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Câmara Cascudo, potiguar e brasileiro

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* João Baptista Herkenhoff

 Num caderno de anotações, encontro um registro datado de 28 de fevereiro de 1999. Nesse dia, em Guarapari, li uma entrevista do Ministro José Augusto Delgado, publicada na revista “In Verbis”, órgão do Instituto dos Magistrados do Brasil.

 Este número a que me refiro é de novembro de 1998.

 Ao ler a entrevista de José Augusto Delgado fiquei feliz de verificar que a toga não o descomprometeu dos deveres da cidadania. Delgado alertava, nessa entrevista, para o perigo das privatizações de empresas públicas, que então ocorriam amplamente no Brasil. E observava que o Estado estava quebrando a potencialidade de sua soberania.

 A observação de José Augusto Delgado, infelizmente, não se perdeu no tempo. A fidelidade à Pátria requer vigilância permanente.

 O pronunciamento de um magistrado de alto tribunal do país, a respeito de um tema político, também corroborava atitude que sempre assumi dentro da magistratura. O que é defeso ao juiz é a política partidária, não o posicionamento em face de assuntos de relevância pública, de interesse nacional.

 A leitura da entrevista, naquele ano de 1999, fez-me recuar vinte anos no tempo. Lembrei-me da visita que fiz a Natal, em 1979, quando lá José Augusto Delgado era Juiz Federal e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Convidou-me para ministrar um seminário na cidade. Recebeu a mim e a Teresinha, em sua casa, juntamente com sua esposa, Dona Maria José.

 Em julho de 2005, voltamos a Natal.

 De regresso a Vitória, publico em “A Gazeta” o artigo “Gestos que falam” (20/07/2005). Republico o mesmo texto no jornal “Tribuna do Norte”, de Natal (edição de 18 de novembro de 2005), com o título “Um capixaba reverencia Câmara Cascudo”.

 José Augusto Delgado é hoje Ministro Aposentado do Superior Tribunal de Justiça e professor universitário em Brasília.

 A íntegra da matéria, a que me referi acima, eu a transcrevo a seguir.

 Estive em Natal. Visitei a casa onde viveu e morreu Câmara Cascudo. Carlos Drummond de Andrade chamou-o de brasileirista, palavra que o Aurélio e o Houaiss  não registram, diversamente do termo brasilianista, consignado nos dois dicionários e aplicável, tanto a brasileiros, quanto a estrangeiros que estudam o Brasil.

 Drummond certamente viu que Cascudo merecia, singularmente, o título de brasileirista, esse Cascudo que disse “tintim-por-tintim a alma do Brasil em suas heranças mágicas, suas manifestações rituais, seu comportamento em face do mistério e da realidade comezinha.”

Esse Cascudo que, ainda segundo Drummond, “fez coisas dignas de louvor, em sua contínua investigação de um sentido, uma expressão nacional que nos caracterize e nos fundamente na espécie humana.”

A casa de Câmara Cascudo é um verdadeiro templo de brasilidade guardando relíquias que podemos chamar de sagradas, não para diminuir o sentido do “sagrado”, mas para elevar o “humano” a essa condição. Só mesmo um pesquisador que se debruçou sobre o humano com o respeito que se deve ao “sagrado”, teria reunido tantos livros, esculturas, pinturas, fotografias, moedas, fósseis, amuletos, imagens de santos, tudo a revelar a alma brasileira, na sua pujança, na sua individualidade marcante, na sua beleza poética.

Trouxe na bagagem livros do grande escritor potiguar, inclusive reedições de obras que já havia lido na juventude.

Dos livros que trouxe quero destacar “História dos nossos gestos”. O brasileirista de Drummond pesquisou os gestos brasileiros, mas muitos deles são gestos universais. O beliscão, a batida nas próprias nádegas, a mão no queixo, o estalo da língua, o beijo na mão, o dedo na boca, o abano da cabeça, o tirar o chapéu, o beijar a unha do polegar, o apertar a mão do adversário, o coçar a cabeça, a mão na cintura, os dedos em cruz, o puxar os cabelos, o dobrar o indicador em anzol dirigindo-o ao palavroso plagiador, o beijar a própria mão, não sair pela porta por onde entrou, morder os próprios dedos e tantos outros gestos foram pesquisados e analisados por Câmara Cascudo, num estudo cuidadoso, multidisciplinar, com retrospectos históricos, comparação de costumes, referências bibliográficas, enfim um trabalho científico de alguém que mergulhou com paixão na cultura popular para entender e valorizar todo o seu significado.

Falar sobre Câmara Cascudo não está fora do contexto, no Brasil de hoje. Muito pelo contrário. Câmara Cascudo realça a grandeza do povo brasileiro, capaz de vencer com sabedoria as vicissitudes. Sua obra destaca a criatividade do espírito nacional que não precisa copiar do estrangeiro modelos para a solução de seus problemas. Esse brasileirista invulgar nos faz ter orgulho de nossas origens, demonstra quanto de unidade está atrás da multiplicidade de paisagens, credos, escolhas políticas, caracteres individuais ou grupais.

Câmara Cascudo realimenta nossa esperança no Brasil.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF:  75 anos, é Professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e palestrante Brasil afora. Autor de Mulheres no banco dos réus (Forense, Rio, 2008), Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (Editora GZ, Rio, 2009) e Filosofia do Direito (Editora GZ, 2010).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br


DANOS MORAIS INDEVIDOSFim de noivado não motiva indenização

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DECISÃO:  *TJ-MG – Uma decisão da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negou o recurso de W.S.O., que queria receber indenização por danos morais pelo fato de seu noivo ter desistido do casamento pouco tempo antes da data marcada.  

W.S.O. conta que, nove dias antes da realização da cerimônia civil, marcada para 30 de novembro de 2007, recebeu uma ligação telefônica de E.N.C.C., que rompia o namoro pois, de acordo com ele, a distância havia esfriado o amor.  

Segundo o noivo, sua decisão veio do fato de que o relacionamento “já não era mais cercado de tanto amor e comprometimento”. De acordo com o processo, a documentação apresentada por ele provou que a noiva não sofreu abalos morais com a separação. Através de mensagens coletadas no site de relacionamentos Orkut, ele pôde demonstrar que ela já havia superado a situação e, inclusive, iniciado outro relacionamento com novo parceiro. Ele ainda comprovou o ressarcimento das despesas que ela teve com o casamento que não se realizou.

O juiz da 2ª Vara Cível de Caratinga, Alexandre Ferreira, julgou improcedente o pedido, condenando a noiva ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, no valor total de R$ 300. Mas, insatisfeita, W.S.O. recorreu ao TJMG.

O relator do recurso, desembargador José Flávio de Almeida, afirmou que o simples rompimento não gera, por si só, o direito de indenização por danos morais. De acordo com ele, somente em casos excepcionais – em que coexistam conduta ilícita e dano –, caracteriza-se a necessidade de reparação.

O relator explicou que o relacionamento espontâneo entre duas pessoas deve ser livre de qualquer amarra e que o simples fato de W.S.O. ter sido abandonada por seu companheiro não significa que ela deva ser indenizada. Além do mais, ficou registrado no processo o fato de que E.N.C.C. terminou o noivado de forma civilizada, sem palavras de cunho ofensivo ou depreciativo. “Pelo contrário, em suas mensagens demonstra preocupação com a apelante”, afirmou.

Assim, como não ficou caracterizada qualquer prática de ato ilícito, o provimento ao recurso foi negado, e a noiva terá de arcar com os honorários e as custas processuais.

Os desembargadores Nilo Lacerda e Alvimar de Ávila concordaram com o relator.  Processo: 1.0134.08.094873-7/001(1)


FONTE: TJ-MG, 05 de agosto de 2011.

DANOS MORAIS DEVIDOSAlimento contaminado gera indenização

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DECISÃO: *TJ-MG – Duas irmãs de Pouso Alegre, Sul de Minas, que consumiram mercadoria inapropriada devem receber, cada uma, R$ 5 mil de indenização por danos morais de um supermercado. Pelo mesmo motivo, um advogado de Belo Horizonte deve ser indenizado em R$ 4 mil pela empresa Platano Brasil Dist. Export. Ltda. As decisões são da 12ª e da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), respectivamente.  

Segundo os autos, em março de 2008, as duas irmãs, de 10 e 17 anos, compraram dois pães no supermercado. Após comerem o primeiro, decidiram cortar o segundo e encontraram vários vermes. Elas se sentiram mal por terem consumido o pão naquelas condições e precisaram ser atendidas por um médico.  

As meninas, assistidas pelo pai, ajuizaram ação contra o supermercado, que se defendeu argumentando que os fatos narrados se baseavam em fértil imaginação. “No remoto caso de os pães constantes da nota fiscal serem os mesmos que as autoras ingeriram, ainda assim, mesmo que as supostas larvas estivessem vivas, se ingeridas elas não causariam mal algum, porque seriam trituradas e sofreriam ação do ácido clorídrico no estômago, que digeriria a larva juntamente com o produto”, afirmou. A tese da defesa não foi aceita pelo juiz Paulo Duarte Lopes Angélico, da 3ª Vara Cível de Pouso Alegre, que condenou o supermercado a indenizar as menores. 

O advogado P.H.A.N. também encontrou larvas em uma barra de cereal que ele havia comprado na drogaria Araújo, em maio de 2009. Ao começar a comer, ele sentiu que o gosto estava diferente e, ao examinar o produto, viu as larvas. Ele ajuizou ação contra a drogaria e a fabricante da barrinha. A empresa contestou argumentando que os produtos que fabrica não são impróprios para consumo, pois o advogado não reclamou das outras barrinhas da caixa. A drogaria alegou que a possível falha na embalagem seria de responsabilidade da fabricante, pois o advogado reconheceu que comprou o produto lacrado e no prazo de validade. O juiz Ricardo Torres de Oliveira, da 7ª Vara Cível de Belo Horizonte, concluiu que as duas empresas deveriam ser responsabilizadas.

Recursos  

Em ambos os casos, as empresas recorreram.

A condenação do supermercado foi mantida pelos desembargadores Domingos Coelho (relator), José Flávio de Almeida e Nilo Lacerda, sob o fundamento de que o fabricante responde, independentemente de culpa, e deve indenizar por possíveis falhas na fabricação ou no acondicionamento de seus produtos.

Quanto ao caso da barrinha de cereal, os desembargadores Marcelo Rodrigues (relator) e Wanderley Paiva entenderam que a drogaria não teve responsabilidade pelo defeito do produto e a eximiram da condenação. Segundo o relator, a perícia concluiu que houve defeito na recravação da embalagem do produto, o que deu oportunidade à entrada de insetos e ao surgimento de larvas, tornando o produto impróprio para consumo, portanto a responsabilidade seria da fabricante. Já o desembargador Marcos Lincoln divergiu dos demais, afirmando que a drogaria, por colocar o produto no mercado, deve responder solidariamente por eventuais danos e pela ação proposta pelo consumidor. Porém, seu voto foi vencido.

Com relação à fabricante do produto, a turma julgadora foi unânime em manter a condenação. “O consumo de produto contaminado em razão de negligência na sua fabricação, a causar ofensa à integridade psicofísica do consumidor é causa bastante a ensejar reparação por dano moral”, afirmou o relator.  Processos: 1326262-56.2008.8.13.0525 e 6875018-65.2009.8.13.0024.


FONTE: TJ-MG, 03 de agosto de 2011.

REVISÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIAÉ possível rever valor de pensão alimentícia sem alteração das necessidades do filho

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DECISÃO: *TJ-RS – Quando fixada mediante acordo extrajudicial, é possível a revisão do valor de pensão alimentícia mesmo sem demonstrar a alteração da necessidade do menor e da possibilidade do alimentante. O entendimento é da 8ª Câmara Cível do TJRS, que decidiu aumentar de 25,31% para 33% do salário mínimo os alimentos pagos pelo pai à sua filha.

Quando o casal se separou, repartiram consensualmente a guarda dos dois filhos comuns, ficando o menino com o pai e menina (autora da ação) com a mãe. A quantia a ser paga pelo genitor a título de pensão alimentícia foi fixada em acordo assinado pelas partes perante a Defensoria Pública.

Na ação de revisão de alimentos ajuizada na Justiça de Sobradinho, a autora, representada por sua mãe, alegou que a pensão era insuficiente para suas necessidades e que o genitor tinha condições de pagar uma quantia maior. No entanto, decisão de 1º Grau negou a majoração dos alimentos, por não ter sido demonstrada alteração nas condições atuais em relação à época da fixação de alimentos.

Possibilidade de revisão

O relator do recurso ao TJ, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, ressaltou que a revisão da verba alimentar depende de prova da modificação do binômio necessidade-possibilidade. Porém, ressaltou que essa previsão se aplica somente nos casos de alimentos fixados em decisão ou sentença, em que a pretensão revisão dos alimentos esbarraria na coisa julgada formal e material.

O caso da autora, enfatizou, é diferente, uma vez que o valor da pensão alimentícia foi fixado em acordo extrajudicial: Não tendo sido, assim, submetido à homologação judicial, não há falar em coisa julgada, ponderou o magistrado. Portanto, isso possibilita que haja a revisão, na Justiça, a qualquer momento, sem necessidade de demonstrar alteração da necessidade da menor ou da situação financeira do pai. O magistrado observou que, neste caso, é analisado somente condição atual.

Fixação da verba alimentar

Adotando parecer de Procurador de Justiça Antonio Cezar Lima da Fonseca, o Desembargador Luiz Felipe destacou que o filho sob a guarda do pai está em melhores condições que a menina autora da ação. Afirmou ainda que a prova testemunhal aponta sinais exteriores de riqueza do alimentante, que não buscou comprovar seus rendimentos a fim de rebater tais alegações. Por fim, salientou o baixo valor da pensão alimentícia recebida, que foge do usual nas questões alimentares.

O magistrado concluiu por fixar os alimentos em 33% do salário mínimo. Acompanharam o voto do relator os Desembargadores Rui Portanova e Alzir Felippe Schmitz. A decisão foi publicada no Diário da Justiça de 21/7.  Apelação Cível 70042039537


FONTE: TJ-RS, 04 de agosto de 2011.

 

DOAÇÃO É REVOGADA POR INGRATIDÃORevogada doação de imóvel por ingratidão dos beneficiados

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DECISÃO: *TJRS – Por conta da ingratidão e da inexecução do encargo, a Justiça Estadual revogou a doação de imóvel, com reserva de usufruto, feita por uma idosa em favor de um casal do interior do Estado em troca de companhia e cuidados. A decisão unânime dos integrantes da 17ª Câmara Cível do TJRS confirmou a sentença proferida em 1º Grau na Comarca de Marcelino Ramos. Com a decisão, os autores da ação, uma idosa e seus filhos, conseguiram anular a escritura pública de doação.   

Caso 

Os autores ajuizaram ação anulatória contra um casal que veio a residir, na condição de usufrutuário, em área de propriedade da matriarca da família. Segundo os autores, a genitora e seu esposo possuíam três imóveis rurais, sendo que sobre um deles foi construída uma casa. Após o falecimento do cônjuge, coube à esposa, em razão de sua meação, além da moradia, partes de dois lotes.  

Por conta do falecimento do marido, a esposa e os filhos permitiram que os requeridos passassem a residir na propriedade. Com a anuência dos filhos, a idosa doou aos requeridos, com reserva de usufruto, os bens que lhe pertenciam. Nesta linha, destacaram que por determinado período os demandados dispensaram certa dedicação à doadora.

No entanto, com o passar do tempo, o comportamento deles mudou radicalmente, tendo a doadora de sair de casa para morar com os filhos, razão pela qual os autores promoveram ação de notificação e de reintegração de posse.

Segundo os autores, embora a escritura pública seja omissa nesse ponto, a doação com reserva de usufruto vitalício deu-se sob a condição e encargo de que os donatários deveriam cuidar da doadora. Suscitaram a ocorrência de ingratidão do donatário e inexecução do encargo, nos termos do artigo 555 do Código Civil. Assim, invocaram a nulidade da doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência, forte no artigo 548 do Código Civil. Pleitearam a procedência da ação, pretendendo seja revogada a doação.

Citados, os beneficiados com a doação (donatários) contestaram alegando, em suma, que respeitam a posse da autora, porém discordaram das acusações de maus tratos. Sustentaram que o pedido de revogação foi motivado por ciúmes e inveja dos filhos da doadora. Afirmaram que sempre buscaram a reconciliação, sendo que todas as tratativas restavam frustradas em decorrência da má-fé dos autores. Sustentaram que a doação com reserva de usufruto não possuía encargo algum, assim como nunca houve nenhum ato de ingratidão. Neste sentido, destacaram, ainda, a inocorrência de doação inoficiosa, prevista nos artigos 548 e 549 do Código Civil, uma vez que a doação ocorreu com a anuência de todos os herdeiros.

Sentença

Em 1ª Instância, o juiz de Direito Eduardo Marroni Gabriel julgou procedente a ação anulatória a fim de revogar a doação. O magistrado destacou que a doação somente pode ser revogada por ingratidão do donatário ou por inexecução do encargo, conforme disciplinado pelo artigo 555 do diploma civil.

Segundo o Juiz, a escritura pública caracteriza um contrato de doação pura e simples, com reserva de usufruto vitalício, sem estipulação de qualquer encargo. No entanto, o exame acurado da prova testemunhal comprova a existência do encargo, embora ajustado verbalmente como condição para a doação, consistente na incumbência dos donatários de cuidarem da doadora.

Neste contexto, a própria requerida reconheceu, em seu depoimento pessoal, a existência do encargo, no sentido de que deveria cuidar da doadora, o que, por si só, tornaria desnecessária a exigência de outras provas acerca da questão, conforme regra contida no artigo 334, inciso II, do Código de Processo Civil.

Diante desse quadro, é possível concluir que houve a inexecução do encargo, consistente na incumbência dos requeridos em cuidarem da demandante, diz a sentença. Os depoimentos trazidos aos autos permitem concluir que a doadora era maltratada pelos réus, fato confirmado pelas comunicações de ocorrência acostadas ao feito e pela necessidade de ajuizamento de ação de reintegração de posse para retomada do imóvel pela idosa.

Inconformados, os réus recorreram ao Tribunal sustentando, em preliminar, a nulidade do depoimento prestado em audiência pela ré sob o argumento de que fora tomado de forma diversa da prescrita em lei. No mérito, sustentaram estar equivocado o entendimento do Juízo de origem uma vez que na escritura pública de doação nenhum encargo foi estipulado, o que torna impossível sua revogação por inexecução do ônus.

Apelação

No entendimento da relatora, Desembargadora Elaine Harzheim Macedo, o recurso não merece ser provido. Segundo ela, a preliminar de nulidade do depoimento da ré deve ser rejeitada diante do silêncio da parte ou seu procurador quando da realização do ato. Como se tratava de audiência, caberia à parte prejudicada, a teor do parágrafo 3º do art. 523 do CPC, manifestar o seu inconformismo imediatamente, na forma oral, através do agravo retido, diz o voto. Nada disso foi feito, estando a questão abrigada pela preclusão.

Quanto ao mérito, a relatora ressaltou tratar-se, infelizmente, de mais um caso em que alguém vulnerável do ponto de vista emocional e até físico, dependente de afeto e já com idade avançada, resolve doar seu patrimônio, ou parte dele, a pessoas em quem confia, sob o compromisso de prestar-lhe atenção e cuidado. É importante destacar ser possível o reconhecimento do encargo estipulado verbalmente entre as partes e o seu descumprimento e, em decorrência, a anulação do ato jurídico. Para tanto, indispensável apenas prova inequívoca da estipulação do encargo e de seu descumprimento, diz o voto.

No caso em tela, não só a prova documental, mas principalmente a oral produzida nos autos, demonstra, de forma cristalina, que a autora efetivou doação com encargo verbal, bem como o desatendimento do ônus por parte dos destinatários, afirmou a relatora. O que se verifica é o descaso dos réus para com a doadora, conduta que caracteriza descumprimento do encargo assumido. Assim, demonstrado o descaso com que foi atendida nas suas necessidades (encargo de cuidar, acompanhar e dar atenção), outra não pode ser a solução que não reconhecer a procedência do pleito de revogação de doação e de anulação de escritura pública de doação.    

Participaram do julgamento, além do relator, os Desembargadores Luiz Renato Alves da Silva e Bernadete Coutinho Friedrich.  Apelação Cível nº 70042358457


FONTE:  TJ-RS, 14 de julho de 2011.

 

 

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIAPrincípio da insignificância justifica absolvição

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DECISÃO: *TJMT – Baseado no princípio da insignificância, o juiz titular da Comarca de Matupá (695km a norte de Cuiabá), Tiago Souza Nogueira de Abreu, absolveu um réu pelo furto de dois pedaços de picanha. Na decisão, o magistrado também considerou várias decisões prolatadas nos tribunais superiores, como Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, acerca da desnecessidade de se movimentar a máquina jurídico-penal no intuito de punir severamente, com a privação da liberdade, quem poderia apenas ser responsabilizado a indenizar os prejuízos materiais eventualmente causados (Autos nº 200-36/2010). 

Conforme denúncia ofertada pelo Ministério Público Estadual, no dia 4 de fevereiro de 2010, por volta das 14 horas, o réu, conhecido como ‘Gordinho’, furtou do Frigorífico Frialto, localizado na BR 163, Município de Matupá (695km a norte de Cuiabá) , dois pedaços de picanha, pesando aproximadamente três quilos. O produto furtado, avaliado em R$ 44, foi devolvido ao proprietário.  

Na decisão, o magistrado sustentou que os crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, e desde que não tenham significância público-social, não deveriam estar na incidência da norma penal, e sim serem albergados por outras esferas da estrutura jurídica, seja ela civil, administrativa, tributária, impondo ao subversivo a prestação de medidas alternativas à restrição da liberdade. “No caso concreto, o furto de dois pedaços de carnes, tipo picanha, não pode ensejar uma reprimenda penal, cerceadora de liberdade e de direitos ínsitos à dignidade da pessoa humana”, ressaltou o magistrado.


FONTE:  TJMT, 13 de julho de 2011.

ATRASO DE SALÁRIO GERA DANO MORALBoia-fria ganha R$ 10 mil por danos morais provenientes de atrasos no salário

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DECISÃO: *TST – Um boia-fria, contratado pela Usina Central do Paraná S.A, ganhou na Justiça do Trabalho o direito a uma indenização de R$ 10 mil pelos danos morais decorrentes de constantes atrasos no pagamento de salários. A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que o dano ao trabalhador, nesses casos, é presumido, na medida em que, tendo como único meio de subsistência o salário, que não lhe foi pago no momento próprio, certamente não possuía recurso para saldar dívidas e compromissos financeiros assumidos em face da necessidade de sobreviver.  

O trabalhador rural foi contratado em junho de 1991 para o corte e plantio da cana de açúcar. Ainda na constância do contrato de trabalho, ajuizou reclamação trabalhista pleiteando, dentre outros, indenização por danos morais decorrentes dos atrasos costumeiros no salário. Disse que ficou impedido de saldar compromissos financeiros, como o pagamento de água e luz, supermercado e farmácia, pois seu salário não era pago na data devida. Em alguns meses, segundo a petição inicial, o atraso superou 45 dias.  

Ele contou, ainda, que ficou conhecido na região como mau pagador, e virou motivo de chacota e de cobranças vexatórias por parte de seus credores. Para conseguir sobreviver e manter sua família, foi obrigado a pedir o auxílio de parentes e amigos. Pelos danos morais, pediu R$ 20 mil de indenização. A empresa, em contestação, alegou a falta de prova dos danos alegados.

A sentença não foi favorável ao trabalhador. Segundo o juiz, não houve prova da “efetiva repercussão negativa na vida do autor” proporcionada pelos atrasos de pagamento de salários. Insatisfeito, o rurícola recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR). Para o colegiado regional, houve, sim, o dano moral. “A retenção injusta e ilegítima dos salários de forma reiterada proporcionou ao empregador, à custa de humilde trabalhador, enriquecimento sem causa, pois enquanto para o trabalhador o salário é meio de subsistência, para o empregador é fonte de aplicação financeira e ganho de renda até que o converta a seus empregados”, concluiu o Regional. A indenização foi fixada em R$ 10 mil.

A Usina Central recorreu ao TST, sem sucesso. O ministro Horácio de Senna Pires, relator, ao proferir seu voto, destacou que o TRT, ao julgar pela existência de dano moral, valeu-se de uma presunção geral plenamente aceitável. Para ele, um trabalhador que, ao final do mês, não tem dinheiro para saldar seus compromissos, para comprar seus alimentos, especialmente nos meses mais cruciais do ano, que são dezembro e janeiro, certamente sofre com isso. Segundo o ministro, ficou caracterizada a culpa e o nexo de causalidade entre o dano e a atitude do empregador de atrasar o salário, gerando o dever de indenizar.  Processo: RR-22900-85.2008.5.09.0562


FONTE:  STJ, 15 de julho de 2011.

 

ABUSOS SEXUAIS E SEGREGAÇÃO SOCIAL GERAM INDENIZAÇÃOMulher receberá indenização do ex-marido por abusos sexuais desde a infância e segregação social

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DECISÃO: *TJ-RS – A 8ª Câmara Cível do TJRS reconheceu nesta quinta-feira (14/7) o direito de uma mulher, que cresceu sendo submetida a abusos sexuais, de receber indenização correspondente a 300 salários mínimos nacionais. Ela casou com o agressor em 2005, aos 25 anos de idade e ele, com mais de 70 anos.  O homem deverá pagar alimentos correspondentes a 40% dos seus ganhos líquidos.

A Corte gaúcha manteve a sentença que também decretou o divórcio do casal. O cidadão, ex-militar reformado e hoje com 77 anos, recebeu a menina da sua mãe em troca do fornecimento de gêneros alimentícios quando ela tinha seis anos. Aos oito, passou a obrigar a criança a satisfazê-lo sexualmente e a agredi-la fisicamente. Mantinha a relação em segredo perante a sociedade, tratando-a como filha.

Para o relator, Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, ficou provado que a autora da ação permaneceu 12 anos dentro do pátio ou da casa, nunca saindo para a rua porque o réu não deixava – podia sair da casa, mas não do pátio. Observa o julgador que o muro do terreno é alto e, quando o cidadão saía, a deixava chaveada dentro de casa.

Após notícia dos abusos, em 2006, o Ministério Público ajuizou ação para que a jovem fosse submetida à avaliação psiquiátrica. O magistrado cita ainda relatório médico que descreve a dificuldade da autora da ação em denunciar a situação: não consegue denunciá-lo em uma delegacia de polícia pois sente-se paralisada pelo medo e traumas vivenciados soma-se a isto o fato de apresentar limitação intelectual para efetivar uma denúncia criminal.

O laudo médico registra a necessidade de apoio para a mulher recomeçar a vida que lhe foi roubada quando entregue nas mãos do agressor.

Visita domiciliar do Programa de Atenção Integral à Família relatou, em agosto de 2006, que não foi possível a entrada na casa (…) de alvenaria, com muro, grades com arame farpado, e portões fechados com correntes e cadeados.

Continua o relatório: residência com pátio e cachorro na corrente (….) a jovem atendeu a equipe, no portão, passando para o lado de dentro da casa, demonstrando medo, desconfiança, resistência em dialogar e referindo que não precisa de ajuda. Durante a entrevista, a mesma permaneceu na calçada em frente à moradia, atendendo por uma pequena janela. A equipe percebeu que a jovem apresenta dificuldades na área da saúde mental, além do quadro de eplepsia (…). Foi possível perceber também que se mantém fechada (…) sob determinação do marido.

Quanto ao valor da condenação, observou o Desembargador Luiz Felipe, a intensidade do dano e sequelas emocionais, justificam a quantia, que, no entanto, são insuficientes para recompor as lesões psíquicas ou reparar os traumas e sofrimento vivido pela autora desde criança.

Os Desembargadores Alzir Felippe Schmitz e Ricardo Moreira Lins Pastl acompanharam o voto do relator. AC 70042267179


FONTE:  TJ-RS, 14 de julho de 2011.

 

PENSÃO ALIMENTÍCIA PRESTADA PELOS AVÓSPara o STJ, trata-se de uma obrigação subsidiária, não solidária

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ESPECIAL: *STJ –  Rompimento legal  e definitivo do  vínculo de  casamento civil,  o  divórcio é matéria comum nos dias de hoje. De acordo com o estudo Síntese de Indicadores Sociais 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de separação, entre 2004e 2008, manteve-se estável em 0,8%. Já a taxa de divórcio passou de 1,15%, em 2004, para 1,52%, com aumento mais significativo a partir de 2004.

Isso apenas para citar dados relativos aos casamentos dissolvidos. A discussão abrange a separação das famílias como um todo, seja de um casamento civil, seja de uma ruptura de uma união de fato, seja de um relacionamento que não durou, mas deixou frutos. E são esse frutos que levantam um outro debate:: como fica a situação financeira dos filhos?

A atenção ao assunto começa na própria Constituição Federal que, no artigo 229, ao tratar do dever de prestar pensão alimentícia, dispõe: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

A Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/1977) também trata do tema na Seção IV, em seu artigo 20: “para manutenção dos filhos, os cônjuges, separados judicialmente, contribuirão na proporção de seus recursos”.

Mas… e quando os pais não conseguem arcar com a pensão imposta pela Justiça? No resguardo deste direito, existe a figura da pensão avoenga, ou seja, aquela que será prestada pelos avós do menor, quer em substituição, quer em complementação à pensão paga pelo pai. Dessa forma, caso o pai não pague, ou pague pouco, os avós serão acionados para cumprirem tal obrigação (artigos 1.696 e 1.698, ambos do Código Civil de 2002).

Nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem decidindo que não basta que o pai ou a mãe deixem de prestar alimentos. É necessário que se comprove a impossibilidade da prestação, uma vez que a obrigação dos avós é subsidiária e não solidária.

Isso porque a lei não atribuiu ao credor dos alimentos a faculdade de escolher a quem pedir a pensão, uma vez que o devedor principal é sempre o pai ou a mãe e somente na hipótese de ausência de condições destes é que surge a obrigação dos demais ascendentes.

“A responsabilidade dos avós não é apenas sucessiva em relação à responsabilidade dos progenitores, mas também é complementar para o caso em que os pais não se encontrem em condições de arcar com a totalidade da pensão, ostentando os avós, de seu turno, possibilidades financeiras para tanto”, afirmou o então ministro Barros Monteiro, no julgamento do Recurso Especial 70.740.

No caso, o menor, representado por sua mãe, propôs ação de alimentos contra os avós paternos, visando à complementação da pensão alimentícia que vinha sendo paga pelo pai. Em primeira instância, os avós foram condenados ao pagamento dos alimentos fixados em dois terços do salário mínimo.

Os avós apelaram, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença. Inconformados, recorreram ao STJ sustentando que, vivo, o pai e contribuindo mensalmente para a manutenção do menor, somente em falta dele é que o neto poderia reclamar alimentos aos avós. Para o ministro Barros Monteiro, o fato de o genitor já vir prestando alimentos ao filho não impede que este possa reclamá-los dos avós paternos, desde que demonstrada a insuficiência do que recebe.

No julgamento de um recurso especial, a Quarta Turma do Tribunal manteve decisão que condenou os avós paternos de duas menores ao pagamento de pensão alimentícia. O ministro relator do recurso, Ruy Rosado de Aguiar, entendeu que, no caso, se o pai das menores é sustentado por seus pais, e não havendo como receber dele o cumprimento da obrigação, o dever se transfere aos avós, como reconhecido pela decisão do Tribunal de Justiça estadual.

“Se o pai deixa durante anos de cumprir adequadamente a sua obrigação alimentar, sem emprego fixo, porque vive sustentando pelos seus pais, ora réus, mantendo alto padrão de vida, estende-se aos avós a obrigação de garantir aos netos o mesmo padrão de vida que proporcionam ao filho”, assinalou o ministro.

Pai falecido

Em caso de falecimento do genitor do menor, o STJ aplica o mesmo entendimento. O ministro Fernando Gonçalves, hoje aposentado, ao julgar um recurso especial, manteve decisão que condenou avô paterno à prestação de alimentos à sua neta, em virtude do falecimento do pai da menor, que não deixou recursos para a família, nem mesmo benefício previdenciário. O ministro somente reduziu o valor estabelecido inicialmente.

No caso, a menor, representada por sua mãe, ajuizou ação de alimentos contra o avô paterno, devido ao falecimento do pai em acidente automobilístico. A ação foi julgada procedente com fixação, em definitivo, dos alimentos em valor equivalente a três salários mínimos.

Houve apelação, mas o Tribunal de Justiça da Paraíba manteve a decisão de primeiro grau. No STJ, o avô paterno alegou a ausência de necessidade da neta, que conta com o apoio dos parentes de sua mãe, mas, também, sustentou a sua incapacidade econômica.

Em seu voto, o ministro Gonçalves destacou que o entendimento é de que o dever de prestar alimentos é deferido legalmente aos pais e, apenas subsidiariamente, aos avós. “Ao avô foi imposta a prestação de alimentos à sua neta, em virtude do falecimento do vero responsável, pai da menor que, por sinal, conforme noticiam as razões do recurso especial, por vários anos, esteve sob a responsabilidade e o sustento de seus ascendentes pelo lado materno”, assinalou o ministro.

Citação dos avós maternos

De acordo com o artigo 1.698 do novo Código Civil, demandada uma das pessoas obrigadas a prestar alimentos, poderão as demais ser chamadas a integrar o feito. Com esse entendimento, a Quarta Turma do STJ atendeu o pedido de um casal de avós, obrigados ao pagamento de pensão alimentícia complementar, para que os demais obrigados ao pagamento das prestações alimentícias fossem chamados ao processo.

No caso, os três menores, representados pela mãe, propuseram ação de alimentos contra seus avós paternos, alegando que o pai (filho dos réus) não estaria cumprindo a obrigação que lhe fora imposta, qual seja, o pagamento de pensão alimentícia mensal, no equivalente a 15 salários mínimos. Em razão desse fato, os netos pediram que seus avós complementassem a prestação alimentícia.

A juíza de primeiro grau, ao não acolher o pedido, esclareceu que a mera inadimplência ou atraso no cumprimento da obrigação por parte do alimentante não poderia, por si só, ocasionar a convocação dos avós para a satisfação do dever de alimentar.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao acolher o apelo dos netos, concluiu que aos avós paternos cabe complementar a pensão alimentícia paga pelo seu filho diante da ausência de cumprimento da obrigação alimentar assumida pelos pais das crianças. Inconformados, os avós paternos recorreram ao STJ.

Em seu voto, o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, já aposentado, lembrou que não desconhece que a jurisprudência anterior do STJ orientava-se no sentido da não obrigatoriedade de figurarem em conjunto na ação de alimentos complementares os avós paternos e maternos. “No entanto”, afirmou o ministro, “com o advento do novo Código Civil, este entendimento restou superado, diante do que estabelece a redação do artigo 1.698 do referido diploma, no sentido de que, demandada uma das pessoas obrigadas a prestar alimento, poderão as demais ser chamadas a integrar o feito”.

No julgamento de outro recurso especial, a Quarta Turma também determinou a citação dos avós maternos, por se tratar de hipótese de litisconsórcio obrigatório simples. No caso, tratava-se de uma ação revisional de alimentos proposta por menor, representada por sua mãe, contra o pai e o avô paterno.

Na contestação, em preliminar, os réus levantaram a necessidade de citação também dos avós maternos, sob o entendimento de que devem participar como litisconsórcio necessário. Mas ela foi rejeitada. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve o entendimento.

No STJ, os ministros consideraram mais acertado que a obrigação subsidiária – em caso de inadimplemento da principal – deve ser diluída entre os avós paternos e maternos na medida de seus recursos, diante da divisibilidade e possibilidade de fracionamento.

“Isso se justifica, pois a necessidade alimentar não deve ser pautada por quem paga, mas sim por quem recebe, representando para o alimentado, maior provisionamento tantos quantos réus houver no polo passivo da demanda”, afirmaram. 


FONTE:  STJ, 10 de julho de 2011.

PRISÃO CAUTELARPara especialistas, nova lei de prisões cautelares é positiva, mas impõe desafios de fiscalização

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ESPECIAL: *STJ  – A prisão cautelar pode dar uma aparência de que a justiça foi feita – e de forma rápida. Mas, por vezes, acaba sendo um instrumento de ilegalidade. Há vários exemplos de como podem ser graves as consequências de uma prisão indevida.

Nos Estados Unidos, recentemente, um caso envolveu o então chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn. Ele era um dos favoritos à Presidência da França até ser preso ao embarcar em um voo, acusado de crime sexual. A versão da suposta vítima foi desmentida, diante de diversas contradições e um histórico de mentiras por parte da camareira que o acusava. O caso perdeu força e pode nem ser levado a julgamento, diante das restrições impostas pela legislação do país. Mas as investigações continuam.

Outro caso histórico de “condenação” antecipada, no Brasil, é o da Escola Base. Em 1994, os donos da escola infantil foram presos acusados indevidamente de crimes sexuais contra os alunos. A escola foi depredada e saqueada, e os acusados amplamente expostos pelas autoridades e pela imprensa. A investigação foi arquivada por falta de indícios mínimos de prova. Aos investigados, restou buscar alguma compensação cível pelos danos.

Uma história peculiarmente similar é retratada no filme “Acusação” (Indictment: The McMartin Trial, 1995). A película conta o caso real de uma família, também proprietária de uma pré-escola, acusada de abusar de quase 50 crianças, ocorrido no início dos anos 80. Um dos réus chegou a ficar preso por cinco anos; nenhum deles foi condenado depois dos quase sete anos de duração dos diversos processos iniciados com base nas denúncias. Em 2005, um dos alunos, já adulto, desmentiu as acusações.

Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça (DoJ) investe na pesquisa do assunto. Em documento de março deste ano, que levanta o “estado da arte” da pesquisa sobre a lá chamada justiça pré-julgamento, o DoJ classifica a decisão de manter ou não o acusado preso como uma das mais importantes até a sentença. “Acertar ao tomá-la é criticamente importante tanto para o acusado quanto para a comunidade em geral. O desenvolvimento da justiça pré-julgamento é uma história de debates filosóficos, desafios práticos, ampliação de pesquisas e evolução de padrões”, registra o documento.

As situações indicam como uma versão preliminar dos fatos pode ser alterada com o desenrolar das investigações, o risco de uma eventual prisão indevida e as complicações ao redor do tema. A prisão de um réu nessa situação, antes de ser submetido ao contraditório, sem o confronto de argumentos e provas da defesa, é justa? Ou, até mesmo, necessária? O tema é atual e polêmico, e a nova legislação brasileira que entrou em vigor neste mês reacende a discussão no país.

As novas regras de prisão cautelar foram recebidas por parte da mídia com terror. Dezenas de milhares de presos perigosos seriam postos, do dia para a noite, em liberdade, colocando em risco as pessoas de bem. Será que há tal risco? Ou a lei é positiva? Para esclarecer o assunto, o STJ ouviu especialistas em Direito Penal e criminologia sobre a nova Lei de Prisões Cautelares, como vem sendo conhecida a Lei 12.403/2011, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal (CPP). As alterações estão bem claras no quadro comparativo entre as duas redações do CPP elaborado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Elogios

A possibilidade de aplicação de medidas alternativas à prisão antes da condenação é vista de forma positiva por todos os especialistas ouvidos. Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, as medidas são polêmicas, mas necessárias. “As modificações são bem-vindas e eram necessárias. O aumento do leque de medidas cautelares possíveis é positivo. Antes, o juiz se via numa sinuca: ou decretava a prisão provisória ou preventiva, ou deixava o réu solto. Agora, ele pode não aplicar a prisão provisória ou preventiva e também não deixar o réu sem qualquer medida penal”, afirma.

A pesquisadora do Grupo Candango de Criminologia (GCCrim), vinculado à Universidade de Brasília, e professora de Direito Penal e Processual Penal Carolina Costa Ferreira, aponta que a lei resolve uma contradição. Antes, era comum manter réus presos cautelarmente por tempo superior ao da condenação final. “Muitas vezes havia a prisão provisória por dois, três anos, e a sentença condenatória vinha para um ano e dois meses convertendo em pena alternativa. Ou seja, aquela pessoa não precisava estar ali. Enquanto ela passou dois, três anos, na prisão, aprendeu outras formas de delinquir muito piores”, observa.

A opinião é reforçada também pelo juiz paulista Guilherme de Souza Nucci, que atua como desembargador no TJSP: “Medidas céleres colaboram com a Justiça célere, algo que toda a sociedade deseja. Sejam gravosas ou não, o ponto fundamental é que tenham efetividade. As modificações são positivas. Conferem maior flexibilidade para a atuação do magistrado, possibilitando a aplicação de várias medidas alternativas, evitando-se a inserção do acusado no cárcere.” Para ele, um dos destaques é a recomposição do valor da fiança, que a torna efetivamente aplicável.

O procurador regional da República Wellington Cabral Saraiva, indicado pela Procuradoria Geral da República (PGR) para representar o Ministério Público da União (MPU) no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também concorda com os aspectos positivos da lei, como a maior flexibilidade dada ao juiz.

Mas ele ressalva que há riscos concretos de manter em liberdade acusados que, em sua opinião, deveriam aguardar presos. “Alguns acusados de crimes importantes, como receptação e formação de quadrilha, não poderão ser, em princípio, presos, porque a pena máxima não permite a prisão. A percepção de ineficiência do sistema judiciário pela sociedade pode aumentar”, afirmou.

Fiscalização

Para o procurador, a lei falha ao não dar condições de fiscalização das medidas alternativas. “A estrutura de fiscalização é inexistente. A proibição de frequência a determinados lugares, por exemplo, pode ser inócua”, alerta. “O Estado brasileiro não tem condições de fiscalizar o cumprimento de algumas dessas medidas”, completa. Para ele, deveria ter havido um prazo maior para sua entrada em vigor, entre um e dois anos, permitindo ao Judiciário se organizar administrativamente para observar o cumprimento das medidas.

Mas Saraiva pondera que as prisões podem ser também um problema. “As deficiências das prisões são um dos defeitos mais graves do nosso sistema criminal. As prisões são em número insuficiente e alguns estabelecimentos prisionais são absolutamente desumanos e indignos. Essas prisões se tornam fatores criminógenos. O que se deveria fazer é investir em dar ocupação e formação aos presos, para evitar a reincidência”, afirma.

A falta de fiscalização também é o maior risco da lei na opinião do ministro Dipp: “Duvido muito que no Brasil, com as carências que temos de magistrados, do Ministério Público (MP), de servidores do Judiciário, de polícia – que já não cumpre nem seu papel primordial e ainda vai ter que fiscalizar uma série de outras medidas –, a lei será bem cumprida.” Segundo ele, “não adianta ter medidas boas, modernas, protetivas dos direitos fundamentais, se não houver uma efetiva fiscalização da aplicação dessas medidas”.

“Essas medidas precisam de um mínimo de fiscalização”, completa. “Quem é que vai fiscalizar adequadamente, nessa imensidão do Brasil, se alguém que teve como medida cautelar a imposição de se recolher em período noturno, ou se aproximar de uma determinada pessoa, está cumprindo a medida?”, questiona o ministro.

Para Carolina Ferreira, que também é coordenadora do Centro de Estudos Jurídicos da Presidência da República, o Executivo terá disposição e condição de aplicar as medidas previstas. “A política de segurança pública está voltada para a política de segurança cidadã. A política de evitar, cada vez mais, a prisão como forma de retribuição é complementar dessa política de segurança pública”, explica. “Quase todos os países um pouco mais desenvolvidos ou países que querem solucionar o problema da violência têm incluído mais medidas ‘desencarceradoras’ em seu ordenamento”, acrescenta.

“A intenção é essa: incluir cada vez mais medidas de política criminal que diminuam o acesso à prisão, mas não necessariamente diminuam o controle penal. Elas requerem o controle da polícia, controle do próprio Judiciário, no comparecimento diário, no monitoramento eletrônico. Há uma série de medidas que, na verdade, não colocam todo mundo em liberdade e sim aumentam o controle penal, mas pensando na prisão de fato como última possibilidade”, avalia a mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB.

Curiosamente, Nucci, que é um conhecido crítico da função inócua de algumas medidas alternativas como forma de condenação, após o processo, não vê a mesma inutilidade em seu uso cautelar. “Como pena definitiva, acho, de fato, uma inócua sanção a proibição de frequentar lugares. Porém, como singela medida cautelar, pode ser útil, afinal, o réu fará tudo para cumpri-la, evitando ser preso”, afirma o doutrinador. “Lembremos que o temor do cárcere é muito maior no espírito do acusado do que no condenado. Um tem a esperança de ser absolvido; o outro já está condenado”, sustenta.

“Quanto às novas medidas, somente o tempo dirá se elas serão eficientes. O ponto relevante é o Executivo proporcionar os meios cabíveis para executar as medidas alternativas, como o monitoramento eletrônico. Sem recursos financeiros, nada será eficaz”, acredita o magistrado paulista.

Credibilidade do sistema judicial

O fato de a lei ser mais branda em relação ao acusado pode favorecer a idéia de que “a polícia prende e a Justiça solta” e afetar a credibilidade do sistema judicial? Não, na opinião de nossos entrevistados.

“Estranho seria a polícia soltando e o juiz prendendo”, contrapõe Nucci. “A função da polícia é mesmo prender, mormente quando em flagrante delito. E a função do juiz, de lastro constitucional, é averiguar a prisão realizada e promover a medida legalmente cabível. Se tiver que manter a prisão, deve fazê-lo. Se for o caso de soltar, cumpra-se a lei”, argumenta.

“Há uma atenção exagerada da sociedade e da imprensa ao papel da polícia. A sociedade se esquece de que ela é só a primeira fase do sistema penal. A polícia deve investigar, o MP denunciar e o Judiciário julgar. A polícia é uma peça, não tem sentido sozinha”, afirma o procurador Wellington Saraiva. “O cidadão deve ter a clara noção de que polícia é uma coisa e juiz é outra. Faz parte dos sistemas que um prenda e outro solte”, acrescenta, na mesma linha, Guilherme Nucci.

“Não é a gravidade da lei que atemoriza o criminoso, mas a sensação de impunidade é que o autoriza a agir contra a lei”, avalia o ministro Gilson Dipp. “Como a lei é mais benéfica, gera a percepção de que o Judiciário brasileiro é benevolente com os criminosos. Mas não é porque queira, é porque a legislação brasileira determina. A benevolência é da lei”, completa.

“Muitos veículos da mídia disseram que 200 mil presos seriam colocados em liberdade. Não é verdade”, adverte a pesquisadora Carolina Ferreira. “Nós temos 200 mil presos provisoriamente, mas não temos dados suficientes para dizer que todos esses respondem por crimes com pena de até quatro anos de prisão. Muitas vezes eles já são reincidentes, ou já estão cumprindo pena por concurso ou estão respondendo a processos em concurso, como furto com formação de quadrilha, o que aumenta a pena teórica para além de quatro anos. Esses já não terão direito a essas medidas cautelares alternativas”, explica a professora.

“O apelo da mídia foi totalmente desproporcional ao objetivo da lei, que vem complementar todo o sistema de penas alternativas que já estamos criando desde 1998, com a Lei 9.714”, critica. “A prisão cautelar continua sendo autorizada. Na verdade, a Lei 12.403 impõe as medidas cautelares para crimes cujas penas não chegam a quatro anos. Nos outros, ela deixa a critério do juiz”, elucida Ferreira.

“Para mim, a nova lei não trará modificações profundas no sistema carcerário”, corrobora Nucci. “É impossível que réus perigosos sejam colocados em liberdade por conta da nova lei, afinal, a prisão preventiva resta intocada. Toda vez que surge alguma lei, trazendo benefícios ao acusado, cria-se uma aura de especulação em torno do caos. Mito puro. Quem merece continuará na cadeia. Outros, no entanto, terão oportunidades diferentes, evitando-se o cárcere indevido”, assevera o doutrinador.

Direitos, superlotação e Judiciário

“Essa lei tem o cunho de atender o direito fundamental do indivíduo, mas também um viés que é suprir uma deficiência que não é da lei penal ou do sistema judiciário. Ela veio tentar suprir uma deficiência do Executivo: não construir prisões. Parece que estamos reconhecendo a inépcia, a falta de vontade política e de recursos do Poder Executivo em criar presídios, casas de albergados e para crianças e adolescentes infratores”, afirma o ministro Dipp.

“A lei deve desafogar o sistema carcerário, mas não o Judiciário. A prisão vai ser uma raríssima exceção, mas as medidas cautelares podem não satisfazer aqueles a quem forem aplicadas, o que fará haver uma procura pelo Judiciário, como sempre se faz, através do habeas corpus”, acredita o ministro.

Segundo Nucci, a única medida cabível contra a aplicação de uma medida cautelar é o habeas corpus. “A prisão em flagrante, hoje, dura 24 horas. A partir daí, torna-se preventiva. E nesse caso respeita-se o princípio da razoabilidade, ou seja, não há prazo certo para findar. Cada caso é um caso. Se os juízes seguirem fielmente a nova lei, creio que o número de habeas corpus cairá”, avalia.

Para Carolina Ferreira, que pesquisou especificamente a efetividade das penas alternativas no Distrito Federal entre 1998 e 2005, a substituição da prisão é eficaz. “A lei tutela direitos e garantias, especificamente em relação à proporcionalidade da pena. O público-alvo dessa lei são os acusados de crimes com pena de até quatro anos de prisão que depois de condenados já teriam direito a uma pena alternativa. Em nossa pesquisa, chegamos à conclusão de que para quem foi aplicada uma pena substitutiva, o índice de reincidência foi muito menor”, aponta.

“O Poder Legislativo não está errado em entender que devemos aplicar outras medidas menos gravosas que a prisão, afinal a atual situação do nosso sistema penitenciário é inconcebível. O que é necessário fazer agora é fiscalizar”, completa a pesquisadora.

Jurisprudência em habeas corpus

Em um tópico relacionado, o ministro Gilson Dipp criticou a formação da jurisprudência penal brasileira sobre habeas corpus. “O habeas corpus hoje é usado como remédio para todos os males penais. Isso não é uma crítica ao instituto, pelo contrário. O habeas corpus é um direito constitucional fundamental ao cidadão e que deve sempre ser preservado”, ressalva.

“Mas os tribunais abriram demais as possibilidades de uso do habeas corpus, até que fosse substituto de todos os recursos processuais cabíveis no nosso sistema. Hoje o habeas corpus serve para substituir até o recurso especial e o extraordinário”, critica.

A opinião é respaldada pelo procurador regional Wellington Saraiva: “A formação de jurisprudência penal em habeas corpus é um dos principais temas que precisam ser debatidos sobre o sistema judiciário brasileiro. A amplitude dada pelos tribunais superiores ao cabimento do habeas corpus é um importante fator de ineficiência do sistema.”

“O recurso especial é o meio vocacionado para fazer a devida aplicação da lei federal, uniformizá-la e formar nossa jurisprudência penal. Onde nós estamos formando nossa jurisprudência penal? Em recurso especial, que é o vocacionado, que tem o contraditório, a paridade de armas? Ou em habeas corpus, decorrente de um caso concreto? Quase toda nossa jurisprudência decorre de habeas corpus”, diagnostica Dipp. “O habeas corpus, por suas características de celeridade e informalidade, muitas vezes não se presta para formar doutrina e tese jurídica”, avalia o ministro.

“O habeas corpus é usado para subverter as regras e a lógica orgânica do sistema recursal”, afirma Wellington Saraiva. “Um exemplo significativo é um advogado que pode levar em poucos dias ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma decisão de recebimento de denúncia por um juiz de qualquer comarca do Brasil. Usando de habeas corpus sucessivos contra decisões que negam liminares, em duas semanas o recebimento da denúncia passa do juiz ao Supremo. Isso elimina o contraditório recursal, coloca o MP em posição de inferioridade e prejudica a análise das questões jurídicas pelos tribunais superiores, que decidem com autos incompletos”, argumenta.

Guilherme Nucci discorda. “O habeas corpus tem, sim, contraditório por parte do MP. Há sempre parecer do MP, que, invariavelmente, atua em nome da sociedade. Diz-se que o faz como fiscal da lei, porém a realidade demonstra o contrário”, avalia o magistrado, com base em pesquisa desenvolvida por si mesmo.

Mas o ministro Dipp aponta outro indício do uso desmedido do instituto: o crescimento do número de recursos extraordinários contra decisões concessivas de habeas corpus. “Como o habeas corpus é usado para tudo, em caso de concessão, ao MP cabe apenas recorrer extraordinariamente ao Supremo, não tem outro caminho a não ser esse. E por que o MP está usando o recurso extraordinário? Porque nesses habeas corpus não se está definindo a questão apenas em relação à parte interessada, mas a própria tese jurídica. Exatamente pelo desvirtuamento do habeas corpus, que está fazendo jurisprudência em cima de sua celeridade, o MP tem verificado essa distorção e recorrido, mas dentro do meio adequado, que é o recurso extraordinário”, conclui.

Esta reportagem foi produzida a partir de sugestão do leitor Jefferson Távora recebida em nossa página no Facebook. Curta você também e participe!

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FONTE:  STJ, 17 de julho de 2011.