E se assim é, tendo em vista a unidade econômica formada pela união indissolúvel desses bens, sobre a qual já dispunha o artigo 59, do Código Civil de 1916[2], impossível recair qualquer constrição sobre o imóvel, tendo em vista a identificação cristalina de sua acessoriedade, em considerando-se o apartamento, bem de família.
Acrescenta-se, ainda, que, ocorrendo a hipótese de tratar-se de vaga de garagem em condomínio por planos horizontais, cuja utilização da garagem por quem não é condômino seja vedada pela convenção de condomínio, será evidente a dificuldade de arrematação do referido bem em hasta pública, o que em casos concretos, acarretará o desinteresse do Credor que promova execução e pretenda a penhora do “box”, na mantença da qualquer constrição sobre o mesmo.
Os doutrinadores já se debruçaram sobre o tema, valendo resgatar, com Jaques Bushatsky[3] que a par da disciplina direta acerca do bem de família, é de ser respeitada a disposição condominial que vede a alienação do acessório, cumprindo ao condômino, que a tal se legitima, proteger sua posse e sua propriedade, como se dá quanto a qualquer propriedade e como é repisado no artigo 1.335 do Código novo, mas cabendo ao Condomínio, observar o respeito aos seus atos constitutivos, na gestão das unidades autônomas, notadamente quanto à hipótese de venda a terceiro ventilada no parágrafo 2º do artigo 1339, também do Código Civil. Ou seja: o condômino usará e protegerá sua propriedade, e o Condomínio, resguardará seus atos constitutivos, os fará valer”
Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, conforme venerando acórdão[4] assim ementado:
“EXECUÇÃO FISCAL – VAGA DE GARAGEM DE APARTAMENTO – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – PRETENDIDA REFORMA – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, MAS IMPROVIDO.
– É comezinho que o Superior Tribunal de Justiça, guardião do direito federal, ao examinar a correta aplicação de uma legislação, não deve fazê-lo de modo a desprezar as demais normas que regem a matéria. Assim, é de rigor cotejar o disposto na Lei n. 8.009/90 com os ditames que regulam o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias (Lei n. 4.591, de 16/12/64). Esse mandamento legal, com a redação dada pela Lei n. 4.864, de 29/11/65, prevê que o direito de guarda de veículos nas vagas de garagem "poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio" (§ 2º).
– A exigência, inserida na Lei de Condomínio, veio a lume para conter abusos por parte de alguns incorporadores que alienavam unidade residencial com direito à garagem e depois esta não era encontrada no solo. A matrícula imobiliária das vagas, distinta do apartamento, tutela com mais eficácia o interesse dos condôminos.
Mas, porém, na prática, a autonomia conferida pela norma legal não corresponde à autonomia orgânica.
– A respeito do tema em comento, já se posicionou o douto Ministro Carlos Alberto Menezes Direito no sentido de que "há um elemento indispensável para manter a garagem, no caso, sob o regime tutelar do bem de família que é a impossibilidade de negócio em separado".
Em outro passo, adverte o ilustre Magistrado que, "em muitos condomínios é vedada a utilização da garagem por quem não é condômino, com o que sequer é possível o aluguel da mesma para pessoa estranha ao condomínio. Sem dúvida, em se tratando de imóvel residencial, a garagem adere ao principal, não sendo, a meu sentir, possível apartá-la para efeito da incidência da Lei n. 8.009/90" (cf. REsp 222.012-SP, DJ de 24/4/2000).
– Não custa lembrar que os titulares de bem de família, na propriedade horizontal, acabariam por ter tratamento diferenciado para pior em relação aos de imóveis não-condominiais. – Recurso especial conhecido, mas improvido.”
Ao encontro do sufragado, mais um v. acórdão emanado do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “Bem de família. Garagem de apartamento residencial.
Daí concluir-se que, em estando a unidade autônoma (apartamento) protegida por consistir bem de família, igualmente o estará o “abrigo para veículos”, porquanto acessório daquele. Em acréscimo, eventual alienação (e eventual penhora) do “box”, estará sujeito, além da análise de quanto venha o proprietário argumentar (não apenas quanto ao débito, mas, este o estudo ora realizado, quanto à sua propriedade, sua posse, os eventuais benefícios de impenhorabilidade de que goze), estará sujeito ainda aos estatutos do condomínio no qual esteja inserido. Em conclusão, não são penhoras factíveis, essas pretendidas sobre abrigos para veículos em condomínio edilício.
[1] Art. 92, CC/2002: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.”
[2] Art. 59, CC/1916: “Salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal.” Cuja correspondência legislativa vem tratada no artigo 95, do Código Civil de 2002.
[3] “in” Debates sobre os condomínios diante do novo código civil, SECOVI, 2003.
[4] REsp 595.099/RS, Rel. MIN. FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.04.2004, DJ 16.08.2004 p. 230
[5] REsp 222.012/SP, Rel. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10.12.1999, DJ 24.04.2000 p. 52.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
PATRÍCIA AP. DE PAULA CERETTI é advogada inscrita na OAB/SP.