A pensão avoenga e a responsabilidade subsidiária dos avós

*Caroline Ribas Sergio    Análise da importância da prestação de alimentos resultantes do poder familiar e da relação avoenga, tendo como princípios basilares a solidariedade familiar, a dignidade da pessoa humana e o dever de assistência mútua que deve reinar entre os parentes.

Introdução

A responsabilidade avoenga será tratada e analisada em todas as suas vertentes e até onde a lei pode a fim de cobrar dos ascendentes, as prestações alimentares.

Em um primeiro momento será abordada a obrigação alimentar no direito brasileiro, trazendo um panorama dos alimentos no Direito Brasileiro e sua evolução do Código Civil de 1916 até a legislação atual vigente.

Posteriormente, em um segundo momento, será abordada a responsabilidade subsidiária dos avós ao pagamento da prestação alimentícia, sendo tratada e analisada em todos os seus parâmetros e até onde a lei pode ir, a fim de cobrar dos ascendentes as prestações alimentares.

Por fim, será realizada uma análise da Súmula 596 do Superior Tribunal de Justiça, a qual foi aprovada em Novembro de 2017 e que trata dos casos da obrigação alimentar e subsidiária por parte dos avós, caso comprovada a impossibilidade dos pais total ou parcial de não arcar com a verba alimentar fixada.

1. Obrigação alimentar no direito brasileiro

Os alimentos já foram concebidos como imposição do dever de caridade, de piedade ou de consciência, contendo-se nos campos moral e religioso. A grande família, com filhos numerosos e agregados, era a única segurança de amparo aos que não estavam no mercado de trabalho, especialmente os menores e os idosos.

No século XX, com o advento do Estado social, organizou-se progressivamente o sistema de seguridade social, entendendo-se ser de inarredável política pública, com os recursos arrecadados dos que exercem atividade econômica, a garantia de assistência social, de saúde e de previdência. Mas a rede pública de seguridade social não cobre a necessidade de todos os que necessitam de meios para viver, especialmente as crianças e os adolescentes, mantendo-se os parentes e familiares responsáveis por assegurar-lhes o mínimo existencial, especialmente quando as entidades familiares se desconstituem ou não chegam a se constituir. [1]

Ao Estado, na qualidade de ente público, torna-se inviável que consiga responder integralmente pelo encargo de suprir toda e qualquer necessidade com relação ao sustento e criação das crianças e adolescentes, desse modo divide a obrigação com os indivíduos, através do ente familiar.

Assim, entende-se como um dever do Estado, da família e da sociedade responder a obrigação legal dos alimentos, a qual não possui caráter indenizatório, mas sim natureza assistencial.

A obrigação alimentar constituí estudo que interessa ao Estado, à sociedade e à família. Dessa relação jurídica ocuparam-se os romanos, que a consideravam antes como officium pietatis que propriamente uma obrigação. Aliás, a linguagem dos romanos exprime o fundamento moral do instituto, que repousa no dever que toca aos parentes, sobretudo aos mais próximos, de se ajudarem mutuamente nos casos de necessidade.

Isso porque, muitas vezes o indivíduo não tem recursos suficientes para prover a própria vida por consequência de idade avançada, doença, ausência de trabalho ou baixa renda per capita. E se for criança, consequentemente desprovida de sustento por ela mesma, cabendo assim, outros proverem os meios necessários para que esta se mantenha.

A Constituição Federal de 1988 consagrou a proteção à família em seus mais diversos elos de formação, sendo esta relação familiar aplicada como base da sociedade e tendo proteção especial do Estado Democrático de Direito.

Observando-se com absoluta prioridade um importante dever da família, da sociedade e do Estado, qual seja este, proporcionar à criança, ao jovem e ao adolescente todo e qualquer tipo de assistência necessária relacionada ao direito, à vida e à integridade.

Outra importante mudança advinda da Constituição Federal de 1988 encontra-se elencada na relação de igualdade instituída entre os filhos, tornando-a parelha para a prole concebida dentro ou fora da relação do casamento, sendo a filiação legítima ou ilegítima.

O Código Civil de 1916 tratava da obrigação alimentar limitada com relação ao vínculo de parentesco e da dissolução da sociedade conjugal. Já com o Código Civil de 2002, em consonância e respeito à Constituição Federal de 1988, obteve-se maior amplitude relacionada aos alimentos

O Código Civil de 2002, traz expressamente a forma de obrigação alimentar decorrente de parentesco.

No artigo 1.694[2] traz a determinação de que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender as necessidades de sua educação”.

As mudanças introduzidas no Código Civil de 2002, classificaram os alimentos em civis ou naturais, e em seu art. 1.694, caput, consta que o dever de prestar alimentos deve ser definido no montante que possibilite ao alimentando “viver de modo compatível com a sua condição social”, sem tirar nem por, apenas o suficiente para que possa manter o mesmo nível de vida que mantinha antes, nem o mais caro e nem o mais barato, apenas o meio termo dos dois.

Ainda o artigo 1.696[3] do Código Civil dita que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” e completando, o artigo 1.697 diz que “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

Deste modo, de forma já fortalecida pela doutrina e jurisprudência pátria e expressamente contido no art. 1.696 do Código Civil, foi acolhido o posicionamento de que os alimentos complementares podem vir a ser reivindicados aos parentes quando o genitor não estiver nas circunstâncias adequadas para prover a obrigação, passando a obrigação complementar subsidiariamente aos parentes mais próximos, conforme estabelecido em lei.

O dever de prestar alimentos é previsto em lei, sendo assim, independe de qualquer ato ilícito do devedor. O dever que os pais têm para com os seus filhos depende de possibilidades deles em manter os seus filhos, tornando os alimentos exigíveis se o credor encontrar-se necessitado, não tendo a possibilidade de manter as suas condições básicas de sobrevivência.

Deve-se ressaltar que a obrigação alimentar decorrente de parentesco segue uma ordem certa e determinada para que se busque o pretendido dever da prestação alimentar.

Passada esta análise, será abordada a responsabilidade subsidiária dos avós ao pagamento da prestação alimentícia.

2. Da responsabilidade Subsidiária dos avós ao pagamento da pensão alimentícia

Conforme previsto no art. 1.696 do Código Civil, o dever de prestar alimentos é uma obrigação recíproca entre os pais e filhos, porém, caso haja necessidade, esta pode estender-se aos demais ascendentes.

Quando ocorrem estes casos, os avós são chamados para integrar a relação alimentar, tomando lugar no papel principal de se responsabilizar pela obrigação alimentar ou pela complementação da obrigação.

Neste sentido, Orlando Gomes[4] leciona que: “Na falta dos pais, a obrigação passa aos ascendentes de grau mais próximo, e na falta destes aos que lhes seguem na ordem do parentesco em linha reta. Primeiro, portanto, os avós, em seguida os bisavós, depois os trisavós e assim sucessivamente.”

Trata-se de um direito de ordem pública, com relação à subsistência dos netos, os avós não podem eximir-se de tal obrigação, prevalecendo aqui o princípio da solidariedade familiar e da dignidade da pessoa humana, o qual dá preferência ao amparo do indivíduo sem o desestabilizar e separá-lo de seu ambiente familiar, oportunizando a assistência necessária para proteger o melhor interesse da criança.

Para Maria Helena Diniz[5]: “Ter-se-á, portanto, uma responsabilidade subsidiária, pois somente caberá ação de alimentos contra avó se o pai estiver ausente, impossibilitado de exercer atividade laborativa ou não tiver recursos econômicos. (p. 598)”.

Entretanto, para que a obrigação alimentar venha a ser cobrada dos avós tanto paternos quanto maternos, há a obrigatoriedade em ser provada a impossibilidade de os genitores arcarem com a prestação alimentar.

A obrigação dos avós é subsidiária e complementar, só podendo existir caso os genitores não tenham meios de obter o sustento, buscando a dignidade humana, sendo um dever de todos respeitar a integridade física do ser humano, um dever jurídico de um direito absoluto protegido pela legislação.

Trata-se de um direito de ordem pública, que prevê acima de tudo a dignidade da pessoa humana, enquadrando os avós no dever de subsistência de seus netos, com embasamento jurídico na solidariedade familiar.

Conforme leciona Clóvis Beviláqua[6]: “A faculdade concedida ao necessitado de alimentos cria-lhe um direito de natureza especial. É um dever a que não se pode esquivar o parente, cônjuge ou companheiro a ele sujeito. E, neste sentido, o caráter é de ordem pública. Dada a sua finalidade de atender às exigências da vida, não é renunciável.”

Portanto, somente nos casos de os pais não suportarem arcar com a subsistência de seus filhos, poderão os avós serem chamados para integrar a prestação jurisdicional alimentar dentro de seus meios possíveis, a fim de que estes também não sejam prejudicados nem o seu próprio sustento.

Análise da Súmula 596 do STJ

Em 08 de Novembro de 2017, a 2ª seção do STJ aprovou a súmula 596, sobre a obrigação alimentar dos avós, consolidando o seu entendimento sobre a obrigação alimentícia avoenga: “a obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, configurando-se apenas na impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.”

O texto é muito mais declarativo do que constitutivo, na medida em que afirma o caráter subsidiário da obrigação alimentar dos avós, confirmando o que já constava da redação do art. 1.698 do Código Civil.

Assim, de acordo com o sedimentado pela súmula os avós somente respondem se os pais não puderem fazê-lo. Por rigor lógico, os bisavós também só respondem subsidiariamente e assim sucessivamente.

A Súmula esclarece, de todo modo, que, além de subsidiário, esse dever alimentar avoengo é também complementar. É dizer: os avós respondem quando os pais não podem garantir a subsistência de sua prole no todo ou em parte. Com isso, há um realce em um fato de relevância prática: a ação deve ser ajuizada primeiro contra os pais, mesmo que tenham capacidade contributiva reduzida. Somente depois, quando demonstrada a extensão da capacidade financeira dos pais, será possível demandar os avós, subsidiária e complementarmente.

A posição do STJ é clara: não cabe uma ação contra pais e avós simultaneamente. Até porque essa obrigação não é solidária. Contra os avós, somente em caráter subsidiário e complementar.

No ponto, parece que se obsta um litisconsórcio passivo entre pais e avós. Em uma visão superficial, é o que parece, realmente. Todavia, urge chamar a atenção para um ponto de alta relevância prática: não se pode negar o cabimento de um litisconsórcio passivo sucessivo entre pais e avós. Trata-se de uma figura processual útil para ensejar economia de tempo e efetividade do provimento jurisdicional. Consiste na possibilidade de formar litisconsórcio entre diferentes sujeitos, com pedidos sucessivos em relação a cada um deles, de modo que o segundo pedido só será apreciado se negado o primeiro.

Na ação de alimentos, seria o caso de um pedido direcionado ao pai, mas contendo um outro pedido sucessivo, este dirigido aos avós. Por exemplo, o autor (credor) quer alimentos do pai/mãe; se o réu não tiver condições (totais ou parciais), deseja receber dos avós. Se o primeiro réu tiver condições de suportar totalmente o encargo, não se analisa, sequer, o segundo pedido.

Por óbvio, a instrução do processo deve ensejar a produção de provas a todas as partes, destacando que o segundo acionado pode ter interesse em provar a capacidade contributiva plena do pai/mãe, para se ver livre do encargo, sem prejuízo de demonstrar outros fatos.

Salienta-se que a responsabilidade alimentícia é, preferencialmente, dos pais. Havendo uma eventual dificuldade de demandar os pais não é suficiente para acionar os avós. Porém, a impossibilidade de custear, no todo ou em parte, o sustento deve autorizar a cobrança dos avós, sim. É o caso de um pai que, eventualmente, está preso ou desempregado. Malgrado não sejam motivos de exoneração da obrigação pelos pais, pode ensejar complementação pelos avós.

A Súmula, portanto, reclama uma interpretação cuidadosa sob o prisma processual, de modo a não eliminar possibilidades de litisconsórcio sucessivo, reconhecidas pela melhor técnica processual.

Conclusão

A obrigação alimentar é tida como um dever moral de cada indivíduo a fim de garantir as necessidades do alimentando.

Entretanto, não se pode esquecer do binômio da necessidade x possibilidade entre credor e devedor. Deve-se assim, obedecer à forma do vínculo existente entre o alimentando e o alimentante, a fim de se estabelecer a obrigação alimentar. Nos ditames do Código Civil, os sujeitos da obrigação alimentar, primeiramente, são pais e filhos, sendo que o rol de parentes estende-se ao ascendente mais próximo quando existir falta de genitores.

Desse modo, quando efetivamente comprovado pelos genitores a impossibilidade de arcar com a obrigação alimentar, é permitido por lei exigir o adimplemento da obrigação dos parentes que tenham a condição necessária para arcar com a obrigação sem prejudicar o seu próprio sustento. Consequentemente, os ascendentes em grau mais próximo na falta de genitores, são os avós, que podem vir a ser obrigados a contribuir complementarmente para com esta obrigação no caso de insuficiência de valores recebidos através de seu genitor ou, subsidiariamente, em decorrência de impossibilidade financeira, ausência, morte ou desaparecimento dos genitores. Não enquadra-se na obrigação solidária, pois não está prevista em lei desta forma, entretanto torna-se divisível em virtude da necessidade de outros co-obrigados adimplirem para com esta obrigação.

Em cada caso da obrigação alimentar, o binômio necessidade x possibilidade deve ser visto individual e minuciosamente, visando não haver prejuízos para o alimentando em decorrência de sua necessidade, mas também não pode haver prejuízo para o alimentante em virtude de sua possibilidade de arcar com o encargo, sendo inadmissível este arcar com a obrigação e ao mesmo tempo comprometer o seu sustento.

Em virtude da responsabilidade atribuída aos avós perante o núcleo familiar, responsabilidade esta, baseada na solidariedade e afetividade familiar, de uma forma ou outra, acaba-se atribuindo aos avós a função de garantidor de todos os membros do núcleo familiar ao qual este compõe

Referências

BEVILAQUA, Clovis. Clássicos da literatura jurídica – direito da família. 7ª ed. Rio de Janeiro: Rio, 1976.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5ª edição. Revista dos Tribunais. São Paulo, Editora dos Tribunais, 2009.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro, Forense, 2002.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. V.6. 7 ed. Saraiva, 2010.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias – 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2015.

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 1 ed. – Rio de Janeiro: Forense,2008.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2009.

[1] LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias – 6 ed. – São Paulo: Saraiva, 2015.

[2] BRASIL. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 25 de Fevereiro de 2018

[3] BRASIL. Novo Código Civil Brasileiro. Legislação Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm.  Acesso em: 25 de Fevereiro de 2018

[4] GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro, Forense, 2002.

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

[6] BEVILAQUA, Clovis. Clássicos da literatura jurídica – direito da família. 7ª ed. Rio de Janeiro: Rio, 1976.

Caroline Ribas Sergio
Caroline Ribas Sergio
Advogada, natural de Porto Alegre, inscrita na OAB/RS sob n.º 88.212. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em 2011. É especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER) em 2016. Exerce a advocacia desde o ano de 2011 no âmbito do Direito Civil. Possuí atuação e acompanhamento em causas voltadas ao Direito de Família nos âmbitos judiciais e extrajudiciais. Atuação e acompanhamento em Reclamatórias Trabalhistas. E-mail: carolinesergio@hotmail.com

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