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Justiça Sensível

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* João Baptista Herkenhoff 

            Dura lex, sed lex – a lei é dura, mas é lei. O dístico romano simboliza o que deve ser o império universal da lei. Não distingue as pessoas envolvidas no caso particular.

            A Justiça representada pela figura do juiz com os olhos vendados traduz o mesmo significado. O juiz está de olhos vendados para exercer a judicatura com dignidade, para não a prostituir sob o tráfico de influência. O sentido simbólico dessa expressiva figuração é este de condenar, de maneira fulminante, favorecimentos ou perseguições.

            Se por olhos vendados se entende a Justiça sem alma, a Justiça insensível, incapaz de perceber as dores humanas, cega diante da viúva miserável, surda ao grito de socorro do desvalido, se por olhos vendados se entende a Justiça-mecânica, creio que essa visão da Justiça deforma e destroi o sentimento de Justiça.

            Um teólogo, e não um jurista, deu as diretrizes para a boa interpretação das leis: “A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social do outro: como vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam.” (Frei Leonardo Boff).

            Um artista, um dos maiores de todos os tempos, e não um jurista, lançou um anátema decisivo contra a Justiça cega: "Juízes, não sois máquinas! Homens é o que sois!" (Charles Chaplin).

            Um poeta, e não um jurista, produziu estes versos que são um convite à resistência permanente contra a injustiça: “Morder o fruto amargo e não cuspir / mas avisar aos outros quanto é amargo, / cumprir o trato injusto e não falhar / mas avisar aos outros quanto é injusto, / sofrer o esquema falso e não ceder / mas avisar aos outros quanto é falso; / dizer também que são coisas mutáveis… / E quando em muitos a noção pulsar / – do amargo e injusto e falso por mudar – / então confiar à gente exausta o plano / de um mundo novo e muito mais humano.”(Geir Campos, poeta brasileiro, nascido em nosso Estado, na cidade de São José do Calçado).

            Suzete Habitzreuter Hartke, num livro doutrinário de Teoria Geral do Direito, escreveu).m dignidade e npara a boa interpretaos se entende a Justi exercer a judicatura com dignidade e n: o ato de conjugar a Razão e a Sensibilidade não descaracteriza o ato judicial”.

No cotidiano das varas e tribunais, há um conflito permanente entre Lei e Direito, interpretação rígida e elástica, fronteiras demarcadas do Direito e horizonte infinito da Sensibilidade.

            O que deve prevalecer?

A meu ver, a Sensibilidade, como Chaplin percebeu e vaticionou. 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

João Baptista Herkenhoff é professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br Autor de Dilemas de um juiz – a aventura obrigatória (GZ Editora, Rio de Janeiro).

NEGLIGÊNCIA MÉDICA GERA INDENIZAÇÃOMédico terá de indenizar mãe e filha por sequelas de parto demorado

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DECISÃO: *STJ – A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão de segundo grau que condenou um médico ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, além de pensão vitalícia, a uma paciente e sua filha. Devido à demora no parto, a menina teve lesão cerebral irreversível e dependerá de cuidados médicos especializados por toda a vida.

Segundo informações do processo, a gestante chegou ao hospital, em Salvador (BA), às 4h da madrugada, já com dores do parto, e só foi atendida à 1h30 da madrugada seguinte. Ela ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra o hospital. Citado, o hospital apresentou contestação e denunciou a lide ao médico que participou do parto.

Em primeira instância, o hospital foi condenado ao pagamento de cem salários mínimos como indenização por danos morais e a mesma quantia como reparação de danos materiais, além de pensão mensal vitalícia de um salário mínimo para a mãe e outro para a filha. O médico também foi condenado a pagar indenização por danos morais (150 salários) e materiais (mesmo valor) e pensão mensal vitalícia de um salário mínimo para cada uma. Ambos os condenados apelaram da sentença.

O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) negou as apelações. Para o TJBA, se o hospital não fiscaliza os procedimentos médicos adotados no interior de sua sede, de modo a possibilitar atendimento ágil, humanizado e adequado aos doentes que procuram alívio e tratamento de suas moléstias, as consequências de tal conduta podem levar à obrigação de indenizar.

Já em relação ao médico, o tribunal concluiu que “age o médico com imperícia, sem a diligência necessária e a cautela exigível, quando não detecta o momento oportuno e deixa de realizar parto cesário ao constatar sofrimento da parturiente e do feto, quando poderia evitar sequelas advindas tanto na mãe quanto no neonato, resultantes de período expulsivo prolongado e carência de oxigenação”. De acordo com o TJBA, os fatos evidenciam postura omissa, identificadora de culpa grave, cujas consequências de ordem moral são passíveis de reparação.

Inconformado, o médico recorreu ao STJ, sustentando que a paciente propôs ação de indenização contra o hospital, assim, ele não poderia ter sido condenado ao pagamento da indenização na ação principal, já que não faz parte dela. Além disso, segundo ele, os valores indenizatórios fixados são exorbitantes e a pensão mensal não observa os critérios fixados pelo STJ.

Em seu voto, o relator, ministro Massami Uyeda, destacou que, aceita a denunciação da lide e apresentada contestação quanto ao mérito da causa, o denunciado assume a condição de litisconsorte do réu, podendo, por isso, ser condenado direta e solidariamente com aquele, na mesma sentença, ao pagamento da indenização.

Quanto ao valor indenizatório atribuído pelas instâncias ordinárias, o relator assinalou que o STJ tem entendimento pacificado no sentido de que o valor da indenização por dano moral somente pode ser revisto quando for flagrantemente irrisório ou exorbitante, o que não ocorreu no caso de Salvador.

Por fim, relativamente à quantificação dos danos materiais e da pensão vitalícia, o ministro ressaltou que as conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias se basearam em questões de ordem pessoal das vítimas e na capacidade econômica dos réus – elementos de prova cuja revisão é vedada pela Súmula 7 do STJ.


FONTE:  STJ, 02 de setembro de 2011.

QUEBRA DE SIGILO CAUSA DANO MORAL: Bancário receberá R$ 30 mil por ter sigilo quebrado em auditoria interna

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A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho condenou hoje (1) o Banco do Estado de São Paulo S.A. – Banespa (comprado pelo Banco Santander) a pagar indenização por dano moral no valor de R$ 30 mil por quebra de sigilo bancário de um ex-empregado durante auditoria interna. A SDI-1 entendeu o ato como “conduta arbitrária”, com invasão à vida privada do empregado (artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal).  

Durante a realização de uma auditoria interna, o Banespa emitiu o extrato bancário de todos os empregados da agência. O autor do processo ajuizou ação de indenização por dano moral com a alegação de que teve sua vida privada e a de sua esposa, que mantinha conta corrente conjunta com ele, violadas pela atitude do banco.

Seu pedido foi rejeitado na primeira e na segunda instâncias da Justiça do Trabalho. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), quando julgou o recurso do bancário, não considerou ter havido constrangimento, vergonha ou dor psicológica devido à atitude do Banespa. Não viu configurada, também, a quebra de sigilo bancário, pois não existiu a publicidade dos extratos, uma vez que os dados ficaram restritos à auditoria. Já a Quinta Turma do TST não conheceu de novo recurso do bancário por entender que ele não apresentou cópias com decisões diferentes da adotada pelo TRT que configurassem divergência jurisprudencial, necessária para o julgamento do recurso (Súmula nº 296 do TST). Por fim, o bancário apelou com sucesso à SDI-1.

A ministra Delaíde Miranda Arantes, relatora na SDI-1, destacou que a jurisprudência do TST é a de que a quebra de sigilo bancário de empregados de instituições financeiras constitui conduta arbitrária, com invasão à vida privada, e representa ofensa ao artigo 5º, inciso X, da Constituição. “O simples fato de o banco ter invadido a privacidade do empregado, por si só, viola o direito fundamental e as normas infraconstitucionais que a regulam, ensejando o direito à indenização por danos morais”, afirma uma das decisões apresentadas pela relatora como precedente para a sua decisão.

Por esse fundamento, a SDI-1 decidiu condenar o Banespa ao pagamento de R$ 30 mil ao ex-empregado por dano moral. Ficaram vencidos os ministros Brito Pereira e Milton de Moura França, que defendiam o não conhecimento do recurso, e Renato de Lacerda Paiva, que seguiu a maioria no conhecimento, mas votou pelo não provimento do recurso no mérito.  Processo: RR – 95300-42.2002.5.12.0007


FONTE:  TST, 01 de setembro de 2011.

 

 

INVASÂO DE PRIVACIDADECondenado tio que mantinha câmera escondida no banheiro

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DECISÃO: *TJ-RS – Tio que mantinha câmera escondida no banheiro e guardava vídeos da sobrinha e de outras mulheres nuas e seminuas foi condenado a indenizar por danos morais. Diante do alto grau de constrangimento causado, com a violação da intimidade e por ferir princípios básicos sociais e familiares, a 9ª Câmara Cível aumentou o valor a ser pago a título de danos morais, de R$ 15 mil para R$ 27,5 mil.

O caso

A sobrinha contou que desde criança visitava os tios, juntamente com os irmãos. Narrou que seu pai, após a morte da tia, soube da existência das filmagens e foi à casa da irmã falecida. Lá, encontrou fitas de vídeo com imagens da filha e de outras mulheres nuas e seminuas e decidiu efetuar o registro do fato na Delegacia de Polícia.

O réu confirmou a existência da filmadora instalada no banheiro.

Em 1º Grau, o Juiz Sergio Augustin fixou a indenização em R$ 15 mil. Houve recursos de ambas as partes.

A autora pediu o aumento do valor da indenização.

O réu apelou ao Tribunal de Justiça, alegando que a sobrinha objetiva lucro fácil e tinha conhecimento da câmera escondida instalada no banheiro e mesmo assim continuou a frequentar sua casa usando roupas curtas e provocantes.

Recurso

Para o relator apelação, Desembargador Tasso Cauby Soares Delabary, a versão do recorrente é, no mínimo, absurda, para não dizer esdrúxula. Afirmou ser inviável admitir que alguém em sã consciência, tendo conhecimento de uma filmadora instalada em um banheiro (local de resguardo e privacidade), continue a frequentá-lo e permita a filmagem de seus momentos de intimidade.

As imagens gravadas, diz o Desembargador, evidenciam o constrangimento perpetrado. Em diversas passagens dos DVDs vê-se o demandado ajustando a câmera e apanhando as roupas íntimas da autora para atender suas necessidades sexuais, descreve. As situações são as mais estranhas e variadas que, aliadas a outras cenas do requerido em cenas de sexo com terceira pessoa e, inclusive, com uma boneca inflável a qual vestiu com roupas da autora, e sem sequer esconder seu rosto, revelam o ser caráter degenerado e depravado.

No entender do Desembargador Delabary, a situação a que foi submetida a autora da ação atenta contra o direito à intimidade, à privacidade e sua integridade moral. Trata-se de situação vexatória e constrangedora, que dispensa a produção de prova dos danos morais, concluiu o julgador.

Salientando que o dano moral não tem caráter reparatório, mas compensatório, concedeu o aumento do valor a ser pago pelo tio, de R$ 15 mil para R$ 27,5 mil, com caráter pedagógico. A efeito de permitir reflexão ao demandado sobre seu comportamento antisocial para que não volte mais a reincidir.

O voto foi acompanhado pelas Desembargadoras Iris Helena Medeiros Nogueira e Marilene Bonzanini Bernardi.

Não cabe mais recurso da decisão, que já transitou em julgado.


FONTE:  TJ-RS, 02 de setembro de 2011.

 

Politíca monetária e o mercado de capital no Brasil: uma análise do período 1999 – 2011.

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*Valdo Menezes de Oliveira                                                           

Resumo 

Devido às transformações ocorridas na economia brasileira ao longo da década de 90, fundamentalmente a abertura comercial, a liberalização dos mercados financeiros e de capitais, o retorno de fluxos de capital estrangeiro para o país, assim como o processo de privatização de grandes companhias estatais, foram criadas pressões para que se fosse repensada a estrutura de governança das empresas brasileiras. Qualquer direção que não priorize o caminho da transparência das transações, austeridade da política econômica e da eficiência das empresas, pode condenar muito mais do que um baixo crescimento econômico e social ou décadas perdido, e sim à degradação completa da sociedade como nação.

Palavras chave: Política Monetária; Mercado de Capitais; Investimentos; Crescimento Econômico.   

 


 

Introdução

O aumento da competitividade global acelerou a importância do mercado de capitais para a economia em geral “global” e, assim, para os agentes que nele atuam: as empresas, por necessitarem cada vez mais de recursos não-exigíveis para viabilizar investimentos em escala e qualidade para competir com êxito, e os individuas, por terem presenciado a falência dos mecanismos públicos de previdência social e precisarem formar poupança de longo prazo num mundo de juros declinantes. Já as instituições financeiras, nesse contexto, necessitam manter-se no estado da arte na analise e gerenciamento das carteiras de seus clientes, sob o risco de perdê-los e estas serem absorvidas por outras mais eficientes. Nessa era do conhecimento, é muito importante a aplicação da tecnologia e o mercado de capitais vem acompanhando essa evolução. Há alguns anos após a criação do Novo Mercado da Bovespa, o 6º Seminário Anbima de Mercado de Capitais deu maior ênfase ao lançamento do projeto do Mercado de Renda Fixa cuja liderança foi da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais. A estrutura básica do projeto dá início a um processo bem mais amplo no debate da proposta elaborada com a participação de entidades do setor privado e agentes de mercado e o apoio dos principais órgãos federais da área, especialmente do Banco Central (BC), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto visa ampliar a proteção ao investidor, bem como da mais transparência nas operações, o uso de prospectos mais simples e compreensíveis e atualização anual da classificação de risco. As medidas focadas no aumento da liquidez do mercado.

Governança Corporativa

Com a relevância do estudo da governança corporativa após os grandes escândalos financeiros e o estouro da bolha especulativa do início do século XXI, o presente artigo pretende discutir a temática para contribuir criticamente com debate sobre os desafios e oportunidades do mercado de capitais brasileiro, que neste novo século, tem importância estratégica para alicerçar a poupança da população e estruturar o financiamento do crescimento econômico do país. Nas ultimas décadas a intenção dos empresários em investir no mercado de capitais vem ganhando espaço cada vez mais significante. Entretanto, o estudo indica através de analise bibliográfica, que os negócios em bolsa de valores e investimentos, carecem de maior incentivo das autoridades monetária e governamental com políticas econômicas claras, dos órgãos oficiais mencionados que precisam mais atentos aos movimentos dos empresários voltados a aumentar a poupança, e com isso abrir seu capital para o mercado de ações. Mesmo com reduzido incentivo dos órgãos competentes, a analise aponta para um aumento nos negócios no mercado de capitais e investimentos na produção, embora que de forma tímida em função de políticas monetárias desfavoráveis ao crescimento sustentável da economia. Portanto, cresce a expectativa dos executivos em relação à necessidade de ajustes das políticas monetária e fiscal, desoneração da folha de pagamento, investimento voltado para melhoria de portos, aeroportos, ou seja, o Brasil carece urgentemente de boa infra-estrura, visando aumento da competitividade no comercio exterior e comercio interno. Além de políticas monetárias favoráveis aos negócios em bolsa de valores, é de vital importância a integração global “comercial” entre os países priorizando crescimento e desenvolvimento do mercado econômico financeiro.

Características dos Mercados de Capitais Emergentes

Em mercados emergentes o acesso a investimentos é bastante restrito e muitas vezes o custo destes financiamentos é proibitivo em função das altas taxas de juros e carga tributaria elevada. Além disso, a legislação limita o acesso de investidores internacionais a esses mercados, o que dificulta ainda mais a captação de recursos, criando barreiras que fazem com que esses mercados sejam segmentados dos mercados internacionais. Uma das escolhas viáveis para países em desenvolvimento como o Brasil, é aprender a fazer uso do enorme potencial produtivo engendrado pelos mercados, para que possamos acelerar o crescimento e desenvolvimento econômico e social de maneira sustentável e eqüitativa. Qualquer direção que não leve o mercado de capitais pelo caminho da transparência nas transações, da austeridade de na política econômica e da eficiência das empresas, podem condenar muito mais do que um baixo crescimento econômico e social ou décadas perdido, e sim à degradação completa da sociedade como nação. No estudo não foi identificado um fator isolado que impeça o crescimento do mercado de capitais, e da economia como um todo. Mas sim, vários fatores, como por exemplo, a corrupção, falta de transparência, carga tributaria, juro, câmbio, falta de execução de projetos nas áreas de infra-estrutura. Falta de políticas públicas claras e objetivas, voltadas ao investimento nas áreas da saúde, educação e segurança. Esses são alguns dos fatores, que principalmente nos últimos anos vêm tendo impacto significativo no baixo desenvolvimento e crescimento econômico e inibindo os negócios no mercado de capitais no Brasil.

Mercado de Capital brasileiro Século XXI

Mesmo em meio a dificuldades oriundas de políticas interna e influencia de problemas econômicos no mundo globalizado, houve expansão e o notável aprimoramento nas ultimas décadas no mercado de capitais brasileiro. A transformação do mercado de capitais ao longo dos primeiros anos do século XXI, como principal financiador das empresas brasileiras, abertas ou em condições de fazer a abertura de seu capital, demonstra avanços e têm grandes possibilidades para se tornar sustentáveis, com aperfeiçoamentos em matéria de regulação, auto-regulação e governança corporativa; com implementação da diversidade dos novos mecanismos de financiamento; destacando a eficiência adquirida pelos agentes do mercado; e ao reconhecer a atenção conferida ao mercado de capitais pelas autoridades econômico-financeiras governamental. O ex-presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, salienta que, o mercado de capitais financiou na última década R$120 bilhões, equivalentes a mais que o dobro dos desembolsos do BNDES. E o então diretor da CVM, Dorval Jose Soledade dos Santos (2008), reconhece no mercado uma "exuberância racional" que testemunha sua maturidade. Claro, há cuidados a tomar. Para Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti, os efeitos da turbulência internacional recente sobre o equilíbrio macroeconômico brasileiro têm sido pequenos, mas nem por isso o país se tornou invulnerável. E, em estudo exaustivo e bem fundamentado, Carlos Antonio Rocca, embora posição otimista quanto à sustentabilidade do crescimento do mercado de capitais, enfatiza a importância, para a consecução desse objetivo, de um ajuste fiscal de longo prazo, da redução e racionalização da carga tributaria e da recuperação da economia formal, entre outras medidas. O ex-presidente da BM&F, Manoel Felix Cintra Neto, considera necessária a adoção de novas tecnologias de gerenciamento de riscos sem deixar de lembrar a importância que ganharam os mercados derivativos no Brasil. E o presidente da Abrasca, Antonio Duarte Carvalho de Castro, contrapondo volatilidade à estabilidade, vê nas grandes oscilações que ocorrem no mercado de capitais brasileiro o reflexo de nosso desequilíbrio macroeconômico básico: o das contas públicas.

A Importância do Mercado de Capitais no Brasil

Não se pode mais compreender uma economia do porte da brasileira em franco crescimento e desenvolvimento econômico e social sem um mercado de capitais importante e consolidado: capaz de prover, juntamente com o sistema bancário privado, o financiamento, em bases competitivas, dos investimentos, assim assegurando seja o crescimento sustentado seja a inserção ativa e dinâmica do país na globalização. O mercado de capitais ainda é pouco divulgado como um dos agentes de grande importância no desenvolvido econômico e social no Brasil. Ele nunca se constituiu alternativa viável de financiamento para a grande maioria das empresas nacionais, beneficiando quase exclusivamente os maiores grupos econômicos, deixando a margem o pequeno investidor individual. Entretanto, avançou bastante, é certo, na década de 90, impulsionado pela abertura econômica, pela estabilização e pela privatização das atividades produtivas. Mas vem emitindo sinais de estagnação e mesmo retrocesso em alguns momentos de turbulência neste início de século. Propõe-se a partir de exaustiva identificação dos obstáculos ao desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, um conjunto articulado de medidas que poderão contribuir tanto para dar nova dimensão ao mercado de capitais quanto reverter à recente tendência declinante no volume de seus negócios. Foram essas e outras conquistas que evitaram que o mercado de capitais desmoronasse com a crise global. Fortalecido, ele vem enfrentando com maturidade seus dramáticos impactos. Trata-se agora de evitar retrocessos. De um lado, mediante ação articulada das entidades que organizam o mercado. De outro, mediante mecanismos capazes de reduzir os efeitos da crise e de dar seqüência ao aumento de sua participação no financiamento do desenvolvimento nacional.

Transformações Ocorridas na Economia Década de 1990

Devido às transformações ocorridas na economia brasileira ao longo da década de 90, fundamentalmente a abertura comercial, a liberalização dos mercados financeiros e de capitais, o retorno de fluxos de capital estrangeiro para o país, assim como o processo de privatização de grandes companhias estatais, foram criadas pressões para que se fosse repensada a estrutura de governança das empresas brasileiras. Com a crise no mercado de capitais norte-americano, influenciada por uma bolha especulativa e pela ineficiente accountability (prestação de contas), uma tendência tem progressivamente encaminhado no circuito financeiro internacional, como mecanismo de harmonização e reestruturação bursátil (operação em bolsa de valores): a governança corporativa (é um conjunto de práticas, regras, costumes, leis, políticas e regulamentos que tem como finalidade regular o modo como uma empresa é administrada e controlada, favorecendo os interesses mútuos de acionistas controladores, acionistas minoritários, administradores, funcionários e fornecedores). Comprovadamente, após a recente crise das bolsas norte-americanas e no continente europeu, as empresas que vêm obtendo os melhores resultados de valorização acionária são aquelas que tiveram sempre a preocupação voltada para o atendimento de seus acionistas via estes incentivos da governança corporativa. Em maio de 1999 foram lançados os Princípios de Governança Corporativa da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico OCDE (um clube de 30 países industrializados que inclui o México), que constituem a principal resposta dos governos ao reconhecimento da governança corporativa como sendo a importante coluna de sustentação da arquitetura da economia global do Século XXI. Trata-se de uma declaração dos padrões mínimos aceitáveis para empresas e investidores em todo o mundo que reconhece uma notável convergência para o terreno das práticas de governança corporativa. Em um estudo recente elaborado no ano de 2000 pela consultoria McKinsey e pelo Banco Mundial mostram-se a importância que o investidor estrangeiro dá para tal consistentes práticas de governança corporativa. Segundo Ribeiro Neto (2002: 32), o estudo relata que “em um universo de 90 investidores institucionais entrevistados, 80% consideram relevantes as questões referentes à governança, estando dispostos a pagar um prêmio de cerca de 23% pelas ações das empresas que possuem boas práticas de governança”. A expressão Governança Corporativa foi utilizada pela primeira vez nos Estados Unidos.

O EXEMPLO LATINO-AMERICANO

No Brasil, os conselheiros profissionais e independentes começaram a surgir basicamente em resposta à necessidade de atrair capitais e fontes de financiamento para a atividade empresarial, o que foi acelerado pelo processo de globalização e pelas privatizações de empresas estatais no país. Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o modelo empresarial brasileiro encontra-se num momento de transição. De oligopólios, empresas de controle e administração exclusivamente familiar e controle acionário definido e altamente concentrado, com acionistas minoritários passivos e Conselhos de Administração sem poder de decisão, caminhamos para uma nova estrutura de empresa, marcada pela participação de investidores institucionais, fragmentação do controle acionário e pelo foco na eficiência econômica e transparência de gestão. Alguns fatores são considerados a favor dessas mudanças: a) as privatizações; b) movimento internacional de fusões e aquisições; c) impacto da globalização; d) necessidades de financiamento e, conseqüentemente, o custo do capital; e) a intensificação dos investimentos de fundos de pensão; e finalmente; f) a postura mais ativa de atuação dos investidores institucionais nacionais e internacionais. Entre as principais iniciativas de estímulo e aperfeiçoamento ao modelo de Governanças das empresas no país destacam-se a reforma na Lei das S.A., a criação do Novo Mercado pela Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa, as linhas de crédito especiais oferecidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as novas regras de investimento por parte de fundos de pensão e o projeto de reforma das demonstrações contábeis. O mercado acionário brasileiro é muito pequeno perto do que poderia representar em termos de financiamento da produção e incentivo a novos investimentos. A falta de transparência na gestão e a ausência de instrumentos adequados de supervisão das companhias são apontadas como principais causas desse cenário. Trata-se de um ambiente que facilita a multiplicação de riscos. No entanto, como no caso brasileiro, pelo lado estrutural, o risco país e a ausência de mecanismos legais de defesa dos minoritários fazem com que o mercado de ações brasileiro seja caracterizado por uma distorção entre o preço das ações e o valor intrínseco das companhias, decorrente das altas taxas de desconto aplicadas. Esta sub-avaliação generalizada distancia cada vez mais empresas e mercado, desencorajando companhias fechadas a abrir o capital e companhias abertas a utilizarem com mais freqüência o mercado de ações. Forma-se então um círculo vicioso, no qual os investidores exigem grandes descontos para adquirirem ações de empresas pouco transparentes e com risco potencial e de destruir valor ao longo do tempo, aplicando altas taxas de desconto a todas as empresas e causando um desestímulo nas companhias para utilização do mercado de capitais. Também a falta de perspectiva na utilização do mercado de capitais como real alternativa para a capitalização da companhia desencoraja a busca das empresas pela adoção de melhores práticas de governança corporativa. O mercado de capitais brasileiro, desde que foi criado, tem desempenhado um papel marginal no financiamento das empresas nacionais. Durante os anos 90, a situação mostrou uma inflexão; após algum crescimento no volume e valor das operações em meados da década como resultado das privatizações. Não obstante, novos obstáculos se formaram à frente do mercado de capitais brasileiro com a globalização financeira. Uma das causas é o lançamento de ADR´s (American Depositary Receipts – É um certificado, emitido por bancos norte-americanos, que representa ações) ou GDR´s no mercado acionário dos EUA ou em qualquer outra praça internacional, que apresentam menores custos de transação e maior liquidez. Empresas nacionais abriram capital no mercado doméstico apenas porque essa é uma condição para emissão de ADR’s, sem a intenção de negociar as ações internamente (Corrêa & Vieira, 2002). Outro motivo seria conseqüência da compra de estatais por investidores internacionais ou alguns grupos nacionais que decidiram fechar o capital dessas empresas após assumirem seu controle.

NOVAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA

Para tentar reverter essa tendência, a BOVESPA criou o Novo Mercado, uma listagem separada de ações de companhias que se submetam a exigências maiores em termos de transparência e direitos dos acionistas, isto é, que adotem melhores práticas de governança corporativa. Semelhante ao Neuer Markt alemão, este Novo Mercado brasileiro exige das empresas que emitam apenas ações com direito a voto, que apresentem demonstrações contábeis de acordo com padrões internacionais, que conflitos entre controladores e minoritários sejam resolvidos por um comitê de arbitragem privado e a empresa deve se comprometer em manter um volume mínimo de negociação de suas ações, ou seja, representa uma verdadeira revolução para as estruturas de governança do país. Além do Novo Mercado, foram criados níveis diferenciados de governança corporativa para as companhias já listadas na bolsa, o Nível 1 com exigências de maior transparência e o Nível 2 semelhante ao Novo Mercado, exceto aceitação de ações sem direito a voto. Dada a importância da adoção de práticas de governança corporativa no estímulo à maior participação de empresas e investidores no mercado acionário brasileiro, a BOVESPA implantou em dezembro de 2000 dois segmentos que adotam tais práticas: o Novo Mercado e os Níveis Diferenciados. A distinção entre estes dois segmentos é que o Novo Mercado é mais voltado à listagem de empresas que venham a abrir capital, enquanto os Níveis Diferenciados são mais direcionados para empresas que já possuem ações negociadas na BOVESPA. Apesar da diferença, os dois segmentos se baseiam no mesmo principio: o de promover as informações das empresas de capital aberto, para aumentar a transparência, facilitando a análise dos investidores, independente de serem acionistas controladores ou minoritários. As práticas de governança corporativa são vistas como importantes para a BOVESPA, pois garantem proteção a todos os investidores. Em condições de fazerem uma análise mais correta, os investidores terão reduzido seu risco de investir, o que por sua vez, terá um impacto positivo sobre o valor das ações – que tenderão a se valorizar, incentivando novas empresas a participarem do mercado de capitais e as já atuantes a aumentarem suas emissões. Ou seja, o aumento da transparência e a melhora do tratamento aos investidores levam a um fortalecimento geral do mercado acionário.

CONCLUSÃO

No que diz respeito à relação institucional entre investidores e controladores, estudos empíricos apontam uma correlação positiva na disposição dos investidores em pagar um prêmio sobre o valor da ação em empresas que adotam uma política de “boa” governança corporativa (Transparência). Scheinkman (1999) cita basicamente os mecanismos de controle de conduta da firma e de transparência do seu desempenho. Transparência implica uma diminuição da incerteza sobre a qualidade do ativo, o que per si, melhora a eficiência do mercado de capitais. O controle da conduta da firma para proteção dos minoritários contra a possível expropriação por parte dos controladores requer mecanismos sólidos de monitoramento, construção de incentivos, e formas de exercer seu poder. Nesse último caso é fundamental que os minoritários tenham o poder de, quando não impuserem a estratégia da empresa, vetar aquelas que lhes são mais prejudiciais. Existe uma diferença no valor do prêmio pago pela boa governança corporativa entre diferentes regiões do mundo, e suas correspondentes instituições, e por isso, o controlador da firma deve comparar por um lado, o valor (em termos de utilidade) proporcionado o controle “não-contestável” da estratégia da firma, e por outro o prêmio a ser pago pelo emprego de uma governança corporativa.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BOVESPA. “Desafios e Oportunidades para o Mercado de Capitais Brasileiro”. Estudos para o Desenvolvimento do Mercado de Capitais. São Paulo: Bovespa, 2000.

BUAINAIN, A.; SILVEIRA, J.M.F.J. & MARQUES, M. “O Programa Cédula da Terra e a reorganização fundiária no Brasil”. Campinas: Ie/Unicamp, 1999 (Mimeo).

CANUTO, O. “Quanto vale uma boa governança corporativa?” Valor Econômico, 24 de outubro. São Paulo, 2000.

CAVALCANTE, Francisco. Mercado de Capitais / Comissão Nacional de Bolsas. Rio de Janeiro : Elsevier, 2005 – 5ª Reimpressão.  

CORRÊA, V. P. & VIEIRA, E. R. “Mercados de Capitais e Governança Corporativa no Brasil: reflexões sobre os movimentos recentes”. Anais do VII Encontro Regional de Economia. Fortaleza, 2002. Disponível em <www.bnb.gov.br/projforumeconomia>.

COUTINHO, L. G. e RABELO, F. M. “Corporate Governance in Brazil”. OECD working papers, Abril de 2001. Disponível em <www.oecd.org>.

FILHO, Fernando Ferrari. Políticas Econômicas para o Crescimento com Estabilidade de preços. Sâo Paulo. Fundação Konrad Adenauer, 2003.

LODI, J. B. Governança Corporativa: O Governo da Empresa e o Conselho de Administração. Rio de Janeiro, Editora Campus, 2000.

RABELO, F. A & SILVEIRA, J. M. “Estruturas de governança e governança corporativa: avançando na direção da integração entre as dimensões competitivas e financeiras”.

Texto para Discussão, no77. Campinas: IE-UNICAMP, 1999.

SCHEINKMAN, J. “O desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil”. Anais do XXI Congresso da Abrapp, 2000.

SILVEIRA, A. M.; BARROS, L. A. & FAMÁ, R. “Estrutura de Governança e Desempenho Financeiro nas Companhias Abertas Brasileiras: Um Estudo Empírico”. Caderno de Pesquisas em Administração,vol. 10, no 1. São Paulo: Fea/Usp, 2003.

TORAIWA, P. “Governança Corporativa: Condições de Financiamento e Valor da Empresa”, 2003. Disponível em < www.cvm.gov.br>.

VENTURA, L. C. “Governança Corporativa e sua Aplicação dos Fundos de Pensão”. Anais do 22o Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão. Brasília: ABRAPP, 2000.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

VALDO MENEZES DE OLIVEIRA: Pós-Graduado em Engenharia Econômica e Administração de Negócios com Graduação em Ciências Econômicas. Extensão Universitária em Didática do Ensino Superior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Professor Universitário, lecionando  na Faculdade Mozarteum de São Paulo (FAMOSP) e Universidade Camilo Castelo Branco (UNICASTELO).

E-mail: prof.valdomenezes@gmail.com  

 


Terminologia dos pressupostos das medidas cautelares penais. Uma visão crítica das posturas críticas

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* Eduardo Luiz Santos Cabette

As cautelares processuais penais devem sempre estar ligadas a um caso concreto no qual estejam presentes os pressupostos cautelares gerais. Ensina a tradicional doutrina que tais pressupostos, comuns a todas as cautelares, são o "fumus boni juris" e o "periculum in mora". Em resumo, para o primeiro, se faz necessário, para a aplicação de uma cautelar, que haja indícios suficientes ou convincentes de autoria de uma infração penal, bem como esteja comprovada a existência de um crime. Já o "periculum in mora" descreve uma situação fática em que a atuação estatal repressiva deve ser de alguma forma, mais ou menos contundente, adiantada, visando preservar o interesse processual ou acautelar o meio social. Esses pressupostos comuns a todas as cautelares estão muito bem descritos na redação do artigo 312, CPP, versando sobre a Prisão Preventiva.

Segundo Câmara, esses pressupostos podem ser divididos em "probatórios" (indícios convincentes de autoria e prova do crime) e "cautelares" (interesse processual em sua imposição, por exemplo, para o bom andamento da instrução ou para assegurar a aplicação da lei penal). [01]

Nunca é demais relembrar que a exigência do "fumus boni juris" não deve ser confundida com "certeza" da autoria. Exige-se certeza quanto à existência de um crime, mas quanto à autoria bastam indícios convincentes. A exigência de certeza nessa fase não seria somente precipitada, mas uma verdadeira lesão ao Princípio da Presunção de Inocência. Portanto, o Juiz, ao fundamentar sua decisão quanto à autoria para a decretação de uma cautelar, jamais deve procurar demonstrar sua certeza quanto a ela. Assim agindo estaria perpetrando um pré – julgamento odioso em que a cautelar se transformaria em pena antecipada.

Neste ponto é interessante abordar uma discussão terminológica instalada no seio da doutrina. Alguns autores afirmam que as nomenclaturas "fumus boni juris" e "periculum in mora" seriam adequadas ao Processo Civil e não teriam cabimento no âmbito processual penal.

Lopes Júnior, por exemplo, manifesta sua discordância perante a doutrina tradicional. Aponta que essa doutrina é apoiada no escólio do autor italiano Calamandrei, cujo contributo para a ciência processual é imenso, mas afirma que o transporte de categorias da seara civil para a penal seria o problema impeditivo. [02] Prossegue, afirmando que seria impróprio falar-se em "fumus boni juris" ("fumaça do bom direito") na área criminal, pois, indaga: "Como se pode afirmar que o delito é a fumaça do bom direito? Ora, o delito é a negação do direito, sua antítese"! Para o autor, não seria requisito cautelar no Processo Penal "a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim de um fato aparentemente punível". Assim sendo, propõe a expressão latina "fumus comissi delicti" como mais apropriada, já que indicaria a probabilidade da "ocorrência de um delito" ao reverso de um direito. No seguimento critica também a expressão "periculum im mora", sob o argumento de que no processo penal não há preocupação com a passagem do tempo e o prejuízo para os interesses em jogo, o que somente ocorre no campo cível. No Processo Penal o perigo estaria ligado tão somente à conduta do imputado com risco de fuga ou prejuízo probatório. Para Lopes Júnior, "o perigo não brota do lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo. Não é o tempo que leva ao perecimento do objeto". Na verdade, o risco no bojo do Processo Criminal estaria conectado à liberdade do investigado ou acusado de modo que seria mais apropriada a expressão "periculum libertatis". [03]

Na mesma esteira situa-se Gomes, inclusive apoiando-se diretamente na opinião de Lopes Júnior:

"A velha doutrina processual penal, seguindo as clássicas lições de Calamandrei, afirma que toda medida cautelar tem que estar fundada em duas premissas: fumus boni juris e periculum in mora. Essa terminologia é adequada ao processo civil. Não corresponde em nada com as finalidades do processo penal". [04]

Anteriormente já havia na doutrina essa manifestação crítica por parte de Roberto Delmanto Júnior, o qual indicava o desajuste dos conceitos de "periculum in mora" e "fumus boni juris" na seara processual penal diante das peculiaridades ínsitas a este ramo do Direito. Da mesma forma propunha a substituição pelas expressões "fumus comissi delicti" e "periculum libertatis", apoiando-se nos ensinamentos dos autores italianos Giovanni Conso e Vittorio Grevi, assim como na doutrina nacional de Ada Pellegrini Grinover e Antonio Magalhães Gomes Filho. [05] Mais adiante em sua obra traz à baila os ensinamentos de Sérgio Marques de Moraes Pitombo, asseverando especificamente sobre o descabimento do "periculum in mora" no Processo Penal. Para o autor citado por Delmanto, esse conceito da processualística civil seria inadequado porque atrelado naquele campo "ao dano irreparável que a natural demora da prestação jurisdicional acarretaria, tornando o provimento jurisdicional praticamente ineficaz". Dessa forma, não se poderia, por exemplo, vincular a prisão do acusado ou investigado "à antecipação da prestação jurisdicional, sob pena de violação das garantias da desconsideração de prévia culpabilidade" (Presunção de Inocência). [06]

Com o devido respeito a essa parcela divergente da doutrina, considera-se que nada obsta o uso das expressões "fumus boni juris" e "periculum in mora" na seara criminal. Para além disso, tem-se que seriam até mesmo muito mais adequadas do que as inovadoras terminologias do "fumus comissi delicti" e do "periculum libertatis".

A crítica capitaneada modernamente por Lopes Júnior quanto ao "fumus boni juris" mediante a afirmação de que o crime seria uma negação do Direito e jamais poderia ser confundido com a "fumaça de um bom direito", tem a aparência enganadora e sedutora das retóricas, mas, na realidade sustenta-se sobre uma fragilidade argumentativa tremenda. Essa doutrina pretende convencer pela afirmação de que a "fumaça do bom direito" estaria ligada à conduta do agente, o que realmente tornaria absurdo seu uso no campo penal. Mas, na realidade, nem no campo penal, nem no cível, o "fumus boni juris" se refere à atuação do sujeito passivo da medida cautelar, à legalidade ou não de sua conduta e sim à probabilidade de existência do Direito pleiteado pelo requerente da medida cautelar. É isso que é necessário demonstrar para obter uma cautelar no campo civil ou no campo penal, jamais que o sujeito passivo da medida tenha agido de modo regular. Ora, se assim fosse não deveria sofrer qualquer tipo de constrição, seja na seara civil ou penal!

Há um evidente desvio no raciocínio que faz com que este se perca nas brumas da ilogicidade. Mas, a retórica com que é construído pode enganar a muitos e até ao próprio elaborador da teoria. No campo penal, obviamente, não se fala em "fumus boni juris" com relação à boa conduta, à conduta reta no Direito do suposto autor de um crime. Isso seria verdadeira insanidade! O "fumus boni juris" para fins de imposição de uma cautelar constritiva de direitos individuais logicamente se refere à existência, no caso concreto, de elementos mínimos de convencimento quanto à probabilidade futura de procedência de uma acusação. Assim também ocorre na seara civil, quanto à probabilidade mínima de procedência do interesse do autor. Também no campo cível não se baseia o "fumus boni juris" na conduta reta do sujeito passivo da medida. Será que alguém que não quita suas dívidas age de acordo com o Direito e quando tem contra si uma cautelar de busca e apreensão de um bem isso se dá porque se apura a "fumaça do bom direito" de seu agir? Não, muito ao contrário, o devedor contumaz comete um "ilícito civil", sem qualquer "fumaça de bom direito". Quem tem a "fumaça do bom direito" é o autor do pedido de busca e apreensão do bem. Parece que o ímpeto de demonstrar diferenças entre o campo civil e o penal (o que ademais não é novidade nenhuma) leva alguns a exagerarem nas construções críticas, até mesmo se esquecendo que assim como existe um "ilícito penal", existe um "ilícito civil".

Também não passa de um jogo de palavras a alegação de que "não seria requisito cautelar no Processo Penal ‘a probabilidade de existência do direito de acusação alegado, mas sim de um fato aparentemente punível’", propondo "a expressão latina ‘fumus comissi delicti’ como mais apropriada, já que indicaria a probabilidade da ‘ocorrência de um delito’ ao reverso de um direito". Qual seria afinal a diferença relevante entre "a probabilidade da existência de um direito de acusação" e "a probabilidade da existência de um fato aparentemente punível". Seria um erro pensar que uma coisa depende da outra e que na verdade formam um conjunto indissociável? Ora, se há a aparência de um fato punível, então necessariamente há a aparência de um direito de acusação! Se há a probabilidade de ocorrência de um delito, necessariamente há a probabilidade de um direito de punir ("jus puniendi")! A doutrina sob visão crítica é altamente tautológica!

Outra questão que parece passar despercebida pelos detratores da expressão "fumus boni juris" no Processo Penal é que nem todas as medidas cautelares referem-se a uma coação do investigado ou processado. Mesmo que se admitisse, "ad argumentadum tantum", que a "fumaça do bom direito" se referisse absurdamente à conduta do suposto infrator e então se pudesse aceitar as críticas de autores como Lopes Júnior e outros à expressão, como ficariam seus argumentos diante de cautelares que não se referem a constrições, mas sim a liberações do investigado ou processado? Será que se poderia utilizar a expressão unívoca do "fumus comissi delicti" para esses casos ligados diretamente à concretização da Presunção de Inocência no proceder processual e pré – processual?

É certo que alguns chamam tais medidas de "contra – cautelares", mas, na verdade, são espécies autônomas de cautelares apenas com finalidades diversas das constritivas. [07] Usando os exemplos da liberdade provisória a ser concedida para alguém preso em flagrante ou da revogação de uma prisão preventiva ou temporária. Como se poderia adequar a essa situação a expressão limitada do "fumus comissi delicti"? Essa expressão pode até ser aceitável para o decreto de cautelares limitativas dos direitos individuais, tais como prisões provisórias e outras, mas jamais para medidas liberatórias. Seria a "fumaça do cometimento de um delito" que levaria à concessão da liberdade provisória? Não parece que isso seja correto. É o respeito à Presunção de Inocência que justifica a regra da liberdade provisória no Processo Penal, exatamente pela presença do "fumus boni juris" reverso ao presente nas cautelares constritivas, qual seja, aquele de que o investigado ou réu pode ser inocente e, mais que isso, assim deve ser considerado até o trânsito em julgado de decisão condenatória. Eis a "fumaça do bom direito" com fulcro constitucional e principiológico, a qual jamais se adequaria à tão festejada expressão inovadora do "fumus comissi delicti". Portanto, o "fumus boni juris" ainda tem a vantagem de ser uma expressão mais abrangente e polimorfa, adequando-se a qualquer espécie cautelar, mediante um ajuste no raciocínio que deve guiar cada caso concreto. Já a expressão "fumus comissi delicti" é fechada em sua univocidade, inadmitindo uma variância semântica desejável a partir do fato de que as medidas cautelares são múltiplas em sua natureza ora constritiva ora liberatória.

Também com relação à expressão latina "periculum in mora" não há razão plausível para tanta confusão a ponto de fazer lembrar o título da festejada comédia de Shakespeare "Muito Barulho Por Nada".

Segundo alguns, no Processo Penal as providências cautelares não teriam por uma de suas motivações a natural demora nos trâmites processuais sob o risco de prejudicar a adequada prestação jurisdicional. Ou muito há de engano no pensamento que ora é defendido ou o Processo Penal sofre das mesmas agruras que o Processo Civil no que diz respeito à luta pela conjugação do binômio eficiência/agilidade. Tanto um processo penal como um civil muito rápido pode levar à injustiça da decisão. Assim também um processo muito lento pode conduzir ao mesmo caminho ou a inutilidade de uma decisão justa.

Ao que se saiba no Processo Penal Brasileiro e também em outras paragens não se vive num país das maravilhas quanto à rapidez das respostas jurisdicionais e nem isso é plenamente possível numa Justiça Temporal que depende de certo amadurecimento e de um procedimento cauteloso para a formulação de uma decisão que mais se aproxime do justo. Certo lapso temporal razoável entre o fato em apuração e a conclusão do processo com a formulação de um "decisum" é absolutamente necessário e nem sempre as circunstâncias que envolvem determinados casos concretos permitem a espera desse prazo para a tomada de algumas medidas urgentes (urgência ou preventividade é característica das cautelares em geral, tanto no Processo Civil, como no Penal).

Quando se propõe a expressão "Periculum libertatis" para substituir o "Periculum in mora" pretende-se com isso afastar a questão da demora, da urgência ou preventividade das cautelares no Processo Penal, o que parece insustentável. Novamente trata-se de uma manipulação de palavras. Afinal por que existiria um "Periculum libertatis" (perigo na liberdade exercida pelo réu ou indiciado), a não ser pelo fato de que a demora na tomada de uma medida para contê-lo de alguma forma, optando-se pela simples espera inerte do tempo do processo e da decisão definitiva, poderia produzir prejuízos probatórios, executórios ou no meio social? Não fosse por isso, seria certamente muito melhor abster-se de qualquer medida antecipada, aguardando calmamente e cautelosamente pelo desfecho processual em total respeito à Presunção de Inocência. Que perigo pode existir na liberdade do imputado se não atrelado a um possível prejuízo decorrente da mora processual? Se não há urgência ou preventividade, característica comum a toda cautelar, não há necessidade de qualquer provimento dessa espécie. É incrível que autores que primam por uma visão garantista do Processo Penal não enxerguem o absurdo que seria sustentar o mero "Periculum Libertatis" apartado do "Periculum in mora"!

Quando Delmanto cita Pitombo asseverando que esse conceito do "Periculum in mora" da processualística civil seria inadequado porque atrelado naquele campo "ao dano irreparável que a natural demora da prestação jurisdicional acarretaria, tornando o provimento jurisdicional praticamente ineficaz", não sendo possível, por exemplo, vincular a prisão do acusado ou investigado "à antecipação da prestação jurisdicional, sob pena de violação das garantias da desconsideração de prévia culpabilidade", fica nítida uma distorção que consiste na insistência em desconsiderar a problemática da temporalidade no Processo Penal sem qualquer sustentação prática, bem como a conexão espúria e falseada entre o reconhecimento da urgência ou preventividade no campo penal e a suposta violação do Princípio da Presunção de Inocência. Assim como no campo civil a concessão de uma liminar ou de uma medida cautelar não significa um pré – julgamento da questão conflituosa, também na seara penal a adoção de uma medida cautelar não significa, como é de conhecimento vulgar, uma decisão condenatória e nem mesmo absolutória. Será que uma Prisão Preventiva significa que o réu será condenado? Ou a concessão de liberdade provisória já dá a entender que ele será ao final absolvido?

Para a concessão de cautelares é sim necessário um juízo de probabilidade quanto ao futuro do processo. Mais uma vez insista-se, um juízo de probabilidade e não de certeza, nunca de certeza. Isso sim (um juízo de certeza nessa fase precária) configuraria uma violação à Presunção de Inocência. Mas, isso nada tem a ver com o reconhecimento de que a demora natural do Processo Penal (como também o é na seara civil) pode sim acarretar danos à futura (provável e não certa) execução de uma pena em perspectiva; pode também acarretar danos irreparáveis à instrução criminal, sendo necessária a adoção de medidas de urgência para muitas vezes conter o suposto (note-se, "suposto") criminoso. Essas são medidas instrumentais que fazem adiantar certos provimentos porque a dinâmica dos fatos pode frequentemente ultrapassar a dinâmica do processo, seja ele civil ou penal. Se houver a pretensão de esperar o provimento jurisdicional definitivo de um réu que está fugindo para o exterior a fim de encarcerá-lo, tal provimento será inútil sim, tão inútil quanto a entrega de um bem deteriorado a quem o pleiteia no campo civil. Mas, afirmar isso não seria violar a Presunção de Inocência, mediante a alegação de que haveria a imposição provisória da pena? Claro que não! A medida cautelar da Prisão Preventiva "in casu" é imposta com base na simples probabilidade e não na certeza. Isso é comezinho no campo das cautelares penais. Entre respeitar a Presunção de Inocência e advogar por uma Justiça cega, impotente ou ingênua permeia uma grande distância.

Além disso, novamente parece que os críticos do "Periculum in mora" olvidam a existência de cautelares liberatórias, tal como a Liberdade Provisória. Pergunta-se: como se poderia adequar a expressão "Periculum Libertatis" a uma decisão judicial de concessão de Liberdade Provisória? Devido ao perigo existente na manutenção do réu ou indiciado em liberdade o Juiz o colocaria em liberdade? Não é preciso insistir na teratologia dessa afirmação!

Por que será que os juízes colocam as pessoas em regra em liberdade durante os processos criminais? A resposta é mais que óbvia até mesmo para um iniciante nos estudos do Direito. Trata-se da aplicação do Princípio da Presunção de Inocência. Não é coerente com esse princípio que alguém considerado inocente até prova em contrário seja mantido no cárcere até que se tome uma decisão definitiva. E o que permeia essa questão entre mantê-lo encarcerado ou liberá-lo para responder ao processo em liberdade? Obviamente que é a questão do tempo do processo! Nada mais cristalino do que a constatação de que é preciso soltar o mais rapidamente possível àquele que é acobertado pela Presunção de Inocência. Aliás, é nesse sentido que se procederam a recentes reformas, obrigando mais claramente o Juiz a analisar a necessidade de manter o encarceramento em casos de flagrante, convertendo-o em preventiva ou desde logo conceder a liberdade provisória com ou sem fiança (vide artigo 310, CPP com a nova redação dada pela Lei 12.403/11). É claro que não se trata aqui de nenhum "Periculum Libertatis" e sim muito obviamente do tradicional "Periculum in mora". Ou será que em respeito à Presunção de Inocência deveríamos manter o réu preso até sua absolvição, desprezando a questão da temporalidade no Processo Penal como parecem querer alguns.

Novamente, tal qual ocorreu com o "fumus boni juris", a expressão "Periculum in mora" é polimorfa e adaptável a todas as situações de urgência que envolvem as cautelares penais, sejam elas constritivas ou liberatórias. De outra banda, a expressão "Periculum Libertatis" sofre de pobreza semântica que a impede de ser utilizada em todos os casos.

É interessante observar como uma suposta visão crítica das expressões em estudo se agiganta embora nitidamente não dotada de sustentação apta a superar a mera retórica. A crítica da tradição é importante, não somente no mundo jurídico, mas em todas as áreas. É por intermédio da crítica que se renovam os conceitos e que a criatividade brota aperfeiçoando a ciência, a sociedade e os indivíduos. Mas, a crítica pela crítica, ancorada em argumentos meramente retóricos pelo simples prazer de romper de alguma forma com a tradição e não de aprender com ela, deve ser rechaçada com veemência

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REFERÊNCIAS

CÂMARA, Luiz Antonio. Medidas cautelares pessoais, prisão e liberdade provisória. 2ª. ed. Curitiba: Juruá, 2011.

DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2ª. ed. Ri de Janeiro: Renovar, 2001.

GOMES, Luiz Flávio, MARQUES, Ivan Luís. (coord.). Prisão e Medidas cautelares. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2011.

LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.


 

EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE:  delegado de polícia, mestre em Direito Social, pós-graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, professor da graduação e da pós-graduação da Unisal

Elaborado em

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

 

Notas

1.   CÂMARA, Luiz Antonio. Medidas cautelares pessoais, prisão e liberdade provisória. 2ª. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 117.

2.   LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 13 – 14.

3.   Op. Cit., p. 14 – 15.

4.   GOMES, Luiz Flávio, MARQUES, Ivan Luís. (coord.). Prisão e Medidas cautelares. 2ª. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 33. Ainda no mesmo sentido, também se referindo à doutrina de Lopes Júnior ver: CÂMARA, Luiz Antonio. Op. Cit., p. 117.

5.   As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. 2ª. ed. Ri de Janeiro: Renovar, 2001, p. 83 – 84.

6.   Op. Cit., p. 155.

7.   Essa questão mereceria uma abordagem particular que não cabe nos estritos limites deste texto, mas se pode adiantar que a liberdade provisória não é a negação de uma cautelar de prisão, mas sim uma cautelar autônoma.


DIREITOS AUTORAIS NA ÓTICA DO STJEcad: música, dinheiro e polêmicas na Justiça

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ESPECIAL: *STJ – Criado pela Lei 5.988/73, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) é uma instituição privada com missão tão importante quanto complexa: recolher direitos autorais de execuções musicais e distribuí-los aos seus titulares. A instituição tem passado por diversas polêmicas, como acusações de cartelização e até investigação por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal. No Superior Tribunal de Justiça (STJ) há quase 3 mil processos envolvendo o escritório, sendo ele próprio o autor de cerca de dois terços dessas ações. Muitas das questões jurídicas sobre direitos autorais causaram polêmica.

O julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.117.391 gerou divergência na Segunda Seção ao determinar que hotéis que tenham aparelhos de TV ou rádio em seus quartos devem recolher direitos autorais. O Ecad alegou que oferecer a comodidade de TV ou rádio nos quartos ajudaria os hotéis a captar clientes e geraria lucro indireto.

Além disso, os quartos de hotel são locais de frequência coletiva e já seria estabelecido na jurisprudência do STJ que a captação de programação nesses locais deve recolher direitos. O ministro relator da matéria, Sidnei Beneti, considerou que, com a Lei 9.610/98, firmou-se o entendimento de que a cobrança do Ecad sobre o uso dos aparelhos em quartos de hotel seria legal. Seu voto foi acompanhado pela maioria da Seção.

Outra jurisprudência já firmada no STJ refere-se à cobrança de direitos na execução de obras musicais em eventos públicos e gratuitos. Um exemplo desse entendimento é o REsp 996.852, que tratou de um rodeio público no estado de São Paulo. O ministro Luis Felipe Salomão, responsável pelo caso, observou que, antes da Lei 9.610, a existência de lucro era imprescindível à possibilidade de cobrança dos direitos de autor. Depois dela, bastaria o proveito obtido com a música para incidirem os direitos autorais.

Decisão semelhante foi dada no REsp 908.476 pelo ministro aposentado Aldir Passarinho Junior. No caso, o Serviço Social do Comércio (Sesc) promoveu um show com o cantor Zé Renato, sem fins lucrativos e sem cobrança de ingressos. Entretanto, o ministro Passarinho entendeu que, independentemente da cobrança ou não de ingressos, o trabalho artístico deve ser remunerado por quem dele se aproveita.

Liberdade de culto

Essa regra, no entanto, tem exceções, como entendeu o ministro Paulo de Tarso Sanseverino no REsp 964.404. Eventos religiosos e sem fins lucrativos, como o daquele processo, se enquadrariam numa das hipóteses em que se admite a reprodução não autorizada de obras de terceiros.

O ministro Sanseverino apontou que o Acordo OMC/Trips, que regula direitos autorais internacionalmente e do qual o Brasil é signatário, admite a restrição de direitos autorais, desde que não interfira na exploração normal da obra ou prejudique injustificadamente o titular. O ministro asseverou que, naquele caso, deveria prevalecer o direito fundamental à liberdade de culto, frente ao direito do autor.

O advogado Tarley Max da Silva, conselheiro da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) e especialista nas áreas de propriedade industrial e intelectual, opina que o STJ atua “primorosamente” na pacificação das divergências referentes ao Ecad. Entretanto, Tarley Max crê que a nova legislação que permitiu a cobrança mesmo em eventos sem fins lucrativos não é compatível com os objetivos da entidade. Como exemplo, ele cita os shows beneficentes com a renda voltada para causas sociais.

Transmissões de televisão a cabo também têm gerado discussões no STJ. Um exemplo foi a decisão sobre transmissão de emissoras de TV a cabo em ambientes de frequência coletiva, dada pela Quarta Turma do Tribunal no REsp 742.426. Ficou determinado que essas transmissões devem pagar direitos, mas foi afastada a multa em favor do Ecad, de 20 vezes o valor originalmente devido. A Turma entendeu que, para a aplicação da multa, seria necessário comprovar má-fé e intenção ilícita, o que não foi feito pelo Ecad.

Já o REsp 681.847 envolveu a Music Television (MTV) Brasil e o Ecad, que pretendia cobrar de forma genérica os direitos das obras exibidas pela emissora. Entretanto, o ministro João Otávio de Noronha entendeu que a MTV poderia contratar diretamente com os artistas ou com os seus representantes. Também seria possível que os artistas abrissem mão de seus direitos. O Ecad foi apontado como parte legítima para promover a cobrança de direito dos artistas, mas deve demonstrar a correção e adequação dos valores em cada caso, não bastando apresentar a conta.

Legislação defasada

A própria maneira de o Ecad cobrar direitos artísticos e aplicar multas por eventuais irregularidades tem sido contestada. O escritório tem seu próprio Regulamento de Arrecadação, mas este não pode ser imposto a quem não tenha contratado com ele, como demonstrou a decisão dada pelo ministro Massami Uyeda no REsp 1.094.279. No caso, o Ecad queria que o uso não autorizado de músicas por empresa de condicionamento físico fosse punido com multas segundo os valores estabelecidos no regulamento. Mas o ministro Uyeda entendeu que o uso não autorizado de obras passa ao largo das relações contratuais e, como o clube não tinha nenhum pacto com a entidade, deveria ser aplicada a legislação civil.

O advogado Tarley Max aponta que muitos desses processos surgem de uma legislação sobre direitos autorais que não reflete mais a complexidade da realidade atual. Ele cita como exemplo a aquisição de músicas e livros pela internet, sem o uso de um meio físico. Ainda não se desenvolveram mecanismos adequados para essa cobrança. O senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), presidente da CPI do Ecad, entretanto, vê problemas mais profundos, chegando a classificar a entidade – em entrevista recente – como “uma caixa preta”.

O senador aponta diversas irregularidades no escritório de arrecadação, como cobranças excessivas, falta de critério nos cálculos e pagamento para pessoas que não teriam direito sobre as músicas. Tarley Max aponta que há várias ações judiciais, em diversas instâncias, sustentando a inadequação da distribuição de direitos, o que acaba por desvirtuar os objetivos do Ecad.

Em nota oficial, o Ecad rebateu as acusações e afirmou que o pagamento dos direitos artísticos ou “distribuição dos lucros” é uma prática comum e legal no país e em todo o mundo. Afirmou que artistas e entidades não são obrigados a se filiar, mas que a maioria dos grandes artistas do Brasil optou pelo sistema do escritório. Também informou que em 2010 foram distribuídos mais de R$ 346 milhões de reais para um universo de 87.500 artistas e outros associados. Concluiu acusando grandes grupos de mídia brasileiros de sonegar o pagamento de legítimos direitos dos artistas.


FONTE:  STJ, 21 de agosto de 2011.

PRAZO PRESCRICIONAL DO CHEQUEData de emissão do cheque é o termo inicial para a fluência do prazo executório

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DECISÃO:  *STJ –   A  Quarta  Turma do Superior Tribunal de Justiça  (STJ)  consolidou o entendimento de  que o  cheque  deixa de ser título executivo no prazo de seis meses, contados do término do prazo de apresentação fixado pela Lei 7.357/85. A Quarta Turma considerou que o prazo de prescrição se encontra estritamente vinculado à data em que foi emitido e a regra persiste independentemente de o cheque ter sido emitido de forma pós-datada.

A Lei do Cheque confere ao portador o prazo de apresentação de 30 dias, se emitido na praça de pagamento, ou de 60 dias, se emitido em outro lugar do território nacional ou no exterior. Decorrida a prescrição, de seis meses após esses períodos, o cheque perde a executividade, ou seja, não serve mais para instruir processos de execução e somente pode ser cobrado por ação monitória ou ação de conhecimento – que é demorada, admite provas e discussões em torno da sua origem e legalidade.

No caso decidido pelo STJ, um comerciante de Santa Catarina recebeu cheques com data de emissão do dia 20 de novembro de 2000 e, por conta de acordo feito com o cliente, prometeu apresentá-los somente no dia 31 de agosto de 2001. O comerciante alegava que da última data é que deveria contar o prazo de apresentação. O cheque foi apresentado à compensação em 5 de outubro de 2001. O comerciante alegou que o acordo para apresentação do cheque deveria ser respeitado.

A Quarta Turma entende que, nas hipóteses em que a data de emissão difere daquela ajustada entre as partes, o prazo de apresentação tem início no dia constante como sendo a da emissão. Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, o cheque é ordem de pagamento à vista e se submete aos princípios cambiários. A ampliação do prazo de prescrição, segundo ele, é repelida pelo artigo 192 do Código Civil.

De acordo com o relator, a utilização de cheque pós-datado, embora disseminada socialmente, impõe ao tomador do título a possibilidade de assumir riscos, como o encurtamento do prazo prescricional, bem como a possibilidade de ser responsabilizado civilmente pela apresentação do cheque antes do prazo estipulado. 


FONTE:  STJ, 22 de agosto de 2011.

ATAQUE À HONRA GERA DANO MORALEditora e jornalistas devem indenizar magistrado por ataques à honra

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DECISÃO: *STJ –  A Quarta Turma do  Superior Tribunal de Justiça  (STJ)  manteve decisão  que condenou a  J. L. Editora  –  Jornal  Folha  do Espírito Santo, Jackson Rangel Vieira e Higner Mansur ao pagamento de indenização por danos morais ao magistrado Camilo José D´Ávila Couto.

Couto ajuizou ação de indenização contra a editora e os dois jornalistas afirmando que, no exercício da magistratura perante a 3ª e a 4ª Varas Cíveis e Comerciais da Comarca de Cachoeiro do Itapemirim (ES), no período de maio a novembro de 1998, proferiu decisão liminar em medida cautelar, na qual eram partes Nasser Youssef, a editora e Jackson Vieira, e que, por esse motivo, passou a ser alvo de diversos ataques à sua honra, imagem e integridade profissional, decorrentes de publicações veiculadas por eles.

Argumentou, ainda, que as matérias veiculadas pela Folha do Espírito Santo deturparam os fatos e possuíam conteúdo injurioso, pois o chamavam de “onipotente”, “jovem inexperiente”, “retaliador” e “inebriado de poder”, entre outras expressões do gênero, violando o seu direito à privacidade e à intimidade, constitucionalmente garantido.

A sentença julgou procedente o pedido do magistrado e condenou a editora e os jornalistas a pagar a Couto a indenização de R$ 151 mil, equivalente a mil salários mínimos, além de correção monetária. Em apelação, o valor da indenização foi reduzido para 500 salários mínimos pelo Tribunal de Justiça daquele estado.

No STJ

Em recurso especial, Higner Mansur defendeu a manifestação literária de pensamento livre, afirmando que não constitui abuso de direito a autorizar indenização moral, exceto quando inequívoca a intenção de ofender. Afirmou que, no caso, o próprio tribunal estadual expressamente se manifestou no sentido de que “realmente o limite entre o direito de crítica e a ofensa é até difícil de vislumbrar nessa situação”. Além disso, “a decisão do magistrado em Cachoeiro, na ocasião, foi bastante polêmica e daria esse tipo, com toda a certeza, de crítica ou injúria”.

A Editora e Jackson Rangel Vieira, em seu recurso, alegaram que, de acordo com o artigo 56 da Lei de Imprensa e com o entendimento do STJ, operou-se a decadência do direito do magistrado a postular indenização, não sendo aplicável a norma genérica contida no artigo 159 do Código Civil. Além disso, as notícias veiculadas não se revestiam de caráter ofensivo nem eram inverídicas, não havendo, assim, a prática de ato ilícito e abuso de direito a gerar direito à indenização.O magistrado também se insurgiu por meio de recurso especial contra a redução da indenização.

Os recursos especiais da J. L. Editora, de Jackson Vieira e Camilo José D’Ávila Couto apresentaram-se intempestivos, por isso não foram examinados pela turma.

Quanto ao recurso de Higner Mansur, que pedia a aplicação dos artigos 1º e 27 da Lei de Imprensa – considerada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como não recepcionada pela Constituição de 88 –, também não foi conhecido, pois o relator, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que o STJ não pode funcionar como mera corte revisora.

Ele lembrou que o STJ cumpre sua principal missão ao julgar o recurso especial, “desafogando o STF e o erigindo a verdadeira corte constitucional”. Por isso, acrescentou o ministro, não é possível que o STJ, “em sede de recurso especial e diante da superveniente declaração de não recepção de uma lei pelo STF, passe a desempenhar o papel de corte revisora, procedendo a novo julgamento da lide ou determinando a anulação do acórdão recorrido”. 


FONTE:  STJ, 23 de agosto de 2011.

 

Concurso de crimes, continuidade delitiva e limite quantitativo de pena para a prisão preventiva e fiança de acordo com a Lei nº 12.403/11

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*Eduardo Luiz Santos Cabette

A nova redação dada ao artigo 313, CPP pela Lei 12.403/11 alterou o critério de cabimento da prisão preventiva previsto no inciso I do citado dispositivo. Houve uma mutação de um critério qualitativo de pena (crimes dolosos apenados com reclusão) para um critério quantitativo de pena (crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos). Da mesma forma operou-se a mudança do artigo 322, CPP no que tange à possibilidade de arbitramento de fiança pela Autoridade Policial. Antes da Lei 12.403/11 o critério também era qualitativo. A Autoridade Policial somente poderia arbitrar fiança em infrações penais não apenadas com reclusão (prisão simples ou detenção). Agora o critério é quantitativo. A Autoridade Policial poderá arbitrar fiança em infrações cuja pena privativa de liberdade máxima não for superior a quatro anos.

Essa alteração legislativa remete ao campo da prisão preventiva e da fiança antiga discussão existente acerca da influência ou não do concurso de crimes (material ou formal) e dos casos de crime continuado, com suas somatórias e acréscimos de pena, quanto à determinação, em casos concretos dados, da possibilidade de decreto de preventiva e de arbitramento de fiança pela Autoridade Policial.

Neste trabalho pretende-se demonstrar como a doutrina e a jurisprudência têm reagido a essa problemática em casos semelhantes em que a lei adota o critério quantitativo de pena e, com isso, traçar uma possível tendência interpretativa que deverá ser aplicada aos novos ditames do artigo 313, I e 322, CPP.

A questão é simples: a lei estabelece uma quantidade de pena como critério para alguma finalidade penal e/ou processual penal. Uma infração tem pena em abstrato máxima que não supera aquele patamar, mas, no caso concreto, há concurso de crimes ou crime continuado e então, com o aumento respectivo ou a somatória (concurso material) o patamar exigido é atingido. Isso exerceria alguma influência ou deveria simplesmente ser considerado cada delito em separado com sua pena "in abstracto"?

Já é suficientemente pacificado que esses critérios quantitativos sofrem influências por causas de aumento e diminuição de pena, bem como qualificadoras e não se alteram com relação à mera presença de agravantes e atenuantes. [01] Resta, portanto, a solução quanto ao problema do concurso de crimes e da continuidade delitiva.

A Lei 9099/95 sempre adotou critérios quantitativos de pena para determinação do que sejam infrações de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a 2 anos – artigo 61) e para o estabelecimento dos ilícitos para os quais cabe o instituto da suspensão condicional do processo (pena mínima não superior a 1 ano – artigo 89). Quanto aos efeitos das causas de aumento e diminuição, bem como agravantes e atenuantes, já foram expostos. Agora deve-se avaliar como têm sido interpretados os efeitos do concurso de crimes e do crime continuado. Embora haja certa polêmica doutrinária e jurisprudencial, tem predominado a tese de que a presença de concurso de crimes ou crime continuado elevando o patamar quantitativo da pena retira "in casu" a qualidade de infração de menor potencial ou de infração para a qual cabe a suspensão condicional do processo. [02] Tal entendimento já é inclusive sumulado pelo STF e STJ. [03]

Outro caso que se relaciona ao problema estudado é o da inafiançabilidade dos crimes apenados com reclusão cuja pena mínima ultrapasse dois anos (artigo 323, I, CPP antes da Lei 12.403/11). Também, não sem que haja discussão doutrinário – jurisprudencial, tem prevalecido o pensamento de que se a somatória (concurso material) ou a exasperação (concurso formal ou crime continuado) elevar o patamar da pena mínima acima de dois anos, haveria inafiançabilidade. [04] Diverso não é o entendimento de Mossin, defendendo que tanto o concurso material, como o formal e a continuidade delitiva, ao aumentarem o patamar mínimo acima de dois anos, impedem a concessão de fiança. [05] Mesmo autores como Tourinho Filho [06] e Greco Filho [07], que discordam dessa interpretação, são obrigados a reconhecer que tanto STF como STJ adotam o entendimento acima exposto, inclusive com existência de súmula a respeito do assunto. [08]

Com essa dupla de exemplos entende-se suficientemente demonstrada a tendência doutrinário – jurisprudencial, embora não pacífica, de considerar a somatória e exasperação ocasionadas pelo concurso de crimes e pela continuidade delitiva como influenciadoras nos critérios quantitativos penais adotados pelo legislador, de modo a impedir ou possibilitar a aplicação de determinados institutos condicionados à quantidade de pena. Assim sendo, firma-se o prognóstico de que deverá prevalecer no futuro o entendimento de que em caso de concurso de crimes ou de crime continuado que faça o patamar máximo ultrapassar 4 anos, seja cabível a prisão preventiva com base no artigo 313, I, CPP (Lei 12.403/11). No mesmo diapasão tem –se que nessas situações a Autoridade Policial não poderá conceder fiança nos termos do artigo 322, CPP, conforme a Lei 12.403/11. Note-se que pela nova ordem processual erigida pela Lei 12.403/11 os patamares quantitativos são os mesmos para cabimento da preventiva e não cabimento da fiança pela Autoridade Policial (pena máxima superior a 4 anos), o que é coerente com o disposto no artigo 324, IV, CPP (nova redação) que estabelece ser proibida a fiança "quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva". Nessa mesma toada, entende-se que causas de aumento ou diminuição de pena, bem como qualificadoras influenciarão no cabimento ou não da preventiva e da fiança. Assim também não exercerão influência as presenças de agravantes ou atenuantes, tal como se tem entendido em casos semelhantes. [09]

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NOTAS

1.    Por exemplo, se uma infração tem pena máxima de 2 anos, então é de menor potencial ofensivo (artigo 61 da Lei 9099/95). No entanto, se presente uma causa de aumento de pena, perde essa qualidade. Já se presente tão somente uma agravante genérica nada se altera.

2.    Assim dois furtos em concurso material ou formal ou continuidade, tornariam a pena mínima de dois anos (concurso material) ou de pouco mais de um ano (concurso formal ou continuidade), retirando a possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo. Também no caso de crimes de desacato e resistência, por exemplo, em concurso formal ou material o patamar máximo superaria dois anos de modo a descaracterizar a qualidade de infrações de menor potencial. Grinover, Gomes Filho, Scarance Fernandes e Gomes discordam dessa interpretação, mas admitem que esse tem sido o entendimento dos tribunais superiores brasileiros. GRINOVER, Ada Pellegrini, "et al." Juizados Especiais Criminais. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002, p. 74.

3.      Súmula 723, STF – "Não se admite suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano". Súmula 243 STJ – "O benefício da suspensão condicional do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano". Obviamente, "mutatis mutandis", tais interpretações são extensíveis ao conceito de infração penal de menor potencial ofensivo.

4.  BONFIM, Edilson Mougenot. Código de Processo Penal Anotado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 567. "Se a soma das penas mínimas abstratamente cominadas a cada um dos delitos for superior a dois anos, será inadmissível a prestação do benefício da fiança – art. 323, I, do CPP (STF: RT 771/513; TJRJ: RT 553/420)". Também obviamente, "mutatis mutandis", a orientação vale para as exasperações do concurso formal e crime continuado.

5.  MOSSIM, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal à luz da doutrina e da jurisprudência. Barueri: Manole, 2005, p. 651.

6.  TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 688.

7.  GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 273.

8.  Súmula 81 STJ – "Não se concede fiança quando, em concurso material, a soma das penas mínimas cominadas for superior a dois anos de reclusão". Também há decisões do STF nesse sentido: "Não se concede fiança ao réu que responde por crimes em concurso material, cujas penas mínimas somadas excedam dois anos de privação de liberdade" (RT 102/624 e 116/511). Também aqui, obviamente, "mutatis mutandis", o mesmo raciocínio deve ser estendido aos casos de exasperações do concurso formal e do crime continuado.

9.  Durante a elaboração deste trabalho veio à lume no Estado de São Paulo a Recomendação DGP – 4, de 21.07.2011 determinando exatamente que: "As Autoridades Policiais, ao decidirem sobre a liberdade provisória mediante fiança prevista no art. 322 do Código de Processo Penal, poderão analisar, de acordo com seu convencimento jurídico, concurso material e outras causas de aumento e/ou diminuição de pena, decidindo motivada e fundamentadamente, a respeito da possibilidade ou não da concessão do benefício legal".

 

 

REFERÊNCIAS

BONFIM, Edilson Mougenot. Código de Processo Penal Anotado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GRINOVER, Ada Pellegrini, "et al." Juizados Especiais Criminais. 4ª ed. São Paulo: RT, 2002.

MOSSIM, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal à luz da doutrina e da jurisprudência. Barueri: Manole, 2005.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

EDUARDO LUIZ SANTOS CABETTE:  delegado de polícia, mestre em Direito Social, pós-graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, professor da graduação e da pós-graduação da Unisal