As normas complementares de leis, tratados e convenções internacionais e de decretos desempenham importante função de uniformizar a atuação da administração tributária, buscando eficiência nos atos de fiscalização e arrecadação tributária, um dos requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal. Visam, também, explicitar o sentido das normas legais eliminando as dúvidas e incertezas. Compõem essas normas os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas: portarias, pareceres normativos, atos declaratórios interpretativos etc.
Quando há excesso de arrecadação fácil, como a que propiciava a CPMF, a qual, dispensava a atuação do fisco, pois, tudo era arrecadado pelas instituições bancárias, a Administração Tributária não demonstra muito interesse na implementação do princípio constitucional da eficiência no serviço público, nem se dá conta de que ela (Administração Tributária) configura atividade essencial ao funcionamento do Estado, a exigir o concurso de servidores de carreiras específicas e recursos prioritários, para o desempenho de suas atividades.
No passado não muito remoto, contava-se sempre com a decisão política do governo no sentido de aumentar a carga tributária para compensar a receita tributária não realizada, por conta da sonegação e da inadimplência. Onerava-se cada vez mais a carga tributária, penalizando os contribuintes que vinham pagando regularmente os tributos devidos.
Agora, com a pressão da sociedade para conter a expansão da carga tributária, que resultou na não prorrogação da CPMF, a Administração Tributária está efetivamente voltada para otimização de seus recursos materiais e pessoais para aumentar o montante da arrecadação tributária sem elevar os tributos, bem como, para diminuir despesas inúteis com discussões de matérias já definitivamente pacificadas pelo Judiciário. É o velho ditado: quanto mais se arrecada com facilidade, mais e mais se gasta de forma desordenada.
Dentro da nova realidade, implantada desde o final do exercício de 2007, várias medidas foram tomadas pela Receita Federal do Brasil, relacionadas com o bom desempenho da máquina arrecadatória. É o caso, por exemplo, da Portaria RFB nº 11.371, de 12-12-2007, que dispõe sobre planejamento das atividades fiscais e estabelece normas fiscais no âmbito da Receita Federal do Brasil; do Ato Declaratório Interpretativo nº 16, de 21-11-2007, que determina a anulação de decisões administrativas que não tenham admitido o recurso por falta de depósito recursal; do Ato Declaratório Interpretativo nº 20, de 13-12-2007, que confere razoável interpretação ao conceito de industrialização por encomenda, para otimizar a arrecadação do IRPJ e da CSLL, devidos pelos contribuintes optantes pelo regime do lucro presumido.
É claro que os atos normativos, que não consultarem aos interesses dos contribuintes, não os vinculam, mas, certamente, essas normas complementares uniformizam os procedimentos no âmbito interno da Administração Tributária.
Às vezes, esses atos normativos contribuem para esclarecimento de dúvidas; outras vezes, extrapolam os limites legais; outras vezes, ainda, causam dúvidas e incertezas, como é o caso do Ato Declaratório Interpretativo de nº 19, de 7-12-2007, que dispõe sobre o conceito de serviços hospitalares, para fins de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre os lucros líquidos, a seguir examinado, em rápidas pinceladas.
O art. 15 da Lei nº 9.249/95 fixa a base de cálculo O IRPJ, que via de regra, corresponde a 8% da receita bruta. O inciso III do § 1º desse artigo fixa essa base de cálculo em 32% da receita bruta para as atividades de prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares.
O art. 20 da mesma lei estipula a base de cálculo da CSLL em 12% sobre a receita bruta para as empresas em geral, e em 32% para as empresas que exercem atividades de prestação de serviços, exceto a de serviços hospitalares.
Visando diminuir o contingente de contribuintes que prestam serviços hospitalares favorecidos pela redução da base de cálculo, o Ato Declaratório Interpretativo sob comento, em seu art. 1º, procura conceituar, de forma prolixa, os serviços hospitalares a que se refere a alínea “a”, do inciso III, do § 1º do art. 15 da Lei nº 9.429/95 prescrevendo que “os estabelecimentos hospitalares devem dispor de estrutura material e de pessoa destinada a atender a internação de pacientes, garantir atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, possuir serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida observação e acompanhamento dos casos.”
O parágrafo único desse art. 1º prescreve que “são também considerados serviços hospitalares os serviços pré-hospitalares, prestados na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, instalados em ambulâncias de suporte avançado (Tipo “D”) ou em aeronave de suporte medito (Tipo “E”), bem como os serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos “A”, “B”, “C” e “F”, que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.”
A longa conceituação descritiva do que sejam serviços hospitalares, fundada mais no local da prestação do que na finalidade desses serviços específicos, onde atuam os profissionais de medicina, está a evidenciar, de forma clara, a intenção do fisco de diminuir ao máximo a quantidade de contribuintes favorecidos pela redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Mas, essa intenção, por si só, não é criticável.
A grande indagação que se faz é a seguinte: é legítima, legal e constitucional essa conceituação, que incorpora até elementos casuísticos? Como e quando se classificam as ambulâncias nos Tipos “A”, “B”, “C” e “F” para efeito de fruição de tributação benéfica ao contribuinte?
A considerar o que está expresso nessa ADI, as clínicas médicas, as sociedades civis de prestação de serviços odontológicos e de cirurgias maxifaciais, de serviços oftalmológicos e de micro cirurgia ocular, bem como, de serviços de apoio a diagnóstico médico por imagem (radiologia, ecografia, tomografia computadorizada etc.) estariam fora do conceito de serviços hospitalares.
Parece-nos que a conceituação mais adequada do que sejam serviços hospitalares é a que leva em conta a finalidade de promover o atendimento à saúde que, na dicção do art. 196 da CF é direito de todos e dever do Estado.
A jurisprudência do STJ não é pacífica quanto a esta questão, havendo duas correntes: a que conceitua os serviços hospitalares tendo em vista o local da prestação (no prédio do Hospital) e a que leva em conta a finalidade dos serviços prestados, reconhecendo os serviços de saúde que dão suporte ou que se caracterizam como auxiliares daqueles prestados no interior do estabelecimento hospitalar.
Seja num ou n’outro sentido, há necessidade de aprofundar mais nessa conceituação, à luz da ordem jurídica global, a começar pelo exame da competência legislativa.
Nos termos em que está expresso, o ADI nº 19/2007 da RFB não cumpre a função de explicitar o sentido da norma legal, nem a de otimizar a arrecadação tributária. Trará mais dúvidas e incertezas, aumentando o número de demandas judiciais.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Kiyoshi Harada: Especialista
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