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OCIOSIDADE GERA DANO MORALJustiça do Trabalho Mineira condena instituição de ensino que obrigou chefe de departamento a permanecer ociosa na garagem

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DECISÃO: *TRT-MG – Uma professora universitária, que chegou a ocupar o cargo de chefia de departamento pessoal, teve sua função rebaixada, passando a cumprir sua jornada de trabalho na garagem da instituição de ensino onde trabalhava. No novo ambiente de trabalho a professora não recebia qualquer tarefa e os únicos instrumentos fornecidos pela empregadora eram uma cadeira e uma mesa pequena. Esse foi um dos problemas que deram origem à ação movida pela professora contra a instituição de ensino. Diante da comprovação desse fato, a 3ª Turma do TRT-MG manteve a condenação da fundação reclamada ao pagamento de uma indenização no valor de R$10.000,00 pelos danos morais experimentados pela professora. 

Protestando contra a condenação imposta em 1º grau, a fundação reclamada reafirmou que não houve humilhação ou constrangimento na alteração da função da reclamante, salientando, ainda, que ela passou a trabalhar no arquivo por livre e espontânea vontade. Porém, a testemunha ouvida confirmou que, em dezembro de 2008, a professora passou a ocupar o cargo de chefia de departamento pessoal e que, por volta de agosto de 2009, ela passou a desempenhar funções de arquivo, tendo que permanecer, depois disso, na garagem do prédio, em situação de total isolamento e ociosidade. A testemunha declarou, chocada, que, até para ela, foi constrangedor presenciar os sucessivos rebaixamentos funcionais de uma pessoa que foi sua chefe. A própria testemunha da reclamada confirmou que a professora foi obrigada a cumprir sua jornada na garagem. 

Para o desembargador Bolívar Viégas Peixoto, relator do recurso, as provas apresentadas demonstraram de forma satisfatória que a trabalhadora teve o posto de trabalho reduzido, o que lhe causou desconforto e a sensação de inferioridade perante seus colegas de trabalho. No modo de ver do julgador, ficou claro que a transferência da reclamante de uma função de maior responsabilidade, como coordenadora de curso e chefe de departamento, para outra função de menor prestígio na ré e, ainda, em situação de ociosidade, acarretou, por óbvio, constrangimento e humilhação à empregada. "Vale dizer, ainda, que a reclamante chegou laborar numa garagem, ambiente de trabalho nada propício", salientou o desembargador.

Assim, acompanhando o voto do relator, a Turma considerou razoável a indenização de R$10.000,00 fixada pelo juiz sentenciante, por entender que o valor é compatível com a extensão do dano, o abalo emocional e a sensação de constrangimento experimentada pela vítima, atendendo às finalidades punitiva, pedagógica e compensatória da indenização.(0000051-03.2010.5.03.0147 ED)  


FONTE:  TRT-MG, 29 de novembro de 2011.

INDENIZAÇÃO PELO FATO DO PRODUTOFabricante de cosméticos é condenada a indenizar mulher por queda de cabelo

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DECISÃO: *TJRS – Independentemente da existência de culpa, o fornecedor de produtos responde pela reparação dos danos causados por defeitos relativos às mercadorias que disponibiliza aos consumidores, bem como quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera. Com base nesse entendimento, a 6ª Câmara Cível condenou a Embeleze Cosméticos a indenizar por dano moral, no valor de R$ 5 mil, cliente que perdeu o cabelo após realizar alisamento. A decisão reformou sentença proferida em 1º Grau, na Comarca de Canoas. 

Caso 

A autora ajuizou ação de indenização contra a Embeleze Cosméticos depois de alisar os cabelos com o produto Confiance AmaciHair, produzido pela ré. Alegou que em setembro de 2007, depois de realizar os testes recomendados na bula, aplicou o produto nos cabelos. Passados 15 minutos, começou a sentir ardência na cabeça, razão pela qual enxaguou os cabelos e procurou atendimento médico.  

Afirmou ter perdido mais de metade dos cabelos, sendo que os fios restantes ficaram quebradiços e danificados. Sustentando dano patrimonial e também moral, pediu a condenação da indústria demandada ao pagamento de indenização a ser arbitrada pelo juízo.

Citada, a Embeleze contestou, alegando não ter ficado demonstrado que a autora tenha utilizado o AmaciHair ou realizado os testes de toque e de mecha, indispensáveis à aplicação do produto. Sustentou não ser o caso de defeito do produto, e sim de má utilização pela consumidora. E requereu a improcedência da ação, além da condenação da autora por litigância de má-fé.

Sobreveio a sentença pela improcedência da ação com base no disposto no artigo 12, § 3º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, concluindo pelo afastamento da responsabilidade civil da ré por culpa exclusiva da consumidora em razão da má-utilização do produto.

Inconformada, a autora apelou buscando o ressarcimento pelo dano moral sofrido.

Apelação 

O pleito foi provido pelo Tribunal de Justiça do Estado. Para o relator do acórdão, Juiz de Direito Léo Romi Pilau Júnior, é incontestável o efeito danoso, inesperado e indesejável causado no cabelo da autora pelo produto AmaciHair, estando presentes o fato do produto, o dano e o nexo causal.

Segundo ele, as razões de decidir do juízo de origem enfrentaram a questão pelo fato de ter havido descuido por parte da autora na utilização do produto, pois o teria feito sem observar as instruções de uso.

Entretanto, evidencia-se que o dano está ligado ao fato do produto em razão deste omitir-se quanto aos riscos de perigo ao consumidor no caso de acidente, uso indevido ou má aplicação, diz o voto do relator. Nas instruções de uso, nada é referido sobre possíveis efeitos colaterais ou indesejados no caso de não observância das prescrições ali contidas, prossegue.

O magistrado destacou que a única menção encontrada a respeito do potencial ofensivo a que o consumidor está exposto em relação ao produto está referida na parte inferior da embalagem, onde estão relacionados efeitos colaterais gravíssimos, porém em letras miúdas e localizados na parte da caixa que fica voltada para baixo.

No folheto que contém as explicações de uso, não consta alerta algum quanto à existência de risco de qualquer espécie ao consumidor tampouco menção à obrigatoriedade de prova de toque antes de iniciar o tratamento, observou o relator. Também não há referência a possibilidade de alopecia (queda de cabelos) decorrente da aplicação do produto, sendo o efeito prometido na embalagem do tratamento ‘Transformação AmaciHair Confiance’ totalmente dissociado daquele que vitimou a autora, acrescentou.

Presentes os elementos que caracterizam a responsabilidade civil, está configurado o dever de indenizar. Também participaram da votação, realizada em 27/10, os Desembargadores Luís Augusto Coelho Braga e Artur Arnildo Ludwig.  Apelação Cível nº 70035968882


FONTE:  TJRS, 25 de novembro de 2011.

ALIENAÇÃO PARENTALJudiciário não deve ser a primeira opção, mas a questão já chegou aos tribunais

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ESPECIAL: *STJ –  Ainda uma novidade no Judiciário brasileiro, a alienação parental vem ganhando espaço no direito de família e, se não detectada e tratada com rapidez, pode ter efeitos catastróficos. “Síndrome da Alienação Parental” (SAP) é o termo proposto pelo psicólogo americano Richard Gardner, em 1985, para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a induz a romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação a ele.

Os casos mais comuns de alienação parental estão associados a situações em que a ruptura da vida conjugal gera em um dos pais uma tendência vingativa. Quando ele não consegue aceitar a separação, começa um processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge. Nesse processo vingativo, o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao ex-parceiro.

Apenas em 2010 a alienação parental foi inserida no direito brasileiro, e já chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) como tema de processos. A Lei 12.318/10 conceitua a alienação parental como “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. Estão exemplificadas no dispositivo atitudes caracterizadoras da alienação parental e, além disso, existe a previsão de punições para seus praticantes.

Características

Nos casos identificados como alienação parental, um dos pais (o genitor alienante) procura excluir o outro (genitor alienado) da vida dos filhos, não o incluindo nas decisões mais importantes sobre a vida das crianças. O alienante também interfere nas visitas que o alienado tem com as crianças, controlando os horários e o impedindo de exceder seu tempo com os filhos. Além disso, ele inclui a criança no conflito entre os genitores, denegrindo a imagem do outro genitor e, às vezes, até fazendo falsas acusações.

“Com maior frequência do que se supõe, reiteradas barreiras são colocadas pelo guardião com relação às visitas. Esses artifícios e manobras vão desde compromissos de última hora, doenças inexistentes, e o pior disso tudo é que ocorre por um egoísmo fruto da animosidade dos ex-cônjuges, com a criança sendo utilizada como instrumento de vingança”, diz Felipe Niemezewsky da Rosa em seu livro “A síndrome de alienação parental nos casos de separações judiciais no direito civil brasileiro”.

Consequências

No centro desse conflito, a criança passa a ter sentimentos negativos em relação ao genitor alienado, além de guardar memórias e experiências exageradas ou mesmo falsas – implantadas pelo genitor alienante em um processo também chamado de “lavagem cerebral” (brainwashing).

Ao mesmo tempo, as crianças estão mais sujeitas a sofrer depressão, ansiedade, ter baixa autoestima e dificuldade para se relacionar posteriormente. “É importante notar que a doutrinação de uma criança através da SAP é uma forma de abuso – abuso emocional –, porque pode razoavelmente conduzir ao enfraquecimento progressivo da ligação psicológica entre a criança e um genitor amoroso. Em muitos casos pode conduzir à destruição total dessa ligação, com alienação por toda a vida”, explica Richard Gardner, criador do termo, em artigo sobre a Síndrome da Alienação Parental publicado na internet, em site mantido por pais, mães, familiares e colaboradores.

Ou seja, os maiores prejuízos não são do genitor alienado, e sim da criança. Os sintomas mais comuns para as crianças alienadas são: ansiedade, medo, insegurança, isolamento, depressão, comportamento hostil, falta de organização, dificuldade na escola, dupla personalidade. Além disso, por conta do comportamento abusivo ao qual a criança está sujeita, há prejuízo também para todos os outros que participam de sua vida afetiva: colegas, professores, familiares.

Papel do Judiciário

Para a especialista Hildeliza Cabral, o Judiciário não deve ser a primeira opção. “Detectada a situação, deve o genitor alienado procurar apoio psicossocial para a vítima e iniciar o acompanhamento psicoterapêutico. Em não conseguindo estabelecer diálogo com o alienante, negando-se ele a participar do processo de reconstrução do relacionamento, deve o alienado requerer ao Juízo da Vara de Família, Infância e Juventude as providências cabíveis”, escreve em artigo sobre os efeitos jurídicos da SAP.

Analdino Rodrigues, presidente da ONG Apase (Associação de Pais e Mães Separados), concorda que o Judiciário só deve ser procurado em último caso, e que os pais devem buscar o entendimento por meio do bom-senso. Só se isso não for possível é que o Judiciário deve ser procurado como mediador. A ONG atua na conscientização e informação sobre temas ligados à guarda de crianças, como alienação parental e guarda compartilhada, e atuou na formulação e aprovação da lei de alienação parental.

Porém, a alienação parental ainda é novidade para os tribunais brasileiros. “Por tratar-se de tema muito atual, ainda não existem muita jurisprudência disponível, justamente por ser assunto em estudo e que ainda enfrenta muitas dificuldades para ser reconhecido no processo”, diz Felipe Rosa.

Entretanto, ainda assim, a Justiça pode ter papel decisivo na resolução dos conflitos: “O Judiciário só necessita de técnicos qualificados (psicólogos e assistentes sociais), especialistas em alienação, para saber a gradação da mesma, ou seja, para saber até que ponto a saúde física e psicológica da criança ou adolescente está comprometida.”

No STJ

O primeiro caso de alienação parental chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em um conflito de competência entre os juízos de direito de Paraíba do Sul (RJ) e Goiânia (GO). Diversas ações relacionadas à guarda de duas crianças tramitavam no juízo goiano, residência original delas. O juízo fluminense declarou ser competente para julgar ação ajuizada em Goiânia pela mãe, detentora da guarda das crianças, buscando suspender as visitas do pai (CC 94.723).

A alegação era de que o pai seria violento e que teria abusado sexualmente da filha. Por isso, a mãe “fugiu” para o Rio de Janeiro com o apoio do Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas). Já na ação de guarda ajuizada pelo pai das crianças, a alegação era de que a mãe sofreria da Síndrome de Alienação Parental – a causa de todas as denúncias da mãe, denegrindo a imagem paterna.

Nenhuma das denúncias contra o pai foi comprovada, ao contrário dos problemas psicológicos da mãe. Foi identificada pela perícia a Síndrome da Alienação Parental na mãe das crianças. Além de implantar memórias falsas, como a de violência e abuso sexual, ela se mudou repentinamente para o estado do Rio de Janeiro depois da sentença que julgou improcedente uma ação que buscava privar o pai do convívio dos filhos.

Sobre a questão da mudança de domicílio, o juízo goiano decidiu pela observância ao artigo 87 do Código de Processo Civil, em detrimento do artigo 147, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). De acordo com o primeiro, o processo ficaria em Goiânia, onde foi originalmente proposto. Se observado o segundo, o processo deveria ser julgado em Paraíba do Sul, onde foi fixado o domicílio da mãe.

Para o ministro Aldir Passarinho Junior (aposentado), relator do conflito na Segunda Seção, as ações da mãe contrariavam o princípio do melhor interesse das crianças, pois, mesmo com separação ou divórcio, é importante manter ambiente semelhante àquele a que a criança estava acostumada. Ou seja, a permanência dela na mesma casa e na mesma escola era recomendável.

O ministro considerou correta a aplicação do CPC pelo juízo goiano para resguardar o interesse das crianças, pois o outro entendimento dificultaria o retorno delas ao pai – e também aos outros parentes residentes em Goiânia, inclusive os avós maternos, importantes para elas.

Exceção à regra

No julgamento de embargos de declaração em outro conflito de competência, o ministro Raul Araújo destacou que o caso acima é exceção, devendo ser levada em consideração a peculiaridade do fato. Em outra situação de mudança de domicílio, o ministro considerou correta a aplicação do artigo 147, inciso I, do ECA, e não o CPC (CC 108.689).

O ministro explicou que os julgamentos do STJ que aplicam o artigo 87 do CPC são hipóteses excepcionais, em que é “clara a existência de alienação parental em razão de sucessivas mudanças de endereço da mãe com o único intuito de deslocar artificialmente o feito”. Não seria o que ocorreu no caso, em que as mudanças de endereço se justificavam por ser o companheiro da genitora militar do Exército.

Guarda compartilhada

A guarda compartilhada foi regulamentada pela Lei 11.698/08. Esse tipo de guarda permite que ambos os pais participem da formação do filho, tendo influência nas decisões de sua vida. Nesse caso, os pais compartilham o exercício do poder familiar, ao contrário da guarda unilateral, que enfraquece o exercício desse poder, pois o genitor que não exerce a guarda perde o seu poder, distanciando-se dos filhos e sendo excluído da formação das crianças. Ele, muitas vezes, apenas exerce fiscalização frouxa e, por vezes, inócua.

Para a ministra Nancy Andrighi, “os filhos da separação e do divórcio foram, e ainda continuam sendo, no mais das vezes, órfãos de pai ou mãe vivos, onde até mesmo o termo estabelecido para os dias de convívio demonstra o distanciamento sistemático daquele que não detinha, ou detém, a guarda”. As considerações foram feitas ao analisar um caso de disputa de guarda definitiva (REsp 1.251.000).

De acordo com a ministra, “a guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do poder familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial.”

A ministra Nancy Andrighi considerou, ao analisar um caso de disputa da guarda definitiva, que não era necessário haver consenso dos pais para a aplicação da guarda compartilhada, pois o foco é o melhor interesse do menor, princípio norteador das relações envolvendo filhos. O entendimento de que é inviável a guarda compartilhada sem consenso fere esse princípio, pois só observa a existência de conflito entre os pais, ignorando o melhor interesse da criança. “Não se busca extirpar as diferenças existentes entre o antigo casal, mas sim, evitar impasses que inviabilizem a guarda compartilhada”, explicou a ministra.

“Com a guarda compartilhada, o ex-casal passa a se relacionar ao menos formalmente, buscando melhores formas de criar e educar os seus filhos”, explica o presidente da Apase. “Logo, a guarda compartilhada é um importantíssimo caminho para inibir a alienação parental”, completa Rodrigues. A ONG também atuou na formulação e aprovação do projeto de lei da guarda compartilhada.

O ideal é que ambos os genitores concordem e se esforcem para que a guarda dê certo. Porém, muitas vezes, a separação ou divórcio acontecem em ambiente de conflito ou distanciamento entre o casal – essas situações são propícias para o desenvolvimento da alienação parental. A guarda compartilhada pode prevenir (ou mesmo remediar) a alienação parental, por estimular a participação de ambos os pais na vida da criança. 


FONTE:  STJ, 27 de novembro de 2011.

Missão social do Advogado

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*João Baptista Herkenhoff 

Refletir sobre a missão social do advogado é a preocupação deste texto. Mas, na verdade, ao discutir a missão do advogado acabamos por enveredar por outros caminhos. Tratamos, por exemplo, da luta pela sacralidade da pessoa humana. Cuidamos dos Direitos Humanos e dos compromissos concretos que decorrem da decisão existencial de optar por essa causa.

Figuras sagradas da Advocacia, nem sempre conhecidas pelos jovens como deveriam ser, são mencionadas com reverência.

Num mundo e numa época em que se perdem os referenciais éticos, os mais velhos têm o dever de ajudar os mais jovens a buscar o sentido essencial das coisas.

Ex-alunos que se tornaram advogados e alunos de hoje que se preparam para um dia servir ao Direito, como advogados ou mesmo noutros misteres ligados ao mundo jurídico, frequentemente me interpelam sobre o que entendo deva ser o fundamento da ética profissional.

Destaco três pontos na ética do advogado:

  • seu compromisso com a dignidade humana;
  • seu papel na salvaguarda do contraditório;
  • sua independência à face dos Poderes e dos poderosos. 

Em primeiro lugar, creio que é a luta pela dignidade da pessoa humana que faz da Advocacia, não uma simples profissão, mas uma escolha existencial. 

Se nos lembramos de Rui Barbosa, Sobral Pinto, Heleno Cláudio Fragoso, qual foi a essência dessas vidas? 

Respondo sem titubear: a consciência de que a sacralidade da pessoa humana é o núcleo ético da Advocacia. 

Esta é uma bandeira de resistência porque se contrapõe à “cultura de massa” que se intenta impor à opinião pública, no Brasil contemporâneo.

A “cultura de massa” inocula o apreço “seletivo” pela dignidade humana. Em outras palavras: só algumas pessoas têm direito de serem respeitadas como pessoas.

Há um discurso dos Direitos Humanos que é um discurso das classes dominantes.  Nações poderosas pretenderam e pretendem “ensinar” direitos humanos. Esquecem-se essas nações que o imperialismo político e econômico é talvez a mais grave violação dos Direitos Humanos.

Os Direitos Humanos que propomos aos jovens como “opção de vida” não são, obviamente, os Direitos Humanos dos poderosos da Terra, dos que fazem dessa causa um instrumento da mentira.

Preferimos buscar noutras fontes a seiva dos Direitos Humanos.  E, a nosso ver, a mais rica seiva são os movimentos populares.

De minha parte, não foi somente nos livros que aprendi Direitos Humanos. Suponho que aprendi muito mais na prática, ao me comprometer com a luta dos oprimidos. Não foi um esforço solitário, mas, pelo contrário, coletivo. Companheiros que aprendiam e ensinavam – partilhavam – na Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese de Vitória. Aprendemos Direitos Humanos: nas prisões; nas chamadas “invasões”; na Catedral de Vitória, que foi aberta aos “sem teto”, quando ocorreram “despejos em massa” na capital do Espírito Santo; nas margens do Rio Doce, onde famílias estavam desabrigadas, por causa das enchentes do rio.

A apropriação dos Direitos Humanos pelos movimentos populares não significa desprezar a construção dos Direitos Humanos a partir de outros referenciais e outras origens.

Se o objetivo é a dignidade da pessoa humana, é a ruptura de todas as formas de opressão, as vertentes acabam por encontrar-se e os militantes hão de comungar as mesmas lutas.

Nosso segundo ponto lembra que o Advogado salvaguarda o contraditório, isto é, o embate de teses e provas que se defrontam perante o juiz.  Já Sêneca percebeu a necessidade do contraditório quando afirmou que “quando o juiz após ouvir somente uma das partes sentencia, talvez seja a sentença justa. Mas justo não será o juiz”.

Finalmente, vejo a independência em face dos Poderes e dos poderosos como atributo inerente ao papel do Advogado.  Não tema o advogado contrariar juízes, desembargadores ou ministros. Não tema o advogado a represália dos que podem destruir o corpo, mas não alcançam a alma.

Não tema o advogado a opinião pública.  Justamente quando todos querem “apedrejar” aquele que foi escolhido como “Inimigo Público Número 1”, o advogado, na fidelidade à defesa, é o Supremo Sacerdote da Justiça.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF, 75 anos, Juiz de Direito aposentado, Professor na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo. 

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br


INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITOImóvel da família de réu condenado em ação penal pode ser penhorado para indenizar a vítima

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DECISÃO:  *STJ –   A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)   manteve a penhora do imóvel da família de um homem condenado pelo crime de furto qualificado para pagar indenização à vítima. Os ministros reconheceram a possibilidade da penhora de bem de família em execução de título judicial decorrente de ação de indenização por ato ilícito.

A vítima no caso é uma distribuidora de alimentos. Após a condenação penal do réu pelo furto qualificado de mercadorias da distribuidora, cometido com abuso de confiança e em concurso de agentes, a empresa ingressou na esfera cível com ação de indenização de ilícito penal.

A ação foi julgada procedente para condenar o réu a pagar indenização correspondente ao valor das mercadorias desviadas, avaliadas na época em R$ 35 mil. Na execução, ocorreu a penhora de imóvel localizado da cidade de Foz do Iguaçu (PR), ocupado pela família do condenado.

O réu opôs embargos à execução pedindo a desconstituição da penhora sobre o imóvel, por se tratar de bem de família. Como o pedido foi negado em primeira e em segunda instância, veio o recurso especial ao STJ.

Efeitos da condenação

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que o artigo 3º da Lei 8.009/90 (que trata da impenhorabilidade do bem de família) aponta as hipóteses excepcionais em que o bem poderá ser penhorado. Entre elas, o inciso VI prevê a penhora quando o bem tiver sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perda de bens.

Salomão explicou que a sentença penal condenatória produz, como efeito principal, a imposição de sanção penal ao condenado. Após essa sentença, surgem alguns efeitos que podem ser de natureza penal, civil ou administrativa. Nessas duas últimas esferas, os efeitos podem ser genéricos e estão previstos no artigo 91 do Código Penal (CP). O inciso I determina que se torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.

Os efeitos genéricos são automáticos, segundo destacou o ministro. Isso significa que eles não precisam ser abordados pelo juiz na sentença penal. Ao interpretar o inciso I do artigo 91 do CP, Salomão afirmou que o legislador estabeleceu a obrigação de reparar o dano causado pelo crime, sendo desnecessária a prova do dano na área cível, pois já comprovado no processo criminal.

Penhora do bem de família

O relator apontou que a regra de exceção trazida pelo artigo 3º da Lei 8.009 decorre da necessidade e do dever do infrator de reparar os danos causados à vítima. Salomão reconheceu que o legislador não explicitou nesse artigo o caso de execução de título judicial civil, decorrente de ilícito criminal apurado e transitado em julgado.

Contudo, o relator ponderou que entre os bens jurídicos em discussão, de um lado está a preservação da moradia do devedor inadimplente e do outro o dever de ressarcir os prejuízos sofridos por alguém devido à conduta ilícita criminalmente apurada.

Segundo sua interpretação, o legislador preferiu privilegiar o ofendido em detrimento do infrator. Todos os ministros da Turma acompanharam o voto do relator, apenas com ressalvas dos ministros Raul Araújo e Marco Buzzi. Para eles, essa interpretação mais extensiva da lei deve estar sujeita à análise das peculiaridades de cada caso.


FONTE:  STJ, 11 de novembro de 2011.

EFEITOS DA CONCILIAÇÃO PRÉVIATST admite eficácia liberatória de acordo firmado sem ressalvas em comissão de conciliação

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DECISÃO: *TST – O entendimento que prevalece atualmente no Tribunal Superior do Trabalho sobre o alcance do termo de conciliação firmado entre empregado e patrão perante uma comissão de conciliação prévia é no sentido de reconhecer que esse documento tem eficácia liberatória geral, desde que não haja ressalvas. Nessas situações, o empregador fica isento da obrigação de pagar eventuais diferenças salariais reivindicadas posteriormente na Justiça pelo trabalhador.  

Recentemente, a Sexta Turma do TST julgou um recurso de revista do Banco do Brasil exatamente com esse tema. A empresa contestou a obrigação de ter que pagar horas extras decorrentes de intervalo intrajornada a ex-empregado que havia assinado um termo de conciliação. A condenação tinha sido imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, no Mato Grosso.

Na primeira instância, o juiz concluiu que houve quitação das verbas trabalhistas perante a comissão de conciliação prévia e considerou improcedente o pedido do trabalhador. Já o TRT condenou o banco a pagar as horas extras requeridas, por avaliar que a quitação estaria limitada às parcelas que constavam expressamente no termo de conciliação.

Quando o recurso chegou ao TST, o relator, ministro Maurício Godinho Delgado, aplicou ao caso a interpretação majoritária da casa, apesar de entender que a eficácia liberatória geral do termo de conciliação abrange apenas a matéria, as questões e os valores que foram objeto da demanda submetida à comissão de conciliação, não impedindo que o trabalhador busque na Justiça outros direitos.

Como explicou o ministro Godinho, a Subseção I de Dissídios Individuais já decidiu que o recibo de quitação lavrado nas comissões de conciliação prévias, em princípio, tem força ampla de quitação. Assim, não havendo ressalvas no documento assinado pelo banco e o ex-empregado(conforme parágrafo único do artigo 625-E da CLT ), o termo tinha eficácia liberatória geral, afirmou o relator. Por consequência, os ministros da Sexta Turma reformaram o acórdão do Regional e julgaram improcedente o pedido do trabalhador. Processo: RR-106400-24.2007.5.53.0003


FONTE:  TST, 11 de novembro de 2011.

TRANSPARÊNCIA NO JUDICIÁRIOPresidência do CNJ divulga andamento de processos contra juízes

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DECISÃO:  *CNJ – Já estão disponíveis no portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) as informações sobre o andamento de processos administrativos contra magistrados, em tramitação nas corregedorias gerais dos tribunais de justiça dos estados. Segundo o ministro Cezar Peluso, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de agora a população poderá acompanhar o trabalho das corregedorias na apuração de eventuais faltas cometidas por integrantes do Poder Judiciário. A medida, segundo ele, dará maior transparência aos processos disciplinares contra juízes e desembargadores em todos os tribunais.

Por enquanto, o Sistema de Acompanhamento de Processos Disciplinares contra Magistrados está sendo alimentado apenas pelos tribunais estaduais. A ideia, porém, é que a Justiça Federal e a Justiça do Trabalho também participem do sistema, colocando à disposição do público informações de processos disciplinares em seus respectivos tribunais. Os dados dos processos disciplinares – número e tipo do processo, motivo, andamento – podem ser acessados no site no CNJ, no (http://www.cnj.jus.br/presidencia). 

A decisão de divulgar as informações foi tomada pelo presidente Cezar Peluso em outubro, durante reunião com representantes do Colégio de Corregedores dos Tribunais de Justiça. Na ocasião, os  corregedores apresentaram ao ministro dados atualizados sobre os processos em andamento e sobre as punições aplicadas a membros da magistratura nos últimos dois anos. As informações, avalia o ministro, demonstram que as corregedorias estaduais estão cumprindo seu papel, apurando e punindo eventuais faltas de magistrados.

O Sistema de Acompanhamento, desenvolvido pelo CNJ, funciona online, ou seja, é atualizado a todo momento. No meio da tarde desta sexta-feira (11/11), o sistema apontava a existência de 693 processos e sindicâncias em andamento nas corregedorias de Justiça dos estados. Entretanto, alguns tribunais ainda estavam incluindo novas informações, o que alterava o número a todo momento. No quadro apresentado na sexta-feira, o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí aparecia com o maior número: 211 processos, seguido por São Paulo, com 134. Em terceiro lugar estava o Amazonas, com 59 processos.


FONTE:  CNJ, 12 de novembro de 2011.

O futuro das cidades e o planejamento urbano, na visão da Lei 10.257/2001

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*Clovis Brasil Pereira

Sumário:   1. Introdução   2. Desenvolvimento sustentável e função social da cidade  3. A gestão  democrática como meio de pressão e fiscalização     4.  A importância do planejamento, como fator do  Desenvolvimento Urbano   5.  Instrumentos disponíveis à Aplicabilidade do Estatuto da Cidade    6. O Plano Diretor    7.  Plano plurianual, diretrizes orçamentárias  e outros.    8.  Parcelamento, uso e ocupação do solo    9.  Zoneamento ambiental   10.  Gestão orçamentária participativa    11. Fiscalização e controle da gestão do Plano Diretor.   12.  Conclusão   13.  Bibliografia

 

 

1. Introdução

Promulgada a Constituição Federal em 1988, teve início em 1990, no  Congresso Nacional, a tramitação do   Projeto de Lei nº 5.788/90, que  após onze anos,  foi afinal  aprovado e transformado,  na Lei nº 10.257/2001,  denominada de Estatuto da Cidade, que traça as diretrizes gerais para o ordenamento urbano,  com objetivo de dar uma nova configuração às cidades brasileiras,  conforme explicitado na Carta Magna.

O  Estatuto da Cidade veio dar efetividade aos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes específicas  à execução de uma política urbana voltada à melhoria do meio ambiente artificial, que passou a ter tutela imediata, além da “tutela mediata, revelada pelo art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente enquanto tutela da vida em todas as suas formas centradas na dignidade da pessoa humana" (1).

Pelo referido instrumento legal, foi dada grande ênfase ao planejamento municipal, com o fim de propiciar um crescimento equilibrado e sustentável, com especial destaque ao  equilíbrio ambiental, abordado numa forma ampla,  dentro de uma nova e moderna visão, em que o meio ambiente deve ser entendido no seu aspecto natural  e artificial, ou seja, preservado, promovido e planejado pelo próprio homem.

Tal visão, está assentada numa preocupação permanente  com a necessidade de se preservar a natureza, corrigindo os erros cometidos pela  geração presente e  pelas gerações passadas, para propiciar  às futuras gerações  uma cidade em que se  ofereça  as condições mínimas  de vida saudável e bem estar dos seus habitantes.

2. Desenvolvimento sustentável  e a função social da cidade

Prescreve  o  Estatuto da Cidade, em seu artigo 2º, que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, mediante  diretrizes gerais que passa a explicitar, em seus incisos, dos quais destacamos:

      • garantia do direito a cidades sustentáveis;
      • gestão democrática;
      • cooperação entre os entes públicos e privados;
      • planejamento do desenvolvimento;
      • oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes e serviços públicos;
      • ordenação e controle do uso do solo;
      • adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira;
      • proteção e preservação do meio ambiente natural e artificial;
      • regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas pela população de baixa renda.

A  preocupação maior que  emerge do texto legal sob análise é pois   ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, com a preocupação de  garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações, conforme artigo 2º, inc. I, do Estatuto da Cidade.

Têm-se assim, que a nova política urbana a ser desenvolvida após a edição da Lei 10.251/01, deve garantir  dois objetivos fundamentais, à população das cidades brasileiras, quais sejam:  cidades sustentáveis e sua função social.

Por desenvolvimento sustentável, entende-se  “aquele   que atende as necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias."(2),  ou   “o desenvolvimento que provê, a todos, os serviços econômicos e ambientais básicos, sem ameaçar a viabilidade dos sistemas natural, social construído, dos quais estes serviços dependem"(3).

Para que as cidades obtenham um desenvolvimento sustentável, porém, surge um grande desafio, pois devem preservar o crescimento econômico,  buscando melhorar a qualidade de vida  da população, através da promoção de justiça social, sem o que, de nada valerá o esforço para preservar do meio ambiente, quer natural ou artificial.

3. A gestão democrática como meio de pressão e fiscalização 

Um componente novo introduzido pelo Estatuto da Cidade, é a participação efetiva da população, pela sociedade organizada, através de associações de bairros,  clubes de serviços e outros segmentos com representação, através da denominada gestão democrática, expressamente prevista no artigo 2º, inciso II,  onde garante a essa sociedade, participação na formulação, execução e acompanhamento de plenos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Tal disposição legal, estabelecida  na ordem infraconstitucional, tem amparo, na Constituição Federal, no inciso XII do artigo 29, que traz como preceito fundamental para os Municípios, "a cooperação das associações representativas no planejamento municipal".

A sociedade organizada pode se manifestar  através de audiências públicas,  de abaixo-assinados, de ações populares, de projetos de lei de iniciativa popular, plebiscitos, dentre outros, instrumentos estes que passam a ser utilizados num grande número de cidades brasileiras, fazendo com que o  Poder Público Municipal fique atento às necessidades e prioridades do povo, direcionando o planejamento econômico tanto quanto possível, para satisfação de tais reivindicações, como forma de prestígio à gestão democrática estabelecida em lei.

Não temos dúvida, que as cidades  que ouvirem as necessidades de sua população em geral,  que captarem  o clamor da natureza e elaborarem projetos viáveis e principalmente sustentáveis, obterão  pleno sucesso na perseguição um desenvolvimento sustentável e condições sociais dignas ao seu povo, para as presentes e futuras gerações.

4. A importância do planejamento, como fator do  Desenvolvimento Urbano

O artigo 2º, inciso IV,  da Lei 10.257/01, parece-nos o mais importante para garantir o efetivo desenvolvimento urbano, de forma sustentável e eficaz para atender as necessidades sociais da população, ao preconizar como diretrizes gerais  da política urbana:

“IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente."

Por este dispositivo, se busca o adequado planejamento do desenvolvimento das cidades, com uma eficiente distribuição da população, bem como das atividades econômicas do Município, buscando corrigir as distorções do crescimento urbano e os nefastos efeitos  que tais distorções acabam causando ao meio ambiente.

Por certo, tal planejamento, envolve uma questão de fundamental importância, notadamente das grandes cidades brasileiras, que é a ocupação da terra pela população de baixa renda, que  mora  ou se amontoa de forma desordenada nas regiões periféricas,   nas grandes favelas, sem as mínimas condições urbanísticas e essenciais para  preservação da dignidade humana de tais habitantes.

Assim, a questão fundiária deve ser objeto de especial atenção em todo o planejamento urbano, sem  o que, não se alcançarão os objetivos perseguidos pelo Estatuto da Cidade.

Não basta apenas o crescimento quantitativo da população e das áreas urbanas ocupadas, uma vez que este crescimento,  sem o necessário planejamento e organização das cidades, acaba ocasionando  toda gama  de problemas, destacando-se,  dentre outros, a poluição hídrica; o acúmulo de lixo em locais inadequados,  pondo em risco a saúde pública; o desmatamento; a falta de áreas verdes e   o comprometimento da fauna.

O que se pretende, com o Estatuto da Cidade, é justamente garantir o desenvolvimento qualitativo, em que, mesmo que haja um crescimento da população, isso não venha a comprometer a qualidade de vida e o meio ambiente das atuais e futuras gerações.  O  crescimento qualitativo,  abrange a  melhoria da estrutura urbana, a proteção dos recursos naturais e melhoria dos índices  de produção, em proveito de sua população. Tais fatores são determinantes na melhoria da qualidade de vida dos habitantes  dos aglomerados urbanos.

É entendimento crescente que o  Município passou a ter importância ímpar com a Constituição Federal de 1988. Passou  a ser, de forma definitiva, um ente federativo, com independência administrativa, legislativa e financeira, passando, como conseqüência a  seus governantes,  uma parcela muito maior de responsabilidade perante seus habitantes.

É no município que vive o cidadão no seu dia a dia. É do município que retira o seu sustento, sua educação, e normalmente reside com sua família.  O Município por sua vez,  tem a sua base territorial, com peculiaridades e características próprias, com deferente configuração geográfica, hidrografia, fauna, flora, etc.

Dessa forma, incumbe  ao Governo Municipal traçar as metas adequadas,  respeitando suas características próprias, para propiciar o ordenamento do espaço físico da cidade, de forma a que a mesma possa cumprir a sua função social, e busque seu desenvolvimento sustentável.

5. Instrumentos disponíveis à aplicabilidade do Estatuto da Cidade

Para assegurar a plena execução da política urbana e atingir os princípios perseguidos na Constituição Federal e os objetivos determinados no Estatuto da Cidade, notadamente em seus artigos 1º e 2º, foram disciplinados vários instrumentos, relacionados no artigo 4º, a saber:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal;

IV – institutos tributários e financeiros

V – institutos jurídicos e políticos

VI – estudo prévio de impacto (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). 

Analisaremos a seguir, dentro do foco do trabalho, os instrumentos diretamente ligados ao planejamento urbano, notadamente os previstos nos incisos I, I e III, 

Através do referido artigo, o legislador ordinário dotou os administradores públicos dos instrumentos adequados ao cumprimento da política urbana, prevista pelo artigo 182, da CF, mas que ainda estava à míngua de meios para a sua execução. 

A viabilização dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, logicamente, exigirá uma perfeita integração e sintonia entre as ações de política urbana implantadas pelos municípios, com  planejamento e formulação de política urbana incrementada pelos Estados, notadamente para a harmonização do desenvolvimento metropolitana e regional. 

Na visão de Eliane D’arrigo Grenn, (4) “o planejamento urbano do Município deve ser capaz de pensar a cidade estrategicamente, garantindo um processo permanente de discussão e análise das questões urbanas e suas contradições inerentes, de forma a permitir o envolvimento de seus cidadãos.” 

Por sua vez, o transporte urbano intermunicipal, o saneamento básico, o tratamento de água, o meio ambiente natural, dentre outros, exigem ações que extrapolam o âmbito territorial de cada  município, e se mostram indispensáveis ao meio ambiente artificial.   

Dessa forma, exigem uma planificação harmonizada, através de planejamento que direcione os objetivos comuns a serem perseguidos, para a efetiva qualificação de vida da população das cidades, em cumprimento ao que dispõe os incisos I e II, do referido artigo 4º. 

Observe-se que o planejamento previsto no Estatuto da Cidade, por disposição do artigo 174 da Constituição Federal, já era obrigatório para o setor público, não sendo portanto uma novidade trazida no novo instrumento legal, que apenas o consolidou, ao lado de outros instrumentos de organização essenciais, denominados planos nacionais, regionais e   estaduais visando a ordenação do território e o desenvolvimento econômico e social. 

A organização  do planejamento municipal, que  deve ser executado pelo município, destaca o inciso III, as seguintes ações: 

a)  o plano diretor

b)  disciplina do parcelamento, do uso e ocupação do solo

c)   zoneamento ambiental

d)   plano plurianual

e)   diretrizes orçamentárias e orçamento anual

f)    gestão orçamentária participativa

g)   planos, programas e projetos setoriais

h)   planos de desenvolvimento econômico e social

6.  O Plano Diretor

Analisando referidos instrumentos, o plano diretor se mostra de vital importância, para o planejamento a longo prazo do desenvolvimento urbano, nos moldes disciplinados no Capítulo III, artigos 39 a 42, da lei 10.251/01.

Assim, é ele que vai definir, no âmbito de cada administração municipal, qual o conceito a ser adotado para a função social da propriedade.

Diz o art. 39: "A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei."

Por outro lado, o artigo 40, dá a exata dimensão da importância do plano diretor ao planejamento urbano da cidade, ao expressar: "O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana", tendo duração de 5 a 10 anos, devendo ao final deste prazo, ser revista a lei que o instituiu.

Ainda por prescrição do § 1º, do artigo 40, "o plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas".

Quanto a exigência do plano diretor, por disposição expressa no artigo 41, é obrigatório para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Para as cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado ainda um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido, segundo previsão do § 2º deste artigo.

Em resumo, o plano diretor deve atribuir à propriedade urbana sua função social, e atender segundo Vânia Kirzner, (5)"às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. E que essas exigências fundamentais devem assegurar o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas".

Tem-se assim, que o instrumento mais importante trazido pelo Estatuto da Cidade, e que a Lei coloca como sendo o básico, é o plano diretor, que deve revestir-se da forma de lei municipal.

Ele deve tratar de todo o processo de desenvolvimento e de expansão urbana, o que significa dizer, sem ele, os municípios não conseguirão alcançar seus objetivos de ordenação da cidade.

7. Plano plurianual, diretrizes orçamentárias e outros

Quanto ao plano plurianual e diretrizes orçamentárias e orçamento anual (alíneas "d" e "e"), e os planos, programas e projetos setoriais e planos de desenvolvimento econômico e social (alíneas "g" e "h"), devem ser elaborados pelo gestor das cidades, com aprovação do poder legislativo, submetendo tais instrumento à gestão orçamentária participativa, onde a população deverá ser previamente consultada e chamada a opinar, e sua importância está diretamente relacionada com a Lei de Responsabilidade Fiscal, através da delimitação do que pode ser efetivamente comprometido e realizado pelo poder público.Os demais instrumentos, passam a ser analisados de forma mais pormenorizada, uma vez que nos parecem mais importantes, na efetiva busca da melhoria do meio ambiente artificial.

8. Parcelamento, uso e ocupação do solo

O Estatuto da Cidade, ao disciplinar o parcelamento, uso e ocupação do solo, visa, como ponto básico, atribuir efetividade ao texto constitucional, de função social da propriedade urbana. Assim, quando se verificam casos em que esse desiderato não é alcançando ou atribuído, o poder público, por comando do Plano Diretor previamente aprovado, (6)"poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado" mediante a fixação de condições e prazos para implementação de tal obrigação.

A não destinação adequada da propriedade, aos fins sociais a que se destina, nas condições impostas no plano diretor previamente aprovado, pode acarretar ao proprietário sanção pecuniária, via tributo (IPTU) progressivo, segundo a previsão do artigo 7º do aludido Estatuto.

Com essa nova concepção da propriedade, e face a importância do meio ambiente artificial, como protagonista de maior dignidade à pessoa humana, embora reconhecida e garantida na Constituição, acabou perdendo seu caráter absoluto, passando a ser exigida, para seu reconhecimento pleno, que atenda de forma concreta, sua função social .

Têm-se assim, que a Lei 10.257/01, veda a utilização da propriedade com o fim meramente especulativo, ao consagrar instrumentos que visem diminuir as desigualdades sociais e a marginalização, atendendo aos preceitos constitucionais que asseguram às populações a promoção do bem comum, através de ações efetivas para a melhoria do meio ambiente artificial(7).

9. Zoneamento ambiental

É um dos instrumentos essenciais colocados no estatuto da Cidade, para assegurar aos moradores urbanos, o meio ambiente artificial.

Deve ter por objetivo, segundo o professor Dr. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, (8)"disciplinar de que forma deve ser compatibilizado o desenvolvimento industrial, as zonas de conservação da vida silvestre e a própria habitação do homem, tendo em vistas sempre a manutenção de uma vida com qualidade às presentes e futuras gerações (art. 225 da CF)"

Está assim vinculado ao propósito de garantir bem-estar aos habitantes de determinado município. Se faz necessário estabelecer a reserva de espaços determinados, para a preservação e proteção do meio ambiente.

A política de zoneamento ambiental, possibilita a regulamentação a respeito da repartição do solo urbano e a atribuição de seu uso.

Conforme destaca o professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo(9),  a limitação do uso do solo já vinha contemplado na Lei 6938/81, "como importante instrumento da política nacional do meio ambiente", onde prevê áreas para pesquisas ecológicas, parques públicos, áreas de proteção ambiental, costeira e industrial.

10. Gestão orçamentária participativa

Uma inovação de importância fundamental, para a democratização da gestão da política urbana, e do meio ambiente artificial, é a chamada gestão orçamentária participativa, disciplina no artigo 44, Capítulo IV, que trata da Gestão Democrática da Cidade.

Referido instrumento se efetiva pela realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento an8ual, como condição obrigatória para sua aprovação na Câmara Municipal.

A participação direta da população na gestão participativa, parece-nos a regulamentação mais importante, para alcançar os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, e a efetividade da tutela do meio ambiente artificial.

Outra forma de atuação da população, contemplada no mesmo capítulo, é a previsão de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, por iniciativa popular (art. 43, IV). Certamente, esta possibilidade termina por fortalecer o princípio da gestão democrática da cidade, ao abrir a possibilidade de que a sociedade organizada tome a iniciativa de apresentar ao Poder Público, projetos de sua iniciativa, para solução de problemas de interesse coletivo.

No entanto, vemos de pouca aplicação tal dispositivo, face a dificuldade de mobilização da sociedade, e as exigências muito rígidas, para a propositura de tais projetos, sendo mais prático que referidos grupos sociais, se mobilizem em torno dos representantes do poder legislativo, no caso os vereadores, para que estes, apresentem tais proposituras, e se busque de forma mais ágil a solução das pendências sociais.

11. Fiscalização e controle da gestão do Plano Diretor

É exigência contida no artigo 42, inciso III, que o Plano Diretor contenha um sistema de acompanhamento e controle.

Na visão de Vânia Kirzner (10) "isto se justifica em razão de que todo o fundamento do ordenamento da cidade repousa no fato da realização das aspirações da comunidade, da sociedade organizada. A elaboração do Plano Diretor, por si só, já configura a expressão do desejo da comunidade, pois todos os seus passos devem ser antecipados de audiências públicas, onde a participação da comunidade é condição sine qua non."

Assim, acreditamos que não sendo aberta a possibilidade para a participação popular, no acompanhamento e na gestão do plano diretor, abre-se a possibilidade de ser argüida e declarada sua inconstitucionalidade, face aos pressupostos de política urbana prescritos expressamente no texto constitucional.

Eis algumas ações que podem ser desenvolvidas pela sociedade organizada e pelas comunidades locais, quando da elaboração do plano diretor, que emergem das disposições contidas no Estatuto da Cidade no que se refere à gestão democrática da cidade, e que em muito poderão contribuir para a ordenação do espaço das cidades e contribuam para que as mesmas alcançam seus objetivos sociais, tais como:

      • definição de áreas especiais destinadas à habitação de interesse social, para exigir sua urbanização ou ocupação compulsórias, sob pena de imposto territorial ou predial progressivo ou até de desapropriação, com pagamento em títulos da dívida pública;
      • autorização para outorga de direitos de construir, com sua contrapartida de interesse social como fonte de novos recursos financeiros para habitação de interesse social, ou para equipamentos de infra-estrutura urbana, ou para programas de reurbanização;
      • definição de áreas urbanas adensáveis e não adensáveis, para evitar a ocupação urbana de áreas não suficientemente equipadas, bem como a retenção de imóveis vagos, com fim especulativo;
      • definição de áreas especiais para proteção ambiental ou para proteção de patrimônio cultural, associada à autorização para transferência do seu potencial construtivo, possibilitando a realização desse potencial e de seu valor em outro local;
      • realização de estudos de impacto ambiental de determinados empreendimentos, de grande porte, e exigência de reparação dos eventuais impactos sobre o ambiente urbano.

12. Conclusão

O Estatuto da Cidade, originado da Lei 10.257/2001, conforme foi examinado acima, têm, em resumo como pontos importantes:

      • o ordenamento das cidades em proveito da dignidade humana, princípio que vem consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal; 
      • criar condições adequadas para satisfazer os preceitos constitucionais mínimos garantidos no artigo 5º, tais como direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como o artigo 6º, ao garantir o chamado piso vital mínimo, representado pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados.
      • incrementar as disposições constitucionais de tutela mediata, conforme artigo 225 da Constituição Federal, de proteção geral ao meio ambiente, e de tutela imediata, com a regulamentação dos artigos 182 e 183, possibilitando através no novo instrumento jurídico, a execução de uma política urbana voltada para o aprimoramento do meio ambiente artificial;
      • preocupação bem definida em criar condições favoráveis à busca do bem coletivo, a segurança e o bem estar, bem como o equilíbrio ambiental (art. 1º, § único, Lei 10.257/01);
      • organizar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, com objetivo de garantir o direito a cidades sustentáveis, mediante rígido planejamento, oferta de equipamentos urbanos, transporte coletivo e serviços públicos em geral;
      • estimular a gestão democrática, com o envolvimento efetivo da população, através de suas associações e organizações, na formulação e execução da política urbana, em prol da conservação do meio ambiente natural e da construção do meio ambiente artificial.

Para a obtenção de tais propósitos, criou mecanismos de planejamento da gestão das cidades, consubstanciados na necessidade de um planejamento prévio, a ser estabelecido por meio de lei municipal, denominado de Plano Diretor.

Nele, a política urbana deve ser bem explicitada, de forma a garantir a efetiva sobrevivência das pessoas que vivem nas cidades, por meio da preservação e do aperfeiçoamento do meio ambiente natural e artificial, tudo devendo refletir na melhorar da dignidade humana, em perfeita consonância com o texto constitucional.

Assim, fica muito claro que mecanismos existem para disciplinar a política de desenvolvimento urbano, cabendo aos governantes, e à população em geral, se utilizarem dos instrumentos de gestão e fiscalização, colocados à disposição através do Estatuto da Cidade, para que se busque, através de um desenvolvimento sustentável, as verdadeiras funções sociais das cidades.

______________

NOTAS

[1]   FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Estatuto da Cidade Comentado, RT, 2002.

[2]   ONU, Relatório Brudtland, 1987

[3]   International Council for Local Environmental Initiatives, Toronto/Canadá –ICLEI, 1996.

[4]  Sistema Municipal de Gestão do Planejamento,  www.portoalegre.rs.gov.br/planeja

[5]  Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), artigo www.jus.com.br

[6]  Lei 10.257/2001, artigo 5º

[7]  Constituição Federal, art. 5º, XXII e XXIII

[8]  Estatuto da Cidade Comentado, p. 36, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002

[9]   Obra citada, p. 37

[10]  Artigo citado, www.jus.com.br


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, Especialista em Processo Civil e Mestre em Direito. É  Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia e  Professor Universitário. Ministra cursos nas Unidades da ESA – Escola da Advocacia da OAB-SP e profere palestras sobre temas jurídicos e educacionais. É Presidente do Departamento Cultural da OAB-Guarulhos (SP), e  colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor dos sites jurídicos www.prolegis.com.br  e www.revistaprolegis.com.br

Contato:   prof.clovis@54.70.182.189

 


Direito Humanitário

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João Baptista Herkenhoff 

         Uma longa luta travaram e travam mulheres e homens, grupos ativistas, profetas e mártires para afirmar o primado do Direito contra a barbárie.

          Ao lado dos “Direitos Humanos” e dos “Direitos dos Povos”, vigora o chamado “Direito Humanitário”.

O “Direito Humanitário” busca salvaguardar um “mínimo ético” nos palcos de guerra.

É o “Direito Humanitário” que estabelece o caráter intocável de qualquer lugar onde esteja presente a “Cruz Vermelha Internacional”.  A Cruz Vermelha está acima de nações, partidos ou facções. Onde haja um “ferido de guerra” ali estará a Cruz Vermelha para prestar “socorro humanitário”.

Outras instituições internacionais recebem hoje o mesmo tratamento da Cruz Vermelha, como, por exemplo, os “Médicos sem Fronteiras”.

Também o Direito Humanitário estabelece o respeito ao militar já abatido no confronto das armas, por ferimento que o impossibilite de combater, bem como o resguardo daquele que foi feito prisioneiro. É inominável covardia, repudiada pelo Direito Humanitário, tripudiar sobre o ferido ou sobre aquele já submetido à condição de “prisioneiro de guerra”.

Ainda o Direito Humanitário prescreve que nunca possam ser lançados bombardeios sobre populações civis.

 Os crimes que se praticam contra o Direito Humanitário são considerados “crimes de guerra”. Lamentavelmente, só os que perdem a guerra são julgados pelos seus crimes. Os vencedores julgam-se isentos de responsabilidade pelos crimes contra a Humanidade, em que tenham incorrido.

 Bebi todos esses conceitos no curso de minha existência:

na Casa do Estudante de Cachoeiro de Itapemirim;

no contato com meu avô materno que foi magistrado em Santa Catarina e que, na velhice, tornou-se um militante pacifista (datilografei para esse avô, a partir de originais manuscritos, dois de seus livros: O Sol do Pacifismo e A Civilização e sua Soberania);

nas aulas da Faculdade de Direito do Espírito Santo, com Ademar Martins, professor de “Teoria Geral do Estado” de toda uma geração acadêmica.

Como é triste ver esmagado o Direito Humanitário, nesta quadra da História.  Esmagado pelos que jogaram bombas nas torres de Nova York matando milhares de pessoas. Esmagado pelo país que foi vítima dessa agressão e que, em revide, praticou repetidos ataques contra países árabes, vitimando populações civis, inclusive crianças, doentes e velhos. Uma jornalista inglesa registrou que uma bomba foi lançada sobre uma maternidade em Bagdá.

Não importa se temos o poder de nos opor a essas negações do mínimo ético que é exigido mesmo quando países estão em confronto bélico. Falar podemos, protestar podemos e nunca deveremos nos calar quando a consciência exigir de nós uma posição.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF: 75 anos, Magistrado (aposentado), Supervisor Pedagógico da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo (em atividade), palestrante por todo o Brasil, escritor. Acaba de lançar o livro Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP).

E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

CHEQUE PRESCRITOÉ possível ação monitória baseada em cheque prescrito há mais de dois anos sem demonstrar origem da dívida

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DECISÃO: *STJ – Não há necessidade de menção ao negócio jurídico em ação monitória baseada em cheque prescrito há mais de dois anos. Essa foi a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso de uma sociedade de ensino de São Paulo que teve o processo extinto em segunda instância por não ter comprovado a causa da dívida.

A sociedade ajuizou ação monitória contra um aluno por não ter conseguido compensar um cheque de R$ 1.094,75 emitido por ele. O juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Bauru (SP) julgou o pedido parcialmente procedente e autorizou a execução, por entender que o estudante, apesar de ter sido citado pessoalmente, deixou de pagar a dívida e também não opôs embargos. O juízo aplicou correção monetária a partir do ajuizamento da ação e juros a contar da citação.

A sociedade de ensino interpôs apelação quanto aos dois últimos pontos da sentença, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), de ofício, indeferiu a petição inicial e extinguiu o processo. O TJSP entendeu que, transcorrido o prazo legal de dois anos, seria necessária a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão do cheque. No caso, a ação monitória foi ajuizada em 15 de maio de 2003 e o cheque havia sido emitido em 28 de agosto de 2000.

A autora entrou com recurso especial, sustentando que o TJSP, ao negar provimento à apelação, divergiu da Súmula 299 do STJ, a qual afirma que “é admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito”. De acordo com a instituição, as obrigações contraídas no cheque são autônomas e o réu não nega sua emissão, em razão da prestação de serviço educacional.

O relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo que, a contar da emissão, seu prazo de apresentação é de 30 dias (se da mesma praça) ou de 60 dias (se de praça diversa). Após esse período, o lapso prescricional para a execução é de seis meses.

O ministro observou que, em caso de prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei 7.357/85, conhecida como Lei do Cheque, prevê, no prazo de dois anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de enriquecimento ilícito – a qual, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado esse prazo, o artigo 62 da Lei do Cheque ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação fundada na relação causal.

Luis Felipe Salomão destacou ainda que a jurisprudência do STJ também admite o ajuizamento de ação monitória (Súmula 299), reconhecendo que o próprio cheque satisfaz a exigência da “prova escrita sem eficácia de título executivo” a que se refere o artigo 1102 A do Código de Processo Civil.

Caso o portador do cheque opte pela ação monitória, acrescentou o relator, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do Código Civil, e não haverá necessidade de descrição da causa da dívida.

Salomão ressaltou ainda que, nesses casos, “nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito”.

O ministro concluiu que não há necessidade de menção ao negócio jurídico que gerou a dívida e restabeleceu a sentença. Os demais ministros da Quarta Turma acompanharam o relator.


FONTE:  STJ, 05 de outubro de 2011.