*Clovis Brasil Pereira
Introdução
Muitos questionamentos começam a surgir, entre os acadêmicos de direito e os operadores do direito em geral, a respeito de uma nova norma processual, quando outra é alterada ou mesmo excluída do ordenamento jurídico pátrio.
Esse é um problema que surgirá na transição entre o atual Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973) e o Novo CPC aprovado pelo Poder Legislativo em 17 de dezembro de 2014, que aguarda a redação do texto final para posteriormente ser submetido à sanção da Presidência da República.
No geral, para uma nova lei, a regra é que a nova norma processual contenha no seu bojo, o prazo em que começará a valer. Não tendo a previsão na lei específica, adota-se a regra geral contida no artigo 1º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942 – ex-LICC, Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, cuja nomenclatura foi alterada pela Lei 12.376/2010), com vigência a partir de 45 dias de sua publicação.
Por sua vez, o prazo de vacatio legis, conta-se, incluindo o dia da publicação no Diário Oficial e também o último dia do prazo, na forma do artigo 8º, § 1º, da LC nº 95/1998.
O que prevê o Novo CPC
O prazo de vacatio legis do Novo CPC Estatuto Processual, é de um ano decorrido da data de sua publicação, o que obviamente ocorrerá após receber a sanção presidencial, quando parte do texto ( ou mesmo o seu todo), poderá inclusive ser vetado.
Enumeramos a seguir, a título exemplificativo, algumas previsões contidas no LIVRO COMPLEMENTAR, DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, para elucidar situações que por certo atormentarão os operadores do direito, quando da vigência do Novo CPC:
- Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
- As disposições do CPC atual, relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais, que forem revogadas, aplicar-se-ão às ações propostas até o início da vigência deste Código (Novo CPC), desde que ainda não tenham sido sentenciadas.
- Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código.
- Os procedimentos mencionados no art. 1216 do CPC vigente (Lei 5.869/1973) e ainda não incorporados por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código (Novo CPC).
- As remissões a disposições do Código de Processo Civil revogado existentes em outras leis passam a referir-se às que lhes são correspondentes neste Código.
- A primeira lista de processos para julgamento em ordem cronológica observará a antiguidade da distribuição entre os já conclusos na data da entrada em vigor deste Código.
- As disposições de direito probatório adotadas neste Código, aplicam-se apenas às provas que tenham sido deferidas ou determinadas de ofício a partir da data de início da sua vigência.
- Sempre que a lei remeter a procedimento previsto na lei processual sem especificá-lo, será observado o procedimento comum previsto neste Código.
Luis Fux[1], elencou de forma didática as diversas situações jurídicas geradas pela incidência da lei nova aos processos pendentes, lembrando que o atual Ministro do STF, foi um dos idealizadores do Projeto inicial do Novo CPC encaminhado ao Senado da República em 2010, e acompanhou as discussões nas duas casas legislativas até sua aprovação final, ocorrida em 17 de dezembro de 2014, e que pode contribuir para a solução de algumas dúvidas que possam surgir quando da entrada em vigor do Novo Diploma Processual, e que ora transcrevemos:
1. A lei processual tem efeito imediato e geral, aplicando-se aos processos pendentes; respeitados os direitos subjetivo-processuais adquiridos, o ato jurídico perfeito, seus efeitos já produzidos ou a se produzir sob a égide da nova lei, bem como a coisa julgada;
2. As condições da ação regem-se pela lei vigente à data de propositura;
3. A resposta do réu, bem como seus efeitos, rege-se pela lei vigente na data do surgimento do ônus da defesa pela citação, que torna a coisa julgada.
4. A revelia, bem como os efeitos, regulam-se pela lei vigente na data do escoar do prazo da resposta;
5. A prova do fato ou do ato quando ad solemnitatem, rege-se pela lei vigente na época da perectibilidade deles, regulando-se a prova dos demais atos pela lei vigente na data da admissão da produção do elemento da convicção conforme o preceito mais favorável à parte beneficiada pela prova;
6. A lei processual aplica-se aos procedimentos em curso, impondo ou suprimindo atos ainda não praticados, desde que compatível com o rito seguido desde o início da relação processual e eu não sacrifique os fins de justiça do processo;
7. A lei vigente na data da sentença é a reguladora dos efeitos e dos requisitos da admissibilidade dos recursos;
8. A execução e seus pressupostos regem-se pela lei vigente na data da propositura da demanda, aplicando-se o preceito número seis aos efeitos e de procedimentos executórios em geral;
9. Os meios executivos de coerção e de sub-rogação regem-se pela lei vigente na data de incidência deles, regulando-se a penhora, quanto aos seus efeitos e objeto, pela lei em vigor no momento em que surge o direito à penhorabilidade, com o decurso do prazo para pagamento judicial; Em geral o problema da eficácia temporal da lei tem solução uniforme respeitado seu prazo de vacatio legis, terá aplicação imediata e geral, respeitados, os direitos adquiridos o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
10. Os embargos e seus requisitos de admissibilidade regem-se pela vigente na data de seu oferecimento;
11. O processo cautelar, respeitado o cânone maior da irretroatividade, rege-se pela lei mais favorável à conjuração do periculum in mora quer em defesa do interesse das partes, quer em defesa da própria jurisdição.
O Novo CPC e o direito intertemporal
Na modificação das normas processuais, aplicam-se as regras do direito processual intertemporal, que por sua vez, tem solução uniforme respeitado seu prazo de vacatio legis, terá aplicação imediata e em geral, respeitados, os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Bem ilustrativo é o ensinamento do Professor Luiz Guilherme Pennacchi Dellore [2], a respeito do direito intertemporal e a aplicação da regra de transição que deverá ocorrer a partir da revogação do atual CPC (Lei 5.869/1973) e o Novo CPC que passará a vigorar após o decurso do prazo de vacatio legis:
… Por direito intertemporal pode-se entender o conjunto de regras que trata da aplicação do direito no tempo, especialmente em relação a modificações legislativas. Assim, diante de uma mudança legislativa, para saber qual regra deve ser aplicada (anterior ou atual), devemos nos socorrer do direito intertemporal.
Em relação à matéria processual, a regra principal é que as novas regras já se aplicam aos processos que estão em trâmite (cf. CPC, art. 1.211).
Contudo, esta regra não é absoluta e não deve ser interpretada sozinha. A CF 88, em seu art. 5º, XXXVI, resguarda o ato jurídico perfeito. E é possível falar-se em ato jurídico processual perfeito.
Por conseguinte, em regra, os atos já realizados ou consumados não são atingidos pela lei nova, mas aos processos em curso já se aplica a nova legislação.
Ou seja, dúvida não há de que:
a) nos processos já extintos, não se aplica a lei nova
b) nos processos ajuizados pós-vigência da lei nova, esta é a que será aplicada.
A dificuldade será, portanto, regular os processos em curso quando da vigência da lei nova, especialmente para verificar se determinados atos /fases do processo já foram ou não consumados (teoria do isolamento dos atos processuais), para se descobrir a legislação a ser aplicada.
Conclusão
Não paira dúvida que em regra, o Novo CPC se aplicará desde logo à sua vigência aos processos já em trâmite, salvo algumas exceções resguardadas no próprio texto do Código aprovado, em suas Disposições Finais e Transitórias e o próprio texto constitucional, que em seu artigo 5º, inciso XXXVI preserva o ato jurídico perfeito, admitido ocasionalmente em questões de natureza processual.
Muitas controvérsias serão postas em discussão, antes e após a vigência do Novo CPC, servindo o presente de singela contribuição para fomentar o debate, que por certo se prolongará ao longo do tempo, e desembocará nos Tribunais pátrios.
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NOTAS
1. FUX, Luiz. Teoria Geral do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
2. DELLORE, Luis Guilherme Pennacchi, Lei processual no tempo e no espaço, acesso em 07/02/2015 http://www.justocantins.com.br/academicos-18843-aula-lei-processual-no-tempo-e-no-espaco.html
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E.T.: Deixamos de fazer alusão aos números dos artigos do Novo CPC, uma vez que seu texto final ainda não foi publicado até a data que escrevi este texto (07/02/2015), embora sua aprovação no Senado tenha ocorrido há mais de 50 dias.
Gostaria de saber se atualmente , na audiência de conciação prévia, o Art. 334 §5°, ja está valendo, se o reu pode manifestar desinteresse em comparecer a audiência e apresentar Contestação até 15 dias apos a data da audiência?… Já está sendo utilizada esta regra em nossos Tribunais?
Prezado Antonio, essa nova regra entrará em vigor em 18/03/2016. Até lá vale a regra do artigo 331, § 1º, do CPC atual.
Como fica a aplicação da nova lei para os processos em que já houve interposição de recurso de apelação pela parte, quanto a nova regra de fixação de honorários sucumbenciais também na fase recursal ? Os julgadores poderão aplicar de imediato a nova regra, ou terão que manter a regra vigente ao tempo da sentença e interposição do recurso? Penso que não pode ser aplicado o Novo Código, sob pena de afronta a segurança jurídica. Qual sua opinião?
Como fica o cumprimento de um despacho ja assinado pelo Juiz antes do novo CPC, mas cuja intimação das partes somente a dará após o novo CPC.
Como fica um despacho judicial assinado antes do novo CPC mas cuja intimação das parte somente se dará após o novo CPC?
como ficam as fases de cumprimento de sentença e impugnação à fase de cumprimento de sentença, que serão despachadas com data a partir de 18/03/2016
Prezado, Professor..Primeiramente um prazer rever o senhor por aqui. Gostaria de saber se nos processos que estão em curso se aplica as regras contidas no NOVO CPC. Ou seja, se o autor for intimado para apresentar replica, já estará valendo a aplicação do novo CPC? Inclusive no sentido de que pode impugnar o pedido da gratuidade da justiça nos próprios autos?
Prezado Professor, cabe Agravo de Instrumento contra decisão proferida em dezembro.2015, mas publicada somente em 24.03.2016, rejeitando exceção de incompetência? Muito Obrigado.
Prezado professor,
Gostaria de saber da aplicabilidade do §14 do art. 85 do novo CPC, que versa sobre a vedação à compensação de honorários. Considerando que a sentença permitiu, com base na súmula 206 do STJ, enquanto vigente o antigo CPC, posso alterar de ofício no segundo grau de jurisdição, para vedar a compensação?
Uma Exceção de Incompetência foi interposta sob as regras do CPC de 1973 e a sentença que julgou improcedente o incidente foi julgada quando já em vigor o Novo CPC. Cabe recurso de Agravo de Instrumento contra essa decisão?
Boa tarde professor, tenho uma dúvida a tirar.
O art. 146 do novo cpc trata da suspeição ou impedimento alegados pela parte que os reconhecer.
Sabemos que na maioria das vezes isso acontece de maneira muito sutil, a ponto de que a parte quando vem descobrir, o processo já transitou em julgado.
A pergunta é, em caso de ter transitado em julgado, caberá alegação desse fato em uma ação rescisória, segundo o artigo 966, II, do NCPC, neste caso, é possível que a sentença seja rescindida?
Gostaria de saber quanto aos honorários sucumbenciais, no caso em que a ação foi proposta em 2015, será aplicado as normas do novo CPC?
Por gentileza, gostaria de saber se com relação à ação rescisória, pleiteada na vigência do antigo CPC e julgada agora em 2017, o Juiz pode socorrer-se da nova lei processual alegando o princípio da adstrição da lei para inovar, por exemplo, com base no art. 966,VII que um documento produzido após o trânsito em julgado de um acórdão(Escritura produzida em cartório com declarações a favor da parte autora), serve como prova nova para desconstituir o acórdão da apelação e rescindir a sentença do juiz “a quo”?