* Ravênia Márcia de Oliveira Leite
O advento da Lei n.º 11.705/2008, alcunhada pelo público em geral como “lei seca”, alterou o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, nos seguintes termos: “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.”
O art. 277, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, admite testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN possam aferir o estado de embriaguez.
A nova redação do § 3º , do art. 277, da legislação de trânsito, ratifica o caput do mesmo ao prever que “serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo”, ou seja, admite os meios de prova acima referidos para comprovação da embriaguez, no âmbito do Código de Trânsito Brasileiro, o qual deve ser interpretado sistematicamente.
A previsão do art. 165, do Código de Trânsito Brasileiro, no que tange à suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses, retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação, impõe além da processo penal citado, também o processo administrativo para imposição da medida administrativa, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo que, exercidos tais direitos ao término a Autoridade de Trânsito Estadual poderá impor a penalidade de suspensão do direito de dirigir. Ressalte-se que o condutor reincidente na penalidade poderá ter o direito de dirigir cassado, logicamente, mediante processo administrativo.
O Decreto Federal nº. 6.488, de 19.06.2008 prevê que para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei nº 9.503, de
I – exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou,
II – teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões;
O crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, não mais exige que tal conduta exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, condição esta que era prevista na redação original desse tipo penal, razão pela qual, a mera direção de veículo automotor constatada a ingestão de álcool ou qualquer outra substâcnia psicoativa que determine dependência, caracteriza o delito.
O Código de Trânsito Brasileiro admite a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, sendo assim, devemos recorrer ao mesmo na ausência do etilômetro, exame de sangue e exame clínica, aos quais, o cidadão tem direito constitucional de não submeter-se, já que, ninguém está obrigado a constituir prova em seu detrimento.
Assim, subsidiariamente, verifica-se a necessária aplicação do art. 165 do Código de Processo Penal o qual estabelece a obrigatoriedade do exame de corpo de delito nas infrações que deixam vestígios.
Além disso, o art. 167 do Código de Processo Penal prevê que “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”, ou seja, a recusa do condutor em submeter-se aos testes de alcoolemia, exame de sangue ou exame clínico não podem ser utilizada para beneficiar sua própria torpeza, da mesma forma, que a ausência na comarca de etilômetro não pode afugentar a aplicação da lei penal, isso porque, cabe ao Estado reunir o arcabouço probatório necessário para provar a existência da prática criminosa.
Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "Havendo outros elementos probatórios, de regra, lícitos, legítimos e adequados para demonstrar a verdade judicialmente válida dos fatos, não há razão para desconsiderá-los sob o pretexto de que o art. 158 do CPP admite, para fins de comprovação da conduta delitiva, apenas e tão-somente, o respectivo exame pericial (STJ, 5.ª T., RHC n. 13.215/SC, rel. Min. Felix Fischer, j. em 15.4.2003, DJU de 26.5.2003, p. 368.)
O festejado Dr. Damasio de Jesus nos ensina que: “ainda que o condutor exerça o direito à não-auto-incriminação, é possível, diante dos indícios configuradores de crime de trânsito (art. 306 do CTB), encaminhá-lo à autoridade de polícia judiciária a qual, de imediato, expedirá a requisição para o exame clínico. Em razão da pesquisa do médico oficial, será possível aferir se o condutor dirigia, de forma anormal, sob o efeito de álcool ou substância análoga, o que se mostrará suficiente para a configuração do art. 306 do CTB, haja vista ser desnecessário estabelecer, para efeitos penais, a dosagem de concentração do álcool no organismo do condutor. Como ensina a doutrina, basta a prova da ingestão dessas substâncias e a influência por elas exercidas na forma de condução do veículo automotor em via pública. Constatando-se o comportamento anormal à direção – ziguezagues, velocidade incompatível com a segurança etc. – já será possível a imposição de sanções penais (art. 306). Ressalto que, no exame clínico, serão observados: hálito, motricidade (marcha, escrita, elocução), psiquismo e funções vitais, entre outras pesquisas médicas, cuja realização, em vários casos, independerá da colaboração do condutor do veículo automotor.” (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5338)
O crime em testilha por ser apenado com detenção perfaz ao autor direito à fiança, nos termos da lei, arbitrada pelo próprio Delegado de Polícia, e não havendo qualquer óbice em contrário, deverá o cidadão ser colocado imediatamente em liberdade, já que, a lei faculta-lhe o direito de responder ao processo crime em liberdade, ausentes, ressalte-se, quaisquer impedimentos legais.
Além dos elementos jurídicos citados, a sociedade, como um todo, salvo melhor e mais acurado juízo, já observa os benefícios da implatação da legislação citada, já que, sabe-se que ouve uma notável diminuição das lesões graves, gravíssimas e morte ocasionadas no trânsito em razão do uso indevido de substâncias psicoativas ou álcool na direção de veículo automotor.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Ravênia Márcia de Oliveira Leite: Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.
ravenia@terra.com.br <ravenia@terra.com.br>