Os bens ambientais em pról da dignidade humana

*Clovis Brasil Pereira 

SUMÁRIO:  1. O conceito legal de meio ambiente    2.  Classificação do meio ambiente     2.1.  Meio ambiente natural     2.2.  Meio ambiente artificial       2.3.  Meio ambiente do trabalho     2.4.  Meio ambiente cultural      3.  O meio ambiente e a dignidade humana

 


 

1.  O conceito legal de meio ambiente 

O legislador brasileiro, assim define meio ambiente, na Lei nº 6.938/81: 

“Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, obriga e rege  a vida em todas as suas formas”. 

Trata-se de um conceito amplo, que foi posteriormente solidificado, no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, e segundo Marcelo Abelha Rodrigues[1] 

“… não retrata apenas a idéia de espaço, de simples ambiente, mas, pelo contrário, vai além, para significar, ainda, o conjunto de relações (físicas, químicas e biológicas) entre os fatores vivos (bióticos) e não vivos (abióticos) ocorrentes nesse ambiente e que são responsáveis pela manutenção, abrigo e regência de todas as formas de vida existentes nesse ambiente.  […]  proteger o meio ambiente significa proteger o espaço, o lugar, o recinto que abriga, que permite e que conserva todas as formas de vida.  […] Assim, o meio ambiente corresponde a uma interação de tudo que, situado nesse espaço, é essencial para a vida com qualidade em todas as suas formas.”

 

A conceituação trazida na Lei nº 6.938/81, colocou o homem num papel de destaque,  como sendo o centro de todo o processo preservacionista,  com objetivo de preservá-lo, assim como os demais seres, dos efeitos danosos, causados pela  devastação ambiental em suas formas, notadamente, as causadas pela poluição. 

Assim, o mesmo artigo 3º, da Lei 6.938/81, ao tratar da caracterização do meio ambiente, e do caráter protecionista atribuído pelo legislador, em seis incisos, assim relaciona os casos que merecem a tutela e  proteção.

 

“Art. 3º:  Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

 I- ………………………………………………………………….

 II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; 

III – poluição,  degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que diretamente ou indiretamente:

 

a)   prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

 

             b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

 

c)   afetem desfavoravelmente a biota;

 

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

 

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

 

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

 

V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas  interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”.  

Posteriormente, a Constituição Federal deu um passo adiante, pois além de garantir ao homem a posição central na preservação ambiental, criou  condições para  sua inserção e integração ao ecossistema,  pelas disposições contidas no artigo 1º, III – proteção à dignidade da pessoa humana -, artigos 182, 215, 216, V, e ainda o artigo 225, ao garantir que o bem ambiental é de uso comum do povo.   

2.  Classificação do meio ambiente 

Embora o conceito de meio ambiente seja unitário, pois  “é regido por inúmeros princípios, diretrizes e objetivos que compõem a Política Nacional do Meio Ambiente[2],  a divisão e classificação  tem por finalidade única, identificar a atividade degradante e o bem imediatamente agredido, para melhor avaliar o aspecto e os valores que mais foram atingidos, identificando-se nesse quadro, o meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. 

2.1 – O meio ambiente natural 

O meio ambiente natural, consiste tradicionalmente, no solo, água, ar atmosférico, flora e fauna, e recebia a tutela antes mesmo da Constituição Federal de 1988, que efetivamente, deu nova dimensão e alcance à proteção e à tutela ambiental. 

O meio ambiente natural é tutelado pelo caput  do artigo 225, pelo parágrafo 1º, incisos I e VII, que estabelecem: 

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para  as presentes e futuras gerações.

 

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito,, incumbe ao Poder Público:

 

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas:

 

(…)

 

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldades”.

 

Para garantir efetividade a essa nova concepção de meio ambiente, segundo a lição de Marcelo Abelha Rodrigues,[3]  

 

“(…) cabe ao homem tutelar o meio ambiente, mantendo o equilíbrio ecológico, porque este é essencial à sadia qualidade de vida. A proteção dos bens ambientais visa justamente à manutenção deste equilíbrio. Num estado que preza o princípio da dignidade da pessoa humana não se podem admitir práticas cruéis contra bens ambientais que componham a biota (fauna e flora). Como seres vivos essenciais à vida do homem, porque responsáveis pelo equilíbrio ecológico, a sua proteção é imperativa, inclusive, como se disse, para a sobrevivência do ser humano, que é integrante do ecossistema. As vedações à prática de atos cruéis aos animais e vegetais decorrem do fato de que não se pode admitir a prática de atos indignos contra qualquer ser vivo.” 

O conceito de meio ambiente  utilizado pelo legislador pátrio, se mostra amplo e abstrato, pois não se conteve em tratar o meio ambiente como o produto da interação  (química, física e biológica) de fatores bióticos e abióticos, responsáveis pela conservação da vida, como também se preocupou com o meio ambiente, numa  abrangência maior,  notadamente quanto à poluição, no tocante a proteção contra as atividades que, de forma direta ou indireta,  prejudiquem   a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criem condições adversas às atividades sociais e econômicas ou afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente.  

Essa grande amplitude e abstração do conceito de meio ambiente, acaba criando dificuldades para um eficaz  regulamentação normativa, em razão da dificuldade em identificar de forma concreta, o objeto da tutela. 

Para Marcelo Abelha Rodrigues, 

“… a adoção de um amplo e abrangente conceito de meio ambiente não lhe é benéfico, mas muito pelo contrário, faz com que não se tenha um conjunto de normas homogêneo, concentrado e efetivo ao seu alcance. E a causa disso não é outra senão porque o meio ambiente já seria esparsamente tutelado por todas as ciências específicas. Em outras palavras, a inexistência de uma definição precisa, que identifique concreta e juridicamente qual o bem ambiental, não permite que ele seja tratado como um direito autônomo, justamente porque a sua proteção seria fracionada nos diversos direitos que garantem o bem-estar e a qualidade de vida”.[4] 

Numa análise sumária do meio ambiente natural, a Lei 6.938/81, que foi integralmente recepcionada pelo texto constitucional de 1988,  em seu artigo 3º, trata do bens ambientais naturais que merecem a proteção especial, pois são bens de uso comum do povo, e como tal, podem ser desfrutados por todas as pessoas. 

Assim, dentro do caráter protecionista atribuído pelo legislador, merecem especial proteção e tutela, os recursos naturais representados pela atmosfera, as águas  interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora, pois todos são essenciais à sobrevivência  das pessoas, com um mínimo de dignidade humana.  

Igual destaque mereceu a prevenção da poluição, representada pela degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que diretamente ou indiretamente:  a)   prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;  b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;  c)   afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. 

O legislador, no mesmo artigo 3º, classificou o poluidor, como  a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental, responsabilizando-o, civil e criminalmente, pelos danos causados ao meio ambiente natural.   

2.2 –  Meio Ambiente Artificial 

O legislador constituinte, ao estabelecer que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e que isso se constitui em um bem de uso comum do povo, não se referiu, por certo, apenas aos recursos naturais (água, solo, ar, fauna, flora, etc.), mas sim a um conceito mais amplo e elástico, que tutela a  vida em todas as suas formas,  e que compreende, obviamente, os componentes artificiais, tais como ruas, praças, bens culturais artificiais, dentre outros. 

É o que veio se chamar de meio ambiente artificial, responsável pelo ecossistema social, e que tem como objeto a proteção de componentes artificiais, urbanos, e que são responsáveis diretamente pela qualidade de vida das pessoas. 

O meio ambiente artificial, segundo o Prof. Celso Antonio Fiorillo[5] 

“(…) é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto  de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Dessa forma, todo o espaço construído, bem como todos os espaços habitáveis pelo homem compõem o meio ambiente artificial”. 

O meio ambiente artificial, ganhou tutela na Constituição Federal de 1988, em vários dispositivos que tratam da Política Urbana, dos quais são destacados: 

Artigo 5º, caput, que garante aos seus habitantes, o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, o que só pode ser atingido, quando a cidade cumprir sua função social;

Artigo 5º, XXII, que estabelece a respeito da função social da propriedade;

Artigo 6º, que garante aos brasileiros e aos estrangeiros que vivem no solo brasileiro, o chamado piso vital mínimo, compreendido  pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância e aos desamparados;

Artigo 21, XX, que dispõe sobre a competência da União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

Artigo 30, VII, que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial,, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, bem como a competência suplementar residual trazida pelos incisos I e II do mesmo artigo.

Artigo 182,  que prescreve:  “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

 Artigo 225, estabelece que “todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações”.  

Posteriormente, através da Lei nº 10.257/2001, denominada de Estatuto da Cidade, foi criada a norma regulamentadora de maior importância para o meio ambiente artificial. 

Pelo aludido diploma legal, foram disciplinados, não apenas o uso da propriedade urbana, mas principalmente as diretrizes do meio ambiente artificial, fundado no equilíbrio ambiental (artigo 1º, parágrafo único do Estatuto), em perfeita consonância com a disciplina dos artigos 182 e 183 da carta magna. 

Conforme lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, a respeito do objetivo do legislador, 

“… foi o de tratar o meio ambiente artificial não só em decorrência do que estabelece constitucionalmente o art. 225 da CF, na medida em que a individualização dos aspectos do meio ambiente tem puramente função didática, mas também em decorrência do que estabelecem os arts. 182 e 183 da Constituição Federal no sentido de direcionar aos operadores de direito facilidade maior no manejo da matéria, inclusive com a utilização dos instrumentos jurídicos trazidos fundamentalmente pelo direito ambiental constitucional brasileiro[6]. 

No entendimento do Prof. Celso Antonio Pacheco Fiorillo,  o meio ambiente passou a receber uma tutela mediata, pelo artigo 225 da Constituição Federal, e uma tutela  imediata, com a regulamentação dos artigos 182 e 183, pelo Estatuto da Cidade.  

Dentre os direitos garantidos no texto constitucional, e posteriormente, no Estatuto da Cidade, a brasileiros e estrangeiros residentes no país,  para o alcance de cidades sustentáveis, destacam-se: 

      • O direito à terra urbana e à moradia (artigo 2º, I, do Estatuto), como forma do exercício do direito à casa (art. 5º, XI, da CF), para que possam ter um local destinado a assegurar um asilo inviolável com a finalidade de garantir fundamentalmente seu direito à intimidade (art. 5º, X, seu direito à vida privada (art. 5º, X),  o direito à moradia (art.  6º), elevado ao status de direito constitucional, face a Emenda Constitucional nº 26/2000, assim como a organização de sua família (arts. 226 a 230);
      • O direito ao saneamento ambiental,  que consiste em disponibilizar alguns materiais fundamentais à sobrevivência humana, com o mínimo de dignidade, representados pelo o direito ao uso de águas, potável ou destinada à higiene, direito  a esgoto sanitário, direito ao ar atmosférico e sua circulação e direito ao descarte de resíduos;
      • O direito ao transporte,  com a disponibilização dos meios necessários destinados a sua livre locomoção, assegurando  vias para circulação das pessoas, meios de transporte adequado e seguro, bem como o escoamento dos produtos fundamentais para as relações econômicas e de consumo.
      • O direito aos serviços públicos, garantidos a brasileiros e estrangeiros residentes no país, na condição de consumidores em face do Poder Público municipal, que está obrigado, na condição de fornecedor de serviços, manter estes, de forma suficiente e de qualidade, quanto a rede de esgotos, abastecimento de água, gás e energia elétrica, coleta de lixo, captação de águas pluviais, dentre outros.
      • O direito ao trabalho, entendido como toda e qualquer atividade humana vinculada à transformação dos recursos ambientais (basicamente meio ambiente natural), visando satisfazer determinadas necessidades da pessoa humana, conforme a previsão do artigo 2º, I, do Estatuto da Cidade, devendo tal direito, estar garantido como diretriz a ser observada no planejamento da política urbana de cada cidade.
      • O direito ao lazer, que garante ao exercício de atividades prazeirosas no âmbito das cidades, sem o que, não há de se falar em garantia da dignidade humana, e o alcance do piso vital mínimo, preconizado no artigo 6º da Constituição, do qual o lazer é parte integrante, e  assegurado a brasileiro e estrangeiros residentes no País, seja com a realização de atividades culturais (salas de cinema, teatros), seja com atividades lúdicas (áreas para prática de esportes, praças para passeio e descanso, áreas arborizadas, etc.) e que são indispensáveis para a preservação da saúde das pessoas. 

A garantia e a eficácia do direito ambiental artificial, depende  de um bem elaborado Plano Diretor, exigido para todas as cidades com mais de  20 mil habitantes, com um planejamento adequado da aplicação dos recursos públicos, para atendimento das necessidades básicas da população.  

Para possibilitar a participação efetiva da população, no planejamento urbano, elegendo as  preferência no atendimento, dentro das possibilidades orçamentárias de cada cidade, é de suma importância a gestão orçamentária participativa, prevista no artigo 4º, III, f, do Estatuto da Cidade, sendo este um instrumento democrático de singular importância, para o exercício da cidadania.     

2.3 –  Meio ambiente do Trabalho 

Constitui-se o meio ambiente do trabalho, do local onde as pessoas  desenvolvem as atividades laborais,  em caráter remunerado ou não.

O equilíbrio buscado no meio ambiente do trabalho consiste na salubridade do meio,, e na ausência de agentes que possam comprometer a incolumidade físico-psiquica dos trabalhadores em geral, independentemente da qualificação, do sexo, da remuneração e do enquadramento profissional. 

A preservação do meio ambiente do trabalho, como garantia fundamental à dignidade humana, recebe na Carta Magna, tutela mediata, no artigo 225, e imediata, no seu artigo 200, VIII, que estabelece: 

“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(…)

VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

É importante a distinção feita entre a proteção do direito do trabalho, da assegurada ao meio ambiente do trabalho, citada por Celso Antonio Pacheco Fiorillo[7], 

“(…) porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador no ambiente onde desenvolve suas atividades. O direito do trabalho, por sua vez, é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam as relações jurídicas entre empregado e empregador”.  

Dentre os instrumentos colocados pelo legislador constitucional e infraconstitucional, para garantir  o meio ambiente do trabalho, destacamos:

      • Embargo, interdição e a greve: A segurança e a saúde no trabalho, são objetivos essenciais do meio ambiente do trabalho.  A Constituição Federal fixou, em seu artigo 196, um patamar básico a ser observado, como direito fundamental de saúde, ao expressar que: 

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. 

Com a garantia constitucional do direito à saúde, tem irrestrita aplicabilidade as normas insertas na Consolidação das Leis do Trabalho (art. 161), e particularmente, na Constituição do Estado de São Paulo (art. 229, § 1º), que possibilitam a interdição da empresa e o embargo da obra,  e se constituem em instrumentos de proteção, com a  finalidade eliminar a insalubridade do meio ambiente do trabalho. 

Tanto o embargo de obra, quanto a interdição da empresa, poderão ser requeridos pela DRT – Delegacia Regional do Trabalho, por agente de inspeção do trabalho ou ainda por entidade sindical. 

      • Greve Ambiental:  A greve de uma forma geral, é um instrumento constitucional, previsto no artigo 9º,  conferido ao empregado das empresas privadas, para autodefesa de seus interesses.  Particularmente, quando se trata de reclamar da insalubridade do seu meio ambiente do trabalho, e que coloca em risco o direito à saúde, garantido no artigo 196, da Constituição Federal, pode se socorrer da greve ambiental, para defesa de seus direitos. 

Quanto aos servidores públicos civis, igual direito de greve, é garantido e disciplinado pelo artigo 37, VII, com as alterações introduzidas pela EC nº 19, de 4 de junho de 1998, e certamente, em casos de violação do direito à saúde, decorrente de meio ambiente do trabalho, tal direito pode ser também exercido.  

A Constituição do Estado de São Paulo,  também prevê esse instrumento de defesa, em seu artigo 229, § 2º, embora não tenha o legislador feito referência específica ao vocábulo greve, ao garantir proteção nas relações do trabalho, ao prever que:

“Art. 229  ……………………………………………………………………

(…)

§ 2º. Em condições de risco grave ou iminente no local de trabalho, será lícito ao empregado interromper suas atividades, sem prejuízo de quaisquer direitos, até a eliminação do risco”. 

Observa-se ainda que, pela previsão contida na CLT e da própria Constituição Estadual, o empregado receberá regularmente o salário a que faz jus, não sendo lícito ao empregador descontar os dias em que ocorrer paralisação, decorrente do embargo ou da interdição, uma vez que a garantia a um sadio ambiente de trabalho, é preceito constitucional que contribui para dignidade humana. 

2.4    Meio ambiente cultural 

No artigo 216 da Constituição Federal, está contido o conceito de meio ambiente cultural, assim descrito:

“Art. 216.  Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

 

I – as formas de expressão;

 

II – os modos de criar, fazer e viver;

 

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

 

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

 

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”

 

Na lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues[8] 

“O bem que compõe o chamado patrimônio cultural traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República Federativa do Brasil”.             

Para o Prof. José Afonso da Silva[9], o meio ambiente cultural, 

“(…) é integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial” 

Todo o bem, de natureza difuso, referente a cultura, identidade e memória de um país e de seu povo, é considerado como patrimônio cultural, recebendo a proteção constitucional, nos artigos 215, caput, e 216, § 1º, que prescrevem: 

“Art. 215.  O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

 

(…)

 

Art. 216. (…)

 

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.”              

Trata-se, portanto, de bem de natureza difuso, na medida em que  cabe ao Poder Público, o dever de preservar o patrimônio cultural, contando com a colaboração da comunidade, e que referidos bens pertence a todos.   

Dentre os instrumentos de preservação do meio ambiente cultural, previstos na legislação constitucional e infraconstitucional, merecem destaque o tombamento ambiental, a proteção internacional dos bens culturais, proibição a qualquer ato de racismo, garantia de liberdade de crença religiosa, defesa das línguas brasileiras, notadamente a dos indígenas, que representam os povos nativos, e afro-brasileiras, que são importantes manifestações culturais que integram o processo civilizatório  nacional. 

3.  O meio ambiente e a dignidade humana 

A  perfeita harmonia entre o  meio ambiente natural, cultural, do trabalho e artificial,  bens ambientais difusos e coletivos de  uso comum do todos, é que possibilita  a garantia de condições mínimas à qualidade de vida.  

Por sua vez,  o alcance do chamado piso vital mínimo, assegurado na Carta Magna, em seu artigo 6º, que garante  direitos sociais essenciais, tais como, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o  lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, está diretamente relacionado à preservação de um ecossistema  equilibrado, sem o que, não se pode dar efetividade ao fundamento constitucional que garante a dignidade humana, estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.  

Portanto, sem a garantia de meio ambiente saudável e equilibrado, preservado inclusive para as futuras gerações,  não há como se  garantir dignidade à pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Marcelo Abelha Rodrigues, Elemento de Direito Ambiental, p. 65,  RT, 2005

[2] Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 20

[3] Obra citada, p. 67

[4] Obra citada, p. 70

[5] Ob. Cit. p. 223

[6] Ob. Cit., p. 235

[7] Ob. Citada, p. 23

[8] Manual de Direito Ambiental e legislação aplicável,   p. 61

[9] Apud Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Ob. Cit.   p. 22

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

 

 

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito (área de concentração: direitos difusos e coletivos),  Professor Universitário, lecionando atualmente as disciplinas Direito Processual Civil e Prática Jurídica Civil nas Faculdades Integradas de Itapetininga (SP) e UNICASTELO, São Paulo (SP);  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor do site jurídico www.prolegis.com.br

Contato:   prof.clovis@54.70.182.189

Texto extraída da Dissertação de Mestrado do Autor , “A LEGITIMIDADE ATIVA NA AÇÃO POPULAR  AMBIENTAL”, defendida em agosto de 2006, na UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos, perante a Banca Examinadora presidida pelo Professor Doutor  Celso Antonio Pacheco Fiorillo.

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