento pelo Estado, qual milagre o defensor deve operar para dar efetividade ao princípio da plenitude de defesa? Além disso, os dados, as estratégias e teses defensivas reveladas à polícia e à acusação, por conta da monitoração da entrevista, não ensejam na violação do princípio da não auto-incriminação do defendido? Por fim, como é possível defender-se amplamente se o Estado tem conhecimento daquilo que o defendido falou e revelou ao seu defensor?

As indagações sobre essa questão são inúmeras. Destarte, não convence e não se justifica o argumento absurdo de que o monitoramento dos diálogos entre defensor e defendido ou preso se enquadra na política criminal da segurança pública, na medida em que essa forma poderia prever a prática de delitos e, sobremaneira, o fim do controle das "organizações criminosas" por presos. Essa alegação das autoridades públicas, que compartilham dessa visão retrograda e inconstitucional, é de toda genérica e discriminatória, dando a entender que são os advogados autênticos "pombos-correio" dos seus clientes. 18

Seja advogado, seja qualquer outra pessoa que tenha acesso ao preso ou com ele se comunica, deve ser alvo de intensa investigação policial quando o fim da comunicação ou entrevista com o preso apresenta fundadas suspeitas de fugir da estrita legalidade, especialmente. E o caminho a ser seguido pela polícia, notadamente quanto ao seu defensor, é a investigação inteligente, despreguiçosa e externa, ou seja, no cotidiano forense do advogado, e não na monitoração de suas conversas com o preso nas unidades prisionais e nas audiências por videoconferência.

A prevalecer essa visão estatal, no mínimo teratológica, dentro do Sistema Penitenciário nacional, quiçá um dia nas audiências criminais e julgamentos no Tribunal do Júri, quando do primeiro contato entre defensor e defendido, assim como nos Distritos policiais, deve os respectivos agentes públicos expandir essa "modalidade" de monitoramento ou de interceptação de conversas para as "visitas íntimas" 19 nas prisões, posto ser possível, naquele momento íntimo do preso com a visitante, ouvir-se algo que lhe comprometa criminalmente. Tudo em nome da investigação criminal e da segurança pública.

O Estado, paulatinamente, sob o pretexto de combater a "criminalidade organizada", a todo custo, vem ampliando o número de violações a direitos e garantias dos investigados e dos acusados, principalmente. Chega-se ao ponto de nada mais ser surpreendente em termos de desrespeito à Lei Fundamental.

Quando o poder estatal defende publicamente o sacrifício dos direitos e garantias constitucionais do defendido, encurtando assim as investigações policiais para logo se chegar ao resultado que satisfaça o interesse da coletividade ou da sociedade, percebe-se que o Estado Democrático de Direito está mesmo na "UTI" (Unidade de Terapia Intensiva), diante dos sinais iminentes de falência parcial de alguns dos seus órgãos.

Ao contrário dos pensamentos retrógrados e desumanos, na investigação policial ou na busca pela produção de prova, o Estado Democrático de Direito não admite a adoção do popularmente conhecido "vale tudo probatório", como a adoção da prova ilícita para condenar.

Existem critérios legais e científicos rigorosos a serem observados e seguidos pela investigação policial, notadamente na apuração dos crimes hediondos e assemelhados; de sorte que, se o Estado ainda pretende cumprir a sua função constitucional de entregar à sociedade uma prestação jurisdicional penal justa e democrática, deve resguardar e dar efetividade aos direitos e garantias do defendido, pois, do contrário, sem o fiel respeito à Constituição Federal será difícil se afastar ou se distinguir das nações totalitárias e involuídas.

A democracia processual penal se revela, em especial, com a efetividade da garantia do devido processo legal, a qual reclama rigorosa observação de todas as formalidades prescritas na legislação para o perfeito atingimento de sua finalidade solucionadora de conflitos de interesses socialmente relevantes, quais sejam, o punitivo e o de liberdade.

É Inadmissível a privação da liberdade sem a garantia consubstanciada num processo desenvolvido na forma que a lei estabelece, dotada de todas as garantias do processo legislativo. Esse é um postulado universalmente concebido e contemplado pelos ordenamentos jurídicos de todos os países que se personificam num Estado de Direito. 20

6. Violação às prerrogativas profissionais

O defensor, por conta do cotidiano forense criminal, acaba por desenvolver, dentre outras, duas qualidades substanciais para o bom desenvolvimento da defesa, são elas: saber ouvir atentamente o defendido e investigar os mínimos detalhes dos fatos que caracterizam ou não o tipo penal. Realmente, o ofício mais humano do advogado é o de ouvir o cliente, ou seja, de dar às almas inquietas o alívio de encontrar no mundo um confidente imperecível das suas inquietações. 21

No processo penal, em regra, essa audição do defendido a que se submete o defensor dá-se num lugar reservado na parte interna da unidade prisional, denominado de parlatório, onde o advogado se comunica reservadamente com o preso. Trata-se, na verdade, de uma prerrogativa profissional, prevista na Lei n.º 8.906/1994, artigo 7.º, III, 22 que decorre do artigo 133 da Constituição Federal, a qual tem o advogado como "indispensável a administração da justiça", colocando-o no Capítulo "Das Função Essencial à Justiça".

Portanto, a prerrogativa de comunicar-se pessoal e reservadamente com o preso, ainda que incomunicável, está constitucionalmente amparada, não sendo ela nenhum privilégio. Pelo contrário, as prerrogativas profissionais dos advogados são definidas como um conjunto de direitos e garantias que lhes é especificamente dirigido para o exercício livre da profissão ou ministério com interesse social. 23

A prerrogativa profissional em referência envolve também o caráter de sigilosidade do conteúdo da comunicação, como visto anteriormente, de sorte que, no exercício dessa prerrogativa, é vedado qualquer interferência ou impedimento de órgão estatal e de seus agentes. Nem mesmo o defensor, voluntariamente e sem justa causa, poderá quebra o sigilo da comunicação, sob pena de responder penal, cível e administrativamente.

No universo jurídico atual, o "direito ao sigilo", destinado a proteger o segredo da pessoa e integra o rol dos direitos fundamentais do cidadão, cujos quais são invioláveis, inclusive em face do legislador infraconstitucional. O sigilo profissional, que resguarda a comunicação reservada com o defendido, é um dever legal imposto ao advogado (artigos 34, VII, da Lei n.º 8.906/1994, 24 e 154 do Código Penal 25) com o escopo de assegura a plenitude de defesa do cidadão defendido, protegendo-se o seu segredo.

A doutrina constitucional entende que o sigilo das comunicações não é somente um corolário da livre expressão do pensamento, mas também aspecto tradicional do direito à privacidade e à intimidade. Romper a confidencialidade dessa comunicação é frustrar o direito do emissor (do defendido) de escolher o destinatário do conteúdo de sua comunicação. 26

Tendo em conta esse cenário legal, pode-se afirma que o defensor está submetido a rigoroso dever de sigilo que se reveste de significativa relevância, sobremaneira pela garantia do direito de defesa, essencial à liberdade e à personalidade. 27 E esse direito de defesa, que é princípio de ordem pública, apenas pode ser exercido em toda sua plenitude com a garantia da inviolabilidade do segredo profissional, de maneira que o advogado está obrigado a guardar esse segredo, não só pela força da lei, como por dever fundamental e consciência profissional, superior à vontade. 28

O anterior Estatuto da Advocacia, Lei n.º 4.215/1963, mais especificamente nos artigos 87, V, e 103, viii, também impunha ao advogado o dever de proteção do sigilo profissional. Na preservação desse sigilo, vale ressaltar, muita das vezes reside não somente a segurança do cliente, mas quiçá a sua própria vida. 29

Diante da previsão legal da referida prerrogativa profissional, que busca dar efetividade aos sobreditos direitos e garantias do defendido, não pode o Estado violá-la sob o pretexto infundado de se estar investigando certa "organização criminosa" da qual o defensor seria suposto integrante ou sócio e não advogado no exercício do seu mister.

Para ultrapassar, legalmente, a prerrogativa do sigilo ou da inviolabilidade das comunicações do advogado, constante da Lei n.º 8.906/1994, artigo 7.º, II, 30 monitorando as suas conversas com o cliente, até mesmo no parlatório de unidade prisional, além de outras medidas legais, é de todo necessário que ele seja alvo da investigação criminal ou sujeito passivo na ação penal, conforme expressa exigência dessa mesma norma específica, artigo 7.º, § 6.º. 31

É preciso, portanto, que a decisão judicial, que objetiva monitorar a conversa reservada do advogado com o cliente, mesmo que na prisão, esteja muito bem fundamentada, demonstrando à presença dos requisitos processuais penais de materialidade e de indícios de autoria, além de especificar, pormenorizadamente, a finalidade da providência acautelatória judicial.

Nessa situação, não é mais o advogado que é alvo da busca da prova para investigação policial ou ação penal, mas sim o cidadão, que resvalou para o crime, não podendo ele valer-se da prerrogativa de inviolabilidade ou sigilo dos meios de exercício profissional. 32

Não havendo decisão judicial, devidamente motivada e pormenorizada, que retire o manto da inviolabilidade, somente para o caso em concreto, o agente público não poderá ter acesso ao conteúdo dessa comunicação e muito menos monitorá-la, pois, se assim proceder, violará tal prerrogativa, devendo ele responder por essa infração no âmbito administrativo, cível e penal.

É preciso asseverar, que o agente público, exceto por determinação judicial, como já mencionado, jamais poderá ter acesso ou monitorar a comunicação reservada ou particular do defensor com seu defendido. Isso porque o conteúdo dessa conversa, revestida de inviolabilidade e de natureza profissional, não lhe diz respeito – sequer para saciar a sua curiosidade –, nem mesmo ao órgão estatal para o qual serve.

Oportuno relembrar, que gabinetes de magistrados foram alvos de buscas e apreensões determinadas pela Justiça, 33 motivadamente, revelando assim que nem mesmo os membros do Poder Judiciário podem se valerem de suas prerrogativas (Lei Complementar n.º 35/1979, artigo 33) para infringir a norma penal.

Necessário assentar que o profissional do direito, portador de prerrogativas para o exercício de nobre função, não é um "marginal"; dessa forma, não pode ser ele presumido ou tratado como tal. Entretanto, ao infringir a lei penal, e nessa qualidade de infrator, ele não pode lançar mão de certas prerrogativas, exclusivas do operador do direito, para obstacularizar ou impedir o Estado de buscar provas com vistas a comprovar determinada prática delitiva.

Finalmente, deve o magistrado observar os princípios da inércia e imparcialidade que são corolários do processo penal democrático e justo, decidindo apenas quando expressamente provocado pelas partes – Ministério Público e Defesa – tanto de forma cautelar como no mérito da ação penal.

7. Conclusão

É um dever constitucional do Estado investigar e punir todas às praticas tidas como criminosas, independentemente de que sejam seus autores. Para tanto, a Constituição Federal lhe impõe determinadas regras e critérios normativos rigorosos que devem ser cuidadosamente observados, sob pena de ampla responsabilização do agente público.

A cidadania e a dignidade humana, sobretudo, como princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como os valores constitucionais eleitos sociedade representada, exigem dos órgãos estatais e de seus agentes uma permanente vigilância.

O ordenamento jurídico pátrio gravita em torno da dignidade humana, indistintamente, sendo que, nas suas relações internacionais, o Estado brasileiro tem como prevalência os direitos humanos.

Os bens jurídicos penalmente tutelados, quando violados, dão origem à persecução penal, a qual é toda norteada pelos princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Vale dizer, com isso, que a Lei Maior fundamenta todas as normas de Direito Penal e Processual Penal.

O Direito Processual Penal é o instrumento jurídico pelo qual às garantias fundamentais esculpidas na Constituição Federal se materializam, é o verdadeiro Direito Constitucional aplicado; de modo que a violação ou a inobservância dos seus dispositivos pelos agentes e órgãos estatais implica na ausência de aplicabilidade da Lei Fundamental.

Durante a persecução penal, não é permitido ao Estado produzir provas ou combater a "criminalidade organizada" infringindo dispositivos legais, ora ignorando os direitos e garantias fundamentais do defendido ou do preso, ora violando as prerrogativas do advogado, haja vista que todas as suas ações devem estar resguardadas de estrita legalidade.

O monitoramente da entrevista ou da comunicação reservada entre o defensor e o preso, e vice-versa, sacrifica, de uma só vez, direitos, garantias e prerrogativas. O sacrifício substancial desses predicados que o Estado pretende impor, em prol de um "combate" a "criminalidade organizada", desequilibra o sistema jurídico processual penal e torna-o antidemocrático.

O Desrespeito à democracia processual penal, decorrente das garantias constitucionais historicamente conquistadas pela sociedade contemporânea, afronta o princípio fundamental da dignidade humana do defendido e de seu defensor, na medida em que o primeiro é impedido de se defender plenamente, enquanto o segundo de exercer livremente constitucional profissão regulada por lei.

às prerrogativas dos advogados, doutrinariamente definidas como um conjunto de direitos para o efetivo exercício da função constitucional essencial à Justiça – e longe de ser "privilégios" –, são indispensáveis ao exercício da plenitude de defesa do defendido.

A manutenção do sigilo da comunicação pessoal e reservada do advogado com o cliente, também tem como característica essencial à preservação da integridade física de ambos e de seus familiares, posto ser comum o conteúdo dessa entrevista ensejar substancial perigo, se revelado ou tornado público.

Tanto as prerrogativas do defensor como os direitos e garantais fundamentais do defendidos cedem diante de decisão da Justiça Criminal motivada e pormenorizada, com a observação rigorosa e integral dos requisitos processuais penais de materialidade e de indícios de autoria.

O monitoramento da comunicação oral do advogado com o preso, realizado pelo agente estatal, sem fundada e pormenorizada determinação judicial, é de todo arbitrário e delituoso, requisitos próprios do Estado autoritário que não respeita a norma fundamental, resultando assim em manifesta violação de sigiloso profissional tutelado pela Constituição Cidadão e pelo Código Penal.

A investigação policial sempre dispõe de outros eficientes e legais meios ou instrumentos investigatórios para obtenção da prova (lícita) almejada. Mas, por vezes, as pressões de políticos, da sociedade, da mídia e, enfim da opinião pública, forçam os investigadores a encurtarem a longa jornada investigativa para, sem qualquer pudor, violarem as normas acima mencionas, no intuito de se apresentar resultados imediatos.

_________________

Notas

1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18.ª ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 153-154.

2 "Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL". Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 24/03/2011.

3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3.ª ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.104.

4 "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos":

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político".

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 24/03/2011.

5 Por ser a expressão "dignidade da pessoa humana" um pleonasmo, a doutrina tem utilizado somente a expressão "dignidade humana". Nesse sentido, é o entendimento de Luis Antonio Chaves de Camargo [Diretos humanos e direito penal: limites da intervenção estatal no estado democrático de direito. In "Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva" (Criminalista do Século). São Paulo: Método, 2001. p. 74].

6 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 4.ª ed. de acordo com a emenda constitucional 53, de 19.12.2007. São Paulo: Malheiros, 2007. p 36.

7 Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 1.ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 129.

8 Miranda, Jorge. A dignidade da pessoa humana e a unidade valorativa do sistema de direitos fundamentais. In "Tratado Luso-Brasileiro da dignidade humana". 2.ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 169-170.

9 Guerra filho, Willis Santiago. Dignidade humana, princípio da proporcionalidade e teoria dos direitos fundamentais. In "Tratado Luso-Brasileiro da dignidade humana". 2.ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 307.

10 PEREIRA, Cláudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais: tipo, tipicidade e bem jurídico universal. São Paulo: Quartie Latin, 2008. p. 93. O mesmo autor, nesta obra, leciona ainda sobre os bens-jurídicos supra-individuais ou universais.

11 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-07-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 17.

12 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 2.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 76, 78 e 85.

13 ARAUJO CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO; Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 78. No mesmo sentido, isto é, "de que o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado": DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1974. v. I. p. 74.

14 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 28.

15 Após o advento da Lei n.º 11.719/2008, o interrogatório passou a ser um verdadeiro meio de defesa, haja vista que o acusado é ouvido somente depois das testemunhas de acusação e defesa, bem como após conhecer todas as demais modalidade de provas encartadas nos autos. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16.ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2009. p. 511. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008. p. 326. Para ele o interrogatório do acusado encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa.

16 "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

17 Para se evitar que as teses do acusado venham colidir com àquelas eleitas pelo defensor, e vice-versa, é indispensável que ambos estejam sintonizados nas mesmas teses, daí a necessidade de o defensor revelar para o acusado toda a estratégia defensiva, bem como as teses. Exemplo: no crime de competência do Tribunal do Júri, o acusado pode defender no seu interrogatório que agiu em legítima defesa, ao passo que o defensor pode sustentar apenas a tese de homicídio privilegiado. Ou, ainda, o réu sustenta a negativa de autoria, enquanto que o advogado trabalha com a tese do homicídio simples ao defender o afastamento das qualificadoras. O defensor deve ser ético e manter o defendido bem informado acerca do andamento e conteúdo das investigações ou do processo, pois é a liberdade e patrimônio do cliente ou assistido que está em jogo.

18 Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-dez-02/oab-sp-repudia-monitoramento-conversa-entre-advogado-cliente. Acesso em 26/03/2011.

19 Há uma intensa discussão doutrinária sobre esse tema, daí a razão de tê-lo colocado entre aspas.

20 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3.ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 77.

21 CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogado. Lisboa, 1940. p. 181.

22 "Comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis".

23 TorOn, Alberto Zacharias; SzafIR, Alexandra Lebelson. Prerrogativas profissionais do advogado. Florianópolis: OAB Editora, 2006. p. 21.

24 Artigo 34 – "Constitui infração disciplinar: VII – violar, sem justa causa, sigilo profissional".

25 Artigo. 154 – "Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa".

26 MEndes, Gilmar Ferreira; COLEHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 392.

27 GONZAGA, João Bernardino. Violação de segredo profissional. São Paulo: Max Limonad, 1976. 88p.

28 SODRÉ, Rui de Azevedo. O advogado, seu estatuto e a ética profissional. 2.ª ed. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p. 303.

29 HADDOCK LOBO, Eugênio R.; Costa Netto, Francisco. Comentários ao Estatuto da OAB e às Regras da Profissão do Advogado. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978. p. 244.

30 "A inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia".

31 "Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caputdeste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada à utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes".

32 LÔbo, Paulo Luiz Netto. Comentários ao estatuto da advocacia e da OAB. 3.ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 73.

33 Disponível em: http://www.conjur.com.br/2007-abr-20/juizes_cobravam_150_mil_liminar_afirma_pf. Acesso em 31/03/2011.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

EDSON PEREIRA BELO DA SILVA:  Mestrando em Direito Processual Penal pela PUC-SP, Especialista em Direito Penal e em Direito Processual Penal,Advogado Criminal,Membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB/SP

 

Reconhecimento da união homoafetiva: STF, sociedade decente e justiça compassiva

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Atahualpa FernandezÓ

“Vagar de noche en un espeso bosque. Sólo tengo una luz para guiarme. Aparece un extraño y me dice "Amigo, deberías extinguir tu luz para encontrar el camino con más claridad." Ese extraño es un teólogo.” – DIDEROT 

         Sem a menor sombra de dúvida, a recente decisão do STF sobre o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar rompeu com uma política estabelecida que sempre legitimou, para a desgraça de muitos, o rígido e espúrio “projeto sexual do Criador” (para usar as palavras ditas em 1986 pelo então Cardeal Ratzinger) no que que refere à orientação sexual. Venceu a dignidade humana, uma moral sem Deus e a “iuris prudentia”.

Com essa decisão, o STF restituiu aos homossexuais sua condição completa de ser humano,  reconhecendo direitos e garantias que até agora lhes haviam sido negados, direitos que asseguram (de forma inviolável, autônoma e digna) a capacidade a esse coletivo humano concreto de plena e livre realização pessoal e familiar, isto é,  de pôr , no que se refere aos seus legítimos interesses, os  direitos humanos e fundamentais ao efetivo serviço da não discriminação, da liberdade como não interferência arbitrária e da igualdade material, como princípios básicos que asseguram o respeito da dignidade humana.

No que é considerado  o maior país do mundo em número de católicos nominais”, essa histórica decisão do STF erradica a humilhação e reafirma a evidência de que o princípio da dignidade da pessoa humana “requer a possibilidade de concretização de metas e projetos” em uma sociedade fraterna e decente, isto é, em uma sociedade cujas instituições não humilham às pessoas sujeitas a sua autoridade e cujos cidadãos não se humilham uns aos outros; uma sociedade que permite viver juntos sem humilhações e com dignidade (Margalit, 2010).

Na mesma medida, também deixa claro que o conceito da dignidade humana vai mais além da mera funcionalidade normativa, isto é, de que sua efetividade transcende os limites de um mero desenho político-legislativo. De que um sistema axiológico-normativo fundado na dignidade humana exige que as normas sejam interpretadas e aplicadas de um modo que não choquem com os demais valores e princípios superiores; que a prática jurídica há de servir para promover sua efetiva realização, quer dizer, de que esse é o papel que cabe ao operador do direito a partir de uma práxis social e hermenêutica comprometida com uma concepção robusta e sana da natureza humana. E, sobretudo, deixa manifesto o reconhecimento de que quando a injustiça não é oportunamente eliminada pelo legislador, corresponde ao magistrado o dever (ético e jurídico)  e a virtuosa coragem de corrigi-la – isto é, porque a justiça não é um valor abstrato senão um valor cujo alcance, precisão e sentido dependem de sua realização na unidade da vida humana, o injusto descreve, delimita, condiciona e realiza a práxis da justiça.

De fato, a percepção da injustiça plasmada nos argumentos favoráveis ao mencionado reconhecimento, somada à atitude compassiva e a capacidade dos Ministros do STF de indignar-se ante uma situação de aberrante desigualdade  e de comover-se ante o sofrimento dos afetados, parece haver sido o principal fator motivador de uma decisão que nos força a contemplar a todo e qualquer indivíduo, independentemente de suas preferências sexuais, como um ser humano com plena aptidão para sentir, reagir, amar, eleger, cooperar, dialogar…, enfim, como titular do incondicional direito de dispor de oportunidades reais para se autodeterminar como entidade livre, separada e autônoma (como cidadão), por meio de vínculos sociais relacionais igualitários e fraternos e no contexto de uma sociedade justa e decente.

Sem essa ética de justiça compassiva continuaríamos a tapar a união estável entre pessoas do mesmo sexo com o manto perverso da mais atroz e injustificada indiferença e intolerância. A razão é simples. Sem esse sentimento de compaixão não seríamos capazes de perceber a emoção desagradável que sentimos quando nos colocamos imaginativamente no lugar de outro que padece, e padecemos com ele, o compadecemos. Quem carece de compaixão – dirá com todo acerto Nancy Shermian (1999)- não pode captar o sofrimento dos outros; quem não tem capacidade de indignar-se  não pode perceber as injustiças.

Os pensadores da Ilustração, desde Adam Smith até Jeremy Bentham, situaram a compaixão no centro de suas preocupações. David Hume pensava que a compaixão é a emoção moral fundamental (junto ao amor por si mesmo). Charles Darwin considerava a compaixão a mais nobre de nossas virtudes. Oposto a todo tipo de discriminação, introduziu sua idéia do círculo em expansão  da compaixão  para explicar o progresso moral da humanidade. Os homens mais primitivos somente se compadeciam de seus amigos e parentes; logo este sentimento se iria estendendo a outros grupos, nações, raças e espécies. Darwin pensava que o círculo da compaixão seguirá estendendo-se até que chegue a sua lógica conclusão, quer dizer, até que abarque a todas as criaturas capazes de sofrer.

Na ausência desse sentimento de compaixão nos perdemos na indiferença, na apatia com relação ao outro, cuja essência reside precisamente no fato de que carrega consigo a completa perda de interesse no que sucede com nossos congêneres. Nada nos preocupa nem nos importa. E uma consequência natural disso é que nossa disposição a estar atentos se debilita e nossa vitalidade ou sensibilidade moral se atenua. Em suas manifestações mais habituais e características, o conformismo apático implica uma redução da agudeza e constância de atenção ao que realmente importa. Nossa consciência moral perde a capacidade de perceber injustiças, convertendo-se em algo cada vez mais homogêneo. E à medida que se expande e se apodera de nós, a indiferença faz com que nossa consciência ou compromisso ético experimente uma diminuição progressiva de sua capacidade de perceber os fatos importantes. Dito de modo mais simples: ter interesse por alguém, por seu sofrimento ou desgraça, significa tomar em consideração  seus interesses como razões prioritárias para atuar ao serviço dos mesmos.

Daí que a história recente indica bem que a condição humana, e seus atributos ligados à possessão de valores, deve ser definida em termos antropológicos e não meramente políticos nem religiosos. O processo de expansão do “círculo moral” (Singer, 1981) passa por devolver a todos os seres humanos sua condição de plena cidadania. Escravos primeiro, pobres sem terras mais tarde, mulheres juridicamente incapazes em seguida e homossexuais por último começam a ganhar carta de natureza e dignidade humana. É este sentimento de compaixão expandido o que, de uma forma ampla, recebe o nome de “sentimento de humanidade”.

O conhecimento, sem dúvida, facilita a empatia (cognitiva, emocional e compassiva). Como dizia Francis Crick, os únicos autores que duvidam da dor dos cachorros são os que não têm cachorro. E em que pese o fato de que os defensores do “projeto sexual do Criador” sempre repetem os mesmos argumentos a favor da discriminação  e da intolerância (que, tomados com a devida seriedade e dimensão argumentativa, justificam em última instância a desgraça e o sofrimento de determinados seres humanos), muitos brasileiros não duvidam da dor dos cachorros nem da injustiça que durante muito tempo padeceram os homossexuais – a quem, diga-se de passagem, os mais devotos amam odiar.

Ao estabelecer que a união estável entre pessoas do mesmo sexo deve formar parte da comunidade político-institucional, que se deve reconhecer aos homossexuais direitos legais, análogos aos direitos dos “demais cidadãos”, que têm valor intrínseco, a decisão do STF reafirma a crença de que o princípio da dignidade humana dispõe de um caráter de verdade evidente e material. Dito de outro modo, de que não  somente a intolerância é indefensável, senão que os bons argumentos articulados pelos Ministros do STF (e todos os bons argumentos apontam ao triunfo de um sentimento de justiça compassiva) põe fim a tentativa de impor a determinados cidadãos as proibições opressivas que dimanam dos valores alheios, ferinamente coloridos com a idéia de que determinadas condutas constituem crime “carnis contra naturam” (como diria Kant) e/ou com a promessa, moralmente repugnante, de resignada aceitação da miséria humana e salvação eterna.

Um tipo de decisão tecida a partir da necessidade de (a) reconhecimento recíproco daqueles que se sabem e se sentem dignos e ao mesmo tempo vulneráveis, conjuntamente construtores de um mundo que também deve estar a seu serviço, e, em igual medida, de (b) recordar que as normas da moral a que chamamos civilizada proíbem discriminar todo e qualquer tipo de sana orientação sexual em detrimento de outras, de promover a tolerância e assegurar a plena legitimidade de valores e crenças diferentes.

Ignorar essa realidade nos deixa a mercê dos parasitas exploradores travestidos das mais diversas pelagens teológicas, dedicados a alimentar a incompreensão, o fanatismo, a indiferença e a intromissão arbitrária (e tirânica) na autonomia e liberdade individual. 

 


 REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ATAHUALPA FERNANDEZProfessor Colaborador Honorífico (Livre Docente) e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha. Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB; Membro do Ministério Público da União /MPT. 

O reexame necessário e a atuação do tribunal

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João Celso Neto

1. A legislação

Dispõe o Código de Processo Civil, em seu artigo 475, na redação dada pela Lei nº 10.352, de 2001:

"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI)."

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente."

Notem-se, desde já, os aspectos que parecem mais relevantes:

a)"não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal" (caput);

b)o juiz deve ordenar, em sua sentença, a remessa dos autos ao tribunal; se não o fizer, presidente da Corte deverá avocá-los;

c)não exigem o reexame necessário (mesmo porque expressamente dispensado pela própria Lei nº 10.259/2001, art. 13) as questões ajuizadas perante os Juizados Especiais Federais;

d)também está dispensada de reexame pelo respectivo tribunal a sentença "fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente".

E isso pode, em casos específicos, exigir a reanálise por Corte Superior, sempre que a ação já tiver início em um Tribunal, ratione materiæ, por exemplo.

Tem-se, portanto, o requisito da confirmação, mas nada parece impedir que, ao reanalisar os autos, a Corte ad quem conclua que a Sentença reexaminada mereça reparos. E o que vai prevalecer é essa "revisão", que pode aperfeiçoar a decisão inicial ou, no extremo, anulá-la, dizendo ser improcedente o pedido.

2. A doutrina

A respeito desse dispositivo, diz Nélson Nery Junior, em sua conceituada obra Código de Processo Civil Comentado (ed. Revista dos Tribunais):

1. Natureza jurídica. Trata-se de condição de eficácias da sentença, que embora existente e válida, somente produzirá efeitos depois de confirmada pelo tribunal. Não é recurso por lhe faltar: tipicidade, voluntariedade, tempestividade, dialeticidade, legitimidade, interesse em recorrer e preparo, características próprias dos recursos. Enquanto não reexaminada a sentença pelo tribunal, não haverá trânsito em julgado e, consequentemente, será ela ineficaz.

2. Fundamento. Dá-se, aqui, manifestação do princípio inquisitório, ficando o tribunal autorizado a examinar integralmente a sentença, podendo modificá-la total ou parcialmente. Na remessa necessária não há efeito devolutivo, que é manifestação do princípio dispositivo, mas sim efeito translativo pleno. (…)

3. Reformatio in pejus. Não há falar-se em reformatio in pejus no reexame obrigatório. A proibição da reforma para pior é conseqüência direta do princípio dispositivo, aplicável aos recursos: se o recorrido dispôs de seu direito de impugnar a sentença, não pode receber benefício do tribunal em detrimento do recorrente. Isto não acontece na remessa necessária, que não é recurso nem é informada pelo princípio dispositivo, mas pelo inquisitório, onde ressalta a incidência do interesse público do reexame integral da sentença. È o que se denomina de feito translativo, a que se sujeitam as questões de ordem pública e a remessa necessária. O agravamento da situação da fazenda pública pelo tribunal não e reforma pra pior, mas conseqüência natural do reexame integral da sentença, sendo portanto, possível.

II. 5.Contra União, estados e municípios. A sentença desfavorável às pessoas jurídicas de direito público, União, estados e municípios é que se sujeitam ao reexame necessário. Não se aplica o reexame às sentenças proferidas em desfavor das entidades da administração indireta (autarquias, empresas públicas e sociedade de economia mista).

(quanto a esse último comentário, era talvez cabível na redação antiga – o disposto era o inciso II, sendo o inciso I referente à sentença que anulasse casamento civil – tendo perdido o sentido com a redação de 2001).

Sérgio Bermudes, igualmente respeitado doutrinador brasileiro, em Introdução ao Processo Civil (ed.. Forense), pontifica:

O art. 475 do Código de Processo Civil condiciona a eficácia (…), da sentença proferida contra a União, o Estado e o Município (…) à sua confirmação pelo tribunal. Disposições idênticas encontram-se em Elis extravagantes (v.g. art. 19 da Lei nº 4.717, de 29.06.1965, que remete ao tribunal a sentença de carência, ou improcedência na ação popular; art. 12, parág. único, da Lei nº 1.533, de 31.12.1951, que envia ao tribunal a sentença concessiva de manifestação de segurança). Na doutrina e jurisprudência do atual Código de Processo Civil, essa figura ficou conhecida como reexame necessário. Na tradição processual luso-brasileira, denomina-se recurso de oficio ou apelação necessária ou ex-officio, aparecendo os dois últimos nomes no Art. 82 do Código de Processo Civil de 2939. Controvertida a natureza jurídica do instituto, vejo-o como recurso, interposto pelo Estado, através do juiz, agente seu, para se prevenir contra a inércia dos seus representantes, em casos especiais, reputados pelo direito de transcendental relevância. Quando a ei determinar o reexame necessário, o juiz ordenará, ele próprio, na sentença, a remessa dos autos ao tribunal, haja o não recurso voluntário da parte sucumbente, não excluído pela medida (art. 475, parág. único). Enquanto não for confirmada. Pelo tribunal, a sentença (ainda que a lei admita a sua execução provisória, como no caso do mandado de segurança – art. 12, parág. único, 2ª parte da Lei nº 1.535/51) não produzirá afeito, na imprópria terminologia do caput do art. 475, onde se quis aludir à sua eficácia plena.

Por sua vez, Humberto Theodoro Júnior, em seu livro Código de Processo Civil Anotado (ed. Forense), traz a respeito alguns "Breves Comentários":

Antes do reexame, ou seja, senão depois de confirmada, a sentença não poderá ser executada.

(…)

A remessa ex officio cabe em qualquer tipo e processo ou procedimento, desde que ocorra sentença definitiva contra a Fazenda Pública. Assim, pois, no processo de conhecimento, de execução ou cautelar, em embargos à execução ou de terceiros, em ação de usucapião, em liquidação de sentença, etc.,

trazendo, ainda, o teor da Súmula nº 423 do Supremo Tribunal Federal (DJ de 06.07.1964, DJ de 07.07.1964 e DJ de 08.07.1964), verbis:

Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso "ex officio", que se considera interposto "ex lege".

Em seu Curso de Direito Processual Civil (ed. Forense), o mesmo Theodoro Júnior, ao tratar do duplo grau de jurisdição, no capítulo relativo aos limites da coisa julgada, leciona:

Segundo o art. 475, só após a confirmação pelo tribunal é que produzem efeito as sentenças (…) II(*) proferidas contra a União, o Estado e o Município (…).

Em tais casos, cumpre ao juiz determinar a subida dos autos so tribunal, independentemente da interposição de recurso pelas partes. Se não o fizer, o presidente do Tribunal poderá avocá-los (…).

Naturalmente, a coisa julgada não corre senão a partir da confirmação da sentença pelo tribunal, com esgotamento da possibilidade de recursos voluntários pelas partes.

(…)

Quanto ao conteúdo do julgamento que o Tribunal deve pronunciar-se, por força do reexame ex officio, há de lembrar-se que quando o duplo grau opera como um remédio processual de tutela dos interesses de uma das partes, como é o caso da Fazenda Pública, não pode a reapreciação das instância superior conduzir a um agravament5 da situação do Poder Público, sob pena de cometer-se um intolerável reformatio in pejus.

(*) outra vez, a referência é ao antigo texto, alterado em 2001 Aquilo que era um "poderá" virou um "deverá".

Em nota de rodapé, Theodoro Junior, in: Curso de Direito Processual Civil, faz referência ao jurisconsulto Miguel Seabra Fagundes (Dos recurso ordinários em matéria civil) e à jurisprudência do antigo Tribunal Federal de Recursos no Mandado de Segurança nº 40.330, para aduzir:

O julgamento nos casos de duplo grau de jurisdição configura ato complexo que só se torna perfeito e exeqüível após a consumação de todos os atos parciais. Por isso, a remessa ex officio do processo ao Tribunal acarreta sempre os efeitos devolutivo e suspensivo.

No capítulo relativo aos princípios gerais dos recursos, ensina aquele renomado autor:

Legitimação para recorrer

Só o vencido no todo ou em parte tem interesse para interpor recurso.

Ressalte-se que a inconformidade com a fundamentação da sentença não é, por si só, causa para recurso, se a parte saiu vencedora, isto é, não teve o pedido repelido, total ou parcialmente.

Só a sucumbência na ação é que justifica o recurso, não a diversidade dos fundamentos pelos quais foi essa mesma ação acolhida.

Com referência a este último ponto, faz alusão ao julgado do STF no Recurso Extraordinário nº 74.168, em maio de 1973:

"Só o que houver sofrido prejuízo ou gravame pode recorrer."

3. A jurisprudência

Consta do Voto do Ministro-Relator, Antônio Nader, no citado Recurso Extraordinário (decisão unânime da Segunda Turma):

Portanto, é de se reconhecer que, no caso, o recurso (…) mereceria conhecimento pelos fundamentos postulados (…); mereceria, sim, caso todos os requisitos subjetivos de sua admissibilidade estivessem configurados.

Ocorre, porém, que uma, pelo menos, de tais condições não se concretiza.

Com efeito, só quem houver sofrido um prejuízo ou gravame é que pode recorrer.

Fazê-lo não pode, por não se achar legitimado para isso, aquele que não foi prejudicado coma decisão.

4 . O quiproquó

4.1 Tem-se, potencialmente, uma situação insólita: a parte autora que não sucumbiu, não tem reconhecida sua legitimidade para interpor recurso, pois faltaria aquele pressuposto subjetivo recursal de admissibilidade, a sucumbência. Sans grief, carece ele do interesse de recorrer.

A esse respeito, Nery Junior leciona que não há interesse recursal quando o recorrido puder obter o resultado que pretende por outros meios, por exemplo, via contrarrazões à apelação interposta pela parte contrária (que ele classifica como "mais fácil").

Confiando na remessa ex officio e no reexame necessário pela Corte, o Autor vencedor na primeira instância pode manifestar-se expressamente nos autos, após a publicação da sentença prolatada, e voltar a fazê-los nas suas Contrarrazões à AC interposta pela parte sucumbente, apontando, digamos, imperfeições ou aspectos a exigirem reforma ou o aperfeiçoamento da sentença. E corre o enorme risco de não ver seus argumentos acolhidos (ou sequer analisados) porque não recorreu.

4.2  Como se vê no texto da Lei, a regra é, sempre que a União, um Estado ou um Município – e suas entidades da administração indireta (excetuadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista) – for sucumbente, a matéria sub judice ser julgada pela segunda instância, como requisito da própria eficácia daquela decisão. Parece equivocada, salvo as exceções legais, a decisão, pelo Tribunal, de não conhecer da remessa ex officio.

Segundo a melhor doutrina, é sua obrigação legal, processual, reexaminar a matéria, integralmente, para confirmar a sentença (se estiver conforme o direito abstrato aplicado ao caso concreto) ou reformá-la (naquilo que esteja em desacordo, por exemplo, com a jurisprudência). Ou, se lhe parecerem razoáveis os argumentos trazidos à colação pela parte não sucumbente, acolher os questionamentos constantes dos autos ou trazidos nas Contrarrazões a recurso interposto pela parte adversa, daquele que, conforme a farta jurisprudência, não podia recorrer. Quanta vez, nem mesmo cabe um recurso adesivo (se seu questionamento não disser respeito ao recurso interposto pela litigante contrária).

Eis a lição de Moacyr Amaral Santos (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. III, ed. Saraiva):

A possibilidade do reexame recomenda ao juiz inferior maior cuidado na elaboração da sentença e o estímulo ao aprimoramento de suas aptidões funcionais (….). O órgão de grau superior, pela sua maior experiência, se acha mais habilitado para reexaminar a causa e apreciar a sentença anterior, a qual, por sua vez, funciona como elemento de freio à nova decisão que se vier a proferir.

Por outro lado, esse reexame não leva, necessariamente, a um reformatio in pejus. O que diz a Lei é ser necessário, imprescindível (e muitas vezes inadiável) que o Tribunal reanalise os autos desde a Inicial, promovendo o reexame necessário de que trata o CPC, e conheça da remessa ex officio para, dando-lhe a exigida eficácia plena, poder apreciar, também, o que arguíra, por hipótese, a parte vencedora no primeiro grau, quem sabe, definindo, ainda na fase de conhecimento, tanto quanto possível, a questão, sem nada deixar para ser discutido na fase de cumprimento ou na liquidação, se for o caso, conforme farta e consolidada jurisprudência.

Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não proceder ao reexame necessário obriga a quem se repute não atendido (tendo-lhe sido, talvez, negada uma prestação jurisdicional requerida) interpor Embargos Declaratórios, ainda que apenas para pré-questionar e ensejar os recursos Especial e Extraordinário, quando cabíveis. No caso de Recurso Especial, tantos quantos forem necessários até que a Corte a quo haja expressamente se manifestado sobre o ponto.

A propósito, vejam-se os seguintes julgados do STJ, dos mais recentes, sobre esse aspecto (Fonte: www.stj.gov.br):

AgRg no AgRg no AgRg no AgRg no REsp nº 1.143.440 (Relator: Ministro Humberto Martins, Órgão Julgador: Segunda Turma, DJe de 17/11/2010);

REsp nº 1162434 (Relator: Ministro Humberto Martins, Órgão Julgador:

Segunda Turma, DJe de 07/05/2010);

AgRg no Ag nº 1176227 (Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Órgão Julgador: Primeira Turma, DJe de 28/04/2010);

REsp nº 1148432 (Relator: Ministro Castro Meira, Órgão Julgador: Segunda Turma, DJe de 10/03/2010); e

EDcl no REsp nº 992097 (Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima, Órgão Julgador: Quinta Turma, DJe de 18/05/2009).

Em todos eles, uniformemente, entendeu aquela Corte Superior que:

"O art. 475, I, do CPC determina que o reexame necessário devolve ao Tribunal a apreciação de toda a matéria referente à sucumbência da Fazenda Pública, não se sujeitando ao princípio do quantum devolutum quantum appelatum , de modo que viola o art. 535, II, do CPC o acórdão que, em embargos de declaração, não enfrenta ponto não apreciado na remessa oficial. Precedentes.

3. Configurada a omissão, caracterizada está a violação do art. 535 do CPC, devendo os autos retornarem a instância de origem para novo julgamento dos embargos de declaração."

"Quanto ao art. 475, I, do CPC, tido por violado, verifica-se que a Corte a quo não o analisou. Desse modo, impõe-se o não conhecimento do recurso especial por ausência de prequestionamento, entendido como o necessário e indispensável exame da questão pela decisão atacada, apto a viabilizar a pretensão recursal. Incide no caso a Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

"Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo."

Oportuno consignar que esta Corte não considera suficiente, para fins de prequestionamento, que a matéria tenha sido suscitada pelas partes, mas sim que a respeito tenha havido debate no acórdão recorrido."

"Acrescente-se que, no pertinente à alegação de que a decisão agravada teria sido omissa com relação à violação ao art. 475, I, do CPC, assiste razão à agravante. Todavia, verifica-se que a questão não foi analisada pelo Tribunal a quoe sequer foi objeto de embargos de declaração.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça encontra-se consolidada no sentido de que carece de prequestionamento o recurso especial, baseado em eventual violação de dispositivos de lei, cujo fundamento não foi analisado pelo Tribunal de origem e tampouco foi objeto de embargos de declaração, ensejando a incidência, por analogia, da Súmula 282/STF: "é inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada" – excerto do Voto condutor.

"1. O reexame necessário, previsto no art. 475, I, do CPC, devolve ao tribunal a apreciação de toda a matéria discutida na demanda que tenha contribuído para a sucumbência da Fazenda Pública.

2. "A remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado" (Súmula 325/STJ)."

Em seu Voto, um Ministro-Relator consignou:

"De fato, o reexame necessário (ou duplo grau de jurisdição obrigatório) reveste a natureza de condição de eficácia da sentença, eis que condiciona a eficácia da sentença contrária ao ente público à sua reapreciação pelo órgão de segundo grau de jurisdição ao qual está vinculado o juiz que a proferiu. Implica, portanto, que não se operará o trânsito em julgado da sentença enquanto não preenchida tal condição.

Ele é dotado de devolutividade plena, devolvendo ao tribunal a apreciação de toda a matéria que se refira à sucumbência da Fazenda Pública, ainda que não trazida em eventual recurso voluntário. (…)",

referindo-se a outra Decisão, verbis:

"(….)

2. O reexame necessário, previsto no art. 475, I, do CPC, devolve ao Tribunal a apreciação de toda a matéria que se refira à sucumbência da Fazenda Pública. É procedimento obrigatório que não se sujeita ao princípio do quantum devolutum quantum appelatum . Sob esse ângulo, é cabível a interposição de embargos de declaração para sanar eventual omissão no reexame necessário.

3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Ag 631.562/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 07.03.05)."

"4. A recusa do Tribunal a quo em examinar, em sede de remessa necessária, a questão envolvendo a condenação imposta à União referente ao índice de correção monetária, importa em violação ao art. 475, I, do CPC."

E, em outro processo e Voto, disse o Ministro-Relator:

"Como cediço, as matérias de ordem pública e as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro, devem ser objeto de análise em sede de duplo grau de jurisdição, em face do efeito translativo da remessa necessária.

A partir dessas premissas, deve o Tribunal de origem, em sede de remessa necessária e independentemente da existência de recurso voluntário, apreciar a questão envolvendo o índice da correção monetária, mormente quando esta foi explicitada na sentença, como ocorrido na hipótese dos autos."

5. Conclusões

5.1 Não sendo reexaminado o que consta dos autos, e confirmada a sentença, a decisão monocrática, de primeira instância, conquanto válida e existente, se torna ineficaz, não transitando em julgado nem podendo ser cumprida (sequer tornada líquida).

5.2  Ou seja, a remessa ex officio, por força do art. 475 do CPC, necessariamente, exige a reanálise de todo o processo e a prolação do competente acórdão (ou decisão monocrática do relator, se couber).

O que parece não ter ocorrido se a remessa obrigatória (necessária, ex officio) nem for conhecida.

5.3  Apenas estão dispensadas da remessa de ofício e, consequentemente, do reexame necessário pela Corte ad quem as sentenças em que a Fazenda \Pública saia vencida, mas:

a) a matéria encontre-se dispensada desse reexame, na forma da lei;

b) exista súmula de tribunal ou jurisprudência do Plenário do STF e a sentença esteja em consonância com essas decisões, não podendo ser invocada essa exceção, por exemplo, ante julgamentos que não estejam sumulados, ainda que com base na Lei dos Recursos Repetitivos, pelo STJ, lembrando que a decisão com Repercussão Geral, pelo STF, necessariamente, foi uma decisão do Plenário da Corte.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JOÃO CELSO NETO:  Advogado em Brasília (DF)

Relativização da coisa julgada

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* Kiyoshi Harada

Sumário: 1 Introdução. 2 Garantia constitucional. 3 Justiça x segurança jurídica. 4 Coisa julgada e decisão injusta ou nula. 5 Conclusão.

1. Introdução

A relativização da coisa julgada é o tema da moda. São vários os conceitos dados pelos doutrinadores. Porém, pode-se dizer que coisa julgada material significa imutabilidade dos efeitos da sentença que recebeu ou rejeitou a demanda, em decorrência de esgotamento de recursos eventualmente cabíveis. A LICC a define como "decisão judicial de que não caiba recurso" [01].

Na prática, a relativização corresponde à ampliação do leque das hipóteses de ação rescisória além dos limites permitidos na lei processual. A demonstração de que a coisa julgada material não é absoluta está exatamente na possibilidade da ação rescisória na esfera do direito civil e na possibilidade de revisão criminal na esfera penal. Mas, ela não é absoluta apenas nesses dois aspectos.

Ouço falar em congressos e simpósios de direito em relativização da "coisa delgada" em alusão a um dos Ministros mais cultos e inteligentes que marcou passagem no Superior Tribunal de Justiça, o qual, havia passado por cima da "autoritas rei judicate" em um caso de expropriatória indireta em que o Estado-membro havia incorporado ao seu patrimônio um imóvel que já era de seu domínio.

2.  Garantia constitucional

A coisa julgada material constitui uma garantia fundamental (art. 5º, XXXVI, da CF), protegida em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF) sendo elemento estrutural do princípio de acesso ao Judiciário para efetivação do direito (art. 5º, XXXV, da CF) que, por sua vez, é inerente ao Estado Democrático de Direito, nos termos proclamados no art. 1º da Constituição Federal.

Logo, somente mediante alteração constitucional, por meio de uma Assembléia Nacional Constituinte (original) é que a coisa julgada pode ser relativizada. Exemplo disso é o art. 17 do ADCT da Constituição de 1988, que determinou a redução imediata dos vencimentos e proventos que estivessem sendo percebidos além do teto salarial introduzido pela nova ordem constitucional, passando por cima do direito adquirido, instituto que mereceu idêntica proteção constitucional da coisa julgada.

Entretanto, aquele art. 17 tinha caráter de norma de efeito concreto, incidindo sobre remunerações excedentes aos limites fixados originariamente no inciso XI, do art. 37, da Constituição de 1988. Desaparecido aquele teto remuneratório, por força de emendas posteriores, aquele art. 17 do ADCT perdeu a sua eficácia. Como norma de efeito concreto e transitório não tinha o poder de derrogar o princípio da irredutibilidade de vencimentos previsto no art. 37, XV da Constituição, em sua redação original e muito menos de invalidar a coisa julgada, mediante interpretação ampla daquele texto excepcional. Foi o que restou decidido no RE nº 146.331-7/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 6-3-98.

3.  Justiça x segurança jurídica

Cada decisão judicial reflete a ordem jurídica então vigente, que nem sempre coincide com o ideal de justiça. Como próprio nome está a indicar o ideal é algo a ser perseguido eternamente. O ideal de justiça certamente é um valor de grande importância a ser buscado por vias legislativa e judicial. Porém, a segurança das relações jurídicas deve ser levada em conta, sob pena de desmoronamento da ordem jurídico-social gerando em caos na sociedade. Essa desordem do ordenamento jurídico, certamente, acabaria por afetar o ideal de justiça.

A realidade social é dinâmica. Mudam-se os valores, e alteram-se o conceito de justiça. Não é possível desconsiderar a coisa julgada a pretexto de que determinada decisão transitada em julgado não mais reflete a noção de justiça.

4.  Coisa julgada e decisão injusta ou nula

Quando a decisão judicial transitada em julgado é injusta, e essa injustiça decorre da inaplicação do direito positivado, deve-se lançar mão de ação rescisória em tempo hábil.

Costuma-se argumentar muito com o exemplo da ação de investigação de paternidade em que foi negada ou reconhecida a paternidade em função da prova técnica então apresentada. Posteriormente, o exame do DNA demonstrou resultado contrário àquele acolhido pela sentença. O que fazer? Continuar sendo o pai da criança contra prova incontestável do ponto-de-vista científico?

Se na época, não existia esse exame sofisticado, fato que conduziu a uma decisão fora da realidade, é até possível sustentar a contagem do prazo para a rescisória, a partir do momento em que essa prova técnica passou a ser utilizada nos meios judiciários, com fundamento em documento novo, assim entendido o laudo médico elaborado com base em nova técnica de exame.

Passar por cima da autoridade da coisa julgada, no caso, em nome da justiça seria abrir um precedente perigosíssimo para a estabilidade das relações jurídicas, porque decisões de outra natureza, também, poderiam ser ignoradas em face dos incessantes avanços tecnológicos e rápida transformação da realidade social, tornando irreais as decisões proferidas no passado. Apenas para aguçar o pensamento dos leitores suponha-se um gol duvidoso reputado válido pelo árbitro. Com o exame quase imediato das imagens gravadas, tecnologia antes indisponível, nota-se perfeitamente que havia um impedimento. Pergunta-se, anula-se o gol, ou prevalece a decisão (injusta, no caso) já tomada?

É preciso não confundir, outrossim, o efeito ex tunc da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo para sustentar a vulneração da coisa julgada material caso não seja conferido efeito prospectivo à luz do art. 27 da Lei nº 9.868/99. A decisão da Corte Suprema, sabidamente, não retroage para atingir a coisa julgada. O que se pode sustentar, com razoável fundamento científico, é que a decisão declaratória de inconstitucionalidade reabre o prazo da ação rescisória, a contar da data da publicação do acórdão que declara a inconstitucionalidade a lei ou ato normativo em que se fundou a decisão rescindenda. Na hipótese de essa declaração ter sido pronunciada em grau de recurso extraordinário, esse prazo inicial, para quem não foi parte na ação, contar-se-ia da data de publicação da Resolução do Senado Federal, que suspendeu a aplicação da lei ou ato normativo declarado inconstitucional (art. 52, X da CF).

Em outro artigo, "Repetição de indébitos de tributos declarados inconstitucionais", sustentamos que o prazo da ação de repetição de indébito não se conta a partir do pagamento do tributo (art. 168, I, do CTN), conforme atual orientação do STJ [02], mas da data da publicação do acórdão que declara a inconstitucionalidade da exação cobrada, porque a certeza de que o tributo era inconstitucional só surge com a decisão final do STF, pois toda lei nasce com presunção de constitucionalidade.

Se a Corte Suprema declara que o que foi pago não era tributo, parece óbvio que não se pode aplicar o inciso I, do art. 168, do CTN que alude à data da extinção do crédito tributário (pelo pagamento).

Contudo, quem tiver contra si decisão transitada em julgado, para propor a ação de repetição com fundamento na decisão da Corte Suprema, deverá promover prévia rescisão daquele julgado. Nada impede, evidentemente, de cumular o pedido de repetição na ação rescisória.

Outra coisa diversa, também, é a sentença fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional, isto é, por ocasião da decisão proferida já existia a proclamação de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo aplicado. Nesse caso, esse título judicial não está dotado do requisito da exigibilidade podendo ser impugnado na fase de execução. É o que dispões o art. 475-L, inciso II e § 1º, do CPC. Idêntico dispositivo há em relação à execução contra a Fazenda Pública (art. 741, II do CPC). Decisão judicial transitado em julgado, mas sem citação regular do réu é outro caso de inexigibilidade do título judicial a ser argüido na fase de execução. Nesses casos, não cabe falar em relativização da coisa julgada.

5.   Conclusão

Toda a discussão em torno da relativização de coisa julgada material está fundada na busca de plenitude da justiça que se contrapõe ao princípio da estabilidade das relações jurídicas. O princípio da segurança está previsto no art. 5º da CF e protegido por cláusula pétrea. Mas, como dizia Montesquieu a injustiça que se faz representa uma ameaça a todos.

Daí a dificuldade de opção entre justiça e segurança jurídica, deslocando o debate para o vasto campo filosófico. Cabe ao Supremo Tribunal Federal dar a última palavra considerando as garantias fundamentais expressas no corpo da Constituição.

______________

Notas

1.  § 3º, do art. 6º.

1.    Resp nº 1110578/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 21-5-2010; AgRg nº 958.908/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 24-2-2010; EResp nº 435.835/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão Min. José Delgado, DJ 4-6-2007; AgRg no Ag. nº 803.662/SP, Rel. Min. Herman Benjamim, DJ de 19-12-2007.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

KIYOSHI HARADA: Jurista. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Professor. Especialista em Direito Financeiro e Tributário pela USP.

http://www.haradaadvogados.com.br

 


IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIADecisões do STJ garantem aplicação ampla à impenhorabilidade do bem de família

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ESPECIAL: *STJ – Ter casa própria é uma conquista protegida por lei. Há pouco mais de duas décadas, a definição do chamado bem de família vem sendo examinada pelo Judiciário a partir da Lei n. 8.009/1990, que passou a resguardar o imóvel residencial próprio da entidade familiar nos processos de penhora. A ideia é proteger a família, visando defender o ambiente material em que vivem seus membros.

Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem firmado jurisprudência que pacifica o entendimento sobre situações não previstas expressamente na lei, mas que são constantes na vida dos brasileiros. Imóvel habitado por irmão do dono ou por pessoa separada, único imóvel alugado, penhorabilidade dos móveis dentro do imóvel impenhorável… Seja qual for a hipótese, o Tribunal da Cidadania aplica a lei tendo em vista os fins sociais a que ela se destina.

Sob esse enfoque, a lei do bem de família visa a preservar o devedor do constrangimento do despejo que o relegue ao desabrigo. O entendimento levou o STJ a garantir o benefício da impenhorabilidade legal a pequenos empreendimentos nitidamente familiares, cujos sócios são integrantes da família e, muitas vezes, o local de funcionamento confunde-se com a própria moradia. Foi o que decidiu, em 2005, a Primeira Turma do STJ.

Pequena empresa

Um credor tentava a penhora de um imóvel em que funcionava uma pequena empresa, mas no qual também residia o proprietário (o devedor) e sua família (REsp 621399). “A lei deve ser aplicada tendo em vista os fins sociais a que ela se destina”, ponderou em seu voto o então ministro do STJ Luiz Fux, atualmente no Supremo Tribunal Federal (STF).

O ministro observou que o uso da sede da empresa como moradia da família ficou comprovado, o que exigia do Judiciário uma posição “humanizada”. Para o ministro, expropriar aquele imóvel significaria o mesmo que alienar o bem de família.

“A impenhorabilidade da Lei n. 8.009/90, ainda que tenha como destinatárias as pessoas físicas, merece ser aplicada a certas pessoas jurídicas, às firmas individuais, às pequenas empresas com conotação familiar, por exemplo, por haver identidade de patrimônios”, concluiu o ministro.

Já no caso de um imóvel misto, cujo andar inferior era ocupado por estabelecimento comercial e garagem, enquanto a família morava no andar de cima, a Terceira Turma permitiu o desmembramento do sobrado ao julgar em 2009 o REsp 968.907, do Rio Grande do Sul. Com isso, a parte inferior foi penhorada para satisfação do credor.

“A jurisprudência desta Corte admite o desmembramento do imóvel, desde que tal providência não acarrete a descaracterização daquele e que não haja prejuízo para a área residencial”, declarou a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso.

Irmão e mãe

Diz o artigo primeiro da Lei n. 8.009/90: “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

Na maioria dos casos, a proteção legal recai sobre o imóvel onde o devedor mora com sua família. Mas há situações em que o STJ já entendeu que a proteção deve subsistir mesmo que o devedor, proprietário do imóvel, não resida no local. Em 2009, no julgamento do REsp 1.095.611, a Primeira Turma considerou impenhorável a casa onde moravam a mãe e o irmão de uma pessoa que estava sofrendo ação de execução.

“O fato de o executado não morar na residência que fora objeto da penhora não tem o condão de afastar a impenhorabilidade do imóvel”, disse na época o ministro Francisco Falcão, lembrando que a propriedade pode até mesmo estar alugada a terceiros, desde que a renda sirva para cobrir o aluguel de outra ou para manter a família.

Ocorre que o imóvel de propriedade do devedor não comportava toda a família e por isso ele morava em uma casa ao lado, que não lhe pertencia. Segundo o relator, o irmão e a mãe não podem ser excluídos à primeira vista do conceito de entidade familiar, e o fato de morarem uns ao lado dos outros demonstrava “a convivência e a interação existente entre eles”.

Família de um só

O conceito de família é um dos pontos que mais exigiram exercício de interpretação do Judiciário. A pessoa sozinha, por exemplo, pode ser considerada uma família para efeito da proteção da Lei 8.009/90? “O conceito de entidade familiar agasalha, segundo a aplicação da interpretação teleológica, a pessoa que é separada e vive sozinha”, respondeu em 1999 o ministro Gilson Dipp, ao julgar na Quinta Turma o REsp 205.170.

"A preservação da entidade familiar se mantém, ainda que o cônjuge separado judicialmente venha a residir sozinho. No caso de separação, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge uma duplicidade da entidade, composta pelos ex-cônjuges”, acrescentou o ministro Luiz Fux em 2007, no julgamento do REsp 859.937, na Primeira Turma – caso de um devedor de ICMS que estava sendo executado pela Fazenda Pública de São Paulo.

O devedor já havia sido beneficiado com a proteção da lei sobre o imóvel em que morava com a mulher, quando foi determinada a penhora de um outro imóvel do casal. Posteriormente, eles se separaram, ficando o primeiro imóvel para a mulher e o segundo (penhorado) para o ex-marido, que nele passou a residir. Como não houve prova de má-fé na atitude do casal, a penhora acabou desconstituída.

No julgamento de um caso parecido (Resp. 121.797), em 2000, na Quarta Turma, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (hoje aposentado) deixara claro que “a circunstância de já ter sido beneficiado o devedor, com a exclusão da penhora sobre bem que acabou por ficar no patrimônio do ex-cônjuge, não lhe retira o direito de invocar a proteção legal quando um novo lar é constituído”.

O STJ definiu também que o fato de o imóvel ser um bem de família tem demonstração juris tantum, ou seja, goza de presunção relativa. Por isso, cabe ao credor apresentar provas de que o imóvel não preenche os requisitos para ficar sob a proteção da lei.

Móveis e equipamentos

Uma das questões mais controvertidas na interpretação da Lei n. 8.009/90 diz respeito aos móveis e equipamentos domésticos. Segundo a lei, a impenhorabilidade compreende também “todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados”, exceto “os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”.

“Penso que não se pode dar ao dispositivo interpretação estreita e gramatical, sob pena de estar o Judiciário indo além do que foi concebido pelo legislador”, afirmou a ministra Eliana Calmon em 2008, ao relatar na Segunda Turma o REsp 1.066.463. Inovando na jurisprudência da Corte, os ministros declararam penhoráveis naquele caso aparelhos de ar-condicionado, lava-louças, som, freezer e um bar em mogno, bens que a relatora considerou “úteis, mas não indispensáveis à família".

“Entendo que os equipamentos indispensáveis à normal sobrevivência da família são impenhoráveis. Mas não é em detrimento do credor que a família continuará a usufruir de conforto e utilidade só encontrados em famílias brasileiras de boa renda, o que, em termos percentuais, é uma minoria no país”, acrescentou a ministra.

No entanto, uma série de outros julgamentos adotou interpretação mais favorável ao devedor e sua família. Em 2004, no REsp 691.729, a Segunda Turma acompanhou o voto do ministro Franciulli Netto para negar a penhora de máquina de lavar louça, forno de microondas, freezer, microcomputador e impressora.

“Os mencionados bens, consoante jurisprudência consolidada desta Corte Superior de Justiça, são impenhoráveis, uma vez que, apesar de não serem indispensáveis à moradia, são usualmente mantidos em um lar, não sendo considerados objetos de luxo ou adornos suntuosos" – disse o relator.

E o videocassete?

Ainda que usuais, uma segunda televisão ou um segundo computador não estão garantidos. Num caso de execução fiscal julgado na Primeira Turma em 2004 (REsp 533.388), o relator, ministro Teori Albino Zavascki, disse que “os bens que guarnecem a residência são impenhoráveis, excetuando-se aqueles encontrados em duplicidade, por não se tratar de utensílios necessários à manutenção básica da unidade familiar”.

Da mesma forma, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito declarou em 2001, quando atuava na Terceira Turma do STJ, que “não está sob a cobertura da Lei n. 8.009/90 um segundo equipamento, seja aparelho de televisão, seja videocassete” (REsp 326.991).

Em 1998, no julgamento do REsp 162.998, na Quarta Turma, o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira entendeu ser ilegal a penhora sobre aparelho de TV, jogo de sofá, freezer, máquina de lavar roupa e lavadora de louça – bens que, “embora dispensáveis, fazem parte da vida do homem médio”.

Mas o videocassete ficou de fora da proteção, pois, conforme precedentes lembrados pelo ministro, destinava-se a “satisfazer o gosto refinado de quem quer escolher o tempo, o título e a hora para satisfação de sua preferência cinematográfica” – um privilégio que deveria ser reservado apenas a quem paga suas contas em dia.

Com o passar dos anos, a jurisprudência evoluiu. A ministra Denise Arruda, que em 2005 integrava a Primeira Turma, considerou, ao julgar o REsp 488.820: “Os eletrodomésticos que, a despeito de não serem indispensáveis, são usualmente mantidos em um imóvel residencial, não podem ser considerados de luxo ou suntuosos para fins de penhora.” A decisão foi aplicada num caso que envolvia forno elétrico, ar-condicionado, freezer, microondas e até videocassete.

Garagem de fora

Na tarefa diária de definir como os dispositivos legais devem ser interpretados diante de cada situação real trazida a julgamento, os ministros do STJ estabeleceram limites à proteção do bem de família, sempre buscando a interpretação mais coerente com o objetivo social da lei – o que também inclui o direito do credor.

Vaga em garagem de prédio, por exemplo, não goza de proteção automática. Em 2006, na Corte Especial (EREsp 595.099), o ministro Felix Fischer deixou consignado que "o boxe de estacionamento, identificado como unidade autônoma em relação à residência do devedor, tendo, inclusive, matrícula própria no registro de imóveis, não se enquadra na hipótese prevista no artigo primeiro da Lei n. 8.009/90, sendo, portanto, penhorável”.

O STJ também admitiu, em vários julgamentos desde 1997, a penhora sobre a unidade residencial no caso de execução de cotas de condomínio relativas ao próprio imóvel, aplicando por analogia o artigo terceiro, inciso IV, da lei, que excetua da proteção a “cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar”.

Se a jurisprudência do STJ considera que uma casa alugada a terceiros também deve ser protegida quando a renda é usada na subsistência familiar, por outro lado o Tribunal deixou claro que o fato de ser propriedade única não garante a impenhorabilidade ao imóvel.

"Pode ser objeto de penhora o único bem imóvel do devedor não destinado à sua residência e nem locado com a finalidade de complementar a renda familiar”, esclareceu o ministro Aldir Passarinho Junior, recentemente aposentado, ao relatar o REsp 1.035.248 (Quarta Turma, 2009).

Proveito da família

No ano passado, a Terceira Turma acompanhou a posição da ministra Nancy Andrighi no REsp 1.005.546 e permitiu a penhora do apartamento pertencente a um casal de São Paulo, que estava desocupado. Não adiantou alegar que o imóvel passava por reformas, pois essa situação sequer ficou comprovada no processo.

“A jurisprudência do STJ a respeito do tema se firmou considerando a necessidade de utilização do imóvel em proveito da família, como, por exemplo, a locação para garantir a subsistência da entidade familiar”, disse a relatora.

Também está na jurisprudência a ideia de que o imóvel dado em garantia de empréstimo só poderá ser penhorado se a operação financeira tiver sido feita em favor da própria família. No AG 1.067.040, julgado pela Terceira Turma em 2008, Nancy Andrighi citou vários precedentes da Corte demonstrando que o instituto do bem de família existe para proteger a entidade familiar e não o direito de propriedade, razão pela qual nem os donos do imóvel podem renunciar a essa proteção – a questão é de ordem pública.

Num desses precedentes, de 2001 (REsp 302.186, Quarta Turma), o ministro Aldir Passarinho Junior registrou: “Ainda que dado em garantia de empréstimo concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel de sócio se ele constitui bem de família, porquanto a regra protetiva, de ordem pública, aliada à personalidade jurídica própria da empresa, não admite presumir que o mútuo tenha sido concedido em benefício da pessoa física.”

 

FONTE:  STJ, 01 de maio de 2011.


DANO MORALFotógrafo ganha indenização por falta de crédito em foto

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DECISÃO: *TJ-MG fotógrafo de Belo Horizonte deve ser indenizado, por danos morais, em R$4.650, pela publicação de suas fotos sem a devida autorização. A decisão é da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

P.M. conta que é fotógrafo e que a Sociedade Inteligência Coração publicou duas fotos de sua autoria, sem a sua autorização e sem mencionar o seu nome, no site e na agenda de 2007 do Colégio Santo Agostinho que é distribuída para os alunos.

A Sociedade Inteligência Coração alegou que “a agenda foi distribuída apenas aos alunos do Colégio Santo Agostinho, de forma gratuita, não havendo qualquer aproveitamento financeiro de sua parte” e que “assim que foi notificada, publicou em seu jornal interno a autoria das fotos”.

A sentença condenou a Sociedade ao pagamento de R$ 4.650 a título de danos morais e ainda determinou que fosse publicada em jornal de grande circulação de Belo Horizonte, por três vezes consecutivas, a foto publicada com o nome do autor.

Ambos recorreram da decisão de 1ª Instância e o relator do recurso, desembargador Valdez Leite Machado, manteve a sentença e ainda condenou a Sociedade Inteligência Coração ao pagamento de danos materiais, que deverão ser calculados “em liquidação de sentença por arbitramento, ocasião em que será realizada perícia para apuração dos danos”.

“Em que pese a requerida ter afirmado que a publicação não teve fins lucrativos, permanece o direito do autor de ver remunerada a publicação de suas obras fotográficas e o dever da escola de remunerá-lo pelo seu trabalho ou, ao menos, de consultá-lo acerca da possibilidade de publicação gratuita da obra”, afirmou o relator.

Os desembargadores Evangelina Castilho Duarte (revisora) e Antônio de Pádua (vogal) concordaram com o relator.   Processo nº: 5228833-06.2007.8.13.0024

 

FONTE:  TJ-MG, 29 de abril de 2011.

 


PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOSQuarta Turma rejeita multa diária em exibição de documentos na instrução processual

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DECISÃO: *STJ – Não é cabível a aplicação de multa cominatória contra a parte que deixa de cumprir ordem judicial para exibição de documentos, quando tal ordem se dá de forma incidental durante a instrução de processo de conhecimento. A conclusão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que acompanhou o voto da ministra Maria Isabel Gallotti no julgamento de recurso apresentado por uma cliente do Banco ABN Amro Real.

A cliente havia ajuizado ação de cobrança na Justiça do Rio de Janeiro, reclamando índices expurgados de caderneta de poupança. Em decisão interlocutória, o juiz determinou ao banco que apresentasse os extratos relativos ao período reclamado, sob pena de multa diária de R$ 250. O Tribunal de Justiça do Rio reformou a decisão do juiz, o que levou a autora da ação a entrar com recurso especial no STJ.

O artigo 461 do Código de Processo Civil (CPC) permite ao juiz aplicar multa diária (chamada também de multa cominatória ou astreinte) em liminar ou na sentença proferida em ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. A autora sustentou no recurso ao STJ que “a ordem incidental de exibição do documento é uma obrigação de fazer, que carece de meios coercitivos para seu efetivo cumprimento”.

O argumento não foi aceito pela Quarta Turma. A relatora observou que a exibição de documentos na fase de instrução da ação de cobrança não tem apoio no artigo 461 do CPC, mas nos artigos 355 e seguintes, os quais não preveem a multa cominatória. Segundo ela, “o descumprimento da ordem incidental de exibição de documentos poderá ter consequências desfavoráveis ao réu, reputando-se como verdadeiros os fatos que se pretendia comprovar com o documento”.

A ministra disse que “os documentos necessários para o processo de conhecimento são apenas os essenciais para a verificação da existência do direito alegado pelo autor”. Se outros extratos mais detalhados forem exigidos na fase de liquidação e execução da sentença e se o devedor não atender ordem judicial para apresentá-los – acrescentou a relatora –, poderá haver busca e apreensão ou perícia, “sem prejuízo de outras multas decorrentes da obstrução indevida do serviço judiciário”.

Para ela, o objetivo das regras do CPC sobre instrução processual “é buscar o caminho adequado para que as partes produzam provas de suas alegações, ensejando a formação da convicção do magistrado, e não assegurar, de pronto, o cumprimento antecipado ou definitivo de obrigação de direito material de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa”.

O tema é controverso no STJ, cuja Súmula 372 diz que “na ação de exibição de documentos não cabe a aplicação de multa cominatória”. Tanto na Terceira Turma quanto na própria Quarta Turma, há precedentes afirmando que a súmula se refere apenas às ações cautelares de exibição de documentos e que, portanto, seria válida a multa diária em decisões incidentais no processo de conhecimento.

Ao mesmo tempo, há uma decisão monocrática do ministro João Otávio de Noronha (Ag 1.150.821) em que ele afirma que “a aplicabilidade de multa cominatória prevista no artigo 461 no CPC é restrita às demandas que envolvem obrigação de fazer e não fazer, sendo incabível em sede de pedido incidental de exibição de documentos”.

Segundo a ministra Maria Isabel Gallotti, “se a multa cominatória não é admitida nas ações cautelares de exibição de documento (nas quais não cabe a presunção de veracidade), com maior razão ainda não deve ser permitida nas ações ordinárias, na fase de conhecimento, em que é possível a aplicação da pena de confissão de veracidade dos fatos que se pretendia provar com o documento não exibido”.

Assim, acrescentou a relatora, havendo ordem para exibição de documentos na fase instrutória do processo de conhecimento, “a consequência do descumprimento do ônus processual não será a imposição de multa cominatória reservada por lei para forçar o devedor ao cumprimento de obrigação de direito material, mas a presunção de veracidade dos fatos que a parte adversária pretendia comprovar – presunção esta que não é absoluta, devendo ser apreciada pelo juízo em face dos demais elementos de prova”.

 

FONTE:  STJ, 26 de abril de 2011.


INFORMAÇÃO EQUIVOCADA À RECEITA GERA INDENIZAÇÃOEmpresa indenizará trabalhador por informações equivocadas à Receita

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DECISÃO: *TJ-SC – A empresa Sulcargas Transportes terá que pagar R$ 7,1 mil ao caminhoneiro Eraldo Steffen Lehnkuhl, a título de indenização por danos morais e materiais. Os valores devem ser corrigidos a partir de fevereiro de 2005, e foram fixados pela 2ª Câmara de Direito Civil, na análise da apelação de sentença da comarca de Lages. Eraldo ajuizou ação depois que a empresa declarou à Receita Federal ter pago a ele o valor de R$ 8,5 mil no ano de 2004, sem jamais ter o autor trabalhado para ela. 

No cruzamento de informações, a Receita concluiu que o caminhoneiro havia sonegado imposto de renda. Assim, lançou o débito tributário, e ele foi obrigado a pagar o valor de R$ 2,1 mil para continuar a realizar fretes, já que essa atividade não é possível se houver inscrição no Cadin (Cadastro de Inadimplentes).

A Sulcargas admitiu o equívoco, que teria sido cometido pelo contador, e afirmou ter corrigido o erro com declaração retificadora para solucionar o problema. Na sentença, foi determinado o pagamento de R$ 2 mil pelos danos morais, e de R$ 2,1 mil correspondentes aos impostos pagos por Eraldo. Tanto o autor como a empresa recorreram da decisão. O relator, desembargador Luiz Carlos Freyesleben, reconheceu o pedido de ampliação dos valores feito pelo caminhoneiro.

“O transtorno causado está evidenciado e opera-se in re ipsa, pois o autor precisou justificar-se no órgão fiscal, de reconhecida rigidez, e, ainda que os fatos não se tenham tornado públicos a não ser pela boca do próprio autor, o dano moral brotou, diretamente, do ato ofensivo da ré, ao equivocar-se quanto à declaração feita à Receita Federal”, concluiu Freyesleben. (Ap. Cív. n. 2011.007380-1)

 


 

FONTE:  TJ-SC, 02 de maio de 2011.

DANO MORAL INDENIZÁVEL

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DECISÃO: *TRT-MG – Durante um mês, uma trabalhadora exerceu a função de executiva de contas, prestando serviços na área comercial de uma empresa. Depois de um desentendimento com o chefe, ela foi dispensada sem justa causa, mas, logo em seguida, foi contratada por outra empresa. Ao procurar a executiva na empresa anterior, um cliente, que ainda não sabia da sua dispensa, obteve como resposta um e-mail enviado pelo antigo chefe, no qual ele tentou denegrir a imagem da ex-empregada. Além disso, as gravações de um telefonema revelaram que o antigo chefe forneceu ao atual empregador da trabalhadora referências negativas acerca do comportamento pessoal e profissional dela, aconselhando-o a dispensá-la. Foi essa a situação examinada pela juíza substituta Thaís Macedo Martins Sarapu, em sua atuação na 22ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.  

Após o episódio ocorrido com o cliente, a executiva comentou o fato com o seu atual empregador. Então, este lhe revelou que o antigo chefe havia ligado duas vezes. Uma dessas ligações foi gravada e colocada em viva-voz para que a executiva e demais empregados que estavam presentes pudessem escutá-la. Na gravação, o antigo chefe afirma que a ex-empregada era garota de programa e que a tinha visto entrar em motel com o seu cliente. Além disso, o ex-chefe declarou que a reclamante desenvolvia atividades paralelas, ou seja, passava horas durante a jornada conversando no MSN sobre assuntos particulares. Em defesa, a reclamada se limitou a dizer que as gravações em CD juntadas ao processo não podem ser consideradas como meio de prova, pois foram realizadas sem a autorização de um dos interlocutores. Porém, a julgadora considerou que a gravação telefônica registrada no CD é meio de prova apto à formação do seu convencimento, além de ser relevante para o deslinde do caso.  

Para a magistrada, é inquestionável o fato de que as declarações do ex-chefe tiveram repercussões negativas na vida pessoal e profissional da ex-empregada. Ora, ainda que tais informações fossem verdadeiras, não pode o empregador repassá-las a um cliente da empresa, pois se trata de fato relacionado ao contrato de trabalho que não deve chegar ao conhecimento de terceiros dessa forma. Tal atitude inquestionavelmente denigre a imagem do antigo empregado, comprometendo a sua confiabilidade profissional, ponderou a julgadora. Quanto às alegadas atividades paralelas desenvolvidas pela reclamante, a juíza ressaltou que o fato de um empregado permanecer parte de sua jornada em conversas particulares no MSN pode justificar a rescisão do contrato de trabalho, até mesmo por justa causa, mas não justifica de forma alguma que o empregador denigra a imagem do empregado perante clientes, do novo empregador, ou de quem for, tecendo comentários pejorativos acerca de sua conduta profissional.

Ao finalizar, a julgadora reiterou que a conduta do ex-chefe é totalmente reprovável e ilegal, pois ao fazer acusações a respeito do comportamento profissional e pessoal da trabalhadora a um cliente e ao seu novo empregador, ele expôs a imagem e a honra da reclamante, trazendo riscos de perda do novo emprego. E mesmo que o atual empregador não tenha pensado em dispensá-la por esse motivo, isso não afasta a ilegalidade do ato, pois o que importa é o risco que existiu a partir do comportamento do preposto da empresa. Por esses fundamentos, a juíza sentenciante condenou a ex-empregadora da reclamante ao pagamento de uma indenização por danos morais, fixada em R$20.400,00. O TRT-MG confirmou a sentença, apenas modificando o valor da indenização para R$5.000,00. (0000078-70.2010.5.03.0022 RO) 

 

FONTE:  TRT-MG, 02 de maio de 2011.